Papel Dos Media Ajuda Humanitaria

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    Sofia Aureliano

    O papel dos media na

    mobilizao da sociedade civilpara a ajuda humanitria

    2004

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    ndice

    1 Enquadramento temtico 9

    2 Enquadramento metodolgico 25

    3 O caso de Timor-Leste 35

    4 O Quarto Poder 47

    5 A responsabilidade do jornalista 57

    6 As organizaes no governamentais 69

    7 Concluses 79

    8 Bibliografia 83

    9 Anexos 85

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    Tese de Licenciatura apresentada no curso de ComunicaoSocial do Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas da

    Universidade Tcnica de Lisboa. Ano lectivo 2003/2004.

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    Agradecimentos

    "Sometimes our light goes out but is blown into flame by anotherhuman being. Each of us owes deepest thanks to those who have

    rekindled this light."Albert Schweitzer

    Este trabalho o resultado de um esforo pessoal que no teriasido possvel sem o apoio, a colaborao e a ajuda de algumaspessoas. O meu Muito Obrigada:

    ao Professor Doutor Manuel Meirinho, pela orientao detodo o meu trabalho, pelo apoio na tomada de decises e pelamoderao do meu colquio;

    Sofia Branco, Susana Sousa, Dra. Madalena MaralGrilo, ao Dr. Jos Miguel Costa e ao Henrique Botequilha, porterem aceite participar no meu colquio, e por darem fundamentoao meu trabalho com os seus testemunhos;

    s minhas colegas de curso e amigas Carina, Mariana, Sarae Vera pelas constantes palavras de conforto e por colaborarem

    nos trabalhos forados; Nestl, guas de Monchique, SA, Fundao AMI,

    Revista Frum DC, florista Jardim das Amoreiras, Dan Cake, Formoprinte e ao Banco Totta, por patrocinarem o meu colquio.

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    Introduo

    O trabalho O Papel dos Media na Mobilizao da Sociedade Ci-vil para a Ajuda Humanitria realiza-se no mbito da cadeira deSeminrio, do 4o ano da Licenciatura em Comunicao Social doInstituto Superior de Cincias Sociais e Polticas da UniversidadeTcnica de Lisboa.

    A escolha deste tema est relacionada com a consciencializa-o da importncia de situar os media dentro de um quadro devalores, analisando as suas funes e os seus diferentes papis,para mais tarde considerar qual a sua importncia nos temposque correm. Todos estes objectivos seriam impossveis de con-cretizar num trabalho s, por isso, optou-se por restringir a an-lise a um papel especfico dos meios de comunicao social comopotenciais mobilizadores da sociedade civil.

    O problema de investigao deste trabalho : Qual o pa-pel dos Media na Mobilizao da Sociedade Civil para a Ajuda

    Humanitria? E as hipteses formuladas inicialmente foram asseguintes: a) os media tm poder para mobilizar a sociedade civilpara a ajuda humanitria e para as questes de direitos humanos;b) o caso de Timor-Leste a prova de que esse poder existe; c)As empresas jornalsticas no tratam os temas de direitos huma-nos e ajuda humanitria porque no se incluem nos critrios denoticiabilidade.

    Estas hipteses iram ser refutadas ou confirmadas ao longodeste trabalho de investigao; e certamente surgiro outras con-cluses que,a priori, com o desconhecimento natural de quem seinicia na explorao de um tema, no seriam possveis de equaci-onar.

    Este trabalho pretende ser um contributo para o desenvolvi-mento da temtica da relao dos meios de comunicao socialcom questes humanitrias, sem a pretenso de querer mudar omundo, mas de provocar pequenos problemas de conscincia.

    Para agir, por vezes, basta que a nossa ateno seja captada

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    e se concentre em temas que, a olho nu, j tnhamos olhado masnunca visto.

    E esta a melhor altura para sonhar, quando se est prestesa dar o salto mais decisivo da recm-chegada idade adulta: daescola para o mercado de trabalho; da teoria para a prtica (umapassagem que certamente dar muitas dores de cabea).

    Quando mais, seno agora, se conseguir acreditar que os jor-

    nalistas podem fazer a diferena, contrariar as lgicas de mercadoe os princpios da concorrncia, e dar uso arma poderosa quetm nas mos: a mquina de tornar pblico. tempo de acreditarna mudana e, pela ltima vez, na possibilidade de seguir os maisnobres objectivos, sem ter o peso nos ombros de ter de sobreviverprofissionalmente.

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    Captulo 1

    Enquadramento temtico

    Cada vez mais se pem em curso diversas investigaes como objectivo de definir os papis dos media, e tentar acompanhar oalargamento exponencial do seu campo de aco.

    Por outro lado, a temtica da ajuda humanitria e dos direitoshumanos tem vindo a ser cada vez mais levada para a mesa de de-bate, em sucessivas tentativas de se encontrarem novos recursos,novas formas de agir.

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    Na perspectiva de cruzar as duas linhas de anlise, e de reflec-tir sobre o crescente envolvimento dos media nas questes dosdireitos humanos, considera-se importante reflectir sobre o papeldos media na mobilizao da sociedade civil para a ajuda huma-nitria.

    Os Direitos Humanos so para todos, em todos os tempos e emtodos os lugares, defendem alguns autores, como Maurice Crans-

    ton. So, pois, os direitos e liberdades reconhecidos nas declara-es e tratados internacionais universais, indivisveis, interdepen-dentes e interrelacionados, devendo ser tratados globalmente pelacomunidade internacional. No entanto, houve sempre divergnciasobre o alcance das normas enunciadoras de direitos fundamentaisdo Homem, debatendo-se se tais direitos so mesmo universais ouse seriam relativos. Para os universalistas os direitos humanos sode todos, para todos, em todos os tempos e lugares. Os relativistaspreferem-nos relacionados ao sistema poltico, econmico, cultu-ral, social e moral vigente em cada sociedade.

    Como acontecia no passado, e podemos citar o exemplo dafrica do Sul, com o appartheid, persistem, no presente, resis-tncias universalizao, agora exigida pela comunidade mun-dial reunida em Viena, como o caso do islamismo e hinduismo,mencionados por Flvia Piovesan1.

    Apesar dessa resistncia residual, acredita-se que uma culturaglobal dos direitos humanos dever prevalecer efectivamente.

    Ser que os media podem antecipar a emancipao dessa cul-tura global? E estaro os media dispostos a utilizar os meios deque dispem para mobilizar para a aco humanitria? So estas

    as questes a que me proponho responder, com este trabalho deinvestigao.

    1 PIOVESAN, Flvia,Temas de Direitos Humanos, Editora Max Limonad,So Paulo, 2003

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    a) Os media

    A palavraMediadeve ser entendida, ao longo de todo este tra-balho, como sinnimo de meios de comunicao de massa. Orecurso aMediae no ao que aqui se entende como o seu signi-ficado foi uma tentativa de facilitar a leitura e o entendimento dotema deste trabalho, uma vez que se entende que esta relao b-

    via para todos. A palavra engloba, assim, o conjunto de todos osmeios de comunicao de massas existentes: televiso, imprensa,rdio e internet.

    O entendimento dos meios de comunicao como conducen-tes s massas no de sempre. Os primeiros passos a esse n-vel foram dados por Harold Lasswell (1902 1978), em 1927,com a publicao dePropaganda Techniques in The World War.Esta obra trata das lies da primeira grande guerra e expe osmeios de comunicao como instrumentos indispensveis ges-to governamental das opinies pblicas2. Lasswell defendia que

    a propaganda era o nico meio de suscitar a adeso das massas, epodia ser utilizado para os bons ou para os maus fins, e a audin-cia encarada como um alvo amorfo que obedece cegamente aoesquema estmulo/resposta3.Aqui se comea a delinear a teoriada fora dos meios de comunicao social, como quase omnipo-tentes e aqui nasce a ideia de um poder inquestionvel mas aindasem nmero.

    O poder dos meios de comunicao incomensurvel. Umainformao verdadeira ou falsa, manipulada ou factual, tornadapblica assume um ritmo prprio e imparvel, e nunca mais po-der ser totalmente apagada. Podemos desmentir, corrigir ou al-terar, mas a informao no pode ser morta.

    A fora da palavra escrita, desde a criao da imprensa comGutenberg, provocou nos principais grupos sociais, econmicos,

    2 LASSWELL, Harold, Propaganda Techniques in the World War, Cam-bridge, London, 1971

    3 MATTELART, Armand e Michle, Histria das Teorias da Comunica-o, Campo das Letras, Porto, 1997

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    polticos e religiosos o maior dos interesses. Todos eles percebe-ram rapidamente o poder dos meios de comunicao de massas ea possibilidade nica que ofereciam para difundir uma mensageme controlar, muitas vezes atravs da manipulao da comunicao,as audincias4.

    Nos anos setenta, Elihu Katz e Jay G. Blumler decidiram, luz da perspectiva da sociologia funcionalista, colocar a questo:

    O que que as pessoas fazem dos media? (Teoria dos Usose Gratificaes). Estes dois autores concordaram que os mediadizem aquilo em que se deve pensar, fazem as funes de ummestre de cerimnias, ou ento de um quadro de afixao ondeapareceriam os problemas que devem ser debatidos numa socie-dade5.Hoje podemos traduzir este pensamento: os media fazema agenda. Como Bernard Cohen disse, em 1963, a imprensa podeno ser, a maior parte das vezes, bem sucedida a dizer s pessoaso que pensar, mas espantosamente bem sucedida a dizer aos lei-tores sobre o que pensar6. nesta ideia que iremos centrar todo

    este trabalho, perguntando se os media tm ou no meios paramobilizar a sociedade civil. E se tem, como se determina paraque fins os devem utilizar.

    Este trabalho vai debruar-se, na maioria das vezes, sobreuma parte dos meios de comunicao de massas: a informao.A opo pela utilizao da palavra Media em vez de blocosinformativos ou de telejornais e notcias tem a ver com ofacto de existirem outros campos para alm do jornalstico quepodem efectivamente ter um papel na mobilizao da sociedadecivil. Quando analisamos a relao das Organizaes No Go-

    vernamentais com os meios de comunicao social, falamos, por4 JUNQUEIRO, Raul,A Idade do Conhecimento: A Nova Era Digital, Edi-

    torial Notcias, Lisboa, 20025 MATTELART, Armand e Michle, Histria das Teorias da Comunica-

    o, Campo das Letras, Porto, 19976 DEARING, James e ROGERS, Everett,Agenda-Setting, SAGE Publica-

    tions, London, 1996

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    exemplo, das campanhas das ONGS que so divulgados pelos me-dia em forma de anncios e no com tratamento jornalstico.

    b) As ONGs

    As Organizaes no Governamentais, conhecidas como ONG,

    so instituies independentes e autnomas, criadas, na maiorparte das vezes, com o objectivo de desenvolver actividades desolidariedade, cooperao e apoio ao desenvolvimento de pasesou comunidades mais pobres. So associaes sem fins lucrati-vos, cujo nico propsito ajudar os mais desfavorecidos, es-cala mundial.

    A realidade actual no reflecte o percurso histrico das ONGnem o caminho, por vezes bastante difcil e solitrio, percorridopor estas instituies para conseguirem realizar os fins a que, aolongo do tempo, se propuseram.

    A emergncia das ONG identificvel, em termos histricos,quer no espao como no tempo. O primeiro palco foi o conti-nente europeu (visto que foi sempre o continente mais desenvol-vido, logo, mais dotado de recursos para poder ajudar os povosmais pobres). As ONG nasceram no seio de grandes movimen-taes, predominantemente reivindicativas, em meados do sculoXIX, como reaco acesa falta de condies econmicas, so-ciais e polticas que predominava. A classe operria sofria asgraves consequncias da recesso e crescia a cada ano a neces-sidade de criao de associaes de luta contra a pobreza e dedefesa dos direitos e garantias dos trabalhadores. Nasceram as-sim as primeiras associaes de protesto contra a desigualdadesocial e respeito pelos direitos fundamentais do Homem, que ti-nham tambm fins mais especficos como a assistncia imediataaos mais carenciados. J nesta altura era exigido o devido distan-ciamento do Estado (visto como o principal causador do cenriode crise que se vivia) e a independncia das restantes instituiesestatais. O preo a pagar pela liberdade ideolgica era a falta de

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    apoio e os escassos recursos com que estas associaes tinhamque sobreviver. Mesmo assim, margem do poder institudo (e,por vezes, claramente contra ele), estas organizaes foram cres-cendo e multiplicando-se, tendo sido grande a sua emergncia empases como a Inglaterra, a Frana e a Alemanha.

    A ajuda humanitria praticada pelas ONG - e tambm pelasassociaes religiosas que, para alm de espalharem a f, tinham

    como propsito algumas aces de caridade e apoio a vtimas estendeu-se aos territrios africanos com a ajuda da ocupao co-lonial. Em 1863, nasceu a Cruz Vermelha, um movimento laicode inspirao crist com sede em Genebra, que ainda hoje umadas maiores organizaes a prestar assistncia a nvel mundial. E,em 1897, institui-se a Caritas, na Alemanha, que em 1950 viria atransformar-se na Caritas Internacional.

    Estas duas instituies, bem como o Exrcito da Salvao (cri-ado em 1865, em Londres) e o Conselho Ecumnico das Igrejas(que nasceu em 1948, em Amsterdo) foram as primeiras ONG

    de que se teve conhecimento, todas elas com interveno no m-bito da ajuda humanitria e cooperao para o desenvolvimento ecujos limites de aco eram (e ainda so) escala planetria.

    A Ia Guerra Mundial, no foi, ao contrrio do que se possapensar, determinante a nvel da proliferao histrica das ONG,mas a IIa Guerra Mundial marcou, certamente, essa diferena.Em poucos anos, nasceram enumeras associaes de ajuda huma-nitria, inicialmente centradas no apoio Europa Ocidental (par-cialmente devastada pela Grande Guerra e por outros conflitosarmados), como o caso da Oxfam (1942), da Catholic Relief

    Service (1943), e da CARE American Co-Operative Agency forRelief Everywher (1945).No incio da dcada de 50, o contexto politico-ideolgico da

    Europa comea a favorecer a criao de ONG e o trabalho desen-volvido por estas instituies. Emergem preocupaes de ordemsocial e econmica e tambm ao nvel da defesa dos direitos fun-damentais, que se iram consubstanciar, muitas vezes, na existn-cia de associaes de interveno humanitria. Os movimentos

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    ideolgicos apoiam a instrumentalizao das ONG j existentese incentivam criao de outras. tambm nesta altura que ofenmeno ONG comea a ganhar forma fora da Europa, essen-cialmente nos Estados Unidos da Amrica e no Canad, e, maistarde, em frica, na sia e na Amrica Latina.

    O trabalho das ONG tornou-se cada vez mais central, quer naresoluo de conflitos, como foras intermedirias ou moderado-

    ras, quer no mbito social, mais ligado aos princpios fundamen-tais da fundao inicial destas associaes, de apoio aos mais ca-renciados. Os anos 80 foram considerados o decnio das ONGD,sendo nesta dcada a sua aco reconhecida e ficando, a partirda, sublinhados a importncia e o potencial destas instituies.Na dcada de 60 o modelo de organizao das ONG assentavana interveno, na captao dos recursos para enfrentar proble-mas sociais como a pobreza e as dificuldades de desenvolvimento.Vinte anos mais tarde, o modelo a seguir era outro: a aposta naparticipao activa dos afectados que transformava as ONG em

    organizaes de presso poltica. Para que estas instituies con-sigam ser novos actores polticos, exige-se a total independnciados poderes poltico e econmicos e de qualquer outro poder insti-tudo tambm dos Media, se puderem ser considerados o quartopoder). Esta distncia nem sempre conseguida, at porque osegundo grande requisito para transformar as ONG em actorespolticos a de conquistar um forte apoio da sociedade civil. Essafora e legitimidade s se conseguem com a interaco das ONGcom os Media e tambm com os outros poderes, caso contrrio, avisibilidade das suas aces no mais do que permitida. Est nas

    mos da opinio pblica apoiar as causas defendidas pelas ONGe transform-las em presses polticas dotadas de coerncia e l-gica. Mas antes, est nas mos dos Media permitir que as ONGtenham a visibilidade necessria para contagiar a opinio pblica.

    Consegue delinear-se imediatamente aqui uma corrente de va-lores que no deturpa qualquer tentativa de independncia que asONG possam aclamar. Seria talvez desejvel que, para evitaremum confronto ideolgico, as ONG conseguissem tornar-se apol-

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    ticas. No entanto, esse ideal no pode passar disso, porque im-possvel contribuir para a educao, para o desenvolvimento, paraa defesa e garantia dos direitos fundamentais, para a luta contra osflagelos sociais desprovido de uma associao poltica, ideolo-gia e presso (sobre quem no segue as regras e prefere ignorara realidade).

    O mundo das ONG muito mais amplo e complexo do que

    se imagina. As suas prticas so muito controladas e paira so-bre estas instituies um certo nvel de desconfiana. Este factobaseia-se, porventura, na forma de pensar na maioria das pessoas: mais fcil acreditar que algum faz o mal do que crer nas boasprticas. As ONG so frequentemente acusadas de serem poderesno democrticos e no fiscalizados, dada a grande credibilidadeque a opinio pblica lhes confere. A sua legitimidade advmessencialmente do apoio da opinio pblica democrtica (o queparece paradoxal, j que tambm a opinio pblica ou partedela que coloca sobre o trabalho das ONG a tal desconfiana).

    Actualmente, existem milhares de ONG espalhadas pelo Mun-do, e discutem-se outras problemticas para alm do seu reconhe-cimento: as suas relaes com os estados e governos, que modi-ficam a sua actuao e a forma como so vistas no exterior; e osmaiores investimentos que hoje se fazem passam por criar estra-tgias de interveno eficazes, capazes de responder ao ttulo deforas transnacionais que as ONG hoje possuem.

    Existem diferenas na actuao das Organizaes No Gover-namentais, dependendo dos fins a que estas se propem. Interessa,essencialmente, distinguir dois plos distintos de aco que, no

    entanto, por vezes se cruzam: A Ajuda Humanitria de Emergn-cia e a Cooperao Para o Desenvolvimento.Por Ajuda Humanitria de Emergncia deve entender-se a ten-

    tativa de diminuir o sofrimento de seres humanos vtimas da fome,da guerra ou de outras catstrofes naturais e humanas, atravs dapreservao da vida dentro do respeito pela dignidade humana.A Ajuda Humanitria de Emergncia aparece como o primeiropasso a ser dado na resoluo de situaes de injustia ou desres-

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    peito pela pessoa humana. O incio de um longo caminho a per-correr para recolocar o Homem no centro da sua aco e dot-lode capacidades para fazer as suas prprias escolhas. As ONG quepromovem este tipo de aces no querem salvar o mundo ou de-fender quaisquer interesses. Visam, essencialmente, salvaguardaro respeito e promover a justia entre seres humanos objectivosque, naturalmente, levam muito tempo a conseguir.

    A Cooperao para o Desenvolvimento actua a outro nvel.Destina-se a apoiar comunidades ou pases que vivem dificulda-des, baseando-se numa lgica de distribuio justa de recursos eoportunidades. As ONG que promovem este fim vem na coo-perao um espao aberto partilha de bens, valores, recursosmateriais e espirituais prprios de cada povo, que deve ser o frutode uma solidariedade recproca entre povos. A sua actuao spode ser entendida numa lgica a longo prazo, com efeitos vis-veis apenas com o decorrer do tempo.

    Os legisladores de vrios pases reconheceram a importncia

    das organizaes no governamentais de cooperao para o de-senvolvimento e decidiram regular a sua actuao, preservandosempre a sua independncia do Estado. Em Portugal, est actu-almente em vigor a Lei n.o 66/98 de 14 de Outubro, que defineo mbito, o objecto e a natureza jurdica das ONGD. O art.o 11o,n.o 5 prev o apoio do Estado s ONGD, mas garante que esseapoio no pode constituir limitao ao direito de livre actuaodas ONGD.

    Em 1985, foi criada em Portugal a Plataforma Portuguesa, queconsiste na unio de Organizaes No Governamentais de Coo-

    perao para o Desenvolvimento (ONGD), e que visa ser um elode ligao entre as instituies, a sociedade civil, os rgos desoberania e outras instituies (como os Meios de ComunicaoSocial). Esta unio pretende potenciar as aces para um mundomelhor e tornar cada vez mais global a actuao solidria. Actual-mente, fazem parte da Plataforma Portuguesa 49 ONGD, de fins eobjectivos muito heterogneos. Dentro das actividades promovi-das pela Plataforma Portuguesa esto a sensibilizao da opinio

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    pblica e a formao para aces de solidariedade social; a parti-cipao e organizao de conferncias internacionais sobre o pa-pel e a actuao das ONGD; a promoo de polticas de desenvol-vimento e a disseminao da informao e de publicaes sobreestas instituies e a sua actuao (como o Guia das ONGD).

    c) A sociedade civilO conceito de sociedade civil evoluiu muito ao longo do tempo.Historicamente, e remetendo para a poca do Renascimento, as-sistimos a uma definio de sociedade civil por oposio a socie-dade natural, significando a existncia de uma comunidade orga-nizada a nvel social, poltico e econmico, e regida pela razo.

    Vrios autores definiram o conceito. John Locke inclui o Es-tado como requisito de existncia de sociedade civil e fazia-a de-pender consequentemente do ordenamento poltico-social de um

    territrio. Hegel defendia sociedade civil como um espao socialsituado entre a Famlia e o Estado. Adam Smith retirava da defi-nio a Famlia e colocava o Mercado, definindo sociedade civilcomo o todo que era socialmente construdo dentro das duas figu-ras.

    Franois Hartout7 defende que, actualmente, a noo de so-ciedade civil pode dividir-se em trs concepes: a concepoburguesa; a concepo anglica; e a concepo analtica ou popu-lar8.

    A concepo burguesa defende que a sociedade civil o lugarde desenvolvimento das potencialidades do indivduo e dos es-pao do exerccio das liberdades. Como pivots desta sociedade ci-vil, a concepo burguesa destaca a empresa, mas identifica ainda

    7 Professor Emrito da Universidade Catlica de Louvain-la-Neuve e Di-rector do Centro Tricontinental, na Blgica.

    8 HOUTART, Franois, Socit Civile et Espace Public, artigo apresen-tado no Frum Social Mundial 2001, no Rio Grande do Norte, Brasil

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    outros protagonistas: os media, a religio e as organizaes vo-luntrias.

    Como efeito da aplicao desta concepo da sociedade ci-vil, o mercado configura o campo do consumo e o da cultura,tornando-se a norma universal do funcionamento das relaes hu-manas. Assiste-se a uma despolitizao da sociedade civil, pelapreponderncia do mercado e a crescente virtualidade da poltica.

    A concepo anglica da sociedade civil composta pelas or-ganizaes geradas pelos grupos sociais mais fragilizados, pelasONG, pelas instituies de interesse comum. definida como aorganizao de indivduos agrupados em estratos, reivindicandoum lugar no seio da sociedade. Esta concepo pode, por isso,conduzir os combates sociais ao denunciar as falhas e os abusosdo sistema. No entanto, no existe uma unio que permite exercera resistncia organizada, o que faz com que esta concepo alber-gue, muitas vezes, ideologias anti-estado, culturalistas e utpicas(do ponto de vista de quase desejarem a simples anarquia).

    A concepo analtica ou popular entende a sociedade civilcomo um lugar onde se produzem as desigualdades sociais, ondemuitas instituies protagonizam grandes clivagens ideolgicas.O espao pblico monopolizado pelas foras econmicas, osgrupos dominantes agem escala mundial e utilizam os Estadosno para a prossecuo dos fins da Justia ou do Bem-Estar, masantes para controlar as populaes e servir o mercado.

    Perante este cenrio importante questionarmo-nos sobre quesociedade civil devemos desejar e qual serve exactamente o m-bito deste trabalho.

    Devemos encarar a sociedade civil na perspectiva da concep-o popular, pressupondo novos requisitos para a sua actuao.A sociedade civil deve conseguir mundializar as resistncias e aslutas, unir as movimentaes (em vez de permitir a sua fragmen-tao). crucial entender a sociedade civil como um todo compotencial para agir, e coloc-la pronta para ser no dirigida masaconselhada e guiada na sua aco em nome de causas.

    No caso especfico deste trabalho, pretende-se encarar a soci-

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    edade civil como o conjunto de agentes potencialmente capazesde intervir na resoluo de conflitos, na conquista e na garantiada defesa dos direitos humanos e na mobilizao para a ajuda hu-manitria. Se assim entendermos a sociedade civil (nesta anlise,apenas como um agente espera de estmulos e no de ordens para intervir), todo este trabalho ser o de compreender de ondepode vir a motivao. Colocando-se sempre a hiptese do est-

    mulo poder ser eficazmente projectado pelos meios de comunica-o de massa.

    d) A mobilizao

    Para o socilogo colombiano Bernardo Toro9, mobilizao sig-nifica convocar vontades para actuar na busca de um propsito,com interpretaes e sentidos compartilhados. Aceitar ser mo-bilizado uma escolha individual, apenas assente na capacidade

    que cada pessoa sente ter ou no para produzir mudanas, e naresponsabilidade que sente que cada situao lhe atribui. O autoradianta ainda que a mobilizao um acto de comunicao, umavez que se trata de compartilhar interpretaes e sentidos.

    O contexto socio-econmico da Amrica Latina foi o esco-lhido por Bernardo Toro para estudar a mobilizao, j que, noseu ponto de vista, ela o nico caminho para construir uma novaforma de convivncia democrtica, baseada na cidadania e no de-senvolvimento. Foi neste enquadramento que o autor estabeleceuum conjunto de caractersticas que a mobilizao possui, que sopistas para o desenvolvimento deste trabalho.

    Assim, a mobilizao precisa de envolver um produtor so-cial. necessrio que exista uma pessoa ou entidade com au-toridade e legitimidade para servir de base a grandes mudanas.Interessa perceber se a sociedade civil que constantemente re-

    9 TORO, Bernardo, e WERNECK, Nsia Duarte, Mobilizao Social: UmModo de Construir a Democracia e a Participao, disponvel integralmenteon-line em http://www.facaparte.org.br/new/download/livro%20nisia.pdf

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    ferimos tem essa capacidade de fazer a mudana e de agir. ARevoluo dos Cravos prova que a sociedade civil um produtorsocial: conseguiu provocar a queda de um regime ditatorial, impora mudana e criar, lentamente, novas molduras sociais, econmi-cas, polticas e culturais.

    A segunda caracterstica da mobilizao, apontada por Toro, a existncia de umreeditor social10: pessoa ou entidade que,

    pelo seu papel social, ocupao ou trabalho, tem a capacidade dereadequar mensagens, segundo circunstncias e propsitos, comcredibilidade e legitimidade11 a pessoa com pblico prprioque tem poder de negar, transmitir, introduzir e criar sentidos,capaz ainda de modificar as formas de pensar e de agir do seupblico. Existe uma proximidade entre esta figura de Toro e oopinion leaderde Paul Lazarsfeld. Contudo, no algum quese limite a reproduzir contedos sem autonomia, como simplesmultiplicador. Tem um campo de aco, um campo de influncialocalizado. Os veculos de massa podem perfeitamente fazer este

    papel: a liberdade de expresso uma das grandes conquistasdemocrticas e os media traduzem a amplitude dessa conquista.Quanto legitimidade, dada pelas pessoas, pelas massas que fa-zem dos meios de comunicao essa entidade com capacidade deestimular, motivar e provocar mudanas. Existem vantagens ques os profissionais e as empresas de media possuem em qualquerprocesso mobilizatrio, em relao aos outros possveis reedito-res sociais: so altamente instrumentalizados e podem chegar smassas e no apenas a pequenos pblicos previamente definidos.

    Bernardo Toro acrescenta ainda um terceiro actor a esta tri-

    logia do processo de mobilizao: oeditor, que quem elaboraas mensagens, as divulga e permite que sejam compreendidas,

    10 Termo criado por Juan Camilo Jaramillo (1991) e posteriormente adop-tado por Bernardo Toro.

    11 TORO, Bernardo, e WERNECK, Nsia Duarte, Mobilizao Social: UmModo de Construir a Democracia e a Participao, disponvel integralmenteon-line em http://www.facaparte.org.br/new/download/livro%20nisia.pdf

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    transformando-as em formas de sentir e de agir em funo doimaginrio compartilhado. Isto significa que o editor quem co-difica as mensagens com cdigos que o receptor consiga descodi-ficar. Neste estudo, este papel de editor vai caber aos jornalistas,aos profissionais que, seguindo as lgicas das empresas para ondetrabalham, e as directrizes superiores, trabalham a matria bruta etm nas mos a possibilidade de transformar simples mensagens

    em elementos despoletantes de processos de mobilizao.Assim, se adaptarmos a teoria da mobilizao de Bernardo

    Toro a este trabalho, possvel fazer uma correspondncia directaentre os actores: o produtor social a sociedade civil; o reeditorsocial so os media; e os jornalistas so os editores.

    Segundo Bernardo Toro, podemos encarar a mobilizao deduas formas distintas: como fim e como meio. Para os meios decomunicao social, mobilizar poderia ser um meio para atingirum fim (mais ou menos egosta, como se ver mais frente); mas tambm um fim: conseguir que a sociedade civil se reveja em

    sentimentos compartilhados, participe naquilo que lhe proposto.Esta adeso poderia dar a ideia de os media movem montanhas,o que no ser um rtulo nada nefasto para os rgos de comuni-cao social.

    Toro decompem esta ideia da seguinte forma: Consider-lacomo meta e meio significa considerar a participao como umvalor democrtico: Toda a ordem social construda pelos ho-mens e mulheres que formam a sociedade. A ordem social no natural e cada sociedade que constri a sua ordem social. Por-que ela no natural possvel falar em mudanas. Quando a

    sociedade comea a entender que ela que constri a ordem so-cial, vai adquirindo a capacidade de auto-fundar a ordem social,de construir a ordem desejada, vai superando o fatalismo e per-cebendo a participao, a diferena e a deliberao de conflitoscomo recursos fundamentais para a construo da sociedade. Aparticipao deixa de ser uma estratgia para converter-se em ac-o rotineira, essencial. Neste sentido, a participao o modo devida da democracia.

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    Este entendimento de que a participao o modo de vidada democracia refora ainda a incompreenso, a dvida sobre oporqu da nossa sociedade civil no aceder, tradicionalmente, aosestmulos para agir (de variada ordem, mas que no caso da mobi-lizao para a ajuda humanitria exponente mximo).

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    Captulo 2

    Enquadramentometodolgico

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    Para fundamentar este trabalho considerou-se que a melhoropo metodolgica decorria do recurso a trs mtodos distintos:a pesquisa bibliogrfica; um colquio subordinado ao tema OPapel dos Media na Mobilizao da Sociedade Civil para a AjudaHumanitria; e uma entrevista.

    Inicialmente, estava previsto realizar ainda inquritos de ad-ministrao indirecta, e aplic-los a um conjunto de vinte cinco

    Organizaes No Governamentais nacionais e internacionais, quedesenvolvem actividades no mbito da ajuda humanitria e da de-fesa dos direitos humanos. Chegou a ser enviado a essas ONGsum questionrio, via e-mail, que solicitava o devido preenchi-mento e o posterior reenvio para o remetente, via e-mail ou postal.

    Esse questionrio acabou por no ser utilizado para funda-mentar metodologicamente este estudo, uma vez que o nmerode respostas foi muito reduzido e insuficiente para retirar quais-quer concluses.

    a) Pesquisa bibliogrfica

    A pesquisa bibliogrfica foi fundamental para a realizao destetrabalho. Houve uma clara tentativa de ir beber aos clssicosalgumas noes conceptuais importantes para o enquadramentotemtico e que serviram tambm como apoio ao longo dos vrioscaptulos. Paralelamente, houve uma pesquisa centrada em no-vos pensadores, na medida em que o papel dos media tem sidofrequentemente estudado, e mais recentemente, tem vindo a serfeita a sua caracterizao na relao com outras entidades. Essesestudos desenvolvem-se escala mundial, e colocam os mediano centro de vrias cadeias de valores, como mediadores, actorese figuras centrais na resoluo de algumas situaes de conflito.Tambm este trabalho pretende compreender a relao entre osmeios de comunicao de massas e a sociedade civil, bem comoo poder que os media tm (ou no) de mobilizar a sociedade civilpara qualquer tipo de aco.

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    b) Colquio

    O Colquio O Papel dos Media na Mobilizao da SociedadeCivil para a Ajuda Humanitria decorreu nas instalaes do Ins-tituto Superior de Cincias Sociais e Polticas da UniversidadeTcnica de Lisboa, no dia 8 de Junho, pelas 16 horas, com mode-rao do professor Doutor Manuel Meirinho.

    Esta iniciativa foi pensada para ser a grande base metodol-gica deste trabalho, e a sua utilizao como tal dependeria doseu sucesso a nvel de produo de contedos. Acabou por seconfirmar o objectivo inicial, e este trabalho vai fundar-se, es-sencialmente, nas concluses retiradas do colquio, com base notestemunho dos convidados e tambm da interaco destes com aassistncia.

    A organizao do colquio compreendeu vrias fases, que passoa especificar.

    Fase 1 Abril 2004Marcao do diade realizao do evento. Considerou-se que aprimeira semana de Junho seria a mais indicada para realizar estetrabalho, tendo em conta o tempo necessrio para a organizao.Definiu-se o dia 8 de Junho.

    Definio dosconvidadose elaborao dos convites. Foramescolhidos, inicialmente, os seguintes elementos:

    1. Professora Doutora Paula Escarameia, do Instituto Su-perior de Cincias Sociais e Polticas o convite foi feitopessoalmente, e posteriormente foi oficializado com um e-mail.

    Pretendia-se que a sua interveno se centrasse no caso deTimor-Leste, entendido pela organizao do colquio comocomprovativo do poder dos media na mobilizao da so-ciedade civil. A professora Doutora Paula Escarameia foiescolhida pelo seu prestigiado curriculum e pelas diversas

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    publicaes que tem sobre esta matria. E por ser Mem-bro da Comisso de Direito Internacional da ONU (man-dato de 2002 a 2006 equiparada a Sub-Secretrio Geral daONU). Foi tambm conselheira jurdica da Misso de Por-tugal junto das Naes Unidas de 1995 a 1998, tendo repre-sentado Portugal nas negociaes e debates de numerosasconvenes internacionais, nas reas do terrorismo interna-

    cional, crimes internacionais, Direito do Mar, trabalhos daComisso de Direito Internacional, entre outras.

    2. Professora Doutora Isabel Ferin da Cunha, do CIDAC o convite foi feito por e-mail.

    A escolha desta convidada funda-se no facto de desenvolvercontinuamente estudos aprofundados sobre o tratamento queos media fazem das minorias tnicas, e sobre a identificaodos media como novos intervenientes das relaes sociais.

    Actualmente coordena uma equipa de investigadoras quedesenvolvem com o ACIME o Projecto A imigrao e asminorias nos media. Como vice-presidente do centro deInvestigao Media e Jornalismo coordena, tambm, doisprojectos da Fundao Cincia e Tecnologia centrados naanlise dos media.

    3. Sofia Branco, jornalista do Pblico. O convite foi feito pore-mail.

    No seria possvel falar do papel dos meios de comunicaosocial a qualquer nvel que fosse sem incluir o testemu-

    nho de quem integra esses rgos. Assim, foi consideradacrucial a participao de um jornalista. A escolha recaiu so-bre a Sofia Branco, porque esta jornalista recebeu recente-mente vrias homenagens e prmios jornalsticos por traba-lho sobre direitos humanos, nomeadamente, quatro artigossobre a mutilao genital feminina. Logo, foi consideradaa melhor escolha, por se perspectivar que o seu testemunho

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    se poderia voltar no s para o papel dos media, mas tam-bm para o tratamento que os media fazem sobre os temasde direitos humanos uma outra vertente a explorar nestetrabalho.

    Sofia Branco foi galardoada com o Prmio Natali 2003 paraa Europa pelo seu trabalho de investigao em torno da mu-

    tilao genital feminina praticada na comunidade guineenseem Portugal. O trabalho intitula-se Mutilao Genital Fe-minina O holocausto silencioso das mulheres a quem con-tinuam a extrair o clitris, e foi ainda distinguido com oPrmio Mulher Reportagem Maria Lamas 2002; o GrandePrmio Imigrao e Minorias tnicas jornalismo pela to-lerncia, do Alto Comissariado para a Imigrao e Minoriastnicas; e uma meno honrosa no Prmio AMI Jorna-lismo Contra a Indiferena.

    4. Dra. Madalena Maral Grilo, a directora executiva do

    Comit Portugus das UNICEF. O convite foi feito foi e-mail, direccionado D. Carmen Serejo, assistente da Dra.Madalena Maral Grilo.

    Considerou-se importante que a UNICEF, como uma dasmais importantes organizaes no governamentais a nvelmundial, e a operar em Portugal, estivesse presente no co-lquio. Pretendia-se conhecer as caractersticas da relaoda UNICEF com os meios de comunicao social, e qual aimportncia que a UNICEF d a essa relao, para o desen-volvimento da sua actividade no mundo e, especificamente,

    em Portugal.

    5. Susana Sousa, do departamento de Informao e Comu-nicao da Fundao AMI (Assistncia Mdica Internacio-nal). O convite foi feito por e-mail.

    semelhana do que se passou com a UNICEF, tambmse considerou que o debate enriqueceria com a participaode um representante da Fundao AMI; como a associao

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    portuguesa que, provavelmente, mais reconhecimento tema nvel internacional. O convite foi direccionado a um re-presentante da Fundao AMI, e foi a prpria organizaoque deu o nome de Susana Sousa.

    licenciada em Relaes Internacionais (ISCSP) e fez oMestrado em Estudos Chineses. Foi jornalista e em Julhode 2000 integrou o Departamento de Informao e Comu-nicao da Fundao AMI.

    Actualmente, responsvel pela elaborao dos contedosda revista trimestral AMI Notcias e est encarregue da di-vulgao das iniciativas da AMI junto dos Media.

    Estas cinco convidadas aceitaram o convite, mas o evento spode contar com trs: Sofia Branco, Dra. Madalena MaralGrilo e Susana Sousa. A Professora Doutora Paula Esca-rameia e a Professora Doutora Isabel Ferin da Cunha nopuderam vir, por razes pessoais.

    Foram ento efectuados mais dois convites, para se proce-der substituio dos convidados.

    6. Henrique Botequilha, jornalista da Viso. O convite foifeito por via telefnica.

    Este jornalista esteve destacado pela Revista Viso em Ti-mor, quer em 1999, quer nos anos seguintes e, por isso,foi considerado que seria a pessoa indicada para nos falarde como o caso de Timor Leste se desenvolveu, essencial-mente do ponto de vista jornalstico.

    7. Dr. Jos Miguel Costa, vice presidente da Amnistia Inter-nacional. O convite foi feito por e-mail, direccionado sec-o portuguesa da AI. A organizao que sugeriu o nomedo Dr. Jos Miguel Costa como seu representante no col-quio. Os motivos que levaram escolha de um membro daAmnistia Internacional para participar no debate foram osmesmos que guiaram a sugesto da presena dos membrosda UNICEF e da Fundao AMI.

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    Fase 2 Abril / Maio 2004

    Pedidos de patrocnios. Foram enviadas vrias solicitaes deapoio a diversas empresas, sendo que, no final, foram as seguintesque apoiaram o evento:

    1. Banco Totta com pastas e canetas.

    2. Nestl com guas e chocolates.

    3. Dan Cake com o coffee break.

    4. guas de Monchique com guas.

    5. Florista Jardim das Amoreiras com flores.

    6. Revista Frum DC com divulgao.

    7. Fundao AMI com divulgao.

    8. ISCSP com cedncia da sala para realizao do evento.

    Fase 3 Maio / Junho 2004

    Divulgao do evento. Foi elaborado umpress releasee enviadopor e-mail para:

    1. Redaces e seces de Media de vrios rgos de comu-nicao social (Pblico, Dirio de Notcias, Jornal de Not-cias, Agncia Lusa, RTP, SIC)

    2. Lista de ONGs que fazem parte da Plataforma Portuguesade Organizaes No Governamentais

    3. Contactos pessoais.

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    Fase 4 Junho 2004

    Realizao do Evento. O colquio decorreu no dia 8 de Junho,nas instalaes do Instituto Superior de Cincias Sociais e Polti-cas.

    Teve a durao de cerca de 3 horas, e estiveram presentescerca de 60 pessoas.

    Todas as intervenes (dos convidados e da assistncia) foramfilmadas (com autorizao de todos presentes), com vista a servi-rem, posteriormente, como base metodolgica deste trabalho.

    Fase 5 Junho 2004

    Consequncias.O colquio serviu de mote a uma notcia publi-cada na edio impressa de 9 de Junho de 2004 do Jornal Pblico(ver anexo), com o ttulo Direitos Humanos Tm Tratamento Se-cundrio na Comunicao Social.

    A mesma notcia foi publicada na edio on-line do Pblico.pt(ver anexo) e tambm na seco de Notcias do website da RevistaFrum DC (ver anexo).

    A transcrio integral eipsis verbisdas intervenes do Col-quio est em anexo.

    c) Entrevista

    Como foi dito anteriormente, a Professora Doutora Isabel Ferinda Cunha no pde participar no Colquio O Papel dos Media

    na Mobilizao da Sociedade Civil para a Ajuda Humanitria,por razes pessoais.No entanto, o seu testemunho continuou a ser considerado de

    extrema importncia para este trabalho. Numa tentativa de ate-nuar essa lacuna, decidiu-se realizar uma entrevista ProfessoraDoutora Isabel Ferin da Cunha, aps a realizao do colquio.

    Essa entrevista versou sobre o tema deste trabalho, e realizou-se no dia 15 de Junho, pelas 18 horas, no Centro Cultural de Be-

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    lm. A entrevista foi gravada (com a autorizao da entrevistada)e a sua transcrio integral est em anexo.

    As perguntas que foram colocadas:

    1. Ao longo dos seus vrios trabalhos sobre a imigrao e asminorias, encontrou algum papel especfico que caiba aosmedia?

    2. A busca pela negatividade dos factos que restringe os acon-tecimentos noticiveis (no mbito de direitos humanos eajuda humanitria) a catstrofes?

    3. O que pode ser feito para que os jornalistas no pensem ape-nas numa lgica de concorrncia, e passem a pensar numalgica de dever e de responsabilidade social?

    4. A sociedade civil tem conhecimento suficiente sobre as ques-tes de direitos humanos para exercer presso sobre os me-

    dia?5. Porque que acha que Timor resultou?

    6. A falta de transparncia de algumas ONGs pode dificultartodo o processo de mobilizao?

    7. Como v a dicotomia de universalismo / relativismo em re-lao aos direitos humanos?

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    O caso de Timor-Leste

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    O envolvimento dos meios de comunicao e da sociedadecivil na histria de Timor Leste paradigmtico e interessa, porisso, compreender quais as caractersticas e que contexto o tornamto especial.

    O objectivo no , contudo, fazer deste trabalho um estudode caso. antes atribuir-lhe algum peso a nvel prtico, atravsdo recurso a um exemplo que todos conhecem e cuja veracidade

    ningum pode negar.

    a) A histria

    "Timor Leste foi uma das piores catstrofes da Segunda GuerraMundial em nmero de mortos relativo populao total, mas

    esse aspecto da Guerra do Pacfico nunca interessou a ningum".James Dunn1

    1Historiador australiano, Cnsul em Dili no perodo entre 1961 e 1963.

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    Timor foi, desde sempre, considerado um territrio estratgicodada a sua localizao geogrfica: entre a Indonsia, as Filipinase a Austrlia, com acesso China. Esta foi a justificao para ainvaso de Timor durante a Segunda Guerra Mundial, primeira-mente pela Austrlia com o objectivo de organizar uma resis-tncia no territrio -, depois pelo Japo que criaram l vrioscampos de concentrao e cometeram as mais incrveis violaes

    de direitos humanos no territrio. O resultado final foi a morte demais de 60 mil pessoas2. Apesar disso, Portugal continuou a teruma atitude muito passiva relativamente ao territrio, preferindono investir no territrio e deixando-o ao abandono, em destroos.

    Em 1945, a Indonsia torna-se independente da Holanda, comSukarno no comando, e assume-se como uma repblica. Du-rante anos, nunca foi manifestado o interesse de Jakarta em TimorLeste, e decorreu um perodo de mais de uma dcada de coexis-tncia aparentemente pacfica.

    Em 1966, o governo de Sukarno derrubado por um golpe de

    estado liderado pelo general Suharto. As ideias do novo coman-dante do territrio mostravam-se mais activistas e deu-se incio auma cruel caa aos comunistas de todo o arquiplago, que leva-ria morte meio milho de pessoas. O provrbio popular longeda vista, longe do corao no podia fazer mais sentido, e nadajustifica melhor a apatia geral perante tamanhas atrocidades, co-metidas numa ainda colnia portuguesa.

    Em 25 de Abril de 1974 d-se a Revoluo dos Cravos, emPortugal, e comea o processo de descolonizao, em que Portu-gal decide colocar nas mos dos timorenses a deciso sobre o seu

    futuro.A derrubada da ditadura salazarista motivou a formao departidos polticos no Timor e a criao da Comisso para a Au-todeterminao pelas autoridades coloniais ainda em 1974. AUnio Democrtica Timorense (UDT) foi a primeira a ser legali-zada. Este partido conservador defendia a progressiva autonomia

    2 ANVERSA, G.,Timor-Leste: Descolonizao Malograda e Genocdio,Porto Alegre, Folha da Histria, 1998.

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    poltica de Timor, mantendo fortes laos com Portugal. Repre-sentava os interesses dos membros timorenses da administraocolonial e da elite local: proprietrios de plantaes de caf, ne-gociantes e a maioria das pequenas comunidades portuguesas echinesa, com o apoio dos liurais mais prximos ao poder colonial.As suas lideranas formaram-se no partido oficial do salazarismo,a ANP (Associao Nacional Popular), o nico da ditadura3.

    Nasce, poucos dias depois, a ASDT (Associao Social De-mocrata Timorense), que, mais tarde, muda o seu nome para FRE-TILIN (Frente Revolucionria de Timor Oriental). E funda-seainda a APODETI (Associao Popular e Democrtica Timorense),que defende a integrao do territrio na repblica da Indonsia e, consequentemente, apoiada pelo general Suharto.

    Nos meses de Fevereiro e Maro de 1975 realizam-se eleiesem Timor, ambas ganhas pela FRETILIN, mas nem por isso seconsegue alguma estabilidade. Comeam a correr boatos de quea FRETILIN estaria a preparar um golpe de estado marxista e a

    consequncia a guerra civil, despoletada em Agosto do mesmoano, e que causaria a morte de mais 3 mil pessoas.

    My friends and I were forced to join the Indone-sian Army. We were warned; all who didnt join thearmy had to take the consequences. ... If you dont

    fight, you get killed yourself.

    I went on operations to kill other Timorense, ordi-nary people. Then I felt strange. None of us felt good.

    At first we are sad, we have remorse, but after two orthree years, it was easy.

    I had to kill my best friend. I dont want to talkabout it. I dont feel good when I think about it. ...

    3 ANVERSA, G., No Barbrie! A Independncia de Timor Leste,artigo publicado on-line em http://www.nao-til.com.br/nao-68/timor.htm.

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    They knew he was my best friend and I was forced toshoot him. They do these things to test you.4

    A FRETILIN declarou a independncia de Timor Leste a 28de Novembro de 1975, enquanto a Indonsia se infiltrava no ter-ritrio, e a 7 de Dezembro do mesmo ano, o exrcito indonsiocomeou a bombardear Dili e a invadir o pas.

    A FRETILIN esperava obter apoio internacional e a Assem-bleia Geral da ONU assinou uma resoluo que condenava, defacto, a invaso indonsia, contudo, no houve consequncias pr-ticas. A violncia, a fome e a migrao forada da populao ti-morense comea a somar mortos, com a contagem a chegar aos300 mil.

    The reasons for the disgraceful record have so-metimes been honestly recognized. During the latest

    phase of atrocities, a senior diplomat in Jakarta des-

    cribed "the dilemma"faced by the great powers: "In-donesia matters, and East Timor doesnt."It is the-refore understandable that Washington should keepto ineffectual gestures of disapproval while insistingthat internal security in East Timor "is the responsi-bility of the government of Indonesia, and we dontwant to take that responsibility away from them- theofficial stance a few days before the August referen-dum, repeated in full knowledge of how that "respon-sibility"had been carried out, and maintained as themost dire predictions were quickly fulfilled5.

    Sem apoios externos, a FRETILIN assume a defesa do ter-ritrio com os meios escassos que dispunha e forma a guerrilha

    4 testemunho de um jovem timorense, recolhido do livro East Timor: Ge-nocide in Paradise, do jornalista Matthew Jardine.

    5 CHOMSKY, Noam,Rogue States: The Rule Of Force in World Affairs,Sound End Press, New York, 2000

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    FALINTIL, que vai assegurar a autonomia do territrio durantemais de duas dcadas, custa de muitas baixas.

    Timor esteve fechado ao mundo, e naquele territrio foramcometidas as maiores atrocidades: eram mortos todos aqueles queas tropas indonsias considerassem colaboradores da guerrilha,quase todo o territrio foi incendiado e destrudo, e a Indonsiano se acanhava de bombardear Timor Leste com napalm as

    mesmas bombas utilizadas na guerra do Vietname.Vrios especialistas acreditam que este foi o maior genocdio

    do sculo XX, eliminando 44% da populao Timorense6.A 31 de Dezembro de 1978, o exrcito indonsio matou Ni-

    colau Lobato, o lder da guerrilha. Assumo ento o comando daFALINTIL Jos Alexandre Gusmo, conhecido por Ray Kala Xa-nana. Em 1987, Xanana Gusmo cria o CNRT (Conselho Nacio-nal da Resistncia Timorense), e consegue reunir todos os parti-dos.

    Em Outubro de 1989, o Papa Joo Paulo II visita Timor Leste,

    na sequncia de um relativo alvio da presso sobre o territrio,por parte da Indonsia.

    A 12 de Novembro de 1991 d-se o Massacre de Santa Cruz:as tropas indonsias atiram contra a multido que se encontravano cemitrio de Santa Cruz, a prestar homenagem a um estudanteque tinha sido morto. No local, foram brutalmente assassinadapelo menos 200 pessoas, tendo essas imagens sido captadas pordois jornalistas que se encontravam entre a multido e consegui-ram escapar: Max Stahl e Steve Cox. So estas imagens que vomostrar ao mundo o que se vivia em Timor.

    6 MAGALHES, Antnio Barberdo de,Timor Leste, Um Povo EsmagadoPela Mentira e Pelo Silncio, um estudo elaborado pela ocasio das VII Jorna-das de Timor da Universidade do Porto, em 1997

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    We are dying as a people and as a nation."7

    Ainda em Novembro de 1991, o lder da guerrilha timorenseXanana Gusmo capturado em Dili, e levado para Jacarta, ondefica preso, at ser julgado, um ano e meio depois, e condenado priso perptua. Em 1996, o bispo D. Carlos Ximenez Belo e

    Jos Ramos Horta so reconhecidos com o Prmio Nobel da Paz evolta a ser feita uma chamada de ateno ao mundo para a tragdiatimorense.

    No ano seguinte, a Indonsia comea a sentir as dificuldadesresultantes de uma agravada crise econmica na sia, e o regimede Suharto fica fortemente ameaado. As manifestaes de indo-nsios na rua multiplicam-se, at conseguirem derrubar o general,em maio de 1998. Nessa altura, Yusuf Habibie assume a lideranado pas.

    Portugal negoceia com a Indonsia a realizao de uma con-

    sulta popular e a UNAMET, uma misso das Naes Unidas, ins-tala-se em Timor Leste para garantir a legalidade do plebiscito.A Indonsia sente-se ameaada e acredita vigorosamente que oresultado da consulta popular vai tender largamente para a suaretirada do territrio. Para evitar que isso acontea, o exrcito in-donsio comea a exercer presso sobre os populares e espalha omedo pela populao. Mas, contra todas as previses, no dia do

    7 Frase de D. Carlos Ximenez Belo, Bispo de Timor-Leste

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    plebiscito, a 30 de Agosto de 1999, 98% da populao timorensefez questo de deixar clara a sua posio e os resultados no po-diam ser mais claros: a independncia era o desejo de 78,5% dostimorenses8.

    O exrcito indonsio no aceita os resultados e, antes mesmoda sua divulgao, d incio a uma cruel onda de violncia que for-ou os populares a fugirem para as montanhas, para os edifcios

    de instituies internacionais. Nem assim conseguem escapar: astropas invadem as sedes da Cruz Vermelha e das Naes Unidas,obrigando evacuao de todos os estrangeiros que estavam noterritrio. Timor voltava a ter as portas fechadas ao mundo.

    A ONU continua a tentar negociar a paz com a Indonsia,enquanto, paralelamente, prepara uma fora internacional de in-terveno, a INTERFET, com dois mil soldados. No dia 20 deSetembro de 1999, a INTERFET chega finalmente a Dili, expulsaa Indonsia e encontra o mais dramtico cenrio: casas irrecupe-rveis, terrenos totalmente incendiados e um grau de destruio

    que obrigaria todos a comear do zero.

    b) A mediatizao

    Da anlise dos testemunhos recolhidos para o desenvolvimentodeste trabalho, unnime que o caso de Timor-Leste paradig-mtico e com difcil repetio em Portugal. A sociedade civil foi,efectivamente, mobilizada, veio para as ruas, fez manifestaes,vestiu-se de branco, vestiu-se de luto, rezou e cantou. A mobi-lizao um facto, mas no to claro o que ter estado na suaorigem.

    Timor viveu o horror durante anos, s portas fechadas (nointeressa agora compreender quem so os culpados desta igno-rncia, mas no tero sido apenas os indonsios. A omisso podeser um crime to grave como a m aco). Foram as transmisses

    8 GOMES, Pereira,O Referendo de 30 de Agosto de 1999 em Timor Leste:o Preo da Liberdade, Gradiva, Lisboa, 2001

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    das imagens do massacre no cemitrio de Santa Cruz que mos-traram o que se passava em territrio timorense e, provavelmente,se tal no tivesse acontecido, Timor poderia estar ainda a sofreratrocidades. Por isso, os media tiveram aqui um papel determi-nante: no apenas os dois jornalistas Max Stahl e Steve Cox que arriscaram a vida para recolher as imagens, mas tambm to-das as cadeias de televiso, jornais, revistas e publicaes on-line

    que deram a essas imagens um enorme destaque.Interessa, antes de mais, tentar compreender o porqu da deci-

    so de mostrar imagens ao mundo, em vez de escond-las pela suaviolncia e crueldade (como tantas vezes antes havia sido feito).Era impossvel prever o efeito que essas imagens teriam nos anosque se seguiram e na histria de Timor-Leste, por isso, creio que,acima de tudo, esta nova histria sobre um territrio que quaseningum conhecia foi um verdadeiro furo jornalstico, mais doque um primeiro passo para qualquer mobilizao. Quer se te-nham tratado de questes meramente egostas ou tenha sido o bom

    senso e a solidariedade a motivar os media, o resultado final omais importante e, esse, ningum pode negar que transformou osmedia em actores determinantes.

    O papel posterior dos media nesta questo j no to claro. sempre difcil saber quem nasceu primeiro: o ovo ou a gali-nha. Mas, neste caso, so os prprios jornalistas a diz-lo: Se ocaso de Timor Leste no tivesse tido tanto impacto junto da so-ciedade civil a cobertura no seria a mesma. E o motivo maissimples do que pode parecer: porque no teria assunto para co-brir. Se aquelas massas, que alimentaram todos os noticirios,

    no esto na rua, no h nada para meter dentro da informaojornalstica. Se essa vaga de emoo no tivesse acontecido, nohaveria histria para alimentar tanto tempo e com uma exposioto prolongada o assunto de Timor9.

    Portanto, os media tero feito o que sempre fazem: foramatrs das massas e deram-lhes o que elas queriam, naquele mo-mento, naquele contexto: notcias de Timor. Mais uma vez, pode-

    9 Henrique Botequilha, jornalista da Revista Viso.

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    mos demitir-nos de analisar os motivos que levaram coberturaalargada dos media, e sim debruarmo-nos sobre qual foi o resul-tado final: as sociedades civis (no s a portuguesa, como tambmoutras) mobilizaram-se, os media correram atrs, a presso sobreas decises polticas aumentou e houve aco para salvar Timor.

    Mas a sociedade civil no se move facilmente e largamentedefendida a ideia de que com Timor Portugal acompanhou tudo

    com uma emoo sem par na histria recente e provavelmenteirrepetvel nos prximos anos10. Dificilmente se conseguirmobilizar a sociedade civil como no caso de Timor. Houve umacampanha frica Amiga, que visava conseguir fundos para An-gola, e que resultou muito mal, por diversas razes. Na verdade,a sociedade no se mobilizou e houve muita mediatizao. Osmedia fizeram uma campanha muito agressiva. Mas os media

    podem motivar, mas se a sociedade no tiver aberta, no podemfazer nada11.

    Ento urgente perguntar: Porque que Timor resultou? Ti-

    mor era sentido como um pedao de Portugal que estava em jogo.Este sentimento de portugalidade, aliado a uma catarse colectiva,como que espelhando ms conscincias do processo de coloni-

    zao e de descolonizao dos territrios ultramarinos pode seruma parte da explicao do que aconteceu naquele Setembro, em

    Lisboa12.Timor foi uma remisso da conscincia de uma colo-nizao com muitos problemas. Foi um apelo que foi feito e muitobem respondido.13

    A proximidade, a culpabilidade e o peso na conscincia apre-sentam-se (de forma intuitiva e nunca cientificamente compro-

    vada) como as principais explicaes para o envolvimento dosportugueses na causa de Timor. A solidariedade, por si s, pode-

    10 Idem11 Isabel Ferin da Cunha, presidente de uma ONG (CIDAC) e vice-

    presidente do Centro de Investigao Media e Jornalismo12 Henrique Botequilha, jornalista da Revista Viso13 Isabel Ferin da Cunha, presidente de uma ONG (CIDAC) e vice-

    presidente do Centro de Investigao Media e Jornalismo

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    ria ser uma explicao, mas existem alguns factores que, pratica-mente, a refutam: porque que a sociedade civil no se mobilizoupor solidariedade a outros povos e a outros territrio como o Su-do, o Afeganisto ou, mais recentemente, o Iraque? Poder serporque os media tambm no mediatizaram estes casos, contudo,j anteriormente se viu que, quanto ao ovo e galinha, os me-dia vo atrs da populao e s podem mobiliz-la para as causas

    para que a sociedade civil se predispe a agir. Por isso, a solidari-edade pode ser um dos factores de explicao para a experinciade Timor, mas no foi, de certo, o nico.

    Depois da resoluo dos problemas no territrio timorense,existia um grande trabalho a ser feito, quer em termos de ajudahumanitria, quer em termos de cooperao para o desenvolvi-mento. Justificava-se que tanto os meios de comunicao socialcomo a sociedade civil, que tanta importncia deram ao caso deTimor enquanto a Indonsia estava no territrio, se preocupassemem ajudar um povo e uma nao que teria de comear do nada. s

    portas do sculo XXI, havia um novo pas para reconstruir e todaa ajuda seria bem vinda. Esperava-se at que esse apoio existisse,depois daquele que existiu em momentos anteriores e que levouao final dos conflitos. Contudo, esse apoio foi diminuindo como tempo: medida que Timor Leste foi saindo da agenda po-ltica e dos media, a solidariedade comeou a faltar e o pontomximo s seria atingido com a independncia, em Maio de 2002

    que deveria ser encarado como o incio de qualquer coisa eno como o fim, e no fundo aquele pas continuou carenciado dequase tudo. Ficaram l poucas instituies de solidariedade e de

    ajuda humanitria, e ainda menos jornalistas para contar.14

    Mais uma vez, poderemos ir caa de culpados. Os meios decomunicao de massas vem embora por que no h material paratrabalhar. No h notcia. No h povo nas ruas. Mas a solidari-edade tambm termina. Porqu? Porque os media no mostrammais o que se passa, ou porque a sociedade civil se recusa a saber?

    A temtica do que que noticivel tem um grande peso

    14 Henrique Botequilha, jornalista da Revista Viso

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    aqui, e trataremos dela, com mais profundidade, mais frente.De qualquer forma, pode aqui ser feita uma pequena introduo. do conhecimento geral (pelos menos para os profissionais e es-tudantes do jornalismo) que um dos mais importantes critrios denoticiabilidade15 o da negatividade. Tal constatao j levou aque se criasse uma mxima universal para a seleco de notcias:bad news, good news. Isto aplica-se profundamente ao caso de

    Timor: enquanto a Indonsia ocupava ilegalmente o territrio, aviolncia alastrava-se e cometiam-se as maiores atrocidades. Anegatividade estava ao rubro e este tema enchia as medidas dequalquer jornalista e/ou rgo de comunicao social. Quando aIndonsia forada a abandonar o territrio e Timor caminha paraa reconstruo e, posteriormente, para a independncia, o que hde negativo para contar? So feitos diariamente esforos para le-vantar uma nao, h apoios internacionais para a reconstruodo pas e no h tropas a matar multides. No h aqui notcia, luz dos universais critrios de noticiabilidade. Deixou de haver

    catstrofe, logo, deixou de haver espao para o tema na agenda.O assunto da ajuda humanitria claramente no entra na

    agenda, no existe. Ou se existe, porque h jornalistas muitoteimosos ou editores um pouco mais visionrios que ainda con-seguem remar contra as coisas. Existe ajuda humanitria naagenda sobretudo quando se trata de desastres naturais. De-

    pois da desgraa, os assuntos desaparecem dos alinhamentos eningum mais quer saber. H causas de primeira e causas desegunda, conforme mobilizem as massas, ou no16.

    H espao para fazer artigos sobre direitos humanos, mas

    ser a primeira coisa a cair se houver um anncio publicitriopara esse mesmo espao17.Sobre esta secundarizao das questes humanitrias e dos di-

    reitos humanos falaremos mais frente.

    15 enunciados por Galtung e Ruge correspondem s caractersticas que umacontecimento deve ter para ser transformado em notcia.

    16 Henrique Botequilha, jornalista da Revista Viso17 Sofia Branco, jornalista do Pblico.Pt

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    Captulo 4

    O Quarto Poder

    Keep in mind, the news media are not independent; they are asort of bulletin board and public relations firm for the ruling

    classthe people who run things. Those who decide what news

    you will or will not hear are paid by, and tolerated purely at thewhim of, those who hold economic power. If the parent

    corporation doesnt want you to know something, it wont be onthe news. Period. Or, at the very least, it will be slanted to suit

    them, and then rarely followed up. Enjoy the snooze.George Garlin

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    a) Media: poder no institudo?

    Saber se os media tm o poder de mobilizar a sociedade civil estmuito relacionado com a questo de saber que tipo de poderes ede papis os media possuem. Nas sociedades desenvolvidas e, so-bretudo, ocidentais, os meios de comunicao exercem, h longosanos, um poder no institudo mas que ningum nega tambm

    porque dificilmente se conseguem delinear os seus exactos con-tornos. Esse poder est intimamente ligado com a sua audincia,com a capacidade que os meios de comunicao tm de veicularmensagens e de as fazer chegar a um grande nmero de pessoas,ou seja, a aptido de tornar pblicas quaisquer mensagens.

    Tem sido amplamente estudado qual o papel dos media emdiferentes reas e qual a sua capacidade de interveno a nvelsocial: nas relaes tnicas; na luta contra a violncia contra Mu-lheres; na resoluo de conflitos; na cobertura do conflito huma-nitrio; na democracia; como construtores da paz so muitos os

    caminhos. Em todas estas perspectivas h um ponto de partida:a mobilizao da sociedade civil, implcita tanto na capacidadedos media para lutar contra a violncia, quer na sua intervenocomo moderadores ou construtores da paz. Isto porque os mediadependem das massas para sobreviver, logo, sem elas, nuncapoderiam ser actores principais.

    Os media, tal como hoje os entendemos (e centrando-nos ape-nas, no nosso contexto nacional) so um dos frutos da conquistademocrtica. J anteriormente aqui foi dito que a liberdade deexpresso que os media amplamente relevam uma das grandes

    vitrias do perodo ps 25 de Abril de 1974. As trs dcadas dedemocracia que Portugal conta na sua histria ajudaram muito aodesenvolvimento dos meios de comunicao no nosso pas, mastambm retiraram da alguns benefcios: os media representamhoje um dos mais importantes instrumentos democrticos (de aus-cultao da sociedade civil, de divulgao de intenes e progra-mas polticos, de mecanismos de presso da comunidade poltica,entre muitos outros).

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    Assumir os meios de comunicao social como o quarto po-der reconhecer-lhes algumas caractersticas que todos os pode-res tm: autonomia (relativa), legitimidade e autoridade.

    A autonomia dos meios de comunicao social pode ver-se naforma como eles interagem com os restantes poderes. A pressoque exercem sobre o poder poltico e sobre a esfera executiva de-terminante1. No raras vezes se tem assistido a esclarecimentos

    pblicos feitos por polticos sobre temas que os media levantarame que, de alguma forma, colocam em risco a sua carreira e manu-teno no poder. Os media foram os governantes a anteciparemo momento de prestao de contas (que convencionalmente s seefectua no acto eleitoral).

    Quanto ao terceiro poder, o judicial, no tm tambm sidoraras as vezes que os media so acusados de intervir nesta esfera.No defendo que o devam fazer, mas existem acusaes de queo fazem, assim como de que exercem presses sobre as decisestomadas em seio judicial. S essa possibilidade d aos media

    alguma importncia.Pode ento dizer-se que a autonomia dos media no total

    eles esto dependentes de muitos condicionalismos, nomeada-mente de lgicas concorrenciais e econmicas -, mas tanta oumaior do que a autonomia dos restantes trs poderes institudos.Esta constatao atribui aos media autoridade.

    E relativamente legitimidade, como j foi tambm anteri-ormente dito, dada pelas pessoas, pelas massas que fazem dosmeios de comunicao uma entidade que as influencia e pode con-dicionar a sua mudana de comportamentos.

    1 Recorde-se que toda a comunidade poltica precisa dos meios de comu-nicao para chegar s massas. So factos inegveis a proliferao de novascadeiras como o marketing poltico, onde a comunidade poltica aprende a agirde forma a se conciliar com o que pretendido e funciona em sede dos meiosde comunicao.

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    b) Nova era, novos media

    Na nova era dos meios de comunicao social, discute-se quemmanda: se os media ditam o que que o pblico pode pensar, ouo pblico, por seu lado, que fora os media a tratar determinadastemticas.

    Caiu, no entanto, j por terra a teoria doagenda-setting, pro-

    posta e desenvolvida originalmente por McCombs e Shaw, em1972. Estes autores defendiam que, em linhas gerais, num de-terminado perodo de tempo, diferentes rgos de comunicaosocial iriam tratar o mesmo assunto, sem o fazerem da mesmaforma. Este tratamento meditico de um determinado tema iria fa-zer com que o pblico integrasse esse tema na sua prpria agenda,ou seja, faria com que o pblico falasse desse tema2.Esta formu-lao terica refutava uma corrente anterior que defendia que osmedia diziam s pessoas o que pensar, reformulando que os mediadizem s pessoas em que pensar.

    Qualquer uma das teorias est hoje obsoleta. Os meios decomunicao esto a sofrer mais uma transio, e vrios autoresfalam da nova fase como A Era do Digital. Novos media entra-ram na lista e, por isso, tem de existir uma readequao terica dopapel dos media, das suas capacidades e funes, j que a Internetveio dar, acima de tudo, um grande alcance comunicao.

    Os meios electrnicos de comunicao social afirmaram-secomo uma das principais realidades quotidianas da segunda me-tade do sculo XX. Esta realidade tem sido objecto de variadaabordagem terica, muitas vezes centrada na anlise sociolgicados seus efeitos, tal foi o impacto que tiveram e continuam a ternas sociedades actuais.3

    O carcter estratgico da Internet nesta rea tambm deci-sivo e s-lo- cada vez mais no futuro, j que no apenas amplia

    2 DEARING, James e ROGERS, Everett,Agenda-Setting, SAGE Publica-tions, London, 1996

    3 JUNQUEIRO, Raul,A Idade do Conhecimento: A Nova Era Digital, Edi-torial Notcias, Lisboa, 2002

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    a necessidade de interveno do estado, como obriga a novas for-mas de regulao. Atravs dela, podemos ter acesso comunica-o dirigida aos sujeitos, aos indivduos, um a um, como nuncaantes foi possvel.

    A Internet e a Web originaram a criao e proliferao de no-vos meios de comunicao social, como so as publicaes on-line, que imperam com um estatuto mais global do que nunca e

    dominam a comunicao em tempo real. (...) Os meios de comu-nicao tm uma abrangncia imediata, que pode at ser persona-lizada. Basta ter capacidade e meios de acesso e, em segundos,poderemos saber tudo o que se est a passar em qualquer lugar domundo, com nveis de pormenor e detalhe jamais imaginados4.

    c) A interveno

    Os papis dos media no podem ser cientificamente encontrados,

    mas a sua importncia e universalidade um dado adquirido.Os media so muito importantes, porque o seu

    lugar central hoje privilegiado em termos de dis-curso e de poder. E nesse sentido, os media podemtanto sensibilizar como criar esteretipos ou precon-ceitos5.

    Qualquer poder traz perigos associados. Se os media tem nasmos a possibilidade de, seno influenciar ou obrigar, pelos me-nos orientar comportamentos, podem decidir faz-lo para o bem

    ou para o mal. A questo do bem e o mal to complexa quanto ocerto e o errado e o universalismo e relativismo os direitos huma-nos. No fundo, depende sempre da perspectiva. Contudo, existe

    4 JUNQUEIRO, Raul,A Idade do Conhecimento: A Nova Era Digital, Edi-torial Notcias, Lisboa, 2002

    5 Isabel Ferin da Cunha, presidente de uma ONG (CIDAC) e vice-presidente do Centro de Investigao Media e Jornalismo

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    o senso comum, e existem frmulas universais que so dados ad-quiridos para definir, pelo menos, aquilo que claramente Mal eErrado. Pode no haver uma tomada de conscincia atempadadessa m utilizao do poder dos media, j que os prprios meiosde comunicao so especialistas em passar mensagens ocultas,ou seja, sem que se perceba que as esto a passar. E natural-mente mais evidente e, por isso, fcil de detectar uma m conduta,

    do que um pecado por omisso.Tudo isto para dizer que a falta de aposta dos media em temas

    de ajuda humanitria e de direitos humanos no pode ser uma op-o condenvel, apesar de podermos dizer que, se tivesse nas nos-sas mos, no o faramos. Mas podemos tentar perceber porque ofazem.

    Volto a trazer aqui testemunhos comprovativos de que existeesse desinteresse por parte dos media relativamente a questeshumanitrias e de direitos humanos:

    H pouco espao na agenda jornalstica, para estar a abor-

    dar assunto de ajuda humanitria, a no ser quando eles somuito prementes ou grandes catstrofes humanitrias6 .

    No sei porque que os casos de ajuda humanitria tmpouca sada nos jornais portugueses. Basta irmos vizinha Es-panha, em que abrimos o jornal e vimos que as questes de abu-sos de direitos humanos ocupam um lugar de grande destaque, eem Portugal, h por vezes, uma ou duas pginas na seco in-ternacional, e h assuntos bem mais locais que atraem mais aateno7

    H uma falta de aposta, na generalidade dos meios de co-

    municao social, para assuntos ligados aos direitos humanos.(...) H espao para fazer artigos, mas ser a primeira coisa acair se houver um anncio publicitrio para o espao desse ar-tigo.(...) Ou h uma grande fora de vontade do jornalista, queapanha, por sua vez, um editor que at gosta dessas matrias,

    6 Henrique Botequilha, jornalista da Revista Viso7 Jos Miguel Costa, vice-presidente da seco portuguesa da Amnistia In-

    ternacional

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    ou um director que tambm est disponvel para publicar artigosdeste tipo, ou ento a entrada complicada8.

    Retiro um pouco a responsabilidade aos jornalistas porque,tal como alguns jornalistas de televiso dizem, quem manda neles o zapping. H necessidade, por isso, de apelar s audincias. Eaformamaisfcildeofazernoaltimanemanicaapelars questes bsicas dos sentimentos humanos e aos chamados

    temores bsicos da condio humana. Os direitos humanos noso um tema vendvel.9

    Da anlise dos vrios testemunhos retira-se que os meios decomunicao social optam por no dedicar espao s questes dedireitos humanos. Interessa perceber porqu. Ao longo deste tra-balho, fui levantando essa questo s vrias pessoas convidadas adar o seu testemunho sobre este tema. As respostas que me foramdadas seguem duas orientaes distintas: 1) os direitos humanosso temas de difcil tratamento nos meios de comunicao social;2) a sociedade civil no se interessa pelo tema e, por isso, os me-

    dia no apostam nele.Vamos analisar cada uma, individualmente.Os direitos humanos so de difcil tratamento a dois nveis: a)

    por falta de formao dos jornalistas; b) e porque no fcil en-contrar material que se adapte aos formatos que os media preten-dem. porque envolvem falar de temas sobre os quais os jornalistasno tm formao.

    Foi amplamente sublinhada10 a falta de formao dos jorna-listas em matrias de direitos humanos. Os jornalistas no tmnas suas licenciaturas uma cadeira vocacionada para os direi-

    tos humanos, para a ajuda humanitria. Acho que deviam ter.(...) Para mim, seria muito mais importante ter essa cadeira doque a de Educao Moral e Religiosa, por exemplo. E devia ser

    8 Sofia Branco, jornalista do Pblico.Pt9 Isabel Ferin da Cunha, presidente de uma ONG (CIDAC) e vice-

    presidente do Centro de Investigao Media e Jornalismo10 No Colquio O Papel dos Media na Mobilizao da Sociedade Civil para

    a Ajuda Humanitria

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    no s de direitos humanos, mas tambm de Educao para aCidadania11. Isso conduz a que os profissionais de media evi-tem tratar essas temticas e, caso decidam trat-las, existe umagrande probabilidade de errarem, por desconhecimento. A faltade formao em direitos humanos tem ainda um outro risco: o deno se conseguirem identificar os acontecimentos que tratem dedireitos humanos e que no se resumam a grandes violaes.

    O facto de todos os dias morrerem 30 mil crianas porqueno foram vacinadas no uma situao de emergncia? O factode haver 14 milhes de crianas rfs de sida, no mereceriatambm maior ateno por parte dos meios de comunicao so-cial?12

    A formao em direitos humanos iria permitir essa identifi-cao de que acontecimentos fazem parte das questes de direitoshumanos, iria diminuir o medo que os jornalistas tm de tratar estatemtica e, consequentemente, poderia levar a que os jornalistasvalorizassem mais os temas e tentassem, com mais afinco, incluir

    estes temas na agenda (o que no significa que eles chegassem aproduto final, como veremos mais frente).

    Paralelamente, h outra dificuldade que se apresenta ao trata-mento de temas de direitos humanos e que se coloca, essencial-mente, ao meio televisivo: (sobre o tema da mutilao genitalfeminina) um fenmeno muito complexo para se explicar emcinco minutos, que o tempo que poder durar uma pea tele-visiva; e as imagens so muito difceis13. Todos sabemos quea imagem um requisito obrigatrio para que um acontecimentochegue a ser noticiado. Sem imagem, no h notcia em televiso.

    Ora, dificilmente se conseguem imagens de casos de violaes dedireitos humanos (a no ser que se tratem de grande catstrofes),logo, dificilmente se conseguem colocar estes temas no alinha-mento televisivo.

    11 Sofia Branco, jornalista do Pblico.Pt12 Madalena Maral Grilo, Directora executiva do Comit Portugus da

    UNICEF13 Sofia Branco, jornalista do Pblico.Pt

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    Este factor redime apenas a falta de aposta da televiso nes-tes temas, mas os restantes meios no podem fundar-se neles: aimagem no problema para a imprensa, para a rdio, nem paraa Internet.

    A segunda possvel resposta para o facto dos temas de direitoshumanos no serem considerados vendveis o facto da socie-dade civil no se interessar por eles e, por isso, os media no

    apostarem.No caso portugus, um facto que existe uma grande letargia

    da sociedade civil para se mobilizar, nomeadamente para causashumanitrias (o que comprova o carcter paradigmtico e nicodo caso de Timor-Leste). Isso afecta tanto a reaco dos meios decomunicao social, como a existncia e sobrevivncia das pr-prias Organizaes No Governamentais, sendo que muitas delesdependem exclusivamente da sociedade civil.

    Em Portugal, contrariamente ao que acontece em muitos pa-ses europeus, o envolvimento dos cidados activos nas ONGs

    escasso. Os portugueses no gostam muito de se juntar a orga-nizaes. Temos a taxa mais baixa de associados das ONGs daUnio Europeias (...). Falta uma participao cvica mais cons-tante14.

    Esta apatia e falta no tem uma explicao clara e quase umatradio portuguesa. Mas pode estar intimamente ligada com afalta de formao dos cidados para as questes de direitos hu-manos, ajuda humanitria, cooperao para o desenvolvimento e,essencialmente, educao para a cidadania.

    Ns portugueses no temos uma prtica de direitos humanos

    bem consolidada. Nem sequer nas prticas do dia-a-dia. Grandeparte das relaes de trabalho que existem hoje, por exemplo,no so prticas democrticas. At pelo contrrio: so bastante

    14 Madalena Maral Grilo, Directora Executiva do Comit Portugus daUNICEF

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    56 Sofia Aureliano

    antidemocrticas e fora dos direitos humanos. Como que nspodemos ter um olho crtico, se ns no o fazemos ?15 .

    15 Isabel Ferin da Cunha, presidente de uma ONG (CIDAC) e vice-presidente do Centro de Investigao Media e Jornalismo

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    A responsabilidade dojornalista

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    a) As regras do jogo

    Por que regras se rege o jornalista? Para responder a esta questo,interessa verificar o que diz o cdigo deontolgico do jornalistasobre as suas funes e responsabilidades mantendo sempre pre-sente que este cdigo no tem carcter vinculativo, e o seu incum-primento no pode ser punido por lei. As nicas consequncias

    desse incumprimento so de ordem moral e deontolgica e podemafectar a sua relao com a comunidade jornalstica.

    O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos osseus trabalhos e actos profissionais (...) O jornalista deve tambmrecusar actos que violentem a sua conscincia1.

    O jornalista deve recusar funes, tarefas e benefcios sus-ceptveis de comprometer o seu estatuto de independncia e a suaintegridade profissional. O jornalista no deve valer-se da suacondio profissional para noticiar assuntos em que tenha inte-resse2.

    Estas regras ajudam-nos claramente neste trabalho. Se todosseguissem risca o que diz o cdigo deontolgico, o jornalismoera fruto apenas da vontade do ser humano que exerce essa pro-fisso, variando ento entre mau e bom conforme fosse a sua con-dio humana. Se assim fosse, tambm no existiria jornalismo:no h espao nesta lgica para as empresas e para o poder que asentidades patronais tm sobre os seus funcionrios. Neste caso,nem seria necessrio existirem editores e directores, porque o jor-nalista poderia agir sempre em conscincia, e poderia ser respon-svel pelos seus trabalhos e responder por eles em qualquer sede.

    Pretende-se assim dizer que o papel do jornalista sofreu alte-raes, e que hoje deve ser visto essencialmente como um pro-fissional submisso (a no ser que seja free lancer) s ordens edesgnios dos seus superiores e a uma lgica editorial da empresapara onde trabalha. O cdigo deontolgico poder socorr-lo em

    1 Cdigo Deontolgico do Jornalista, n.o 52 Idem, n.o 10

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    algumas situaes, mas no pode servir de guio exclusivo para asua aco, nem to pouco para a nossa anlise.

    No significa isto que no exista espao para a personalidadee as caractersticas individuais que cada jornalista pode utilizar noexerccio da sua funo, nem que os jornalistas devam ser enten-didos como mquinas sob o comando de agentes superiores. Con-tudo, tambm no adequado retirar essa lgica de submisso e

    de hierarquizao concepo vertical da maioria das empresas actividade jornalstica, sob pena de se acusar injustamente oprofissional de jornalismo de no ser o to esperado salvador domundo.

    b) Jornalismo: dever ou poder?

    Vejo o jornalismo muito mais como um dever doque como um poder. Um dever que tem uma grande

    responsabilidade. Neste momento, acho que se fazum jornalismo muito pouco responsvel.3

    Ao longo deste trabalho, foram utilizados vrios testemunhosde profissionais dos meios de comunicao social, que confirma-ram a falta de aposta dos media em dar espao noticioso a temasde direitos humanos e ajuda humanitria. Este um facto, mas ascausas podem ser de vria ordem. Na verdade, ingnuo acreditarque os media correspondem a uma plataforma horizontal de po-deres, em que o jornalista tem autonomia para agir. Os meios decomunicao social so empresas e regem-se, por isso, por uma

    lgica de mercado igual a todas as outras: visam o lucro. Porisso, acima dos jornalistas (que podem ter objectivos mais nobrescomo tentar fazer trabalhos em prol de causas em que acreditem)esto editores, directores e donos de rgos de comunicao queno se interessam pelas causas nobres que o jornalista queira se-guir. Assim, tambm o prprio jornalista acaba por se submeter s

    3 Sofia Branco, jornalista do Pblico.Pt

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    lgicas de concorrncia e de busca de audincia (porque , nestecaso, semelhante ao lucro): o que o move , muitas vezes, a suatentativa de preservar o seu trabalho, j que, como qualquer outrapessoa, tem uma vida para alm da sua profisso.

    Quanto ao seio das empresas jornalsticas, cada vez mais em-presas do que jornalsticas4,tambm est a crescer uma respon-sabilidade social, designada habitualmente como cidadania em-

    presarial. Esta uma rea que interliga as aces e os objectivosde dois sectores que tradicionalmente se tm mantido distantes efalando em linguagens diferentes: o sector empresarial e o ter-ceiro sector (a sociedade civil)5.

    No se pode, por isso, exigir ao jornalista que se atire de ca-bea em causas humanitrias, contrariando as ordens internas quetem e pondo em risco a manuteno do seu trabalho. No entanto,h outra viso, mais humanista e provavelmente utpica, do jorna-lista como ser humano, como homem de causas e com um deversuperior ao poder que os media lhe do.

    Journalists are frightened and are in a dilemmathat puts them in between tell the truth or keep their

    jobs, or their life, but, in spite of that, to expect thiskind of job from the communication professionals isnot a crazy thing, and it does not seem either like animpossible utopia, because these people who work inthe media have the resources and the power to edu-cate the citizens, and to form them, and to go for abetter society for the average person who have their

    hands tied because they have no power to change thesituation. It is not