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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO OS ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE FAMÍLIAS POPULARES: O caso de Bocaina, Ouro Preto-MG JULIANA DE MATOS XAVIER MARIANA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

OS ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE FAMÍLIAS

POPULARES:

O caso de Bocaina, Ouro Preto-MG

JULIANA DE MATOS XAVIER

MARIANA

2016

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JULIANA DE MATOS XAVIER

OS ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE FAMÍLIAS

POPULARES:

O caso de Bocaina, Ouro Preto-MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Educação – Mestrado da Universidade Federal de Ouro Preto

como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Educação.

Linha de pesquisa: Desigualdades, diversidade, diferenças e

práticas educativas inclusivas

Orientação: Profa. Dr

a. Rosa Maria da Exaltação Coutrim

Coorientador: Joel Windle

MARIANA

2016

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Dedico esta dissertação à Professora Doutora Rosa da Exaltação Coutrim, que, com sua

delicadeza, me incentivou por todo o tempo e permitiu, através de seus ensinamentos, que eu

chegasse até aqui. À minha Grandiosa Mãe, Diva Xavier de Matos, pelo amor incondicional e

apoio durante todo o meu percurso. Ao meu querido amor, Bruno César Dinali, pela amizade,

ensinamentos, paciência e carinho. À minha sogra, Rosa Dinali, por compartilhar

experiências, teorias e ensinamentos. À direção da escola pesquisada, pela disponibilidade,

confiança e acessibilidade. Aos queridos alunos moradores da localidade de Bocaina, em

especial suas mães e familiares, por terem me recebido tão bem em suas casas e me confiado

as suas histórias de vida

e, acima de tudo, ao meu poderoso e bom Deus!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos gestores da escola pesquisada, pelo apoio, disponibilidade e confiança.

Aos familiares dos jovens moradores de Bocaina (Ouro Preto-MG), pela recepção, confiança e

ensinamentos.

Aos alunos dos 1º anos, por serem verdadeiros e autênticos em seus relatos.

À minha querida orientadora, Profa. Dr

a. Rosa da Exaltação Coutrim, pelo carinho

especial, amizade, paciência e dedicação.

Aos professores, em especial à Profa. Dr

a. Marlice de Oliveira e Nogueira, por estar

sempre disponível nos momentos de dúvidas e desesperos.

Às minhas irmãs orientandas, em especial à Lucinéia, sempre amiga, meiga e presente,

sua delicadeza me tranquilizou por todo o tempo.

À revisora de redação, Elodia Honse Lebourg, pelo carinho e incentivo nos momentos

em que quase desisti.

Ao meu esposo, por abrir mão de tantos momentos sociais para que eu não perdesse o

foco de minha pesquisa. Pelas noites me ensinando a fazer gráficos e por sempre se sentar ao

meu lado quando estou estudando, mesmo que seja para fazer outras coisas. Por ser paciente e

sempre me esperar quando vou aos congressos.

À minha mãe, por estar presente por todo o tempo, por entender que, muitas vezes, me

ausentei de seus braços para me focar nos estudos. Por saber que meus momentos de estresse

são passageiros e por perdoá-los sempre.

Aos familiares, irmãos, cunhadas e sobrinhos, por entenderem a minha ausência.

Aos amigos, por alegrarem os meus dias e sempre me fazerem sentir bem, por me

mostrarem um sorriso a cada encontro, pelo abraço de saudade e pelas palavras que sempre

consolam, pelo “até logo” com a certeza de que sempre estaremos juntos.

Aos meus colegas de trabalho, pelas trocas de turnos, amizade e lealdade.

Ao meu Deus, por estar sempre presente em minha vida e por, a cada dia, me mostrar o

quanto posso ser capaz!

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“Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir

uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso oceano da

verdade continua misterioso diante de meus olhos”.

Isaac Newton

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RESUMO

Esse estudo teve como proposta investigar como os pais moradores da Bocaina, uma pequena

localidade da cidade de Ouro Preto-MG, desenvolvem suas práticas de apoio familiar aos filhos

em situação de mudança de espaço escolar ao ingressarem em uma escola pública localizada

em outro distrito. A pesquisa seguiu o aporte analítico da Sociologia da Educação com

aproximação da Sociologia da Família. Dentre o referencial teórico, destacam-se os

autores Lahire (1994;1997) e Thin (1998; 2006; 2010), e brasileiros, como Portes (1998),

D’Ávila (1998), Viana (1998), Nogueira et al. (2011), Nogueira e Nogueira (2007), Nogueira

(1998; 2004). Trata-se de uma investigação de caráter qualitativo e quantitativo e para a coleta

de dados, foram aplicados 134 questionários a todas as turmas do turno matutino, que no

momento do trabalho de campo cursavam o 1º ano do Ensino Médio da escola selecionada. A

partir da análise dos questionários foram escolhidas cinco famílias de estudantes que vivem em

Bocaina e realizadas entrevistas semiestruturadas com os responsáveis por estes jovens, a fim

de analisar através do perfil de configuração e histórias de vida, as práticas educativas

desenvolvidas por elas. As categorias de análise foram estruturadas de acordo com os eixos

temáticos: Estratégias familiares no processo de escolarização dos filhos, a importância da

escola para a família e representação do local de moradia para as famílias. Os principais

resultados demonstram que as famílias pesquisadas possuem baixo capital escolar e econômico

e as profissões dos chefes familiares se caracterizaram por ocupações de pouco prestigio e

remuneração. Também foi possível identificar que, embora tenham pouca escolaridade, existe

um forte desejo e mobilização das famílias para que os jovens alcancem a longevidade escolar.

Em todos os depoimentos observou-se que os jovens vivenciaram alguma ruptura familiar, seja

através de casos de viuvez, separação ou reconstituição de famílias, ou ainda, casos de doenças

graves. Foi constatado também, que os pais têm uma relação de afetividade com o local de

moradia, embora reconheçam que a distância dos centros urbanos dificulta a socialização e o

processo de escolarização dos jovens. Espera-se contribuir, com esse estudo, para a

compreensão das práticas familiares que propiciam a longevidade escolar das camadas

populares, de modo a ampliar os conhecimentos e a literatura sobre a temática dentro da

perspectiva da Sociologia da Educação e da Sociologia da Família.

Palavras-chave: Família-escola; Práticas educativas familiares; Camadas populares.

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ABSTRACT

This study aimed to investigate howthose resident parents of a small town in the city of Ouro

Preto develop as a manner of family support practice to their children in school changing

situation as the children join a public school located in another district. The research followed

the analytical contribution of Education Sociology approaching Family Sociology. Among the

theoretical framework, we highlight the authors, Lahire (1994; 1997), Thin (1998; 2006; 2010),

and Brazilians such as Portes (1998), D'Ávila (1998), Viana (1998), Nogueira et al . (2011),

Nogueira and Nogueira (2007), Nogueira (1998, 2004). This study is a qualitative research, and

for data collection were applied 134 questionnaires to all classes of the morning shift, which at

the time of the field work, were enrolled in 1st year of the selected high school. From the

analysis of the questionnaires, five families of students living in Bocaina were chosen, and

semi-structured interviews were conducted with those responsible for the children in order to

look through the profile configuration and life stories and school practices. The analysis

categories were structured according to the themes: "family strategies in the children learning

process ", "the importance of school for the family", and "the importance of the place of

residence to the family". The main results show that the surveyed families have low educational

and economic capital from their ascendants, and the occupations of the family heads were

characterized as occupations of little prestige and remuneration. It was also possible to identify

that although the school base is low, there is a strong desire and family mobilization so that the

chindren reach school longevity. In all analyzed school stories, young people experienced some

kind of family breakdown, either through cases of widowhood, separation or family

reconstitution, and even cases of serious diseases. It has also been found that the change in

school environment for these youngsters was a remarkable transition in their lives, because at

this stage they initiated a new network of relationships in an unknown space, which required a

redistribution of schedule and greater attention from their parents. This study's expectation is to

contribute to the understanding of the family practices that promote school longevity of the

popular layers of society, in order to expand the knowledge and literature on the subject within

the perspective of Education Sociology and Family Sociology.

Keywords: Family-school; Family educational practices; popular layers.

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LISTA DE SIGLAS

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IVF: Índice de Vulnerabilidade das Famílias

SIMADE: Sistema Mineiro de Administração Escolar

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Número de jovens por local de residência que atendem aos critérios de seleção para os

familiares participarem das entrevistas .................................................................................................40

Gráfico 2 – Número de irmãos mencionados pelos jovens estudantes do 1º ano do Ensino Médio em

uma escola pública de Cachoeira do Campo (2015) .............................................................................44

Gráfico 3 – Nível de escolaridade alcançado pelo pai, de acordo com relatos ......................................45

Gráfico 4 – Nível de escolaridade alcançado pela mãe, de acordo com relatos .....................................46

Gráfico 5 – Renda familiar média mencionada pelos jovens estudantes do Ensino Médio de uma escola

pública de Cachoeira do Campo (2015) ...............................................................................................47

Gráfico 6 – Disponibilidade de acesso à informação na residência, segundo relatos .............................49

Gráfico 7 – Local de residência (distrito/localidade) dos jovens estudantes do 1º ano do Ensino Médio

na escola de Cachoeira do Campo investigada (2015) ..........................................................................52

Gráfico 8 – Acesso à informação na residência dos jovens estudantes do ............................................54

Gráfico 9 – Locais de lazer mais mencionados pelos jovens que vivem longe da escola e cursam o

Ensino Médio em uma escola de Cachoeira do Campo (2015) .............................................................55

Gráfico 10 – Tempo médio em que os jovens estudantes do Ensino Médio de uma escola de Cachoeira

do Campo residem no atual local de moradia (2015) ............................................................................57

Gráfico 11 – Meios de transportes utilizados para o deslocamento dos jovens que estudam em uma

escola em Cachoeira do Campo até suas residências (distritos e localidades) (2015).............................58

Gráfico 12 – Proximidade entre a residência e escola, de acordo com a percepção...............................59

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa político do município de Ouro Preto e seus distritos com as relações de

distância entre os distritos e da sede ....................................................................................... 33

Figura 2 - Características gerais das famílias entrevistadas de Bocaina ................................................61

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LISTA DE TABELA

Tabela 1 – Relação da população do município de Ouro Preto e distritos/ localidades

envolvidos na pesquisa com famílias de Bocaina .................................................................... 35

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 15

1 FAMÍLIAS POPULARES E A ESCOLA .................................................................. 20

1.1 Breve histórico sobre a relação família-escola no campo da Educação........................... 20

1.2 Mudanças das configurações da relação família-escola .................................................. 24

1.3 Entendendo a importância das práticas educativas familiares......................................... 28

2 BOCAINA, QUE LUGAR É ESSE?................................................................................. 32

2.1. Os distritos, a infraestrutura e a (não) presença do poder público ..................................... 36

2.2 Percursos metodológicos .................................................................................................. 38

2.2.1 O perfil geral dos jovens que estudam no 1º ano em Cachoeira do Campo ........... 43

2.2.2 O espaço em que vivem os sujeitos da pesquisa .................................................... 48

2.2.3 O perfil dos 39 jovens que vivem em territórios afastados da escola ..................... 51

3 MORANDO NO INTERIOR: REFLEXÕES SOBRE A VIDA DOS JOVENS

ESTUDANTES DE BOCAINA ........................................................................................... 60

3.1 A visão dos moradores de bocaina: quem somos nós?....................................................... 61

3.1.1 Entrevista da Família 1: Iraci, a avó da jovem Raiara.......................................... 62

3.1.2 Entrevista da Família 2: Rosana, mãe de Poliane, cunhada de Raiara ................. 66

3.1.3 Entrevista da Família 3: Mariana, a irmã mais velha ........................................... 69

3.1.4 Entrevista da Família 4: Ana, a mãe protetora de Raissa e Renato ....................... 70

3.1.5 Entrevista da Família 5: Geralda, o trauma de infância ....................................... 72

4 ANÁLISE DOS DADOS: A mobilização familiar ..................................................... 75

4.1 Esforços familiares no processo de escolarização dos filhos .......................................... 76

4.2 A importância da escola para as famílias de Bocaina ..................................................... 84

4.3 A representação do local de moradia para as famílias de Bocaina .................................. 90

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 97

APÊNDICES ...................................................................................................................... 103

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INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos 1980 e 1990, houve um grande processo de reorientação no campo

da Sociologia da Educação, com a emergência de novas formas de abordagem na discussão das

relações entre a família e a escola. Esse processo foi caracterizado por um deslocamento do

olhar sociológico, que deixou de focar as macroestruturas, nas quais a classe social

transformava a família numa mera cadeia de transmissão, para se voltar para novos enfoques

nas pequenas unidades de análises, como as práticas pedagógicas cotidianas e esforços

individuais familiares (NOGUEIRA, 1998).

Foi nesse período que a Sociologia da Educação se ocupou mais intensamente de

pesquisas sobre a trajetória escolar de indivíduos e sobre os esforços realizados pelas famílias

no decorrer da escolarização. Assim, a posição social dos pais e a performance escolar dos

filhos deixaram de ser o objeto principal das pesquisas e deram lugar também para o desejo dos

pesquisadores de conhecer os processos e as dinâmicas educativas intrafamiliares, com novos

olhares e instrumentos de pesquisas, como a abordagem antropológica, que utiliza os estudos

etnográficos, a observação participante, e os estudos históricos realizados através da historia de

vida familiar e de biografias escolares (NOGUEIRA, 1998).

Tais mudanças aproximaram a Sociologia da Educação e a Sociologia da Família. Esse

diálogo trouxe significativos avanços para o campo da Educação, através do surgimento de

novas produções originadas do pensamento de Bourdieu, como as de Singly (1987; 1993;

1996), Montadon (1987), Lahire (1997; 2008), Portes (1997; 1998; 2006), Nogueira e Nogueira

(2007), Cunha (2007), Setton (2005), Viana (2003) e Nogueira et al. (2011), que tratam das

desigualdades escolares e contribuem para novas análises sobre a escola, a família e a

comunidade.

Embora os elos entre a família e a escola sempre tenham sido uma preocupação para os

sociólogos da Educação, houve uma transição da sociologia das desigualdades para uma

sociologia que se interessa pelas práticas familiares, como uma forma de compreender como

são criados e reproduzidos os padrões educacionais no interior das famílias. Para isso, foi

preciso levar em consideração as modificações vividas pelas famílias contemporâneas e pela

escola, decorrentes das transformações políticas e sociais, como o crescimento populacional

acelerado, a concentração de renda e empobrecimento, a feminização do mercado de trabalho e

o desenvolvimento de novas tecnologias, que se refletem nas configurações familiares e nas

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relações entre pais e filhos intermediadas por outras instituições, como a escola, por exemplo,

seja no meio rural, seja no meio urbano.

Para as famílias do meio rural, a escola é um dos principais instrumentos de preparação

para a ida à cidade e ao trabalho urbano, e as suas articulações no mundo social acontecem

também de acordo com os bens materiais e sociais familiares, que favorecem o acesso aos

conteúdos e, consequentemente, aos outros capitais, como o capital social1 e o escolar

(RANGEL; CARMO, 2013). Segundo Portes (2006), os pesquisadores devem compreender as

famílias rurais para além de uma oposição às famílias urbanas, levando em consideração os

movimentos de expansão, processos culturais, políticos e tecnológicos que vêm se instalando

no Brasil. O autor também destaca que é preciso considerar, nessas famílias, as suas

simbolizações, formas de vida e as possibilidades do contato com a televisão, parabólica, rádio,

telefone celular e internet, tendo em vista que o meio em que as famílias vivem também pode

interferir em suas dinâmicas. Hoje, as fronteiras entre o urbano e rural não são tão demarcadas,

pois a melhoria da disposição dos recursos, como transporte, possibilita a circulação dos

sujeitos entre o rural e o urbano, completa Portes (2006).

Esta pesquisa se propõe a conhecer melhor a prática de escolarização de famílias

populares que vivem em uma localidade de Ouro Preto-MG, denominada Bocaina, no qual os

estudantes, assim como os de outras localidades da região de Ouro Preto, são levados a se

deslocar para um distrito maior, Cachoeira do Campo, para cursar o Ensino Médio. Assim,

inspirados nos estudos de Bourdieu e dos outros autores mencionados anteriormente,

procuramos investigar as relações sociais que são tecidas entre os diferentes campos que

compõem o mundo social, em específico no interior das famílias moradoras do distrito

selecionado.

Vale ressaltar que não se propõe, neste estudo, demonstrar as diferenças entre o meio

rural do urbano. Embora a localidade de Bocaina tenha fortes traços rurais, a mesma possui

elementos urbanos, como, por exemplo, acesso à informação. Em relação à sociabilidade, no

entanto, muitos moradores saem pouco da localidade e constroem sua rede de relações

basicamente no local onde moram.

Tendo em vista a complexidade que compõe a vida social, seja em áreas urbanas ou

rurais, e as mudanças do contexto familiar e escolar ao longo dos anos, nossa pesquisa tem

como principal objetivo investigar quais são os esforços familiares adotados pelas famílias de

1 Segundo Bourdieu (1998), o capital social pode ser entendido como um conjunto de relações duradouras e úteis

estabelecidas pelos indivíduos, no sentido de garantir ganhos materiais e simbólicos. Tais relações podem ser a

curto ou longo prazo e se relacionam, por exemplo, com os tipos de interações que os sujeitos estabelecem com

determinados indivíduos no trabalho, na vizinhança, na família, amigos, dentre outros.

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Bocaina para manter seus filhos na escola, mesmo diante de tantas dificuldades, como a

distância da escola e o acesso restrito a bens públicos, como unidades de saúde, escolas e

bibliotecas. Por sua vez, com os objetivos específicos, espera-se conhecer qual a relevância da

escola para os pais que precisam matricular seus filhos em outro distrito e, também, investigar

o perfil das famílias pesquisadas e dos jovens que estudam no 1º ano do Ensino Médio na

escola selecionada.

Com objetivo de responder à questão principal desta pesquisa, procuramos compreender

quais esforços são realizados pelas famílias que vivem distantes da escola para manter seus

filhos estudando até a conclusão do Ensino Médio.

Trata-se de um estudo original, pois discute o processo de escolarização de jovens em

um espaço distinto das grandes cidades, que se concentra em um espaço rural com fortes

ligações com o espaço urbano. Além disso, a pesquisa contribui para a Sociologia da Educação,

ao auxiliar na compreensão da reprodução da desigualdade social, um fenômeno mundial, e das

características da educação familiar e escolar de jovens de camadas populares moradores da

Região dos Inconfidentes, em específico de Bocaina, bem como das dificuldades vivenciadas

por essas famílias no processo de transição para o Ensino Médio.

Embora existam inúmeros estudos sobre a relação família e escola, estes ainda são raros

na região de Ouro Preto-MG. Sabemos que as duas instituições, família e escola, estão sujeitas

a conflitos de diferentes ordens, principalmente em bairros ou localidades afastadas do centro

urbano, que são espaços marcados, muitas vezes, pelo isolamento espacial e tecnológico, pela

pobreza, pela falta de saneamento básico e mobilidade urbana.

Minha relação com o objeto de pesquisa surgiu a partir da minha vivência no distrito de

Cachoeira do Campo, quando atuei como enfermeira na Unidade de Pronto Atendimento e

professora na escola selecionada para este estudo, em anos anteriores à pesquisa, pude observar

que os moradores de distritos afastados que recorrem a estas unidades enfrentam constantes

dificuldades para se manter, principalmente na escola. Tais obstáculos estão relacionados, com

frequência, a problemas de acesso, mobilidade, horários limitados de ônibus, ausência de meios

de comunicação, como internet e telefone, e pouco contato com outras realidades, a não ser

com o próprio local de moradia e vizinhança.

Quanto à metodologia, esta pesquisa é de caráter qualitativo, pois possibilita buscar

significados, motivações, valores e crenças na procura de respostas para questões particulares

(BONI, QUARESMA; 2005), embora também tenha traços da pesquisa quantitativa ao se

utilizar de questionários. Para a sua execução, foi elaborado o desenho metodológico, que

consistiu, primeiramente, em conhecer a região estudada, no que diz respeito à localização

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geográfica da escola e ao local de moradia das famílias. Essa pesquisa inicial foi feita por meio

de documentos da prefeitura sobre os distritos de Ouro Preto e o transporte escolar. Tal

mapeamento possibilitou caracterizar o campo de pesquisa e nos permitiu apresentar os

caminhos percorridos no processo de seleção, coleta e análise dos dados. Acreditamos que

conhecer o campo da pesquisa e aproximar-se dessas famílias nos permitiria compreender as

especificidades vividas por elas, bem como os seus modos de ser e estar no mundo.

A coleta de dados baseou-se em quatro momentos: a) pesquisa bibliográfica e

documental; b) aplicação de questionários com os jovens; c) observação do espaço de moradia

dos jovens; e d) coleta de dados através de entrevistas semi-estruturadas com os pais, conforme

detalhado no Capítulo 2.

Primeiramente, como ferramenta metodológica para a compreensão do perfil dos jovens

e suas famílias, foi elaborado um questionário composto por 23 questões semi-estruturadas e

aplicado aos 134 alunos na faixa etária de 15-18 anos, matriculados no 1º ano do Ensino Médio

em uma escola pública de Cachoeira do Campo, do turno da manhã e que estavam presentes em

sala de aula durante a segunda semana de junho de 2015. Os alunos do turno da noite (apenas

nove) não participaram da pesquisa devido aos compromissos da turma com a realização de

provas.

Este questionário permitiu verificar que existem 39 jovens que vivem em distritos e

localidades rurais mais afastadas, distantes, pelo menos, sete quilômetros, da escola e que

utilizam o ônibus escolar ou vans para ir estudar. Esse parâmetro de distante foi estabelecido

através da percepção dos jovens. Entre esses 39 jovens, foram selecionadas cinco famílias da

localidade de Bocaina para um estudo mais aprofundado, por meio de entrevistas e de uma

observação mais detalhada.

Para melhor apresentação da discussão sobre a realidade investigada, esta dissertação

foi estruturada em quatro capítulos, além da introdução. Optou-se por fazer dessa forma, para

que, primeiramente, seja possível situar o leitor em relação à localização geográfica em que se

insere a escola e o local de moradia das famílias, para, posteriormente, discutirmos as

representações que estas famílias têm do local de moradia e quais são as práticas empreendidas

pelas mesmas no processo de escolarização de seus filhos.

No Capítulo 1, o leitor encontrará um breve levantamento histórico sobre as famílias

populares e a escola no campo da educação. Este capítulo tem o objetivo de apresentar as

mudanças das configurações família-escola ao longo dos anos e procurou possibilitar a

compreensão da importância das práticas familiares no processo de escolarização ou mesmo na

formação dos sujeitos.

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O Capítulo 2 trata da descrição e apresentação do campo de pesquisa e dos caminhos

metodológicos percorridos para a elaboração da dissertação. Procuramos, neste capítulo,

descrever onde vivem os sujeitos da pesquisa, conhecer qual é o perfil dos jovens que estudam

na escola selecionada, principalmente daqueles que vivem em localidades ou distritos afastados

e, por fim, apresentar a infraestrutura disponível para essas famílias.

Com o objetivo de melhor compreender os esforços familiares de apoio aos jovens

durante a transição para o Ensino Médio, o Capítulo 3 vem apresentar o perfil dos jovens do

distrito de Bocaina e traz os resultados dos questionários respondidos por eles. Já no capítulo 4,

a proposta é trazer os resultados das entrevistas com os responsáveis pelos jovens e possibilitar

ao leitor, através da análise dos dados a compreender as práticas de apoio familiar dessas

famílias moradoras de Bocaina, a fim de apresentar a relevância dos estudos para os pais

moradores dessa localidade durante essa importante etapa de transição para os jovens.

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1 FAMÍLIAS POPULARES E A ESCOLA

Este capítulo tem como objetivo apresentar dados teóricos sobre os temas norteadores

desta pesquisa, que são as práticas educativas familiares e as camadas populares durante o

processo de escolarização de jovens do Ensino Médio.

Inicia-se, na primeira seção, com um breve histórico sobre a relação entre família e

escola no campo da Educação, seguido da apresentação de teorias de alguns autores que

contribuíram para o tema ao longo dos anos. Assim, abordamos a importância da educação

escolar, familiar e das gerações transmitirem suas heranças, através da influência

intergeracional no seio familiar, o que consideramos importante para o clima educativo e a

transmissão de um capital escolar.

Na seção 1.2, apresentaremos as principais mudanças e evoluções ocorridas nas

configurações familiares e os impactos nos desdobramentos do percurso social e escolar dos

jovens estudantes, pois estas duas instituições, família e escola, são fundamentais para o

processo de constituições de identidades.

Finalizaremos o capítulo com a seção 1.3, cujo objetivo é nos permitir compreender a

importância das práticas educativas familiares, principalmente nas classes populares, que são o

foco de nossa pesquisa, a fim de nos preparar para a análise dos próximos capítulos, nos quais

apresentamos o perfil dos jovens pesquisados e de suas famílias e as principais práticas de

escolarizações empreendidas por elas para garantir o sucesso escolar desses jovens.

1.1 Breve histórico sobre a relação família-escola no campo da Educação

A temática família-escola vem sendo discutida há, pelo menos, cinquenta anos, mas, nas

últimas décadas, inúmeras pesquisas no campo das Ciências Sociais e da Educação vêm sendo

produzidas, resultando em uma ampla literatura que, hoje, demonstra as correlações entre a

origem social dos alunos com o sucesso e o fracasso escolar.

A escola e a família possuem realidades distintas, embora essas duas instituições se

encontrem intrinsecamente ligadas há séculos em função da necessidade de cada geração

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transmitir aos seus sucessores o que é considerado fundamental. Esta também é uma forma de

garantir a preservação e a continuidade da sua herança (TOMIZAKI, 2010).

De acordo com Thin (2006), a forma de educação escolar foi elaborada a partir dos

séculos XVI e XVII, na França, e, hoje, passou por muitas transformações. No século XVII, os

valores, conhecimentos e práticas já eram passados no interior da família através dos membros

mais velhos, de forma que se garantiria a sobrevivência e a perpetuação dos costumes no grupo.

Ainda naquela época, surgiu a necessidade desse método de educação familiar se associar com

a educação escolar (CAMPOS, 2010). A educação propriamente familiar assegura a

transmissão de um patrimônio simbólico, ao mesmo tempo em que regula as relações entre os

membros do grupo familiar (GHEORGHIU et al., 2008).

A transmissão intergeracional vem ocorrendo desde a pré-História, porém os primeiros

estudos nas Ciências Humanas sobre o tema ocorreram nos séculos XIX e XX (TOMIZAKI,

2010). Nesta época, os filósofos e homens de religião cristã no Brasil e no mundo já falavam

sobre a Educação e as práticas educativas intrafamiliares. A partir do século XX, inseriram-se,

nesse campo, as discussões teóricas promovidas pelos psicólogos, antropólogos e sociólogos,

que passaram a investir maciçamente nos estudos sobre a natureza da educação parental e,

principalmente, sobre as interações entre a família e a escola, por entenderem que estas são

fundamentais para compreender o processo de socialização de crianças e jovens de diferentes

camadas sociais (MONTANDON, 2005; CAMPOS 2011).

Ainda no século XX, o sociólogo francês Pierre Bourdieu trouxe inúmeras

contribuições para as pesquisas do campo da Educação. Através de sua análise de como os

indivíduos incorporam a estrutura social, legitimam e a reproduzem, e os conceitos de campo,

habitus e capitais, Bourdieu possibilitou a compreensão de fenômenos sociológicos e o

entendimento de alguns episódios do meio escolar e familiar vivenciado pelos jovens.

Para Bourdieu (1998b), o processo educacional possui múltiplas interfaces que

necessitam da interação entre diferentes capitais, como o capital econômico (riqueza material e

bens e serviços a que ele dá acesso), o capital social (permeia as relações sociais estabelecidas

pela família), o capital cultural institucionalizado (formado por títulos escolares), e o capital

cultural em seu estado incorporado (elemento da herança familiar), sendo este último o

elemento central e de maior impacto para a definição do destino escolar.

O capital cultural se configura, no ambiente escolar, como um elemento de herança

familiar com grande potencial para a definição do destino escolar de alunos de diferentes

camadas sociais, uma vez que o mesmo possibilita a interação social e a decifração dos códigos

impostos pela escola e sociedade contemporânea (CUNHA, 2007).

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Ainda sobre o capital cultural, Cunha (2007) afirma que os espaços sociais são

entendidos como espaços de luta em caráter de dominação e relações de poder de classes, por

isso, o conceito de capital cultural não pode ser dissociado dos efeitos da dominação. O capital

cultural presente nas famílias de camadas médias altas e altas, então, se destaca como um

importante instrumento de legitimação de alguns grupos sobre os outros.

Nos espaços sociais onde se inserem as instituições família e escola, encontramos pessoas

com diferentes habitus. Esses habitus estão enraizados nas histórias coletivas e sociais de

grupos ou nas classes a que os indivíduos pertencem. Sendo assim, isso nos remete à ideia de

que todas as pessoas que vivem em um determinado grupo possuem disposições que permitem

pensar, sentir e agir de forma semelhante (habitus semelhantes). Através do habitus, o

indivíduo possui a capacidade de progredir socialmente, ou produzir disposições para a

manutenção da posição social ou ainda ter a ascensão social, através da ação ou práticas

semelhantes aos de seu grupo, que de acordo com Bourdieu (2006), acontece como um sistema

de disposição para a ação, porém de forma inconsciente.

O capital escolar e o clima educativo no qual as crianças e os jovens estão expostos no

domicílio, por meio da influência dos pais e demais familiares, oferecem maiores ou menores

recursos educativos e podem potencializar o posicionamento desses jovens na estrutura de

oportunidades educacionais (CORRÊA; RODRIGUES, 2010). Sendo assim, algumas famílias

são mais ou menos favorecidas do que as outras, tanto no contexto escolar quanto no mercado

de trabalho e, consequentemente, a oportunidade de aprendizagem de seus filhos é

experimentada diferentemente em casa, na escola e na sociedade.

De acordo com Thin (1998), nas instituições socializadoras família e escola existe uma

confrontação desigual entre os modos de socialização, ou seja, entre o modo escolar e

dominante e o modo popular e dominado. O autor evidencia que, para se conhecer as relações

entre as famílias populares e a escola, deve-se considerar as diferenças de capitais, associando-

as às posições sociais. Muitas vezes, nas famílias populares, percebemos que os pais possuem

baixos recursos culturais e escolares que podem influenciar no processo de escolarização dos

filhos.

Partindo do pensamento de Bourdieu, um autor que nos ajuda a compreender a

reprodução da desigualdade pela escola, ao analisar as diferenças entre classe e escola com a

sua teoria de capital cultural, já nas últimas décadas, diversos autores se debruçaram nos

estudos sobre o tema da desigualdade escolar e da relação família e escola, como é o caso de

autores franceses, como Lahire (1994; 1997) e Thin (1998; 2006; 2010), e brasileiros, como

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Portes (1998), D’Ávila (1998), Viana (1998), Nogueira et al. (2011), Nogueira e Nogueira

(2007), Nogueira (1998; 2004) e Piotto (2014).

No caso das famílias de camadas populares brasileiras, Portes (2000) enfatiza que as

práticas educativas ocorrem em um tempo próprio, sendo que, frequentemente, esses trabalhos

são estabelecidos pelas condições materiais das famílias (capital econômico) e pela constituição

histórica dos membros (capital cultural), além de serem marcados pela falta de conhecimento

do sistema escolar e pelo baixo capital escolar dos membros familiares. O autor também afirma

que o trabalho escolar é um importante fator de interação entre família-escola, mesmo quando a

autonomia dos jovens e o empenho individual possa negar o trabalho escolar da família. Nesse

sentido, Portes (2011, p. 63) define o trabalho escolar dos pais como:

As ações desenvolvidas e organizadas pelas famílias no sentido de assegurar a entrada

e permanência dos seus filhos na escola, podendo, então, variar de família para família

de acordo com os capitais existentes no seu interior e as circunstâncias atuantes na

rede de seus entrelaçamentos concretos.

Ou seja, é justamente nos enfrentamentos e questionamentos que surgem no cotidiano

dessas famílias que o trabalho escolar dos pais se encontra presente.

Portes et al. (2012) constatou, através de vários estudos com diferentes perfis de

famílias, que as práticas intrafamiliares estão relacionadas com um conjunto de circunstâncias

atuantes, como: Condições socioeconômicas da família; níveis de escolarização dos membros

das famílias; relações sociais entre os membros da família e da família com outras pessoas; e o

modo como a família conduz o processo de escolarização dos filhos, sendo essas

representações positivas para uma comunidade ou povoado.

Os espaços formais de educação, como a escola, são fronteiras estabelecidas que podem

incluir ou excluir os jovens. Muitas vezes, eles são recebidos na escola como dotados de uma

educação legítima, sem considerar a realidade vivida na região. Por isso, o território é um

elemento importante na Sociologia da Educação e deve ser considerado ao estudar as famílias

de um determinado espaço, pois possibilita conhecer, para além do lugar, as transformações e

as dificuldades que nele acontecem.

No entanto, Thin (2006) chama a atenção para que as práticas e fazeres dos pais não

sejam desvalorizados em relação à escolarização de seus filhos. Diante da diversidade de

pessoas, culturas e padrões familiares envolvidos no processo educativo, acredita-se que uma

maior participação da família na vida escolar dos filhos possa melhorar o desempenho dos

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jovens e, consequentemente, influenciar na longevidade escolar através da transmissão de

capitais, como o cultural e o escolar (LAHIRE, 1997; BOURDIEU, 2006).

1.2 Mudanças das configurações da relação família-escola

No século XIX, surgiu a necessidade da implantação de um novo modelo educativo

baseado nas especificidades da infância e no conhecimento científico. Posteriormente, em

meados das décadas de 1920 e 1930, o movimento da chamada Pedagogia da Escola Nova

entrou em cena para redefinir as práticas educativas das crianças. Este movimento foi apoiado

pela Associação Brasileira de Educação (ABE), no Rio de Janeiro e defendia melhorias no

campo da Educação (CAMPOS, 2010; SAVIANI, 2014). Nesse momento, surgiram muitos

questionamentos familiares, pois os pais não compreendiam as novas mudanças impostas e os

novos métodos de ensino.

Outros movimentos estiveram presentes no campo da Educação do país, como o

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e o Movimento Sanitarista, que propunha

a melhoria nos hábitos higiênicos da população, uma vez que eram elevados os índices de

mortalidade infantil, destacando, além deles, a oferta de um curso ministrado pela Seção de

Cooperação da Família, que abordavam temas para conscientizar as mulheres das famílias

sobre como criar crianças entre 0-14 anos. Esse curso foi chamado de Curso Mãezinhas

(CAMPOS, 2010).

Mediante a massificação da educação pública e dos programas de combate ao

analfabetismo nas décadas de 1960 e 1970, o tema do fracasso escolar tornou-se uma das

preocupações centrais de educadores e do Estado (LORDÊLO et al., 2009).

Nas Leis de Diretrizes e Bases Educacionais da Educação Nacional, de 1996, já se

apontava para a importância da articulação entre a família, comunidade e Estado no processo

de integração entre sociedade e escola, além das responsabilidades do Estado para o

fortalecimento dos vínculos com a família para o desenvolvimento da sociedade. Mas apenas

agora, no início do século XXI, vem sendo, de fato, reconhecido, entre essas duas instituições,

família e escola, a necessidade de cooperação para o desenvolvimento educacional do país. Até

os dias de hoje, embora exista um discurso de que a família e a escola necessitem caminhar

juntas, estas parecem andar para lados opostos (FAIDLEY; MUSSER, 1991 apud MEGUIRE;

BALL, 2007).

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Sabe-se, contudo, que a LDB de 1996 não foi a única medida dos anos 1990 voltada

para o bem-estar das crianças e dos jovens. A Lei nº. 8.069/1990, conhecida como o Estatuto da

Criança e do Adolescente, garante a proteção integral dessa porção da população brasileira.

Mais uma vez, nesta lei, é reforçado o dever da família, da comunidade, da sociedade em geral

e do poder público de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além do direito à

matrícula e acesso à educação (BRASIL, 1990).

Assim, com o crescimento acelerado do processo de urbanização, da crescente

necessidade de proteção e educação das gerações mais novas e da formação para o mercado de

trabalho cada vez mais exigente, a legislação brasileira se volta para as reformas no sistema de

proteção e de ensino, como a elaboração do Plano Nacional de Educação na tentativa de

reestruturar a oferta educacional do Brasil (LORDÊLO et al.; 2009).

As transformações recentes ocorridas no mercado de trabalho e na sociedade como um

todo influenciaram diretamente a organização familiar. O conceito de família e de composição

familiar sofreram algumas mudanças em relação àquela considerada, até então, como padrão.

Ao longo das últimas décadas, houve muitas mudanças no interior das famílias ocidentais,

influenciadas pelo declínio do casamento, pela baixa fecundidade (centrada na família nuclear)

e pela aceitação do divórcio (SINGLY, 2007). Tais mudanças causaram efeitos importantes

para a sociedade, principalmente na família nuclear, através de um intenso controle de

natalidade, da inserção da mulher no mercado de trabalho e da queda da mortalidade, o que

aumentou a expectativa de vida dos membros familiares (CAMARANO, 2014).

Ainda segundo Camarano (2014), embora pareça que essas mudanças tenham

ocasionado um enfraquecimento da família contemporânea, o que ocorreu foi o surgimento de

novos modelos familiares que, hoje, são caracterizados pela mudança das relações entre sexo e

gerações. As relações passaram a ser menos hierarquizadas entre casais, pais e filhos, as

atividades sexuais deixaram de ser regidas pelo matrimonio e os sujeitos passaram a ter mais

autonomia referente à esfera conjugal, dentre outras transformações.

O modelo familiar, já há algumas décadas, vive transformações graduais, mas

extremamente profundas, dado que a inserção da mulher no mercado de trabalho e o

aumento dos níveis de separação de casais contribuem para a emersão de um novo

padrão de convivência e referência identitárias (SETTON, 2005, p. 5).

Essas mudanças, ocorridas no interior da família, na segunda metade do século XX, de

acordo com Camarano (2014, p.111), ocorreram concomitantemente ao aumento da

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escolaridade da população brasileira; ao incremento da participação da mulher no mercado de

trabalho; às mudanças nos arranjos familiares, especialmente na nupcialidade e nos contratos

tradicionais de gênero; à redução no número de cuidadores familiares; à diminuição do tempo

passado pelas mulheres na maternidade; à menor duração das uniões conjugais; à redução nos

diferenciais por gênero na vida privada e social; ao incremento da qualidade na criação dos

filhos; ao secularismo; ao aumento do individualismo e do consumismo; às mudanças no perfil

epidemiológico; e ao aumento da preocupação com o meio ambiente e com a finitude dos

recursos naturais.

Nesse período, a entrada da mulher no mercado de trabalho veio a reorganizar o

cotidiano e as configurações familiares. Da mesma forma, o crescimento econômico acelerado

redefiniu o mercado de trabalho, gerando a necessidade da formação de mão de obra

qualificada e uma maior aproximação com o ambiente escolar (SAVIANI, 2014).

Assim, observa-se que, com a introdução de novos costumes e valores, a

internacionalização dos direitos humanos, a globalização e o respeito ao ser humano, impôs-se

o reconhecimento de novas modalidades de família ou arranjos familiares (MALUF, 2010).

Nesses novos arranjos, percebe-se inúmeras variações de composição familiar, como as

mulheres que vivem sozinhas, as viúvas, separadas, as famílias reconstituídas, monoparentais,

uniões consensuais, uniões formais, a homofetividade, dentre outras, respeitando-se as

intrínsecas diferenças que compõem os seres humanos (CAMARANO, 2014).

Complementando o pensamento de Camarano (2014), Maluf (2010) ressalta a

importância das últimas décadas para o reconhecimento legal das novas organizações

familiares. Segundo a autora, embora a constituição básica da família moderna tenha se

baseado no modelo nuclear (marido, esposa, filhos), as transformações ocorridas em seu

interior provocaram deslocamentos dos modelos que se julgavam fixos e contribuíram para

efeitos no campo social da vida e no campo simbólico. Desta forma, através dos princípios

constitucionais e da interferência legislativa, são reconhecidos os direitos familiares a todos os

cidadãos, levando-se em consideração a rica diversidade nessas novas configurações.

Certamente, as mudanças na estrutura familiar influenciam na educação escolar dos

filhos. Montandon (2005), com base em outros autores, demonstra que o número de filhos, a

ordem de nascimento e sexo, ou características, como separações, divórcio, viuvez ou reposição

familiar, podem influenciar nos modos de educação de jovens estudantes, nas suas práticas e

em seu comportamento escolar.

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Nesse sentido, Lahire (2008, p. 26) aponta para a importância das formas de autoridade

impostas pelos pais (ou pessoas encarregadas da educação das crianças) no desenvolvimento

escolar dos estudantes.

São importantes elementos da composição familiar a moral doméstica e as formas de

autoridade impostas pelos pais, pois as crianças constituem os seus esquemas

comportamentais através das formas que assumem relações de interdependência com

as pessoas que convivem, além de ser na primeira infância a construção da sua

personalidade através das configurações familiares e convívio social.

Sendo assim, acredita-se que através do simbólico da ordem material doméstica a

família consegue organizar uma estrutura que facilita o processo cognitivo e,

consequentemente, a trajetória de escolarização dos filhos. Com base nestas considerações,

Setton (2005) afirma que a existência de uma figura de autoridade no ambiente familiar, seja

materna ou paterna, pode proporcionar um aprendizado familiar através da legitimidade da

autoridade, o que, futuramente, poderá se refletir em uma aceitação das autoridades escolares

pela criança, que será capaz de decifrar os códigos aprendidos no ambiente familiar.

De acordo com Bourdieu (1998, p.48):

É o nível cultural global do grupo familiar que mantém a relação mais estreita com o

êxito escolar da criança. Ainda que o êxito escolar pareça ligado igualmente ao nível

cultural do pai ou da mãe, percebem-se, ainda, variações significativas no êxito da

criança quando os pais são de nível desigual.

Nota-se, nas colocações de Lahire a importância da família no processo de

escolarização dos jovens e de construção de sua personalidade durante a primeira infância,

sobretudo por meio da regulação dos pais. Para o autor, a instituição familiar é responsável pelo

sucesso escolar dos filhos e a interação com as diferentes redes sociais, como a proximidade

com a escola, por exemplo, possibilita aos familiares compreenderem a importância da escola

para a vida dos jovens.

Já nas colocações de Bourdieu, percebemos a valorização da escola como um dos meios

de um sujeito se sobressair em relação aos níveis sociais. A escola é considerada, pelo autor,

como uma das formas da criança obter o capital cultural.

Complementando o pensamento dos autores trazidos nesta seção, Zago (2003) ressalta

que, para compreender o processo educativo na sociedade brasileira contemporânea, é

fundamental considerar as mudanças ocorridas nas esferas pública e privada, com a aceleração

da urbanização e industrialização. Diante de tais transformações no campo econômico, social e

familiar, fica claro que a criança e o jovem devem ser considerados como importantes agentes

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do desdobramento do seu próprio percurso social, seja na escola, na família ou em qualquer

campo de socialização e interações (ZAGO, 2003).

1.3 Entendendo a importância das práticas educativas familiares

Conforme mencionado anteriormente, a partir principalmente da segunda metade do

século XX, as sociedades ocidentais passaram por constantes transformações em diferentes

campos e setores, com o fenômeno da globalização, as oscilações da economia mundial, a

aceleração nas criações tecnológicas, a diversificação da produção, dentre outras, o que levou a

uma intensa luta pelo poder e por um espaço social consolidado. Assim sendo, quanto mais

industrializado é o país, maior a exigência na formação de jovens para um mercado de trabalho

extremamente seletivo. Nesse contexto, a escola tem ocupado posição cada vez mais

importante na vida das gerações mais novas, porém nem todos conseguem ter um percurso

escolar de sucesso.

A Sociologia da Educação vem discutindo os modos de constituição das desigualdades

educacionais e o peso da vantagem cultural no destino acadêmico. Acredita-se que esforços

familiares, como a ajuda nos deveres de casa, a organização do espaço doméstico e do tempo

aliados à transmissão de capitais familiares e escolares em condições adequadas, podem

influenciar os resultados escolares dos seus descendentes juntamente com um intenso trabalho

de apropriação do herdeiro (NOGUEIRA et al.; 2011).

O capital cultural se configura, no ambiente escolar, como um elemento de herança

familiar com grande potencial para a definição do destino escolar de alunos de diferentes

camadas sociais, visto que possibilita a interação social e a decifração dos códigos impostos

pela escola e sociedade contemporânea (CUNHA, 2007).

Ainda segundo Cunha (2007), em um contexto de desigualdade, as classes populares

desprovidas de capitais necessitam esforçar-se em dobro para ascender a uma cultura e

aperfeiçoar as suas habilidades para, assim, acompanhar os demais alunos que já se

apropriaram dos códigos presentes no seio familiar e valorizados pela escola. Nas classes

favorecidas, o prestígio cultural é muito próximo ao escolar. Devido ao fato destes sujeitos

saberem jogar as “regras do jogo”, os alunos se sobressaem em relação às demais classes,

devido a uma herança cultural legítima transmitida na primeira infância através da família.

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Nesse sentido, segundo Lahire (1997), as instituições família e escola se destacam como

redes de interdependência estruturadas por formas de relações sociais específicas. De acordo

com o autor, ainda na primeira infância, as crianças assumem seus esquemas comportamentais,

cognitivos e de avaliação de acordo com as relações de interdependência estabelecidas com as

pessoas que os cercam com mais frequência e, normalmente, essas pessoas são as do seio

familiar. No entanto, a tendência dessas crianças não é de reproduzir os comportamentos e as

formas de agir da família, mas, sim, através do convívio familiar, tornarem-se capazes de

encontrar a sua própria modalidade de comportamento.

Sendo assim, para dar conta das desigualdades escolares de crianças de diferentes

camadas sociais, é preciso reconhecer que as práticas de escolarização familiares são

fundamentais para a compreensão do sucesso e da longevidade escolar. Lahire (1997) ressalta

também que, para compreender os resultados e as relações escolares dos jovens, é preciso

reconstruir as redes de interdependência familiares nas quais as crianças constituíram seus

esquemas de julgamentos.

Para Lahire (2008), a moral doméstica e as formas de autoridade exercidas pelos pais

são importantes elementos da composição familiar, pois as crianças constituem os seus

esquemas comportamentais através das relações de interdependências que estabelecem com as

pessoas em que convivem. Nesse contexto, segundo o autor, são importantes elementos da

composição familiar, além da moral doméstica, as formas familiares adotadas na cultura

escrita, as disposições econômicas e também as formas de esforço pedagógico no seio familiar,

pois é na primeira infância que acontece a construção da sua personalidade, através das

configurações familiares e do convívio social.

Com base nas constatações de Lahire (2008) e de outros autores que orientaram esta

dissertação, percebe-se que a organização moral e material da família reflete-se na escolaridade

das crianças e dos jovens, por serem fatores cognitivos indissociáveis. Neste sentido, Setton

(2005) afirma que, através da existência de uma figura de autoridade no ambiente familiar, seja

materna ou paterna, será proporcionado um aprendizado familiar por meio da legitimidade,

que, futuramente, poderá se refletir na aceitação, pela criança, das autoridades escolares

impostas, pois as mesmas já serão capazes de decifrar os códigos aprendidos no ambiente

familiar.

Já Bourdieu (1998) afirma que o aprendizado começa em casa, sendo os costumes, a

cultura e o gosto pelo aprendizado transmitido através da instrução de seus pais, de forma que o

interesse pela cultura será despertado aos poucos e o interesse pelo aprendizado ocorrerá pela

presença da influência de certo capital cultural. É importante mencionar a interdependência das

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condições sociais em que as famílias se inserem e as formas de relações que as mesmas

estabelecem com a escola, pois tais relações não podem ser vistas de forma dissociada das

condições socioculturais.

Apesar de existirem variações, como as financeiras, escolares e sociais entre as classes

populares, médias e altas, é importante verificar a realidade social em que as mesmas se

encontram e estabelecer estratégias para a continuidade do processo educacional de forma

igual. Então, para que ocorra a transmissão de capitais familiares, deverá haver um processo de

apropriação do herdeiro sem que haja interrupções (NOGUEIRA et al., 2011).

Percebe-se, então, que as práticas familiares de escolarização e a organização familiar

podem levar aos casos de sucesso ou fracasso escolar. Alguns fatores, como a escolha do

ambiente escolar, critérios de escolhas, relações extraescolares e interações culturais, podem

influenciar muito no desenvolvimento escolar dos alunos.

Hoje, verifica-se o aumento da procura pela educação formal e elevação do nível escolar

para responder aos processos de transformações do país e do mercado de trabalho (ZAGO,

2003). Contudo, no cenário educacional, a escola tem sido um dos maiores campos produtores

de desigualdades, visto que os professores reproduzem conceitos “códigos” que não são

entendidos por todos os alunos. Nesta mesma linha de pensamento, Setton (2005) aponta para

os mecanismos perversos presentes na escola, responsáveis pelas desigualdades de estudantes

de diferentes grupos sociais. Apoiando-se, principalmente, na discussão sobre o capital cultural,

Setton (2005) elucida vários fatores que implicam diretamente no desempenho escolar, como o

perfil da família, a formação cultural dos antepassados, o local de residência, a trajetória social

familiar, dentre outros fatores extraescolares, econômicos e culturais associados.

Assim, em um país de grande desigualdade social e escolar, os filhos de famílias de

camadas populares têm chances muito menores dos que os das camadas média e alta de

ingressar na universidade e concluir os estudos. Contudo, isso não significa que não existam

exceções. Viana (2003) assinala, a partir de seus estudos empíricos baseados em Lahire (2008),

que os alunos de camadas sociais populares e médias também podem alcançar o sucesso escolar

e chegar à universidade, mas isso dependerá de algumas condições particulares, como dos

esforços familiares e de fatores cognitivos do aluno progressivamente construídos para isso.

Pode-se considerar, a partir dos estudos de Viana (2003), Lahire (2008), Setton (2005),

Portes (2006) e Lacerda (2006), que a longevidade escolar de camadas sociais desfavorecidas

não só acontece através da influência direta dos pais, mas por um conjunto de interações e

acúmulos de capitais. Este fato se dá devido às formas de aprendizado nem sempre pré-

existentes, mas que podem ser adquiridas por aprendizado precoce na primeira infância

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(família) ou tardio na escola. Sendo assim, a aquisição de cultura por familiaridade é

considerada como a cultura legítima e, devido a esta distinção provável, alunos que têm contato

com tal cultura apenas na escola têm mais dificuldades em relação aos outros para

decodificarem situações cotidianas (SETTON, 2005).

A desigual distribuição de capitais configura-se na luta pela dominação do poder entre

os sujeitos de diferentes campos, seja na vida cotidiana, social ou escolar. Para compreender as

lutas pela legitimação de diversas classes sociais em termos de práticas sociais e culturais, ao

longo dos anos, inúmeras pesquisas, como as de Nogueira (2005), Coutrim (2007) e Coutrim et

al. (2011), vêm sendo realizadas em relação às influências das gerações precedentes na vida

dos jovens, tanto em suas escolhas no contexto social, quanto escolar e acadêmico.

Assim, cada indivíduo está caracterizado por uma bagagem socialmente herdada através

de componentes externos a ele e que podem ser mediadores do sucesso escolar. A escola traz

mecanismos de legitimação da cultura dominante, como é o caso da avaliação. A avaliação e o

desempenho escolar vão muito além das questões de verificações de aprendizagem. Em outras

palavras, ao avaliar o aluno, a escola também avalia sua família e a cultura trazida por ele, por

meio dos valores morais, sociais e de convívio familiar.

No entanto, quando pensamos em práticas educativas das famílias populares devemos

nos lembrar dos desvios e das diferenças de socialização em função dos pertencimentos, assim

como as trajetórias sociais e tensões vivenciadas por essas famílias. Essas realidades, entre a

lógica escolar e práticas, serão descritas nos próximos capítulos, sobretudo com relação ao

perfil das famílias pesquisadas, sua região de moradia, as redes de relações e as relações de

interdependências que estabelecem com a escola. No Capítulo 2, iniciaremos a discussão acerca

da realidade vivida pelos sujeitos desta pesquisa, a fim de compreendermos as especificidades

de jovens que vivem em regiões afastadas do centro escolar e quais são as práticas educativas

empreendidas sobre eles.

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2 BOCAINA, QUE LUGAR É ESSE?

Este capítulo possibilitará ao leitor conhecer a localização de Bocaina, local de moradia

dos sujeitos desta pesquisa. Além da Bocaina, apresento os distritos vizinhos, a localização da

escola em que esses jovens estudam, em Cachoeira do Campo, e a cidade de Ouro Preto, que é

o município desses distritos.

O objetivo deste capítulo também é apresentar os percursos metodológicos utilizados

para chegar aos principais sujeitos da pesquisa, traçando o perfil destes jovens e, assim,

demonstrar a realidade em que vivem.

Este capítulo foi dividido em cinco partes. Iniciamos com uma breve apresentação dos

distritos, a infraestrutura e a (não) presença do poder público, pois foi evidenciada a

precariedade das condições de moradia e manutenção do acesso das vias e aos bens públicos.

Em seguida, apresenta-se a metodologia de pesquisa, que visa englobar as três categorias de

análises propostas: a) Esforços familiares no processo de escolarização dos filhos; b) A

importância da escola para a família; e c) A representação do local de moradia. Estes primeiros

dados, conforme mencionado na metodologia, foram coletados através de questionário aplicado

aos jovens que estudam no Ensino Médio em Cachoeira do Campo. Em seguida, apresenta-se

Bocaina, local de moradias das cinco famílias entrevistadas. Depois disso, será apresentada a

realidade dos jovens que estudam no Ensino Médio, em Cachoeira do Campo, incluindo os

jovens que moram neste distrito e aqueles vivem nos distritos vizinhos, e, por fim, o espaço em

que vivem os sujeitos da pesquisa: os jovens que vivem em distritos ou localidades afastados de

Cachoeira do Campo e o perfil destes 39 jovens que responderam os questionários. O perfil das

famílias será apresentado no Capítulo 3.

Para situarmos a localidade de Bocaina, na qual se encontram as famílias pesquisadas,

precisamos compreender as suas dimensões socioespaciais. Para isso, a partir de agora,

apresentaremos brevemente a cidade de Ouro Preto, o distrito de Cachoeira do Campo (local da

escola) e a localidade de Bocaina, que se situa no distrito de Rodrigo Silva.

A proposta é facilitar a compreensão do caráter histórico em que estão envolvidas essas

famílias e, assim, possibilitar ao leitor conhecer melhor as proximidades e distanciamentos

entre a sede, a escola e o local de moradia dos jovens.

Podemos, então, caracterizar o nosso campo da pesquisa conforme demonstrado na

Figura 1:

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33

Fonte: Portal de Turismo de Ouro Preto (2014)

Conforme demonstrado na Figura 1, Cachoeira do Campo faz fronteira com vários

distritos. A região em que as famílias estudadas moram subdivide-se em Bocaina de Cima e

Bocaina de Baixo, uma pequena localidade com fortes traços rurais. Como mencionado

anteriormente, a localidade pertence ao distrito de Rodrigo Silva, que também sofre com a

distância do centro urbano, pois, embora a distância em quilômetros não seja muito grande, a

população não possui horários regulares de ônibus durante todo o dia. Cachoeira do Campo,

devido ao crescimento econômico e populacional, se sobressai em relação aos demais distritos

e conta com facilidades para o acesso às escolas e maior oferta de transporte, meios de

comunicação, biblioteca e meios de sociabilidade mais facilitado.

O caso da maioria dos distritos de Ouro Preto não é único. No Estado de Minas Gerais

existem muitas cidades que apresentam elevados índices de desproteções e privações sociais,

principalmente quando se trata do Índice de Vulnerabilidade das Famílias, IVF (MINAS

GERAIS, 2013).

A partir da análise do Censo 2000-2010, o Índice de Vulnerabilidade das Famílias

revelou que, embora tenha havido uma redução média de 19,3% da vulnerabilidade no Brasil, e

em Minas Gerais, de 21,5%, os piores desempenhos do Estado foram em relação ao acesso ao

entre os distritos e da sede Figura 1 - Mapa político do município de Ouro Preto e seus distritos com as relações de distância entre os distritos e da sede

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conhecimento (educação), com índices de (-11,7%), e em relação à vulnerabilidade (-10,7%);

em seguida, as condições habitacionais (-17%) e o desenvolvimento infanto-juvenil (-18,9%).

Os seis índices analisados foram condições habitacionais, desenvolvimento infanto-juvenil,

escassez de recursos, acesso ao trabalho, acesso ao conhecimento e vulnerabilidade social

(MINAS GERAIS, 2013).

Ouro Preto se caracteriza por ser uma cidade de origem colonial de grande relevância

para a memória nacional. Alguns de seus distritos, mesmo considerados urbanos, possuem uma

ruralidade enraizada, e as pequenas localidades são consideradas como rurais, mesmo nem

sempre tendo características fortes para isso. Nesses locais existe uma variada carga cultural e

tradições. Em alguns distritos, tais características são menos evidentes, mas podem ser

percebidas através das relações sociais da população, da gastronomia e nas festividades, no

estilo de trabalho adotado e nas relações familiares com os jovens.

Atualmente, o município de Ouro Preto possui doze distritos com características

bastante heterogêneas entre si e se percebe a presença do urbano e do rural. Destacam-se, com

origens coloniais, os distritos de Cachoeira do Campo, São Bartolomeu, Glaura (Casa Branca),

Amarantina, Antônio Pereira e Lavras Novas2.

Além desses distritos e subsdistritos, Ouro Preto possui pequenas localidades como

Maciel, Arrozal, Soares, Serra do Siqueira e Bocaina, que se fizeram importantes nesta

pesquisa, pois são as localidades de moradia de muitos estudantes sujeitos da pesquisa.

Segundo a Lei Complementar da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, Lei nº. 93, de 20

de janeiro de 2011, as áreas externas aos perímetros urbanos e de expansão urbana são

consideradas áreas rurais não sendo admitido o uso e a ocupação para fins urbanos. O

município se caracteriza por estar em uma região montanhosa, com a presença de ocupações

irregulares. Nos distritos, encontramos um perfil diferenciado de limitações geográficas, como

rios, córregos, uma extensa mata e estradas sem pavimentação.

Conforme mencionado anteriormente, os sujeitos desta pesquisa são provenientes da

localidade de Bocaina e, para estudar no distrito de Cachoeira do Campo, utilizam o transporte

público oferecido pela prefeitura. Sendo assim, para conhecermos melhor a distribuição

geográfica e populacional de Ouro Preto, foi elaborada a tabela a seguir.

2Art. 2º - Constituem áreas urbanas e de expansão urbana do Município de Ouro Preto aquelas compreendidas

pelos perímetros urbanos do núcleo urbano de Ouro Preto, Distrito Sede, das sedes dos Distritos de Amarantina, de

Antônio Pereira, de Cachoeira do Campo, de Engenheiro Corrêa, de Glaura, de Lavras Novas, de Miguel Burnier,

de Rodrigo Silva, de Santa Rita de Ouro Preto, de Santo Antônio do Leite, de Santo Antônio do Salto e de São

Bartolomeu, e das localidades da Chapada, da Bocaina, da Caiera, da Serra do Siqueira, do Vale do Tropeiro, do

Rio Mango (St°Ant° Leite/Engenheiro Corrêa), do Soares e do Mota (OURO PRETO, 2009, p. 1, grifo nosso).

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35

Tabela 1 – Relação da população do município de Ouro Preto e distritos/ localidades

envolvidos na pesquisa com famílias de Bocaina

População da cidade de Ouro Preto e dos distritos/localidades envolvidos na pesquisa

(Censo IBGE/2010)

Município População

Ouro Preto – Município 40.583

Distritos Localidade População

Amarantina Coelhos 3.545

Cachoeira do Campo

(sede da escola)

-----

8.857

Engenheiro Correia 380

Glaura Soares 1373

Miguel Burnier 779

Rodrigo Silva Bocaina de cima e Bocaina de

baixo (local de moradia das

famílias investigadas)

1070

Santo Antônio do Leite Chapada 1.683

São Bartolomeu Maciel 729

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do Censo IBGE (2010)

As localidades da Chapada, da Bocaina e Serra do Siqueira estão afastadas do centro

urbano e seus moradores sofrem com o isolamento espacial, tecnológico, de comunicação, de

transporte e de acesso aos equipamentos urbanos e públicos. São espaços que, muitas vezes,

não possuem serviços de assistência à saúde, segurança e acesso a serviços de mobilidade

urbana, o que pode acarretar dificuldades aos moradores para assegurarem seus direitos

básicos.

A localização dos distritos distantes da sede tende a desafiar o dia a dia dos jovens e

chama a atenção para a conexão que existe entre as pessoas e os lugares (ROBERTSON, 2013).

A moradia em distritos mais afastados e a distância social dos jovens podem desempenhar um

papel de reprodução de desigualdade, pois alunos com baixo capital cultural, econômico e

social, ao conviverem com os demais alunos, podem sentir constrangimento ou um sentimento

de orgulho por morar em uma área rural privilegiada (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2007).

Em relação ao índice de pobreza e desigualdade social, a cidade de Ouro Preto possui

um alto índice, que chega a 28,54% em seus distritos, o que pode se refletir negativamente no

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campo da Educação. Esse índice coloca a cidade em 316º lugar em uma escala de 1 a 853 no

mapa de pobreza e das desigualdades brasileiras, embora a cidade possua um patrimônio

cultural riquíssimo (IBGE, 2003). Em relação ao padrão de Gini3, cálculo utilizado para medir

a desigualdade, esse dado representa, em média, que cerca de 20.052,2 moradores se

enquadram em situação de pobreza em Ouro Preto.

Em relação aos riscos e ocupação do solo, a população do município vive em situação

de vulnerabilidade quando se trata das condições de moradia, exposição a inundações,

escorregamentos e à ação de esgotos a céu aberto em algumas áreas, devido à ocupação

desordenada e indevida em encostas (ZANIRATO, 2010).

Em 2015, a Escola, localizada em Cachoeira do Campo, tinha 875 alunos matriculados

durante os turnos da manhã, tarde e noite. Desses, 209 estavam matriculados no 1º ano do

Ensino Médio. No entanto, apenas alunos do 1º ano do Ensino Médio utilizam o transporte

escolar, o que equivale a 33,14% dos alunos matriculados neste ano.

2.1. Os distritos, a infraestrutura e a (não) presença do poder público

Na realidade brasileira, observa-se a formação de extensas periferias urbanas, o que, até

trinta anos atrás, era considerado um fenômeno restrito apenas às grandes cidades. A população

da região sudeste de Minas Gerais tende a se concentrar nas aglomerações urbanas e, muitas

vezes, em áreas rurais próximas às áreas urbanas (SILVA, 2011).

O rural e o urbano estão cada vez mais próximos, embora observemos que as condições

de moradia nas áreas rurais continuem precárias devido à dificuldades estruturais, econômicas e

sociais (GUARANÁ, 1999). Na região de Ouro Preto, onde foi realizada esta pesquisa, mais

especificamente na localidade de Bocaina, nos deparamos com o desejo dos familiares em que

seus filhos estudem, embora os esforços não tenham sido muito visíveis.

De acordo com Guaraná (1999), ao pensarmos nas distâncias entre o rural e o urbano,

no que tange à educação, o contexto e a localização onde o espaço rural esta inserido deve ser

levado em consideração, pois uma das principais limitações e tensões encontradas pelas

famílias que vivem em áreas rurais é a inexistência de escolas que ofereçam para além do

3 Índice de Gini: medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade)

até um (a desigualdade máxima) (IBGE, 2015).

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ensino fundamental. Observamos também, que a integração estabelecida com o município é

muito importante para essas famílias, tendo em vista que nos dias de hoje a população é muito

dependente da infra estrutura urbana, quando se trata de troca comercial e de lazer.

Hoje, em cidades pequenas e médias, como Ouro Preto, já se evidencia um processo de

periferização, presente em todo o território nacional. Denota-se, em seus distritos, a

precariedade, a ausência do Estado e de políticas públicas que auxiliem no desenvolvimento da

infraestrutura, de equipamentos e serviços, como saneamento básico, habitação, mobilidade,

saúde e educação.

A qualidade de vida, seja no campo ou na cidade, está intimamente ligada às políticas

públicas voltadas para o bem-estar social, ou seja, o levantamento de necessidades básicas da

população que habita a localidade em questão e o estabelecimento de prioridades de

infraestrutura, equipamentos e serviços a serem instalados, dentre outros (SILVA, 2011).

A cidade e o processo de urbanização são elementos essenciais na reestruturação e

reterritoriarização do espaço, além de se classificarem como elementos centrais nas políticas de

desenvolvimento regional, pois é na cidade em que se concentram o comércio, os hospitais, as

escolas e os equipamentos de lazer. Os moradores de distritos e regiões afastadas do centro

urbano sofrem com o peso do isolamento espacial, tecnológico, de transporte e de acesso à

escola (SILVA, 2011).

Esse isolamento dos meios de comunicação e a dificuldade de acessibilidade aos

recursos tecnológicos, muitas vezes, acarretam uma desigualdade de oportunidades e a seleção

de posições sociais. Segundo Bartholo e Costa (2014), a pobreza se caracteriza como

importante tema no campo da Educação e da justiça social e, para superar as desvantagens

educacionais de segregação escolar, é necessário reduzir a distância entre os estudantes em

condições de pobreza e o restante da população.

Muitas vezes, o retraimento das oportunidades de inclusão social se manifesta sobre os

alunos que se encontram em maiores desvantagens, no entanto, é importante levar em

consideração o condicionante no plano das oportunidades educacionais, as características e as

experiências vividas por cada um e o estilo de vida familiar (COSTA; KOSLISNSKI, 2006).

Esses lugares são constituídos por relações sociais e surgem de significados particulares

no espaço, podem ser entendidos, aqui, como “a minha casa” ou a “minha escola” e as relações

estabelecidas e vividas entre elas. O “lugar” é considerado o resultado dos esforços para conter

e reivindicar que algo é de alguém, estabelecendo fronteiras e garantindo identidades. No

entanto, o mesmo não deve ser visto como um espaço fechado e descontínuo, pois é

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materializado por redes (integrantes de comunidades, rede de moradores), escalas, territórios

sobrepostos e relações espaço-tempo (ROBERTSON, 2013).

É nesse “lugar”, do qual fala Robertson (2013), em que as famílias estudadas se situam

e do qual se apropriam. Constroem suas moradias e tecem suas relações de vizinhança e de

trabalho. Esse espaço faz parte da história de cada uma delas, pois várias gerações criaram e

criam seus filhos, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos problemas de deslocamento

para o centro urbano mais próximo.

2.2 Percursos metodológicos

A escola estadual de Cachoeira do Campo4, selecionada para a pesquisa, está localizada

em região urbana, no centro do distrito de Cachoeira do Campo, um distrito da cidade de Ouro

Preto-MG, cujo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), no ano de 2013, foi

de 5,1. Esta escola se caracteriza por receber alunos de vários pequenos distritos e localidades

do município, prevalecendo, em alguns deles, características rurais5.

Esta escola recebe, diariamente, jovens moradores dos distritos de Engenheiro Correia,

Glaura, Rodrigo Silva, Santo Antônio do Leite, São Bartolomeu, do subdistrito de Serra do

Siqueira, e das localidades de Arrozal e Bocaina.

A seleção desses jovens para responder os questionários foi realizada através da análise

do cadastro de alunos que utilizam o transporte escolar, disponível no Sistema Mineiro de

Administração Escolar (SIMADE) e do número de alunos matriculados no 1º ano do Ensino

Médio. Esta busca foi realizada com a autorização da gestão escolar.

Antes da aplicação dos questionários aos jovens, foram feitas visitas devidamente

agendadas e autorizadas pelo diretor na escola selecionada, sendo realizada, por ele, uma

análise prévia do questionário, a fim de verificar se as perguntas poderiam causar algum

constrangimento aos alunos. A vice-diretora acompanhou a pesquisadora na aplicação dos

4 Em 2015, constatou-se, através de busca ativa na escola estadual de Cachoeira do Campo, que 875 alunos estão

matriculados durante os turnos da manhã, tarde e noite. Desses, 209 estão matriculados no 1º ano do Ensino

Médio. No entanto, apenas alunos do 1º ano do Ensino Médio utilizam o transporte escolar o que equivale há

33,14% dos alunos matriculados nesta série. 5Segundo Portes (2012, p.8), o termo “famílias rurais” é uma discussão atual no campo da Sociologia Rural e nos

estudos demográficos, pois, observando-se os movimentos de expansão dos processos de modificação do campo,

os processos culturais, políticos e tecnológicos que vêm se instalando no Brasil e produzindo sentimentos e

compreensões múltiplos nas famílias mais distantes dos centros urbanos, somos obrigados a procurar entender as

famílias rurais para além de uma oposição a famílias urbanas.

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questionários nas salas das sete turmas de 1º ano6, após a apresentação da proposta da pesquisa

para cada uma das turmas do turno matutino. Todos os 134 jovens presentes nos dias de visitas

aceitaram responder os questionários, sendo que um não se identificou. O critério de seleção

dos jovens para responder os questionários não fez distinção de gênero, raça, cor ou idade.

Através da aplicação desses questionários foi possível identificar os jovens que vivem em

regiões afastadas do distrito no qual se localiza a escola, totalizando 39 alunos. Desses, cinco

jovens são moradores da localidade de Bocaina.

A escolha do uso do questionário se deu pela sua versatilidade em situações em que o

pesquisador se propõe a fazer um perfil, ou conhecer algumas características mais gerais de

uma população ou de uma amostra. Assim, questionários semiestruturados permitem atingir

várias pessoas ao mesmo tempo, obtendo maior número de dados, respostas rápidas e precisas

(BONI; QUARESMA, 2005). A partir da sua aplicação foi possível traçar o perfil dos jovens

que vivem em distritos da Região dos Inconfidentes, selecionar aqueles que atendem aos

critérios estipulados pela pesquisa para a aplicação da entrevista, além de demonstrar a

composição familiar, renda e redes de relações.

O questionário coletou dados em relação à composição familiar, características

sociodemográficas, socioeconômicas, socioculturais e em relação ao acesso a informações que

permitiram refletir sobre a estrutura das famílias pesquisadas em termos de composição,

localização de moradia, escolaridade dos membros (capital escolar), renda familiar média,

mobilidade, formas de sociabilidade (redes de relações) e recursos culturais disponíveis.

Nesse questionário também foram abordadas perguntas estruturadas de múltipla escolha

ou de respostas curtas, como: nome, sexo, local de moradia, se possuem vizinhos, renda

familiar, número de pessoas que vivem na mesma casa, escolaridade dos pais, tipo de formação

familiar, tempo de residência na comunidade, se os irmãos frequentam a escola, se a casa é

própria, se alguém da família possui algum meio de transporte, meios de comunicações

disponíveis.

Após análise dos questionários, na segunda fase da pesquisa, foram realizadas

entrevistas com os pais (pai ou mãe) ou familiares dos alunos, com o objetivo de conhecer, com

maior profundidade, as práticas educativas familiares e o que representa, para essas famílias,

morar nesse distrito.

6 A escola estadual selecionada para a pesquisa oferece turmas de 1º ao 3º ano do Ensino Médio nos turnos

matutino e noturno. No matutino, estão matriculados 194 alunos e 134 responderam ao questionário, e, no turno

noturno, estão matriculados apenas nove alunos no 1º ano. Destes, até o momento, nenhum respondeu o

questionário.

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Para dar continuidade à pesquisa e formalizar o convite para participação das entrevistas,

um Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) foi apresentado em duas vias idênticas

e assinados pelos pais dos jovens, pela pesquisadora e pela orientadora da dissertação. Neste

documento estavam contidos dados relevantes à pesquisa, seus objetivos e critérios, além de

dados referentes à ética e ao sigilo das informações com dados pessoais dos jovens e das suas

famílias.

A aplicação de entrevistas se restringiu a uma amostra de cinco famílias da localidade

de Bocaina, selecionadas a partir dos seguintes critérios:

a) Estar cursando o Ensino Médio;

b) Não ter acesso à internet e outros meios de comunicação em casa;

c) Que se desloque para a escola a pé ou pelo transporte público;

No Gráfico 1, a seguir, podemos visualizar as localidades e distritos que atenderam aos

critérios propostos na pesquisa, as barras em vermelho indicam estas localidades.

Gráfico 1 – Número de jovens por local de residência que atendem aos critérios de seleção para

os familiares participarem das entrevistas na escola pesquisada de Cachoeira do Campo, 2015

Fonte: Elaborado pela autora

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Bocaina foi selecionada para a aplicação das entrevistas por apresentar um número

maior de famílias populares que moram em uma mesma localidade e por este grupo sofrer

diariamente com o deslocamento para Cachoeira do Campo para estudar devido a oferta restrita

de horários de ônibus em comparação com as demais localidades. As entrevistas possibilitaram

levantar dados relevantes sobre a história de vida dos pais e alunos, as formas de transmissão

do capital cultural e escolar, bem como permitiu conhecer os costumes das famílias e dos

jovens na localidade, fornecendo um material para a análise do cotidiano e da relação das

famílias com o espaço.

Através da aplicação de entrevistas com o responsável pela educação dos jovens

selecionados pretendeu-se conhecer as rotinas domésticas e os esforços educacionais das

famílias populares que moram em Bocaina, além dos projetos e dificuldades vividas e as

diferentes práticas adotadas no interior dessas famílias em busca da escolarização.

As entrevistas foram efetuadas em situações informais e previamente agendadas com os

familiares. Foram feitas visitas prévias à localidade para conhecer o espaço. Os depoimentos

coletados foram gravados em forma de áudio e posteriormente transcritos, tendo como

informação complementar o diário de campo.

O roteiro da entrevista se configurou a partir dos seguintes eixos temáticos: a)

composição familiar; b) cotidiano da família; c) redes de relações; d) vínculo com a vida

escolar do filho; e) o que pensa a família em relação à escola de Cachoeira do Campo; f)

representação do local de moradia (o que pensam de Bocaina).

Como recurso periférico complementar, foram realizadas pesquisas bibliográficas em

base de dados científicas, como artigos, teses e demais publicações que envolvam o tema

família-escola e que sejam capazes de fornecer dados relevantes e atuais (BONI; QUARESMA,

2005).

A pesquisa documental foi realizada no sistema de cadastro de transporte escolar e no

arquivo escolar.

A observação do campo também foi uma importante técnica de coleta de dados utilizada

na pesquisa, e ela pode ser denominada também de observação assistemática, segundo a qual o

pesquisador procura recolher e registrar os fatos da realidade sem a utilização de meios técnicos

especiais, ou seja, sem planejamento ou controle (BONI; QUARESMA, 2005).

Buscou-se, através dessa observação, conhecer um pouco mais sobre a realidade dos

indivíduos selecionados pela pesquisa, das ações inconscientes desses jovens e da relação entre

família e escola. Além disso, a observação possibilitou conhecer quais são as formas de

socialização desses jovens e, ainda, como é a representação do local de moradia pelas famílias,

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quais são as práticas empreendidas pela família em relação à escolarização. Possibilitou,

portanto, que o pesquisador tenha um contato direto com a realidade vivida pelas famílias,

auxiliando na produção e interpretação dos dados. Facilitou a triangulação das fontes, ao

relacionar as informações dos questionários com os depoimentos, a observação das expressões

e comportamentos dos indivíduos e as manifestações simbólicas durante as entrevistas.

No primeiro momento da elaboração desta dissertação, foi realizado um breve estudo

histórico da região de Ouro Preto e da localização da escola, que se situa em Cachoeira do

Campo, na qual os jovens de distritos e localidades vizinhas se matriculam para cursar o Ensino

Médio. Este estudo foi realizado através da análise de documentos que trazem dados sobre o

município e sobre a localização geográfica da escola em relação ao local de moradia dos

alunos, do perfil socioeconômico, da breve análise geográfica do território em que eles vivem e

de documentos escolares, como o Regimento Interno da escola pesquisada.

Durante as visitas à Bocaina, pude vivenciar momentos únicos que puderam

complementar os dados coletados nos questionários e entrevistas. Ao andar pelas pequenas

ruas, que se transformam em labirintos, pude chegar às casas dos sujeitos da pesquisa. As casas

eram sempre muito simples, sem acabamentos e pequenas, um quintal sobre outro quintal e

famílias diferentes vivendo bem próximas.

Durante o percurso, a cada esquina, um grupo de pessoas conversando, algumas ao lado

da capela, outras nas janelas de suas casas, observando as ruas paradas e sem muitos atrativos.

Pude encontrar, também, pessoas atravessando a ponte em direção ao asfalto que liga Rodrigo

Silva à Ouro Preto e à Cachoeira do Campo, essas pessoas se deslocavam a pé para pegar

ônibus ou, muitas vezes, carona.

As ruas não são muito conservadas, nota-se a pouca presença do poder público nessa

região. Em algumas dessas ruas, o esgoto corre a céu aberto. Nas próximas seções, poderemos

conhecer mais a fundo detalhes sobre a vida dos jovens, iniciando pelo perfil geral dos jovens

que estudam em Cachoeira do Campo, incluindo os que moram próximos da escola. Em

seguida, serão analisados o espaço em que vivem e, finalmente, o perfil dos jovens que vivem

em distritos e localidades afastadas da escola.

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2.2.1 O perfil geral dos jovens que estudam no 1º ano em Cachoeira do Campo

Conforme mencionado no item 2.2, que discutiu a metodologia da pesquisa, foram

aplicados questionários aos jovens estudantes do 1º ano do Ensino Médio na escola investigada.

Por meio dos questionários pôde-se conhecer melhor o perfil desses jovens e os resultados

serão discutidos neste primeiro momento de análise. Foram aplicados e analisados 134

questionários (79 moças e 55 rapazes), incluindo os que vivem próximo e distantes da escola.

No perfil geral desses jovens, observa-se que a grande maioria (86%) está na faixa

etária de 15 a 16 anos, 10% possuem de 17 a 18 anos, 3% têm mais de 18 anos, e apenas 1%

não informou a idade. A maioria dos jovens não possui atraso no processo de escolarização,

conforme foi estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, pois o acesso ao

Ensino Médio pode ocorrer a partir dos 15 anos. Acredita-se que os 13% de jovens que

possuem mais de 17 anos sejam os que tiveram alguma reprovação na trajetória escolar ou

casos de interrupção dos estudos, conforme será demostrado.

Grande parte desses jovens (84%) não trabalha, e apenas 16% deles afirmaram trabalhar

para ajudar nas despesas de casa, normalmente, são trabalhos informais com carga horária de

meio dia.

Em relação à família, foram identificados diferentes arranjos familiares, prevalecendo

aqueles em que os jovens moram com a mãe, pai e irmãos, em famílias nucleares (65 casos), o

que equivale a 48,5% dos casos. Os demais arranjos variam entre 9,7% dos jovens que moram

com a mãe e irmãos (13 casos); onde 9,7% moram com pai e irmãos (13 casos); em que 6,7%

com pai e mãe (9 casos); e os demais, 25,3%, com pai e madrasta, mãe e padrasto, avós, tios e

primos em famílias extensivas (34 casos). Apenas um jovem relatou ter a presença de um

amigo compartilhando moradia.

Em relação ao número de integrantes da família, 79 jovens (59%) afirmaram morar com

quatro a cinco pessoas; 27 (20,1%) dos jovens com até três pessoas; 19 (14,2%) com mais de

cinco pessoas; e 9 (6,7%) jovens afirmaram morar com apenas mais duas pessoas. Através

desta análise, percebe-se que grande parte dos jovens tem o quadro familiar composto por mais

de quatro pessoas, sendo consideradas famílias com mais de quatro pessoas, que, em muitos

casos, contam com a presença dos pais, irmãos, avós, tios e primos compartilhando o domicílio.

Desses 134 jovens, 117 (87%) possui irmãos, 5% não responderam e 8% não possuem

irmãos. Dos 117, o que equivale a 87% de jovens que possuem irmãos, 72% afirmaram que

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eles ainda estudam; sendo que os demais, 22,2%, responderam que têm irmãos, mas que eles

não estudam; e 6% não possuem irmãos, podendo essa variação ser decorrente da evasão da

escola ou devido ao fato de já terem concluído os estudos. Dos 117 jovens que possuem irmãos,

60% relataram possuir de um a dois irmãos; 20% jovens possuem de três a cinco irmãos; e 10%

mais de cinco irmãos; apenas 10% não possuem irmãos e seis não responderam.

Gráfico 2 – Número de irmãos mencionados pelos jovens estudantes do 1º ano do Ensino

Médio em uma escola pública de Cachoeira do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

A escolaridade dos familiares (pai e mãe) foi mensurada a partir dos questionários

preenchidos pelos estudantes e variam, na maioria dos casos, entre o Ensino Fundamental e

Médio. Neste sentido, observa-se que a maioria dos jovens respondeu que seu pai possui

escolaridade em nível fundamental incompleto, sendo poucos os que tiveram a longevidade

escolar para além do Ensino Médio, conforme demonstrado no Gráfico 4.

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Gráfico 3 – Nível de escolaridade alcançado pelo pai, de acordo com relatos

dos jovens estudantes do 1º ano do Ensino Médio em uma escola pública de

Cachoeira do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

As profissões mais mencionadas do pai foram: 26,11% atuando como

operadores/motoristas (35 casos), 14,2% como operários em construção civil (19 casos), 6%

fazem trabalhos informais (8 casos), 4,5% são funcionários de comércio (6 casos), 3,8% são

trabalhadores rurais (5 casos), 3% são mecânicos (4 casos), 2,25% fazem serviços

administrativos (3 casos), 1,5% são frentistas (2 casos), 3% fazem segurança privada (4 casos),

dentre outras profissões com nível médio. Foram encontrados apenas 3 casos de pais que atuam

como comerciantes/empresários, o que equivale a 2,25% dos pais.

Em relação à escolaridade das mães, foi constatado que 41,8% delas possuem a

escolaridade de Ensino Fundamental incompleto (56 casos); 23,12% têm Ensino Médio

completo (31 casos); 8,2 % têm Ensino Médio incompleto (11 casos); 3,75% possuem Ensino

Fundamental completo (5 casos); e, sobre 23,14%, não foi informada a escolaridade. A maioria,

assim como os pais, não atingiu além do nível médio.

Percebe-se, na análise dos questionários, que as mães estudaram mais que os pais,

destacando 11 mães com Ensino Superior completo (8,2%) e um caso com Ensino Superior

incompleto (0,75%). Por outro lado, observa-se que 103 mães (77%) estudaram até, no

máximo, o Ensino Médio.

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46

É interessante ressaltar que se encontrou um número expressivo de jovens (39 casos,

correspondendo a 29% da amostra) que não souberam classificar a escolaridade de seus pais.

Com relação à escolaridade das mães, apenas 19 não souberam responder. As representações

referentes à escolaridade das mães estão expressas no gráfico a seguir.

Gráfico 4 – Nível de escolaridade alcançado pela mãe, de acordo com relatos

dos jovens estudantes do 1º ano do Ensino Médio em uma escola pública

de Cachoeira do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

As profissões das mães mais mencionadas foram as de empregada doméstica (23),

funcionária de comércio (16), auxiliar (12), trabalhos informais (11), educação (10), serviços

administrativos (7), empresárias comerciantes (4), motorista (3), executiva (2), aposentada (1),

segurança privada (1), “do lar” (sem remuneração) (26), além das 18 cujos filhos não souberam

ou não quiseram responder.

Na renda familiar geral, foi observado que 13% dos jovens possuem uma renda familiar

menor que um salário mínimo, 10% entre um e dois salários mínimos e 51% entre dois e três

salários mínimos, normalmente para garantir o sustento de uma composição familiar de mais de

quatro pessoas, como foi mencionado anteriormente. Observa-se que 74% das famílias

possuem renda familiar de até três salários mínimos, para garantir o sustento familiar, os

demais (13%) não souberam responder a questão. Por último, apenas 13% dos jovens

afirmaram possuir uma renda maior entre quatro e seis salários mínimos, conforme

demonstrado no gráfico abaixo:

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47

Gráfico 5 – Renda familiar média mencionada pelos jovens estudantes do Ensino Médio de

uma escola pública de Cachoeira do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

Os dados relativos à renda, escolaridade e profissão dos pais demonstram que a maioria

dessas famílias encontra-se em situação de vulnerabilidade, seja em relação à distância

(mobilidade), acesso à informação e situação econômica. Apenas 18 jovens (13%) responderam

que a renda familiar ultrapassa quatro salários mínimos, 18 (13%) não souberam responder, e

os demais (74%) possuem a renda familiar de menos de um salário mínimo a três salários

mínimos, representando uma parcela significativa.

Desses jovens, 30 (3%) afirmaram receber algum auxilio financeiro de programas do

governo, e 16% não souberam responder. Apesar de haver muitos casos em que a renda

familiar é baixa em relação ao número de pessoas no domicílio, a grande maioria, 95 famílias

(71% dos casos), não recebe nenhum auxílio financeiro externo.

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2.2.2 O espaço em que vivem os sujeitos da pesquisa

Grande parte dos 134 jovens reside nas localidades pesquisadas desde o nascimento e

muitas das suas experiências são as vividas e realizadas em seu território de origem. De acordo

com os questionários aplicados, 101 jovens vivem por mais de cinco anos no local atual de

residência (75,5%); 9 jovens vivem de três a cinco anos no atual local de residência (7%); 5

jovens vivem de um a dois anos (4%); e apenas 8 jovens vivem a menos de um ano na

comunidade (6%). Além disso, 8% dos demais não souberam responder.

Quanto ao tipo de pavimentação das ruas dos locais de moradia dos jovens, 51%

afirmaram ser de calçamento; 29% vivem em lugar sem pavimentação (ou seja, estradas de

terra); 17,1% das famílias contam com pavimentação por asfalto; e 3% não responderam. As

ruas de terra, sem pavimentação, são caraterísticas fortes dos bairros e distritos afastados do

centro urbano de Ouro Preto.

A maioria desses jovens (85%) vive em casas próprias e as características que melhor

descrevem estas casas são: a maioria tem acabamento e possuem condições de saneamento

básico, como chuveiro, fossa ou rede de esgoto, banheiro, água encanada e luz.

O tipo de cobertura dessas casas varia entre telha e cobertura por laje. O piso, na maior

parte dos casos, é de cerâmica ou cimento (sem acabamento). Em relação à quantidade de

cômodos das casas, a grande maioria dos alunos (67%) respondeu que suas casas possuem de 5

a 8 cômodos, ou seja, caracterizaram as suas casas como pequenas; e 33% disseram que suas

casas têm de 9 a 12 cômodos7.

Nos distritos, existe a coleta de lixo, mesmo que em dias reduzidos. Assim, apenas 4%

dos jovens afirmaram que, no seu local de moradia, não passa o caminhão de coleta de lixo.

Nessa situação, os sacos de lixo devem ser levados a um ponto no qual exista a coleta quando a

família tem condições para isto ou torna-se necessário queimá-los no quintal.

Os meios de comunicação mais utilizados pelos jovens são a televisão, telefone celular

ou fixo, rádios e computadores. O acesso à internet, de acordo com as respostas dos

questionários, é o menos usado, pois, dos 134 jovens, 30% relataram não possuir internet em

suas casas, o que, muitas vezes, dificulta a realização dos trabalhos escolares, a possibilidade de

se manter atualizado ou a socialização através da participação em grupos em redes sociais. Essa

7Alguns jovens não responderam questões em relação às condições de moradia, como se possuem acabamento nas

casas (2%); presença de fossa ou esgoto (2%); presença de banheiro (4%); chuveiro (4%); água encanada (3%) e

luz (3%), não sendo possível mensurar se possuem ou não esses serviços e condições de moradia.

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limitação ao acesso dos meios de informações pode estar associada aos recursos financeiros

limitados para adquirir um bem, à localização geográfica da moradia, a não priorização desse

bem, dentre outros.

Gráfico 6 – Disponibilidade de acesso à informação na residência, segundo relatos

dos jovens que estudam no Ensino Médio em uma escola pública de Cachoeira do Campo

(2015)

Fonte: Elaborado pela autora

O local de moradia mais mencionado pelos jovens foi Cachoeira do Campo: 65% dos

jovens afirmaram morar no distrito em que se localiza a escola e relatam ter o acesso facilitado

à escola. O restante dos alunos que responderam o questionário (35%) são moradores de

distritos e localidades distantes da escola.

Foram identificados jovens que vivem em distritos afastados da escola, como Santo

Antônio do Leite (13%), Bocaina (4%), Glaura (3%), Engenheiro Correia (2%), Rodrigo Silva

(2%) e Serra do Siqueira (2%). Os distritos e subdistritos de Amarantina, São Bartolomeu,

Soares, Arrozal, Maciel, Miguel Burnier não representaram mais de 1% cada do total de

questionários. Três jovens não informaram o local de residência.

Em realidades diferentes dos jovens que vivem próximos à escola, 39 jovens (35%) que

cursam o 1º ano vivem em distritos ou comunidades afastadas e enfrentam dificuldades devido

à distância da escola. Diante dessas afirmações, percebe-se o elevado número de jovens que

precisam se organizar de forma diferente dos demais diariamente para conseguir cumprir suas

rotinas escolares, pois precisam acordar mais cedo, deslocar-se até o ponto de ônibus, que, em

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muitos casos, está distante de suas casas, para conseguirem chegar no horário de início das

aulas. Muitos deles, ao sair da escola, precisam resolver algumas pendências no comércio local

antes de ir embora no ônibus escolar.

Em relação à mobilidade, 73% dos respondentes afirmam possuir transporte público

próximo à residência, mas essa não é a realidade de todos, pois 26% dos jovens que vivem em

locais afastados não possuem nenhum ponto de transporte público perto da residência e ainda

sofrem com a distância e limitação da mobilidade (1% não respondeu a questão). Os jovens que

vivem em Cachoeira do Campo e em Amarantina possuem mais mobilidade no que se refere ao

acesso aos transportes públicos, pois a principal via de acesso à Ouro Preto e Itabirito corta

esses distritos. Os demais possuem um posicionamento geográfico mais afastado do centro

urbano.

Essa ausência do transporte público que dificulta a mobilidade, muitas vezes, se torna

uma limitação para que esses jovens tenham contato com outros territórios e outras realidades,

pois, embora muitos possuam carro em suas famílias, às vezes, não possuem condições

socioeconômicas para mantê-lo, assim como realizar passeios frequentes fora do local de

moradia.

A sociabilidade desses jovens na comunidade se dá através de visitas na casa de

vizinhos e brincadeiras de rua e em casa, porém nem todos frequentam a casa de seus vizinhos.

Apenas 60% afirmaram realizar essa prática; 40% relataram não receber seus vizinhos em casa

e cinco não responderam.

As atividades de lazer mais realizadas por esses jovens são: assistir televisão, navegar

na internet, realizar atividades com familiares (relato muito presente nos questionários das

meninas), dormir, praticar esportes, estudar, trabalhar, dentre outros. As atividades

extraescolares, para alguns, são estudar e ler.

Apenas 18% dos jovens relataram que, quando não estão na escola, costumam ler ou

adiantar as tarefas escolares para não acumular no dia a dia. Os demais, 82% (ou seja, a

maioria) variaram entre as outras opções, ocupando o tempo com o lazer e o trabalho.

Sem considerar o trajeto para a escola, foi mensurado o número de vezes que esses

jovens saem do seu território de moradia, a fim de verificar quais são os contatos que estes

estabelecem com outras realidades e a frequência com que estabelecem essas relações com

outras localidades. Os dados evidenciam que 13% dos jovens saem menos de uma vez ao mês

de seu distrito sem fins escolares, 11% saem até uma vez ao mês e 26% até três vezes ao mês,

demonstrando que 50% desses jovens que vivem em distritos ou subdistritos possuem pouco

contato com outras realidades a não ser do território em que vivem.

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O contato desses jovens com outros contextos territoriais se dá através das relações que

estabelecem no ônibus escolar, na escola e nas poucas oportunidades que têm de viajar para a

casa de parentes, além das relações estabelecidas na própria família, no território em que vivem

e na comunidade.

As últimas questões do questionário aplicado possibilitaram aos jovens se expressarem

em relação a como os mesmos se veem na escola em relação às faltas e reprovações e, ao final,

fizeram uma autoavaliação. Optou-se por deixar esta questão aberta, para que se sentissem à

vontade para responder de forma mais próxima à suas realidades e vivências.

A grande maioria não se expressou na opção em aberto, mas pretende-se, aqui,

demonstrar um pouco dessa análise.

Segundo as respostas dos jovens, 39 faltam frequentemente às aulas, destacando

diversos motivos, como problemas particulares, como para ir ao médico, preguiça, dentre

outros. Cem jovens afirmam não faltar às aulas para não perderem a matéria e saírem

prejudicados no andamento do bimestre.

Para realizar as tarefas escolares, 71% dos respondentes afirmaram receber auxilio por

algum componente familiar, os outros 29% não recebem nenhum auxílio. As reprovações e

abandonos escolares estão presentes na trajetória de 25% dos jovens, os motivos não foram

expostos por eles. Os demais 75% dos jovens não tiveram reprovações ou abandono escolar.

Já em relação às recuperações bimestrais, 31% dos jovens afirmaram ficar em

recuperação em mais de duas matérias no bimestre. O restante, 68%, não ficou de recuperação.

Percebe-se que, nesta escola, os jovens pesquisados ficam mais de recuperações bimestrais do

que reprovam.

Diante de todas as dificuldades vividas por esses estudantes para manter-se no ambiente

escolar e na sociedade, a grande maioria, representada por 85% dos sujeitos, se considera bons

alunos, por frequentar as aulas, fazer as tarefas rotineiramente e se dedicar aos estudos. Apenas

15% não se consideraram bons alunos, não expressando os motivos.

2.2.3 O perfil dos 39 jovens que vivem em territórios afastados da escola

Após conhecer o perfil geral dos 134 jovens que estudam no 1º ano do Ensino Médio da

escola pública de Cachoeira do Campo, conforme o item 2.2.2, não houve distinção do local de

moradia, ou seja, foram incluídos, na primeira análise, alunos que vivem em distritos e

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localidades afastadas da escola e alunos que vivem em Cachoeira do Campo, próximo à escola.

Agora, na seção 2.2.3, selecionamos apenas os jovens que vivem afastados da escola, sendo

assim, foram excluídos aqueles que moravam em Cachoeira do Campo e selecionados para

analisar apenas 39 jovens (14 rapazes e 25 moças) que vivem em pequenos distritos e

localidades de Ouro Preto para uma investigação mais aprofundada, que será realizada através

de uma breve comparação entre os que vivem em Cachoeira do Campo e os que vivem em

outras localidades, conforme demonstrado na discussão abaixo.

Os 39 jovens escolhidos moram em Santo Antônio do Leite, Bocaina, Glaura, Rodrigo

Silva, Serra do Siqueira, São Bartolomeu, Maciel e Miguel Burnier, conforme demonstra o

Gráfico 8, abaixo. Após está análise, foram selecionados cinco jovens que vivem na localidade

de Bocaina para uma discussão mais intensa, que será demonstrada e analisada no Capítulo 3.

Fonte: Elaborado pela autora

No perfil desses jovens, observa-se que, dentre os que vivem em distritos afastados da

escola, 90% estão na faixa etária de 15 a 16 anos, com apenas 3% dos jovens entre a faixa

etária de 17 a 18 anos, ou seja, grande parte dos jovens está dentro da faixa etária estabelecida

pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, da mesma forma que acontece em Cachoeira do

Gráfico 7 – Local de residência (distrito/localidade) dos jovens estudantes do 1º ano do

Ensino Médio na escola de Cachoeira do Campo investigada (2015)

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Campo. Diferentemente da análise total de dados, a taxa de jovens com a faixa etária de 17 a 18

anos é menor nos distritos afastados da escola, levando-nos a considerar que a taxa de

reprovações e abandonos escolares nesses territórios isolados é menor em relação aos jovens

que vivem no próprio distrito em que se localiza a escola.

A composição familiar nos distritos afastados não se difere muito dos demais, 69% dos

jovens informaram que moram com mais de quatro pessoas, destacando os quadros familiares

mais diversos, como aqueles que moram com os pais e irmãos, pais irmãos, avós e tios, pai ou

mãe, madrasta ou padrasto, além de outros familiares e amigos.

No quadro familiar desses 39 jovens, a maioria possui irmãos, destacando somente um

que não possui. Em relação à quantidade, houve 62% de afirmações para a opção de um a dois

irmãos; 4% de afirmações para três irmãos; e, para as demais, quatro a cinco irmãos, 2,5%

afirmações; para a opção mais de cinco irmãos, 1,5% de afirmações, demonstrando que grande

parte das famílias que vivem nesses distritos isolados tem uma estrutura familiar em número de

filhos menor em relação aos que vivem próximos à escola.

Na categoria de análise referente à renda familiar, percebe-se que apenas 8% recebem

mais de três salários mínimos e que a condição socioeconômica dessas famílias não é alta. No

entanto, 10% dessas famílias recebem menos de um salário mínimo; 18% entre um e dois

salários mínimos; 44% de dois a três salários mínimos; e 24% dos jovens não souberam

informar. Nesses distritos e localidades afastadas da escola, 26% dos jovens, o que equivale a

10 famílias, recebem algum tipo de auxílio do governo para complementar a renda familiar.

Comparando estes dados com a análise de todos os jovens pesquisados, incluindo os que vivem

em Cachoeira do Campo, observa-se que está concentrado em Cachoeira do Campo o maior

índice de famílias que recebem auxílios do governo, o que remete a pensar que os jovens que

vivem em camadas populares nos distritos podem não saber da existência desses recursos

financeiros ou como obtê-los.

Em relação aos meios de informações disponíveis nos distritos é demonstrada uma

grande limitação do acesso à internet em relação aos outros recursos. Apenas 38% dos jovens

possui internet em casa, número reduzido e significante em relação aos jovens que vivem em

Cachoeira do Campo, que, na sua maioria (70%), possuem internet em suas casas. Os recursos,

como a televisão, estão presentes na casa de todos os jovens moradores desses distritos,

possuindo pelo menos uma, conforme demonstrado no Gráfico 9:

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Gráfico 8 – Acesso à informação na residência dos jovens estudantes do

Ensino Médio da escola investigada moradores de distritos e localidades afastadas de Cachoeira

do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

Além da ausência de internet acessível para todos, observa-se que o computador

também é um bem que não está presente em todos os lares, apenas em 51% dos domicílios nos

distritos afastados da escola e, em Cachoeira do Campo, a prevalência do computador nos lares

é de 81%, o que diferencia esses jovens na hora de fazer os seus trabalhos escolares. No

entanto, prevalece como mais habitual a utilização de outras fontes de informações na casa

desses jovens, como a televisão, rádio e o telefone fixo ou celular.

Através desta análise, observa-se que os primeiros laços de sociabilidade estabelecidos

pelos jovens são em casa e na vizinhança. Nos distritos afastados da escola, a taxa de

frequência de visitas aos vizinhos é maior em relação à Cachoeira do Campo, demonstrando

que 69% dos jovens frequentam a casa de seus vizinhos.

Também foram apontados como os principais locais de lazer nas localidades afastadas,

a rua, com 56% de afirmações, a casa (18%) e outros (23%), aspecto muito característico de

cidades pequenas e ambientes rurais, enquanto que, na análise geral dos jovens, que inclui os

alunos de Cachoeira do Campo, 41% dos principais locais de lazer foram a rua (valor inferior

aos dos distritos) e 18% a casa (valor igual ao dos distritos afastados). O Gráfico 10, a seguir,

apresenta estes dados de forma sistematizada.

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Gráfico 9 – Locais de lazer mais mencionados pelos jovens que vivem longe da escola e

cursam o Ensino Médio em uma escola de Cachoeira do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

Em relação às tarefas escolares, a maioria desses jovens que vivem em localidades

afastadas da escola, 82%, recebem algum auxílio de familiares para realizá-las e o grau de

escolaridade dos pais demonstrou ser em alta prevalência no máximo ao nível fundamental e

médio, com algumas exceções; e 18% relataram não receber auxílio dos pais. Já os alunos que

vivem em Cachoeira do Campo, próximos à escola, apenas 70% recebem algum tipo de ajuda e

30% relatam não receber ajuda dos familiares.

No nível de escolaridade do pai dos jovens que vivem afastados da escola, observa-se

que a maioria dos pais estudaram menos: 31% estudaram apenas até o Ensino Fundamental e

5% não o concluíram. Em relação aos pais no perfil geral, quando incluímos Cachoeira do

Campo, verifica-se que 37,5% estudaram até o Ensino Fundamental sem o concluir; e que 3%

dos pais que não concluíram o Ensino Fundamental em Cachoeira do Campo, valor

considerável nesta análise. No Ensino Médio completo, 8% dos pais que moram em distrito

completaram esta etapa; e 8% não conseguiram alcançar o término. Em relação à Cachoeira do

Campo, 19,5% dos pais tiveram a longevidade escolar por alcançarem o término do Ensino

Médio e 6% não o concluíram. Percebemos, assim, que o pai que mora afastado teve menos

longevidade do que os que vivem próximo a escola em Cachoeira do Campo.

Outro valor que me chamou atenção foi o número de pais que vivem nos distritos

afastados que concluíram ou estão cursando o Ensino Superior: apenas 3% possuem curso

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superior completo e, em Cachoeira do Campo, 5% possuem curso superior ou em andamento.

Os demais variam entre Fundamental incompleto e Médio completo.

As mães que vivem em localidades afastadas possuem pouca escolaridade, na maioria

dos casos, o Ensino Fundamental incompleto, com 38% dos casos, valor bastante elevado e que

nos indica a baixa escolaridade. No Ensino Fundamental incompleto, encontramos 3% das

mães. Em relação à Cachoeira do Campo, 4% não concluíram o Ensino Fundamental e 1% o

completou apenas. O Ensino Médio nos distritos teve valores próximos aos do perfil geral, que

inclui Cachoeira do Campo, sendo que aquelas mães que moram afastadas, 21%, completaram

o Ensino Médio; e 5% não o completaram. Já incluindo Cachoeira do Campo no perfil geral,

23% das mães concluíram o Ensino Médio e 8% não o concluíram. Podemos dizer que as mães

dos distritos, 31%, alcançaram a longevidade escolar enquanto que, no perfil geral, 32%

também o alcançaram. Em relação aos pais, as mulheres estudaram mais do que os homens, nos

distritos, 11% dos pais alcançaram a longevidade através da conclusão do Ensino Médio e do

curso superior e 24,5% em Cachoeira do Campo alcançaram a longevidade escolar, sendo

através da conquista do Ensino Médio, Superior completo ou incompleto.

Quanto ao perfil profissional dessas mães, destacam-se as seguintes profissões:

doméstica, funcionaria do comércio local, motorista, aposentada, dentre outras, sendo a maioria

caracterizada como “do lar”.

As condições de moradia, nestas regiões afastadas, são representadas por ruas sem

pavimentação, normalmente, são estradas de terra ou calçamentos. As casas são em 90%

próprias e 8% alugadas, apenas 2% não responderam. Essas casas foram caracterizadas como

possuindo acabamento em 85% dos casos, sendo 10% não possuem acabamento e 5% não

responderam. Segundo informações fornecidas pelos jovens, 80% dessas casas possuem rede

de esgoto ou fossa, 79% possuem banheiro, 97% têm chuveiro e água encanada, 92% têm luz e

3% não responderam. Grande parte das casas que não possuem acabamento está na localidade

de Bocaina.

Os tipos de cobertura dessas casas afastadas da escola são por telha ou laje e o piso é de

cerâmica ou cimento grosso, na grande maioria. A quantidade de cômodos considerados pela

maioria foi de cinco a oito cômodos, com 77% das afirmações, e apenas 5% descreveram suas

casas como menores, possuindo de um a quatro cômodos.

Por morarem nas comunidades há mais de cinco anos, 77% desses jovens possuem um

vínculo com o local de moradia, muitos escreveram que moram em suas casas desde o

nascimento. Foram registrados poucos casos em que as famílias se mudaram há pouco tempo

para o distrito, como demonstra o Gráfico 11, abaixo:

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Gráfico 10 – Tempo médio em que os jovens estudantes do Ensino Médio de uma escola de

Cachoeira do Campo residem no atual local de moradia (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

A questão da mobilidade, nessas localidades afastadas da escola de Cachoeira do

Campo, demonstrou ser um componente importante para a pesquisa. Diferentemente dos alunos

que moram neste distrito, 85% consideram suas casas distantes da escola, por isso, 92% deles

utilizam o ônibus escolar ofertado pelo município, 5% usam van e apenas 3% dos jovens

relataram ir à escola a pé, conforme demonstra o Gráfico 12, abaixo:

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Gráfico 11 – Meios de transportes utilizados para o deslocamento dos jovens que estudam em

uma escola em Cachoeira do Campo até suas residências (distritos e localidades) (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

Apesar de o transporte urbano ser acessível a 90% dessas famílias, os ônibus escolares

possuem horários bem limitados saindo de uma a duas vezes por dia para outras localidades. O

Gráfico 13 referente à proximidade entre a residência e escola, demonstra o número de jovens

que consideram morar perto ou longe da escola. Para isso levou-se em consideração a distância

entre o local de moradia e a escola, levando em consideração que não há transporte disponível

durante todo o dia8.

8 Nesta pesquisa foi priorizada a fala dos alunos a respeito do que eles consideram em relação à

morar "longe" ou "perto" da escola.

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Gráfico 12 – Proximidade entre a residência e escola, de acordo com a percepção

dos jovens que moram em distritos e localidades afastados da escola de

Cachoeira do Campo (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

Muitas dessas famílias possuem carro, mas 44% dos jovens relataram sair pouco do

território de moradia durante o mês, a não ser para fins escolares. Desses 44%, 8% saem menos

de uma vez, 5% até uma vez e 31% de duas a três vezes, demonstrando que possuem pouco

contato fora do local de moradia. Os outros 54% afirmaram sair mais de três vezes ao mês e 3%

dos 39 jovens não responderam à questão.

Por fim, ao se auto avaliarem em relação à vida escolar, 67% consideram não faltar com

frequência às aulas e apenas 15% relataram já terem abandonado os estudos ou sido

reprovados. A maioria fica de recuperação em, pelo menos, duas matérias no bimestre (77%

desses jovens), mas, por outro lado, 92% se consideram bons alunos, devido aos esforços para

se manterem na escola, garantindo a frequência nas aulas.

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3 MORANDO NO INTERIOR: REFLEXÕES SOBRE A VIDA DOS JOVENS

ESTUDANTES DE BOCAINA

Bocaina é uma localidade pequena e com poucos moradores. Aqueles que ali residem

são, normalmente, nativos de longa data e escolheram criar suas famílias lá por não terem como

se assegurar em outra localidade. O local de moradia dessas famílias, segundo relatos nas

entrevistas, foi adquirido por meio de heranças deixadas de pais para filhos.

Ao chegar à localidade, logo vemos uma pequena capela e um pequeno trevo que nos

leva à rua principal, que divide Bocaina em Bocaina de Cima e Bocaina de Baixo. A rua

principal é de calçamento e as demais tratam-se de pequenas estradinhas sem pavimentação que

dão acesso às casas que, em sua maioria, são sem acabamento.

As famílias residentes em Bocaina são, em grande parte, extensivas e possuem um

vínculo muito forte com a terra, alguns sobrevivem da agricultura e criações, outros trabalham

na região urbana próxima. Esses moradores passam a maior parte de seu tempo por lá, mas

precisam se deslocar para estudar, fazer compras, ir a bancos ou procurar uma unidade de

saúde, pois esses serviços não são oferecidos na localidade, onde percebo pouca presença do

poder público.

Neste capítulo, apresentaremos a visão dos moradores de Bocaina, quem são essas

pessoas e o que pensam sobre a escolarização de seus filhos. Esses dados foram coletados

através de 5 entrevistas com familiares dos jovens, em específico com suas mães, irmã mais

velha ou avó, e serão apresentados como perfis de configuração a visão dos moradores de

Bocaina sobre o processo de escolarização de seus filhos. A proposta da seção item 3.2 será de

refletir sociologicamente sobre as informações obtidas nos relatos das mães ou familiares dos

jovens, cujas falas foram transcritas e editadas na íntegra e acrescidas com minhas

interpretações. Por fim, utilizarei o suporte teórico para as análises dos fatos relatados e

observados durante as entrevistas a fim de atender aos objetivos propostos nesta pesquisa.

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Abaixo demonstro através da figura 2 as características gerais das famílias entrevistadas de

Bocaina:

Figura 2 – Características gerais das famílias entrevistadas de Bocaina

Fonte: Elaborado pela autora

3.1 A visão dos moradores de bocaina: quem somos nós?

Nesta seção, apresento a visão dos moradores de Bocaina, em específico a visão de

mães e familiares dos jovens moradores da localidade, sobre o processo de escolarização dos

jovens que estudam em Cachoeira do Campo.

Esta apresentação tem o objetivo de conhecermos as dinâmicas familiares e as práticas

educativas adotadas por estas famílias para manter os seus filhos na escola.

De certa maneira, esses jovens já alcançaram o sucesso escolar por estarem cursando o

Ensino Médio, mas proponho identificarmos, através de suas falas, quais são as perspectivas

futuras dessas famílias em relação aos estudos.

Conforme descrito na metodologia de pesquisa, no Capítulo 2, foram selecionadas cinco

famílias moradoras de Bocaina que tinham jovens que cursavam o Ensino Médio em uma

escola estadual em Cachoeira do Campo para uma análise mais aprofundada. Participaram

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destas entrevistas uma avó e quatro mães. Conforme descrito no TCLE, os nomes dos

entrevistados e dos alunos não serão identificados, a fim de preservar suas identidades, por isso,

serão substituídos por nomes fictícios.

Nas próximas seções, procuro demonstrar, de forma mais próxima à realidade dessas

famílias, os aspectos mais marcantes das entrevistas e, ainda, interpretar os dados observados e

obtidos durante o contato mais próximo com eles.

Por fim, na seção 3.2 será realizada a análise dos dados embasada nas teorias utilizadas

para que possamos compreender a realidade dessas famílias durante o processo de

escolarização de seus filhos. Assim sendo, serão utilizadas, como eixos centrais, as categorias

de análise: a) Esforços familiares no processo de escolarização dos filhos; b) A importância da

escola para a família; e c) A representação do local de moradia para essas famílias.

3.1.1 Entrevista da Família 1: Iraci, a avó da jovem Raiara

A mãe dela morreu, ela ficou com oito anos, né, oito ou sete? Oito. Com oito anos, até

hoje, ela vai fazer 16 anos, graças a Deus. Ajudo e eu tô cuidando dela, até quando

precisar de mim eu tô aí (Iraci, avó de Raiara).

Raiara é uma jovem de 15 anos que reside em Bocaina de Baixo, região localizada no

distrito de Rodrigo Silva, na cidade de Ouro Preto. A sua história de vida neste local se iniciou

aos oito anos de idade quando sua mãe faleceu e a jovem foi morar com seus avós, tia e dois

primos em uma casa humilde que possui criação de bodes, peixes e gansos.

No caminho, enquanto procurava a casa da jovem, fui perguntando às pessoas que via

pela rua se conheciam a jovem e todos me direcionaram ao caminho correto, pois se trata de um

lugar pequeno, onde a vizinhança nativa é muito antiga e todos se conhecem. Ao chegar à

porteira indicada por uma senhora, vi um senhor capinando e juntando lenha na beira da estrada

e o perguntei se conhecia a jovem. O mesmo logo abriu a porteira e me chamou para entrar, era

o avô da garota. Mesmo sem me conhecer, demonstrou muita hospitalidade. Apresentei-me e

disse a ele que gostaria de conversar com o responsável pela Raiara, pois ela estava

participando de uma pesquisa e gostaria de convidá-la para a entrevista. O senhor desceu o

morro comigo e, por um instante, pediu para que eu esperasse parada enquanto espantava os

bodes. Passamos, então, por uma lagoa, por gansos e alguns bodes, até chegar à casa onde

estava Raiara. Ele disse que chamaria a avó, pois ela estava na colina buscando lenha.

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Raiara me recebeu e ficamos conversando no jardim. No primeiro momento, ela não se

lembrou de mim. Houve períodos de silêncio da jovem, que ficou um pouco acanhada. Fomos

conversando, mostrei o questionário respondido por ela na escola e, assim, ela se lembrou da

ocasião em que fui à escola para a aplicação do questionário, no ano passado. Como sua avó

estava demorando, Raiara assobiou bem alto, como um sinal de comunicação, por trás do

bambuzal sua avó gritou: “Já estou chegando!”.

Então, após uns dez minutos de conversa com Raiara no jardim, ela foi se soltando e me

perguntando sobre a pesquisa. Enquanto isso, observei o pomar que tinha pés carregados de

frutas e as criações soltas pelo terreiro. Logo pude imaginar que esta família parecia viver da

agricultura familiar, mas ainda sem esta certeza.

Nesse tempo de espera, Raiara foi me mostrando as plantações, e disse para eu esperar

para não ter que voltar depois. Finalmente, se aproximou de nós uma senhora com um lenço na

cabeça, com uma roupa um pouco suja devido ao fato de estar carregando lenha, além de uma

moça mais nova e desconfiada e de um rapaz que olhava despistadamente, sem entender quem

era “eu”, esta moça que nunca havia passado por ali.

Logo que sua avó e sua tia chegaram mais perto, me apresentei a elas. O rapaz seguia de

lado, um pouco acanhado (este rapaz se trata do pai de Raiara). Fui convidada, então, a sentar-

me junto com a avó na sala simples, onde tinha dois sofás, uma parede bem descascada e já

sem pintura, mas bem arejada. Dona Iraci, muito comunicativa, disse que aceitava conversar e

participar da entrevista e que responderia o que soubesse responder. A tia de Raiara ficou por

alguns minutos sentada conosco, mas não foi de muita conversa, apenas observava e

rapidamente se ausentou. Muito me admirou que o pai de Raiara foi se aproximando, primeiro

apareceu na porta, ficou rodeando, até que eu perguntasse para Dona Iraci quem era aquele

rapaz, e, então, me apresentei a ele. Foi assim que ele se assentou na janela e, entre as falas da

avó, completava com algumas informações. Ele se demonstrou muito envolvido com a filha,

embora não morasse ali com elas. Raiara, mesmo morando afastada da cidade e não saindo

muito da região em que vive, parece ser uma menina feliz e muito amada.

Dona Iraci, avó de Raiara, tem 65 anos e é casada. No momento da entrevista, todos os

moradores de sua casa encontravam-se desempregados. A avó contou que sempre morou em

Bocaina e, em relação à composição de sua família, falou com muito orgulho de seus quatro

filhos, sendo duas mulheres e dois rapazes, um deles o pai de Raiara. Quando pergunto sobre o

seu esposo e sobre o trabalho formal, ela logo disse:

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Sou casada. Mora aqui também. É aquele que tá lá. É aquele que te recebeu que é meu

marido. Não, nesse momento, eu não tô não. Ele também não. Não. Já trabalhei.

Trabalhei quatro anos na escola, mas tem muitos anos. Depois trabalhei na Cachoeira

ali, na Aldebaram, numa casa, 11 anos (Iraci, avó de Raiara).

Para conhecer um pouco mais sobre a história de vida da jovem Raiara, procuramos

entender como foi a vida escolar de sua avó, considerada a principal figura materna dela, após o

falecimento de sua mãe. Para isso, realizamos uma conversa sobre o passado, sobre as práticas

familiares empreendidas pelos pais de Dona Iraci a fim de entender como essas práticas

familiares são, hoje, empreendidas com Raiara.

Então, iniciamos a conversa falando sobre a escolaridade de Dona Iraci, e comecei

perguntando sobre até quando havia estudado, como era, para ela, estudar e por quais motivos

tinha parado de estudar. Pela sua fala, percebi o quanto foi difícil a sua infância, tendo que

conciliar os estudos com o trabalho doméstico e os cuidados com os irmãos mais novos, já que

teve pouco apoio do pai em casa.

Na fala a seguir, tenho a impressão de que Dona Iraci quer recuperar aquilo que não

teve a oportunidade de fazer, através das realizações de seus filhos. Por saber a dificuldades

enfrentadas em sua infância e em sua vida adulta com a baixa escolaridade e baixa

oportunidade de trabalho, ela disse que:

Eu parei, eu ajudei muito mamãe, entendeu, mas não continuei a escola também não.

Agora, meus filhos, eu quero que eles continua. Meus filhos (Iraci, avó de Raiara).

Quando falamos sobre os incentivos de seus pais durante a sua escolarização, ela disse

que passou muitos “apertos”. Perguntei, então, se alguém ajudava nos deveres de casa e como

eram seus professores, e ela respondeu, pensativa:

Ah, aquela época, quase não, quase não tinha não, né. Naquelas época não, era só a

gente só e era muito aluno, mas são todos legal entendeu, todos legal mesmo (Iraci,

avó de Raiara).

Percebe-se que Dona Iraci vem de uma família com baixo capital escolar e, quando

perguntei se seus pais estudaram, ela disse que: “Não, a minha mãe, eu não lembro. Eu só sei

que eles não sabiam ler. Não”. A sua aprendizagem foi através de sua vivência, apesar de ter

estudado pouco, é uma senhora muito ativa e comunicativa, sente muito por não ter apreendido

a ler, mas sabe que, naquela época, tinha que ter forças para ajudar a sua mãe, que passou por

dificuldades em seu relacionamento e, principalmente, de ordem financeira, por ter perdido o

seu marido logo cedo, com crianças ainda em idade escolar. Ao tratarmos do assunto “leitura”,

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ela se confundiu quando perguntei se ela gostava de ler e se tinha livros em sua casa. Pensou

por instantes e disse:

Não. Não sei ler direito não. Conheço tudo quanto é letra, ajunto e sei o que que é

entendeu. Sei tudo quanto é letra direitinho, mas não sei juntar. [riso] Ai, ai. Nayane

me ajuda. Todos eles, minha caçula também tá com 19 anos (Iraci, avó de Raiara).

Dona Iraci contou que seus pais incentivavam os estudos, mas não tinham condições

para manter os filhos na escola. Assim, ela e seus irmãos passavam apertos para fazer as tarefas

escolares.

Quando falamos dos estudos de sua neta, ela disse que espera o melhor, que continue

estudando, apesar da sua casa ser longe da escola. Hoje, a neta precisa acordar muito cedo para

pegar o ônibus no ponto e a avó relatou que Raiara só falta as aulas quando está doente.

Observando as mudanças ocorridas, ela relatou que, antigamente, tinha que andar

quilômetros para chegar à escola a pé, e, hoje, com a facilidade dos ônibus escolares, está tudo

bem melhor. Chamou a atenção para os cadernos de hoje em dia e para as mochilas bonitas,

pois, antigamente, carregavam seus poucos pertences em saquinhos de arroz.

Hoje, Raiara não trabalha fora, fica por conta apenas dos estudos e da casa, por isso, é

muito cobrada pelo seu pai, que, apesar de não morar junto e ter pouco estudo, apenas até a

sétima série, sempre está presente.

Dona Iraci também contou, com muito orgulho, que tem um filho que está no seminário

estudando para ser padre, e que este é o “cabeça” da casa, quem incentiva a todos, inclusive a

Raiara. Este filho atingiu a longevidade escolar até o Ensino Superior, cursou Biologia. Ela fala

que, “graças a Deus”, ele se salvou entre os demais filhos.

A avó de Raiara contou, entristecida, que não pôde dar atenção e carinho para seus

filhos durante a infância, e que isso pode tê-los prejudicado. Esse carinho é dado, hoje, à sua

neta. Por fim, ela e o pai da jovem demonstram muita preocupação com seu futuro, e

acompanham de perto a sua vida escolar, suas amizades e o namoro, embora seu pai não aprove

este relacionamento por ela ser muito nova. Acreditam que não adianta bater nem reprimir, o

que precisam é de muita conversa. Eles contaram que a garota passou no Instituto Federal

Minas Gerais – Campus Ouro Preto, mas, devido à falta de internet, não viram a tempo e ela

perdeu a vaga, isso com muito pesar.

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3.1.2 Entrevista da Família 2: Rosana, mãe de Poliane, cunhada de Raiara

Poliane é uma jovem de 16 anos, moradora de Bocaina de Cima desde o seu

nascimento. Ela é filha de mãe solteira, Dona Rosana, que teve oito filhos: seis homens e duas

mulheres, que já estão, em sua maioria, casados e morando fora.

Em relação à composição familiar, moram dois irmãos e um amigo em sua casa, mas

não foi detalhado o vínculo e os motivos para este último morar lá. Fui encaminhada até a sua

casa através do apoio de Poliane, que é cunhada de Raiara. As duas moram bem próximas.

Raiara me apresentou, então, para a sua sogra, a Dona Rosana, uma senhora emagrecida e com

um lenço sobre a cabeça, e perguntou se ela podia me receber. Rosana, muito disponível e

simples, me convidou para entrar. Logo em sua sala, encontrei Poliane deitada no sofá

assistindo à televisão.

Sua casa é bem pequena e de tijolo à vista. Então, a jovem se espremeu no sofá e

sentamos, as três, para iniciar a entrevista. Mostrei para Poliane o questionário respondido por

ela e, bem tímida, ela se recordou do momento. Ela participou da entrevista como ouvinte, e

ressalto que gostaria de ter realizado apenas com a sua mãe, mas ela não tinha para onde ir.

Apesar disso, observei que a jovem não prestou muita atenção, pois estava cuidando de seu

sobrinho pequeno, que lhe desviava o foco por todo o tempo. Durante a entrevista, por vezes,

entravam algumas galinhas pela sala.

Inicialmente, Dona Rosana se apresentou e falou sobre a sua profissão com muito amor

ao que fazia. A senhora trabalhou como auxiliar de limpeza em uma empresa terceirizada da

mineradora Vale, em Vargem Grande, por cinco anos, mas, no momento da entrevista, estava

desempregada. Ela estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental em Bocaina, onde nasceu e

morou por toda a vida.

Em relação à escolaridade de Dona Rosana, começamos a conversar para compreender,

hoje, como isso se reflete na escolaridade de sua filha. Ela disse que parou de estudar para

trabalhar e ajudar a sua mãe, que ficou viúva muito cedo. Sua mãe não trabalhava fora e não

tinha ganho nenhum para sustentar a família. Relatou ter sido uma fase muito difícil de sua

infância. Não soube dizer se todos os seus sete irmãos estudaram até o Ensino Médio, mas

garantiu que estudaram mais do que ela.

Ó, eu aprendi um pouquinho só, sabe, mas, depois que eu parei de estudar, eu não

peguei mais um livro pra estudar nem nada. Eu pegava mais era caderno pra escrever.

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Adorava. Agora não. Muita coisa eu não sei ler não. Alguma coisinha eu sei (Rosana,

mãe de Poliane).

Quando pergunto se seus pais incentivaram a ela e aos seus irmãos a estudarem, ela

disse que sim. Seus pais não foram estudados e não sabiam ajudá-los nas tarefas escolares, que

eram feitas em casa. Quando tinham dúvidas, era necessário recorrer aos vizinhos, pois, em

casa, ninguém era escolarizado. Assim, Dona Rosana fez uma relação, na fala abaixo, com os

dias de hoje, se posicionando quanto à escolarização de seus filhos.

Incentivava. Mandava a gente pra escola, não deixava a gente faltar de aula à toa de

jeito nenhum. Não deixava não. Bom, se tivesse doente, aí sim, mas, do contrário, não

deixava não. A mesma coisa hoje com esses menino: se tiver doente, não vai na escola

não, agora, se não tiver, tem que ir estudar. Tem que estudar. Que hoje em dia, pras

pessoas ter as coisa, tem que estudar. Mesmo muitas que tem estudo tá difícil, imagina se não estudar né, é complicado (Rosana, mãe de Poliane).

Hoje, na casa de Dona Rosana, quem ajuda os irmãos a fazerem as atividades escolares

é a irmã mais velha, ela estudou até o Ensino Técnico e, atualmente, mora em Belo Horizonte,

onde trabalha. A única que está estudando, no momento, é a Poliane, a filha caçula, pois o seu

irmão abandonou os estudos.

Ah, lá, aquele lá parou, ó. Parou na 5ª. Ah, diz que esse ano ele vai voltar, né, não sei.

Eu espero que ele volte a estudar, né. Ah, tem que estudar, mas ele gosta mais de

trabalhar, estudo ele não... Não, por enquanto, ele tá parado, mas gosta de trabalhar,

trabalhar é com ele, agora estudar... (Rosana, mãe de Poliane).

Segundo a mãe, quando tem que fazer pesquisas, Poliane vai à Ouro Preto de ônibus e

utiliza a internet pública da Câmara Municipal dos Vereadores, paga apenas a passagem para ir.

Dona Rosana falou que ela “não é muito de fazer trabalhos em grupo”, mas, sempre que tem,

ela deixa ir fazer, porém sempre com horário para voltar para a casa. Ela parece ser presente e

regula as ações da filha. Completou dizendo:

Não sou não. Não sou mansa, né. Eu gosto de corrigir, também não sou de bater

também não. Gosto de chamar atenção, conversar, explicar. Com certeza (Rosana,

mãe de Poliane).

Durante o percurso da escolarização da filha, sua mãe acha difícil acordar muito cedo,

mas disse que logo eles se acostumam. Até o momento, não teve problemas escolares com a

sua filha, costuma ir à escola quando tem que buscar as notas, mas não frequenta os eventos,

vai em outro dia.

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Percebe-se que a sua maior preocupação é a filha desviar se dos estudos e seguir

pessoas mal intencionadas. Ela falou que a melhor coisa que uma pessoa pode ter é os estudos

e, por isso, gostaria que seus filhos tivessem aquilo que ela não teve, a oportunidade de ter.

Dona Rosana completou a afirmação com a fala:

Ah, ela melhorou bastante, eu acho. Principalmente, né, nos estudo, ela deu uma

caminhada boa. É. A escola, lá, os aluno tudo com uniforme, igual os professor lá falou que tem menino que, às vezes, sai de casa pra estudar, mas dentro da sala não

entra. Fica na rua. E eu já falei com ela, se eu souber que ela ficou na rua, ela vai

tomar um coro, e aí eu bato (Rosana, mãe de Poliane).

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3.1.3 Entrevista da Família 3: Mariana, a irmã mais velha

Talita é uma jovem de 15 anos que reside em Bocaina de Cima. Ela morava na

localidade desde o seu nascimento, há 15 anos, com seus pais, três irmãos, o namorado, o

cunhado e a sobrinha. A visita a esta família foi diferente de todas as outras, porque tive um

pouco de dificuldade de encontrar a sua casa, pois era em uma região mais alta de Bocaina, e

foi preciso entrar em terrenos de vizinhos para chegar até lá.

Ao chegar ao local indicado por alguns moradores, me deparei com uma camionete e

com quatro pessoas ajeitando móveis e pertences dentro dela. Perguntei se ali era a casa da

jovem Talita e fui informada, por ela mesma, que sim e que estavam de mudança. Pedi para

conversar com a sua mãe ou responsável, mostrei o questionário respondido por ela e disse que

ela foi selecionada para continuar na pesquisa. Ela, muito surpresa, então, subiu a rua, chamou

a sua irmã mais velha e me apresentou a ela, pois sua mãe estava trabalhando em uma empresa

e só chegaria à noite, pois trabalha em turnos.

Conversei com as duas e disse que, se não fosse uma boa hora, retornaria em outro

momento. Logo, sua irmã disse que não estava incomodando e que poderia me receber. A

conversa iniciou-se ali mesmo, do lado de fora da pequena casa sem acabamento e com quatro

cômodos, com nós três sentadas em uma beirada de pedra.

Expliquei à sua irmã mais velha sobre a pesquisa e a mesma se interessou em participar.

Ela disse ser responsável pela irmã, pois sua mãe passa muito tempo fora. Contou que sua mãe

era casada, estudou até completar o Ensino Fundamental, mas que parou os estudos, pois teve

que trabalhar para se sustentar e, logo após, se casou e teve que cuidar dos filhos.

A mãe de Mariana e Talita, atualmente, trabalha na área da empresa Vale. Em relação

ao seu pai, Mariana relatou que ele também não terminou os estudos e que estavam de

mudança, pois seus pais se separaram recentemente e os filhos acharam melhor acompanhar a

mãe para o distrito de Amarantina, para onde estavam se mudando.

A irmã mais velha de Talita, então, contou que se formou no Ensino Médio, com

orgulho por ter conseguido, mas não demonstrou gostar de estudar. Contou que não teve

dificuldade para ir para a escola em Cachoeira do Campo, pois já tinha o ônibus escolar

ofertado pelo município.

Quando perguntei se existia alguém na família que acompanhava a vida escolar de

Talita, ela disse, imediatamente, que sua mãe sempre cobra e que o pai, por mais que não tenha

estudado, é bom em Matemática e ajuda nos trabalhos escolares.

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Contou também da tristeza da mãe por seu irmão não ter concluído o Ensino Médio.

Quando falamos sobre os irmãos que ainda estudam, ela disse que apenas a Talita continua na

escola e que as outras irmãs se formaram no Ensino Médio.

Os trabalhos escolares de Talita são feitos sozinha, pois ela mora longe dos colegas. Sua

irmã contou que, quando tem trabalhos em grupo, Talita divide as tarefas com os colegas e que

cada um se organiza em sua casa e, quando chegam à escola, apresentam juntos.

Mariana, a irmã mais velha, falou o quanto está difícil, hoje em dia, ficar sem estudar,

pois não se consegue um bom serviço. No momento, ela está desempregada e fica encarregada

de cuidar da casa e de Talita. Talita apenas estuda, agora terá que utilizar o transporte pago,

pois não existe ônibus escolar gratuito entre Cachoeira do Campo e Amarantina. Mariana

relatou não ter internet em casa e que, quando precisa utilizar, tem que colocar crédito no

celular e ir para algum lugar que pegue bem o sinal ou, ainda, ir para uma lanhouse.

Mariana comentou que gostava de morar em Bocaina, porque não tinha outro lugar e

nem motivos para sair de lá, mas que agora tem.

Ah, gostava, né, não tinha outro lugar, agora tem, agora nós sai daqui. É que não tinha

outro lugar, não tinha motivo pra sair daqui, agora tem (Mariana, irmã de Talita).

Quando perguntei o que ela desejava para a sua irmã após o término do Ensino Médio,

demonstrou, neste momento, com seriedade em suas palavras, que desejava que sua irmã

fizesse um curso após o Ensino Médio, coisa que nenhum de seus outros irmãos e irmãs

puderam fazer.

3.1.4 Entrevista da Família 4: Ana, a mãe protetora de Raissa e Renato

Dona Ana, tem 43 anos, é solteira e, há 25 anos, mora em Bocaina. Estudou em Bocaina

até a 4ª série e não concluiu o Ensino Fundamental. No momento, relatou ser cuidadora no asilo

de Ouro Preto e trabalha em dias alternados em uma escala de 12 x 36 horas. Ela tem quatro

filhos e todos estudaram e já trabalham, apenas Raissa a terceira filha e Renato, filho caçula

ainda estudam em Cachoeira do Campo e ainda não trabalham. Relatou que seus filhos

estudaram o Ensino Fundamental em Bocaina.

Quando conversamos sobre seus estudos, Dona Ana relatou ter abandonado a escola,

pois precisou trabalhar durante a sua infância e começou a ajudar os seus pais com 14 anos. Ela

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tem quatro irmãos e falou, com dúvida, que apenas o mais novo chegou a se formar no 3º ano e

concluir o Ensino Médio. Contou o quanto passou dificuldades, principalmente para estudar,

pois morava no alto de uma colina e tinha quer descer a pé para estudar.

Naquela época, ela não tinha ninguém para ajudá-la nas tarefas escolares, “tinha que se

virar”, como ela mesma contou. Às vezes, alguns amigos a ajudavam na escola, mas em casa

não. Comentou que seus pais não tinham a noção da importância dos estudos e que não davam

muita importância para isso, e que, apenas hoje, ela consegue enxergar isso.

Por isso, Ana não se cansava de dizer, durante a entrevista, que o que mais quer é que os

filhos estudem que apenas isto bastava para ela. Ela disse que sempre ajuda nos trabalhos

escolares, até aonde ela sabe e que, quando são em grupo, eles são feitos na escola, após a aula,

então os filhos deixam de voltar no ônibus escolar para casa e utilizam o transporte pago.

Dona Ana demonstra ser uma mãe presente e reguladora. Em sua casa, há “horário para

tudo”, apesar de não ter muito tempo para “ficar de cima”, diz estabelecer horários,

principalmente, para os jovens voltarem para casa quando saem.

Segundo a mãe, Raissa e Renato tinham dificuldade para utilizar a internet, mas, no mês

da entrevista, havia sido colocada uma antena popular em Bocaina. Relatou que ela ainda não é

boa, mas já vinha ajudando bastante. Em relação à mobilidade, a família mora perto do ponto

de ônibus e da rodovia.

Quando perguntei se seus filhos são bons alunos, ela disse não saber, apenas agradece a

Deus por tê-los. Mas afirmou, em seguida, que “pega muito no pé deles para estudarem”, e

relatou nunca ter passado por problemas com eles na escola, que sabem quando têm que

estudar.

Dona Ana disse que costuma sair de Bocaina apenas para trabalhar em Ouro Preto, em

dias alternados, e afirmou passar a maior parte do tempo em Bocaina. Quando saem em família

é para comer pizza, mas isso não é muito comum para eles.

Fico a maior parte do tempo aqui mesmo (Ana, mãe de Raissa e

Renato).

Ao final da entrevista, relatou que não gosta de morar em Bocaina e que já pensou,

muitas vezes, em se mudar, mas não tem para onde ir. Ao mesmo tempo, tem medo do

desconhecido, de uma nova vizinhança que não conhece, de ficar desamparada, pois é apenas

ela para cuidar da família.

Outro medo manifestado, por ela, foi o de seus filhos irem para Cachoeira do Campo

estudar e se envolverem com drogas, fora isso, acha a rotina tranquila. Não costuma frequentar

as reuniões da escola, pois, muitas vezes, ela está trabalhando. A festas e comemorações não

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gosta de ir. Embora falte tempo para a mãe acompanhar os filhos, relatou que, em suas folgas,

está sempre perto e conversa muito.

Por fim, ela disse que percebeu o desenvolvimento de seus filhos quando saíram para

estudar em Cachoeira do Campo, porque foram amadurecendo e, agora, precisa confiar neles.

3.1.5 Entrevista da Família 5: Geralda, o trauma de infância

Geralda é mãe de três filhas, casada e moradora de Bocaina de Cima há 22 anos. Suas

filhas, Amanda e Ana Paula, são estudantes da escola de Cachoeira do Campo. Atualmente,

trabalha fichada como auxiliar de serviços em Cachoeira do Campo e seu esposo trabalha

fazendo “bicos” em Bocaina, pois ele tem deficiência após ter um Acidente Vascular

Encefálico.

Ela estudou em Belo Horizonte, em um orfanato, até a 5ª série e não concluiu o Ensino

Fundamental. Relatou que seu esposo estudou até a 7ª série e também não concluiu esta etapa

da escolarização. Sua história de vida é muito comovente e, durante as nossas duas conversas,

me surpreendi com a sua confiança por me contar detalhes tão fortes de sua vida. Fui ao seu

trabalho no primeiro dia para convidá-la a participar da entrevista e, no outro dia, a sua casa.

Ela, então, me pediu para realizar a entrevista em seu trabalho, pois se sentiria mais à vontade.

Geralda parou de estudar porque a sua irmã foi expulsa do orfanato na época e, por isso,

não chegou a conviver com ela nem por três meses. Ela não me contou o motivo deste

incidente. Relatou que foi colocada no orfanato por sua madrinha e que, de 15 em 15 dias, saía

do orfanato e ia para a casa – mas não para a casa da sua mãe, ia para a casa da sua madrinha,

que, em pouco tempo, faleceu, e, assim, ela passou a não sair mais. Em seguida, por volta dos

nove anos, a sua mãe a tirou de lá também. Ela contou o quanto gostava de estudar lá, pois

tinha horários para tudo, livros e era bem supervisionada. Comentou, com orgulho, que

acordava às 5 da manhã e iniciava as suas rotinas, tudo bem regulado.

Contou que tem dois irmãos e que todos se formaram, apenas ela não. Falou que seus

pais não a incentivaram a estudar, que foi para o orfanato com dois anos por ter sido abusada

em casa, e que não teve contato com sua família de sangue. Quando perguntei se recebia

alguma ajuda em casa para realizar as atividades escolares, ela disse:

Não, porque, assim, como eu não fui criada por ela, com dois anos e meio meu pai me

estuprou, aí, a partir daí, eu não fui criada por ela, ela me largou lá no IML (Geralda,

mãe de Amanda, Ana Paula e Vitória).

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Por toda a entrevista, me inquietei em ouvir a sua história de vida, me perguntava os

motivos pelos quais ela não ia para a casa de sua mãe, fui, então, entender após o relato

mencionado acima. Iara foi abandonada em sua infância após abuso sexual, sua mãe se revoltou

contra ela e sempre disse que ela acabou com o seu casamento e, então, preferiu continuar com

o marido e deixa-la em um orfanato. Ela dizia também que não teve pai, como na passagem

abaixo:

Hum, eu não tive pai não, só mãe, até, quer ver, até uns, até os nove anos mais ou

menos... (Geralda, mãe de Amanda, Ana Paula e Vitória).

Então, o tempo se passou e Geralda se casou e se mudou para Bocaina, onde vive até

hoje e onde teve suas filhas, Amanda, Ana Paula e Vitória. Suas filhas estudaram o Ensino

Fundamental em Bocaina e cursam o Ensino Médio em Cachoeira do Campo.

Quando iniciamos a conversa sobre as suas filhas, pude sentir o quanto isso a abala, pois

todas elas possuem problemas gravíssimos de saúde. Sua filha caçula teve que parar várias

vezes os estudos por estar em tratamento médico contra leucemia, a do meio teve um tumor no

cérebro e a mais velha um câncer na mama.

Ao tratarmos do assunto “escola”, me falou que sempre esteve perto de suas filhas, mas,

com as atividades escolares, nunca pôde ajudá-las, então elas faziam as tarefas sozinhas,

segundo Geralda, porque a distância é longe da casa dos outros colegas. Quando se tratava de

trabalhos escolares em grupo, elas faziam sozinhas, pois eram excluídas na sala de aula,

principalmente, a mais nova, que perdia cabelo devido ao tratamento forte de saúde que está

realizando. Em relação aos meios de comunicação, como a internet, ela nunca teve em casa.

Quando precisavam pesquisar algo, Geralda ia, junto com as filhas, para a biblioteca pública de

Ouro Preto, e então, ficava por perto até que elas terminassem suas tarefas.

Geralda se preocupa muito com as filhas por serem sensíveis à doença. Relatou que elas

não saem de casa, apenas para a escola ou para o hospital. Contou que a rotina diária não é fácil

depois que foram estudar em Cachoeira do Campo, pois precisam acordar mais cedo e chegam

mais tarde em casa. Após chegarem, todos os dias, almoçavam e vão fazer a lição de casa.

No início, foi meio difícil, mas, depois, elas viram que era pro bem delas que eu tava

explicando, né. Que aí, como se diz, que aí sofre menos. Isso (Geralda, mãe de

Amanda, Ana Paula e Vitória).

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A mãe das jovens nos contou sobre as dificuldades que passou com as filhas na escola,

pois eram reprimidas pelos colegas. Muitas vezes, suas filhas chegavam chorando em casa e aí

tinha que conversar muito com elas. De acordo com Geralda, Vitória perdia muito o conteúdo

e, quando tinha avaliações, às professoras repetiam para ela, conforme demonstrado na fala

abaixo:

Teve problema de saúde. Faltava muito com problema. Perdia, mas aí levava atestado

e o professor ia lá e repetia (Geralda, mãe de Ana Paula, Amanda e Vitória).

As mudanças observadas nas jovens após irem estudar foram as já mencionadas:

repressão, sentimento de inferioridade e impotência perto dos colegas. Segundo a sua mãe,

a diferença, assim, que elas não tinham muitos amigos, né. Não. Ah, talvez por

problema delas mesmo. Ah, acho que sim. E pelos outros também, porque, muitas vezes, né, coordenador, diretor já me chamou na escola. Que, às vezes, algum colega

falava alguma coisa, né, que chateava (Geralda, mãe de Amanda, Ana Paula e

Vitória).

Hoje, as garotas aprenderam a lidar com a situação, elas têm uma tia em Belo Horizonte

que ajuda a cuidar delas quando estão em tratamento. Ela é enfermeira e entende melhor o que

fazer. Geralda fala que um ano é diferente do outro, que sempre tem mudanças, seja na escola

ou na vida particular, que espera que suas filhas se recuperem e prossigam os estudos.

Relatou que gostam de morar em Bocaina. A casa é herança da família e possui seis

cômodos. Recentemente, ficaram sem telhado, pois as telhas de amianto se quebraram em uma

chuva de granizo, em 2015, ela contou.

Por fim, Geralda falou que os pais têm que ajudar a educar os filhos e não devem deixar

a responsabilidade somente para a escola, como foi a sua história. Ela acredita que a educação

vem de casa e a escola é só um complemento. Relatou também que, se tivesse o Ensino Médio

em Bocaina, preferiria que as meninas estudassem por perto, pois fica muito preocupada com a

estrada e se as meninas estão sempre em sala de aula.

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4 ANÁLISE DOS DADOS: A mobilização familiar

Conforme mencionado no início do capítulo 3, as histórias de vida aqui apresentadas

foram construídas através das falas das cinco entrevistadas durante o percurso desta pesquisa,

essas entrevistas foram feitas com mães, avós ou irmãs responsáveis pela escolarização dos

jovens moradores de Bocaina.

Em relação ao perfil dessas famílias, se caracterizam por famílias de composição

extensivas, somente a família 5: Geralda (mãe de Iara) é considerada nuclear, onde a figura

paterna é mais presente. As famílias extensivas eram bastante comuns principalmente no meio

rural, onde cada um dos membros do grupo tinha papel claramente definido na produção da

vida cotidiana. Porém, de acordo com estudos de Camarano (2014) na contemporaneidade

surgiram novos modelos familiares que acarretaram mudanças e transformações no seio

familiar, tornando as relações menos hierarquizadas entre os membros da família. Com tal

flexibilização das relações e com as dificuldades econômicas encontradas pelos mais jovens

para constituir família em novo domicílio, atualmente é significativo o número de famílias

extensivas tanto no meio rural quanto no meio urbano.

Na família 1, quem é responsável pela Raiara é a sua avó paterna, Dona Iraci. A jovem

precisou ir morar com a sua avó ainda na primeira infância após o falecimento da sua mãe. De

acordo com Coutrim et. al (2007), o papel das avós no domicilio vem mudando de acordo com

as transformações da família contemporânea e os mais velhos ocupam importante função na

organização da casa e no cuidado de crianças e jovens em idade escolar.

A familia 2, é uma família extensiva, sem a presença da figura paterna. Na família 3

houve uma separação recente dos pais e moram na mesma residência cunhados e sobrinhos. Já

a família 4 se caracteriza por ser uma família monoparental, onde tem-se a presença apenas da

figura materna responsável pela educação e criação dos filhos e por fim, a família 5 é nuclear,

com a presença de pai e mãe no meio familiar.

Ao iniciarmos esta análise começaremos pela a escolarização dos ascendentes destes

jovens, para que assim, possamos compreender melhor as práticas educativas empreendidas

pelos pais ou responsáveis. Conforme mencionado anteriormente, as trajetórias escolares desses

jovens e as práticas educativas familiares foram analisadas a partir de três categorias que nos

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auxiliam a tecer estas histórias: a) Esforços familiares no processo de escolarização dos filhos;

b) A importância da escola para a família e c) A representação do local de moradia para essas

famílias.

Essas categorias possibilitaram nortear as visões que as famílias têm sobre o tema e

facilitaram a reflexão sobre os esforços aplicados na vida cotidiana dos jovens. As conversas

com as entrevistadas foram orientadas por perguntas que foram instigando a memória dos

depoentes buscando conhecer desde a vida escolar de seus pais e irmãos, a sua vida escolar até

chegar aos dias de hoje, na vida escolar de seus filhos, momento que trouxe emoção para os

relatos.

Os dados da pesquisa demonstram um perfil familiar de baixo capital escolar que vem

desde os avós dos jovens pesquisados até a suas mães. Coutrim et al. (2007), considera que o

nível de escolarização dos avós no Brasil ainda é baixo, embora venha melhorando. Assim

como nas pesquisas de Lahire (1997; 2008), o nível de renda e nível de escolarização são

bastante próximos em famílias de camadas populares, o que se difere de uma família para outra

são as diferenças secundárias vividas no seu interior.

As avós das depoentes são descritas como provenientes do meio rural e analfabetas, mas

mesmo sem nunca terem frequentado a escola, eram dotadas de saber prático que possibilitava

a elas lidar com a vida social na época. As depoentes, por coincidência todas as mulheres, não

tiveram a oportunidade de continuar a estudar ainda durante a infância, concluindo até no

máximo a 7ª série, algumas sabem escrever pouco mais que o seu próprio nome e apenas uma

domina a leitura e a escrita.

4.1 Esforços familiares no processo de escolarização dos filhos

Inicio este item contando um pouco da história dia vida das mães, irmã e avó

responsáveis pela a escolarização das jovens pesquisadas. Em seguida abordamos os esforços

familiares de escolarização realizadas por essas famílias.

As histórias de vida dessas depoentes não foram fáceis, vieram de famílias grandes e

pobres, com baixo capital escolar, cultural e econômico. Conforme demonstrado nos estudos de

Bourdieu (1998) para o processo educacional acontecer é preciso da interação de vários capitais

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como o capital cultural, econômico e escolar e essa interação começa em casa. Foram crianças

criadas em roça sem recursos para se manter na escola e muitas vezes sem condições de arcar

com as próprias despesas.

Através dos relatos, percebemos que foram criadas em sistema rigoroso de trabalho

durante a infância, apesar dos pais cobrarem que estudassem não davam condições para isso.

Dona Iraci (Avó de Raiara), família 1, conta que a figura paterna não foi muito presente

na sua casa e que teve que parar os estudos ainda criança para ajudar nas despesas, conforme o

seu relato abaixo:

Parei de estudar porque nós tinha que ajudar muito mamãe entendeu, que o pai da

gente assim, nunca ligou. É, mas ele nunca ligou mesmo, papai tem mais de 40 anos

que morreu, mas nunca ligou, mamãe que sofreu pra cuidar de nós, nós fomos

crescendo pra ajudar ela então... (Dona Iraci, Avó de Raiara)

Raiara (família 1), não teve vínculo com a sua mãe devido o seu falecimento ainda na

primeira infância, então foi criada por sua avó, Iraci. Dona Iraci, conta que não teve muita a

presença de seu pai na infância e relata ter parado de estudar para ajudar a sua mãe no trabalho

e nas despesas, conforme demonstrado abaixo:

Ah, eu no primeiro ano, eu saí fora. É. Só. Ah, trabalhei demais, Nossa Senhora, tô

trabalhando até hoje. Nós somos cinco: quatro moças e um homem. O homem que é o

mais caçulinha, que é o pequeno e nós tinha que cuidar deles tudo. Ah não, porque nós

tinha que ajudar muito mamãe, entendeu, que o pai da gente, assim, nunca ligou. É,

mas ele nunca ligou mesmo, papai tem mais de 40 anos que morreu, mas nunca ligou,

mamãe que sofreu pra cuidar de nós, nós fomos crescendo pra ajudar ela, então...

(Iraci, avó de Raiara).

Mesmo sendo considerada analfabeta Dona Iraci demonstra forte interesse e

preocupação quando se trata da escolarização da sua neta. Neste caso a avó tenta através de sua

história de vida, fazer diferente com a sua neta, para que Raiara tenha mais oportunidades

escolares e possa sobressair nos estudos. É importante ressaltar que embora o pai de Raiara não

tenha continuado os estudos, esse esforço de dona Iraci em prol da escolarização da neta

também foi observado na trajetória escolar dos filhos, uma vez que dois deles possuem nível

universitário, sendo que um tem diploma de Universidade Federal.

Rosana (família 2) a mãe de Poliana, também relata a ausência da figura paterna em sua

infância devido falecimento e por este motivo, teve que trabalhar para ajudar nas despesas da

casa, conforme demonstrado em seu relato.

Bom, na época que eu parei de estudar eu saí pra trabalhar pra ajudar minha mãe,

minha mãe ficou viúva, não tinha ganho nenhum, então eu parei de estudar. (Rosana,

mãe de Poliane).

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Sobre o processo de escolarização das mães, demonstram através de suas falas motivos

muito parecidos para ter abandonado os estudos ainda no Ensino Fundamental, seja para ajudar

nas despesas de casa (Mariana, irmã mais velha de Talita – família 3) ou para cuidar dos filhos

( Ana, mãe de Raissa – família 4), apenas (Dona Geralda a mãe de Vitória – família 5) teve um

motivo diferente para ter sido retirada da escola pela a sua mãe, conforme ela relata:

Porque eu saí da escola (...). Porque minha irmã foi expulsa na época. Aí minha mãe

me tirou também. É. Tive que parar. Mas depois aí arrumei minha primeira menina e

não voltei mais (Geralda, mãe de Vitória).

De acordo com Lahire (1997), o divórcio, a morte, a situação de desemprego ou

qualquer fragilização familiar pode inviabilizar a projeção do futuro familiar, principalmente

quando envolve o “chefe familiar”. Sendo assim, as entrevistadas das famílias 1,2,4 e 5 relatam

que na época da infância para elas estudar era muito difícil. Apenas na família 3, Mariana (irmã

de Talita) relata não ter passado por dificuldades, pois estudou em época diferente dessas mães

e avó. Dentre as entrevistadas, a representante da Família 5: Geralda (mãe de Vitória), se

destacou dentre as outras quando conta o que representava para ela estudar:

Eu gostava muito porque lá tinha horário pra tudo né, era orfanato então tinha horário

pra tudo. A gente acordava 5 horas todo dia aí depois tomava banho e tomava café

depois ia, escovava os dentes, trocava uniforme e ia pra escola, depois voltava. Tudo

bem regulado (Geralda mãe de Vitória).

Embora tenha vivenciado uma história conturbada no interior de sua família e tenha

sido criada no orfanato, percebemos na história de vida de Geralda uma forte presença do

autocontrole e das normas de comportamentos em que foi criada no orfanato. Lahire (2008) e

Portes (2008) enfatizam a importância de diferentes formas de exercício da autoridade familiar,

que hoje são aplicadas por Geralda em sua casa durante a escolarização de suas filhas.

Já as entrevistadas das famílias 2 (Rosana) e 4 (Ana) argumentam as suas dificuldades,

em relação a mobilidade, falam que já foi muito pior do que as dos dias de hoje, pois tinham

que atravessar montanhas para estudar e correr diversos riscos, que nem sabiam na época.

Era muito difícil. A gente morava lá em cima. Tinha que vir a pé todos os dias né.

Hoje é bem mais tranquilo pra eles. Não tinha não. Com certeza. Tem. Uhum. Não.

Não. Pelo contrário. Hoje é bem melhor. Ajuda. Com certeza. (Ana mãe de Raissa)

Diante dessas dificuldades, a prática da leitura não foi muito presente no cotidiano

dessas mães e avó por falta de escolaridade, pessoas para incentivar e tempo para se dedicarem.

Já a Mariana da família 3, relatou não ler porque não gosta, mas é a única dentre as

entrevistadas que aprendeu a ler na escola e Geralda lia enquanto criança, pois no orfanato

tinha muitos livros. Contudo, atualmente não tem mais essa prática.

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Dona Iraci, conta com ajuda das netas e filhas que aprenderam a ler, conforme

demonstra em seu relato.

Não. Não sei ler direito não. Conheço tudo quanto é letra, ajunto e sei o quê que é entendeu. Sei tudo quanto é letra direitinho, mas não sei juntar.[riso] Ai, ai. Raiara me

ajuda. Todos eles, minha caçula também ta com 19 anos. Iraci (Iraci, avó de Raiara)

Embora seja mais nova que Dona Iraci, Rosana também conta a dificuldade que passa

para conseguir ler com o pouco que aprendeu, e que ao longo do tempo, por falta de prática foi

se perdendo. Hoje ela lê muito pouco e com dificuldades.

Ó, eu aprendi um pouquinho só sabe, mas depois que eu parei de estudar, eu não

peguei mais um livro pra estudar nem nada. Eu pegava mais era caderno pra escrever. Adorava. Agora não. Muita coisa eu não sei ler não. Alguma coisinha eu sei. (Rosana,

mãe de Poliane)

Para o autor Bernard Lahire (1997), a escola é considerada o “universo da cultura

escrita”, ele considera que entre as famílias populares, como as entrevistadas nesta pesquisa,

possam existir diferentes formas e representações da escrita e da leitura e afirma que os filhos

estabelecem uma relação afetiva através da prática da leitura. Nos seus estudos o autor também

traz dois importantes pontos para a incorporação da linguagem dos filhos, sendo que para a

transmissão da cultura escrita são necessárias também às condições e as disposições

econômicas, além da ordem moral e doméstica.

Outro fato interessante sobre a história dessas mulheres é que em suas famílias a

maioria dos irmãos e irmãs que saíram de Bocaina chegaram a estudar mais do que elas, com

exceção de Mariana, que não respondeu à questão. Podemos visualizar melhor em seus relatos:

Estudou. Estudou tudo (...). Terminou. Só nesse terceiro ano só. Só o terceiro só. Era

mais difícil né menina. Hoje graças a Deus tá tudo fácil né. Graças a Deus, tudo fácil

mesmo. (Iraci, Avó de Raiara)

(...) eu acho que muitos já formou, que estudou mais do que eu né. (Rosana, mãe de

Poliane)

Parece que meu irmão mais novo ele chegou a formar o terceiro. O resto não. Ou foi

oitava, eu não lembro mais. Em Ouro Preto. Eles estudaram aqui e em Ouro Preto.

(Ana, mãe de Raissa)

Estudavam. Todos 2 formou. Só eu que não. É. Não. Porque é meio difícil né.

(Geralda mãe de Vitória)

Os relatos também demonstraram que o incentivo aos estudos sempre existiu, na

maioria das famílias (1, 2 e 3), mesmo que de forma indireta. Rosana fala que seus pais

mandavam seus irmãos e ela para a escola e não os deixava a faltar de jeito nenhum, somente

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em casos de doença. Ana, por sua vez, relata que seus pais não tinham muita noção da

importância dos estudos, conforme demonstrado abaixo:

Acho que não tinha noção não, né, as pessoas de mais de idade eles não tem noção das coisas. Nem o que é melhor pros filhos né. Hoje eu falo muito pros meus filhos igual

eu falei com meu filho de 17 anos. Eu quero que ele estuda. Só isso pra mim já tá bom

demais. Com certeza. (Ana, mãe de Raissa)

Bem direta ao assunto, Geralda surpreende com sua resposta, ao relatar que seus pais

não a incetivaram a estudar, o que ela aprendeu foi consequência de sua trágica história. Como

não foi criada pela mãe, viveu interna em um orfanato e no tempo em que esteve lá, foi

escolarizada.

Não, porque assim, como eu não fui criada por ela, com 2 anos e meio meu pai me

estuprou, aí a partir daí eu não fui criada por ela, ela me largou lá no IML. Não, aí

quem me criou foi minha madrinha. (Geralda, mãe de Vitória).

Para melhor compreender os esforços familiares das mães, irmã e avó no processo de

escolarização dos jovens de Bocaina foi preciso conhecer a trajetória dos seus antecedentes.

De acordo com Lahire (1997) a estrutura do comportamento de um indivíduo depende da

estrutura de relações estabelecidas com outros indivíduos com quem convive.

Na família 1 apenas Raiara está em idade escolar, seu pai não concluiu o ensino médio e

alguns de seus tios se formaram e a sua avó não concluiu os estudos. Já na família 2, Poliane

está em idade escolar e o seu irmão que abandonou os estudos também. Além dos dois irmãos

também há uma 3ª irmã, que concluiu o ensino médio. Na família 3 apenas a Talita ainda está

em idade escolar e tem duas irmãs que concluíram o ensino médio e um irmão que abandonou

no segundo ano. Raissa e seu irmão Renato (família 4) estudam e os irmãos mais velhos

concluíram o ensino médio, e na família 5 Vitória é a única que ainda estuda, as outras duas

irmãs concluíram o ensino médio. Nota-se que nenhum dos jovens que concluíram o ensino

médio está cursando o ensino superior ou algum curso técnico. Até o momento apenas a Raiara,

conseguiu ser aprovada em um curso técnico na cidade de Ouro Preto, mas perdeu a matrícula,

pois não viu que havia passado, por não ter internet em casa.

Ó o ano passado ela fez uma Escola Técnica, passou e não quis, foi na segunda

chamada e eu nem sabia, a segunda chamada. Agora esse ano... A Escola Técnica é

uma coisa boa, nosso Deus!(Iraci, avó de Raiara)

Todos os jovens das famílias pesquisadas cursaram a primeira etapa do ensino

fundamental em Bocaina, em seguida foram para Rodrigo Silva (outro distrito) e no ensino

médio foram para Cachoeira do Campo, uma transição um pouco diferente de suas realidades

vividas na Bocaina. Eles vivenciaram um momento em que tiveram que estabelecer novos

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vínculos e redes de relações. Contudo, não as dificuldades vivenciadas não são apenas na

criação de novos relacionamentos e redes de amizades. Eles enfrentam problemas concretos,

relacionados à estrutura para os estudos.

Quando os jovens têm trabalhos escolares as famílias precisam se organizar, pois nem

sempre se tem os recursos em casa. De acordo com os relatos, cada família tem uma figura

principal que ajuda nas tarefas, na família 1 Iraci conta que a neta consegue fazer as atividades

sozinha, pois é muito dedicada, mas quando precisa recorre ao pai (que não terminou o ensino

fundamental) ou aos tios (que têm nível universitário, mas que não vivem na localidade), pois a

avó não sabe ajuda-la.

Já na família 2, Rosana diz que quem ajuda a filha é a irmã.

A irmã dela ajudava ela né, a que tá pra BH, que ela formou em Técnico né, aí ela

sempre ajuda nas matéria. (Rosana, mãe de Poliane)

Assim como a família 1, Poliane, quando precisa de ajuda recorre ao pai, embora ele

não tenha se escolarizado, a avó diz que é muito bom em matemática. Apenas na família 4 as

atividades são realizadas com o apoio dos amigos, talvez pelo motivo da mãe trabalhar fora e

os filhos não terem à quem recorrer. Já na família 5, Geralda diz que ajudava quando as filhas

não sabiam fazer o dever, mas que nem sempre ela sabia as respostas.

Percebo que o momento mais difícil para estes jovens é aquele em que são necessários

trabalhos em grupo, pois a maioria mora longe dos colegas, longe da biblioteca e, além disso,

não possuem internet em suas casas. Partindo deste tema da entrevista, cada uma falou sobre a

estratégia usada por seus filhos, como por exemplo a Mariana, como sua irmã realiza os

trabalhos em grupo:

...é difícil porque Talita estuda sozinha, que não tem ninguém que ela conhece, e então

faz com os meninos e eles dividem, então cada um faz uma parte. É. Aí chega junto e

apresenta. (Mariana, irmã de Talita)

Já a mãe de Poliane conta que sua filha vai para a casa dos vizinhos para fazer trabalhos

escolares.

Fazem na casa do vizinho. Dentro de casa mesmo não tinha não. Sempre tinha um

vizinho pra ajudar a gente né (Rosana, mãe de Poliane).

Acho importante a fala da Ana, mãe de Raissa, jovem da família 4 relata que os

trabalhos em grupo são feitos na escola depois da aula, mas nesse caso, não podem contar com

o transporte público.

Faz na escola. Depois da aula. Transporte. Tem ônibus pago. É (Ana, mãe de Raissa).

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Já na família 5, Geralda relata que suas filhas não faziam os trabalhos em grupos,

apenas sozinhas, devido a distância da casa das colegas. Conforme demonstrado em sua fala:

Elas fazia mais sozinha. Porque a distância era longe né. É. Saía não. Era só de casa

pra escola e voltava (Geralda, mãe de Vitória).

Para cumprir a rotina escolar, essas famílias precisam se organizar. Lahire (1997) afirma

que para os pais colocarem “ordem em casa” se faz necessário por ordens nas suas ideias.

Tratando a regularidade das atividades, horários e regras como importantes ordenamentos

domésticos capazes de ordenar e organizar as rotinas dos filhos em idade escolar. Essa certa

ordem domestica referida pelo autor facilita o cumprimento das regras da escola, como uma

forma de preparar os jovens para cumpri-las.

Esse ordenamento aparece na fala das mães quando se trata do controle dos horários de

saída e chegada em casa. Apesar de já serem adolescentes, apenas na família de Talita não

existem horários estabelecidos para voltar para casa quando ela sai, nas demais famílias,

existem horários para sair e retornar quando saem sozinhas ou com amigos. Em todas as

famílias foram relatados que saem pouco de casa em família, normalmente quando tem

dinheiro vão à Cachoeira do Campo ou Amarantina, em alguma lanchonete fazer um lanche.

Iraci (Avó de Raiara), revela que a jovem não trabalha justamente para poder se

organizar em relação aos horários para estudar, quando ela chega da aula, após o almoço

normalmente arruma a casa e à tarde fica por conta dos estudos, a avó diz que Raiara gosta

muito de ler e que fica horas em seu quarto lendo livros. A avó e o pai não se preocupam muito

com isso, pois “não precisam ficar cobrando a jovem para estudar”, pois a mesma já tem o

hábito de forma autônoma. Conforme Lahire (1997; 2008) está presente nesta jovem a

autodisciplina. Dona Iraci comenta que a jovem está namorando, mas deixa claro que fiscaliza

e conversa com ela sobre isso, conforme demonstra em sua fala, que repete por várias vezes:

Primeiramente é estudo, pra depois namorar, mas a gente falou, mas é, menino você já

viu né, quando quer uma coisa... Ela tem que ouvir a gente falar porque namorar é

uma coisa simples, ela tá novinha né. Agora os estudos dela que é o primeiro.

Primeiro é o estudo, mas arrumou namorado, eu falei com ela foca a cabeça nos

estudos, namorado pra depois, esquenta a cabeça não. É o que eu falo, eu acho que mulher independente é a melhor coisa da face da terra, mulher ser sustentada por

homem não...Você entendeu? Namorar não faz falta não, o que faz falta é o estudo.

(Iraci avó de Raiara)

Rosana (mãe de Poliane), não estabelece uma rotina para os estudos em sua casa, ela diz

que cobra verbalmente a jovem para estudar, mas que ela apenas faz os deveres de casa,

demonstra em seu relato abaixo:

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De vez em quando ela pega um livro aí, mas ela não é muito chegada a ler não, muito

não, aqui em casa não, Pega mais é dever pra fazer. Agora a minha outra menina que

formou, que ta lá pra BH, nossa, vê ela lendo dia e noite com um livro na mão. Ela lê

mais, a outra já é mais... (Rosana, mãe de Poliane)

Mariana (irmã de Talita), diz que não existe uma organização estabelecida em relação

aos estudos em sua casa, a sua mãe não passa muito tempo em casa, devido a necessidade de

trabalhar por turnos e afirma não gostar de leitura, conforme transcrito abaixo:

Eu nunca gostei. Nunca gostei. (Mariana, irmã de Talita).

Ana (mãe de Raissa) relata que em sua casa não têm uma organização em relação aos

estudos, mas cobra resultados, apesar de não estar muito presente em todos os dias para poder

acompanha-los. Segundo Ana, sempre que possível conversa com os filhos para saber como

andam os estudos.

Em relação à organização familiar para cumprir as rotinas escolares, na família 5

Geralda (mãe de Vitória) relata que quando está em casa consegue cobrar de perto, mas que

sozinhos seus filhos não param para estudar, sendo necessária muita conversa, conforme sua

fala:

Bom, eu pego muito no pé deles pra estudar, entendeu, só isso... Nem muito tempo eu

tenho, mas eu cobro muito deles. Tem que ficar pegando no pé. Falta muito tempo, é

oportunidade, mas ah sei lá é bom pra gente conversar, saber o que ta acontecendo né,

com certeza (Geralda, mãe de Vitória).

Os trabalhos de Lahire (1997; 2008) e Portes (2008) demonstram que muitas vezes os

pais se sacrificam pelos filhos para que eles cheguem aonde gostariam de ter chegado ou

mesmo para que saiam da condição social em que vivem. Também discute as formas de

mobilização realizadas pelas famílias, afirmando que elas podem ser mais ou menos rigorosas,

de acordo com a família. Muitas vezes esses esforços podem operar de forma menos adequada,

isso dependerá da capacidade familiar para ajudar a criança ou jovem a alcançar os objetivos

que são fixados.

Em todas as famílias pesquisadas, foram relatados pelas depoentes que os jovens são

bons alunos, não tiveram casos de reprovações e nem motivos para castiga-los, embora os

incentivos da maioria das famílias presentes em relação a escolarização não sejam muito

transparentes. Em consonância com os autores pesquisados Portes (2012), Viana (2011),

Nogueira (2011), Thin (2006) e Lahire (1997), os esforços e práticas de escolarização dessas

famílias se caracterizam essencialmente na atenção das famílias voltadas para a escolarização,

não existindo um projeto delimitado, mas sim uma intenção familiar em ver os jovens

alcançando a longevidade escolar.

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4.2 A importância da escola para as famílias de Bocaina

Em todas as famílias as entrevistas foram realizadas com mulheres, não por escolha,

mas por estarem mais tempo, seja com sua neta, filha ou irmã e participarem de perto de suas

dinâmicas escolares, ou mesmo pela composição familiar.

Quando nos referimos ao significado que as entrevistadas atribuem aos estudos, todas

relatam pontualmente a importância dos estudos nos dias de hoje, demonstrando ser a maior

realização para elas a conclusão do Ensino Médio pelos jovens da pesquisa. Na fala de

algumas mães podemos perceber que muitas esperam que seus filhos concluam os estudos, ou

seja, espelham os seus desejos nas realizações de seus filhos, como demonstrado no relato de

Dona Rosana:

Ah é bom demais nó, eu acho ótimo, porque ela ta tendo oportunidade que eu nunca

tive, entendeu? Então eu gosto de incentivar ela. Que eu nunca tive oportunidade de

estudar não, igual tem hoje não. (Rosana, mãe de Poliane)

Já a Dona Iraci acha fundamental que os jovens façam esforços para se manter nos

estudos, pois acredita fazer todo o possível para manter sua neta na escola, demonstra também

forte presença na crença em Deus “para que tudo dê certo na vida da jovem”. Iraci fala que

Raiara é tão inteligente quanto à falecida mãe. De acordo com Coutrim et. al (2007) os avós,

embora tenham baixa escolaridade, transmitem valores e oferecem apoio emocional às crianças

sob sua guarda, e isso se reflete no desempenho escolar das crianças.

Quero todos os estudos pra ela. Tudo, mais tudo mesmo, com fé em Deus. Tudo que eu puder fazer pra ela. Ah é boba, hoje tudo é estudo mesmo. Difícil até pra ela que é

novinha. A gente já ta de idade, então... Porque a gente dá tudo. Agora eles tem que

fazer esforço (Iraci, avó de Raiara).

Para Lahire (1997), Viana (2011) e Portes (2008) são importantes recursos periféricos

familiares de intenção positiva a moral do bom comportamento, da conformidade às regras, a

moral do esforço, sendo que esses recursos inconscientemente podem preparar os jovens de

camadas populares a encaminharem para uma boa escolaridade.

Mariana a irmã de Talita, associa a sua falta de escolaridade ao trabalho, já Ana (mãe de

Raissa) e Geralda (mãe de Vitória) acham gratificante ver os filhos estudando. Mariana afirma

que nos dias de hoje as pessoas precisam se qualificar, pois não tem sido fácil se manter no

mercado de trabalho. Ela demonstra esse pensamento muito bem em sua fala:

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Ah é bom né, ela formar, fazer um curso, porque hoje em dia arrumar serviço tá osso

né, tem que tá, tem que ser cursado, mesmo sendo cursado ta difícil imagina sem né. É

bom estudar né. (Mariana, irmã de Talita)

A literatura utilizada nesse estudo destaca a importância do apoio moral e afetivo da

família durante a escolarização. Em muitos casos esse apoio pode acontecer de forma

autoritária ou através de uma confiança benevolente. Assim, a intervenção positiva das famílias

em relação as práticas escolares, não se restringe apenas ao domínio escolar, mas também a

outros domínios que cercam a vida dos jovens.

Essas famílias acham importante manter seus filhos na escola, mas como mencionado

por Dona Rosana, isso não tem sido fácil, principalmente por causa do desemprego. Conforme

observado nos estudos de Portes (2008) e Viana (2011), as famílias fazem grande esforço pela

educação dos filhos. A fala de Dona Rosana sobressaiu dentre as demais, por sua família estar

dentre as mais carentes financeiramente. Nem por isso Dona Rosana deixa de valorizar os

estudos, ou medir esforços para a sua filha sobressair, assim como a mais velha que fez o curso

técnico. Existe em sua fala uma persistência em alcançar a escolarização e longevidade escolar

de sua filha caçula, Poliane, conforme demonstrado no relato abaixo:

Quer dizer fácil não tá não né, mas a gente dá um jeitinho que consegue. Tem que ter

boa vontade. Com certeza. Pra aprender mais né, aprender e formar. Pra fazer um

outro curso pra frente né, que Deus abençoa, que igual o que eu faço pra um eu gosto

de fazer pra todos né. Então vamos ver né. Com certeza. Se eu puder, tiver ao meu

alcance eu vou ajudar com certeza. Um cursinho que ela quiser fazer se eu tiver

condições eu ajudo. Com certeza! (Rosana, mãe de Poliane)

Nessas famílias sempre tiveram pessoas que incentivaram os jovens a estudar, na

família 1 Iraci (Avó de Raiara) possui uma presença fortíssima do seu tio que está no seminário

estudando para ser padre. Este filho de Dona Iraci é exaltado em relação aos outros em termos

de conhecimento e referência de escolarização, embora um outro filho também tenha estudado,

ela parece valorizar mais a cultura religiosa e o status que isso traz na pequena localidade. De

acordo com Lahire (1997) existem famílias “operária militante”, ou seja, através do

militantismo (religioso, sindical ou político), cria-se um interesse cultural que inclui o interesse

pelos livros e pela vontade de escolarizar-se que muitas vezes pode explicar o sucesso escolar

dos filhos através do capital cultural adquirido, isso independente do capital escolar inicial de

base.

Já na família da Dona Rosangela, existe a presença de um irmão mais velho que estudou

e foi morar fora, apesar de não estar presente todos os dias, sempre que tem oportunidade

incentiva a jovem.

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Ah tem, tem os irmão dela nó, Nossa Senhora, fala a melhor coisa que você tem é

estudar. Ninguém tira. Ninguém tira. (Rosana, mãe de Poliane)

Nas famílias 3 Mariana (irmã de Talita) e 4 Ana (mãe de Raissa) são as mães que

incentivam os estudos, mas nem sempre estão presentes, devido ao trabalho e as rotinas diárias.

Essas mães cobram verbalmente os estudos, mas não com uma prática especifica, conforme

demonstrado na fala de Ana...

Sou eu mesmo. Sim. Às vezes. Nem muito tempo eu tenho, mas eu cobro muito deles. Sim. Tem que ficar pegando no pé. (Ana, mãe de Raissa)

Já a mãe da família 5, relata que atualmente está morando longe de suas filhas e que a

educação de suas filhas está por conta da tia delas que mora em Belo Horizonte, ela confia, pois

é uma tia que estudou mais, então poderá dar um bom exemplo para as meninas, conforme

demonstra em sua fala:

Tem pessoas que incentivam. Os tios. As tias. Não. Não. Só tem minha irmã, mas que

era enfermeira, mas agora também, coitada, ta bem doente. (Geralda, mãe de Vitória).

No período de transição do Ensino Fundamental para o Médio, sabe-se que estão

implicadas várias mudanças, tanto de comportamentos quanto psicológicas nos jovens, nesse

sentido, cada jovem sofreu uma transição particular, por isso todas as participantes relataram

ter conversado muito com os jovens quando saíram de Bocaina para estudar em Cachoeira do

Campo.

O maior medo relatado por estas famílias foi dos jovens se envolverem com drogas, ou

pessoas que segundo elas “as drogas não são do bem”. Apenas Mariana a irmã de Talita,

família 3, disse que não conversou muito com ela sobre o assunto, que quem conversava era

sua mãe, mas não deu muitos detalhes. A família 4, Ana (mãe de Raissa) apenas afirmou ter

conversado, mas também sem detalhes. Já a avó de Raiara, Dona Iraci relata:

Antes dela ir pra lá, a gente conversava muito, conversou muito com ela entendeu, pra

ter cuidado, com quem conversa, amizade que tem entendeu, que hoje em dia a escola

tem muita droga, muita bagunça, briguinha de rua. Muito cuidado né. (Iraci, Avó de

Raiara)

Na mesma linha de pensamento de Iraci, Rosana, mãe de Poliana relata sobre as conversas a

respeito de drogas:

Conversei. Conversei demais. Nó, muito. A minha maior preocupação era juntar com

pessoas que não é conveniente, que hoje em dia os meninos adolescente mexe com

muita porcaria. Então eu ficava com muito medo. Mas Deus. Converso até hoje. Eu e

ela conversa né, que tem que saber lidar com os colega, entendeu, isso tudo eu explico

pra ela, pra não mexer com certas pessoas, que tem gente que não dá mesmo. (Rosana,

mãe de Poliane),

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Ainda sobre o assunto, Geralda mãe de Vitória, se aflige com a timidez das filhas, além

da preocupação com essa transição, pois muitas vezes as filhas foram excluídas na escola

devido ao problema de saúde e da aparência. Ela deixa clara a preocupação com a rotina,

horários para sair e chegar em casa, mas preocupa-se mesmo com a integridade das filhas,

principalmente emocional, pois em Bocaina todos já as conheciam e em Cachoeira do Campo

não.

Conversava muito. Que assim nem um ano é igual os outros, sempre tem uma

mudança, às vezes tem uma matéria mais difícil que a outra. Filha sentiu. As meninas sentiram. Ah falo assim, mais ou menos assim o horário de pegar o ônibus né que é

um pouquinho mais cedo e chegava um pouco mais tarde. A diferença assim que elas

não tinham muitos amigos né. (Geralda, mãe de Vitória)

Conforme mencionado anteriormente, Lahire (1997), Portes (2008) e Viana (2011)

analisam o espaço doméstico como um reduto para as famílias de camadas populares. A partir

desses autores podemos explicar o relato de Dona Geralda, demonstrando que, em muitos

casos, as famílias podem transformar as suas casas como uma espécie de santuário, onde se

fecham para se protegerem dos “perigos do exterior”, evitando as rejeições da sociedade, do

bairro, ou mesmo como uma forma de se privarem de influências negativas.

No que diz respeito aos hábitos de leitura, os relatos foram bastante diferentes. A leitura

é considerada uma das coisas mais importantes para dona Iraci, ela relata não ter aprendido

muito bem a ler e por isso sabe a falta que faz para uma pessoa. Dentre as famílias pesquisadas

a jovem Raiara parece se sobressair dentre os demais jovens, pois possui o gosto e o hábito pela

leitura, assim como o seu tio.

Nossa senhora, demais! A coisa mais importante é leitura. Demais da conta. Ah tem

vez que ela fica trancada nesse quarto dela aí, ela fica lendo livro, revista, essas coisas,

ela fica mais trancada no quarto dela. (Iraci, Avó de Raiara)

As mães das famílias 3, 4 e 5 relatam que acham importante a leitura, mas que os jovens

não têm o hábito de ler em casa, de acordo com Ana (mãe de Raissa) “tem que ficar pegando

no pé”. Já a Rosana (mãe de Poliane) classifica a leitura como a primeira coisa que se deve

aprender e após as contas. Acredito que pela sua história de vida marcada pelos obstáculos,

essas tenham sido as suas maiores dificuldades durante a vida prática, manifestadas na hora de

ler algum documento ou pagar suas contas, sem saber soma-las ou subtrai-las.

De vez em quando ela pega um livro aí, mas ela não é muito chegada a ler não, muito

não, aqui em casa não, Pega mais é dever pra fazer. Ah eu acho. Eu acho. Muito

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importante. A leitura é primeiro lugar né, depois vem as conta. (Rosana, mãe de

Poliane)

O envolvimento dos pais na escolarização dos filhos também se manifesta na

participação na escola. Um aspecto importante analisado nos relatos das famílias foi em relação

à participação das reuniões escolares. A maioria das mães relatam ir à escola pegar as notas dos

filhos, porém quando tem algum tipo de evento como “Café Com a Família” e em seguida a

entrega das notas elas não participam. Elas parecem ter dificuldades em se socializar nesses

eventos, e por isso relatam não gostar.

Participo. Muito importante o que eles falam lá. Lá em Cachoeiro? Sou eu mesmo.

Nas reunião eu gosto de ir. Agora festa eu não gosto de participar não. Igual foi

sábado, sábado teve o café familiar lá eu não fui. Esses trem assim eu não gosto de

participar não. Diz que foi bom. Que é bonito. Mas todos os anos tem. Mas eu fui lá só

uma vez só. Ah eu não muito chegada a ir em festa não. Ah não, se for só pra buscar a

nota eu vou lá e busco. (Rosana mãe de Poliane)

Quando pergunto se participam das reuniões escolares ou se procuram saber das notas

de suas filhas, a irmã de Talita e a mãe de Raissa manifestam ter problemas em ir na escola nas

datas estipuladas, pois trabalham fora e não têm como faltar para essas finalidades, conforme

demonstrado nas suas falas:

Não muito porque ela trabalha né, ela trabalha horário de reunião ela não pode ir. É.

Mas aí quem ia era meu pai, meu pai sempre ia. Pegar nota, essas coisas meu pai ia.

Eu não participava não. Eu nunca gostei. Nunca gostei. Mariana (irmã de Talita),

Sendo assim, identificamos que essas famílias não interagem com os aspectos culturais

da escola em que os jovens estudam, como os eventos de consciência negra, quadrilhas ou

comemorações, eles parecem não se interessar. Preocupam-se em manter os jovens na escola e

garantir que eles sejam aprovados. Participam mais de perto quando têm algum problema ou

quando são chamados na escola. Essas famílias precisam assegurar o trabalho, acima de tudo,

como demonstrado nas pesquisas de Lahire (1997; 2008), Nogueira et. al (2011) e Portes et. al

(2012) muitas vezes desenvolvem nos filhos as disposições que os preparem para o trabalho,

para que no futuro possam lidar com a sobrevivência no mundo. Também podemos observar

esta preparação no cotidiano diário em que os meninos ajudam os pais nas funções masculinas

e as meninas se encarregam das funções femininas, como a de doméstica da casa e são

preparadas para uma atividade doméstica remunerada ou ocasamento.

Às vezes. Esse ano, igual eu falei com a Raissa, eu não fui nem uma vez ainda mesmo

porque às vezes o dia da, bate no meu trabalho, então não tem como eu largar porque

é eu que cuido deles né, então não tem jeito. Não. Não. Porque igual eu to te falando,

eu trabalho sábado, domingo, dia sim, dia não, mas caiu ali tem que ir né, às vezes a maioria das vezes é no sábado que eu to trabalhando né. (Ana, mãe de Raissa)

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A importância de se conhecer a escola em que os filhos estudam e os professores e

pautada por todas as famílias, apenas a família 3 representada por Mariana (irmã de Talita) que

não demonstrou muito interesse em conhecer melhor a escola e os professores. Ana mãe de

Raissa reclama que “Falta muito tempo, e oportunidade, mas ah sei lá, é bom pra gente

conversar, saber o que ta acontecendo né? Comcerteza.” Já Dona Geralda, refletiu sobre relação

as instituições família e a escola. E percebe que muitas famílias vêm transferindo as suas

responsabilidades para a escola, talvez devido ao fato de ela ter sido criada em um orfanato,

pode perceber o que acontece com muitos outros jovens, conforme demonstrado em sua fala

abaixo:

Acho importante conhecer a escola. Acho até mesmo pra gente ajudar também, porque

eu acho assim, que muitos pais às vezes foca tudo na escola que a escola tem que

responsabilizar pelos seus filhos, mas não, a educação vem de casa, a escola é só

complemento. É. (Geralda, mãe de Vitória)

Essas famílias manifestam um desejo enorme dos seus filhos prosseguirem os estudos e

alcançarem o sucesso escolar. Consideram a escola valiosa para a vida das pessoas e valorizam

o conhecimento como algo que nunca possa ser tirado deles. Dona Iraci, avó de Raiara fala o

que espera de sua neta após concluir o ensino médio:

Ah pra gente é tudo estudar né. Porque é de onde vem a sabedoria da pessoa né. Como

tratar as pessoas, o que tem que falar, a maneira que conversa, entendeu, a maneira

que age. Porque a escola, como que fala, a escola da vida, um trem assim que eles

falam lá, mas a pessoa dentro da escola estudando é a melhor coisa da face da terra,

mais pra frente pode ser um advogado, alguma coisa entendeu, é de onde a pessoa

cresce. E eu acho é isso, é a minha maneira de pensar né.

Já as famílias 3, 4 e 5 esperam que suas filhas continuem estudando e na família 2,

Rosane deposita as suas esperanças na jovem, porém não admite que sua filha perca o foco dos

estudos, conforme a sua declaração abaixo:

[O que você espera da sua filha após concluir o Ensino Médio?]Ser uma moça muito

inteligente que eu não fui, ter bastante inteligência pra aprender gravar as coisa na

mente, que a minha mente é meio fraca, a minha é, agora espero que a deles encaixe tudo na cabeça deles, mas coisa boa, coisa boa. Isso aí ela crescendo, se for pra fazer

um curso eu dou todo apoio. Pra estudar, trabalhar dou tudo quanto é apoio, agora pra

bater perna não [riso]

Existe nessas famílias uma forte esperança dos pais em relação ao futuro dos filhos, de

acordo com Zago (2011) eles visualizam a escola como uma instituiçãomuito importante para

os filhos conseguirem algo na vida e por isso valorizam e participam do sucesso escolar dos

filhos, mesmo que de forma indireta. Apesar de ser claro nessas famílias a esperança do

sucesso escolar, assim como nos estudos Viana (2011) percebemos que não há um projeto

previamente elaborado para esses jovens alcançarem a longevidade escolar. Portanto, mesmo

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que e forma inconsciente, as práticas de escolarização dos pais são construídas de acordo com o

alcance cultural e material dessas famílias populares e ainda, de acordo com Portes (2011)

através dessas práticas essas podem propiciar uma longevidade escolar para jovens.

4.3 A representação do local de moradia para as famílias de Bocaina

De acordo com Portes (2012) e Thin (2006) é preciso considerar as famílias de camadas

populares nas suas simbolizações e formas que estabelecem vínculos com o meio (social) em

que vivem e suas formas de subsistência para além do seu isolamento urbano. O local de

moradia para as famílias pesquisadas demonstra ter grande importância e representações em

suas vidas, pois normalmente é lá que os jovens passam a maior parte do seu tempo. As

famílias da Bocaina possuem fortes raízes com a localidade e laços afetivos que se construíram

durante várias gerações por ser muitas vezes onde seus pais e avós viveram.

De acordo com os relatos, Bocaina é considerada pela maioria, como um lugar tranquilo

para se criar os filhos, principalmente por possuir um contato com a natureza. Outras acham

ruim pela falta de privacidade, característica de lugares pequenos. O maior problema

identificado nesta localidade segundo relatos das mães dos estudantes é à distância em relação à

suas casas dos centros comerciais, escola, bancos e recursos para a saúde, como demonstrado

na fala de Rosana, mãe da jovem Poliane, e Geralda, mãe de Vitória.

Considero longe dos recursos, tudo muito demorado (Rosana, mãe de Poliane).

(...) se você quiser não tem uma padaria, não tem uma mercearia, tudo tem que fazer

fora, o posto às vezes tem um posto aí, mas costuma você marcar uma ficha, você leva

lá 2, 3 semanas pra fazer uma consulta, então fica difícil, mas pra viver eu acho bom,

eu acho (Geralda, mãe de Vitória)

Dona Iraci, avó de Raiara explica os motivos pelos quais gosta de morar em uma

localidade afastada, para ela essa distância não atrapalha na escolarização da jovem, pois

acredita ganhar no aspecto da qualidade de vida. Em sua fala transparece a sensação de que ter

uma casa própria propicia à família segurança e proteção, como as autoras Nogueira e Nogueira

(2007) afirmam, isso se remete a sensação de orgulho por morar ali.

Ah eu adoro. Aqui pra nós é tudo. Eu prefiro roça, eu não gosto de cidade não. Roça é

tudo, aqui os menino fica livre, leve e solto. Na rua você tem que prender menino,

aqui não, aqui graças a Deus, roça é, eu não troco roça por lugar nenhum, eu nasci

aqui, vou morrer aqui mesmo. Eu nasci aqui, tenho que ficar aqui mesmo. Eu não

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gosto não. Eu gosto é de roça. (...) Bastante né. Bastante.É da gente mesmo. Não é

grande não, mas... Tem. Tem graças a Deus. (Iraci Avó de Raiara)

Mas Iraci fala também sobre os seus medos, conforme demonstrado abaixo:

Assim, que menino de roça tem aquela questão né, pra começar andar sozinha de

ônibus primeiro tem que frequentar algum lugar com as colegas entendeu, agora ela já

vai sozinha pra lá e pra cá entendeu. Também ela já tá com 16 anos também, se não

andar sozinha também pode esquecer... (Iraci avó de Raiara)

Rosana, a mãe de Poliane, faz uma ligação da Bocaina com os seus ascendentes e sua

história de vida. Porém, isso não a impede de destacar as dificuldades enfrentadas pela falta de

recursos disponíveis:

Bom, aqui é, como diz, aqui é o lugar que a gente vive né. Foi criado e nascido e

vivido. Só que aqui é ruim que não tem o recurso. Ó não tem, se você quiser não tem

uma padaria, não tem uma mercearia, tudo tem que fazer fora, o posto às vezes tem um posto aí, mas costuma você marcar uma ficha, você leva lá 2, 3 semanas pra fazer

uma consulta, então fica difícil, mas pra viver eu acho bom, eu acho. (Rosana mãe de

Poliane)

Já a Mariane se confunde ao falar do seu gosto por morar no distrito. Comum

sentimento ambíguo oscila entre o gostar e o não ter para onde ir. Segundo a irmã mais velha

de Talita, ela ficou o tempo necessário em Bocaina por não ter motivos para sair e nem outro

lugar para viver, agora a sua família tem motivos para se mudar devido à separação de seus

pais. Com isso tornou-se necessário providenciar um novo local de moradia.

Ah, gostava né, não tinha outro lugar, agora tem, agora nós sai daqui. É que não tinha

outro lugar, não tinha motivo pra sair daqui, agora tem. É. (Mariana, irmã de Talita),

Apenas a Ana mãe de Raissa não gosta de morar naBocaina, demonstra ter vivido

traumas na região, mas não falou muito sobre eles. Ao mesmo tempo em que pensa em sair da

localidade, apresenta medos e tem insegurança por não conhecer ninguém em outro lugar, ou

seja, demonstra que morar em uma região pequena como Bocaina, pode ter os seus benefícios

como a facilidade de acesso aos vizinhos e uma certa segurança por eles estarem lá.

Bom, eu pra mim eu não gosto daqui, se eu pudesse mudar daqui eu mudaria, mas

normal né. Tem que viver né. Mas às vezes sair pra outro lugar é pior, você não

conhece ninguém, não conhece nada então. É. Com certeza. (Ana, mãe de Raissa)

Por fim, Geralda mãe de Vitória, com poucas palavras afirma que gosta de viver na

Bocaina, herança de sua tia, ela descreve a sua casa e a divisão dos cômodos. Iara possui um

vínculo muito forte com a sua casa, pois é lá dentro que sua vida passa com as filhas de poucos

amigos e doentes. Constroem a sua própria realidade em torno do que têm e não costumam sair

da região onde moram. Sentem-se protegidas lá.

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Gosto. Veio de herança. Você fala os cômodos? A sala, dois, dois não, três quartos,

cozinha e banheiro. (Geralda, mãe de Vitória).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa foi motivada pelo desejo de conhecer melhor como os pais lidam com o

processo de escolarização de seus filhos, moradores de Bocaina, uma pequena localidade

próxima à Ouro Preto. Seu objetivo principal foi o de investigar quais são os esforços

familiares adotadas pelas famílias do distrito para manter seus filhos na escola, mesmo diante

de tantas dificuldades, como a distância da escola e o acesso restrito a bens públicos, como

unidades de saúde, escolas e bibliotecas.

Através dos objetivos específicos, foi possível conhecer o perfil das famílias

pesquisadas e qual a relevância da escola para os pais, além das suas dificuldades e lutas

diárias.

Para a realização da pesquisa, apliquei 134 questionários aos jovens que frequentavam

em 2015 o 1º ano do ensino médio em Cachoeira do Campo no período diurno. A partir dos

questionários, selecionei cinco famílias desses jovens moradores da Bocaina para entrevista.

Com base nos objetivos propostos, as entrevistas foram realizadas a partir de três eixos: a)

Esforços familiares no processo de escolarização dos filhos; b) A importância da escola para a

família e c) A representação do local de moradia para essas famílias.

Com o fim de compreender os esforços e práticas de escolarização empreendidas pelas

famílias moradoras da Bocaina se fez necessário perpassar pela trajetória educacional de seus

ascendentes e conhecer a base familiar desses jovens. Para isso, foi preciso recorrer à literatura

a respeito das relações entre a família e a escola.

Para os jovens da localidade de Bocaina alcançarem a longevidade escolar precisam se

deslocar da região, pois ali possuem poucas oportunidades de trabalho e escolares. Isso me

levou a refletir a partir dos resultados da pesquisa, que cada família participa da construção do

sucesso escolar dos filhos de forma diferenciada, sendo que nem todas desenvolvem práticas

especificas de escolarização que vão além de manter os seus filhos na escola. Nem sempre

essas práticas são visíveis, mas apesar de todas as dificuldades enfrentadas, os jovens

participantes da pesquisa já alcançaram a longevidade escolar se comparados com seus

ascendentes. Podemos analisar também, através dos dados de escolarização dos pais, que assim

como no âmbito nacional, a dificuldade de escolarização no meio rural a partir da segunda

etapa do ensino fundamental é difícil para essas famílias, tendo em vista que necessitam se

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deslocar da região em que moram para dar continuidade aos estudos e muitas vezes esses

esforços são limitados devido as necessidades de trabalhar e se sustentar.

Sabemos também que dessas famílias de camadas populares não se pode esperar as

mesmas práticas e ações empreendidas pelas famílias de camadas médias educógenas devido

aos recursos econômicos e culturais necessários para isso. Para essas famílias a escolarização é

importante, mas tem igual ou maior grau de importância para os entrevistados a proteção dos

jovens dos distritos do que chamam de perigos da rua, como as drogas, a violência, o mau

comportamento, etc. É notória a proteção simbólica do corpo e também a presença da

Religiosidade nas falas dos responsáveis pelos jovens, principalmente na família de Iraci e

Geralda.

A casa desses jovens é considerada em muitas vezes, como um santuário. Foi possível

perceber também na pesquisa a importância da religião para a Dona Iraci, quando relata que o

“filho se salvou” dentre os outros, pelo fato de estar no seminário estudando para ser Padre,

sendo que ela possui outros filhos escolarizados e graduados na universidade.

Uma das motivações familiares observadas na pesquisa para manter os jovens na escola

parece ser a necessidade de prepará-los para o mundo do trabalho remunerado, como uma

forma de garantir o seu próprio sustento no futuro.

Não é uma tarefa fácil refletir sobre os esforços educacionais dos pais que trabalham e

raramente estão em casa. Conhecendo a rotina dessas mulheres moradoras da Bocaina, é

impossível afirmar que as famílias entrevistadas participam pouco da educação dos seus filhos,

ou ainda que as mães menos escolarizadas e que não trabalham não transmitem capital cultural

aos mesmos.

O que podemos concluir a partir da pesquisa de campo e da literatura consultada é que

existem mobilizações familiares diferentes, e que através delas, os jovens podem alcançar

estilos de sucessos diferentes. Podemos observar que a escola não ocupa lugar central na vida

dessas famílias e que não existem práticas específicas que garantam o sucesso escolar de seus

filhos. O lugar de moradia muitas vezes pode influenciar nessas centralidades, pois sabemos,

que a intenção familiar e os projetos para os filhos são normalmente construídos a partir das

oportunidades que surgem e das projeções familiares. Por isso, as práticas educativas dessas

famílias são realizadas de acordo com o alcance financeiro e cultural das mesmas.

Percebe-se aí o forte desejo das mulheres ouvidas nessa pesquisa em realizar o sucesso

escolar das filhas, neta ou irmã, como uma forma de vencer as dificuldades. O que não foi

possível em suas vidas. Por isso, a longevidade escolar para as famílias de Bocaina está

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associada a uma história de superação. Oriundas do meio rural e moradoras antigas do distrito,

as cinco famílias pesquisadas possuem baixo capital escolar e econômico, e o mesmo ocorreu

com seus pais e avós. As profissões dos (das) chefes dessas famílias se caracterizam por

ocupações de pouco prestigio e remuneração, sendo que muitos (as) deles (as) encontram-se

desempregados (as).

Para as famílias de camadas populares, uma grande dificuldade enfrentada é a falta de

tempo para acompanhar os filhos nas tarefas escolares e de atender às suas necessidades

básicas. Em muitos casos as fragilidades e rupturas vividas no interior dessas famílias, seja nos

casos de viuvez, separação, reconstituição familiar, ou ainda, de doenças graves, podem, de

alguma forma, fragilizar a escolaridade e afetar a longevidade escolar.

A trajetória educacional dos pais, avós e tios dos jovens pesquisados, foram marcadas

pela precariedade de acesso aos bens públicos, culturais e de lazer. As mulheres entrevistadas

relatam que as dificuldades vivenciadas hoje, principalmente em relação à escolarização dos

filhos, estão muito distantes daquelas vividas há poucas décadas, pois são notáveis os avanços

dos serviços públicos e privados no local, como a disposição do transporte público e do

transporte escolar, telefone e televisão. Para as entrevistadas, hoje as informações são melhor

difundidas, porém, sentem falta do acesso à internet, ainda mais os jovens.

Outro aspecto relevante que deve ser pontuado é a localização da moradia que muitas

vezes também podem influenciar nas relações sociais, mobilidade e acessibilidade, devido às

dificuldades estruturais, econômicas ou sociais.

No processo de transição escolar, observei que a mudança de espaço escolar para esses

estudantes foi uma dificuldade marcante em suas vidas, pois nesta etapa iniciou-se uma nova

rede de relações em um lugar desconhecido, que requer uma redistribuição de horários e maior

atenção dos familiares.

Foram identificados os medos das mães em relação a este processo de transição, pois ao

mudar de escola, os jovens ficaram mais distantes de casa e fora dos olhares dos pais. Para a

maioria deles, ir para Cachoeira do Campo se caracterizou como o primeiro momento longe da

proteção do local de moradia e do conforto de casa. Nesse período a possibilidade de desvios

de conduta e envolvimento com drogas e com a criminalidade se torna a maior preocupação

dos pais.

A rede de interdependência entre a família e a escola foi reconhecida por todas as

depoentes, porém as formas de como essas famílias se organizam é bem diferente da escola,

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com a presença de muitas contradições entre a logica escolar e a familiar. Com base nisto,

acredito que as instituições família e escola devem trabalhar juntas para garantir o sucesso

escolar dos jovens que vivem em outras realidades, como as provenientes de camadas

populares, a fim de minimizar os impactos das desigualdades escolares, sociais e culturais.

Certa de que existem variações internas no mesmo grupo social, esses jovens

apresentam diferenciações singulares no interior de cada família, sendo assim,

independentemente da situação econômica dessas famílias, percebeu-se a mobilização dos pais,

irmã e avó quanto a importância da escola para a vida de seus filhos e a presença do diálogo foi

muito ressalta danos depoimentos como uma estratégia para fortalecer o vínculo com os

estudos, demonstrando a importância do diploma para o futuro dos jovens.

Pode-se concluir, portanto, que os objetivos dessa pesquisa foram atingidos e espera-se

que esse estudo tenha contribuído para a compreensão das práticas familiares que propiciam a

longevidade escolar das camadas populares, principalmente no caso de famílias que vivem fora

dos centros urbanos, de modo a ampliar os conhecimentos e a literatura sobre a temática dentro

da perspectiva da Sociologia da Educação e da Sociologia da Família.

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103

APÊNDICES

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –TCLE

Diretor

Sou mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da UFOP e venho através

deste, solicitar a autorização da gestão escolar para a realização da pesquisa intitulada “OS

ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE FAMÍLIAS POPULARES:

O caso de Bocaina, Ouro Preto-MG ” desenvolvida no Departamento de Educação da UFOP.

Essa investigação está sendo realizada com estudantes matriculados no 1º ano do ensino

médio da escola pública de Cachoeira do Campo nos períodos diurno e noturno e seu objetivo

principal é realizar um estudo sobre a influência do território nas práticas educativas familiares

de alunos provenientes de distritos da região de Ouro Preto. A idéia é compreender como essas

famílias que vivem em distritos afastados do centro urbano se organizam para cumprir as

rotinas escolares dos jovens criados em um espaço socialmente vulnerável.

A identificação dos alunos no questionário é opcional eos que decidirem identificar-se,

poderão fazê-lo apenas com o primeiro nome. Ao se divulgar os resultados, os depoimentos

inseridos nos artigos e trabalhos apresentados em congressos serão identificados por números

ou nomes fictícios.

Após a análise dos questionários as famílias dos alunos selecionados (cerca de 10) serão

convidadas a participar de entrevistas que acontecerão fora do ambiente escolar. Ao final da

análise dos dados de questionários e entrevistas serão comparadas as notas dos alunos

selecionados para conhecer os casos de sucesso escolar de alunos que vivem em regiões

afastadas da escola e sofrem com a distância e com a condição vulnerável e de alunos que

residem próximo ao centro escolar

Os resultados servirão para se detectar os principais pontos de conflitos e disposições

sociais e familiares que interferem nas escolhas profissionais dos jovens e no seu desempenho

escolar. Os dados numerados, tabulados e arquivados pela pesquisadora, que garantirá o sigilo

das informações contidas nesses documentos que têm o uso exclusivo para tal pesquisa.

Garante-se que não serão feitasimagens e os nomes dos integrantes serão mantidos em sigilo.

Os resultados da pesquisa serão divulgados por meio de artigos em revistas científicas e

congressos na área de educação.

Estamos à disposição para maiores

esclarecimentos antes e durante o curso da

pesquisa.

Profa. Dra. Rosa Maria da Exaltação

Coutrim- Coordenadora do Projeto

Instituto de Ciências Humanas e Sociais -

Departamento de Educação. Rua do

Seminário s/n – Centro, Mariana

Fone: 3557-9410e-mail:

[email protected]

Mariana, / /2009.

__________________________________ Rosa Maria da Exaltação Coutrim/ Juliana de

Matos Xavier (Mestranda). Rua Cachoeira do

Campo, 185. Aldebaram, Cachoeira do

Campo/MG. [email protected]

________________________________

Diretor da Escola Pública Selecionada

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I QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS DO 1 º ANO DO ENSINO MÉDIO

OS ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE FAMÍLIAS

POPULARES: O caso de Bocaina, Ouro Preto-MG

QUESTIONÁRIO – COLETA DE DADOS I

Nome (opcional):_________________________________Idade__________sexo _____

Você e sua família residem no distrito: ________________________Série: 1º ano ____

Você trabalha?:( ) sim ( ) não

1.Composição familiar: Quantas pessoas da sua família moram com você?

( ) 1 ( )2 ( )3 ( ) 4 ( )5 ( ) Mais de 5.

2. Quadro familiar: Abaixo devem ser lançados dados da sua família de origem.

Inclusive você.

Quem mora com você?

______________________________________________________________________

_____________________________________________________________________.

Até qual ano seu pai estudou?____________. Qual a profissão dele?________________

Até qual ano sua mãe estudou?____________.Qual a profissão dela?_______________

Você tem irmãos (ãs)? ( ) Sim ( ) Não Se sim Quantos (as)? ________________

Eles estudam? ( ) Sim ( ) Não

3. Renda familiar: Qual a renda familiar (juntando o salário de todos que trabalham em

casa)?

( ) Menos de 1 salário mínimo ( ) entre 2 e 3 salários mínimos ( ) entre 4 e 6 salários

mínimos.

4.Você ou alguém da sua família é beneficiário de Programas Sociais como (Bolsa

família, Benefício de assistência social) ou outro?( ) sim ( ) não

5. Condições de Moradia: A sua rua é ?( ) asfaltada ( ) de terra ( ) de pedra

6. Você e a sua família moram em?( ) casa própria ( ) casa alugada

7. Marque as características que melhor descrevem a sua casa. Pode marcar mais de

uma opção. ( ) Residência com acabamento. ( ) Residência sem acabamento (sem reboco,

pintura, piso, banheiros inacabados, etc.) Possui: ( ) Rede de Esgoto ( ) Fossa ( ) Banheiro ( )

Chuveiro ( ) Água ( ) Luz Cobertura: ( ) Laje ( ) Telha ( ) Outros. Piso: ( ) Cimento ( ) Taco ( )

Cerâmica ( ) Outros.

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Número de Cômodos: _______________

8. No seu bairro passa o caminhão de coleta seletiva semanal (lixeiro)?

( )Sim ( ) Não

9. Há quanto tempo mora na comunidade? ________________________________.

10. Mobilidade: A sua casa fica distante da escola? ( ) sim ( )não

11. Como você vai para a escola?

( )ônibus escolar ( ) van ( ) a pé ( ) carro ( ) outros:_____________________

12. Existe algum ponto de ônibus perto da sua casa? ( ) sim ( ) não

13. Alguém da sua família possui automóvel? ( ) sim ( )não

14. Meios de informação: Na sua casa possui: (pode marcar mais e uma opção).

( ) Televisão - Quantas?___ ( ) Computador-Quantos?___( )Rádio-Quantos?___

( ) Acesso a internet ( ) telefone celular ou fixo.

15. Sociabilidade: Os seus vizinhos frequentam a sua casa?( ) sim ( ) não

16.Quando não tem aula o que costuma fazer?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________.

17. Você costuma se divertir com os amigos:( ) na rua ( ) em casa ( ) outros_____

18. Alguém te ajuda nos trabalhos escolares?( ) sim ( ) não

19. Quantas vezes por mês você sai do seu distrito (sem considerar o trajeto para a

escola)?

( ) menos de uma vez ao mês ( ) uma vez ao mês

( ) de duas a três vezes ao mês ( )mais de três vezes ao mês

20. Você costuma faltar à aula? ( ) sim ( ) não

Por qual motivo?____________________________________________________

______________________________________________________________________

21. Você já reprovou ou abandonou os estudos? ( ) sim ( ) não

22. Você fica de recuperação em mais de 2 matérias no bimestre? ( ) sim ( ) não

23. Você se considera um bom aluno? ( ) sim ( ) não

Por que?

______________________________________________________________________

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II TERMO DE LIVRE ESCLARECIDO AOS PAIS OU RESPONSÁVEIS PELOS ALUNOS

Prezados pais ou responsáveis,

Você e o aluno (a) do 1º ano do ensino médio estão sendo convidados, a participar da pesquisa intitulada OS ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE

FAMÍLIAS POPULARES: O caso de Bocaina, Ouro Preto-MG, desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Educação da UFOP. Nesta etapa serão realizadas entrevistas com os responsáveis pelos jovens que estudam no 1º em

uma escola pública de Cachoeira do Campo e em um segundo momento será realizado aplicações de

questionários com os alunos selecionados para conversarmos sobre os esforços escolares de jovens

que vivem em territórios (distritos) afastados da escola e como suas famílias fazem para mantê-lo na

escola, conhecendo assim o perfil dos jovens que vivem em distritos.

A duração do encontro dura em média 1 hora e 30 minutos e você poderá recusar a responder as

questões que lhe gerem constrangimentos ou mesmo desistir sem nenhuma penalidade. A

identificação nas entrevistas é opcional, precisaremos apenas de realizar de uma a duas visitas no

local de moradia ou em local combinado como no salão comunitário.

O objetivo desta pesquisa é de Investigar a influência do território nas práticas educativas familiares

de alunos provenientes de distritos da região de Ouro Preto e compreender como essas famílias que

vivem em distritos afastados do centro urbano se organizam para cumprir as rotinas escolares dos

jovens criados em um espaço socialmente vulnerável.

Os dados fornecidos pelos indivíduos pesquisados por meio de entrevista com familiares e

grupos focais com os alunos serão numerados, tabulados e arquivados pela pesquisadora, que

garantirá o sigilo das informações contidas nesses documentos que têm o uso exclusivo para

tal pesquisa. Nesta pesquisa, não serão disponibilizadas imagens e os nomes dos integrantes

serão mantidos em sigilo. Os resultados da pesquisa serão divulgados por meio de artigos em

revistas científicas e congressos na área de educação.

Para participar da pesquisa, será necessário assinar este termo e encaminha-lo para a escola

através do aluno. Estamos à disposição para maiores esclarecimentos antes e durante o curso da

pesquisa.

Profa. Dra. Rosa Maria da Exaltação Coutrim-

Coordenadora do Projeto

Instituto de Ciências Humanas e Sociais -

Departamento de Educação

Rua do Seminário s/n – Centro, Mariana

Fone: 3557-9410, e-mail:

[email protected]

Juliana de Matos Xavier,(Mestranda). Rua

Cachoeira do Campo, 185. Aldebaram, CC.

Responsável pelo estudante

Data: ____/______/________.

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III ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM MÃE DOS ESTUDANTES QUE VIVEM EM

BOCAÍNA-MG.

I – PERFIL DOS PAIS

Nome: Opcional_____________________________________________________

Idade:_____________________Estado civil:____________________________

Profissão:___________________Escolaridade:_______________________

Número de filhos:________Local de moradia:________________________

II – PRÁTICAS FAMILIARES

Você estudou até qual série?

Por qual motivo parou de estudar? Caso tenha parado.

Como era para você estudar?

Alguém te ajudava nos deveres de casa?

Você gostava de ler?

Na sua casa tinha livros?

Você tinha irmãos? Eles também estudavam?

Seus pais incentivavam vocês a estudar? Como eles faziam?

Você possui filhos em idade escolar? Quantos?

Eles estudam ou estudaram?até qual série?

Onde eles estudaram no ensino fundamental?

Alguém ajudava seus filhos nos trabalhos escolares?

Como eram feitos os trabalhos escolares em grupo?

Existe um horário para seus filhos voltarem para casa?

O que significa para você ter um filho estudando no Ensino médio?

Vocês vivenciam alguma dificuldade em relação à acesso à informações, mobilidade ou

outros? Fale sobre

Como vocês se organizam para os jovens cumprir a rotina escolar? Fale sobre essa

rotina da saída dos jovens para escola até a volta.

Vocês consideram seus filhos (as) como bons alunos? Por quê?

Você tem alguma dificuldade com seu filho na escola?

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Vocês costumam sair de casa juntos? Por qual motivo?

Qual a frequência que vão à Ouro Preto? Por quê?

III - A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA PARA A FAMÍLIA

O que significa para você ter um filho estudando no Ensino Médio?

Você acha importante manter o seu filho na escola? Por quê?

Existe alguém na família que incentiva seu filho a estudar? Como?

Você conversa com seu filho sobre a escola? Ou conversava com os outros filhos?

Você acha importante ler? O que seus filhos gostam mais de ler?

Quando não tem reuniões na escola, vocês procuram saber como o seu filho esta na

escola?

Você acha importante conhecer a escola em que seu filho estuda e os professores? Por

quê?

Como você se sente com seu filho estudando em outro distrito?

O que você espera de seu filho após concluir o ensino médio?

Vocês consideram o local de residência, longe da escola? Fale sobre.

Fale como é para vocês morar em um distrito ou localidade afastada da escola.

Page 109: OS ESFORÇOS FAMILIARES E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS DE …‡ÃO... · SIMADE: Sistema Mineiro de Administração Escolar LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Número de jovens por local

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