Upload
flavia-silva
View
207
Download
9
Embed Size (px)
Citation preview
38 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Maria Fernanda Diniz Avidos e
Lucas Tadeu Ferreira
impacto da biotecnologia, hoje, na sociedade ocorre
de forma irreversível, já que o seu papel na agricultu-
ra sustentável é o de contribuir para o desenvolvimen-
to de novas variedades melhoradas e mais produtivas,
e que exibam resistência aos estresses ambientais e auxiliem na
recuperação e manutenção do meio ambiente, diminuindo a
necessidade de insumos agrícolas e de novas áreas agricultáveis.
Além disso, a importância socioeconômica da biotecnologia
pode ser ilustrada pelo valor associado ao seu mercado mundial,
estimado em torno de 50 bilhões de dólares. Somente na agricul-
tura, o mercado potencial é de 30 bilhões de dólares.
Os Estados Unidos dominam esse mercado, com o maior
número de produtos geneticamente modificados lançados co-
mercialmente no mundo, além de ter grande quantidade de
instituições com especialistas em pesquisa e desenvolvimento
atuando nessa área e de investir maciçamente em biotecnologia,
especialmente na área vegetal.
Para falar do estágio da biotecnologia nos EUA, e de suas
relações com outros países, o representante do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos - USDA, em Riverdale, Maryland,
Quentin B. Kubicek, que trabalha no Animal and Plant Health
Inspection Service - APHIS/ PPQ - Plant Protection and
Quarantine, concedeu esta entrevista à Revista Biotecnologia
Ciência & Desenvolvimento.
Durante a entrevista, Kubicek ressaltou a importância que os
EUA dão à biotecnologia e falou de assuntos referentes à percep-
ção da opinião pública, do mercado, da pesquisa, do desenvol-
vimento de biotecnologias e do interesse daquele país em
incrementar parcerias com o Brasil nesse campo.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvi-
mento - A agricultura tradicional tem
dado respostas razoáveis ao aumento
da produção, da produtividade e da
qualidade dos alimentos. Contudo, o
uso inadequado de insumos agrícolas
vem apresentando riscos ao meio
ambiente. O senhor acredita que a
biotecnologia, que vem sendo
incrementada na última década, é ca-
paz de viabilizar o aumento da produ-
ção e melhorar a qualidade dos ali-
mentos, sem agredir o meio ambiente?
Kubicek - Sim. Eu creio que sim. Aagricultura tradicional tem-se mostradoeficiente, mas, em alguns casos, houveabuso no uso de insumos agrícolas. Épossível que a engenharia genética crieplantas que necessitem de menor quan-tidade desses produtos ou que permitamo uso de herbicidas menos danosos. Euacredito ser possível proteger o ambientecom esse tipo de planta e melhorar a
qualidade dos alimentos, como, porexemplo, milho com maior e melhor teorde proteínas, óleo de soja de melhorqualidade etc.
BC&D - Com a biotecnologia, o senhor
acha que é possível aumentar a produ-
ção e a produtividade agrícola sem
expandir a área cultivada?
Kubicek - Sim. É possível. A biotecnologiatem um potencial inesgotável de ferra-mentas para promover o incrementoagrícola. Entretanto, existem outras ma-neiras de aumentar a produção agrícolanas fases de colheita, de pós-colheita ede armazenamento, já que as perdasnessas etapas, dependendo das culturas,podem ser muito expressivas, pois osgrãos armazenados ficam sujeitos aoataque de roedores, insetos, microrga-nismos e de muitas outras pragas. Por-tanto, há muitas maneiras de aumentar aprodução, sem que, necessariamente,sejam utilizadas técnicas de engenhariagenética e a expansão da área cultivada.Não se deve ver a biotecnologia como asalvação da lavoura. Outra maneira ain-da de aumentar a quantidade de alimen-tos é evitando o desperdício. É comumpessoas, nos restaurantes, deixarem res-tos de comida que são jogados no lixo.Isso é um absurdo. As pessoas têm quese conscientizar da importância de evitaro desperdício de alimentos.
BC&D - Como está a situação da
biotecnologia, hoje, nos EUA, em ter-
mos de pesquisa básica e aplicada com
animais, vegetais e microrganismos?
Kubicek - A biotecnologia, hoje, nosEUA, está mais avançada em plantas doque em animais. Com plantas, já háprodutos sendo comercializados e, com
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 39
animais, por enquanto, só existem pro-messas. Muitas técnicas avançadas estãosendo desenvolvidas também com mi-crorganismos, para melhorar a agricultu-ra. No entanto, não há ainda muitosprodutos microbianos.
BC&D - O senhor saberia dizer quantos
produtos transgênicos, ou genetica-
mente modificados, já estão sendo
comercializados nos EUA?
Kubicek - Há em torno de 15 produtosgenet icamente modif icados sendocomercializados, atualmente, nos EUA,como a soja transgênica resistente aherbicida, várias espécies de milho comBt (Bacillus thuringiensis) resistentes ainsetos, algumas variedades de tomatesresistentes a insetos e a herbicidas, bata-tas com resistência a vírus, canola (colza)com melhor qualidade de óleo e resis-tente a herbicidas, entre outros.
BC&D - Como é a aceitação dos produ-
tos geneticamente modificados pelo
consumidor norte-americano?
Kubicek - Esses produtos começaram aentrar no mercado americano no ano de1996. O primeiro produto lançado foi o
tomate FLAVR-SAVR, que foi modificadopor técnicas de engenharia genética pararetardar o seu amadurecimento pós-co-lheita. Logo que surgiu no mercado,houve tanta demanda por parte dosconsumidores em relação a esse tomate,por ser novidade, que a empresa produ-tora teve dificuldades de atendê-la. Hoje,esse tomate já faz parte do cotidiano dosconsumidores.
BC&D - O FLAVR-SAVR é vendido por
um preço maior do que o tomate co-
mum?
Kubicek - No início, era decisão dacompanhia produtora elevar o preçodesse tomate, de forma a obter maiorretorno para investir mais recursos naspesquisas e conhecimento do produto.Hoje, como o consumidor se orientaprincipalmente pelo preço, o FLAVR-SAVR compete com os demais tomatesno mercado, com uma diferença a maisno preço de cerca de 25%.
"A agricultura tradicionaltem-se mostrado eficiente,
mas, em alguns casoshouve abuso no uso de
insumos agrícolas. É possí-vel que a engenharia
genética crie plantas quenecessitem de menor quan-tidade desses produtos ou
que permitam o uso deherbicidas menos danosos"
Tomate longa-vida
40 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
BC&D - Os produtos transgênicos
comercializados possuem algum tipo
de selo de identificação para informar
o consumidor que são geneticamente
modificados?
Kubicek - Não. Não é um requisito legalnos EUA. Todos os produtos que sãocomercializados, independentemente deserem transgênicos ou não, têm queconter selo de identificação, quandoapresentarem alterações nutricionais e
vitamínicas, ou quando contiverem prin-cípios alergênicos. No caso do tomateFLAVR-SAVR, o selo era uma estratégiade marketing da companhia produtorapara atrair maior número de consumido-res.
BC&D - O governo americano desen-
volveu alguma campanha de
conscientização da população para
aceitação de produtos geneticamente
modificados?
Kubicek - Não houve nenhuma campa-nha por parte do governo, e sim porparte das empresas interessadas, quedestacam a segurança biológica dos pro-dutos quanto ao meio ambiente e àsaúde da população. Por outro lado, hámovimentos organizados que aconse-lham a população a não consumir pro-dutos biotecnológicos, alegando que nin-guém sabe o que podem causar ao serhumano e ao meio ambiente. Entretanto,hoje, nos EUA, o número de pessoasfavoráveis à biotecnologia é maior doque o número de descontentes. O gover-no americano não se envolve com isso.É uma questão de mercado. Antes dechegar ao mercado, esses produtos têmque passar primeiro pelo USDA e depoispelo FDA - Food and Drug Administrationou pelo EPA - Environmental ProtectionAgency, que são órgãos muito rigorososquanto ao controle de alimentos e medi-camentos. A população norte-americanaconfia nessas instituições e na legislação
dos EUA.
BC&D - No Brasil existe a Lei de
Biossegurança, a qual constituiu a Co-
missão Técnica Nacional de
Biossegurança - CTNBio. Todas as ins-
tituições de pesquisas públicas e pri-
vadas que aqui atuam têm que subme-
ter seus projetos de pesquisa de
biotecnologia à aprovação do Ministé-
rio da Ciência e Tecnologia. Nos EUA, o
governo também exerce esse controle
sobre as pesquisas nessa área?
Kubicek - Sim. Essa atividade está dentroda Divisão de Quarentena Vegetal, doUSDA, na qual eu trabalho, que é com-posta por um grupo de especialistas,onde são avaliados os pedidos paratestes de campo e as solicitações decomercialização de produtos. O USDAse preocupa com a proteção agrícola eambiental.
BC&D - Diversas instituições governa-
mentais norte-americanas, como uni-
versidades, centros de pesquisa, fun-
dações, empresas comerciais etc. in-
vestem muito em pesquisa e no desen-
volvimento de produtos geneticamen-
te modificados. Existe, nos EUA, algu-
ma linha de crédito do governo especí-
fica para essas pesquisas, quer seja
através do aporte direto de recursos,
de incentivos e isenções fiscais, para
esses empreendimentos, ou são mera-
mente atividades de risco de mercado?
Kubicek - Sim. O USDA tem uma dotaçãofinanceira para pesquisa, da qual uma
porcentagem é apl icada embiotecnologia. Existe isenção de impos-tos para as empresas que aplicam recur-
sos diretamente nas pesquisas desenvol-vidas nas universidades, independente-mente de sua natureza. Esse incentivo jáexiste há muitos anos nos EUA.
BC&D - Assim que foi divulgada a
clonagem da ovelha Dolly, o presiden-
te dos EUA, Bill Clinton, constituiu um
grupo renomado de cientistas e pes-
quisadores para discutir os limites da
pesquisa biotecnológica com animais
e humanos. O senhor tem alguma in-
formação a respeito desse trabalho?
Kubicek - Não tenho certeza, mas achoque esse grupo foi nomeado para anali-sar somente pesquisas que envolvemseres humanos, porque a sociedade norte-americana não aceita esse tipo de pes-quisa. O presidente teve que constituiressa comissão para responder às pres-sões da sociedade. Na verdade, não hánenhuma razão científica para isso, esim razões de natureza sociológica. Po-rém, a técnica usada na ovelha Dollypode ser usada perfeitamente em huma-nos, o que não é desejado nem pelogoverno e nem pela sociedade.
BC&D - Qual a sua opinião pessoal
sobre essa questão? O senhor acha que
o cientista e a ciência devem ser livres
para avançar no conhecimento ou deve
haver algum tipo de restrição?
Kubicek - Em relação à pesquisa básica,eu creio que não deve haver nenhumtipo de restrição, mas quanto à pesquisaaplicada em humanos, não estou segurose deve haver ou não. Mas estou convic-to de que não se deve clonar sereshumanos.
BC&D - A clonagem de animais desper-
tou nas sociedades americana, euro-
péia e de vários outros países reações
diversas, inclusive de temor aos clones.
Como o senhor vê essa questão?
Kubicek - Na verdade, eu creio que asociedade civil de todos os países nãoentende a ciência. As pessoas, de um
"A biotecnologia tem umpotencial inesgotável de
ferramentas para promovero incremento agrícola."
"As pessoas têm que seconscientizar da impor-
tância de evitar o desperdí-cio de alimentos."
"Há em torno de 15 produtosgeneticamente modificados
sendo comercializadosatualmente, nos EUA".
"Todos os produtos que sãocomercializados, indepen-
dentemente de seremtransgênicos ou não, têmque conter selo de identifi-cação, quando apresenta-
rem alteraçõesnutricionais e vitamínicas,
ou quando contiveremprincípios alergênicos."
"A técnica usada na ovelhaDolly pode ser usada
perfeitamente em humanos, oque não é desejado nem pelo
governo e nem pelasociedade."
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 41
modo geral, são leigas e, geralmente,temem aquilo que não entendem. Alémdisso, os cientistas falam demais e pro-metem muito mais do que têm paraoferecer. Preconizam que a biotecnologiaé a tábua de salvação do mundo e asolução de muitas doenças, como o
câncer e outras. Dizem muitas coisas,sem apresentar resultados. Como a soci-edade não está devidamente informadasobre os avanços da ciência, o medo éuma reação normal.
BC&D - Os EUA são centro de origem de
diversas espécies silvestres, e a intro-
dução de produtos transgênicos pró-
ximos a essas espécies nativas pode
provocar cruzamentos através da
polinização por insetos. Que medidas
o USDA adota para evitar esses cruza-
mentos?
Kubicek - Sabemos que a plantatransgênica está exposta a esses cruza-mentos e que, com o tempo, teoricamen-te isso vai ocorrer. Entretanto, o riscopara o meio ambiente é o mesmo complantas obtidas a partir do melhoramen-to genético clássico, ou com plantastransgênicas. Até o momento, não hánenhuma planta transgênica que tenhaparentes silvestres nos EUA. O primeiroé o girassol, que está sendo testado empequena escala, mas que brevementeentrará em processo de comercialização.Antes, porém, serão feitas todas as ava-liações técnicas pertinentes.
BC&D - Como é a legislação americana,
hoje, para regulamentar o trânsito e a
troca de material genético com outros
países?
Kubicek - O trânsito de germoplasma élivre. A única coisa que esperamos é areciprocidade por parte dos outros paí-ses na troca de material genético, quan-do se trata de instituições e de laborató-rios do governo federal.
BC&D - Não dá para falar em produtos
biotecnológicos sem mencionar as leis
de propriedade industrial e de paten-
tes. Por quanto tempo a legislação
americana protege as patentes?
Kubicek - Essa não é a minha especiali-dade, portanto, posso cometer impreci-sões, mas eu creio que as patentes, nos
EUA, são válidas por 17 anos. Comrespeito a plantas, há dois sistemas dife-rentes: proteção de patentes e lei deproteção de cultivares. Apesar de não seressa a minha especialidade, eu sei que émuito importante que todos os paísestenham seus sistemas de proteção depatentes e de cultivares.
BC&D - O governo americano já negou
autorização para a comercialização de
algum produto transgênico?
Kubicek - Não. Porque o processo é omesmo por que passam as demais plan-tas, ou seja, primeiro os testes são feitosem pequena escala e, depois, em áreascada vez maiores e o controle é muitorigoroso em cada etapa, até chegar aomercado. Os pr imeiros produtostransgênicos demoravam, em média, detrês a quatro anos para serem liberadospelo USDA. Hoje, esse processo duracerca de um ano. Agora, se o produto vaiter aceitação no mercado é um risco que
a empresa produtora tem que correr.
BC&D - Com quais países o governo
americano mantém maior interação
no campo da biotecnologia?
Kubicek - Em primeiro lugar, com ospaíses do acordo do NAFTA, ou seja,Canadá e México. Temos também fortesinterações com a Argentina, Chile e como Brasil, razão pela qual eu estou aqui,para conhecer a CTNBio. Agora, que oBrasil tem a Lei de Biossegurança, essainteração tende a aumentar cada vezmais. Além disso, o Brasil é um mercadomuito grande, com o qual podemostrocar informações e produtos. Na áreade pesquisa, temos trabalhado muitocom a Embrapa, principalmente no trei-namento de pesquisadores e no inter-câmbio de germoplasma, especialmentecom o Centro de Pesquisa de Milho e
"É muito importante quetodos os países tenham seus
sistemas de proteção depatentes e de cultivares."
Sorgo e com Centro Nacional de Pesqui-sa de Recursos Genéticos e Biotecnologia- Cenargen. Com os países europeus,sempre há muitas discussões, mas que,infelizmente, não se consumam. Traba-lhamos muito com a América Latina ecom o Oriente.
BC&D - Nos EUA, as instituições de
pesquisa têm seus próprios comitês
de biossegurança?
Kubicek - Sim. Nos EUA, as companhiase as universidades que recebem financi-amento do governo para pesquisas têmque, obrigatoriamente, constituir seuscomitês de biossegurança, para avaliar
os projetos de pesquisa de biotecnologiaem todas as suas etapas, os quais sãosimilares aos do Brasil.
BC&D - Todos os produtos transgênicos
comercializados nos EUA, hoje, foram
desenvolvidos dentro das suas fron-
teiras?
Kubicek - A maioria, sim. Mas, em todosos produtos desenvolvidos há influênciade outros países, porque é difícil estabe-lecer a origem do conhecimento emcada etapa do processo de produção. Aciência nunca é exclusiva de qualquerpaís, já que o conhecimento é cumulati-vo e remonta a outras épocas e séculos.Quem inventou os números que permi-tem os cálculos foram os árabes, hámuitos séculos passados. Cada vez mais,os países são forçados a buscar coope-ração e parceria e a abrir seus mercados.
BC&D - O governo norte-americano faz
alguma restrição específica a produ-
tos geneticamente modificados desen-
volvidos em outros países e que quei-
ram entrar no mercado dos EUA?
Kubicek - Não. Se os produtostransgênicos foram desenvolvidos se-guindo os mesmos protocolos america-nos, não há nenhum problema. No casode produtos agroindustriais, como, porexemplo, os enlatados, podem entrardiretamente no mercado. Com relaçãoaos produtos in natura, eles têm quepassar pelos procedimentosquarentenários vigentes nos EUA e quevalem para qualquer cultura ou produto,independentemente de seremtransgênicos ou não.
"Hoje, nos EUA, o número depessoas favoráveis à
biotecnologia é maior do queo número de descontentes."
"Na área de pesquisa, temostrabalhado muito com a
Embrapa, principalmente notreinamento de
pesquisadores e nointercâmbio de
germoplasma, especialmentecom o Centro de Pesquisa deMilho e Sorgo e com Centro
Nacional de Pesquisa deRecursos Genéticos e
Biotecnologia - Cenargen."