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OS PROJETOS DE PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE O projeto de Wundt o alemão W. Wundt (1832-1920) costuma ser reconhecido como um pioneiro na formula- ção de um projeto de psicologia como ciência independente, na criação de instituições desti- nadas à pesquisa e ao ensino da psícología e na formação de inúmeros psicólogos não só alemães, mas também de outras nacionalida- des. Para Wundt, a psicologia era uma ciência intermediária entre as ciências da natureza e as ciências da cultura. Sua obra se estende da psicologia experimental fisiológica à psicolo- gia social. Ou seja, desde seu inicio, o lugar da psicologia entre as ciências é um tanto incerto, e um dos méritos de Wundt foi o de conceber a psicologia nessa posição intermediária. O objeto da psicologia é, para Wundt, a experiên- cia imediata dos sujeitos, embora ele não esteja primordialmente interessado nas diferenças individuais ent~e esses sujeitos. Experiência imediata é a experiência tal como o sujeito a vive antes de se pôr a pensar sobre ela, antes de comunicá-Ia, antes de "conhecê-Ia". É, em

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OS PROJETOS DE PSICOLOGIACOMO CIÊNCIA INDEPENDENTE

O projeto de Wundt

o alemão W. Wundt (1832-1920) costumaser reconhecido como um pioneiro na formula-ção de um projeto de psicologia como ciênciaindependente, na criação de instituições desti-nadas à pesquisa e ao ensino da psícología ena formação de inúmeros psicólogos não sóalemães, mas também de outras nacionalida-des. Para Wundt, a psicologia era uma ciênciaintermediária entre as ciências da natureza eas ciências da cultura. Sua obra se estende dapsicologia experimental fisiológica à psicolo-gia social. Ou seja, desde seu inicio, o lugar dapsicologia entre as ciências é um tanto incerto,e um dos méritos de Wundt foi o de concebera psicologia nessa posição intermediária. Oobjeto da psicologia é, para Wundt, a experiên-cia imediata dos sujeitos, embora ele não estejaprimordialmente interessado nas diferençasindividuais ent~e esses sujeitos. Experiênciaimediata é a experiência tal como o sujeito avive antes de se pôr a pensar sobre ela, antesde comunicá-Ia, antes de "conhecê-Ia". É, em

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outras palavras, a experiência tal como se dá.Contudo, Wundt não reduz a tarefa da psicolo-gia à descrição dessa experiência subjetiva. Elequer ir além e tenta fazê-lo de duas formas: a)utilizando o método experimental, ele pretende

. pesquisar os processos elementares da vidamental que são aqueles processos mais forte-mente determinados pelas condições físicasdo ambiente e pelas condições fisiológicas dosorganismos. Com o método experimental, emsituações controladas de laboratório, Wundtprocura analisar os elementos da experiênciaimediata e as formas mais simples de combi-nação desses elementos. Mas isso é apenas ocomeço da psicologia, e não é o mais impor-tante para Wundt; e b) por meio da análise dosfenômenos culturais - como a linguagem, ossistemas religiosos, os mitos, etc. -, segundoWundt, manifestam-se os processos superioresda vida mental - como o pensamento, a ima-ginação, etc. A psicologia social de Wundt nãousa o método experimental, mas os métodoscomparativos da antropologia e da filologia, eseu objetivo é a investigação dos processos desíntese, porque para Wundt a experiência ime-diata não é nem uma coisa desorganizada nemuma mera combinação mecânica de elementos:a "experiência imediata" seria o resultado deprocessos de sintese criativa, em que a subje-tividade se manifestaria como vontade, como

capacidade de criação. Ao lado da causalidadefísica, Wundt reconhecia a existência de umacausalidade psíquica, ou seja, de princípios davida mental independentes dos princípios queexplicam o comportamento dos corpos físi-cos e fisiológicos. A dificuldade de Wundt eraa de entender como, no homem - que é umaunidade psicofísica, em que o corpo e a mentenão existem separados -, as duas causalidadesse ligavam uma à outra. Wundt acaba criando,assim, duas psicologias (embora ele própriopense que está fazendo uma coisa só): a) apsicologia fisiológica experimental, em que acausalidade psíquica é reconhecida, mas nãoé enfocada em profundidade - e nesse sentidonão se cria nenhum problema mais sério paraligar essa psicologia às ciências físicas e fisio-lógicas; e b) a psicologia social ou "dos povos",cuja preocupação é exatamente a de estudar osprocessos criativos em que a causalidade psí-quica aparece com mais força. Como esses pro-cessos são essencialmente "subjetivos" - massó ocorrem claramente na vida social -, não sepodem fazer experimentos controlados comeles, apenas estudá-los por meio de seus pro-dutos socioculturais.

Para Wundt, o domínio da psicologia eravasto e complexo, porque explicar e compreen-der a experiência imediata exigiam tanto umaaproximação com as ciências naturais como

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uma aproximação com as ciências da sociedadee da cultura. Mas, na hora de juntar os doisenfoques metodológicos e de juntar as duasimagens de homem no conceito de "unidadepsicofísica", as dificuldades eram imensas, e osdiscípulos de Wundt, em sua maioria, desisti-ram de acompanhar o mestre e foram procurarsoluções menos complicadas, embora, talvez,muito mais pobres.

psicológicos, mas a explica em termos empres-tados de uma ciência natural. Com isso, a psi-cologia deixa de ser tão independente comopretendia Wundt. Em compensação, começa adesaparecer o problema com a unidade psícofí-sica: Titchener defende a posição denominadaparalelismo psicofísico, em que os atos mentaisocorrem lado a lado a processos psicofísíológí-coso Um não causa o outro, mas o fisiológicoexplica o mental. Como a mente e o corpoandam lado a lado, é possível fazer psicologiausando exclusivamente, segundo Titchener, osmétodos das ciências naturais: a observação ea experimentação. A única diferença seria a deque, na psicologia, a observação se daria sob aforma de auto-observação ou introspecção, emque os sujeitos experimentais seriam tre,inadospara observar atentamente e descrever comtotal objetividade suas experiências subjetivasem situações controladas de laboratório. Nessamedida, Titchener deixa de lado toda a obra deWundt orientada para a psicologia dos povos.

Uma lição importante que se pode tirarquando se pensa na relação entre Wundt eTitchener é a seguinte: Wundt, ao procurarser fiel à concepção da psicologia como ciên-cia intermediária, mete-se numa grande enras-cada metodológica, mas preserva para a suaspropostas uma potencialidade a que semprepodemos retornarcomo fonte de inspiração.

o projeto de Titchener

Depois de Wundt são inúmeros os autoresque tentarão colocar a psicologia no campo ape-nas das ciências naturais. É o caso de Titchener(1867-1927) - um dos mais famosos alunos deWundt e principal responsável pela divulgaçãoda obra deste nos EUA -, que rede fine o objetoda psicologia como sendo a experiência depen-dente de um sujeito - sendo este concebidocomo um puro organismo e, em última análise,como um sistema nervoso -, e não mais a expe-riência imediata. Isso significa que ir além daexperiência do sujeito, para elucídá-la, acarre-taria a busca de justificativas físíológícas paraos fenômenos da vida mental. Titchener nãonega a existência da mente, mas esta perde suaautonomia: depende sempre e se explica com-pletamente em termos do sistema nervoso. Opsicólogo descreve a experiência em termos

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É O que aconteceu 100 anos depois da funda-ção do famoso .laboratório de Leipzig, quando,nas comemorações do acontecimento, redesco-bríu-se o pensamento de Wundt como esteio damoderna psicologia cognitivista, da nova psico-logia social, da psicolingüística, etc. Titchener,ao contrário, tornou a "encrenca" metodoló-gica muito menor quando colocou a psicologiatotalmente subordinada ao campo das ciênciasnaturais. Mas isso a custo de uma redução dealcance e de interesse para as suas propostas. Eesse fenômeno parece se repetir muitas vezes:os projetos de psicologia mais interessantessão os que mais dificuldades têm de se afir-mar plenamente em termos epistemológicos emetodológicos.

A psicologia funcional

Em oposição à psicologia titcheneriana,mas também situando os estudos psicológicosentre as ciências naturais, surgiu nos EUA omovimento da psicologia funcional, represen-tado por autores como]. Dewey (1859-1952),]. Angel (1869-1949) e H. A. Carr (1873-1954).

Os psicólogos funcionalistas definem apsicologia como uma ciência biológica interes-sada em estudar os processos, operações e atospsíquicos (mentais) como formas de interaçãoadaptativa. Partem do pressuposto da biolo-

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gia evolutiva: os seres vivos, e entre eles osanimais, sobrevivem se têm as característicasorgânicas e comportamentais adequadas a suaadaptação ao ambiente. Um certo nível de adap-tação envolve as capacidades de sentir, pen-sar, decidir, etc., ou seja, o nível propriamentepsíquico. As operações e processos mentaisseriam, assim, instrumentos de adaptação e seexpressariam claramente nos comportamentosadaptados. Para os psicólogos funcionalistas,o objeto da psicologia são os processos e ope-rações mentais, mas o estudo científico dessesprocessos exige uma diversidade de métodos.Não excluem a auto-observação, embora nãoaprovem a introspecção experimental no estilotitcheneriano, porque esta seria muito artificial.Não confiam totalmente na auto-observação,dadas as suas dificuldades científicas: é impos-sível conferir publicamente se uma auto-obser-vação foi bem-feita e, por isso, é difícil chegar aum acordo baseado em observações desse tipo.Em compensação, se os processos e operaçõesmentais se expressam em comportamentose estes são facilmente observáveis, podemosestudar indiretamente a mente a partir doscomportamentos adaptativos. Convém obser-var que, apesar do movimento funcionalistacomo um movimento à parte e independenteter se dissolvido, várias das idéias fundamen-tais dessa escola estão presentes em muito

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do que se faz até hoje no campo da pesquisapsicológica. Na verdade, a maior parte do quese produziu e se produz no campo da psicolo-gia, entendida como ciência natural, pode serinterpretada como diferentes versões do pen-samento funcional.

o comportamentalismo

Em completa oposição à psicologia deTitchener e em relativa oposição ao funciona-lismo - mas devendo a ele alguns pressupostosbásicos - surgiu, no começo do século XX, umoutro projeto de psicologia científica: o com-portamentalismo. Segundo esse projeto, elabo-rado originalmente pelo psicólogo americano ].B. Watson (1878-1958), o objeto da "psicologia"científica já não é a mente (por isso o termo psi-cologia foi colocado entre aspas). O objeto é opróprio comportamento e suas interações como ambiente. O método deve ser o de qualquerciência: observação e experimentação, mas sem-pre envolvendo comportamentos publicamenteobserváveis e evitando a auto-observação.

Apesar de se apresentar como uma opo-sição às correntes dominantes na psicologia, ocomportamentalismo foi criado com base emmuitas das posições defendidas por aquelasmesmas correntes que, de uma certa forma,criaram as condições favoráveis para o seu

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desenvolvimento. Por exemplo, a doutrina doparalelismo psicofísico tirava da vida mentalsua especiflcidade e sua importância: o psí-quico apenas acompanharia o físico e seriaexplicado por ele, mas ambos não interagiriam(não exercendo influência sobre o comporta-mento). Ora, neste caso, qual o sentido de secontinuar estudando a mente? Se Titchener jáassumia a posição de que os mesmos métodosdas ciências naturais experimentais podem seradotados pela psicologia, não seria mais sen-sato ir até as últimas conseqüências e acabarcom a única diferença (a auto-observação emvez da observação externa e pública)? Metadedo caminho já fora percorrido pelos psicólo-gos funcionais, que aprovavam o uso de méto-dos objetivos no estudo psicológico. SegundoWatson, era preciso dar outros passos, abando-nando de vez a auto-observação. Redefinindo apsicologia como "ciência do comportamento",Watson podia não só se livrar do método daauto-observação, tão discutível, mas resolvia,também, a questão que desde Wundt vinha per-turbando os psicólogos: a questão da "unidadepsicofísica". A partir de agora, supunha Watson,já não seria necessário dizer que mente e corpointeragem ou que somente caminham lado alado: vamos estudar o comportamento, isto é,s movimentos do corpo e suas relações com

o ambiente. Com o comportamentalismo, pela

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primeira vez, os estudos psicológicos "deramas costas" à experiência imediata. Tudo aquiloque faz parte da experiência subjetiva indivi-dualizada deixa de ter lugar na ciência, sejaporque não tem importância, seja porque não éacessível aos métodos objetivos da ciência.

Nessa medida, o "sujeito" do compor-tamento não é um sujeito que sente, pensa,decide, deseja e é responsável por seus atos: éapenas um organismo. Enquanto organismo, oser humano se assemelha a qualquer outro ani-mal, e é por isso que essa forma de concebera psicologia científica dedica uma grande aten-ção aos estudos com seres não humanos, comoratos, pombos e macacos, entre outros. Essessujeitos não falam, mas isso não representaum obstáculo para o comportamentalismo deWatson, já que ele não tem o mínimo interessena "vívência" do sujeito, na sua experiência ime-diata. O comportamentalismo watsoniano inte-ressa-se exclusivamente pelo comportamentoobservável, com o objetivo muito prático deprevê-l o e controlá-lo de forma mais eficaz. Ofuncionalismo está presente tanto nessa ênfasepragmática - o que interessa é o conhecimentoútil - como na idéia básica de que comportar-seé interagir adaptativamente com o meio.

A perspectiva de controle sobre o compor-tamento de Watson enquadra-se na busca deuma sociedade administrativa e estritamente

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funcional. A literatura do início do século XXconstruiu utopias (ou antí-utopias"), como1984, O processo, Admirável mundo novo ou,nos anos 60, A laranja mecânica, que talvezrepresentem o temor pela possibilidade de efe-tivação de tal controle.

Projetos de psicologiae condições de produção

Antes de prosseguirmos, convém teceralguns comentários relacionando esses projetosde psicologia às condições socíoculturaís quepermitiram e incentivaram seu aparecimento.

Recordemos que as condições para aemergência de projetos de psicologia científicaeram duas: a) um alto nível de elaboração daexperiência subjetiva privatizada; e b) a crisedessa experiência, com o reconhecimento deque o sujeito não é tão livre como julga, nemtão único como crê. É isso que leva à necessi-dade de superar a experiência imediata paracompreendê-Ia e explicá-Ia melhor.

Em Wundt, Titchener e nos psicólogosfuncionalístas, vimos tentativas de partir daexperiência imediata rumo a explicações fisio-lógicas, biológicas ou socioculturais. Com ocomportamentalismo de Watson, a experiênciaimediata é totalmente desprezada: a finalidade

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da psicologia agora seria o estudo do compor-tamento independentemente do que o sujeitopensa, crê, sente ou deseja.

Vimos, também, que essa posição foi pre-cedida de alguns passos já dados pelos autoresque haviam reduzido o papel da vida mental(como Titchener) ou que haviam posto em ques-tão a auto-observação (como os funcionalistas).Se a mente não interage com o físico - que éa posição do paralelismo psicofísico - e se aintrospecção não é um bom método científico,a conclusão necessária é a comportamentalista:estudemos apenas os comportamentos adapta-tivos e adotemos apenas os métodos objetivos.Com isso, todavia, a psicologia propriamentedita acaba.

O comportamentalismo, na verdade, nãoé um projeto de psicologia científica, maso projeto de uma nova ciência - a ciência docomportamento - que viria ocupar o lugarda psicologia. Essa nova ciência deveria ser,segundo Watson, uma ciência natural, umramo da biologia. O comportamentalismo levaàs últimas conseqüências a tarefa científica deir além das aparências, ou seja, de ir além daexperiência tal como se dá. Essa é uma tarefade desiludir e, sem dúvida, o comportamen-talismo a cumpre rigorosamente: toda a ricaexperiência subjetiva dos indivíduos é expulsada ciência do comportamento, todas as nossas

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crenças de que somos seres livres, autocons-cientes, responsáveis e únicos são ridiculariza-das; somos apenas organismos sujeitos às leisgerais do comportamento na sua interação como ambiente.

Só que o comportamentalismo cumpreessa tarefa de desiludir sem conseguir expli-car a experiência imediata, ou seja, nega-a, masnão a compreende. O problema é que ela nãodeixa de existir por causa disso, e esta acabasendo a razão por que ninguém consegue seidentificar com a imagem de homem propostapelo comportamentalismo watsoniano. Todossentem que, apesar da crise e das dúvidas, háuma experiência da subjetividade individuali-zada que, embora em crise, não pode ser sim-plesmente negada.

É o reconhecimento da experiência ime-diata subjetiva que sustenta o esforço dospsicólogos que definem a psicologia como oestudo da subjetividade· individualizada e daexperiência imediata. Muitos psicólogos e filó-sofos, contemporãneos de Wundt e Titchener,dos psicólogos funcionalistas e de Watson, vêminsistindo na necessidade de a psicologia dedi-car-se ao estudo da experiência imediata dossujeitos, sem deformá-Ia. Nesse sentido, elestambém negam a auto-observação controladaem situação experimental, como era efetuadapor Titchener - e assim se aproximam dos psi-

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cólogos funcionalistas. Menos, ainda, admitema aplicação dos métodos objetivos de observa-ção. O objetivo desses psicólogos é a compre-ensão dos seres humanos mediante a captaçãode suas "vívêncías", de suas experiências ime-diatas, subjetivas e individualizadas.

Ou seja, se no contexto da crise da expe-ríêncía.da subjetividade individualizada ocorreuma cisão entre a vivência e o comportamento,sendo que o que eu vivo, sinto, penso, desejo,etc. não se expressa diretamente na minha ação,e esta, que já não é tão minha assim, passa aser controlada por outras forças, abre-se umespaço para uma opção fundamental: o com-portamentalismo deixa de lado a vívêncía paratentar identificar as forças biológicas e ambien-tais que controlam o comportamento, enquantoas psicologias "hurnanístas" procuram captaras vívêncías na sua intimidade e na sua priva-cidade. Ao f'azê-lo, porém, tornam-se incapazesde duas coisas: em primeiro lugar, de explicaros comportamentos, pois só estão interessadosna compreensão de como o sujeito "vive", masnão em por que ele age assim e não de outraforma. Em segundo lugar, de ultrapassar aexperiência imediata, de questioná-Ia, explicá-Ia e compreendê-Ia em maior profundidade.Tornam-se, enfim, incapazes de fazer psico-logia científica. Em conseqüência, essas psico-logias humanistas, que são antigas, mas estão

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sempre em moda, longe de desfazerem ilusões,muitas vezes contribuem para que as ilusõesde liberdade e singularidade sobrevivam nummundo em que, concretamente, há cada vezmenos liberdade e cada vez mais massificação.Apesar de tudo, é necessário reconhecer que,ao insistir na subjetividade individualizada, ospsicólogos "humanístas" chamam a atençãopara um aspecto que o comportamentalismo deWatson rejeita e que, assim fazendo, em vez defundar uma psicologia científica, tenta matá-Iae enterrá-Ia.

A psicologia da Gestalt

Passemos agora aos projetos de psicologiacientífica que, sem negar a experiência subje-tiva, procuram compreendê-Ia e explicá-Ia.

Ainda no começo do século XX, sur-giu outro projeto de psicologia científica naAlemanha. Essa escola psicológica denominou-se "psicologia da Gestalt", palavra alemã dedifícil tradução: ora traduz-se por psicologiada estrutura, ora por psicologia da totalidade,ora por psicologia da forma, e freqüentementeconserva-se o termo alemão não traduzido ouaportuguesado, como na denominação "gestal-tismo". Os psicólogos gestaltistas mais impor-tantes - M. Wetheimer (1880-1943); K. Koffka(1886-1941) e W. Kohler (1887-1967) partiam da

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experiência imediata e adotavam, como proce-dimento para captação da experiência tal comose dava ao sujeito, o método fenomenológico.Esse método consiste na descrição ingênua dosfenômenos tais como aparecem na consciência,antes de qualquer reflexão ou conhecimento,ou de qualquer tentativa de análise. Aplicandoo método fenomenológico, os gestaltistas des-cobriram que todos os fenômenos da percep-ção, da memória, da solução de problemas, daafetividade, ete. eram vividos pelo sujeito sob aforma de estruturas, isto é, sob a forma de rela-ções entre partes que faziam com quê a formaresultante fosse mais que a mera soma dassuas partes. Assim, aproximavam-se da idéia deWundt de que a experiência imediata é produtode processos de síntese em que os elementosse fundem e adquírem novos signíficados. Essaidéia, porém, estava particularmente presentena sua psicologia dos povos, que não conquis-tara muito respeito na comunídade científica.Ao contrário de Wundt, os gestaltistas chegama essas conclusões experimentalmente e, dessamaneira, procuram demonstrar o caráter estru-tural dos fenômenos da experiência. Mas nãoficam nísso: eles procuram transpor a experiên-cia imediata e relacioná-Ia com o mundo físicoe fisiológico. Para eles o conceito de "Gestalt"permite unificar todas as ciências físicas, bio-lógicas e da cultura, de forma que a psicologia

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não precisa se repartir entre elas para existir.A unídade psicofísica não apresenta proble-mas para os gestaltistas, já que eles crêem quea natureza física, social e psicológica é conce-bível em termos de estruturas isomórficas, ouseja, de estruturas formalmente equivalentes.Não podemos, neste capítulo, aprofundar acompreensão do isomorfismo proposto pelosgestaltistas. O que convém enfatizar aqui é ocaráter do projeto de psicologia científica dosgestaltistas, que comporta dois aspectos essen-ciais: a) o reconhecimento da experiência ime-diata; e b) a preocupação de relacionar essaexperiência com a natureza física e biológica ecom o mundo dos valores socioculturais.

o comportamentalismo diferenciado:o behaviorismo radical de Skinner

Um outro projeto de psicologia científicafoi desenvolvido pelo psicólogo americanoB. F. Skinner (1904-1990). Embora se trate deum comportamentalismo, o projeto de Skinnerafasta-se imensamente do de Watson, sendoum erro absurdo reuni-Ias numa mesma aná-lise. Skinner deu enormes contribuições aoestudo das interações entre organísmos vivose seus ambientes, adotando de forma rigorosaos procedimentos experimentais. No entanto,não é a essa parte de sua obra que nos referi-

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mos quando atribuímos ao projeto de Skinnerum lugar de destaque no campo da psicologia.Skinner torna-se importante para a psicolo-gia, além da sua importância para o estudo docomportamento dos organismos -, quando sepõe a falar da subjetividade: do mundo "pri-vado" das sensações, dos pensamentos, dasimagens, etc. Skinner não rejeita a experiênciaimediata, mas trata de entender sua gênese esua natureza. Ele não duvida de que os homenssintam sem expressar seus sentimentos, queos homens se iludam, alucinem, reflitam sobreas coisas e sobre si mesmos, relatem temores,aspirações e desejos. Tudo isso é real, mas,segundo Skinner, devemos investigar em quecondições a vida subjetiva privatizada se desen-volve. A resposta do autor remete às relaçõessociais. É em sociedade que se aprende a falare uma parte da fala pode referir-se ao própriocorpo e ao próprio comportamento do sujeito.Contudo, essa capacidade para falar de si éaprendida na convivência com os outros. Todalinguagem é, assim, social, mesmo quando serefere ao "mundo privado". Por isso mesmo, omundo privado de cada um é uma construçãosocial. O que eu sinto, vejo, pressinto, lembro,penso, desejo, etc. sempre depende da maneiracomo a sociedade me ensinou a falar e a pres-tar atenção aos estados do meu organismo.Numa condição social em que os sentimentos

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e as intenções de um sujeito passam a ser fato-res socialmente importantes para o controledo comportamento, já que outras formas decontrole estão reduzidas, é natural que a socie-dade se preocupe muito com a "vida privada"e desenvolva em cada sujeito uma habilidadeespecial para falar e "pensar" em si mesmo,para preocupar-se consigo e relatar claramentesuas experiências "imediatas" a fim de formu-lar seus projetos, etc. O uso de aspas em ime-diatas justifica-se porque, de fato, segundoSkinner, as experiências subjetivas não têmnada de imediato; são sempre construídas pelasociedade. O projeto de psicologia skinnerianopode ser, então, caracterizado como o do reco-nhecimento e crítica da noção de experiênciaimediata a partir de um ponto de vista social.É clara aí a intenção de desiludir: aquilo queaparentemente mais nos pertence não é nosso,mas é apenas um produto social.

A intenção desilusora dos valores huma-nistas modernos na obra de Skinner é explicí-tada por ele próprio, aliás, em seu livro O mitoda liberdade. Nele, a crença de que nossas açõessão causadas pelo "eu" ou têm motivos internosé denunciada como a última das superstições.O homem antigo acreditava que os fenômenosnaturais eram causados pela Intenção de seressuperiores, os deuses. O avanço da observaçãosobre a regularidade das leis da natureza teria

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feito recuar cada vez mais esse modo antro-pomórfico de compreensão' do mundo: onde aciência chega, a crença em que uma consciênciateria causado intencionalmente os fenômenosvai desaparecendo, a religião recua.

A Modernidade teria acabado com quasetodas as formas de crença dessa natureza, tendorestado apenas a crença numa última alma: anossa. A crença de que nossa consciência é acausa de terminante de nossas ações deveriaser tratada como um último preconceità ouignorância. A simples existência de uma alma(mente) independente do corpo ou do ambientejá não faria qualquer sentido. Assim, a noçãomoderna de sujeito, que trabalhamos nos capí-tulos anteriores, como aquilo que "subjaz" atudo e é livre para determinar seu destino caitotalmente por terra com Skinner.

A psicologia cognitivista de Piagete a psicanálise freudiana

Outra proposta de psicologia científicafoi desenvolvida pelo psicólogo suíço]. Piaget(1896-1980). Ao lado dessa proposta, com umdesenvolvimento totalmente independente,com outros pontos de partida e outras finali-dades, encontramos a psicanálise concebida edesenvolvida por S. Freud (1856-1939).

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O que une esses dois autores é apenas- mas isso não é pouco - a perspectiva deestudar a gênese do sujeito, levando em con-sideração sua experiência imediata, mas nãose restringindo a essa experiência na buscade compreensões e explicações mais profun-das. Isso poderia aproxímá-los de Skinner. Noentanto, há uma diferença decisiva. A crítica deSkinner à experiência imediata, subjetiva e indi-vidualizada conclui pela "colonização social doíntimo". A vida privada continua existindo, sóque ela só é privada na aparência. De fato, elaé de "cabo a rabo" social. O indivíduo não énada, a sociedade é tudo. Explica-se, por exem-plo, a nossa consciência de sermos seres livrese responsáveis, mostrando exatamente que nãosomos nem uma coisa nem outra.

Piaget e Freud fazem o caminho inverso:do ser biológico ao ser moral. Ambos partem,em suas teorizações, de certos pressupostosbiológicos, mas em nenhum dos casos a expe-riência imediata dos sujeitos é reduzida a seuscondicionantes naturais. Nessa medida, ambosretomam, com todas as dificuldade sabidas, oprojeto de Wundt que não renunciava nem àsdeterminações biológicas nem às determina-ções socioculturais na delimitação do campode estudos da psicologia. Na verdade, os cami-nhos desses dois autores são bem distintos.

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Píaget, ex-biólogo, estuda o desenvolvi-mento das funções cognitivas (da inteligência) eda moralidade (da capacidade de julgar e com-portar-se moralmente) pelo chamado "métodoclínico". Ele observa o comportamento de crian-ças e pede a elas que descrevam o que estãofazendo; pede, também, que justifiquem o quee como estão fazendo, propõe a elas algumastarefas para desenvolverem, sempre as obser-vando e conversando com elas. Seu objetivoé, antes de tudo, tentar entender a experiên-cia imediata das crianças, como elas "vivem",percebem e pensam sobre o mundo. Com basenisso, ele procura construir uma teoria queexplique essas experiências e por que, ao longodo crescimento, as experiências da criança vãomudando e ela vai "vivendo" o mundo de formacada vez mais complexa e adaptativa.

Freud, como Piaget, veio da biologia, mas,depois de abandonar o laboratório de fisiologia,cria e se dedica à clínica psicanalítica. Como ésabido, Freud teve sua formação em neurolo-gia. Ao receber em sua clínica certos pacien-tes - denominados histéricos - com sintomasde paralisias e anestesias localizadas, ele sedefrontou com a falta de instrumental neuroló-gico para responder ao sofrimento deles. Seusmestres não reconheciam a existência de umadoença nesses pacientes, na medida em quenão podiam identificar neles lesões orgânicas -

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se não havia lesão, não poderia haver doença.Além do que, esses pacientes eram altamentedramáticos e as paralisias de que reclamavamnão correspondiam ao mapeamento nervosoou muscular do corpo, o que fazia com queos médicos simplesmente não reconhecessemcomo legítimo seu sofrimento.

Tendo que lidar com o sofrimento dessespacientes, Freud não pôde se contentar com aatitude de seus colegas médicos e chegou à com-preensão de que a "lesão" de que se tratava nahisteria não incidia sobre um nervo, mas sobrea idéia relativa a determinada parte do corpo.Freud articula um evento corporal - uma con-versão histérica - ao universo representativo dapessoa. Num certo sentido, ele atravessa a dis-tinção simples e clássica entre mente e corpo.

A história que se seguiu é extensa e aretomamos apenas em linhas gerais. Os sinto-mas histéricos passaram a ser tomados comoresultado de uma dinâmica psíquica compostapor: conflito, repressão e retorno do repri-mido. Determinados conflitos entre tendênciascontraditórias geram um tal sofrimento quese torna impossível suportá-los: como defesacontra esse sofrimento, há então a inibiçãode uma das tendências, a repressão da repre-sentação (ou dé um conjunto delas) cuja cons-ciência gera dor. Essa exclusão do campo da,consciência de fato evita a dor imediata, mas

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a representação excluída persiste inconsciente-mente no psiquismo, agora fora do controle doeu. Na medida em que ela é real e significativa,acabará por se manifestar à revelia do "eu".Como resultado de um embate entre represen-tação inconsciente e defesa, e por uma série decompromissos, dá-se o retorno simbólico doreprimido como sintoma, sonho, ato falho, etc.Essas formações do inconsciente têm necessa-riamente a característica da deformação, paraque a consciência não reconheça o desejo emquestão. O termo sintoma talvez possa ser uti-lizado genericamente para todos esses produ-tos, na medida em que ele expressa a idéia deque o sentido daquilo que se trata está oculto:dizer que algo é sintoma é dizer que seu sen-tido não reside em si, mas ele representa outracoisa, esta, invisível diretamente.

Freud define o inconsciente como o objetoda psicanálise, o que seria um contra-senso doponto de vista positivista: o inconsciente pordefinição não é um fenômeno positivo no sen-tido de que "dado diretamente à observação".Neste ponto em que se coloca o impedimentopara que a psicanálise seja reconhecida comouma ciência nos moldes positivistas, resideprovavelmente o que a psicanálise tem de maisparticular entre as teorias psicológicas.

A concepção do inconsciente poderia sertomada simplesmente num referencial român-

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tico do século XIX, como uma psicologia dasprofundidades, como o próprio Freud porvezes enuncia. Mas a concepção de que a sub-jetividade humana é cindida e incompleta, deque o "eu" não é a totalidade nem o centro dopsiquismo pode ser original, sobretudo porquea idéia de que o "eu" não é o centro não é subs-tituída pela crença de que "outra coisa" seja ocentro. Em Freud não há lugar para se pensarnum self, num "eu" verdadeiro ou numa natu-reza íntima. Não há um centro do inconsciente.Poderíamos entender a psicanálise como umateoria racionalista que, no entanto, se defrontacom os limites do representável,

Retomando a questão da clínica, Freudentra em contato com as experiências subje-tivas altamente individualizadas de inúmerospacientes que chegam se queixando de sofri-mentos os mais estranhos. Pois bem, Freud osouve, tenta compreender o que dizem, mas vaiaos poucos descobrindo que as palavras e ossintomas de seus pacientes têm um significadoque os próprios doentes não conhecem. Freudtenta, então, desenvolver uma técnica de inter-pretação desse sentido oculto. Pede aos pacien-tes que lhe contem, tudo sem censura alguma,tudo que lhes venha à cabeça. Quando elescomeçam a falar sem receio e sem tentar elabo-rar um discurso lógico, começam a despontaros sentidos ocultos. Mas Freud não se con-

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tenta em compreender a experiência imediatado paciente melhor do que ele próprio a com-preendia, e isso já seria muito importante emtermos científicos; já seria uma forma de trans-cender a experiência imediata. Freud, porém,quer explicar essa experiência e, para tanto,precisa desenvolver uma teoria da psique e dodesenvolvimento psicológico. Como essa teoriavai além do "psicológico" e do "vivido": essaparte de sua obra foi denominada "metapsíco-logia" (meta quer dizer "além de").

Nas obras de Piaget e principalmente nasde Freud e seus seguidores (e em algumasoutras linhas que ficaram de fora dessa breveintrodução, como, por exemplo, a psicologiaanalítica de ]ung e a psicologia fenomenológícaexistencial), vemos que se a psicologia podepartir da experiência imediata, deve se esfor-çar para não se restringir a ela (sem negá-Ia),de forma a ser capaz de compreendê-Ia e/ouexplicá-Ia. Nesses projetos, é possível reconhe-cer a importância da "vívêncía", da experiênciatal como o sujeito a tem e, ao mesmo tempo, aímportâncía de se tentar fugir ao fascínio dessaexperiência, que em grande medida é ilusória:se há um sentido que ultrapassa o sentido apa-rente e se há necessidade de uma compreen-são profunda para ã experiência imediata, éporque nós não somos para nós mesmos facil-mente compreensíveis, nem sabemos ao certo

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como somos, por que somos e por que agimosde uma ou de outra maneira. Ora, ísso refletemuito bem a nossa condição existencial: ternosuma clara noção, vivemos intensamente e atri-buímos um alto valor à nossa experiência dasubjetividade privatizada e, ao mesm.o tempo,sentimos que nossa subjetividade e nossa indi-vidualidade estão ameaçadas.

Enfim: a psicologia está hoje, como desdeo início, dividida entre diferentes linhas de pen-samento, das quais revimos algumas das maisimportantes. O que gostaríamos que ficasseclaro para o leitor é que essas divisões não sãocasuais nem se deve esperar que sejam breve-mente superadas. A psicologia tornou-se possí-vel, corno ciência independente, no bojo de umacrise. Seu objeto, a experiência subjetiva dosindivíduos, só pode ser tratado cientificamentese for de alguma forma superado, isto é, a psi-cologia está sempre sendo tentada a ir alémda experiência imediata para compreendê-Ia epara explicá-Ia e, nesse esforço, é natural queela se aproxime de outras áreas do saber, comoa Biologia e a Sociologia. Quando, contudo, apsicologia leva às últimas conseqüências essastendências, ela pode simplesmente deixar deser psicologia. Seria, então, novamente o casode perguntar: há lugar para uma psicologiacientífica como ciência independente entre asdemais ciências?