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Patrícia Morais - rl.art.br · Meu pai, homem humilde, sem vaidade, magro, de cabelo ... quem deu a ela um nome de macho, porque ele sempre adorou o personagem de desenho com este

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Presente: aquilo que se oferece a alguém como agrado...

Confesso que com minha vida atribulada, nunca parei para prestar muita atenção em coisas simples, coisas que não requerem dinheiro. É, dinheiro requer muito do meu tempo diário devido às necessidades de honrar compromissos, arcar com despesas, satisfazer minhas futilidades... (ou melhor, o dinheiro requeria grande atenção até essa transformação que veio após a grande tragédia).

Meu pai, homem humilde, sem vaidade, magro, de cabelo preto e liso, com lindos olhos esverdeados, fumante compulsivo e desinteressado na maior parte das vezes em atividades familiares, sempre foi fanático por cachorros, como uma de minhas irmãs mais novas. Em sua casa, com sua nova família, isto era até motivo de discórdia, pois não podia encontrar um vira-lata precisando de ajuda pelas ruas do bairro que lá ia ele levando para casa, e com isso o seu time particular de cães adotados foi crescendo rapidamente.

Lembro-me que em minha infância tínhamos uma cadela chamada Cebolinha. Vale esclarecer que foi meu pai, com seu espírito inventivo, quem deu a ela um nome de macho, porque ele sempre adorou o personagem de desenho com este nome, e porque ele nunca foi o tipo de pessoa que se liga em detalhes. Mas, à mercê das emoções, no fim das contas ao invés de culpá-lo, me sentindo bem e aliviada resolvi agradecê-lo por ter me

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dado um nome de menina. Porém, quando meus pais enfrentaram graves dificuldades financeiras e precisamos nos mudar para uma casa alugada ainda menor, não tivemos condições de levá-la, e por este motivo tivemos que arrumar uma nova e boa família para ela. Ficamos tristes na época, mas nos conformamos com a ideia no decorrer do tempo. Para amenizar nosso sofrimento, meu e de minhas irmãs, meu pai tratou de nos comprar pintinhos, na feira, e logo eles viraram a atração total da casa.

Para ser sincera, sempre tive medo de cães, na verdade tenho certo trauma de infância. Fico nervosa só de me lembrar da tarde em que brincava na rua da casa de minha avó com minha tia e, do nada, surgiu um enorme cachorro que veio correndo em nossa direção. Minha tia conseguiu fugir; eu, numa estranha combinação de tensão e desespero, simplesmente congelei, minhas pernas pareceram pesar uma tonelada cada, não consegui me mover tamanho o pavor que senti. Por sorte, o cão com sua postura rígida e ameaçadora, que parecia raivoso ou possuído, se aproximou, me cheirou com seu nariz apavorantemente grande, gelado e úmido e foi embora, sem me causar nenhum dano físico superficial ou permanente. Ufa!

Pelo grande amor que meu pai sentia pelos cães, logo após o meu casamento, ele começou a insistir para que eu tivesse um. Eu achava aquilo totalmente fora de questão. Quando ele começava com essa conversa, sempre desconversava, fingia não ouvir, me afastava de fininho, pois não ia querer perder meu prestimoso tempo com isso. Ele dizia “Há tantos cachorros pela rua sofrendo, precisando de comida, remédios, carinho...”.

No entanto, comigo realmente ele não conseguiu nada, minha estratégia de sair pela tangente estava dando certo. E mesmo com tanta insistência e apelos pelas necessidades que os

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bichinhos passavam, não entrei na conversa dele, não dei o braço a torcer, me mantive firme, irredutível. O que não é sempre o que acontece, geralmente acabo cedendo às vontades alheias, mas neste caso estava totalmente resolvida, nada de bichos em casa!

10 de julho de 1998, aniversário de Thayna, minha única filha, que na data completava três anos de idade.

Neste dia lindo, com céu azul e que embora fosse inverno fazia muito calor, meu pai chegou a minha casa com uma bela e grande caixa, com um bonito embrulho com laço e tudo. Dentro desta caixa havia o presente que encantaria a minha filha e que em um primeiro momento me enlouqueceria.

Meu pai, que não havia desistido da ideia fixa de que eu precisava de um cachorro e que a minha família não estava completa sem um, com uma manobra ousada, me mostrou como ele era astuto e sabia esperar. O que não deveria ter sido uma grande surpresa - mas foi - quando no dia do aniversário de minha filha ele, em um verdadeiro golpe de mestre, deu para ela como presente uma filhote de vira-lata.

Tenho de admitir que ela era uma cadelinha linda, peluda, pequenininha, uma fofa. Minha filha ficou de imediato encantada, e tocada pela euforia de sua agora comemoração dupla, dava pulos ainda maiores e dançava de alegria, seus olhos brilhavam de tanta satisfação. Resumindo, naquele dia fui literalmente vencida.

Se o Sr. José Carlos, meu pai, pensou que poderia me encurralar fazendo aquilo, ele estava certo. Nada que eu dissesse ou fizesse a partir daquele momento iria fazer com que minha filha não sofresse, caso me recusasse e devolvesse o bendito presente. Ao ver a cadelinha dentro daquela caixa fiquei sem ação, me senti completamente perdida na história, estarrecida

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com a ideia de ter um animal, fora dos meus minuciosos e organizados planos, em casa.

Fiquei lá, onde todos estavam reunidos cheios de admiração em torno da filhotinha, parada por alguns minutos, com minha imaginação hiperativa, já tensa por antecipação, sem querer acreditar no que estava acontecendo. Costumo falar muito e rápido quando estou nervosa, mas nem isto eu conseguia. Posso dizer que com aquela indisfarçável sensação de derrota, típica de quem vê seu plano indo por água abaixo, cheguei a ficar sem fôlego. Meu arfar só se transformou em um pequeno alívio quando meu marido Gualter apareceu todo delicado comigo e, fazendo sua cara de pavor teatral, me disse em tom baixo e conspiratório que ia ficar tudo bem.

Em tese, esta foi a noite em que fui tomada pelo pânico, contudo, não tive escolha. Quem tem criança em casa sabe bem a força que elas exercem sobre nós mães e pais apaixonados, por vezes influenciáveis pelas vontades dos “mascotes” de nosso lar. Tudo que nós pais menos desejamos é magoá-los e, neste caso, se me negasse a aceitar a filhote, seria exatamente o que iria ocorrer.

Precisava aceitar, era um fato. Eu tinha um cachorro novo em casa. É, naquela noite fui literalmente vencida. Tinha de admitir, pois a cachorrinha, ainda que sem nome, estava lá, na bonita caixa de presente. Não poderia mais fugir, me esconder, mudar de assunto, voltar atrás. É, era um presente. Oh, que presente! Se alguma vez você já recebeu um presente que inicialmente te apavorou, sabe o que senti naquele dia.

E minha filha demorou meio segundo para enlouquecer de alegria e começar a pular, dançar e correr atrás da miniatura fofa de cachorrinha pela casa, com seu sorriso mais encantador em sua linda cara de lua. Sem dar a mínima para nenhum outro

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presente que recebeu naquele dia, só tinha olhos para sua vira-latinha.

A festa acabou e todos foram embora incluindo meu pai que saiu sem se despedir de mim, claramente agoniado e receoso de ter que voltar para casa levando a cachorrinha junto. Mas a filhotinha havia mesmo permanecido, circulado pelo salão com muito mais liberdade do que eu previa para um primeiro contato e com seus traços e gestos magníficos havia encantado todo mundo, principalmente meu marido e minha filha, e tudo isso em menos de duas horas! Isso claro, até o cair da madrugada e ela começar com seu latido fino, escandaloso e interminável, e eles saírem de fininho e eu ficar lá ao seu lado me perguntando: Deus do céu! Como se pausa essa criatura?

As primeiras noites, como eu já previa, foram um verdadeiro inferno, ninguém dormia (nem os vizinhos, coitados), minha filha continuava eufórica e nem comer queria, só queria ficar com a bendita filhote.

Passado esse primeiro sufoco da inconsolável fase de adaptação tudo foi se ajustando. A cadelinha foi crescendo exponencialmente e ficando cada dia mais linda, mais alegre e saltitante. Continuou baixinha, seus pelos eram longos e macios. Nós a chamamos de Pretinha, embora ela fosse marrom, não tinha praticamente nada de preto nas cores dela, exceto uma manchinha no focinho; mas tudo bem, ela era nossa mesmo, poderíamos escolher o nome que quiséssemos e ninguém tinha nada com isso.

Por ela ser muito peluda e minha filha alérgica, não tivemos condições de mantê-la dentro de casa; Com isso, resolvemos deixá-la na oficina mecânica que fica embaixo de nossa casa. É um local grande, área coberta, ela ficou bem alojada

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e protegida contra chuvas, sol intenso, vento e frio, compramos uma aconchegante casa de cachorro para ela... Bom, estava tudo resolvido. Pretinha comia bem, nunca adoeceu gravemente, só tomou as vacinas necessárias. Como diz meu pai, “Essa é a vantagem dos vira-latas, são muito resistentes”.

Após passar o período perigosamente frágil e crítico (em que Pretinha era bem pequenina e que ninguém dormia), finalmente consegui perdoar meu pai por ter feito isso comigo.

Eu com cachorro? Ai, meu Deus! É, porque minha filha, com três anos, não cuidava nem dela mesma. Mas até aí tudo bem, porque meu marido assumiu os cuidados com a Pretinha, visto que ela passava várias horas do dia com ele no trabalho. Eu, como ficava mais em casa não a via tanto quanto ele, por conta disso, meu marido foi obrigado a assumir todas as responsabilidades com ela, tais como banho, alimentação, medicamento nas poucas vezes em que foi necessário... Ufa! Por sorte me livrei desta. Eu ficava apenas com a melhor parte, sem compromissos, levava ela e minha filha para passearem, brincava com ela... Ficamos amigas sim. Eu dizia para a minha filha que nós éramos um quarteto fantástico, eu, minha filha, nossa cadela lindinha e meu marido.

Devido a estas responsabilidades e contato diário, meu marido era o mais apegado a ela, que já era considerada “funcionária da oficina”. Meu pai a chamava, ao invés de Pretinha, de Graxinha, por causa das graxas que ela sempre tinha pelo corpo. Não tinha jeito, ela na oficina, por mais que meu marido de forma empenhada e paciente tentasse mantê-la limpa não adiantava, ela com o seu livre acesso, se sujava mesmo. Ela era muito feliz, tinha médio porte e traços doces, mas tomava conta do quintal se achando uma verdadeira pit bull, o que era

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fisicamente impossível. Não mordia ninguém, mas latir era com ela mesma, era uma ótima “segurança”.

Eu com o tempo acabei me apegando muito a ela, foi inevitável com o convívio, afinal foram oito anos de contato diário. Não por tantas horas como meu marido, mas contato diário sim. Mas mesmo tendo me apegado a ela com o decorrer dos anos não precisei mudar minha rotina ou fazer grandes esforços por causa dela. Ela, na prática, era única e exclusivamente responsabilidade de meu marido, ele como sempre gostou muito de cães sabia e gostava disso, então, estava tudo acertado entre nós.

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A grande tragédia Tragédia:

Mais de oito anos após a chegada de Pretinha em nossa casa, numa manhã de quinta-feira, dia útil, um dia daqueles em que sabemos que haverá muito trabalho a ser feito, tudo como sempre dentro da normalidade, dentro de nossa rotina que é: muito trabalho durante o dia, em torno das 12h almoçar, das 16h lanchar, das 20h jantar, dormir por volta das 22h30. Bem, isto é o que esperávamos que fosse ocorrer naquele fatídico dia.

Acordei, relógio marcando 7h30, minha filha já havia ido para escola. Meu marido é sempre o primeiro a acordar, reconheço que sou preguiçosa, adoro ficar mais alguns minutos rolando na cama, antes de ter coragem de levantar e encarar uma jornada de trabalho. Enfim, meu marido, que devido ao grande número de serviços já estava na ativa, nunca poderia imaginar o que estaria por vir.

É incrível como coisas inesperadas ocorrem e nos fazem sentir impotentes em relação ao tempo, desejando desesperadamente que alguns minutos de nossas vidas sejam rebobinados; apenas alguns meros segundos mesmo, que já seriam suficientes para evitar tamanho sofrimento, dor profunda, culpa... Porém, sabemos que isto é impossível, o tempo muitas

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vezes é um carrasco cruel e impiedoso, jamais volta, nem que desejemos com todas as nossas forças, ou com toda a nossa fé.

É fato que nós, meros seres humanos, geralmente não damos a devida importância ao tempo que passa voraz até que algo dramático aconteça. O que estava por vir naquela manhã era para o meu marido, na data com 41 anos, um dos piores momentos de toda a sua vida. Se lhe perguntar: “quais os momentos mais trágicos de sua vida?”, tenho certeza de que este momento será citado, como também o assassinato de sua mãe quando criança na porta de sua casa, fato inclusive divulgado em jornais e revistas da época, e o acidente que sofreu de moto, em que quase perdeu o pé esquerdo, no para-choque de um carro que o cortou barbeiramente em uma das principais estradas do país.

Naquela manhã, já cedo tão quente, aconteceu o que a gente nunca deseja. Em nossa oficina mecânica há anos, e que por isso é bastante conceituada no bairro, ao entregar o carro para um cliente meu marido não percebeu que nossa amada Pretinha, habituada a dormir em sua casa, nesta manhã não estava lá como de costume, e sim, estava dormindo embaixo deste carro e daí a grande tragédia aconteceu! Ele a atropelou. Ficou desesperado, sem saber como agir, tentou socorrê-la, mas infelizmente nada podia ser feito, ele não teve tempo suficiente para tentar salvar sua fiel companheira diária.

Eu, que ainda aproveitava minha deliciosa cama, quando decidi me levantar após meus habituais minutos a mais encontrei meu marido com os olhos arregalados, em profundo desespero, me dando em um lamento inconsolável a triste notícia. Notícia em que eu demorei a acreditar, ou melhor, notícia em que ele mesmo, embora estivesse me contando, parecia ainda não acreditar.

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Aí foi quando o meu semblante sonolento, mas leve, de quem minutos antes dormia tranquilamente se transformou no semblante desperto e pesado, de quem acordou de um sonho para enfrentar um pesadelo. – É sério que eu me levantei para viver isso?

Sabemos que meu marido não teve culpa, não foi proposital, foi realmente uma fatalidade, mas é difícil de aceitar. Pensamos sempre que somos responsáveis, não conseguimos aceitar que infelizmente acidentes acontecem. Mesmo sabendo disso, pensamos: “Como podemos deixar isso acontecer? Como não prevenimos?”. Como... São tantos “comos” que surgem, tanta culpa, tanta pergunta sem resposta. Nossa! Desculpe, mas não tenho como descrever em palavras o que sentimos naquela manhã que pensávamos ser apenas mais uma manhã comum de nossas vidas. Existem sentimentos que nem mesmo todas as palavras de um dicionário seriam suficientes para expressar.

Houve um longo silêncio.

Não sabíamos como daríamos esta trágica notícia a nossa filha quando ela chegasse da escola. Lembrei-me do fascínio que minha filha tinha por sua cachorrinha. Pretinha era especial para ela. Muitíssimo especial. Eu não costumava parar para pensar nessas coisas.

Eu. Quis. Voltar. No tempo!

Meu marido, minutos antes de começar a chorar, estava de pé, recostado no batente da porta à minha frente, quase sem fôlego e tentando controlar o pânico.

As coisas estavam totalmente fora de controle.

Eu precisava fazer alguma coisa.

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Então, com os olhos cheios de lágrimas, mas sem deixar que caíssem, ainda que com o nó visível em minha garganta, tirei a coragem não sei de onde e, para não prolongar ainda mais o mal-estar, lançando um olhar para o meu marido que dizia “Vamos acabar logo com isso”, olhei bem dentro dos olhinhos de minha filha e com minha voz ainda chorosa dei a notícia, nem me lembro com quais palavras, e senti o sofrimento chegando até os ossinhos dela ali bem na minha frente.

Foi muito difícil enquanto segurava suas mãos pequenas, ver suas lágrimas rolarem e ouvir seus gritos inconsoláveis de desespero. Secando lagriminhas de tristeza, meu coração já ferido sangrou.

Meu marido ficou realmente arrasado por vários dias. Minha filha era pura tristeza, na verdade todos nós estávamos abalados. E eu que estava habituada a ver meu marido sempre brincando e de bom humor me acordar todas as manhãs com beijos no pescoço, não suportei acordar e me deparar com ele com aquela expressão, com aqueles olhos que expressavam puro sofrimento, e posso dizer que em nossos vinte e seis anos de casados nunca o vi daquela maneira. Realmente abatido, acho que até mesmo em choque devido a esta grande tragédia. Atropelar e matar sua melhor amiga e companheira de trabalho, de oito anos de convivência, é realmente um acontecimento que jamais sairá de sua memória e da nossa também, tenho certeza.

Naquela manhã chorei lembrando: “Pouco antes de eu ir dormir ela estava lá, balançando o rabinho para mim e, quando acordo, me deparo com esta situação tão triste”.

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O desespero nos cegou, nos atordoou de tal forma, que é realmente inexplicável. O sofrimento às vezes apresenta formas bruscas que vão além de nossas forças.

A culpa se tornou um peso, um peso difícil de carregar, pensamos que não aguentaríamos, parecia que não conseguiríamos nunca superar. Nós nos sentimos totalmente impotentes e inconformados com o que havia acontecido.

Não podemos apagar tudo o que foi vivido ao seu lado, basta ver as fotos de família, eventos importantes passados e lá, estará ela, a nossa Pretinha, baixinha, peluda, enfeitando com toda sua beleza e alegria nosso álbum de família.

Aquela com certeza será uma manhã que jamais será totalmente esquecida, entrou para nossa história. História essa que não desejamos para nenhuma outra família do planeta.

Infelizmente nós homens, mulheres ou crianças, não temos o poder de traçar totalmente nossos próprios destinos. Esse acontecimento será lembrado e contado nas futuras gerações de nossa pequena família. Já me vejo daqui a vários anos contando para os meus netos (que ainda nem sequer foram encomendados, mas sei que um dia terei), contando e mostrando em nossas fotos antigas como a nossa Pretinha era linda e como ocorreu este triste acidente. Infelizmente a vida é assim, estamos à mercê de toda sorte de coisas.

Construímos no dia a dia mesmo sem querer, sem perceber, uma pequena fortaleza, o nosso mundinho, pensávamos erroneamente que nada poderia nos atingir e fomos pegos de surpresa. Precisamos ter muita fé e lucidez para encarar essa tragédia. Nos culpamos por não termos sido cuidadosos com ela a ponto de termos evitado o trágico acidente. Mas ora, ela já

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morava ali há oito anos e tudo sempre esteve bem! Como poderíamos supor que algo deste tipo ocorresse?

Todo o ressentimento e raiva que vivemos, o fato de nos torturarmos, acusando-nos pelo ocorrido, foi penoso e pesado demais. Por sorte os efeitos devastadores de uma grande tristeza não duram para sempre. Com o tempo a dor foi para longe, nos dando mais tranquilidade, conformidade. A verdade é que não podemos deixar ir embora a esperança no futuro. Nunca podemos perder a satisfação pela vida.

Momentos após a tragédia eu vi a importância imensa que Pretinha tinha e à qual até então não dava muita atenção.

Nós, seres humanos, na maioria das vezes nunca nos satisfazemos com o que temos, sempre temos a ideia de que tudo que é dos outros é melhor do que o que é nosso, não valorizamos devidamente o que temos, estamos sempre querendo mais e mais, exigindo mais e mais, sem recompensarmos às vezes apenas com um simples gesto quem merece. Precisamos aprender a enxergar as coisas e gostarmos delas como elas são, parar de nadar contra a correnteza, não ficar sempre tentando mudar, alterar, corrigir, aceitar a nós mesmos e aos outros, precisamos valorizar o que estiver ao nosso alcance enquanto temos e não só após perdermos.

Diante daquela tragédia, não havia o que fazer senão chorar. Choramos todos.

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Após a tragédia

Por vários dias que se seguiram após o terrível acidente, o clima em nossa casa e trabalho não era mais o mesmo. Sempre nos olhávamos um com pena do sofrimento do outro.

Meu marido, impregnado com a sensação de desastre, com todo o pesar do mundo fez o enterro de nossa Pretinha no fundo do nosso quintal, porém não participei nem deixei que minha filha participasse, mesmo tentando ser madura, não tive estrutura emocional para administrar essa situação.

No auge de minha tempestade emocional, não consegui sequer me despedir, ver seu corpinho sempre tão aceso e feliz, apagado definitivamente no chão de nossa oficina naquela trágica manhã seria demais para mim. Não tive força interior suficiente para encarar o drama que minha família estava vivendo, meus sentimentos estavam em imensa desordem e confusão. Diante de todo aquele choque terrível, daquela tempestade emocional que precisei encarar, não consegui dar o apoio moral e psicológico de que meu marido precisava naquele momento.

Fato é que não sei me relacionar com a morte, fico sem chão.

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Sentia-me totalmente desencorajada a encarar a situação, a enfrentar a morte trágica e súbita de quem com suas intenções honestas e aspecto afável só nos trazia alegrias.

No dia seguinte ao seu enterro o dia amanheceu chuvoso e cinza, o que deixou o clima ainda mais triste e tenebroso para nós.

Minha filha ficou com febre emocional devido à perda.

Demos muito carinho a ela neste período difícil pelo qual estava passando, porém nada substituía a presença de sua melhor amiga ao seu lado. Todos os dias, por oito anos, em cada brechinha de horário que tinha disponível, lá ia ela para a oficina brincar com sua baixinha e peluda Pretinha querida, então após a morte de sua fiel amiga, quando o horário disponível aparecia, ela já não tinha mais felicidade de fazer nada, ficava apenas se lembrando e pensando no que estariam brincando se sua amiguinha ainda estivesse viva. Me dizia: “Pretinha adorava brincar disso, ela adorava quando eu fazia isso, ela adorava comer isso...”, tudo a remetia a lembranças, situações vividas.

É os primeiros dias a morte de nossa estimada Pretinha foram realmente difíceis!

Meses após a tragédia lembramos o dia em que Pretinha chegou a nossa vida, tão pequenina, lindíssima naquela grande e carinhosamente enfeitada caixa de presente. E ainda dizem que os melhores presentes vêm nas menores caixas, mas a verdade sempre aparece.

Ainda inquietos, vimos as fotos tiradas ao longo dos oito anos em que ela viveu em nosso lar. É... nosso lar.

Ela e minha filha cresceram literalmente vários anos juntas, todas as vezes que entrávamos ou saímos ela estava lá,

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para nos cumprimentar, e foi muito difícil ter que conviver com sua ausência. Mas, como tudo na vida passa... O luto passou.

No fundo não conseguia afastar a profunda e inabalável certeza de que fui eu mesma a responsável por aquela tragédia. Sentia-me atormentada pela consciência, por não ter feito tudo o que podia por ela. Por não ter me envolvido como deveria nos cuidados com a nossa Pretinha.

Mas a verdade é que hoje praticamente mais ninguém lembra ou chama por ela no trabalho. É cruel, mas é a pura verdade, com o decorrer do tempo nossa existência é apagada aos poucos. Isso é bom, porque se não fosse assim teríamos que viver chorando, pois perdas fazem parte da vida. E por incrível que possa parecer sempre aprendemos e nos fortalecemos com a dor, mas tudo tem seu tempo.

Uma constatação dolorosa: Os dramas infelizmente não existem só em livros, filmes ou em peças de teatro, existem em nossas vidas, entram sem pedir licença, nos pegam de surpresa e nos deixam sem saber como agir ou sem saber o que pensar. Apesar disso temos que seguir adiante, não podemos nos julgar injustiçados e agredidos a todo momento pelos acontecimentos difíceis. Precisamos nos erguer, levantar a cabeça e seguir sem olhar para trás.

Minha única filha, dos três aos onze anos, tinha uma amiguinha canina especial, e a partir daquela manhã ficaria sendo apenas ela. Foi a primeira perda pela qual ela passou em seus onze anos de existência, foi difícil compreender por que tamanha injustiça poderia ter acontecido com sua estimada amiga.

Como tudo isso podia ser real?

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Ela me perguntou enquanto chorava: “Mãe, como Deus deixou que isso acontecesse com a minha Pretinha? Ela nunca fez mal a ninguém”.

Não sou uma pessoa religiosa. Sou católica batizada, porém não praticante, tenho fé em Deus e oro para Ele todos os dias, sempre o tenho comigo não só quando me sinto em apuros, mas também quando tenho bons motivos para comemorar e agradecer. Bem, com a pergunta de minha filha, disse: “Cada um tem de passar por certas situações e conseguir superá-las. É difícil, mas com fé a gente consegue”.

Na tentativa desesperada de ajudar minha filha no processo de desapego usei a mesma técnica utilizada por meu pai quando nos deu os pintinhos, comprando para ela um lindo coelho que ela batizou de Pernalonga. Pernalonga realmente conseguiu dar um novo brilho em seus olhos e pôr vários grandes sorrisos em seu rostinho adocicado. E eu? Eu estava aliviada por vê-la feliz mais uma vez.

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Um recomeço

Quando tudo estava na mais perfeita ordem, eu e minha

pequena família nos divertindo muito juntos, viajando, cantando, dançando... Ah! Esqueci de contar! Nós fazemos aula de dança de salão, meu marido e eu. Após dois anos tentando convencê-lo a fazer aula, com diversas chantagens emocionais como “Você só gosta de jogar bola, não faz nada comigo”, consegui! É, depois de dois anos. Bem, na verdade quem merece os créditos mesmo nesta conquista é o nosso professor de dança, com quem meu marido se identificou assim que o viu. Ele sim conseguiu com apenas alguns minutos o que tentei por dois anos, cativou mais este difícil aluno.

Os homens geralmente relutam por vergonha ou preconceito, eles

são a minoria em todas as escolas e bailes de dança que frequentamos.

Após ter esquecido essa ideia de cachorro e finalmente

superar todo o drama que vivi, lá vem o martírio novamente quando minha filha, do nada, cismou de ganhar de presente de aniversário um novo cachorro, e meu marido, parecendo ter superado totalmente a tragédia que havia ocorrido, logo ficou todo assanhadinho e com seus olhos brilhantes ao ouvir esse pedido.

Eu, que precisava de sua ajuda para conseguir convencê-la a desistir deste presente, não tive nenhum apoio, apenas eu parecia me lembrar da tragédia e temer passar por situação igual à vivida.

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Voltei ao dilema. É... Um cachorro!

Depois da dor que passei com a perda de nossa cadela Pretinha, disse: “Nunca mais quero animal nenhum em minha vida”. E com aquela mera possibilidade de ter um cachorro novamente, toda a tristeza que passamos com o atropelamento e a morte de nossa cadela voltou. Senti um aperto no peito ao lembrar-me de tudo, foi como se um filme passasse em minha cabeça naquele exato momento. E tomada por uma forte e inexplicável sensação de tragédia anunciada, tentando encontrar as palavras certas, pedi para meu marido que encarecidamente me ajudasse a tirar esta ideia da cabeça de nossa filha, lembrei a ele que ela até adoeceu quando ocorreu o fatídico acidente. Estava realmente apavorada com esta possibilidade, me preocupava principalmente com minha filha, não queria nunca mais vê-la sofrer como sofreu. O problema era que, para meu desespero, os meus medos não haviam diminuído. O tempo havia passado, mas eu não me considerava emocionalmente “pronta”.

Com meu enorme gosto pela leitura, tratei de pesquisar algo que pudesse alegar na tentativa de evitar a compra do bendito presente, porém, para minha surpresa não encontrei nada negativo, muito pelo contrário, descobri que a presença de um animal doméstico favorece o desenvolvimento da afetividade, pois eles estão permanentemente disponíveis, despertam sentimentos positivos, melhoram a autoestima e a autoconfiança da criança.

Elas aprendem a dividir, passam a se preocupar mais com as pessoas, ajudam a controlar o estresse e até melhoram o sistema imunológico.

Bem, voltando... Insistência terrível de minha filha, que é

do tipo que sabe realmente lutar pelo que quer. Meu Deus, ela não desiste nunca quando quer algo! Ela ficou dias insistindo. Sei

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bem o quanto ela é voluntariosa e cabeça-dura quando quer alguma coisa. Tentei de todas as formas fazê-la esquecer desta ideia, inclusive oferecendo outros presentes ou até mesmo uma viagem, mas ela continuava a insistir na compra do bendito cachorro.

Expliquei que um cachorro traria muitas despesas e trabalho, que estava dividida, tensa e ocupada demais, realmente não havia nenhuma disponibilidade. Mesmo assim eles não se importaram com nada que eu disse, pareciam não me ouvir. Deixei claro que não iria olhar, cuidar, não queria saber de animal nenhum! Mas eles estavam realmente decididos, não adiantava mais tentar fazer com que eles mudassem de ideia.

Já era! Não tinha mais jeito mesmo!

O que aconteceu após tanta insistência de minha filha em ganhar de presente um novo cachorro? Fui vencida novamente, e pronto!

A única maneira de alguém me levar para uma feira de animais é me arrastando – penso – mas por fim acabei indo sem ser obrigada por ninguém. Então, lá estávamos nós três na feira de animais da cidade, muito barulho, sujeira, materiais piratas à venda, um verdadeiro caos. Era uma manhã de domingo ensolarada e quente, havia muita gente, o local era de difícil acesso, para conseguirmos encontrar uma vaga para estacionar o carro foi dificílimo. Tudo já começara como uma grande desventura. Aproveitei o ensejo e, estimulada pelo medo, como se eles ainda pudessem mudar de ideia, disse: “Vamos deixar isso para outro dia...”, mas não teve jeito, estávamos lá para comprar um cachorro de presente de aniversário e não sairíamos de lá sem ele. Palavras da minha filha.

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Uma difícil escolha

Chegou o tão indesejado dia para mim, porém um dos dias mais felizes da vida de minha filha: o dia em que íamos comprar seu presente de aniversário. Thayná, na plenitude do frescor de seus onze anos, demonstrava sua empolgação a todo momento cantando e sorrindo pelo carro durante todo o trajeto, feliz que só ela. Ansiosa dizia ao pai: “Ande logo pai, acelera aí!”. Estava louca querendo chegar o mais rápido possível à bendita feira de animais.

Crianças, com sua doce inocência, não sabem o peso que determinados compromissos assumidos podem trazer para seus pais. Enquanto nos dirigíamos para o local era nisso que eu pensava.

Após tanto procurar, andar por horas sob o sol escaldante de quase meio dia, e eu estar cada vez mais cansada e arrependida de ter saído de casa, finalmente, um pouco mais adiante, em uma das últimas e menores barracas da feira pelas quais passamos minha filha avistou o cãozinho que a cativou no ato. Ela disse: “É esse, pai!”, e eu, como não entendia muita coisa sobre cães de raça (as únicas cadelas que tive eram vira-latas), perguntei: “Que raça é essa?”. Fui informada de que era um Teckel (Basset Dachshund, vulgo “salsicha”). Fiquei apavorada e disse: “Essa é

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uma raça horrível, cruz credo! Pra mim cachorro bonito de verdade é o Poodle, ou o Yorkshire”, mas devido ao tipo de pelo estes estavam descartados.

Não adiantou tentar desanimá-los, ela e o pai após horas de procura finalmente escolheram o que mais lhes agradou (e cujo preço cabia no orçamento, é claro!), após grande negociação com o vendedor, que por sinal concedeu um desconto que considerei até magnífico, e com isso não pude deixar de suspeitar... Não me contive e disse: “Esse desconto todo deve ser porque este é um cachorro legitimamente falsificado. Um puríssimo vira-lata”. E caí na gargalhada! Meu marido e minha filha no ato me olharam com um olhar assassino e eu logo prendi o riso.

Em segredo, eu soube que ao avistarem aquela miniatura de cachorro, de aparência frágil os dois amaram-no de imediato, foi paixão à primeira vista. Minha filha, doidaça de tão embasbacada e com o rosto iluminado, disse, quase gritando, assim que o pegou nos braços: “Mas... ele... é... lindo!”. Enquanto meu marido concordava com ela eu pensei cá com meus botões: “Não se atreva a falar por nós duas”. Boquiaberta de espanto recuei e fitei-a nos olhos nesse momento em que ela dava seu chiliquinho eufórico e vitorioso de felicidade, tentando descobrir se ela estava sendo falsa ao dizer isso e sentindo uma súbita perplexidade constatei, que pelo brilho em seus olhos ela levava a sério mesmo o que estava falando. - Alguém mande internar esta menina! - Nem no dia em que ela ganhou seu primeiro celular ela ficou assim, tão embasbacada. E olha que ela gostou muito dele.

Como estava certa de que não seria de muita classe dar novamente a minha opinião sincera resolvi por bem não tecer comentários sobre o filhotinho feinho. Não sou do tipo que banca a boazinha só para agradar.

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Olhei bem para a ferinha. “Tá bom, eu só vou ali vomitar e já volto!”, pensei. Tá certo que ele também não era lá nenhuma aberração, mas “lindo” já ultrapassava todos os limites minimamente aceitáveis.

Enquanto eles estavam ali, vivendo o presente, eu estava com a cabeça nas estrelas (será que a culpa é mesmo das estrelas?), pensando entre outras coisas que esse faz-de-conta deles iria acabar rapidinho quando começasse a choradeira da criaturinha de madrugada. Ah! E quando eles tivessem que limpar a sujeira que ele faria. Modéstia à parte sei medir uma furada quando me deparo com uma.

Naturalmente aquela coisinha feia os encantou e em minha humilde opinião ou eles eram cegos, ou estavam bêbados, ou alguma bobagem assim. E, além do mais, para meu afiado senso de dedução, estava tão claro que voltar para casa levando um filhote, ainda mais um feio daquele jeito, só iria nos dar dor de cabeça. Por que ninguém mais ali era capaz de enxergar isso? A julgar pelas aparências jamais me encantaria por aquele filhote. Pelo menos não num primeiro momento.

Vale acrescentar que é claro que eu não faria esse tipo de avaliação tão superficial se não estivesse apavorada com a ideia de ter um animal em minha vida novamente. Não sou esse tipo de pessoa que julga as aparências. Bem, não era. Pelo menos não, até aquele momento. Mas creio que este tenha sido só mais um mecanismo de defesa.

Gostaria de lembrar neste ponto que eu não queria cachorro, haja vista o acidente fatal com a nossa Pretinha que foi um verdadeiro balde de água fria em qualquer possibilidade de isso vir a ser encarado com alguma boa vontade de minha parte. Isso era verdade total e também um assunto bem delicado.

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Perguntava-me a título de quê alguém compraria um cachorro como aquele, que parecia um filhote de rato. Não seria melhor comprarmos um hamster logo, então? Eles pelo menos são lindinhos. Porém, não havia diálogo. Sou sempre voto vencido em casa. Como pode ver, pai e filha juntaram-se formando um complô imbatível, não havia nenhuma forma de fazê-los esquecer esta ideia estapafúrdia.

No caminho de volta para casa pai e filha vieram por todo o trajeto conversando empolgados sobre o filhotinho de rato que traziam e eu, reclamona e me sentindo totalmente deslocada, só falava palavras estritamente necessárias. Pensava: “Meu Deus, eles estão ficando meio chatos já com esse papo”.

Se o clima ali era de entusiasmo então, por que, mon Dieu, eu não estava entusiasmada?! Talvez fosse porque eu estivesse desconfiada de que eles só viam o melhor do filhote enquanto eu, naquele momento, não podia pensar em nada que eu gostasse mais do que não ter número dois, ou um, de cachorro para limpar. Eu não tinha estômago para isso.

Quando chegamos em casa com o filhote, um bloco de gente veio conhecê-lo e o achou lindo. Todos só podiam estar mesmo... loucos! E ele, ainda que pequenino e indefeso, me pareceu, perante aquela plateia de olhos avaliadores, um tanto à vontade demais para o meu gosto.

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Os primeiros dias

Como foram os primeiros dias após a compra do bendito presente? Nossa! Que maravilha! Ninguém dormia direito em minha casa de novo. Uma coisa! Um espetacular fracasso! Aquela miniatura de cachorro não parava de cheirar o chão e de latir nunca, não importava o que fizéssemos lá estava ele agitado e latindo desesperadamente.

- Como uma criatura tão pequena pode ser tão irritante?

Mesmo inquieta senti pena de seu sofrimento, pois sabia que ele estava sentindo falta de sua mãe. Ele ainda não tinha, nem poderia ter, reconheço, conhecimento de que a partir daquele dia sua família mudara definitivamente.

Compramos uma bela caminha de cachorro para ele, que tinha várias cobertas bem quentinhas e fofas, mas nenhuma de nossas providências foi suficiente para acalmá-lo nos primeiros dias. Foram realmente noites difíceis, nada o agradava, a tudo e todos ele estranhava.

Para minha filha era só alegria, diversão, ela era só sorriso e felicidade, com isto nem parar para fazer suas refeições devidamente ela queria para ficar ao lado de seu novo amigo. Com sua inocência, ela pensava ser ele um brinquedo. Ir para a

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escola era um enorme sacrifício, pois não queria deixá-lo um minuto sequer.

Pediu ao pai que a buscasse todos os dias na saída da escola de carro, para que assim chegasse o mais rápido possível em casa e pudesse matar a imensa saudade do mais novo amigo.

Contudo, quem teve que tomar conta dele durante as noites difíceis? Eu, é claro! Meu marido e minha filha, que tanto fizeram questão de comprá-lo, estavam a dormir e até a roncar tranquilamente em suas quentes e macias camas, e eu lá, de babá de cachorro por toda a madrugada. Horas de sono perdidas e muito mau humor, era pura insatisfação. Ora, ora, eu sabia que isso ia acabar acontecendo!

Ainda assim tentei ser legal com a criaturinha. Fazer o quê? Ele não tinha culpa de ter sido arrancado da mamãe dele. Então, lá estava ele, aquele ratinho marrom, orelhudo, feio para mim e o pior de tudo chorão, e eu, como um guarda noturno mal ajambrado e sonolento.

Assim que ele chegou em casa começamos a pensar em nomes para a fera. Caraca! É muito difícil esta escolha! Após várias sugestões, não encontramos nenhuma que nos agradasse. Ficamos frustrados com a tamanha dificuldade que nós encontramos em decidir. Os dias passaram, passaram, pensamos, pensamos, até que tive a ideia de homenagear o meu desenho favorito. Desenho que conta a história das loucuras que um pai é capaz de fazer por seu filho, arriscando sua própria vida na tentativa desesperada de reencontrar seu amado filhote. História que por sinal achei cativante, emocionante, linda mesmo e pronto! Estava decidido, seria Nemo o nome de nosso filhote. É, o nosso Nemo.

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Nos primeiros dias:

Não adiantava mais evitar, tentar me esconder, porque lá estava ele. Acordava sonolenta pelas madrugadas, sem ao menos me lembrar de sua existência, e lá estava aquela coisinha esquisita me perseguindo. Eu dizia coisas tipo: “Vai dormir, cachorro! Me deixa quieta! Isso não são horas...”. Mas ainda assim ele, sem pensar duas vezes, deixava a sua quente e macia caminha para ficar no frio e duro chão me olhando e se balançando – e como se balançava! Não importava o tempo que eu ficasse, lá estava ele. Agitava-se tanto que me fazia até perder o sono. Às vezes, me levantava, abria a porta do quarto bem lentamente, sem praticamente nenhum ruído, mas quando saía ele já estava lá, bem na minha frente, erguendo a cabeça para me olhar nos olhos. - É sério que essa criatura não dorme nunca? - ele parecia sempre me espionar. Eu não tinha mais o direito de circular pela casa nas madrugadas sem ser seguida a cada passo.

Nemo se mostrava muito carente, exigindo sempre a minha atenção. Parecia um castigo para mim. Ele parecia saber que não desejava amá-lo, que estava com medo de me apegar, medo por saber que a morte faz parte e que um animalzinho como ele é muito frágil e vulnerável. Mas agindo como se aquela situação não tivesse nada a ver com ele, Nemo permanecia obstinado a conseguir me fazer deixar a covardia e o trauma de lado definitivamente.

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O primeiro susto...

Susto: medo repentino... Temor causado por notícia ou

fatos imprevistos.

Em uma madrugada como de costume, levantei normalmente, saí do quarto, dei um circulada pela sala, vagando sem destino certo, como um fantasma e nada da coisinha aparecer. Tentei não ligar e voltar a dormir. Cheguei a deitar, mas uma pergunta ficava martelando na minha cabeça: “Por que a coisinha não veio me perturbar com seus pulos, latidos e rabinho a balançar? Quem ele pensa que é para me ignorar?”. Com estas dúvidas, não consegui dormir, claro.

Por um breve instante me peguei sem defesas. O que eu estava fazendo ali? Perdendo meu sono por conta de um animalzinho que eu nunca quis? Tentei por vários minutos não dar atenção a este fato, mas felizmente não consegui.

Minutos após rolar de um lado para o outro na cama, tive que me levantar e procurá-lo e lá estava ele, em sua cama macia e quente, todo mole, não se balançava ou demonstrava sua felicidade habitual, mesmo assim fazia forças para transmitir que me amava e que estava muito feliz em me ver, balançando, ou melhor, tentando balançar com esforço o rabinho e me acompanhando com os olhos redondos, que pela primeira vez aparentavam sofrimento. Seu rabinho feliz, mesmo fraco,

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transmitiu bem o recado quando ele me viu. Ele me amava e contava comigo.

É claro, que no fundo eu sempre o achei uma supergracinha. Mas tinha de dizer que não. Doeria menos se algo não desse certo assim.

Daí ele começou a gemer baixinho. Gelei. Pois na hora percebi que algo não estava bem. — O que foi, queridinho?

“Eu disse... ‘Que-ri-di-nho’? Foi isso mesmo?”.

Olhei o relógio que marcava 3h42min da madrugada. Não me importei, procurei minha agenda telefônica e liguei no ato para o veterinário que eu sabia não atender a emergências, mas ele ia atender, ah ia! Eu teria passado a madrugada toda tentando. Não poderia deixá-lo sofrer sem ao menos tentar ajudá-lo, meu coração ficou apertado e palpitante, minhas mãos geladas e suadas. Após inúmeras tentativas finalmente o veterinário ainda sonolento me atendeu. Eu me desculpei pelo horário, mas a situação era urgente e em meu bairro não havia clínica veterinária de plantão. Ou seja, não tinha outra saída. Bem, pela descrição que passei pelo telefone o veterinário me instruiu e me disse que pelas características ele estava febril, possivelmente uma virose o acometeu. O seu nariz, que era uma pequenina pedra de gelo e úmido, estava quente, muito quente e seco.

Por sorte, poderia usar poucas gotas de um antitérmico de minha filha, pois não havia nenhum medicamento específico para cães indicado para este fim em minha caixa de medicamentos. O que só fiz por ter sido devidamente instruída pelo Médico Veterinário, pois mesmo um tanto inexperiente, sabia que dar remédio de gente para um animal é algo extremamente perigoso e que pode ser até fatal.

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Passado o susto e mais tranquila, tentei voltar para a cama e deixar lá em sua caminha limpa e confortável aquela miniatura de cachorro, dodoizinho, parecendo um bebê amuado, e simplesmente não consegui. Não conseguia entender, rolava na cama e meus pensamentos não saíam dele, lá, sozinho. Não resisti e levantei diversas vezes para acariciá-lo preocupada. Não me lembro de ter sentido sono. Ou de ter dormido.

Se ele estiver fazendo isso como alguma espécie de chantagem emocional, para me comover e me cativar, ele estará encrencado! Eu não respondo bem a chantagem. Bem, acho.

Súbito surgiu um medo e o pensamento de que um dia voltaria e não o encontraria mais lá. E do pensamento vieram imagens e sentimentos terrivelmente familiares que deixaram meu coração em pedacinhos. Uma tragédia dava para aguentar, mas não duas.

Nunca imaginei que um filhotinho teria esse efeito todo em mim.

“Por favor, pensamento pare com isso já! Já está preocupante o suficiente sem você aí piorando as coisas”.

Em um momento senti uma dor na consciência por não ter lhe dado mais carinho antes. Na boa? Eu só esperava que ele saísse dessa logo, pronto, falei.

A maré tinha virado. Nemo com seus gestos quase silenciosos tinha conseguido toda a minha atenção. Era ele quem estava no controle agora. Mesmo sem pedir.

- “Bom dia, bebezinho!”.

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Ele era tão manso e afável que eu não resisti aos encantos dele. Mesmo feinho.

Enrolei um paninho macio e limpo nele. Peguei seu corpinho aveludado, ainda bem similar ao de um rato, com todo o cuidado do mundo. Percebi que havia um brilho desagradável no olhar dele, de dor. Ainda assim ele exalava um ar melífluo que me compenetrava. Até que ele, fofo, com um esforço que pareceu sobrenatural, deu uma lambidinha mixa em minha mão nessa hora.

Minha mente disparava. Cada vez mais aumentando minha expectativa. Meu coração começou a se sentir apertadinho. Desejei contra todas as probabilidades, tipo ao som de uma palavra mágica do veterinário, voltar para casa com ele alegrinho como antes.

Não sei se você já sabe disso, mas ver um animalzinho indefeso doente não é das coisas mais fáceis do mundo.

Naquela mesma manhã fui a primeira a chegar ao consultório do veterinário, cheguei primeiro até do que o próprio médico. Meu marido nos levou de carro e voltou para o trabalho.

Não pude esperar a hora certa em que o consultório abriria, estava ansiosa demais para que Nemo fosse examinado. Esperar em casa só ia aumentar minha agonia. Não aguentava vê-lo triste e cansado, logo ele que tinha uma energia incansável em tempo integral. Perturbava minha paciência o tempo todo, era como uma sombra imperfeita e minúscula vagando atrás de mim pelos cômodos de minha grande casa, nem mesmo suas pequenas patinhas (característica da raça) conseguiam fazê-lo andar menos ou com menos velocidade. Eu podia subir e descer vinte vezes seguidas as escadas que ele sempre me acompanhava, ou ao

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menos tentava me acompanhar, mesmo ofegante não desistia nunca.

Sem mais delongas: tudo bem, foi apenas um susto! É, um susto! O veterinário na consulta confirmou: “Realmente foi uma virose típica da estação que o acometeu”, mas nada com grandes consequências ou que requeresse grandes cuidados além de boas doses de medicamentos na hora certa, porém, ainda assim ele passou alguns poucos dias sem se fazer notar como antes, eu andava e olhava para trás e nada! Ele não estava em minha volta, ou sentado aos meus pés, ou farejando o chão, e sim estirado em sua caminha com aquele arzinho frágil e cansado que fazia doer meu coração.

Mesmo enquanto ele esteve dodoizinho vi uma força em seus olhos e uma demonstração de afeto sobrenatural, e pela primeira vez não me senti ameaçada ou repelida com isso, pelo contrário. Ali, com aquele sentimento recém-descoberto, eu meio que comecei a ver os animais mais por dentro. Uma nova sensação ganhou vida dentro de mim.

Lá se foi minha teoria de que uma vida sem animais era bem mais fácil e melhor.

E é assim mesmo, com carinho, algumas ruguinhas novas de sorriso e de preocupação, que nasce o amor.

Tudo no amor é uma oportunidade.

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Após o susto, nasce a felicidade:

Bom, passei até aqui um pouco de como fui, sou, penso, vivi e vivo. Agora, com as devidas apresentações já feitas, vou deixar de enrolar e começar a contar o motivo de dizer que a tragédia virou felicidade.

(Continua...)

Texto atualizado em 2018.

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