PARTE I Apostila_-_Direito_Administrativo_Fundamental_-_Axioma_-_2011

Embed Size (px)

Citation preview

CURSO PREPARATRIO PARA PROCURADOR GERAL DO ESTADO DE GOIS

DIREITO ADMINISTRATIVO PARTE I

Professor: Gabriel Brum Teixeira 2011-2

Direito Administrativo

SUMRIODIREITO ADMINISTRATIVO ............................................................... 5 1. BREVE INTRODUO..................................................................................................... 5 2. CRITRIOS PARA DEFINIO (FORMAO) DO CONCEITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ................................................................................................................ 7 3. CONCEITO E CONTEDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ............................. 9 4. NATUREZA JURDICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO .................................. 10 5. RELAES DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS RAMOS JURDICOS (A INTERDISCIPLINARIDADE) .............................................................. 10 6. FONTES ............................................................................................................................. 12 7. CODIFICAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ................................................ 15 8. INTERPRETAO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ........................................... 15 9. SISTEMA ADMINISTRATIVO OU SISTEMA DE CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAO PBLICA ..................................................................................... 15 REGIME JURDICO-ADMINISTRATIVO ....................................................................... 23 1. CONCEITO DE REGIME JURDICO-ADMINISTRATIVO ..................................... 23 2. PRINCPIOS ADMINISTRATIVOS ............................................................................. 24 ADMINISTRAO PBLICA ............................................................................................. 41 ORGANIZAO ADMINISTRATIVA............................................................................... 41 1. ESTADO ............................................................................................................................. 41 2. ADMINISTRAO PBLICA: CONCEITO E SENTIDOS ..................................... 42 3. ADMINISTRAO PBLICA E GOVERNO ............................................................... 44 4. ORGANIZAO ADMINISTRATIVA (CENTRALIZAO, DESCENTRALIZAO E DESCONCENTRAO) ................................................................................................... 44 5. ATIVIDADE ESTATAL FORMAS DE DESEMPENHO (SERVIOS PBLICOS E EXPLORAO DE ATIVIDADE ECONMICA) ........................................................ 50 6. OS PRINCIPAIS INTEGRANTES DA ADMINISTRAO INDIRETA ............... 51 7. AGNCIAS EXECUTIVAS............................................................................................. 72 8. SETORES DA ECONOMIA NACIONAL .................................................................... 73 9. TERCEIRO SETOR ......................................................................................................... 74 10. CONTRATOS DE GESTO OU ACORDO-PROGRAMA ..................................... 79 PODERES DA ADMINISTRAO PBLICA ................................................................. 80 1. INTRODUO .................................................................................................................. 80 2. PODER-DEVER ................................................................................................................ 80 3. DEVERES (PODERES-DEVERES GENRICOS) DA ADMINISTRAO PBLICA ................................................................................................................................. 81Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 2

Direito Administrativo

4. PODERES (PODERES-DEVERES ESPECFICOS) DA ADMINISTRAO PBLICA ................................................................................................................................. 82 ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................................................................... 90 1. INTRODUO .................................................................................................................. 90 2. CONCEITO ........................................................................................................................ 91 3. REQUISITOS (ELEMENTOS, PRESSUPOSTOS OU CONDIES DE VALIDADE) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS............................................................. 92 4. ATRIBUTOS (OU CARACTERSTICAS) DO ATO ADMINISTRATIVO ............ 95 5. CLASSIFICAO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................. 97 6. NOES DE PERFEIO, VALIDADE, EFICCIA E EXEQUIBILIDADE .... 100 7. ESPCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS............................................................ 101 8. INVALIDAO OU DESFAZIMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ...... 104 9. CONVALIDAO DE ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................... 106 SERVIDORES PBLICOS ................................................................................................ 107 1. CONCEITO NOES INICIAIS ........................................................................... 107 2. CLASSIFICAO .......................................................................................................... 108 3. ESTUDO DO REGIME JURDICO DOS SERVIDORES PBLICOS CIVIS .. 112 4. COMPETNCIA LEGISLATIVA ................................................................................. 115 5. ORGANIZAO ADMINISTRATIVA ....................................................................... 115 6. NORMAS CONSTITUCIONAIS SOBRE O REGIME JURDICO DOS SERVIDORES PBLICO .................................................................................................. 116 SERVIO PBLICO ........................................................................................................... 134 1. FORMAO DO CONCEITO...................................................................................... 134 2. PRINCPIOS DO SERVIO PBLICO .................................................................... 137 3. ROL BSICO DE SERVIOS PBLICOS SEGUNDO A CONSTITUIO DA REPBLICA REPARTIO DE COMPETNCIAS PARA A SUA PRESTAO .. 141 4. CLASSIFICAO .......................................................................................................... 143 5. GREVE NO SERVIO PBLICO ............................................................................... 145 6. PRESTAO DO SERVIO PBLICO DELEGAO E OUTORGA ............ 146 7. FORMAS DE PRESTAO DO SERVIO PBLICO .......................................... 147 8. MEIOS DE PRESTAO DO SERVIO PBLICO .............................................. 148 9. MODALIDADES DE DELEGAO ........................................................................... 148 10. PERMISSO DE SERVIO PBLICO .................................................................. 150 11. AUTORIZAO DE SERVIO PBLICO............................................................. 152 12. CONVNIO ADMINISTRATIVO ............................................................................. 153 13. ORGANIZAES SOCIAIS..................................................................................... 154 14. OSCIP ORGANIZAO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PBLICO ................................................................................................................................................. 155 15. PPP PARCERIA PBLICO-PRIVADA ................................................................ 156 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................................................ 157Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 3

Direito Administrativo

1. INTRODUO ............................................................................................................... 157 2. EVOLUO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............................ 158 3. ANLISE DA REGRA INSCRITA NO ARTIGO 37, 6 DA CONSTITUIO FEDERAL .............................................................................................................................. 161 4. PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAO OBJETIVA DO ESTADO . 164 5. CAUSAS ATENUANTES E EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO ................................................................................................................................ 168 6. RESPONSABILIDADE CIVIL POR CONDUTAS OMISSIVAS .......................... 170 7. RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS ............................................ 173 8. RESPONSABILIDADE POR ATOS JUDICIAIS .................................................... 173 9. REPARAO DO DANO ............................................................................................. 175 10. A AO DE REGRESSO .......................................................................................... 180 11. JURISPRUDNCIA PREDOMINANTE DO STF E DO STJ .............................. 181 CONTROLE ADMINISTRATIVO ..................................................................................... 187 1. INTRODUO: ESTADO DE DIREITO E CONTROLE DA ADMINISTRAO PBLICA ............................................................................................................................... 187 2. CONTROLE DA ADMINISTRAO NA CONSTITUIO FEDERAL .............. 188 BIBLIOGRAFIA ESPECFICA INDICADA ................................................................... 217 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 217

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

4

Direito Administrativo

PONTO 1 DIREITO ADMINISTRATIVOEste captulo foi originalmente elaborado pelo Prof. Frederico Telho. As atualizaes seguintes foram realizadas pelos Profs. Frederico Telho e Sandro de Abreu.

1. BREVE INTRODUO 1.1. Evoluo Administrativo Histrica (Origem) do Direito

Muito embora a doutrina majoritria reconhea o surgimento do Direito Administrativo a partir do nascimento do Estado de Direito (perodo ps-revolues burguesas), h quem constate a existncia de normas administrativas ainda na Idade Mdia, mesmo que ainda no integrassem um ramo prprio e ainda se enquadrassem no direito civil. Com o fim da Idade Mdia, no perodo das monarquias absolutistas, as normas administrativas pouco evoluram, j que os monarcas eram autoridades soberanas (representantes dos homens e de Deus) e, por isso, no se submetiam ao imprio das leis. Nesse perodo, inclusive, vigorou a Teoria da Irresponsabilidade do Estado, baseada nos postulados de que the king can do no wrong e le roi ne peut mal faire. At ento, o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais nas mos do soberano no permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem reconhecer direitos aos sditos. Vivia-se o domnio da vontade onipotente do monarca, cristalizada na mxima romana quod principi placuit legis habet vigorem e, subseqentemente, na expresso egocentrista de Luiz XIV, para quem Ltat cest moi. induvidoso, portanto, que o impulso decisivo para a formao do Direito Administrativo foi dado pela Teoria da Separao dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu (LEsprit des Lois, 1748) e acolhida universalmente por todos os pases constitudos como Estado de Direito. Na Frana, aps a Revoluo (1789), foram tripartidas as funes do Estado em: executiva, legislativa e judicial. Nesse contexto, verificouse a especializao das atividades do governo e a independncia dos rgos incumbidos de realiz-las. Surgiu, portanto, a necessidade de julgamento dos atos da administrao, o que, inicialmente, ficou a cargo do Parlamento, mas, posteriormente, foi reconhecida a convenincia de se desligar as atribuies polticas (do Parlamento) das judiciais. Ainda, em um estgio mais avanado, foram criados, a par dosProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 5

Direito Administrativo

tribunais judiciais, os tribunais administrativos. Surgiu, assim, a jurisdio administrativa (ou justia administrativa) e, como corolrio lgico, foi-se estruturando um conjunto de normas autnomas de Direito, que especificamente regulavam a Administrao Pblica e suas relaes, inclusive com terceiros (administrados, particulares e/ou cidados). preciso notar, entretanto, que o Direito Administrativo no se desenvolveu da mesma forma em todos os pases. O contexto sciopoltico-administrativo de cada Estado imps, caso a caso, uma evoluo peculiar. A disciplina experimentou maior avano nos Estados mais atuantes, aqueles que no se limitavam simplesmente manuteno da ordem pblica, desenvolvendo suas atividades nos mais diversos setores, como sade, educao, cultura e previdncia social e, at mesmo, atuando no domnio econmico. Desta maneira, imperioso distinguir o direito administrativo aplicado no chamado Estado de Polcia, do Estado do Bem-estar e do Estado Providncia, vez que cada um destes apresenta nveis diversos de interferncia estatal nas relaes com seus cidados. (Romeu Felipe Bacellar Filho).

1.2. O Direito Administrativo no BrasilO Direito Administrativo no Brasil no se atrasou, cronologicamente, em relao s demais naes. Em 1851, foi criada essa cadeira (Dec. 608, de 16.8.1851) nos cursos jurdicos existentes e, j em 1857, era editada a primeira obra sistematizada sobre o tema (Elementos de Direito Administrativo Brasileiro, de Vicente Pereira do Rego, que, poca, era professor da Academia de Direito do Recife na Amrica Latina1). Durante o Imprio, sucederam quela obra os seguintes livros: (a) Veiga Cabral, Direito Administrativo Brasileiro, Rio, 1859; (b) Visconde do Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo Brasileiro, 2 vols., Rio, 1862; (c) A. J. Ribas, Direito Administrativo Brasileiro, Rio, 1866; (d) Rbio de Oliveira, Eptome do Direito Administrativo Ptrio, So Paulo, 1884. Com a Repblica, os estudos sistematizados de Direito Administrativo continuaram a evoluir, j, agora, sob a influncia do Direito Pblico Norte-Americano, que, inclusive, inspirou o modelo de federao adotado no Brasil. De l para c, inmeras obras foram editadas, o que indica que a curva da evoluo histrica do Direito Administrativo no Brasil foi extremamente profcua e se apresenta promissora. So contnuos e substanciosos os estudos sobre o tema, o que confirma a previso de Goodnow, para quem os grandes problemas de Direito Pblico Moderno so de carter quase exclusivamente administrativo.

1

TCITO, Caio. O primeiro livro sobre Direito Administrativo na Amrica Latina. RDA 27/428.

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

6

Direito Administrativo

2. CRITRIOS PARA DEFINIO (FORMAO) CONCEITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

DO

Dentre os diversos critrios utilizados na definio do Direito Administrativo, chamamos a ateno para os seguintes: a) CRITRIO (OU ESCOLA) POSITIVISTA, LEGALISTA, EXEGTICA, EMPRICA, CATICA OU FRANCESA: o Direito Administrativo simplesmente o estudo das normas que regem a Administrao Pblica. CRTICA: o Direito no se esgota pelo estudo das leis; b) CRITRIO (OU ESCOLA) DO PODER EXECUTIVO (pensamento de autores italianos, como Raggi, Posada de Herrera e Ranelleti): o Direito Administrativo o estudo dos atos do Poder Executivo. CRTICA: existem atos administrativos que provm dos Poderes Legislativo e Judicirio; c) CRITRIO TELEOLGICO (pensamento do italiano Vittorio Emanuelle Orlando): o Direito Administrativo seria um sistema harmnico de normas e princpios jurdicos que regulam a atividade do Estado, no intuito de viabilizar o alcance dos seus fins. No Brasil, este critrio defendido por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, para quem o Direito Administrativo o ordenamento jurdico da atividade do Estado-poder, enquanto tal, ou de quem faa as suas vezes, de criao de utilidade pblica, de maneira direta e imediata. CRTICA: outras disciplinas de direito pblico tambm seriam abrangidas por este critrio; d) CRITRIO NEGATIVO OU RESIDUAL (adotado por Tito Prates da Fonseca): o conceito do Direito Administrativo subsidirio, ou seja, o estudo de todas as atividades estatais, salvo aquelas que envolvam o direito privado (patrimonial), a atividade legislativa e a atividade jurisdicional; e) CRITRIO DA DISTINO ENTRE ATIVIDADE JURDICA E SOCIAL DO ESTADO: distingue a atividade jurdica no contenciosa exercida pelo Estado e a atividade social por ele exercida supletivamente. Mrio Masago e Jos Cretella Jnior adotam este critrio e, por isso, conceituam o Direito Administrativo, em sentido objetivo, como o conjunto de princpios que regulam a atividade jurdica no contenciosa do Estado e, em sentido subjetivo, como aquele que regula a constituio dos seus rgos e respectivos meios de ao;

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

7

Direito Administrativo

f) CRITRIO DAS RELAES JURDICAS (defendido pelo francs Laferrire): o Direito Administrativo o estudo das relaes travadas entre a Administrao e os administrados (cidados e/ou particulares). CRTICA: em outras disciplinas tambm h relaes entre Administrao e administrados, como no Direito Tributrio; g) CRITRIO DA HIERARQUIA (criado por Ren Foignet): o Direito Administrativo o estudo da atuao dos rgos inferiores do Estado, enquanto o Direito Constitucional estuda a atuao dos rgos superiores. CRTICA: tanto o Direito Administrativo quanto o Constitucional estudam o Estado, independentemente da hierarquia de seus rgos. O diferencial reside, respectivamente, no fato de que aquele cuida da dinmica do Estado (o seu aparelhamento) e este se dedica a sua estrutura; h) CRITRIO (OU ESCOLA) DO SERVIO PBLICO: o Direito Administrativo o estudo das atividades estatais (disciplina, organizao e regncia) da prestao de servios pblicos. CRTICA: limita, injustificadamente, o objeto de estudo do Direito Administrativo; i) CRITRIO PERSONATIVO: o Direito Administrativo o estudo das pessoas jurdicas pblicas (ou de direito pblico). CRTICA: incorre no equvoco da generalidade. As empresas pblicas e as sociedades de economia mista tm personalidade jurdica de direito privado e so tambm estudadas pelo Direito Administrativo; j) CRITRIO DA ADMINISTRAO PBLICA: vrios autores adotam este critrio, inclusive Hely Lopes Meirelles. Segundo este critrio, leva-se em considerao, na conceituao do Direito Administrativo, a Administrao Pblica no seu sentido objetivo, subjetivo e formal; OBSERVAO: O professor Toshio Mukai apresenta as seguintes divises doutrinrias acerca dos conceitos de Direito Administrativo: a) corrente dualista: o Direito Administrativo seria aplicado a uma parte restrita da atuao estatal, sendo a outra remanescente regida pelo direito privado; b) corrente intermediria: todo o direito aplicvel Administrao deve ser denominado de Direito Administrativo, sendo ele de natureza pblica ou privada; c) corrente unitria: existe um s direito aplicvel Administrao, o Direito Administrativo. Rejeita-se a idia de aplicao do direito privado s atividades do Estado. Toshio Mukai adota esta ltima corrente (unitria) e afirma que o Estado poder realizar muitas atividades similares dos particulares, [...] mas jamais poder identificar sua vontade ou processo aos de um sujeito privado e menos ainda atuar com fins privados.Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 8

Direito Administrativo

3. CONCEITO E CONTEDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 3.1. ConceitoO conceito e o contedo do Direito Administrativo variam conforme o critrio terico adotado pelo doutrinador/intrprete (conferir item 2, acima). O Direito Administrativo brasileiro, em sntese, pode ser entendido como o conjunto de normas, especialmente princpios jurdicos, que regem a atividade administrativa, as entidades e rgos da Administrao Pblica, bem como os agentes pblicos, tudo com a finalidade cogente de satisfao das necessidades coletivas (interesse pblico). Apia-se, portanto, no modelo denominado europeu-continental, originrio do direito francs e adotado pela Itlia, Espanha, Portugal, dentre outros pases europeus. tambm chamado de direito administrativo descritivo, que se ope ao modelo anglo-americano (ou anglo-saxo), porque tem por objeto a descrio e delimitao dos rgos e servios pblicos, sendo derrogatrio do direito privado (o modelo ingls, por seu turno, se fundamenta na atuao administrativa, sem derrogao do direito privado, integrando a prpria Cincia da Administrao).

3.2. Contedo (ou Objeto)Ao Direito Administrativo compete o estudo da atividade ou funo administrativa exercida direta ou indiretamente, sua estrutura, seus bens, seu pessoal e sua finalidade. O seu estudo recai sobre os atos/contratos administrativos editados pelo Poder Executivo, bem como pelos Poderes Legislativo e Judicirio. A despeito da enorme controvrsia na doutrina, pode-se afirmar que, por funo administrativa, entende-se o dever do Estado de atender o interesse pblico, com a satisfao do comando decorrente dos atos normativos. O cumprimento do dever legal, como se ver, poder decorrer da funo exercida por pessoa jurdica de direito pblico ou mesmo de direito privado (no caso da atividade descentralizada). O que no se discute, no caso, a absoluta submisso da Administrao Pblica lei (em sentido amplo), que sempre lhe impe a conduta esperada. Ante tal submisso, os poderes instrumentais da Administrao Pblica ho de ser entendidos como deveres (da a idia de poder-dever ou deverpoder). O estudo da Administrao Pblica, em face do conceito proposto, , substancialmente, o objeto (contedo) do Direito Administrativo.

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

9

Direito Administrativo

4. NATUREZA JURDICA DO DIREITO ADMINISTRATIVOO Direito Administrativo integra o ramo do direito pblico, pois em suas relaes h sempre a presena, seja direta ou indireta, do Estado, que exerce suas atividades sob um regime de prerrogativas e sujeies, observados os limites impostos pelo manto protetor dos direitos fundamentais. As normas de Direito Administrativo so, portanto, predominantemente, de Direito Pblico (incidem, tambm, mesmo que em menor proporo, normas de Direito Privado nas relaes regidas pelo Direito Administrativo).

5. RELAES DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS RAMOS JURDICOS (A INTERDISCIPLINARIDADE)O estudo do Direito no mais comporta a anlise isolada e estanque de um ramo jurdico. Na verdade, o Direito um s. As relaes jurdicas que podem ter naturezas diferentes. Assim, mesmo que de forma sucinta, cabvel indicar alguns pontos comuns em que o Direito Administrativo se tangencia com outras disciplinas jurdicas. No entanto, antes de se adentrar no exame da interdisciplinaridade, vale a pena relembrar um assunto sempre comentado. Trata-se da antiga e dicotmica classificao romana, que admitia bipartir o Direito em dois grandes (e intocveis) ramos jurdicos: (a) o Direito Pblico; e (b) o Direito Privado. Esta classificao, atualmente, encontra-se superada, tal como registram praticamente todos os estudiosos do assunto. quase pacfico o raciocnio de que todo ramo jurdico contm, de algum modo, normas de ambos os campos (ou seja, normas de Direito Pblico e de Direito Privado). Nenhuma disciplina, portanto, se afigura inflexvel quanto natureza das normas que a integram. Se tal fundamento verdadeiro, no menos o o fundamento de que, em cada ramo do Direito, predominam as normas de Direito Pblico ou de Direito Privado, umas sobre as outras. O que no se admite a idia de que, em determinado ramo jurdico, as normas sejam exclusivamente de Direito Pblico ou de Direito Privado, sem qualquer interligao entre elas. Assim, pode-se afirmar, com certeza, que o Direito Administrativo se insere no ramo do Direito Pblico, tal como ocorre com o Direito Constitucional, o Direito Penal, o Direito Processual, o Direito Eleitoral, entre outros (isso no quer dizer, repita-se, que no haja normas de Direito Privado incidentes nas relaes regidas pelo Direito Administrativo a dicotomia absoluta no mais se sustenta). De outro turno, no campo do Direito Privado, ficam, em ltima instncia, o Direito Civil e o Direito Comercial (ou Empresarial). Mais umaProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 10

Direito Administrativo

vez, nesse particular, vale anotar que h normas tipicamente de Direito Pblico incidentes nas relaes regidas pelo Direito Civil e Comercial. Agora, fechando esse grande parntese e retornando-se a interdisciplinaridade, pode-se afirmar que a relao de maior intimidade do Direito Administrativo com o Direito Constitucional. E no poderia ser de outra maneira. o Direito Constitucional que alinha as bases e os parmetros do Direito Administrativo que, na verdade, revela-se como o lado dinmico daquele. Na Constituio da Repblica esto esculpidos os princpios da Administrao Pblica (art. 37), a matriz das normas sobre servidores pblicos (arts. 39/41), alm das competncias atribudas ao Poder Executivo (arts. 84/85). So mencionados, ainda, na Lei Maior, os institutos da desapropriao (arts. 5, XXIV; 182, 4, III; 184 e 243), das concesses e permisses de servios pblicos (art. 175), dos contratos administrativos e licitaes (arts. 37, XXI e 22, XXVII), da responsabilidade extracontratual do Estado (art. 37, 6), entre outros. O Direito Administrativo ainda se toca no Direito Processual, especialmente pela circunstncia de que, em ambos os ramos, a figura do processo aparece. Apesar das peculiaridades no tratamento do assunto em um e noutro ramo do Direito (princpios prprios, procedimentos diferenciados, etc.), certo que existem inevitveis pontos de ligao entre as figuras do processo (ou procedimento) administrativo e do processo judicial. Apenas como exemplo, vale lembrar que o direito ao contraditrio, ampla defesa e durao razovel do processo incide tanto em uma como noutra categoria (art. 5, LV e LXXVIII da CF). Ainda, especificamente quanto ao processo administrativo de natureza disciplinar, so aplicveis alguns postulados e normas do processo penal. J no que diz respeito ao processo civil, importante lembrar que, em suas normas, existem previses de prerrogativas processuais aplicveis Administrao Pblica, quando em juzo (arts 188 e 475 do CPC). A relao com o Direito Penal se consuma por meio de vrios elos de ligao. Um deles a previso, no Cdigo Penal, dos crimes contra a Administrao Pblica (arts. 312/326) e a definio dos sujeitos passivos desses delitos (art. 327, caput e 1). A interseo se d, tambm, no caso das normas penais em branco, aquelas cujo contedo pode se completar pelas normas de Direito Administrativo. Ainda, com relao ao Direito Tributrio, h matrias conexas e relacionadas. Uma delas a que outorga ao Poder Pblico o exerccio do Poder de Polcia, atividade tipicamente administrativa, que remunerada por taxas (arts. 145, II da CF; e arts. 77/78 do CTN). De outro ngulo, tem-se que as normas de arrecadao tributria se inserem dentro do contexto do Direito Administrativo. O Direito do Trabalho outra disciplina que apresenta alguns pontos de contato com o Direito Administrativo. inegvel que as normas que regulam a funo fiscalizadora das relaes de trabalho esto integradas no Direito Administrativo. Ainda, de se reconhecer que ao Estado-Administrao permitido o recrutamento de servidores peloProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 11

Direito Administrativo

regime trabalhista, aplicando-se, preponderantemente, a essa relao jurdica as normas da Consolidao das Leis do Trabalho CLT (com a EC 19/98, houve a queda do regime jurdico nico dos servidores pblicos). H, tambm, relaes entre o Direito Administrativo e o Direito Civil e Comercial (ou Empresarial). Diga-se, alis, que so intensas essas relaes. A guisa de exemplo, vale anotar que a teoria civilista dos atos e negcios jurdicos e a teoria geral dos contratos se aplicam supletivamente aos atos e contratos administrativos (vide, por exemplo, o art. 54 da Lei n 8.666/93). Em outra vertente, pode-se destacar que lcito ao Estado criar empresas pblicas e sociedades de economia mista para a explorao de atividade econmica (art. 173, 1 da CF), cujos atos constitutivos sero regidos por normas de Direito Comercial. Por derradeiro, de se atentar para as relaes que alguns novos ramos jurdicos mantm com o Direito Administrativo. Como exemplo, cita-se o Direito Urbanstico, que, objetivando o estudo, a pesquisa e as aes de poltica urbana, contm normas tipicamente de Direito Administrativo. Poderia at mesmo dizer-se, sem receio de errar, que se trata de verdadeiro subsistema do Direito Administrativo (muito embora, para maioria da Doutrina, o Direito Urbanstico ramo autnomo). O Estatuto da Cidade (Lei n 10.257/2001) dispe sobre vrios instrumentos tpicos do Direito Administrativo, como as licenas, as obrigaes urbansticas, o estudo prvio de impacto de vizinhana, a desapropriao, etc.

6. FONTESNo h entendimento pacfico, na doutrina, quanto s fontes do Direito Administrativo. Basicamente, diz-se que a principal fonte a lei, entendida como norma escrita superior em relao s demais fontes, de carter impessoal, o que engloba todos os atos normativos, com abrangncia ampla, desde as normas constitucionais at as instrues/circulares e demais atos decorrentes do poder normativo estatal. Outras fontes, ao lado da lei, inspiram o Direito Administrativo, a saber: a jurisprudncia, a doutrina, os princpios gerais do direito, o costume e a doutrina.

6.1. A Lei a regra escrita, geral, abstrata e impessoal, que tem por contedo um direito objetivo, no seu sentido material, e, no sentido formal,

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

12

Direito Administrativo

considerada como todo e qualquer ato/disposio emanado do Poder Legislativo. De acordo com sua destinao, recebe o nome de lei constitucional, lei administrativa, lei civil, lei penal, lei processual, lei tributria, lei comercial, etc. O seu contedo que lhe emprestar a natureza de norma de ordem pblica ou de ordem privada (lex privata), o que no quer dizer que toda norma de ordem pblica ser de Direito Pblico. Tanto assim que as normas aplicveis ao casamento e sua dissoluo, a despeito de tangenciarem o Direito Civil (ramo do Direito Privado), possuem o contedo de normas de ordem pblica. A lei, como norma jurdica, deve ser entendida, em seu sentido material, como todo ato normativo imposto coativamente pelo Estado aos particulares, com a finalidade de regular as relaes entre eles e, ainda, entre os prprios cidados/administrados. A lei, em acepo ampla, fonte primria do Direito Administrativo e, assim, abrange todos os atos normativos resultantes do poder legiferante e do poder normativo estatal: lei constitucional (superior a todas); lei complementar; lei ordinria; lei delegada; medida provisria; decreto legislativo; resoluo do Senado; decreto de execuo; decreto autnomo; decreto autorizado/delegado; instruo ministerial; regulamento; regimento; circular; portaria; ordem de servio, etc..

6.2. A JurisprudnciaA jurisprudncia formada pelas decises reiteradas sobre um mesmo assunto, em um mesmo sentido. As decises isoladas dos tribunais so computadas como simples precedentes e no se equivalem amplitude conceitual da jurisprudncia. Para alguns doutrinadores, a jurisprudncia no fonte do Direito, mas mero indicativo de valor moral. Todavia, parece-nos acertado indicla como fonte, posto que marcante sua influncia no delineamento de diversos institutos (especialmente de Direito Administrativo), tais como a responsabilidade civil do Estado, a interveno do Estado na propriedade privada, os casos de apurao de ilcitos funcionais e, ainda, a dosimetria da sano disciplinar. Atualmente, ante o advento da smula vinculante (EC 45), a jurisprudncia ganhou ainda mais contorno e fora como fonte do Direito e, por assim ser, fonte do prprio Direito Administrativo. Todavia, cumpre ressaltar que, a despeito do que estabelece o artigo 103-A da CF/88 (aps a EC n 45/2004)2 e o artigo 28 da Lei n2 Art. 103-A da CF/88: O Supremo Tribunal Federal poder, de ofcio ou por provocao, mediante deciso de dois teros dos seus membros, aps reiteradas decises sobre matria constitucional, aprovar smula que, a partir de sua publicao na imprensa oficial, ter efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder sua reviso ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

13

Direito Administrativo

9.868/99 , no vige no nosso ordenamento jurdico o princpio norteamericano do stare decises, segundo o qual a deciso de um rgo jurisdicional (no necessariamente da Suprema Corte) vincula as instncias inferiores, para os casos idnticos.

3

6.3. Os Princpios Gerais do DireitoOs princpios gerais do direito so os postulados que dirigem toda a legislao e, por isso, apresentam-se como fonte do Direito Administrativo. Os princpios aplicveis Administrao Pblica, estejam previstos expressa ou implicitamente na Constituio, bem como aqueles que estejam estabelecidos em outros atos normativos, tm a natureza de princpios gerais do direito e so de observncia obrigatria.

6.4. O CostumeSempre que h deficincia legislativa no disciplinamento da Administrao Pblica objetiva (lacuna), possvel utilizar-se do costume como fonte do Direito Administrativo. Nesse sentido, a praxe burocrtica serviria como parmetro informativo ao Direito Administrativo, desde que no se mostre contrria lei e moral. Vale lembrar, ainda, por oportuno, que o costume exige a prtica reiterada, uniforme, contnua e de acordo com a moralidade administrativa, para que, ento, seja ele considerado fonte do Direito Administrativo. Hodiernamente, sua presena objeto de muitos questionamentos, tendo em vista a evoluo normativa experimentada com (e aps) a Constituio da Repblica de 1988.

6.5. A DoutrinaSegundo o magistrio de Hely Lopes Meirelles, a doutrina elemento construtivo da Cincia Jurdica, com reflexo direto na elaborao das leis, nas decises proferidas pelo Poder Judicirio, na soluo de conflitos e no mbito da prpria Administrao Pblica. o que se costuma chamar de opinio iures doctorum, em aluso percepo que se tem dos diversos ramos do saber jurdico, por parte dos estudiosos do direito.

3 Art. 28, pargrafo nico da Lei n 9868/99: A declarao de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretao conforme a Constituio e a declarao parcial de inconstitucionalidade sem reduo de texto, tm eficcia contra todos e efeito vinculante em relao aos rgos do Poder Judicirio e Administrao Pblica federal, estadual e municipal. Lembre-se que o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do pargrafo nico do artigo 28 da Lei 9868/99, por ocasio do julgamento da RCL n 1880/SP (Informativo n 289).

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

14

Direito Administrativo

7. CODIFICAO DO DIREITO ADMINISTRATIVOO Direito Administrativo no um direito codificado, como o Direito Civil, Penal, Processual, etc.. Na verdade, h uma infinidade de leis esparsas que definem, hoje, seus contornos dogmticos, tais como a Lei de Licitaes e Contratos Administrativos, Lei de Processo Administrativo, Estatutos de Servidores, etc. (isso, sem se falar, nas inmeras normas administrativas sediadas, originariamente, na Constituio Federal). Atualmente, h quem defenda a no codificao do Direito Administrativo, como h os que defendem a sua codificao parcial e outros que defendem a codificao total. Um exemplo de codificao do Direito Administrativo encontrado no Cdigo Administrativo de Portugal.

8. INTERPRETAO DO DIREITO ADMINISTRATIVOPara a adequada interpretao do Direito Administrativo no se pode olvidar de seu aspecto constitucional. As decises em matria administrativa devem passar pelo filtro constitucional, por meio do processo denominado de filtragem constitucional. Com isso, impe-se o respeito s regras e princpios, tanto expressos quanto implcitos, previstos na Constituio da Repblica. De outro turno, como decorrncia do regime jurdico-administrativo, o intrprete, ao lidar com o Direito Administrativo, dever ainda se atentar para quatros fatores: a) a desigualdade jurdica entre o administrador e o cidado: a administrao goza de privilgios (ou prerrogativas) decorrentes do princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado, o que gera relaes preponderantemente verticais; b) a indisponibilidade do interesse pblico; c) a discricionariedade; d) a presuno de legitimidade dos atos da Administrao Pblica (art. 19, II da CF/88); OBSERVAO: a analogia admitida no Direito Administrativo (o encaixe de situaes semelhantes). J a interpretao extensiva no admitida, uma vez que envolve a criao de norma administrativa nova.

9. SISTEMA ADMINISTRATIVO OU SISTEMA DE CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAO PBLICAPor sistema administrativo (ou sistema de controle jurisdicional da Administrao Pblica, como se diz modernamente), entende-se o regime adotado pelo Estado para a correo (verificao/controle) dos atos/contratos administrativos supostamente ilegais/ilegtimos praticadosProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 15

Direito Administrativo

pelo Poder Pblico, por quaisquer de seus departamentos de governo. Vigem, presentemente, dois sistemas bem diferenados: (a) o sistema do contencioso administrativo ou de jurisdio administrativa, jurisdio dupla ou dplice, tambm chamado de sistema francs; (b) e o sistema judicirio ou de jurisdio nica ou comum, conhecido tambm por sistema ingls. No se admite a existncia do chamado sistema misto. Esta nomenclatura, muito alm de imprpria, no serve para definir um sistema administrativo em si (autnomo). Na verdade, como bem pondera Miguel de Seabra Fagundes, hoje em dia, nenhum pas aplica um sistema de controle puro, seja atravs do Poder Judicirio, seja atravs de tribunais administrativos4. O que caracteriza o sistema administrativo a predominncia da jurisdio comum ou da jurisdio especial, e no a exclusividade de uma ou de outra. Na prtica, como visto, todos os sistemas seriam mistos, o que desnatura esta equivocada classificao.

9.1. Sistema do Contencioso Administrativo (ou Sistema Francs)O sistema do contencioso administrativo foi originariamente adotado na Frana, de onde se propagou para outras naes. resultante da acirrada luta que se travou entre a Monarquia e o Parlamento, que ento exerciam funes jurisdicionais, e os Intendentes, que representavam as administraes locais. A Revoluo (1789), imbuda de liberalismo e ciosa da independncia dos Poderes, pregada por Montesquieu, encontrou ambiente propcio para separar a Justia Comum da Justia da Administrao. Com isso, atendeu-se no apenas ao desejo de seus doutrinadores, mas tambm aos anseios do povo, j descrente da ingerncia judiciria nos negcios do Estado. Separaram-se os Poderes. E, ao extremar os rigores dessa separao, a Lei 16, de 24.08.1790, disps: As funes judicirias so distintas e permanecero separadas das funes administrativas. No podero os juzes, sob pena de prevaricao, perturbar, de qualquer maneira, as atividades dos corpos administrativos. A Constituio de 3.8.1791 consignou: Os tribunais no podem invadir as funes administrativas ou mandar citar, para perante eles comparecerem, os administradores, por atos funcionais. Firmou-se, assim, na Frana, o sistema do administrador-juiz, vedando-se Justia Comum conhecer de atos da Administrao, os quais se sujeitam unicamente jurisdio especial do contencioso administrativo, que gravita em torno da autoridade suprema do Conselho de Estado, pedra fundamental do sistema francs. Essa orientao, alis,4

FAGUNDES, Miguel de Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judicirio, 1957, p. 16

133, nota 1.

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

Direito Administrativo

foi conservada na reforma administrativa de 1953 e, mais tarde, mantida pela vigente Constituio francesa de 4.10.58. No sistema francs, todos os tribunais administrativos sujeitam-se, direta ou indiretamente, ao controle do Conselho de Estado, que funciona como juzo de apelao (juge dappel), como juzo de cassao (juge de cassation) e, excepcionalmente, como juzo originrio e nico de determinados litgios administrativos (juge de premier et dernier ressorte), uam vez que dispe de plena jurisdio em matria administrativa. Como no passado explica Vedel, em face da reforma administrativa de 1953 -, o Conselho de Estado , conforme o caso, juzo de primeira e ltima instncias, corte de apelao ou corte de cassao. A esses ttulos ele conhece ou pode conhecer de todo litgio administrativo.5 Na organizao atual do contencioso administrativo francs, o Conselho de Estado, no pice da pirmide da jurisdio especial, rev o mrito das decises, como corte de apelao dos Tribunais Administrativos (denominao atual dos antigos Conselhos de Prefeitura) e dos Conselhos do Contencioso Administrativo das Colnias. E, ainda, como instncia de cassao, o Conselho de Estado controla a legalidade das decises do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Educao Nacional e da Corte de Disciplina Oramentria (Lei de 25/09/48). Embora caiba jurisdio administrativa o julgamento do contencioso administrativo (ensemble de litiges que peut faire naitre lactivit de lAdministration), certas demandas de interesse da Administrao ficam sujeitas Justia Comum, desde que se enquadrem numa destas quatro ordens: (a) litgios decorrentes de atividades pblicas com carter privado; (b) litgios que envolvam questes de estado e capacidade das pessoas; (c) litgios de represso penal; (d) litgios que se refiram propriedade privada. Como a delimitao da competncia das duas Justias est a cargo da jurisprudncia, so freqentes os conflitos de jurisdio, os quais so solucionados pelo Tribunal de Conflitos, integrado por dois ministros de Estado (Garde des Sceaux e Ministre de la Justice), por trs conselheiros do Conselho de Estado e por trs membros da Corte de Cassao. As atribuies do Conselho de Estado so, portanto, de ordem administrativa e contenciosa. O governo dele se serve na expedio de avisos e no pronunciamento sobre matria de sua competncia consultiva, alm de que atua como rgo jurisdicional nos litgios em que interessada a Administrao ou seus agentes. A composio e funcionamento do Conselho de Estado so complexos, bastando recordar que, atualmente, integrado por cerca de5

BONNARD, Roger. Le Contrle Jurisdictionnel de lAdministration, 1934, p. 152.

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

17

Direito Administrativo

duzentos membros, recrutados entre funcionrios de carreira (indicados pela Escola Nacional de Administrao), auditores, juristas e conselheiros. Suas atividades se distribuem entre duas sees (a administrativa e a contenciosa), subdividindo-se esta ltima (a contenciosa) em nove subsees. A jurisdio deste rgo supremo da Administrao francesa manifestada por meio de um desses quatro recursos: (a) contencioso de plena jurisdio (ou contencioso de mrito ou, ainda, contencioso de indenizao), pelo qual o litigante pleiteia o restabelecimento de seus direitos feridos pela Administrao; (b) contencioso de anulao, pelo qual se pleiteia a invalidao de atos administrativos ilegais, que so aqueles contrrios lei e/ou moral ou, ainda, desviados de seus fins (dtournement de pouvoir), que, por isso, tambm chamado de recurso por excesso de poder (recours dexcs de pouvoir); (c) contencioso de interpretao, pelo qual se pleiteia a declarao do sentido do ato e de seus efeitos em relao ao litigante; (d) contencioso de represso, pelo qual se obtm a condenao do infrator pena administrativa prevista em lei, como nos casos de infrao de trnsito ou de atentado ao domnio pblico. O sistema do contencioso administrativo francs, como se v, complicado na sua organizao e atuao. Por isso mesmo, ele recebe adaptaes e simplificaes nos diversos pases que o adotam, tais como a Sua, a Finlndia, a Grcia, a Turquia, a lugoslvia, a Polnia e a antiga Tcheco-Eslovquia, embora sempre guarde, em linhas gerais, a estrutura francesa. No abonamos a excelncia desse regime. Entre outros inconvenientes sobressai o do estabelecimento de dois critrios de Justia: um, a jurisdio administrativa; o outro, a jurisdio comum. Alm disso, como bem observa Ranelletti, o Estado moderno, por ser Estado de Direito, deve reconhecer e garantir ao indivduo e Administrao, por via da mesma Justia, os seus direitos fundamentais, sem privilgios de uma jurisdio especial constituda por funcionrios da prpria Administrao e sem as garantias de independncia que se reconhecem necessrias magistratura. Na Frana, o contencioso administrativo se explica pela instituio tradicional do Conselho de Estado, que integra o regime daquele pas como uma peculiaridade indissocivel de sua organizao constitucional, mas no nos parece que, em outras naes, esse sistema possa apresentar vantagens sobre o sistema judicirio (ou de jurisdio nica).

9.2. Sistema Judicirio nica/Sistema Ingls)

(ou

Sistema

de

Jurisdio

O sistema judicirio (ou sistema de jurisdio nica/sistema ingls ou, ainda, modernamente denominado de sistema de controle judicial) Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 18

Direito Administrativo

aquele em que todos os litgios de natureza administrativa ou de interesses exclusivamente privados so resolvidos judicialmente pela Justia Comum, ou seja, pelos juzes e tribunais do Poder Judicirio. Tal sistema originrio da Inglaterra, de onde se transplantou para os Estados Unidos da Amrica do Norte, Blgica, Romnia, Mxico, Brasil, entre outros pases. A evoluo desse sistema est intimamente relacionada com as conquistas do povo contra os privilgios e desmandos da Corte inglesa. Primitivamente, o poder de administrar (no qual se inseria o poder de legislar), bem como o poder de julgar concentravam-se na Coroa. Com o tempo, o poder de legislar (Parlamento) foi diferenciado do poder de administrar (Rei), muito embora ainda permanecesse com a Coroa o poder de julgar. O Rei, portanto, era o nico destinatrio de todos os recursos dos sditos que, inseguros, como se direitos no possussem, viam na figura do monarca a personificao da injustia. O povo era dependente da graa real na apreciao de suas reclamaes e, apenas depois de muitas reivindicaes populares, foi criado o chamado Tribunal do Rei (King Bench). Esse rgo, por delegao da Coroa, passou a decidir as reclamaes contra os funcionrios do Reino. Tal sistema, porm, ainda era insatisfatrio, uma vez que os julgadores dependiam do Rei, que podia afast-los do cargo ou, ainda, ditar-lhes ou reformar-lhes as decises (dependia-se, ainda, da chancela real nos julgamentos). Algum tempo depois, o Tribunal do Rei passou a emitir, em nome prprio, ordens aos funcionrios contra quem os recursos eram apresentados, alm de expedir mandados de interdio que coibiam atos ilegais e/ou arbitrrios. Tornaram-se usuais, portanto, o writ of certiorari, para remediar os casos de incompetncia e ilegalidades graves; o writ of injunction, remdio preventivo destinado a impedir que a Administrao modificasse determinada situao; o writ of mandamus, destinado a suspender certos procedimentos administrativos arbitrrios; sem se falar no writ of habeas corpus, j considerado garantia individual desde a Magna Carta (1215). Do Tribunal do Rei, que s conhecia e decidia matria de direito, passou-se para a Cmara Estrela (Star Chamber), com competncia em matria de direito e de fato, alm de jurisdio superior sobre a Justia de Paz dos Condados. Todavia, ainda restava a ltima etapa da independncia da Justia Inglesa. Em 1701, por meio do Act of Seulement, os juzes foram desligados do Poder Real, alm de que se tornaram estveis em seus cargos, com competncia para julgar questes comuns e administrativas. Era, portanto, a instituio do Poder Judicial, independente do Poder Legislativo (Parlamento) e do Poder Administrativo (Rei), com jurisdio nica e plena para conhecer e julgar todos os atos e procedimentos da Administrao, bem como para solucionar os eventuais problemas decorrentes do direito privado.Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 19

Direito Administrativo

O sistema de jurisdio nica trasladou-se para as colnias norteamericanas e nelas se arraigou to profundamente que, proclamada a Independncia (1775) e fundada a Federao (1787), tornou-se cnone constitucional (Constituio dos EUA, art. III seo 2). Pode-se afirmar, sem risco de erro, que a Federao NorteAmericana a que conserva, na sua maior pureza, o sistema de jurisdio nica (ou do judicial control), que se afirma no rule of law, ou seja, na supremacia da lei. Ao definir esse regime, Dicey informa que ele se resume na submisso de todos jurisdio ordinria, cujo campo de ao coincide com o da legislao, sendo co-extensivo e equivalente ao poder de legislar. Nem por isso, porm, os Estados Unidos deixaram de criar tribunais administrativos (como so exemplos a Court of Claims, Court of Custom Appeals, Court of Record e Comisses de Controle Administrativo de certos servios ou atividades pblicas de interesse pblico), com funes regulamentadoras e decisrias (Interstate Commerce Commission, Federal Trade Commission, Tariff Commission, Public Service Commission, etc.). Essas comisses e tribunais, porm, no proferem decises definitivas e conclusivas para a Justia Comum, cabendo ao Poder Judicirio torn-las efetivas (enforced), quando resistidas, alm de poder rever a matria de fato e de direito j apreciada administrativamente. A prtica administrativa norte-americana levou a doutrina a afirmar, com inteiro acerto, que a existncia desse duplo freio (do processo judicial e das Comisses/Tribunais Administrativos) visa a enfrentar e neutralizar os abusos do poder burocrtico ou, pelo menos, reduzir o procedimento da Administrao condio de simples inqurito preliminar. No existe, pois, no sistema anglo-saxnico, que o da jurisdio nica (da Justia Comum), o contencioso administrativo do regime francs. Toda controvrsia, litgio ou questo entre particular e a Administrao (ou entre seus agentes e a prpria Administrao) resolvese perante o Poder Judicirio, que o nico competente para proferir decises com autoridade final e conclusiva (o chamado final enforcing, o que equivale coisa julgada judicial).

9.3. O Sistema Administrativo adotado no BrasilNo Brasil-Imprio, houve uma tentativa, por meio do artigo 142 da Constituio de 1824, de criao do contencioso administrativo. Diz-se tentativa, pois a justia administrativa no era independente. Suas decises poderiam ser revistas pela administrao ativa, ou seja, pelo Imperador. Em seguida, com a instaurao da primeira Repblica (1891), o Brasil adotou o sistema da jurisdio nica, ou seja, o sistema do controleProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 20

Direito Administrativo

administrativo pela Justia Comum. Por isso mesmo, Ruy Barbosa, em interpretao autntica de nossa primeira Constituio Republicana, afirmou, peremptoriamente, que "ante os arts. 59 e 60 da nova Carta Poltica, impossvel achar-se acomodao no Direito brasileiro para o contencioso administrativo. As Constituies posteriores (1934, 1937, 1946 e 1967/1969) afastaram a idia da jurisdio administrativa coexistente com a justia ordinria (comum). Trilhava-se uma tendncia j manifestada pelos mais avanados estadistas do Imprio, que se insurgiam contra aquele incipiente contencioso administrativo da poca. Vale lembrar, porm, que a Emenda Constitucional n. 7/77 estabeleceu a possibilidade de criao de dois contenciosos administrativos (arts. 11 e 203), que no chegaram a ser instalados e que, agora, com a Constituio de 1988, ficaram definitivamente afastados. A orientao brasileira foi haurida no Direito Pblico NorteAmericano, que nos forneceu o modelo para a nossa primeira Constituio Republicana, pautada no rule of law e no judicial control. Essa filiao histrica de suma importncia para se compreender o Direito Pblico brasileiro, especialmente o Direito Administrativo, e no se invocar, inadequadamente, princpios do sistema francs como informadores de nosso regime poltico-administrativo e de nossa organizao judiciria. Nesta seara, especificamente, mantivemo-nos vinculados ao sistema anglo-saxnico. O sistema da jurisdio nica, adotado pelo Brasil, j foi definido no tpico precedente, porm, convm repetir. o sistema da separao de funes entre o Poder Executivo e o Poder Judicirio, vale dizer, separao de funes entre o administrador e o juiz. Com essa idia, torna-se inconcilivel o contencioso administrativo, j que todos os interesses (de particulares ou do prprio Poder Pblico) sujeitam-se a uma nica e mesma jurisdio conclusiva: a jurisdio do Poder Judicirio. No entanto, preciso dizer que no se nega Administrao o direito de decidir. Absolutamente no. O que se lhe nega a possibilidade de exercer funes materialmente judiciais (ou judiciais por natureza) e de emprestar s suas decises fora e definio prprias dos julgamentos judicirios (res judicata). Entre ns, como nos Estados Unidos da Amrica do Norte, vicejam rgos e comisses com jurisdio administrativa (parajudiciais), mas suas decises no tm carter conclusivo para o Poder Judicirio e, por isso, sempre esto sujeitas reviso judicial (conferir, abaixo, a observao anotada). Para a correo judicial dos atos/contratos administrativos ou para remover a resistncia dos particulares s atividades pblicas, a Administrao e os administrados dispem dos mesmos meios processuais admitidos pelo Direito Comum e, se necessrio, recorrero ao mesmo Poder Judicirio, uno e nico, que decide os litgios de Direito Pblico e de Direito Privado (art. 5, XXXV da CF). Esse o sentido daProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 21

Direito Administrativo

jurisdio nica adotada no Brasil. OBSERVAO: Prevalece, no nosso ordenamento jurdico, o sistema de jurisdio nica. Entretanto, considerando que o ordenamento jurdicoadministrativo brasileiro convive com rgos administrativos que possuem competncia para julgar matrias especficas, torna-se relevante as seguintes observaes inerentes polmica figura da jurisdio nojudicial em comparao com a jurisdio judicial. Segundo Humberto Theodoro Jr., jurisdio o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurdica concreta que, por fora do direito vigente, disciplina determinada situao jurdica. Em outras palavras, o poderdever do Estado de dizer o direito aplicvel ao caso concreto. Considerando que a tnica do processo a soluo de uma controvrsia (lide), o que presume a aplicao concreta da norma legal (direito), diante de um caso especfico, resta a dvida quanto possibilidade, ou no, de que a Administrao (concebida, aqui, sob o critrio residual) exera jurisdio no-judicial. Hely Lopes Meirelles foi categrico ao afirmar que existe jurisdio administrativa, j que se trata de um poder estatal, com manifestao tanto no Judicirio, como no Executivo e at mesmo no Legislativo.6 O professor Jos dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, afirma que, na via administrativa, as autoridades no desempenham funo jurisdicional. Nesse mesmo sentido, Maral Justen Filho afirma que, supor a existncia de processo com cunho de jurisdicionalidade, fora do mbito do Poder Judicirio, contrrio Constituio. Este ltimo autor, no entanto, admite que o artigo 52, I e II, da CF/88, veicula uma exceo proibio de que a jurisdio seja exercida fora do Poder Judicirio7. O problema, portanto, parece ser de ordem terminolgica, notadamente quando se agrega, genericamente, ao termo jurisdio, o final enforcing power. Independentemente da posio que se queira adotar, um fator no pode ser desconsiderado: a prerrogativa de dizer o direito em carter final e conclusivo (o final enforcing power) inerente jurisdio judicial, exercida pelo Poder Judicirio (art. 5, XXV da CF/88).

Afaste-se a errnea idia de que deciso jurisdicional ou ato de jurisdio privativo do Judicirio. No assim. Todos os rgos e Poderes tm e exercem jurisdio nos limites de sua competncia institucional, quando aplicam o Direito e decidem controvrsia sujeita sua apreciao. Privativa do Judicirio somente a deciso judicial, que faz coisa julgada em sentido formal e material, erga omnes. Mas a deciso judicial espcie do gnero jurisdicional, que abrange toda deciso de controvrsia no mbito judicirio ou administrativo. (Hely Lopes Meirelles) 7 Esses dispositivos constitucionais tratam da competncia privativa do Senado Federal para processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica, os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica (nos crimes de mesma natureza e conexos com os do Presidente e do Vice-Presidente da Repblica), os Ministros do STF, os membros do Conselho Nacional de Justia e do Conselho Nacional do Ministrio Pblico, Advogado-Geral da Unio, bem como o Procurador-Geral da Repblica.

6

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

22

Direito Administrativo

PONTO 2 REGIME JURDICO-ADMINISTRATIVOEste captulo foi originalmente elaborado pelos Profs. Frederico Telho e Leonardo Buissa Freitas. As atualizaes seguintes foram realizadas pelos Profs. Ronie Crisstomo Frana e Frederico Telho.

1. CONCEITO DE REGIME JURDICO-ADMINISTRATIVOO regime jurdico-administrativo o conjunto harmnico de princpios e normas que regem os bens, os rgos, os agentes e a atividade administrativa, a qual visa a realizar concreta, direta e imediatamente, os fins desejados pelo Estado (Wander Garcia). , pois, o responsvel por atribuir ao Direito Administrativo o contorno e a racionalidade que o caracteriza, proporcionando autonomia cientfica referida disciplina. Possui importncia nitidamente metodolgica. Celso Antnio Bandeira de Mello caracteriza o regime jurdicoadministrativo por dois princpios basilares, dos quais se originam os demais. So eles: (a) a supremacia do interesse pblico sobre o privado; e (b) a indisponibilidade do interesse pblico. Segundo o renomado doutrinador, o entrosamento (a conciliao) entre as prerrogativas da Administrao Pblica e os direitos dos particulares/cidados (binmio prerrogativas e sujeies Maria Sylvia Zanella Di Pietro) se constri pela noo de supremacia do interesse pblico sobre o privado e indisponibilidade do interesse pblico. Verifica-se, ademais, a importncia da noo de interesse pblico para o Direito Administrativo. Vale lembrar, porm, que, atualmente, h autores que criticam a doutrina de Celso Antnio e afirmam que o verdadeiro princpio-base do Direito Administrativo seria o prprio princpio do interesse pblico (ou o princpio da dignidade da pessoa humana). Esta corrente dissidente no vinga e se escora em vozes isoladas, como a dos Professores Carlos Ari Sundfeld, Maral Justen Filho, Paulo Ricardo Schier, dentre outros poucos doutrinadores. O interesse pblico, portanto, continua a ser a mola-mestra do Direito Administrativo, que, em sua concepo clssica, impe a busca do bem comum, o atendimento dos interesses de uma determinada sociedade, levando-se em considerao os indivduos que a formam e o primado dos direitos fundamentais. Essa a obrigao (objetivo) do Estado. A doutrina italiana (Renato Alessi) cunhou a segmentao entre interesse pblico primrio e secundrio, sendo o primeiro o verdadeiro interesse da coletividade (o bem comum) e o segundo, o interesse daProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 23

Direito Administrativo

prpria Administrao Pblica, que, muitas vezes, no coincide com o interesse da sociedade. Assim, notrio que o dever do Estado sempre ser realizar o interesse pblico primrio e no o secundrio. O atendimento do interesse pblico pelo Estado nos traz a noo de funo administrativa, ou seja, o Estado titulariza o poder outorgado pelo povo, o qual, no exerccio da funo administrativa, transforma-se no dever de atendimento do interesse pblico. Da a designao poder-dever da Administrao Pblica. De seu turno, Celso Antnio chega a inverter aquelas palavras, pois, para ele, o exerccio da funo administrativa denota a atividade de um dever, do qual decorre um poder limitado por aquele. Da defender o multicitado doutrinador a existncia de um dever-poder e no poderdever (ou meramente poder). Com essas breves consideraes a respeito do regime jurdicoadministrativo, cumpre-nos, agora, explicitar alguns dos demais princpios administrativos que informam esse sistema, sejam eles expressos ou implcitos.

2. PRINCPIOS ADMINISTRATIVOSPrincpios administrativos so os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administrao Pblica. Representam cnones pr-normativos, que norteiam a conduta do Estado quando no exerccio de atividades administrativas. Cretella Junior bem observa que no se pode encontrar qualquer instituto do Direito Administrativo que no seja informado pelos respectivos princpios. A doutrina moderna tem-se detido, para a obteno do melhor processo de interpretao, no estudo da configurao das normas jurdicas. Segundo tal doutrina (destacam-se, nela, os ensinamentos de Robert Alexy e Ronald Dworkin), as normas jurdicas admitem classificao em duas categorias bsicas: os princpios e as regras. As regras so operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas dirimido no plano da validade: aplicveis ambas a uma mesma situao, uma delas apenas a regular, atribuindo-se outra o carter de nulidade. Os princpios, ao revs, no se excluem do ordenamento jurdico na hiptese de conflito: dotados que so de determinado valor ou razo, o conflito entre eles admite a adoo do critrio da ponderao de valores (ou ponderao de interesses), vale dizer, dever o intrprete averiguar a qual deles, na hiptese sub examinen, ser atribudo grau de preponderncia. No h, porm, nulificao do princpio postergado. Este, em outra hiptese e mediante nova ponderao de valores, poder ser o preponderante, afastando-se o outro princpio em conflito. Adotando-se essa nova anlise, poder ocorrer, tambm no DireitoProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 24

Direito Administrativo

Administrativo, a coliso entre princpios, sobretudo os de ndole constitucional, sendo necessrio verificar, aps o devido processo de ponderao de seus valores, qual o princpio preponderante, que ser ento aplicvel hiptese concreta. Os autores no so unnimes quanto a tais princpios, muitos deles originrios de enfoques peculiares da Administrao Pblica e, por isso, entendidos pelos estudiosos como de maior relevncia. A Constituio Federal enuncia alguns princpios bsicos que regem a Administrao, que sero considerados princpios expressos e, ainda, outros sero destacados, haja vista que so aceitos pelos publicistas (e so igualmente aplicveis Administrao), que sero denominados de princpios reconhecidos.

2.1. Princpios ExpressosA Constituio vigente, ao contrrio das anteriores, dedicou um captulo Administrao Pblica (Captulo VII do Ttulo III) e, no seu artigo 37, deixou expressos os princpios a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos. Convencionamos denomin-los de princpios expressos, exatamente pela meno constitucional. Esses princpios revelam diretrizes fundamentais da Administrao, de modo que s se poder considerar vlida a conduta administrativa se ela guardar plena compatibilidade com os referidos princpios.

2.1.1. Princpio da LegalidadeO princpio da legalidade , certamente, a diretriz bsica da conduta dos agentes da Administrao. Por ele, entende-se que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Se no foi, diz-se que a atividade ilcita. Tal postulado, consagrado aps sculos de evoluo poltica, tem por origem mais prxima a criao do Estado de Direito, ou seja, o Estado que deve respeitar as suas prprias leis (art. 5, II; e art. 37, ambos da CF). O princpio "implica subordinao completa do administrador lei. Todos os agentes pblicos, desde o que lhe ocupe a cspide at o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dcil realizao das finalidades normativas". Na clssica e feliz comparao de Hely Lopes Meirelles, na administrao pblica no h liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administrao particular lcito fazer tudo que a lei no probe, na Administrao Pblica s permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa pode fazer assim; para o administrador pblico significa deve fazer assim. extremamente importante verificar qual o efeito que o princpio daProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 25

Direito Administrativo

legalidade revela aos direitos dos indivduos. Na verdade, para a garantia de seus direitos, os indivduos se escoram na prpria existncia do princpio da legalidade. Quer dizer, aos cidados autorizada a verificao de lisura da conduta administrativa, ante o confronto do ato/contrato com a lei. Conclui-se, pois, inarredavelmente, que, havendo dissonncia entre a conduta e a lei, dever aquela ser corrigida para se eliminar a ilicitude. No custa lembrar, ainda, que, na teoria do Estado moderno, h duas funes estatais bsicas: a de criar a lei (legislao) e a de executar a lei (administrao e jurisdio). Esta ltima pressupe o exerccio da primeira, de modo que s se pode conceber a atividade administrativa diante dos parmetros j institudos pela atividade legiferante. Por isso, diz-se que administrar funo subjacente de legislar. O princpio da legalidade denota exatamente essa relao: s legtima a atividade do administrador pblico se estiver condizente com o disposto na lei. Por derradeiro, importante ressaltar que, em funo do agigantamento das atividades estatais e da criao de uma sociedade complexa, alm da falibilidade da lei em sentido estrito (que no mais supre todos os reclamos da sociedade), o princpio da legalidade passa a ter um sentido mais amplo, a abarcar no somente a lei em sentido estrito, mas tambm a todo o Direito, tendo como paradigma a prpria Constituio. O Administrador Pblico, portanto, deve obedincia no somente lei em sentido estrito, mas tambm aos princpios e valores albergados pelo sistema administrativo-constitucional. Do princpio da legalidade caminhamos para o princpio da legitimidade (Diogo de Figueiredo Moreira Neto), para o princpio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss e Ministra Crmen Lcia Antunes Rocha), para o princpio da constitucionalidade (Juarez Freitas) ou para o princpio da supremacia constitucional. De certa forma, pode-se dizer que essa nova visualizao do princpio da legalidade foi sufragada pela Lei de Processo Administrativo (Lei 9.784/99), que, no pargrafo nico de seu art. 2, estatui, depois de arrolar os princpios aos quais deve a Administrao Pblica obedincia, que, no processo administrativo, ser observado o critrio da atuao conforme a lei e o direito (inciso I).

2.1.2. Princpio da Impessoalidade ou ImparcialidadeA referncia a este princpio no texto constitucional, no que toca ao termo impessoalidade, constituiu uma surpresa para os estudiosos, que no o empregavam em seus trabalhos (Juarez Freitas informa, inclusive, que o constituinte de 1988 errou ao designar o princpio da imparcialidade de princpio da impessoalidade. A doutrina estrangeira consagra a designao princpio da imparcialidade e no impessoalidade). Impessoal "o que no pertence a uma pessoa em especial", ou seja, aquilo que no pode ser voltado especialmente a determinadasProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 26

Direito Administrativo

pessoas. O princpio da impessoalidade, portanto, previsto no caput do artigo 37 da CF/88, indica que a Administrao Pblica deve agir sem estabelecer privilgios, sem regalias, sem perseguies e em obedincia ao dever de eqidade. O princpio, de certa forma, objetiva a igualdade de tratamento que a Administrao deve dispensar aos administrados que estejam em idntica situao jurdica (eqidade). Neste ponto especfico, o princpio da impessoalidade representa uma das facetas do princpio da isonomia. Por outro lado, para que seja realmente impessoal, a Administrao deve voltar-se exclusivamente para o interesse pblico, e no para o privado. Com isso, deve-se analisar o princpio da impessoalidade sob trs (principais) vertentes: (a) o dever de o agente agir em conformidade com o interesse pblico, sem o estabelecimento de privilgios/prejuzos; (b) a atuao do agente pblico imputada ao rgo pblico ao qual pertence; (c) no se admite o uso indiscriminado das experincias pessoais do agente pblico, quando em desacordo com o Direito e a moral administrativa. Quanto ao item (a) acima (uma das vertentes do princpio da impessoalidade), vale dizer que, neste ponto especfico, o princpio da imparcialidade toca no princpio da finalidade (ou seja, o alvo a ser alcanado pela Administrao somente o interesse pblico; e no se alcana o interesse pblico se for perseguido o interesse particular). Ainda, no se pode deixar de falar da relao que a finalidade da conduta administrativa mantm com a lei. "Uma atividade e um fim supem uma norma que lhes estabelea, entre ambos, o nexo necessrio", na feliz sntese de Ruy Cirne Lima. Como a lei, em si mesma, deve respeitar a isonomia, j que isso imposto pela Constituio da Repblica (art. 5, caput e inc. I), a funo administrativa, nela baseada, tambm dever faz-lo, sob pena de desvio de finalidade (este desvio ocorre sempre que o administrador se afasta do escopo que lhe deve nortear o comportamento o interesse pblico). Embora sob a expresso desvio de finalidade, o princpio da impessoalidade tem proteo no direito positivo infraconstitucional: o art. 2, alnea "e", da Lei n 4.717/65 (ao popular) considera nulos os atos lesivos ao patrimnio, causados por desvio de finalidade.

2.1.3. Princpio da MoralidadeO princpio da moralidade impe que o administrador pblico no dispense os preceitos ticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve no s averiguar os critrios de convenincia, oportunidade e justia em suas aes, mas tambm distinguir o que honesto do que desonesto. Vale acrescentar, ainda, que tal forma de conduta deve existir no somente nas relaes entre a Administrao e os particulares emProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 27

Direito Administrativo

geral, como tambm internamente, ou seja, na relao entre a Administrao e os agentes pblicos que a integram. O artigo 37, caput, da Constituio Federal refere-se, expressamente, ao princpio da moralidade e pode-se dizer, sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, j sufocada por assistir, na histria, aos desmandos de maus administradores, freqentemente na busca de seus prprios interesses ou de interesses inconfessveis, relegando para ltimo plano os preceitos morais de que no deveriam se afastar. Com isso, o constituinte pretendeu coibir a imoralidade no mbito da Administrao Pblica. Pensamos, todavia, que somente quando os administradores estiverem realmente imbudos de esprito pblico (na conscincia pessoal de cada um dos gestores), que o princpio ser fielmente observado. Embora o contedo da moralidade seja diverso da legalidade, o fato que aquele est normalmente associado a este. Em algumas ocasies, a imoralidade consistir na ofensa direta lei e a violar, ipso facto, o princpio da legalidade. Em outras situaes, a violao do Direito residir no tratamento discriminatrio, positivo ou negativo, dispensado ao administrado. Neste ltimo caso, estar vulnerado, tambm, o princpio da impessoalidade, que se pe como requisito, em ltima anlise, da legalidade da conduta administrativa. O desapego moralidade pode afetar vrios aspectos da atividade administrativa. Quando a imoralidade consiste em ato de improbidade que, como regra, causa prejuzo ao errio pblico, o diploma legal a ser aplicado a Lei n 8.429/1992. Nesta lei, h previso: (a) das hipteses que configuram tpicos atos de improbidade (desonestidade); (b) das sanes aplicveis a agentes pblicos e terceiros responsveis; (c) dos instrumentos processuais adequados proteo dos cofres pblicos, com a admisso, entre outras, das aes de natureza cautelar de seqestro e arresto de bens, bem como do pedido de bloqueio de contas bancrias e aplicaes financeiras, sem contar, logicamente, a ao principal de perdimento de bens, a ser ajuizada pelo representante do Ministrio Pblico ou pela pessoa jurdica de direito pblico interessada na reconstituio de seu patrimnio lesado. Outro instrumento relevante de tutela jurisdicional, para dar guarida ao princpio da moralidade administrativa, a ao popular, contemplada no artigo 5., LXXIII, da CF/88. Antes, apenas direcionada tutela do patrimnio pblico econmico, a ao popular passou a proteger, mais especificamente, outros bens jurdicos de inegvel destaque social, como o meio ambiente, o patrimnio histrico e cultural, alm da prpria moralidade administrativa. Pela via da ao popular, regulamentada pela Lei n 4.717/1965, qualquer cidado (ttulo de eleitor) pode deduzir a pretenso de anular atos do Poder Pblico que estejam contaminados pela imoralidade administrativa. Por isso, advogamos o entendimento de que o tradicional pressuposto daProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 28

Direito Administrativo

lesividade, tido como aquele causador de dano efetivo ou presumido ao patrimnio pblico, restou bastante mitigado diante do novo texto constitucional (ele era bastante adequado idia, hoje superada, de que se podia promover ao popular apenas para a defesa do patrimnio em seu sentido econmico). Quando a Constituio se refere defesa de ato lesivo moralidade administrativa, deve-se entender que a ao cabvel pelo simples fato de ofender esse princpio, independentemente de haver ou no efetiva leso patrimonial (econmica). Por fim, no se pode esquecer da ao civil pblica, prevista no artigo 129, III, da CF (uma das funes institucionais do Ministrio Pblico) e regulamentada pela Lei n 7.347/1985. Trata-se de mais um dos instrumentos de proteo moralidade administrativa. Quando se diz que a ao civil pblica foi movida para resguardar o patrimnio social ou, ainda, para proteger algum interesse difuso, estar-se- defendendo a moralidade administrativa. A Lei Orgnica do Ministrio Pblico (Lei n 8.625/1993), inclusive, consagra, com base naqueles bens jurdicos, a defesa da moralidade administrativa pela ao civil pblica. Desse modo, fcil observar que no faltam instrumentos de combate a condutas e atos ofensivos ao princpio da moralidade administrativa. Cumpre, portanto, aos rgos competentes, bem como aos cidados, a necessria diligncia para que questionem (e invalidem) os atos viciados, aplicando-se aos responsveis as punies previstas em lei.

2.1.4. Princpio da PublicidadeO princpio da publicidade tambm mencionado na Constituio da Repblica. Por ele, diz-se que os atos da Administrao Pblica devem merecer a mais ampla divulgao possvel, inclusive entre os administrados. Constitui fundamento desse princpio, propiciar a possibilidade de controle da legitimidade da conduta dos agentes pblicos. Somente com a transparncia da atividade administrativa que podero os indivduos aquilatar a legalidade ou no dos atos/contratos e o grau de eficincia de que se revestem. para observar esse princpio que os atos administrativos so publicados em rgos de imprensa e/ou afixados na sede dos entes/rgos pblicos. O que importa, com efeito, dar a eles a maior publicidade, haja vista que, somente excepcionalmente (em rarssimas hipteses), admite-se o sigilo na Administrao. O princpio da publicidade pode ser reclamado por intermdio de dois instrumentos bsicos: (a) o direito de petio permite aos indivduos que se dirijam aos entes/rgos pblicos para formular qualquer tipo de postulao (art. 5, XXXIV, "a", da CF); e (b) as certides so expedidas pelos entes/rgos pblicos e registram a verdade de fatos administrativos, cuja publicidade permite aosProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 29

Direito Administrativo

administrados a defesa de seus direitos ou o esclarecimento de certas situaes (art. 5, XXXIV, "b", da CF). Se negado o exerccio desses direitos ou, ainda, se no veiculada a informao (ou veiculada incorretamente), o prejudicado poder dispor de instrumentos constitucionais para garantir a restaurao da legalidade, seja via mandado de segurana (art. 5, LXIX, CF) ou habeas data (art. 5, LXXII, CF). Na verdade, no se deve perder de vista que todas as pessoas tm direito a receber dos rgos pblicos informaes de seu interesse particular ou de interesse coletivo, com exceo das situaes resguardadas por sigilo (art. 5 XXXIII, CF). O exerccio desse direito, de estatura constitucional, h de pressupor, necessariamente, a obedincia, pela Administrao Pblica, do princpio da publicidade. Ainda, importante registrar que todas as pessoas administrativas devem se submeter ao princpio da publicidade, sejam as que constituem as prprias pessoas estatais (de direito pblico), sejam as que, mesmo que de direito privado, integrem o quadro da Administrao Pblica (Indireta), como o caso das entidades paraestatais (empresas pblicas e sociedades de economia mista). Vrias questes sobre a publicidade dos atos/contratos administrativos foram enfrentadas pelo STF, via Aes Diretas de Inconstitucionalidade de leis estaduais, ajuizadas por Governadores de Estado. Nesses casos, o STF rejeitou a alegao de vcio de iniciativa parlamentar, j que a matria veiculada pela lei estadual atacada, no se referia criao, estruturao e atribuies de rgo pblico, o que, ento, seria de iniciativa reservada do Chefe do Executivo (art. 61, 1, II, "e", CF). O mesmo tribunal rejeitou, ainda, a alegao de inferioridade do Executivo em relao ao Legislativo e o Judicirio, em virtude de norma que exigia a publicidade de atos, programas, obras ou servios implementados pelo Executivo, sempre com carter educativo, informativo ou de orientao social, proibindo-se a veiculao de nomes, smbolos ou imagens que pudessem caracterizar promoo pessoal de autoridades pblicas. O STF indeferiu a medida cautelar, sob o argumento de que no havia plausibilidade jurdica da tese, tendo em vista que a norma guardava plena compatibilidade com o disposto no artigo 37, 1, da CF. Entretanto, sob outro aspecto, foi deferida a medida cautelar para suspender a eficcia do dispositivo que vedava qualquer publicidade que constitusse propaganda direta ou subliminar, j que haveria dificuldade, na prtica, de identificar o que seria propaganda direta e subliminar, fato que poderia causar prejuzo ao dever de informar e prestar contas, inerente competncia do Chefe do Executivo. Outra questo enfrentada pelo STF diz respeito regra que exigia, nas publicaes do Executivo (em jornais, comunicados, avisos, etc.), a obrigao de mencionar, expressamente, quais os custos do ato/contrato para os cofres pblicos. O tribunal deferiu a liminar sob a alegao de queProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 30

Direito Administrativo

a exigncia legal ofendia os princpios da proporcionalidade e da razoabilidade, sobretudo porque a obrigao s era destinada ao Executivo. Alm disso, a exigncia provocaria mais custos ao errio, violando, em ltima anlise, o princpio da economicidade. Finalmente, vale lembrar que o STF deferiu medida cautelar para determinar a suspenso da norma que obrigava o Poder Executivo a informar Assemblia Legislativa, trimestralmente, todos os gastos com publicidade, divulgao de comunicados oficiais e/ou publicaes legais. O tribunal entendeu que tal imposio extrapolava, aparentemente, a regra do artigo 71, I, da CF, segundo a qual compete ao Congresso Nacional apreciar, anualmente (e no trimestralmente), as contas do Presidente da Repblica. Sem embargo da circunstncia de que a publicidade dos atos constitui a regra, o sistema jurdico, repita-se, instituiu algumas excees, tendo em vista a excepcionalidade da situao e os riscos que a eventual divulgao poderia acarretar. O prprio art. 5, XXXIII, da CF, resguarda o sigilo de informaes quando indispensvel segurana da sociedade e do Estado. O mesmo ocorre na esfera judicial. Segundo o art. 93, IX, da CF, com a redao dada pela EC 45/2004, a lei poder excepcionar a publicidade dos julgamentos e, portanto, limitar o acesso de pessoas em determinados casos, quando ser permitida apenas a presena das partes envolvidas e de seus advogados, ou, ainda, se for o caso, apenas destes ltimos. A Constituio, na verdade, pretendeu proteger o direito intimidade, considerando-o prevalente, em certas ocasies, sobre o princpio do interesse pblico informao. Em outras palavras, a prpria Carta Constitucional admitiu o conflito entre tais princpios e indicou, na ponderao de valores a ser feita pelo intrprete, a preponderncia do direito de sigilo e intimidade sobre o princpio geral de informao (publicidade).

2.1.5. Princpio da EficinciaA Emenda Constitucional n 19/98, que guindou ao plano constitucional as regras relativas ao projeto de reforma do Estado (Ministro Bresser Pereira), acrescentou, ao caput do artigo 37, o princpio da eficincia (denominado, no projeto de Emenda, de "qualidade do servio prestado"). Com essa atitude, o Governo pretendeu conferir direitos aos usurios dos diversos servios prestados pela Administrao Pblica, direta ou indiretamente (inclusive por meio de delegao). No difcil perceber que a insero desse princpio na ordem constitucional revela o descontentamento da sociedade diante de sua antiga impotncia para lutar contra a deficiente prestao de servios pblicos, que, sem margem de dvida, j causou incontveis prejuzos aos usurios. De fato, se os servios prestados pelo Estado ou por seus agentes delegados sempreProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 31

Direito Administrativo

ficaram inacessveis para os usurios (pelo menos para grande parte deles), preciso assegurar-lhes os meios efetivos para a garantia de seus direitos. evidente que os (poucos) meios que j existiam se revelaram insuficientes ou incuos para sanar as irregularidades patrocinadas pelo Poder Pblico. O referido princpio prev, a longo prazo, maior possibilidade de exerccio da cidadania. Trata-se, na verdade, de dever constitucional imposto Administrao Pblica, que no poder dele se desviar, sob pena de responsabilizao. Entretanto, vale lembrar que, de nada adiantar a previso (formal e expressa) desse princpio, mesmo que no texto constitucional, se no forem estabelecidos meios para assegurar, na prtica, os direitos dos usurios. Sabe-se que, h muito, o 3 do artigo 37 (CF/88) aguardava regulamentao que, se tivesse sido levada a efeito, teria minimizado os problemas de acesso ao servio pblico (a redao deste dispositivo, mesmo antes do advento da EC 19/98, previa, expressamente, a edio de lei para regular as reclamaes relativas prestao de servios pblicos). preciso, portanto, potencializar o princpio da eficincia, sob pena de se tornar letra morta. preciso ainda anotar que o princpio da eficincia no alcana apenas os servios pblicos prestados diretamente coletividade. Ao contrrio, ele deve ser observado tambm em relao aos servios administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas. Significa dizer que a Administrao Pblica deve recorrer moderna tecnologia e aos mtodos atualmente adotados para obter a qualidade mxima na execuo de suas atividades, com a criao, inclusive, de novo organograma de suas funes gerenciais e da competncia dos agentes pblicos. A Emenda Constitucional n 45/2004 (denominada "Reforma do Judicirio") acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5 da Constituio da Repblica e, portanto, garantiu "a todos, no mbito judicial e administrativo, [...] a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao". O novo mandamento, cuja feio a de direito fundamental, tem por contedo o princpio da eficincia, no que se refere ao acesso justia, alm de estampar inegvel reao da sociedade contra a excessiva demora na tramitao e julgamento dos processos, o que, praticamente, tornava incuo o princpio da inafastabilidade do Poder Judicirio (art. 5, XXXV da CF). Nota-se, ainda, que a nova norma constitucional no se restringe aos processos judiciais, mas tambm atinge aqueles que tramitam na via administrativa. No basta, como j dito, que seja includo um novo mandamento no texto constitucional, mas preciso que outras medidas sejam adotadas, por leis e regulamentos, para que a garantia venha tona com a intensidade pretendida. Por esse motivo, inclusive, que o artigo 7 da EC n 45/2004 determinou a instalao, pelo Congresso Nacional, deProfessores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 32

Direito Administrativo

comisso especial mista, com o objetivo de elaborar, em 180 (cento e oitenta) dias, os projetos de lei para sua regulamentao. Ainda, foi imposta a essa mesma comisso, a obrigao de promover alteraes na legislao federal, no intuito de ampliar o acesso justia e tornar mais clere/efetiva a prestao jurisdicional, tal qual o anseio de toda a coletividade. Atualmente, os publicistas tm apresentado vrios estudos sobre a questo concernente ao controle da atividade administrativa com fundamento no princpio da eficincia. O tema bastante complexo, seja porque preciso respeitar as diretrizes e prioridades dos administradores pblicos, bem como os recursos financeiros disponveis (princpio da reserva do possvel), seja porque no se pode admitir o desrespeito (e a ignorncia) do princpio constitucional da eficincia. preciso, pois, traar qual o real sentido/limite do princpio da separao dos poderes (obs.: quanto aos controles administrativo e legislativo, no h dvida de sua ampla incidncia, inclusive no que pertine ao controle de mrito dos atos/contratos administrativos. A questo tormentosa quando se discute a amplitude do controle jurisdicional da Administrao Pblica). A eficincia no se confunde com a eficcia, tampouco com a efetividade. A eficincia est relacionada com o modo pelo qual se processa/desempenho da atividade administrativa (o sentido a prpria conduta dos agentes pblicos). Por outro lado, a eficcia guarda relao com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exerccio de suas funes administrativas (o sentido tipicamente instrumental). Finalmente, tem-se que a efetividade voltada para os resultados obtidos pela conduta administrativa (o sentido o real alcance dos objetivos). Apesar de possurem sentidos (significados) diferentes, o desejvel que eficincia, eficcia e efetividade caminhem simultaneamente. Muito embora seja essa a inteno, vale lembrar que possvel a realizao de condutas administrativas com eficincia, mas sem eficcia ou efetividade. Ainda, sob outro prisma, pode-se notar que eventual conduta pode no ser muito eficiente, mas, em face da eficcia dos meios, acaba por ser dotada de efetividade. Finalmente, diz-se que possvel admitir condutas eficientes e eficazes, mas no dotadas de efetividade, posto que no foram alcanados os resultados desejados.

2.2. Princpios ReconhecidosAlm dos princpios expressos, a Administrao Pblica ainda se orienta por outras diretrizes tambm includas em sua principiologia, que, por isso, apresentam a mesma relevncia. A doutrina e a jurisprudncia referem-se a elas usualmente, o que denota sua aceitao geral e as impem como regras a serem seguidas pela Administrao Pblica. Tratase dos denominamos princpios reconhecidos.Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 33

Direito Administrativo

2.2.1. Princpio da Supremacia do Interesse Pblico sobre o PrivadoAs atividades administrativas so desenvolvidas pelo Estado em benefcio da coletividade. Mesmo quando a conduta visa algum interesse estatal imediato, o fim ltimo de sua atuao sempre o interesse pblico. Caso no esteja presente esse objetivo, a conduta estar inquinada de desvio de finalidade. Desse modo, no o indivduo em si o destinatrio da atividade administrativa, mas sim o grupo social. Deixa-se a era do individualismo exacerbado e o Estado passa a se caracterizar como o Welfare State (Estado do bem-estar), dedicado a atender o interesse pblico. Logicamente, as relaes sociais ensejam, em determinados momentos, um conflito entre o interesse pblico e o interesse privado, mas, nesse embate, h de prevalecer sempre o interesse pblico. Trata-se, de fato, do primado do interesse pblico. O indivduo tem que ser visto como integrante da sociedade e, por isso, seus direitos no podem, por regra, se sobrepor aos direitos sociais. Como exemplo, podemos citar a presena do princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado quando, na desapropriao, o interesse pblico suplanta o interesse do proprietrio. Isso ainda ocorre nos casos de condutas emanadas do poder de polcia da Administrao Pblica, em que so estabelecidas restries ao direito do particular em nome do interesse pblico.

2.2.2. Princpio da Indisponibilidade do Interesse PblicoO interesse pblico (e a se incluem os bens pblicos) no pertence Administrao, muito menos a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-lo, conserv-lo, tudo em prol da coletividade, que a sua nica e verdadeira titular. O princpio da indisponibilidade indica que a Administrao no pode livremente dispor do interesse pblico. Ela atua em nome de terceiros (o povo) e, por essa razo, que os bens pblicos s podem ser alienados na forma que a lei exigir. Ainda, por esse motivo que os contratos administrativos reclamam, como regra, a realizao de licitao, na busca da proposta mais vantajosa. Esse princpio, em verdade, se apega premissa de que todo cuidado exigido no trato do interesse pblico visa beneficiar a prpria coletividade.

Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu

34

Direito Administrativo

2.2.3. Princpio da AutotutelaNo h dvida de que a Administrao Pblica comete equvocos no exerccio de sua atividade. Caso se defronte com seus erros, possvel que ela reveja seus prprios atos/contratos e, por conseqncia, restaure a regularidade. No uma mera faculdade, mas um dever, j que no se admite que, diante de situaes reprovveis, a Administrao Pblica permanea inerte e desinteressada. Na verdade, apenas quando restabelecida a ordem, que se d cumprimento ao princpio