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RAE-DEBATE • ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ENTRE O GERENCIALISMO E A GESTÃO SOCIAL 36 ©RAE VOL. 45 Nº1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ENTRE O GERENCIALISMO E A GESTÃO SOCIAL RESUMO O objetivo deste artigo é analisar, em uma perspectiva comparada, a administração pública gerencial e a administração pública societal, propondo uma agenda de pesquisa para futuras investigações. Examinamos os antecedentes e as características desses modelos de gestão pública. Em seguida, comparamos os modelos a partir de seis variáveis de observação: a origem, o projeto político, as dimensões estruturais enfatizadas na gestão, a organização administrativa do aparelho do Estado, a abertura das instituições à participação social e a abordagem de gestão. Por fim, enfatizamos os limites e os pontos positivos de cada um dos modelos, além de enfatizarmos a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre a administração pública societal e a abordagem de gestão social. Ana Paula Paes de Paula CEPEAD-UFMG ABSTRACT The purpose of this article is analyzing, in a comparative perspective, the managerial public administration and the societal public administration, in order to propose a research agenda for future investigation. In this perspective, we examine the antecedents and characteristics of these public management models and then we compare these models from six observational variables: the origin, the political project, the structural dimensions emphasized in management, the administrative organization of the State apparatus, the institutions opening to social participation, and the management approach. Finally, we emphasize the limits and benefits of each model, and point out the need to deepen studies about societal public administration and the social management approach. PALAVRAS-CHAVE Reforma do Estado, gerencialismo, gestão social, administração pública gerencial, administração pública societal. KEYWORDS State reform, managerialism, social management, gerencial public management, societal public administration.

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RAE-DEBATE • ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ENTRE O GERENCIALISMO E A GESTÃO SOCIAL

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ENTREO GERENCIALISMO E A GESTÃO SOCIAL

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar, em uma perspectiva comparada, a administração pública gerencial e aadministração pública societal, propondo uma agenda de pesquisa para futuras investigações. Examinamosos antecedentes e as características desses modelos de gestão pública. Em seguida, comparamos os modelosa partir de seis variáveis de observação: a origem, o projeto político, as dimensões estruturais enfatizadasna gestão, a organização administrativa do aparelho do Estado, a abertura das instituições à participaçãosocial e a abordagem de gestão. Por fim, enfatizamos os limites e os pontos positivos de cada um dosmodelos, além de enfatizarmos a necessidade de aprofundamento dos estudos sobre a administraçãopública societal e a abordagem de gestão social.

Ana Paula Paes de PaulaCEPEAD-UFMG

ABSTRACT The purpose of this article is analyzing, in a comparative perspective, the managerial public administration and the societal public

administration, in order to propose a research agenda for future investigation. In this perspective, we examine the antecedents and characteristics

of these public management models and then we compare these models from six observational variables: the origin, the political project, the

structural dimensions emphasized in management, the administrative organization of the State apparatus, the institutions opening to social

participation, and the management approach. Finally, we emphasize the limits and benefits of each model, and point out the need to deepen studies

about societal public administration and the social management approach.

PALAVRAS-CHAVE Reforma do Estado, gerencialismo, gestão social, administração pública gerencial, administração pública

societal.

KEYWORDS State reform, managerialism, social management, gerencial public management, societal public administration.

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, os brasileiros estiveram engaja-dos no processo de redemocratização do país, buscan-do reformar o Estado e construir um modelo de ges-tão pública capaz de torná-lo mais aberto às necessi-dades dos cidadãos brasileiros, mais voltado para ointeresse público e mais eficiente na coordenação daeconomia e dos serviços públicos. Ao analisar essecontexto histórico, identificamos dois projetos políti-cos em desenvolvimento e disputa.

O primeiro se inspira na vertente gerencial, que seconstituiu no Brasil durante os anos 1990, no governodo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O segun-do se encontra em desenvolvimento e tem como prin-cipal referencial a vertente societal. Manifesta-se nas ex-periências alternativas de gestão pública, como os Con-selhos Gestores e o Orçamento Participativo, e possuisuas raízes no ideário dos herdeiros políticos das mobi-lizações populares contra a ditadura e pela redemocra-tização do país, com destaque para os movimentos so-ciais, os partidos políticos de esquerda e centro-esquer-da, e as organizações não-governamentais.

Ambas as vertentes se dizem portadoras de um novomodelo de gestão pública e afirmam estar buscando aampliação da democracia no país. No que se refere àabordagem gerencial, ocorreu um desapontamento emrelação aos indicadores de crescimento econômico eprogresso social obtidos. Quanto à abordagem societal,a vitória de Luís Inácio Lula da Silva gerou uma ex-pectativa de que ela se tornasse a marca do governofederal. No entanto, o que se observa é uma continui-dade das práticas gerencialistas em todos os campos,inclusive no que se refere às políticas sociais.

Para verificar a evolução destas vertentes no cum-primento de suas promessas, é fundamental realizar umaanálise de seus ideários e características técnicas e polí-ticas. Neste artigo, pretendemos realizar essa análise emuma perspectiva comparada, além de elaborar uma agen-da de pesquisa para futuras investigações. Examinamosa literatura pertinente e o desenvolvimento históricodessas vertentes visando construir categorias de análi-se para atingir o objetivo proposto.

Na primeira parte do artigo, apontamos os antece-dentes e as características dos modelos de gestão pú-blica resultantes dessas vertentes: a administraçãopública gerencial e a administração pública societal.Na segunda parte, discutimos comparativamente es-ses modelos de gestão a partir de seis variáveis de ob-servação isoladas em nossas análises: a origem, o pro-

jeto político, as dimensões estruturais enfatizadas nagestão, a organização administrativa do aparelho doEstado, a abertura das instituições à participação so-cial e a abordagem de gestão. Na terceira parte, con-cluímos o artigo enfatizando os limites e pontos posi-tivos dos modelos, e elaboramos uma agenda para fu-turas pesquisas.

O CASO BRASILEIRO: DOISMODELOS DE GESTÃO PÚBLICA

Administração pública gerencialA origem da vertente da qual deriva a administraçãopública gerencial brasileira está ligada ao intenso deba-te sobre a crise de governabilidade e credibilidade doEstado na América Latina durante as décadas de 1980 e1990. Esse debate se situa no contexto do movimentointernacional de reforma do aparelho do Estado, queteve início na Europa e nos Estados Unidos. Para umamelhor compreensão desse movimento, é preciso levarem consideração que ele está relacionado com o geren-cialismo, ideário que floresceu durante os governos deMargareth Thatcher e de Ronald Reagan.

No caso do Reino Unido, tratava-se de responderao avanço de outros países no mercado internacional.No referido período, a cúpula do governo inglês pro-curou aumentar os níveis de produtividade e realiza-ção no campo da economia, da política, do governo,das artes e das ciências (Heelas, 1991). A ex-ministrae participantes de seu governo estiveram por anos en-gajados nos think tanks neoconservadores, nos quaisrealizaram vários estudos no campo da culturaempreendedorista. Resgataram-se assim os valoresvitorianos, como o esforço e o trabalho duro, culti-vando-se também a motivação, a ambição criativa, ainovação, a excelência, a independência, a flexibilida-de e a responsabilidade pessoal (Morris, 1991).

Paralelamente, nos Estados Unidos se desenvolviao culto à excelência (Du Gay, 1991), que captou a es-sência do American dream, uma vez que alimentou oufanismo da era Reagan ao fixar no imaginário socialfantasias de oportunidade de progresso e crescimentobaseados na iniciativa individual. Nesse país, o ideáriogerencialista se consolidou como referência no campoda gestão pública uma década mais tarde, com o livrode Osborne e Gaebler intitulado Reinventando o gover-no, de 1992.

Em ambos os países, o movimento gerencialista nosetor público é baseado na cultura do empreendedo-

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rismo, que é um reflexo do capitalismo flexível e seconsolidou nas últimas décadas por meio da criaçãode um código de valores e condutas que orienta a or-ganização das atividades de forma a garantir controle,eficiência e competitividade máximos (Harvey, 1992).É importante notar que, apesar de ter se desenvolvidono contexto cultural da Inglaterra e dos Estados Uni-dos, o gerencialismo, bem como seu modelo de refor-ma do Estado e de gestão administrativa, se espalhoupela Europa e América Latina. Como há uma estreitaconexão entre os valores e ações de cunho gerencia-lista e as prerrogativas pós-fordistas da reestruturaçãoprodutiva da economia mundializada (Bagguley, 1991),o gerencialismo passou a representar as necessidadesdas mais diversas empresas e governos, transcenden-do, portanto, as matrizes histórico-culturais locais.

No Brasil, esse movimento ganhou força nos anos1990 com o debate da reforma gerencial do Estado e odesenvolvimento da administração pública gerencial.A crise do nacional-desenvolvimentismo e as críticasao patrimonialismo e autoritarismo do Estado brasi-leiro estimularam a emergência de um consenso polí-tico de caráter liberal que, segundo nossa análise, sebaseou na articulação das seguintes estratégias: a es-tratégia de desenvolvimento dependente e associado;as estratégias neoliberais de estabilização econômica;e as estratégias administrativas dominantes no cená-rio das reformas orientadas para o mercado. Essa arti-culação sustentou a formação da aliança social-libe-ral, que levou o Partido da Social-Democracia Brasi-leira (PSDB) ao poder.

Nesse contexto, a administração pública gerencial,também conhecida como nova administração pública,emergiu como o modelo ideal para o gerenciamentodo Estado reformado pela sua adequação ao diagnós-tico da crise do Estado realizado pela aliança social-liberal e por seu alinhamento em relação às recomen-dações do Consenso de Washington para os países la-tino-americanos. Assim, ao ser indicado para dirigir oMinistério da Administração e Reforma do Estado(MARE), o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereiramanifestou seu interesse pelas experiências gerencia-listas realizadas em outros países, viajando para o Rei-no Unido a fim de estudá-las e formular uma propostade adaptação desse modelo ao contexto nacional(Bresser-Pereira, 1996, 1997, 1998a, 1998b).

No retorno dessa viagem, Bresser-Pereira integra es-ses estudos às suas análises sobre a crise do Estadobrasileiro para planejar suas ações no MARE. Em ja-neiro de 1995, o ex-ministro apresentou o Plano Dire-

tor da Reforma do Estado (Bresser-Pereira, 1996,1997), que foi debatido nas reuniões do Conselho daReforma do Estado e integrou a pauta de discussõesda reforma constitucional no Congresso Nacional.Viabilizada pela promulgação da emenda constitucio-nal de 1998, essa reestruturação seguiu as recomen-dações previstas no Plano Diretor e a atividades esta-tais foram divididas em dois tipos: a) as “atividadesexclusivas” do Estado: a legislação, a regulação, a fis-calização, o fomento e a formulação de políticas pú-blicas, que são atividades que pertencem ao domíniodo núcleo estratégico do Estado, composto pela Presi-dência da República e os Ministérios (Poder Executi-vo), e que seriam realizadas pelas secretariasformuladoras de políticas públicas, pelas agências exe-cutivas e pelas agências reguladoras; b) as “atividadesnão-exclusivas” do Estado: os serviços de caráter com-petitivo e as atividades auxiliares ou de apoio. No âm-bito das atividades de caráter competitivo estão os ser-viços sociais (e.g. saúde, educação, assistência social)e científicos, que seriam prestados tanto pela iniciati-va privada como pelas organizações sociais que inte-grariam o setor público não-estatal. Já as atividadesauxiliares ou de apoio, como limpeza, vigilância, trans-porte, serviços técnicos e manutenção, seriam subme-tidas à licitação pública e contratadas com terceiros.

Segundo Bresser-Pereira (1998a), além de se reor-ganizar o aparelho do Estado e fortalecer seu núcleoestratégico, a reforma também deveria transformar omodelo de administração pública vigente. As duasoutras dimensões do processo de reforma – a culturale a gestão – se direcionavam para essa questão e auxi-liaram na implementação da administração públicagerencial. No que se refere à dimensão cultural,Bresser-Pereira apontou a necessidade de transformara cultura burocrática do Estado em uma cultura ge-rencial. Já a dimensão gestão deveria ser exploradapelos administradores públicos, que colocariam emprática idéias e ferramentas de gestão utilizadas nosetor privado, “criticamente” adaptadas ao setor pú-blico, tais como os programas de qualidade e a reen-genharia organizacional.

De acordo com o autor, a nova administração pú-blica se diferencia da administração pública burocrá-tica por seguir os princípios do gerencialismo. Paraalcançar seus objetivos, o novo modelo de gestão, queserve de referência para os três níveis governamentais– federal, estadual e municipal –, deveria enfatizar aprofissionalização e o uso de práticas de gestão do se-tor privado. Esse modelo de reforma e de gestão foi

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efetivamente implementado durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos resul-tados e limites serão analisados nas seções seguintes.

Administração pública societalA origem da vertente da qual deriva a administraçãopública societal está ligada à tradição mobilizatória bra-sileira, que alcançou o seu auge na década de 1960,quando a sociedade se organizou pelas reformas nopaís. Após o golpe de 1964, essas mobilizações retor-naram na década de 1970, período no qual a IgrejaCatólica catalisou a discussão de problemas coletivosnas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), inspiradapelos ideais da teologia da libertação e da educaçãopopular. Promovendo os clubes de mães, os grupos deestudos do Evangelho e os encontros de jovens, as CEBsse consolidaram como um espaço alternativo para amobilização política ao estimular a participação popu-lar no debate das dificuldades cotidianas, contribuindopara a formação de lideranças populares.

Esse ambiente estimulou a articulação de algunsgrupos em torno de questões que afetavam substancial-mente a qualidade de vida individual e coletiva, origi-nando reivindicações populares junto ao poder públi-co. Emergiram então demandas por bens de uso cole-tivo, como transporte, habitação, abastecimento deágua, saneamento básico, saúde e creche. SegundoGohn (1995), alguns grupos também protagonizarammobilizações pelos direitos de cidadania, como, porexemplo, os movimentos que protestavam contra ocusto de vida, o desemprego, a repressão política e aopressão da mulher. Paralelamente, constituíam-se osprimeiros Centros Populares, espaços criados por mi-litantes políticos para facilitar sua atuação nas CEBs enas bases comunitárias em atividades como as de as-sessores, educadores e organizadores da mobilizaçãopopular. A partir da década de 1980, esses CentrosPopulares também passaram a ser denominados orga-nizações não-governamentais (ONGs).

De acordo com Doimo (1995), consolidava-se ocampo movimentalista, no qual transitavam os mo-vimentos populares e sociais, o movimento sindical,as pastorais sociais, os partidos políticos de esquer-da e centro-esquerda, e as ONGs. Ferreira (1991)aponta que na esteira desses movimentos, no inícioda década de 1980, surgiram as primeiras experiên-cias que tentaram romper com a forma centralizada eautoritária de exercício do poder público, como, porexemplo, os mutirões de casas populares e hortas co-munitárias de Lages, em Santa Catarina, as iniciati-

vas de participação ocorridas no governo FrancoMontoro, em São Paulo, e na administração de JoséRicha, no Paraná.

O tema da inserção da participação popular na ges-tão pública é o cerne dessa mobilização (Grupo deEstudos sobre a Construção Democrática, 1999), eatingiu seu ápice em meados da década de 1980, mo-mento da elaboração da Constituinte, quando diferen-tes forças políticas ofereciam suas propostas para for-mular um novo referencial das relações entre Estado esociedade, cada qual fundamentada na sua visão decomo deveria ser a construção da democracia no Brasil.

Apesar de sua heterogeneidade, o campo movimen-talista se centrava na reivindicação da cidadania e nofortalecimento do papel da sociedade civil na condu-ção da vida política do país, pois questionava o Esta-do como protagonista da gestão pública, bem como aidéia de público como sinônimo de estatal (MezzomoKeinert, 2000). Uma concepção começou a se tornarpredominante no âmbito desse campo, a saber: a im-plementação de um projeto político que procura am-pliar a participação dos atores sociais na definição daagenda política, criando instrumentos para possibili-tar um maior controle social sobre as ações estatais edesmonopolizando a formulação e a implementaçãodas ações públicas.

Nesse contexto, multiplicaram-se pelo país gover-nos com propostas inovadoras de gestão pública, queabrigavam diferentes experiências de participação so-cial. Essas experiências foram construídas principal-mente nos governos das Frentes Populares, que co-meçavam a ganhar maior importância no cenário po-lítico. Ampliava-se assim a inserção do campo movi-mentalista, que passou a atuar nos governos munici-pais e estaduais por meio dos conselhos de gestãotripartite, comissões de planejamento e outras formasespecíficas de representação (Jacobi, 2000).

De acordo com a seção anterior, durante a décadade 1990 foi implementada a reforma gerencial do Es-tado brasileiro. No entanto, não havia no cenário po-lítico uma visão unívoca de reforma, pois também es-tava em curso um novo paradigma reformista: o esta-do-novíssimo-movimento-social, que rearticula o Es-tado e a sociedade, combinando a democracia repre-sentativa e a participativa (Souza Santos, 1999). Essavisão alternativa tenta ir além dos problemas adminis-trativos e gerenciais, pois considera a reforma um pro-jeto político e de desenvolvimento nacional. Essa ori-entação passou a ser defendida por intelectuais de es-querda e por algumas lideranças do Partido dos Tra-

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balhadores (PT), que se opunham ao projeto gerencialde reforma do Estado. No pensamento de alguns des-ses intelectuais (e.g. Genro, 1997, 1999, 2000; Noguei-ra, 1998), isso se manifesta na defesa da esfera públi-ca não-estatal, que está intimamente relacionada coma criação de espaços públicos de negociação e espaçosdeliberativos.

Segundo Genro (1997), a esfera pública não-estatalnão depende necessariamente do suporte da represen-tação política tradicional, sendo constituída por mi-lhares de organizações, locais, regionais, nacionais einternacionais que mediam a ação política direta doscidadãos. Esse conceito de esfera pública não-estatalenvolve a elaboração de novos formatos institucionaisque possibilitem a co-gestão e a participação dos cida-dãos nas decisões públicas. Nesse processo, as políti-cas e ações governamentais conferem identidade aosenvolvidos, alteram o cotidiano da cidade e interfe-rem na compreensão política de sua cidadania.

Nesse ponto se destaca a ação dos governos locaispor meio de experiências alternativas de gestão públi-ca, tais como as examinadas pelo programa GestãoPública e Cidadania (Spink, 2000), promovido pelaFGV-EAESP desde 1996, que possui como objetivoidentificar, divulgar e premiar iniciativas inovadorasde gestão pública, estimulando o debate e a reflexãodas experiências com a articulação entre o governo e asociedade civil. De um modo geral, os projetos premia-dos introduzem mudanças qualitativas ou quantitati-vas em relação às práticas anteriores, obtêm impactona qualidade de vida dos beneficiários, são reprodu-tíveis em outras regiões e administrações, ampliam econsolidam a articulação entre a sociedade civil e oEstado, e enfatizam o desenvolvimento auto-susten-tável. É importante adicionar a construção de canaisde participação, como os Fóruns Temáticos, voltadosà discussão de questões variadas relacionadas com ointeresse público, os Conselhos Gestores de PolíticasPúblicas e o Orçamento Participativo.

De acordo com a nossa análise, ao longo dos anos1990 essas experiências alternativas se manifesta-ram de forma fragmentada, demandando uma amar-ração a um projeto político mais abrangente para oEstado e a sociedade, que contemplasse os seguin-tes elementos: a) um novo modelo de desenvolvi-mento para o Brasil que enfrentasse a crise do nacional-desenvolvimentismo; b) uma proposta de reorganiza-ção para o aparelho de Estado; e, c) uma visão de ges-tão pública alternativa ao gerencialismo. Emergia as-sim a noção de administração pública societal, mas não

havia uma representação política presente no podercentral para implementá-la.

Após sucessivas derrotas, o PT e o candidato LuizInácio Lula da Silva tiveram êxito nas eleições presi-denciais de 2002, levando ao poder uma coalizão queagrega setores populares, partidos de esquerda e cen-tro-esquerda, bem como setores do empresariado na-cional. Isso reacendeu a esperança de implementar umprojeto que se diferenciasse pela sua tentativa de pro-mover e difundir as virtudes políticas do campo movi-mentalista, reformulando as relações entre o Estado ea sociedade no que se refere aos direitos de cidadania(Wainwright, 1998).

No entanto, esse ainda é um projeto em constru-ção, pois a aliança política que o sustenta se encontraem processo de consolidação, e a expectativa de queessa nova abordagem de gestão pública se tornasse amarca do governo federal não se concretizou. Até omomento se observa uma continuidade em relação àspráticas gerencialistas. Na realidade, a vertente societalnão é monopólio de um partido ou força política, nemapresenta o mesmo consenso da vertente gerencial emrelação aos objetivos e características de seu projetopolítico. Não arriscaremos, portanto, listá-los como fi-zemos para a vertente gerencial, mas nas próximas se-ções faremos uma tentativa de abordagem comparati-va entre os dois modelos aqui apresentados, discutin-do seus limites e seus pontos positivos.

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS MODELOSGERENCIAL E SOCIETAL

Examinando esses modelos, identificamos três dimen-sões fundamentais para a construção de uma gestão pú-blica democrática: 1) a dimensão econômico-financeira,que se relaciona com os problemas do âmbito das finan-ças públicas e investimentos estatais, envolvendo ques-tões de natureza fiscal, tributária e monetária; 2) a di-mensão institucional-administrativa, que abrange os pro-blemas de organização e articulação dos órgãos que com-põem o aparato estatal, como as dificuldades de planeja-mento, direção e controle das ações estatais, e a questãoda profissionalização dos servidores públicos para o de-sempenho de suas funções; 3) a dimensão sociopolítica,que compreende problemas situados no âmago das rela-ções entre o Estado e a sociedade, envolvendo os direi-tos dos cidadãos e sua participação na gestão.

O exame da literatura demonstrou que na vertentegerencial, a ênfase recai principalmente nas dimensões

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econômico-financeira e institucional-administrativa. Navertente societal, a ênfase é na dimensão sociopolítica.A vertente gerencial, que está imbricada com o projetopolítico do ajuste estrutural e do gerencialismo, baseia-se nas recomendações dessas correntes para reorgani-zar o aparelho do Estado e reestruturar a sua gestão,focalizando as questões administrativas. A vertente so-cietal, por sua vez, enfatiza principalmente a participa-ção social e procura estruturar um projeto político querepense o modelo de desenvolvimento brasileiro, a es-trutura do aparelho de Estado e o paradigma de gestão.

O fato de cada uma das vertentes ocuparem um dosextremos do debate reflete a clássica dicotomia entrea política e a administração que circunda a gestão pú-blica. Além disso, a análise realizada revelou que avertente societal não tem propostas completamenteacabadas para as dimensões econômico-financeira e

institucional-administrativa, e que a vertente gerenciallida com a dimensão sóciopolítica predominantemen-te no âmbito do discurso.

Tentaremos evidenciar essa constatação por meiode análise comparativa dos modelos apresentados. Paraisso, identificamos algumas variáveis cruciais para acompreensão do funcionamento e intenções políticasde cada uma das vertentes. A primeira variável é a ori-gem dos modelos, que discutimos na primeira partedo artigo. A segunda e a terceira variáveis são o proje-to político e as dimensões estruturais enfatizadas nagestão que apresentamos nos parágrafos anteriores. Asdemais variáveis são a organização administrativa doaparelho do Estado, a abertura das instituições políti-cas à participação social e o modelo de gestão.

O Quadro 1 sintetiza a análise comparativa realiza-da para cada uma das variáveis.

Origem

Projeto político

Dimensões estruturaisenfatizadas na gestão

Organização administrativado aparelho do Estado

Abertura das instituiçõespolíticas à participação social

Abordagem de gestão

Quadro 1 – Variáveis observadas na comparação dos modelos.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOCIETAL

Movimentos sociais brasileiros, que tiveraminício nos anos 1960 e desdobramentosnas três décadas seguintes

Enfatiza a participação social e procura es-truturar um projeto político que repense omodelo de desenvolvimento brasileiro, aestrutura do aparelho de Estado e o para-digma de gestão.

Dimensão sociopolítica

Não há uma proposta para a organizaçãodo aparelho do Estado e enfatiza iniciativaslocais de organização e gestão pública

Participativo no nível das instituições, en-fatizando a elaboração de estruturas e ca-nais que viabilizem a participação popular

Gestão social: enfatiza a elaboração de ex-periências de gestão focalizadas nas de-mandas do público-alvo, incluindo ques-tões culturais e participativas

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL

Movimento internacional pela reforma doEstado, que se iniciou nos anos 1980 e sebaseia principalmente nos modelos inglêse estadunidense

Enfatiza a eficiência administrativa e se ba-seia no ajuste estrutural, nas recomenda-ções dos organismos multilaterais interna-cionais e no movimento gerencialista.

Dimensões econômico-financeira e institu-cional-administrativa

Separação entre as atividades exclusivas enão-exclusivas do Estado nos três níveis go-vernamentais

Participativo no nível do discurso, mascentralizador no que se refere ao processodecisório, à organização das instituiçõespolíticas e à construção de canais de par-ticipação popular

Gerencialismo: enfatiza a adaptação dasrecomendações gerencialistas para o se-tor público

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A seguir, discutiremos detalhadamente as três últi-mas variáveis, realizando uma crítica da abordagemgerencial e salientando os pontos que ainda precisamser desenvolvidos na abordagem societal.

Organização administrativa do aparelho do EstadoEm relação à organização administrativa do aparelhodo Estado, verificamos que a vertente gerencial temobjetivos claros, realizando uma concentração da for-mulação e avaliação das políticas públicas no núcleoestratégico do Estado. No que se refere às “atividadesexclusivas” do Estado, temos as secretarias de políti-cas públicas, que realizam o planejamento e o contro-le das políticas governamentais articuladas com osministérios, que operam em dois grandes colegiados,responsáveis por produzir e avaliar as políticas e açõesgovernamentais, que são as Câmaras Setoriais, com-postas pelos ministros concernentes às áreas específi-cas e presididas pelo chefe da Casa Civil, e os ComitêsExecutivos, que são compostos pelos secretários exe-cutivos e coordenados pelo subchefe da Casa Civil(Loureiro e Abrucio, 1998).

Quanto às agências executivas, é importante notarque essa é uma qualificação que pode ser atribuída àsautarquias e fundações públicas que realizam ativida-des exclusivas do Estado (Bresser-Pereira, 1998a;MARE, 1998a). De um modo geral, estas são respon-sáveis pela implementação de políticas públicas pormeio da prestação de serviços e execução de ativida-des de natureza estatal. Seguindo as diretrizes do Pla-no Diretor, há o núcleo estratégico, que concentra aformulação e a avaliação das políticas públicas e dele-ga sua implementação para as instituições descentra-lizadas da administração indireta, como as autarquiase fundações públicas.

A terceira figura da administração indireta brasilei-ra – as empresas públicas – ficou sob a responsabili-dade das agências reguladoras, que realizam ativida-des de regulamentação e regulação da prestação deserviços públicos pelo setor privado (Bresser-Pereira,1998a). Com a eliminação do monopólio da Petrobrássobre o petróleo e a privatização dos serviços públicosde comunicações e de energia elétrica, foram criadastrês agências reguladoras: ANP, Anatel, e Aneel. O go-verno passou a ter cinco agências reguladoras, pois jáexistiam o Banco Central (BC) e o Conselho Adminis-trativo de Defesa Econômica (CADE). Depois tambémforam criadas agências para regular a vigilância sani-tária, a saúde suplementar, as águas, os transportesaquaviários, os transportes terrestres e o cinema.

No campo das “atividades não-exclusivas” do Esta-do, a terceirização das atividades auxiliares ou de apoiose baseia nas regras de licitação. Para as atividades con-sideradas de caráter competitivo, prestadas pelo setorpúblico ou privado, surgiu um novo formato institu-cional: as organizações sociais. Com a nova lei, as as-sociações civis sem fins lucrativos e engajadas nos ser-viços sociais e científicos podem se candidatar à posi-ção de organizações sociais. Se o Estado aprovar a con-versão da entidade, estabelece-se um contrato de ges-tão em que esta passa a receber uma dotação orçamen-tária pública total ou parcial para a prestação de servi-ços (MARE, 1997a; Bresser-Pereira, 1998a).

No que se refere à implementação dessa nova estru-tura para o aparelho do Estado, quando Bresser-Perei-ra se afastou do MARE, as agências reguladoras se en-contravam instaladas e alguns projetos-piloto de agên-cias executivas e de organizações sociais estavam emandamento. Essas informações constam em um rela-tório de avaliação feito pelo MARE, que enfatiza osresultados positivos alcançados pelo modelo gerencialde administração pública (MARE, 1998c). No segun-do mandato de Fernando Henrique Cardoso, o MAREfoi extinto e suas atribuições, absorvidas pela Secreta-ria de Gestão (SEGES) do Ministério do Planejamen-to, Orçamento e Gestão. Ainda não foram realizadasanálises sistemáticas da situação do aparelho do Esta-do após a reforma de 1995. Há apenas alguns poucostrabalhos acadêmicos sobre o assunto, além das avalia-ções oficiais do governo.

No entanto, esses trabalhos e avaliações não se de-têm no desenho do aparelho do Estado e nas relaçõesentre os órgãos do núcleo estratégico. Apesar disso, épossível perceber que, mesmo tendo um projeto bemdefinido, a reforma causou uma fragmentação do apa-relho do Estado, pois os novos formatos organizacio-nais não substituíram os antigos, havendo uma convi-vência de ambos. Nem todas as autarquias e funda-ções públicas se transformaram em agências executi-vas, e várias entidades da sociedade civil que inicia-ram o processo de conversão em organizações sociaisacabaram optando pelo antigo status institucional.

Na realidade, o projeto das agências executivas edas organizações sociais não alcançou a extensão es-perada, o que vem impossibilitando a aderência doaparelho do Estado a uma diretriz mais definida deorganização e gestão dos órgãos da administração pú-blica. Por outro lado, o funcionamento das agênciasreguladoras não conseguiu alcançar níveis satisfató-rios de eficiência e atendimento do interesse público.

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Com freqüência, diretores das agências reguladorasfazem declarações à imprensa sobre as dificuldades deregulação das empresas sob sua administração.

Em contraposição, quando analisamos a vertentesocietal, não encontramos uma proposta para a orga-nização do aparelho do Estado. O que verificamos pormeio do exame da literatura é que, diferentemente davertente gerencial – que estabelece um modelo federala ser reproduzido nas diversas estâncias governamen-tais –, há uma focalização na organização local de ex-periências alternativas de gestão. De qualquer forma,a ausência de uma elaboração da vertente societal parao aparelho do Estado contribui para a permanência daproposta gerencial. Por outro lado, é preciso reconhe-cer que uma nova elaboração implicaria outra refor-ma administrativa com todas as dificuldades políticasque isso representa. No entanto, é preciso consideraressa possibilidade, pois a continuidade do modelo ge-rencial impossibilita mudanças na cultura política, umavez que condiciona a forma como é realizada a gestãodo aparelho do Estado.

Abertura das instituições à participação popularQuando analisamos a estrutura do aparelho do Estadopós-reforma, constatamos uma clara concentração dopoder no núcleo estratégico. Aposta-se na eficiênciado controle social e se delega a formulação de políti-cas públicas aos burocratas: o monopólio das decisõesfoi concedido às secretarias formuladoras de políticaspúblicas e a execução, atribuída às secretarias execu-tivas, aos terceiros ou às organizações sociais, de acor-do com o caráter da atividade. De um modo geral, ogoverno da aliança social-liberal separou os grupostécnicos do sistema político, engajando-os em progra-mas controlados pela própria Presidência (Abrucio eCosta, 1998).

De acordo com Diniz (2000), esse processo deinsulamento burocrático é visível no círculo formadopelo Ministério da Fazenda, Banco Central, TesouroNacional, e BNDES, que constituem o núcleo respon-sável pelas decisões estratégicas. A estrutura decolegiados (Câmaras Setoriais e Comitês Executivos),que produzem e avaliam políticas públicas, tambémsinaliza a tendência ao insulamento burocrático e àconcentração do processo decisório nas instâncias exe-cutivas. Em relação ao primeiro colegiado, observa-mos um certo retrocesso, pois as Câmaras Setoriais decomposição tripartite (empresários, técnicos e políti-cos, lideranças sindicais), que foram criadas no iníciodos anos 1990, deixaram de existir.

Essas Câmaras constituíam um espaço de represen-tação no interior do aparato burocrático (Oliveira etal., 1993; Diniz, 1997, 2000; Oliveira, 1998) e possi-bilitavam uma participação mais ampliada no colegiadoministerial, bem como na definição de políticas seto-riais. Para Diniz (2000), a necessidade de administrardivergências internas aumentou a oposição da cúpulatecnocrática do governo a esse formato, o queinviabilizou a continuidade da experiência entre 1995e 1996. O governo então optou pela centralização dasdecisões e tornou as Câmaras Setoriais um monopóliodas equipes ministeriais. Segundo Diniz (2000), o de-senho institucional trazido pela nova administraçãopública aumentou o isolamento dos decisores, estimu-lando as práticas personalistas e voluntaristas.

Abre-se assim espaço para o neopatrimonialismo(Schwartzman, 1982) e para uma autocracia que re-corre a técnicas democráticas (Faoro, 1995). Por ou-tro lado, estimula-se o governo por meio de medidasprovisórias, hábito do Poder Executivo que se acen-tuou a partir do governo de Fernando Henrique Car-doso (Carvalho, 1999; Diniz, 1997, 2000; Monteiro,1997, 2000). Além disso, esse governo seguiu o mes-mo estilo tecnocrático de gestão e excesso de discri-cionariedade dos governos anteriores, cujas decisõesestratégicas não se parametrizavam pelos procedimen-tos democráticos, e as elites tecnocráticas se eximiamde justificar suas ações.

Nesse contexto, o controle social é idealizado, poisnão há mecanismos para que esse controle ocorra, nema transparência esperada. Outro sinal do caráter da par-ticipação social na estrutura e dinâmica governamen-tal da vertente gerencial é a ênfase no engajamento daprópria burocracia pública ou dos quadros das orga-nizações sociais no processo de gestão. A estrutura e adinâmica do aparelho do Estado pós-reforma não apon-ta os canais que permitiriam a infiltração das deman-das populares.

Analisando o caso de uma das organizações sociais,Oliveira (1998) observa que há uma confusão entre aparticipação dos funcionários e da sociedade civil. As-sim, há dois fatores que merecem maior discussão: a)ainda que o modelo gerencial afirme se inspirar emuma abordagem participativa, há novos mecanismosde controle dos funcionários e a participação é bas-tante “administrada”; b) democratizar uma organiza-ção pública e viabilizar a participação popular são ta-refas distintas. Quanto ao primeiro fator, destaca-seque a questão da democratização organizacional ain-da deveria estar em pauta e que a democratização in-

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terna não implica necessariamente a permeabilidadedessa organização à participação social.

Quanto ao segundo fator, as organizações sociais pormeio das quais o ex-ministro pretendia constituir umaesfera pública não-estatal ilustram bem o problema abor-dado. Nessas organizações, a participação popular ocor-re por meio do engajamento de representantes da co-munidade nos órgãos colegiados de deliberação superior(Barreto, 1999). No entanto, esse mecanismo represen-tativo não conseguiu atrair um número significativo deentidades da sociedade civil, por apresentar limitações.O formato institucional das organizações sociais e aestrutura do aparelho do Estado não permitem umamaior inserção popular no processo decisório e na for-mulação de políticas públicas. Um possível obstáculo éa configuração de sua estrutura organizacional, que érígida para abranger o complexo tecido mobilizatórioexistente na sociedade brasileira. Além disso, do pontode vista contratual, essas entidades são apenas presta-doras de serviços e não possuem nenhuma posiçãorepresentativa no núcleo estratégico do Estado.

Dessa forma, inexiste um canal de mediação entreessas entidades e a cúpula governamental, o que evi-dencia que ainda se coloca o desafio de se elaboraremarranjos institucionais para viabilizar uma maior par-ticipação dos cidadãos na gestão pública. Nesse con-texto, emerge a importância do formato e da dinâmicainstitucional, pois esta vai determinar a possibilidadede haver deliberação e participação no processo deci-sório. De acordo com Jacobi (2000), teríamos assimuma administração pública co-gestionária que funcio-naria por meio das alternativas criadas pela engenha-ria institucional para a participação popular na defi-nição de programas, projetos e gestão de serviços pú-blicos. Isso implica reformular a organização do Esta-do e elaborar novos arranjos institucionais que esti-mulem práticas democráticas.

No âmbito da vertente societal, estão em curso al-gumas experiências participativas que possuem essascaracterísticas, como, por exemplo, os FórunsTemáticos, dos Conselhos Gestores de Políticas Públi-cas e do Orçamento Participativo. Uma análise da lite-ratura pertinente demonstra que essas experiências sediferenciam pelos seguintes motivos: colocam em ques-tão a tradicional prerrogativa do executivo estatal demonopolizar a formulação e o controle das políticaspúblicas; permitem a inclusão dos setores marginali-zados na deliberação a respeito do interesse público; epossibilitam que os diferentes interesses presentes nasociedade sejam explicitados e negociados num espa-

ço público transparente. Em síntese, procuram con-tribuir para a construção de uma cultura política de-mocrática nas relações entre o Estado e a sociedadecombinando ação e estrutura, política e técnica.

No entanto, essas manifestações apresentam limi-tes e ainda são locais e fragmentárias, trazendo para apauta a questão da articulação dessas idéias e práticasem um projeto global de reforma do Estado. Emergeassim a questão da inserção, no âmbito do governofederal, da lógica presente nos Fóruns Temáticos, nosConselhos Gestores e no Orçamento Participativo. Deum modo geral, esse desafio não apresentou avançosno governo Lula, pelo fato de este apresentar uma con-tinuidade em relação ao governo anterior, no que serefere à estrutura e à dinâmica organizacional.

Depreende-se da análise realizada que um aparelhodo Estado com características participativas deve per-mitir a infiltração do complexo tecido mobilizatório,garantindo a legitimidade das demandas populares.Para isso é necessário criar arranjos institucionais queorganizem a participação nas diferentes esferas gover-namentais, e que estas sejam dinâmicas o suficientepara absorver as tendências cambiantes inerentes àdemocracia. É importante ressaltar que a concretiza-ção dessas mudanças depende da maneira como o Es-tado e a sociedade brasileira se articulam para deter-minar seus papéis e espaços. Por outro lado, há a ne-cessidade de alterar as históricas restrições impostaspela lógica de funcionamento da máquina estatal e atendência à cultura política autoritária e patrimonial.

Abordagem de gestãoUm exame dos programas administrativos implemen-tados pelo MARE nos informa sobre sua natureza ge-rencialista. Entre eles se destacam o Programa de Qua-lidade e Participação (MARE, 1997b), o Programa deReestruturação e Qualidade dos Ministérios (MARE,1998b) e a implementação de uma nova política derecursos humanos. Segundo os técnicos do MARE, amissão do Programa de Qualidade e Participação é seespalhar em todos os órgãos e entidades do Poder Exe-cutivo. Esse programa valoriza os mesmos princípiosda qualidade total e se define como um instrumentode mudança da cultura burocrática para a cultura ge-rencial. Para implementar o programa, os técnicos doMARE também recomendam o uso de outras ferramen-tas gerencialistas, como o Ciclo de Melhoria Contínuae o benchmarking. Recomendações similares guiam oPrograma de Reestruturação e Qualidade dos Ministé-rios (MARE, 1998b).

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Em relação à política de recursos humanos, Bresser-Pereira (1998a) propõe uma política que prioriza a car-reira dos servidores públicos que ocupam o núcleo es-tratégico do Estado. Para isso, foi estabelecido um pro-grama de concursos públicos visando captar recursoshumanos com nível de pós-graduação, principalmen-te das áreas de Administração, Economia e Ciência Po-lítica. Visando capacitar os gestores especialistas fo-ram criados cursos de formação e especialização naEscola Nacional de Administração Pública (ENAP).

A política de recursos humanos proposta pelo MAREmantém a diferenciação entre os escalões governamen-tais, pois tenta fortalecer a alta burocracia por meiodo projeto de contratação e formação de especialistas,e procura isentar o Estado do recrutamento, formaçãoe qualificação dos escalões inferiores, que seriamidealmente transferidos para a responsabilidade dosetor privado e não-estatal. Analisando a dinâmica dosconcursos e da implementação das carreiras dos ges-tores de políticas públicas, Maria (2000) conclui que,apesar do aspecto meritocrático, esta não foi bem su-cedida na consolidação de um corpo burocrático com-prometido com o interesse público devido ao fato de osistema de carreira ainda ser muito individualizado ehaver uma tendência à defesa de interesses pessoais.

No que se refere ao baixo escalão, a medida correti-va recomendada para melhorar a imagem dos presta-dores de serviços foram os programas de qualidadetotal, que apresentam limites na medida em quereinserem a padronização do trabalho e focalizam maisa melhoria do serviço prestado do que o julgamentomoral e o aprendizado cotidiano. Por outro lado, aextinção do Regime Jurídico Único relegou os funcio-nários de baixo escalão para uma “zona cinzenta”, ouseja, uma parte continuou integrando o funcionalis-mo público e outra foi transferida para o setor públiconão-estatal. A combinação entre a ênfase naautomatização dos procedimentos, o foco na satisfa-ção do cidadão-cliente e a falta de uma carreira públi-ca estruturada tende a afetar a formação da responsa-bilidade pública desses funcionários.

Essa aplicação do gerencialismo no setor público sefaz sob o argumento da eficiência de suas proposições.No entanto, mesmo no setor privado sua eficiência vemsendo crescentemente questionada. Examinando a li-teratura sobre o tema, constatamos que as críticas di-rigidas ao gerencialismo se acirraram justamente quan-do esse ideário invadiu o setor público (Grey, 1996).Durante os anos 1990, essas críticas também se volta-ram para o setor privado e contribuíram para a emer-

gência dos estudos organizacionais críticos, que rom-pem com as visões funcionalistas e instrumentais daAdministração. Collins (2000) realizou em seu livrouma compilação das críticas ao management, dedican-do capítulos à excelência, à administração da qualida-de total, ao empowerment , à reengenharia, aodownsizing, entre outros modismos gerenciais.

Examinando essas críticas, notamos que a adminis-tração pública gerencial partilha do esquematismo ge-rencialista, que dificulta o tratamento da relação entreos aspectos técnicos e políticos da gestão. Por outrolado, a primazia das dimensões econômico-financeirae institucional-administrativa da gestão coloca em jogoseu grau de inovação e de comprometimento com aparticipação cidadã. Por ser demasiado rígido paracapacitar o Estado na expansão dos meios de interlo-cução com a sociedade e por enfatizar predominante-mente a eficiência administrativa, esse modelo de ges-tão não vem se mostrando apto para lidar com a com-plexidade da vida política.

Além disso, ao imitar a administração do setor pri-vado, a administração pública gerencial posterga a ela-boração de idéias, modelos e práticas administrativasque atendam às especificidades do setor público e àdemanda de participação popular. A vertente societal,por sua vez, embora esteja circundada por experiên-cias que vão além das recomendações gerencialistas,como o Orçamento Participativo, e de várias iniciati-vas de gestão pública que incorporam questões cul-turais e de inclusão social, ainda não conseguiuconsolidar alternativas para a gestão dos sistemas demanagement.

Talvez um exame aprofundado do banco de dadosdo programa Gestão Pública e Cidadania, tendo comocritério a inovação nos arranjos institucionais queviabilizam a participação social e que relativizam oconceito de eficiência, possa apontar caminhos pararomper com a lógica gerencialista. De qualquer for-ma, é importante notar que a abordagem de gestãovertente societal se insere na perspectiva de uma ges-tão social que tenta substituir a gestão tecnoburocrá-tica por um gerenciamento mais participativo, no qualo processo decisório inclua os diferentes sujeitos so-ciais (Tenório, 1998). Essa gestão social é entendidacomo uma ação política deliberativa, na qual o indiví-duo participa decidindo seu destino como pessoa, elei-tor, trabalhador ou consumidor.

No que se refere à gestão e organização do funcio-nalismo público, também não há uma proposta con-solidada para os escalões no âmbito da vertente socie-

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tal. Apesar disso, a capacitação promovida no âmbitodos movimentos sociais e das ONGs merece atenção,pois enfatiza uma qualificação técnica e também políti-ca, além de uma tradução da linguagem burocrática paraa popular (Carmo Carvalho, 1997). O resultado foi umamaior integração entre a visão administrativa e a políti-ca que tornou o perfil desses profissionais desejável parao gestor que atua no contexto da administração públicasocietal. Nesse contexto, o ideal de burocracia insuladadeixa de ser o caminho para assegurar o interesse pú-blico, pois há um conflito entre a interlocução diretacom a sociedade e a configuração de um aparato admi-nistrativo tipicamente racional-legal (Nogueira, 1998).

Dessa forma, há a demanda de um programa de va-lorização, formação e treinamento de administradorespúblicos que crie especialistas tecnopolíticos capazesde pesquisar, negociar, aproximar pessoas e interes-ses, planejar, executar e avaliar. Esses gestores tam-bém precisam ser capazes de refletir sobre as crises eas mudanças. Segundo Nogueira (1998), para a gestãopública hoje não é mais suficiente apenas o desenvol-vimento de técnicas e a formulação de sofisticadosprogramas administrativos. Trata-se de lidar com umacomplexidade que requer visão mais estratégica, par-ticipativa e solidária.

Isso requer um gestor público com habilidades denegociação e capacidade de operar na tênue fronteiraentre a técnica e a política, desenvolvendo ações vol-tadas para os problemas da democracia, da represen-tação e da participação, bem como rompendo o hiatoentre a técnica e a política. Adicionalmente, é impor-tante levar em consideração as especificidades da cul-tura nacional, em especial sua aversão à burocracia,que demanda a constituição de normas e condutas queajustem a tendência ao tratamento personalista ao in-teresse público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕESPARA FUTURAS PESQUISAS

O exame dos modelos de gestão nos permitiu fazer acomparação pretendida, sintetizada no Quadro 1 ante-riormente apresentado e do qual emerge a contraposi-ção entre duas abordagens de gestão que precisam serainda mais exploradas: o gerencialismo e a gestão social.Esta análise também nos possibilitou sistematizar oslimites e pontos positivos de cada um dos modelos:

O Quadro 2 realiza um contraste entre o centralismoe o estruturalismo da administração pública gerencial

Administraçãopública gerencial

Administraçãopública societal

Quadro 2 – Limites e pontos positivos dos modelos de gestão analisados.

PONTOS POSITIVOS

- Possui clareza em relação à organização doaparelho do Estado e métodos de gestão

- Alguns métodos gerencialistas vêm me-lhorando a eficiência do setor público, es-pecialmente no campo econômico-finan-ceiro

- Procura elaborar um projeto de desenvolvi-mento que atenda aos interesses nacionais

- Está construindo instituições políticas epolíticas públicas mais abertas à partici-pação social e voltadas para as necessida-des dos cidadãos

LIMITES

- Centraliza o processo decisório e não estimula a elabo-ração de instituições políticas mais abertas à participa-ção social

- Enfatiza mais as dimensões estruturais do que as di-mensões sociais e políticas da gestão

- Implementou um modelo de reforma e gestão públicaque se inspirou nas recomendações e no design sugeri-dos pelo movimento internacional de reforma de Estado

- Não há uma proposta nova para a organização do apa-relho do Estado

- Não elaborou de forma mais sistemática alternativas degestão coerentes com seu projeto político

- Não conseguiu ainda desenvolver uma estratégiaque articule as dimensões econômico-financeira,institucional-administrativa e sociopolítica da ges-tão pública

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e a abertura e o dinamismo da administração públicasocietal. É bastante tentador dizer que os modelos secomplementam, mas esta análise se tornaria reducio-nista se desconsiderasse o quanto as diferenças entreas origens e os projetos políticos repercutiram na for-ma como estes conduzem a organização e a gestão.Além disso, é preciso reconhecer a natureza estrutu-ral-funcionalista da abordagem gerencialista, clara-mente voltada para a estrutura e a eficiência da gestãoem detrimento dos processos políticos.

Adicionalmente, embora a vertente societal priorizea dimensão sociopolítica da gestão, ela também faz suasincursões no domínio da dimensão institucional-ad-ministrativa na medida em que elabora novos arran-jos institucionais e de gestão. No que se refere à di-mensão econômico-financeira, trata-se de superar oparadigma econômico na condução da gestão pública,questão discutida no passado por Guerreiro Ramos(1983) quando propôs o paradigma paraeconômico,esclarecendo que existem outras formas de organiza-ção para além das organizações econômicas, como é ocaso das isonomias e fenonomias, propondo a elabo-ração de um novo modelo de alocação dos recursospúblicos para contemplá-las.

As abordagens gerencial e societal foram aqui ana-lisadas como construções paradigmáticas, ou seja, re-sultam do contexto histórico e das opções políticascoletivas, e estão, portanto, sujeitas às influênciasexercidas pelos atores sociais e pelas instituições en-volvidos. Com este artigo, tentamos contribuir parao avanço da discussão sobre a administração públicasocietal, mas, uma vez que esta se encontra incrusta-da em um processo dialético ainda em curso, há di-mensões de análise que não foi possível completar,de modo que nosso esforço na elaboração teórica des-te modelo de gestão está circundado por diversos li-mites.

Por esse motivo, elaboramos uma agenda de pes-quisa para guiar a continuidade dos estudos no cam-po. Conforme verificamos, as experiências societaisestão introduzindo inovações na cultura política e nomodo de gerir o interesse público, mas ainda deman-dam reflexão sobre os seguintes pontos:• o equilíbrio e as interações entre o executivo, o

legislativo e os cidadãos;• o impacto das novas experiências na qualidade de vida

dos cidadãos e na redução das desigualdades;• o modo como se altera a cultura política, se estimula a

participação social e se criam novos formatos institu-cionais e administrativos;

• a interferência da falta de vontade política e dos entra-ves burocráticos na partilha de poder;

• os caminhos para viabilizar a capacitação técnica epolítica dos funcionários públicos e dos cidadãos;

• a elaboração de uma nova proposta para a organizaçãoadministrativa do aparelho do Estado;

• a necessidade de sistematizar experiências alternati-vas de gestão que contemplem os aspectos técnicos epolíticos;

• a busca de um equilíbrio entre as dimensões econômi-co-financeira, institucional-administrativa esociopolítica;

• as referências teóricas e metodológicas que poderiamajudar a melhor compreender os processos políticos eadministrativos estudados, como é caso, por exemplo,do neo-institucionalismo e da teoria das redes interor-ganizacionais.

Entre esses pontos, consideramos que atualmente oselementos mais críticos no estudo do Estado, governoe políticas públicas são as questões teóricas e metodo-lógicas, pois a produção acadêmica ainda se encontrabastante fragmentada e não aponta eixos analíticosmuito claros para a orientação das pesquisas.

Com este artigo também tentamos defender que aAdministração Pública tem uma lógica própria, re-querendo o desenvolvimento de técnicas de gestãoadequadas, além de uma formação específica para osgestores públicos. Isso desafia os governantes e pes-quisadores a realizarem uma combinação entre a ad-ministração e a política, humanizando o managemente preservando o caráter crítico das ciências sociais.Dessa forma, ainda que o movimento gerencialistatenha tomado para si a intenção de fundar uma novaadministração pública, esse é ainda um projeto emconstrução.

Aliás, a disputa pelo rótulo “nova administraçãopública” é antiga: há cerca de 30 anos Guerreiro Ra-mos (1970) já discutia essa questão e nos dava a res-posta que hoje buscamos. A “nova administraçãopública” é aquilo que cotidianamente ignoramoscomo administradores públicos, sendo essencialmen-te não-prescritiva e se orientando para o curso deações e necessidades dos cidadãos em um dado mo-mento, evitando os enfoques normativos e subordi-nando a teoria das organizações à teoria do desen-volvimento humano. Em outras palavras, a nova ad-ministração pública está sempre sendo reinventada,e enquanto houver vitalidade democrática permane-cerá como um projeto inacabado.

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NOTA

Uma versão preliminar deste artigo foi laureada com o Saint GallenAcademic Club Award 2003, prêmio concedido pela Universidade de SaintGallen, Suíça.

AGRADECIMENTO

Gostaria de externar meus agradecimentos ao saudoso professor Fernan-do Cláudio Prestes Motta cuja contribuição foi fundamental para o desen-volvimento do artigo.

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ANA PAULA PAES DE PAULA

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Artigo recebido em 28.07.2003. Aprovado em 09.12.2004.

Ana Paula Paes de PaulaProfessora Adjunta do CEPEAD – UFMG. Pós-Doutoranda na FGV-EAESP.Interesses de pesquisa nas áreas de organização, gestão pública, ensino e pesquisa em Administração.E-mail: [email protected]ço: Avenida Nossa Senhora de Fátima, 805, ap. 41, bloco Jalisco, Taquaral, Campinas – SP, 13090-000.

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