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1 Perspectivas da Gestão Escolar e Implicações quanto à Formação de seus Gestores Heloísa Lück Doutora em Educação pela Columbia University, New York; coordenadora nacional da Rede Nacional de Referência em Gestão Educacional do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Renageste/Consed); diretora do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap/Curitiba). Este artigo tem por objetivo analisar questões fundamentais e os novos desafios afetos à gestão escolar, em face das novas demandas que a escola enfrenta, no contexto de uma sociedade que se democratiza e se transforma. Muitos destes desafios já se acham reconhecidos conceitualmente embora, em muitos casos, sejam trabalhados apenas genericamente pela comunidade educacional. Sua notoriedade ocorreu principalmente por terem sido propostos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tal é o caso da democratização da educação, já anteriormente estabelecida pela Constituição de 1988. No entanto, como sua prática é ainda um livro aberto a experiências consistentes, à construção do conhecimento e à aprendizagem, e dada a sua centralidade para o desenvolvimento de educação de qualidade, trataremos, especialmente, dessas questões. Tendo em vista a complexidade dos processos sociais, suas expressões estão sujeitas a múltiplos significados e interpretações, cabendo, portanto, explorar tantos quantos forem possíveis, de modo a alargar e aprofundar o entendimento das mesmas. Não o devemos fazer, pois, para estabelecer um caráter de comparação excludente ou/e de disputa entre outros significados já expressos, mas para configurar novos desdobramentos sobre as questões. O leitor irá observar em vários artigos apresentados neste Em Aberto conceitos como gestão democrática e autonomia da escola, que são aqui também tratados. O objetivo é o de abrir o leque do entendimento sobre essas práticas, ao mesmo tempo que reforçando a análise de certas abordagens. Um novo ângulo, uma ótica diferente, uma variação conceitual ajudam, por certo, a fundamentar melhor a compreensão sobre a realidade e os processos que a constroem. São objeto deste artigo a mudança de concepção de escola e implicações quanto à gestão, as limitações do modelo estático de escola e de sua direção; a transição de um modelo estático para um paradigma dinâmico; a descentralização, a democratização da gestão escolar e a construção da autonomia da escola, e a formação de gestores escolares. Mudança de concepção de escola e implicações quanto à sua gestão Já é lugar comum a afirmação de que vivemos uma época de mudança. Porém, a mudança mais significativa que se pode registrar é a do modo como vemos a realidade e de como dela participamos, estabelecendo sua construção. No geral, em toda a sociedade, observa-se o desenvolvimento da consciência de que o autoritarismo, a centralização, a fragmentação, o conservadorismo e a ótica do dividir para conquistar, do perde-ganha, estão ultrapassados, por conduzirem ao desperdício, ao imobilismo, ao ativismo inconseqüente, à desresponsabilização por atos e seus resultados e, em última instância, à estagnação social e ao fracasso de suas instituições. Essa mudança de paradigma é marcada por uma forte tendência à adoção de concepções e práticas interativas, participativas e democráticas, caracterizadas por movimentos dinâmicos e globais, com os quais, para determinar as características de produtos e serviços, interagem dirigentes, funcionários e “clientes” ou “usuários”, estabelecendo alianças, redes e parcerias, na busca de soluções de problemas e alargamento de horizontes. Em meio a essa mudança, não apenas a escola desenvolve essa consciência, como a própria sociedade cobra que o faça. Assim é que a escola se encontra, hoje, no centro de atenções da sociedade. Isto porque se reconhece que a educação, na sociedade globalizada e economia centrada no conhecimento, constitui grande valor estratégico para o desenvolvimento de qualquer sociedade,

Perspectivas Da Gestão Escolar (HELOÍSA LUCK)

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  • 1Perspectivas da Gesto Escolar e Implicaes quanto Formao de seus Gestores

    Helosa Lck

    Doutora em Educao pela Columbia University, New York; coordenadora nacional da Rede Nacional de Referncia em Gesto Educacional do Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Renageste/Consed); diretora do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap/Curitiba).

    Este artigo tem por objetivo analisar questes fundamentais e os novos desafios afetos gesto escolar, em face das novas demandas que a escola enfrenta, no contexto de uma sociedade que se democratiza e se transforma. Muitos destes desafios j se acham reconhecidos conceitualmente embora, em muitos casos, sejam trabalhados apenas genericamente pela comunidade educacional. Sua notoriedade ocorreu principalmente por terem sido propostos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Tal o caso da democratizao da educao, j anteriormente estabelecida pela Constituio de 1988. No entanto, como sua prtica ainda um livro aberto a experincias consistentes, construo do conhecimento e aprendizagem, e dada a sua centralidade para o desenvolvimento de educao de qualidade, trataremos, especialmente, dessas questes. Tendo em vista a complexidade dos processos sociais, suas expresses esto sujeitas a mltiplos significados e interpretaes, cabendo, portanto, explorar tantos quantos forem possveis, de modo a alargar e aprofundar o entendimento das mesmas. No o devemos fazer, pois, para estabelecer um carter de comparao excludente ou/e de disputa entre outros significados j expressos, mas para configurar novos desdobramentos sobre as questes. O leitor ir observar em vrios artigos apresentados neste Em Aberto conceitos como gesto democrtica e autonomia da escola, que so aqui tambm tratados. O objetivo o de abrir o leque do entendimento sobre essas prticas, ao mesmo tempo que reforando a anlise de certas abordagens. Um novo ngulo, uma tica diferente, uma variao conceitual ajudam, por certo, a fundamentar melhor a compreenso sobre a realidade e os processos que a constroem.

    So objeto deste artigo a mudana de concepo de escola e implicaes quanto gesto, as limitaes do modelo esttico de escola e de sua direo; a transio de um modelo esttico para um paradigma dinmico; a descentralizao, a democratizao da gesto escolar e a construo da autonomia da escola, e a formao de gestores escolares.

    Mudana de concepo de escola e implicaes quanto sua gesto J lugar comum a afirmao de que vivemos uma poca de mudana. Porm, a

    mudana mais significativa que se pode registrar a do modo como vemos a realidade e de como dela participamos, estabelecendo sua construo. No geral, em toda a sociedade, observa-se o desenvolvimento da conscincia de que o autoritarismo, a centralizao, a fragmentao, o conservadorismo e a tica do dividir para conquistar, do perde-ganha, esto ultrapassados, por conduzirem ao desperdcio, ao imobilismo, ao ativismo inconseqente, desresponsabilizao por atos e seus resultados e, em ltima instncia, estagnao social e ao fracasso de suas instituies.

    Essa mudana de paradigma marcada por uma forte tendncia adoo de concepes e prticas interativas, participativas e democrticas, caracterizadas por movimentos dinmicos e globais, com os quais, para determinar as caractersticas de produtos e servios, interagem dirigentes, funcionrios e clientes ou usurios, estabelecendo alianas, redes e parcerias, na busca de solues de problemas e alargamento de horizontes.

    Em meio a essa mudana, no apenas a escola desenvolve essa conscincia, como a prpria sociedade cobra que o faa. Assim que a escola se encontra, hoje, no centro de atenes da sociedade. Isto porque se reconhece que a educao, na sociedade globalizada e economia centrada no conhecimento, constitui grande valor estratgico para o desenvolvimento de qualquer sociedade,

  • 2assim como condio importante para a qualidade de vida das pessoas. Embora esse enfoque no seja plenamente adotado e, quando levado em considerao, seja orientado, ainda, por um velho e j enfraquecido paradigma orientador da cobrana, em vez de participao, ele tem grande impacto sobre o que acontece na escola, que hoje, mais do que nunca, bombardeada por demandas sociais das mais diversas ordens. Observa-se, tambm, o interesse de grupos e organizaes, no sentido de colaborarem com a escola, constituindo-se essa rea, um campo frtil para a realizao de parcerias em prol da educao, para o desenvolvimento da sociedade, e por conseguinte, um grande desafio para os gestores escolares, por exigirem deles novas atenes, conhecimentos e habilidades.

    So demandadas mudanas urgentes na escola, a fim de que garanta formao competente de seus alunos, de modo que sejam capazes de enfrentar criativamente, com empreendedorismo e esprito crtico, os problemas cada vez mais complexos da sociedade, conforme indicado na apresentao deste Em Aberto. A educao, no contexto escolar, se complexifica e exige esforos redobrados e maior organizao do trabalho educacional, assim como participao da comunidade na realizao desse empreendimento, a fim de que possa ser efetiva, j que no basta ao estabelecimento de ensino apenas preparar o aluno para nveis mais elevados de escolaridade, uma vez que o que ele precisa de aprender para compreender a vida, a si mesmo e a sociedade, como condies para aes competentes na prtica da cidadania. E o ambiente escolar como um todo deve oferecer-lhe esta experincia.

    Educao, portanto, dada sua complexidade e crescente ampliao, j no vista como responsabilidade exclusiva da escola. A prpria sociedade, embora muitas vezes no tenha bem claro de que tipo de educao seus jovens necessitam, j no est mais indiferente ao que ocorre nos estabelecimentos de ensino. No apenas exige que a escola seja competente e demonstre ao pblico essa competncia, com bons resultados de aprendizagem pelos seus alunos e bom uso de seus recursos, como tambm comea a se dispor a contribuir para a realizao desse processo, assim como a decidir sobre os mesmos. So inmeros os exemplos de parcerias j existentes no contexto nacional entre organizaes no-governamentais e empresas, com a escola, assim como o bom funcionamento de Associaes de Pais e Mestres.

    Todo esse movimento, alterando o sentido e concepo de educao, de escola e da relao escola/sociedade, tem envolvido um esforo especial de gesto, isto , de organizao da escola, assim como de articulao de seu talento, competncia e energia humana, de recursos e processos, com vistas promoo de experincias de formao de seus alunos, capazes de transform-los em cidados participativos da sociedade. Trata-se de uma experincia nova, sem parmetros anteriores para a qual devemos desenvolver sensibilidade, compreenso e habilidades especiais, novos e abertos. Isso porque tudo que dava certo antes est fadado ao fracasso na nova conjuntura (Drucker, 1992).

    As limitaes do modelo esttico de escola e de sua direo At bem pouco tempo, o modelo de direo da escola, que se observava como

    hegemnico, era o de diretor tutelado dos rgos centrais, sem voz prpria, em seu estabelecimento do ensino, para determinar os seus destinos e, em conseqncia, desresponsabilizado dos resultados de suas aes e respectivos resultados. Seu papel, nesse contexto, era o de guardio e gerente de operaes estabelecidas em rgos centrais. Seu trabalho constitua-se, sobretudo, repassar informaes, controlar, supervisionar, dirigir o fazer escolar, de acordo com as normas propostas pelo sistema de ensino ou pela mantenedora. Era considerado bom diretor quem cumpria essas obrigaes plenamente, de modo a garantir que a escola no fugisse ao estabelecido em mbito central ou em hierarquia superior. Cabe lembrar que esse procedimento era possvel, uma vez que a clientela escolar era mais homognea, ante a elitizao da educao, em vista do que, quem no se adequasse ao sistema, era dele banido. A expulso explcita ou sutil de alunos da escola foi uma prtica aceita como natural. O entendimento que sustentava essa homogeneidade era o de que o participante da escola deve estar disposto a aceitar os modelos de organizao estabelecidos e a agir de acordo com eles. Portanto, tenses, contradies e conflitos eram eliminados ou abafados. Os

  • 3elevadssimos ndices de evaso escolar que marcaram a escola brasileira podem ser tambm explicados por um esforo no sentido de manter a homogeneidade da clientela escolar.

    Essa situao est associada ao entendimento limitado de que a escola responsabilidade do governo, visto este como uma entidade superior e externa sociedade, uma supra-entidade, ao mesmo tempo autoritria e paternalista. A leitura, ao p da letra da determinao constitucional de que educao dever do Estado, comumente associada a este entendimento. Segundo ela, portanto, educao apenas direito da sociedade. Essa dissociao entre direitos de uns e deveres de outros, ao perpassar a sociedade como um todo, produz na educao, diretores que no lideram, professores que no ensinam, alunos que no aprendem, todos esperando que o outro faa alguma coisa, para resolver os problemas ou dificuldades, inclusive os ocupantes de posies no sistema de ensino.

    Segundo essa concepo, adotou-se uma fundamentao terica de carter mais normativo, determinada pelo princpio de certo-errado, completo-incompleto, perfeito-imperfeito. Adotou-se o mtodo de administrao cientfica, orientado pelos princpios da racionalidade limitada, da linearidade, da influncia estabelecida de fora para dentro, do emprego mecanicista de pessoas e recursos para realizar os objetivos organizacionais, da fragmentao e reduo dos processos educacionais a tarefas exercidas sem vida e sem esprito nem mesmo, muitas vezes, o pedaggico, como o caso de corrigir provas, dar nota, dentre outros. Tambm associada a esta concepo o entendimento de que o importante fazer o mximo (preocupao com a dimenso quantitativa) e no o de fazer o melhor e o diferente (preocupao qualitativa). Com esse enfoque, administrar corresponderia a comandar e controlar, mediante uma viso objetiva de quem atua sobre a unidade e nela intervm de maneira distanciada, at mesmo para manter essa objetividade e a prpria autoridade, centrada na figura do diretor. Cabral Neto e Almeida, em artigo neste Em Aberto tambm analisam esta questo.

    Estes so alguns pressupostos que emergem desse enfoque sobre a realidade: A realidade regular, estvel e permanente, sendo dada em carter absoluto, em vista

    do que os sistemas de ensino e as organizaes escolares no se diferenciam significativamente entre si, cabendo a todos a mesma forma de atuao em suas comunidades.

    O ambiente de trabalho e comportamento humano so previsveis, podendo ser, em conseqncia, controlveis por normas e regulamentos, que garantiriam uniformidade de ao.

    Incerteza, ambigidade, tenso, conflito e crise so encarados como disfunes e como problemas a serem evitados e reprimidos, e no como oportunidades de crescimento e transformao.

    Os sucessos, uma vez alcanados, acumulam-se aos anteriores e mantm-se por si mesmos, no demandando esforos especiais de manuteno e desenvolvimento.

    A responsabilidade maior do dirigente a obteno e a garantia de recursos necessrios para o bom funcionamento da unidade, sendo a precariedade de recursos considerada como o maior impedimento realizao do seu trabalho.

    A melhor maneira de administrar a de fragmentar o trabalho em funes e tarefas que, para serem bem executadas, devem ser atribudas a diferentes pessoas, que se especializam nelas.

    A objetividade garante bons resultados, sendo a tcnica o elemento fundamental para a melhoria do trabalho.

    Estratgias e modelos de administrao que deram certo no devem ser mudados, como forma de garantir a continuidade do sucesso.

    Os profissionais e usurios das organizaes como o caso do professor e dos alunos so considerados como participantes cativos das mesmas, em vista do que aceitariam facilmente as normas impostas, bastando para isso serem cooptados.

    A contrapartida a essa cooptao o protecionismo a esses participantes, mediante aes paternalistas e condescendentes.

    Mediante a orientao por tais pressupostos, resultou uma hierarquizao e verticalizao dos sistemas de ensino e das escolas, uma desconsiderao aos processos sociais

  • 4neles vigentes, a burocratizao dos processos, a fragmentao de aes e sua individualizao e, como conseqncia, a desresponsabilizao de pessoas em qualquer nvel de ao, pelos resultados finais. A eles est associada a administrao por comando e controle, centrada na autoridade e distanciada da implementao de aes, construindo-se, dessa forma, uma cultura de determinismo e dependncia.

    Dada, no entanto, a crescente complexidade das organizaes e dos processos sociais nelas ocorrentes, caracterizada pela diversificao e pluralidade de interesses que envolvem, e a dinmica das interaes no embate desses interesses, no se pode conceber sejam elas geridas pelo enfoque limitado da administrao cientfica, pelo qual, tanto a organizao, como as pessoas atuando em seu interior, eram consideradas como componentes de uma mquina a ser manejada e controlada de fora para dentro. Tambm segundo esse enfoque, os problemas recorrentes seriam sobretudo encarados como carncia de insumos, em desconsiderao falta de orientao de seu processo e dinamizao da energia social necessria para promov-lo.

    A transio de um modelo esttico para um paradigma dinmico Os sistemas educacionais, como um todo, e os estabelecimentos de ensino, como

    unidades sociais especiais, so organismos vivos e dinmicos, fazendo parte de um contexto socioeconmicocultural marcado no s pela pluralidade, como pela controvrsia que vm, tambm, a se manifestar na escola; portanto, com tais caractersticas devem ser tambm as escolas entendidas. Ao serem vistas como organizaes vivas, caracterizadas por uma rede de relaes entre todos os elementos que nelas atuam ou interferem direta ou indiretamente, a sua direo demanda um novo enfoque de organizao e a esta necessidade que a gesto escolar procura responder. Ela abrange, portanto, a dinmica das interaes, em decorrncia do que o trabalho, como prtica social, passa a ser o enfoque orientador da ao de gesto realizada na organizao de ensino.

    possvel afirmar que, tendo em vista o momento de transio entre esses dois enfoques, a escola se defronta muitas vezes, ainda, com um sistema contraditrio em que as foras de tutela ainda se fazem presentes, ao mesmo tempo em que os espaos de abertura so criados, e a escola instigada a assumir aes para as quais ainda no desenvolveu a competncia necessria. Portanto, a escola e seus dirigentes se defrontam com a necessidade de desenvolver novos conhecimentos, habilidades e atitudes para o que no dispem mais de modelos e sim de concepes.

    Um novo paradigma emerge e se desenvolve sobre a educao, a escola e sua gesto como, alis, em todas as reas de atuao humana: no existe nada mais forte do que uma idia cujo tempo chegou, em vista do que se trata de um movimento consistente e sem retorno. E a idia que perpassa todos os segmentos da sociedade a que demanda espaos de participao (Lck, 1999) associados aos quais esto, inevitavelmente, os esforos de responsabilidade. H de se dar conta, no contexto da escola, da multiculturalidade de nossa sociedade, da importncia e riqueza dessa diversidade, associados emergncia do poder local e reivindicao de esforos de participao.

    Em decorrncia da situao exposta, muda a fundamentao terico-metodolgica necessria para a orientao e compreenso do trabalho da direo da escola, que passa a ser entendido como um processo de equipe, associado a uma ampla demanda social por participao.

    Esse paradigma marcado, sobretudo, por uma mudana de conscincia a respeito da realidade e da relao das pessoas na mesma se assim no fosse, seria apenas uma mudana de modelos. Essa mudana de conscincia est associada substituio do enfoque de administrao, pelo de gesto. Cabe ressaltar que no se trata de simples mudana terminolgica e sim de uma fundamental alterao de atitude e orientao conceitual. Portanto, sua prtica promotora de transformaes de relaes de poder, de prticas e da organizao escolar em si, e no de inovaes, como costumava acontecer com a administrao cientfica. Esse novo paradigma fundamentado pelos seguintes pressupostos:

    A realidade global, sendo que tudo est relacionado a tudo, direta ou indiretamente, estabelecendo uma rede de fatos, circunstncias e situaes, intimamente interligadas.

  • 5 A realidade dinmica, sendo construda socialmente, pela forma como as pessoas pensam, agem e interagem.

    O ambiente social e comportamento humano so dinmicos e por isso imprevisveis, podendo ser coordenados e orientados e no plenamente controlados. O controle cerceia, a orientao impulsiona.

    Incerteza, ambigidade, contradies, tenso, conflito e crise so vistos como elementos naturais de qualquer processo social e como condies e oportunidades de crescimento e transformao.

    A busca de realizao e sucesso corresponde a um processo e no a uma meta. No tem limites e gera novos sucessos e realizaes que devem, no entanto, ser continuamente buscados pela ao empreendedora.

    A responsabilidade maior do dirigente a articulao sinrgica do talento, competncia e energia humana, pela mobilizao contnua para promover uma cultura organizacional orientada para resultados e desenvolvimento.

    Boas experincias realizadas em outros contextos servem apenas como referncia e no como modelos, no podendo ser transferidas, tendo em vista a peculiaridade de cada ambiente organizacional.

    As organizaes tm vida, desenvolvendo e realizando seus objetivos, apenas mediante a participao conjunta de seus profissionais e usurios, de modo sinrgico.

    A melhor maneira de realizar a gesto de uma organizao a de estabelecer a sinergia, mediante a formao de equipe atuante, levando em considerao o seu ambiente cultural.

    O talento e energia humanos associados so os melhores e mais poderosos recursos para mover uma organizao e transform-la.

    A partir de tais pressupostos, emerge o entendimento de que professores, equipe tcnico-pedaggica, funcionrios, alunos, pais, comunidade, todos, no apenas fazem parte do ambiente cultural, mas o formam e constroem, pelo seu modo de agir, em vista do que, de sua interao dependem a identidade da escola na comunidade, o seu papel na mesma e os seus resultados. A mudana de conscincia implica o reconhecimento desse fator pelos participantes do processo escolar, de sua compreenso ao seu papel em relao ao todo, uma vez que, como lembra Peter Senge (1993, p. 29), quando os membros de uma organizao concentram-se apenas em sua funo, eles no se sentem responsveis pelos resultados. E essa percepo setorizada tem sido a responsvel pelo fracionamento e dissociao das aes escolares e conseqente diluio do seu trabalho e dos seus efeitos. Todos esto lembrados dos esforos despendidos por inmeros sistemas de ensino, no sentido de definir e delimitar papis e funes de profissionais da escola, em vez de descrever suas responsabilidades por resultados.

    Segundo este novo paradigma, entende-se que os problemas so globais e complexos, em vista do que aes locais e tpicas, em desconsiderao ao conjunto de que fazem parte, so aes inconseqentes, no sentido de transformar a escola e mover sua prtica social voltada para o desenvolvimento. Em decorrncia, a qualidade da educao no poderia mais ser promovida pelo enfoque administrativo, pelo qual se garantiriam recursos e se promoveriam aes concentradas em determinados focos prioritrios e isolados, na expectativa de que viessem a repercutir no conjunto. Portanto, tal entendimento implicaria a realizao de aes conjuntas, para as quais todos os participantes do contexto escolar deveriam concorrer (Lck, 1996).

    Em acordo com esses pressupostos, um diretor de escola um gestor da dinmica social, um mobilizador e orquestrador de atores, um articulador da diversidade para dar-lhe unidade e consistncia, na construo do ambiente educacional e promoo segura da formao de seus alunos. Para tanto, em seu trabalho, presta ateno a cada evento, circunstncia e ato, como parte de um conjunto de eventos, circunstncias e atos, considerando-os globalmente, de modo interativo e dinmico. Tal atitude garante a possibilidade de que pense grande e aja no pequeno (Klink, 1993), isto , que em suas aes localizadas tenha em mente o conjunto todo da escola e seu papel educacional, no apenas imediato, mas de repercusso no futuro, em acordo com viso estratgica e

  • 6com amplas polticas educacionais. Implica ter uma viso da escola inserida em sua comunidade, a mdio e longo prazo, com horizontes largos.

    no contexto desse entendimento, que emerge o conceito de gesto escolar, que ultrapassa o de administrao escolar, por abranger uma srie de concepes no abarcadas por este outro, podendo-se citar a democratizao do processo de construo social da escola e realizao de seu trabalho, mediante a organizao de seu projeto poltico-pedaggico, o compartilhamento do poder realizado pela tomada de decises de forma coletiva, a compreenso da questo dinmica e conflitiva e contraditria das relaes interpessoais da organizao, o entendimento dessa organizao como uma entidade viva e dinmica, demandando uma atuao especial de liderana e articulao, a compreenso de que a mudana de processos educacionais envolve mudanas nas relaes sociais praticadas na escola e nos sistemas de ensino.

    a partir dessas questes que conceitos como descentralizao, democratizao e autonomia da escola se tornam no apenas importantes, mas imprescindveis. Cabe, portanto, estud-los e compreend-los. No artigo de Cabral Neto e Almeida, neste Em Aberto, a questo da descentralizao analisada no contexto de reforma do Estado, assim como em sua aplicao no Rio Grande do Norte. O que se apresenta a seguir , portanto, um outro desdobramento sobre a questo.

    A descentralizao, a democratizao da gesto escolar e a construo da sua autonomia da escola Como paradigma, uma viso de mundo que permeia todas as dimenses da ao

    humana, no se circunscreve a esta ou quela rea, a este ou quele nvel de operao. A realidade atua como um conjunto de peas de domin colocadas em p, lado a lado: ao se empurrar uma, todas as demais iro caindo subseqentemente. Essa situao ilustra a compreenso da realidade como um sistema, da por que todos os conceitos seriam inter-relacionados. Mais do que isso ocorre, uma vez que um conceito est, de fato, inserido no outro.

    Muito embora as concepes de descentralizao, democratizao da gesto escolar e autonomia da escola sejam parte de um mesmo corolrio, encontramos certos sistemas que buscam o desenvolvimento da democratizao da gesto escolar, sem pensar na autonomia do estabelecimento de ensino e sem descentralizar poder para a mesma. Ou que pensam em construir sua autonomia, sem agir no sentido de criar mecanismos slidos de sua democratizao, em vista do que, paradoxalmente, se pode criar a autonomia do autoritarismo local. Por outro lado, ainda, observa-se o esforo de alguns sistemas de ensino, no sentido de desenvolver nas escolas os conceitos de democratizao e autonomia, de modo centralizado, o que implica uma contradio paradigmtica muito comum, que faz com que os esforos se anulem. Isso porque comum a prtica de se incentivar a promoo de mudanas de cima para baixo, na hierarquia funcional, de modo que a mudana pretendida proposta para a escola, no sendo absorvida e praticada por quem a prope. Em vista disso, sendo implantada linearmente e contrariamente ao seu esprito e propsitos estabelecidos (Lck, 1985).

    Em conseqncia, possvel identificar certa diversidade de orientaes e expresses que manifestam graus de intensidade diferentes em relao ao seguimento dos paradigmas. Isso porque o grau de maturidade de diferentes grupos e segmentos varia. em funo disso que podemos afirmar que vivemos em uma condio de transio entre um paradigma e outro, de que resultam algumas tenses e contradies prprias do processo.

    O processo de descentralizao Por que hoje h tendncia descentralizao? Conforme Ana Luiza Machado (1999, p.

    86),

  • 7 porque o mundo passa por mudanas muito rpidas. Na verdade, a globalizao coloca cada dia um dado novo, cada dia, uma coisa nova. H necessidade de adaptao e de constante reviso do que est acontecendo. Ento, isso gera a necessidade de que o poder decisrio esteja exatamente onde a coisa acontece. Porque, at que ele chegue aonde necessrio, j houve a mudana, as coisas esto diferentes, e a aquela deciso j no tem mais sentido.

    O movimento de descentralizao em educao internacional (Bullock, Thomas, 1997;

    Fiske, 1996a, 1996b) e est relacionado com o entendimento de que apenas localmente possvel promover a gesto da escola e do processo educacional pelo qual responsvel, tendo em vista que, sendo a escola uma organizao social e o processo educacional que promove, altamente dinmico, qualquer esforo centralizado e distante estaria fadado ao fracasso, como de fato, tem-se verificado. Tambm, sobretudo como reconhecimento da fora dos movimentos democrticos, como condio de transformao e desenvolvimento social.

    preciso reconhecer que a descentralizao tem sido praticada tendo como pano de fundo no apenas essa perspectiva de democratizao da sociedade, mas tambm a de promover melhor gesto de processos e recursos e, ainda, como condio de aliviar os organismos centrais que se tornam sobrecarregados com o crescimento exponencial do sistema educativo e a complexidade das situaes geradas, que inviabilizam o controle central (Barroso, 1997).

    Quando se observa que alguns sistemas de ensino descentralizam, centralizando, isto , dando um espao com uma mo, ao mesmo tempo que tirando outro espao, com outra, pode-se concluir que o princpio que adotam no o da democratizao, mas o de maior racionalidade no emprego de recursos e o de busca de maior rapidez na soluo dos problemas. Nesse caso, no se pretende o estabelecimento de mudanas significativas nas relaes entre sistema e escola, escola e comunidade, dirigentes e professores, professores e alunos mudanas estas que deveriam estar voltadas para o compartilhamento de decises (Fiske, 1996a). Nesse caso, pretende-se, to-somente, estabelecer maior controle sobre a escola, ao mesmo tempo sobrecarregando-a com mais trabalho e maior responsabilidade.

    Coordenadores estaduais da Rede Nacional de Referncia em Gesto Educacional, do Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Renageste/Consed), reunidos em Braslia, em setembro de 1997, identificaram que, para ser plena, a democratizao da escola deveria passar pela democratizao da educao, isto , do sistema de ensino como um todo, envolvendo os nveis superiores de gesto, que deveriam, tambm, sofrer o processo de gesto democrtica, mediante a participao da comunidade e de representantes das escolas na determinao das decises que so tomadas nesse mbito. Somente mediante uma tal prtica que seria possvel realizar a verdadeira descentralizao proposta. Em pesquisa realizada no Paran, sobre a implantao de polticas educacionais e implicaes quanto a sua gesto (Lck, Schneckenberg, Durli, 1999) foi identificado o anseio de diferentes grupos de interesse, na determinao dessas polticas, e a sua frustrao por falta desse espao. Essa prtica implica redefinio dos papis do Estado, em associao com os da escola e da comunidade, em relao a esta instituio e seu trabalho educacional, mediante o estabelecimento do princpio de coresponsabilidade pelo mesmo. Essa redefinio seria acompanhada de um movimento de desburocratizao, uma vez que a existncia ou fortalecimento da burocracia esto associados centralizao.

    De qualquer modo, esse processo, como todo movimento social, sujeito a contradies. A contradio evidenciada na educao brasileira no invalida, portanto, o movimento, apenas registra um aspecto natural do mesmo. Conforme indicado por Bullock e Thomas (1997), em seu estudo sobre descentralizao, esta se processa simultaneamente com um movimento de centralizao, isto , enquanto se descentralizam certas coisas, centralizam-se outras. importante registrar que o que comumente se descentralizam so recursos e espaos para a tomada de deciso, mas que, como a cultura escolar no est criada e estabelecida para faz-lo, adequadamente, centralizam-se aes no sentido de criar mecanismos de influncia sobre a escola para faz-lo e prestar contas do processo. Barroso (1997, p. 11) afirmou que O Estado devolve (para as escolas) as tticas, mas conserva as estratgias, ao mesmo tempo que substitui um controle

  • 8direto, centrado no respeito das normas e dos regulamentos, por um controle remoto, baseado nos resultados.

    A descentralizao da educao , por certo, um processo extremamente complexo e, quando se considera o caso do Brasil, a questo se complexifica ainda mais, por tratar-se de um Pas continente, com diversidades regionais muito grandes, com distncias imensas que caracterizam, tambm, grande dificuldade de comunicao, apesar de vivermos na era da comunicao mundial em tempo real. Em vista disso, s se pode pens-la em termos graduais e processuais, mediante conquistas sucessivas. Cabe aqui aplicar os princpios da participao propostos por Pedro Demo (1988), no sentido de que participao conquista.

    Desse modo, a descentralizao educacional no um processo homogneo e praticado com uma nica direo. Ela responde lgica da organizao federativa (Parente, Lck, 1999, p. 7). Como se trata de um processo que se refere transferncia de competncias para outros nveis de governo e de gesto, do poder de deciso sobre os seus prprios processos sociais e os recursos necessrios para sua efetivao, implica existncia ou construo de competncia para tanto, da porque a impossibilidade da homogeneidade apontada. O nvel de maturidade associada competncia dos grupos sociais fator substancial na determinao da amplitude do processo.

    em decorrncia de tal situao que, em muitos casos, pratica-se muito mais a desconcentrao, do que propriamente a descentralizao, isto , realiza-se a delegao regulamentada da autoridade, tutelada ainda pelo poder central, mediante o estabelecimento de diretrizes e normas centrais, controle na prestao de contas e a subordinao administrativa das unidades escolares aos poderes centrais, em vez de delegao de poderes de auto-gesto e autodeterminao na gesto dos processos necessrios para a realizao das polticas educacionais. Segundo Florestal e Cooper (1997, p. 32), desconcentrao ato de conferir autoridade a um agente situado em um nvel inferior na mesma hierarquia e localizado mais prximo dos usurios do servio, com o entendimento de que esses agentes mantm-se sob o controle hierrquico do governo central. Nesse caso, no ocorrem a reorganizao e redefinio funcional do aparelho de Estado, conforme indicado por Barroso (1997), nem a delegao de poderes de autogesto e autodeterminao, na gesto dos processos necessrios para realizao das polticas educacionais estas, determinadas no centro, mas mesmo assim, ouvindo a sociedade e com participao de seus vrios segmentos.

    A desconcentrao, pois, parece ser mais o caso praticado no Brasil, em nome da descentralizao, estando, no entanto, esse movimento se conduzindo para uma descentralizao mais plena.

    Conforme, ainda, apontado por Parente e Lck (1999, p. 13),

    o que vem ocorrendo na prtica educacional brasileira (...) o deslocamento do processo decisrio, do centro do sistema, para os nveis executivos mais prximos aos seus usurios, ou seja, a descentralizao do governo federal para as instncias subnacionais, onde a Unio deixa de executar diretamente programas educacionais e estabelece e refora suas relaes com os Estados e os municpios, chegando at ao mbito da unidade escolar. Da mesma forma, os sistemas estaduais vm adotando poltica similar, ou seja, transferem recursos e responsabilidades com a oferta de servios educacionais, tanto para o municpio, quanto diretamente para a escola

    A municipalizao do ensino e a escolarizao da merenda so prticas bem-sucedidas,

    nesse sentido. A descentralizao , pois, um processo que se delineia, medida que vai sendo

    praticado, constituindo, portanto, uma ao dinmica de implantao de poltica social, visando estabelecer, conforme indicado por Malpica (1994), mudanas nas relaes entre o sistema central, pela redistribuio de poder, passando, em conseqncia, as aes centrais, de comando e controle, para coordenao e orientao (descentralizao poltica); pela abertura autodeterminao no estabelecimento de processos e mecanismos de gesto do cotidiano escolar, de seus recursos e de suas relaes com a comunidade (gesto administrativa e financeira). Ainda, conforme apontado

  • 9por Parente e Lck (1999), conduz a escola construo de sua identidade institucional, constituda pela formao da capacidade organizacional para elaborar seu projeto educacional (descentralizao pedaggica), mediante a gesto compartilhada e a gesto direta de recursos necessrios manuteno do ensino. Portanto, construindo sua autonomia.

    A autonomia da escola Em associao descentralizao, a autonomia da escola dos conceitos mais

    mencionados nos programas de gesto promovidos pelos sistemas estaduais de ensino, como tambm em programas do Ministrio de Educao, uma vez que neles est presente, como condio para realizar o princpio constitucional de democratizao da gesto escolar. Isto porque a autonomia de gesto da escola, a existncia de recursos sob controle local, junto com a liderana pelo diretor e participao da comunidade, so considerados os quatro pilares sobre os quais se assentam a eficcia escolar.

    O conceito de autonomia da escola est relacionado com tendncias mundiais de globalizao e mudana de paradigma que tm repercusses significativas nas concepes de gesto educacional e nas aes dela decorrentes. Descentralizao do poder, democratizao do ensino, instituio de parcerias, flexibilizao de experincias, mobilizao social pela educao, sistema de cooperativas, interdisciplinaridade na soluo de problemas so estes alguns dos conceitos relacionados com essa mudana. Entende-se, nesse conjunto de concepes, como fundamental, a mobilizao de massa crtica para se promover a transformao e sedimentao de novos referenciais de gesto educacional para que a escola e os sistemas educacionais atendam s novas necessidades de formao social a que a escola deve responder, conforme anteriormente apontado.

    A autonomia uma necessidade, quando a sociedade pressiona as instituies para que realizem mudanas urgentes e consistentes, para que respondam com eficcia e rapidamente s necessidades locais e da sociedade globalizada, em vista do que, aqueles responsveis pelas aes devem tomar decises rpidas, de modo que as mudanas ocorram no momento certo, a fim de no se perder o momentum de transformao e da realizao de objetivos. E esse momentum sobretudo dependente de comprometimento coletivo.

    necessrio, no entanto, que se reflita sobre o conceito de autonomia escolar e se explore o seu significado e suas repercusses, uma vez que concepes conflitantes esto sendo expressas, gerando desentendimento e confuso sobre a questo, que, na prtica, promovem desarticulao de aes e de propsitos. As duas situaes abaixo registradas apontam esse fato.

    De um lado, observa-se que, em muitos programas de sistemas educacionais, a autonomia entendida como o resultado de transferncia financeira. Conforme se pronunciou um dirigente educacional, dando notoriedade a essa proposta: A autonomia financeira, ou no existe. Porm, transferncia de recursos por si no garante autonomia, uma vez que esta, como processo complexo, depende de uma srie de caractersticas, e est relacionada com outras reas como se ver mais adiante. Por outro lado, para muitos diretores, a autonomia a capacidade de agir independentemente do sistema. A expresso desse entendimento foi observada pela autora em ocasies diversas em que diretores escolares negavam a autoridade de seu secretrio de Educao sobre vrias questes, como por exemplo, de solicitar a prestao de contas de resultados de certas aes ou do direito de convoc-los para uma reunio na Secretaria de Educao iriam consultar as bases para decidir se deveriam ou no comparecer.

    Por parte dos sistemas educacionais, os mesmos rgos que preconizam a autonomia da escola, decretando a eleio do diretor da escola, concedendo as verbas para a autogesto escolar, cerceiam a prtica dessa autonomia com normas e regulamentos freqentes sobre operaes e no sobre os princpios da qualidade do ensino e seus resultados. O hbito da interferncia no cotidiano da escola e do controle sobre a mesma continua vigendo. Em muitos casos, a interferncia operacional do sistema sobre a escola tanta que inviabiliza a sua orientao para implementar seu prprio projeto poltico-pedaggico, o qual abandonado, na expectativa das determinaes superiores. Por vezes, at mesmo, chegam escola, de diferentes reas de ao da Secretaria de

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    Educao, comunicaes e demandas conflitantes que confundem e desestimulam a realizao de seu projeto de desenvolvimento, promovendo, dessa forma, a imobilizao da escola. Tais situaes indicam a falta de entendimento do que autonomia e das implicaes para sua realizao como uma poltica do sistema.

    O que a autonomia? Qual o seu mbito e abrangncia? Corresponderia ao total e absoluto desligamento de um poder central? Vamos examinar essa questo.

    Por certo, trata-se a autonomia de um conceito complexo, com mltiplas nuances e significados, tantos quantos esforos existem para express-la na realidade escolar. Algumas vezes, porm, ela muito mais uma prtica de discurso do que uma expresso concreta em aes objetivas: em outras, representa o discurso utilizado para justificar prticas individualistas e dissociadas do contexto. Mas fundamental que se desenvolva um entendimento comum sobre o mesmo, uma vez que, a partir dele, so organizados programas de ao que influenciam, explicam e legitimam aes de repercusso social muito grande.

    O verbete autonomia, conforme prope o Dicionrio Bsico da Lngua Portuguesa (Ferreira, 1995), a capacidade de resolver seus prprios problemas. Tal conceito apresenta uma srie de implicaes, sendo a mais forte, a de que quem resolve seus prprios problemas no necessita de outrem para ajudar-lhe a faz-lo. Corresponde, portanto, esse significado, a uma autonomia plena e total desligamento de outros setores. Nesse caso, a escola no necessitaria do governo, nem da comunidade para realizar seu trabalho: seria auto-suficiente. Ora, tal condio inadequada, em todos os seus aspectos. A escola uma organizao social, instituda pela sociedade e organizada para prestar-lhe um servio que deve ser, portanto, coordenado e orientado por organismos sociais que detm esse estatuto, ao mesmo tempo em que se articula com sua comunidade local, de modo a desempenhar sua misso adequadamente. Possivelmente em decorrncia desse entendimento que se receia, na escola, que a sua autonomia venha a resultar em seu abandono pelo governo central.

    Poder-se-ia afirmar, portanto, que a escola se situa entre dois contextos de articulao: um central e outro local, sendo interdependente em relao a ambos. Tanto em relao sua instituio, como ao funcionamento e aos resultados de seu trabalho, a escola, mesmo a de carter privado, deve sociedade ampla, representada pelo governo, e a local, representada pela comunidade, prestar contas de sua responsabilidade (definida alis, socialmente), como deles receber orientaes e, no caso da escola pblica, recursos compatveis com suas necessidades de bom funcionamento. Portanto, a escola existe e vive em condio de interdependncia com os organismos centrais e locais, necessitando articular-se com os mesmos para garantir sua prpria identidade social. No entrejogo desses mbitos que a escola constri a sua autonomia, sendo esta caracterizada, portanto, pela fluidez, em acordo com as tendncias e foras do momento.

    Como um conceito que explica situaes complexas e de mltiplas facetas, autonomia no pode ser explicada simplesmente pelo senso comum do dicionrio. Precisa ser articulado de modo especial, para explicar um processo que se pretende construir na escola. Conceituar e explicar os mltiplos e complexos desdobramentos de seu significado implica, pois, delinear o que se pretende promover e se promove na escola, que identidade essa instituio constri e pretende construir, que tipo de relao existe entre a mesma, sua comunidade e os rgos centrais. Os desdobramentos polticos e sociolgicos do conceito so, portanto, mltiplos.

    Estabelece-se, neste documento, que autonomia, no contexto da educao, consiste na ampliao do espao de deciso, voltada para o fortalecimento da escola como organizao social comprometida reciprocamente com a sociedade, tendo como objetivo a melhoria da qualidade do ensino. Autonomia a caracterstica de um processo de gesto participativa que se expressa, quando se assume com competncia a responsabilidade social de promover a formao de jovens adequada s demandas de uma sociedade democrtica em desenvolvimento, mediante aprendizagens significativas. Trata-se de um conceito que se realiza dinamicamente, num continuum fluido, conforme as manifestaes de participao local, no entrechoque com a determinao externa. O mesmo abrange a mudana de um princpio de uniformidade, ditada por regras e regulamentos, para o princpio de unidade, orientada por princpios e diretrizes.

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    A autonomia no se resume, portanto, questo financeira, nem mais significativa nessa dimenso, e sim na poltica, isto , no que se refere capacidade de tomar decises compartilhadas e comprometidas e usar o talento e a competncia coletivamente organizada e articulada, para a resoluo dos problemas e desafios educacionais, assumindo a responsabilidade pelos resultados dessas aes, vale dizer, apropriando-se de seu significado e de sua autoria. Portanto, a descentralizao um meio e no um fim, na construo da autonomia, assim como esta , tambm, um meio para a formao democrtica dos alunos.

    Sustenta esse posicionamento a compreenso de que todos os problemas relacionados com a educao so problemas da coletividade, no so problemas exclusivamente de governo. Em conseqncia, as solues para os mesmos devem ser buscadas em conjunto, levando em conta a reflexo coletiva sobre a realidade e a necessidade de negociao e o convencimento local para sua efetivao, o que s pode ser praticado, mediante o espao de autonomia. Cabe lembrar aqui, que tomada de deciso, antes e acima de tudo, corresponde ao estabelecimento de um firme e resoluto compromisso de ao, sem o qual o que se necessita e espera-se, no se converte em realidade; no , portanto, uma formalizao de intenes ou de expectativas (Lck, 1999). Vale dizer que, associada a essa tomada de deciso, devem estar presentes o empreendedorismo e a proatividade, uma vez que na sua ausncia nada se realiza.

    Para a prtica da autonomia escolar, alguns mecanismos so explicitados: existncia de estrutura de gesto colegiada, que garante a gesto compartilhada; a eleio de diretores e a ao em torno de um projeto poltico-pedaggico.

    Quanto estrutura de gesto colegiada, o prprio Ministrio da Educao (MEC) orientou a organizao dessas estruturas, com o objetivo de sistematizar e ordenar a formao desses mecanismos de gesto, denominando-os genericamente como Unidade Executora, cuja responsabilidade precpua seria a de receber, executar e gerir recursos financeiros da unidade escolar:

    A Unidade Executora uma denominao genrica, adotada para referir-se s diversas nomenclaturas, encontradas em todo territrio nacional para designar entidade de direito privado, sem fins lucrativos, vinculados escola, tendo como objetivo a gesto dos recursos financeiros, transferidos para a manuteno e desenvolvimento do ensino. No importa qual a denominao que a unidade escolar e a comunidade escolham para a Unidade Executora, seja ela Associao, Caixa Escolar, Crculo de Pais e outras. O princpio bsico a busca da promoo da autonomia da escola e participao da comunidade, em todas as suas dimenses: pedaggica, administrativa e financeira (Brasil, 1997).

    Mediante a existncia dessa unidade, a escola estaria apta a receber, diretamente do

    MEC, recursos financeiros para suas necessidades cotidianas. Tambm muitos Estados repassam recursos diretamente para suas escolas. O Estado de Tocantins criou o Programa Escola Autnoma, pelo qual a Secretaria de Educao repassa mensalmente, via convnio com as associaes de apoio s escolas pblicas, com as cooperativas educacionais e com as entidades filantrpicas e religiosas, recursos financeiros para a aquisio de materiais, equipamentos e para a manuteno do ensino, de forma geral. O critrio para o valor dos repasses tem como base o nmero de alunos matriculados e que freqentam cada unidade escolar (Gesto em Rede, 1999). Observa-se, nessas iniciativas, a acentuao dimenso financeira para promover a autonomia, e no a mudana das relaes recprocas, de modo a construir a mutualidade de compromissos. O artigo de Parente e Lck, neste Em Aberto analisa a distribuio dessas estruturas de gesto colegiada no contexto nacional.

    A respeito dos mecanismos de eleio de diretor, o movimento de descentralizao e construo da autonomia da escola passou, no Brasil, pela adoo de mecanismos diferenciados de provimento do cargo de diretor da escola, em contrapartida prtica tradicional de indicao por polticos, filtrada e referendada pelos rgos centrais. Assim que

    a escolha do diretor escolar, pela via da eleio direta e com a participao da comunidade, vem se constituindo e ampliando-se como mecanismo de seleo diretamente ligado

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    democratizao da educao e da escola pblica, visando assegurar, tambm, a participao das famlias no processo de gesto da educao de seus filhos (Parente, Lck, 1999, p. 37).

    Essa eleio teve incio no Estado do Paran, em 1984, sendo praticada em 17 Estados

    brasileiros. No h, no entanto, resultados gerais e consistentes que demonstrem a efetividade desse mecanismo na prtica efetiva de gesto democrtica, tendo sido at mesmo identificada a intensificao do autoritarismo da gesto escolar por diretores eleitos, em certos casos. Cabe lembrar que no a eleio em si que democratiza, mas sim o que ela representaria como parte de um processo participativo global, do qual ela seria apenas um momento significativo. Ao se promover a eleio de dirigentes, estar-se-ia delineando uma proposta de escola, de estilo de gesto e firmando compromissos coletivos para lev-los a efeito. Esse entendimento, no entanto, no se tem manifestado no conjunto das escolas, como em geral no se manifesta em nossa prtica de escolha de nossos dirigentes e legisladores: os elegemos e nos descompromissamos de qualquer participao, mesmo a de acompanhamento das aes necessrias que tomem para pr em prtica essa poltica.

    Conforme analisado por Paro (1996, p. 130),

    a aspirao de que com a introduo da eleio, as relaes na escola se dariam de forma harmoniosa e de que as prticas clientelistas desapareceriam, mostrou-se ingnua e irrealista, posto que a eleio de diretores, como todo instrumento de democracia, no garante o desaparecimento de conflitos. Constitui apenas uma forma de permitir que eles venham tona e estejam ao alcance da ao de pessoas e grupos para resolv-los.

    Trata-se, portanto, de uma rea de atuao sobre a qual muito temos a aprender: como

    eleger o melhor e mais competente profissional disponvel para o cargo, como superar os interesses individuais e de grupos isolados, na busca do bem social e da qualidade da educao, como manter o compromisso coletivo e a mobilizao social em torno da escola, para alm da ocasio das eleies.

    A deciso pelo judicirio, de apontar a inconstitucionalidade da realizao de eleio para o provimento do cargo de diretores de escola, tem promovido uma retrao na expanso dessa prtica (Paro, 1996) e fortalecido uma tendncia de, sem perder de vista os esforos pela democratizao da escola e de sua gesto, promover critrios de seleo de diretores que passem pela demonstrao de competncias para o exerccio desse trabalho (critrios tcnicos). Este o caso de sete Estados brasileiros, onde so realizados concursos, provas, exames de competncia profissional, associados ou no, participao em cursos de capacitao. A adoo desses critrios, que no so incompatveis com a eleio, estaria de acordo com a necessidade de a escola, para se tornar efetivamente autnoma, ser dirigida com competncia e demonstrar sua efetividade. necessrio, portanto, cuidar para que no se perca, com essa medida, o movimento de mobilizao em torno da escola, que se desenvolve, ainda que de forma incipiente.

    Muitas escolas elegeram seus diretores, receberam dinheiro para cobrir seus gastos cotidianos e, nem por isso, tornaram-se autnomas. Tais mecanismos no so, portanto, em si, garantias de prtica autnoma, conforme anteriormente j apontado. Para tanto, necessrio vontade poltica das bases em assumir, com competncia, as responsabilidades correspondentes. Muitas escolas se queixam de no terem espao ou no se considerarem vontade para tomarem decises e agirem autonomamente para resolver seus problemas. No entanto, buscam normas e regulamentos da hierarquia superior para realizar, com maior segurana, o trabalho de gesto. importante ressaltar que autonomia no se constri com normas e regulamentos e sim com princpios e estratgias, que estabelecem uma concepo e uma direo que delimitam e qualificam as aes, ficando as operaes e procedimentos abertos s circunstncias especficas do momento e do contexto. Quando tudo deve ser regulado e normatizado, cerceia-se o espao da iniciativa, da criatividade, do discernimento necessrios para o atendimento da dinmica social que o processo educacional envolve, o que demanda, por sua vez, abertura ao novo, ao inesperado, at mesmo ao risco. No h modelos para o exerccio da autonomia, em vista do que, em cada escola e em cada

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    momento de sua histria, ela se expressa de uma forma. Trata-se, pois, de um movimento, de um processo, cabendo aqui lembrar, como imagem, a representao do poeta espanhol Antonio Machado: Caminhante, no h caminho, faz-se caminho ao caminhar.

    Tambm no contexto da escola aparece a contradio natural em todo processo social: de um lado, o desejo de ser autnoma, a necessidade de assumir seus prprios destinos e responsabilidades sobre seus atos, o reconhecimento da importncia de abrir a escola para a comunidade, e de outro lado, o receio de assumir responsabilidades e o medo de que o Estado a deixe sozinha e o temor de perder o controle sobre seu processo.

    A prtica da autonomia demanda, por parte dos gestores da escola e de sua comunidade, assim como dos responsveis e agentes do sistema de ensino, um amadurecimento caracterizado pela confiana recproca, pela abertura, pela transparncia, pela tica e pela transcendncia de vontades e interesses setorizados, em nome de um valor maior, que a educao de qualidade para os alunos. Tal prtica o antdoto para vencer os medos e receios. E as escolas e os sistemas que se iniciam nesse processo tomam iniciativas e constroem sua autonomia, dessa forma, construindo sua credibilidade e desenvolvendo sua competncia pedaggica e social.

    O Prmio Nacional de Referncia em Gesto Escolar, institudo em 1998 pelo Consed, identificou, dentre os seus 98 casos premiados nesse primeiro ano do Prmio, esforos realizados no sentido de, pela gesto compartilhada, pela busca criativa de resoluo de problemas e realizao dos propsitos educacionais da escola, pelo desenvolvimento do seu projeto pedaggico, em parceria com a comunidade, que a construo da autonomia escolar seja um processo em franco desenvolvimento nas escolas brasileiras e que a qualidade do ensino esteja em ntima relao com esse processo. A continuidade do Prmio, centrado na gesto democrtica, promover, concomitantemente, a estimulao a essa prtica, assim como o seu registro e a sua divulgao.

    O que no a autonomia Como um conceito complexo, a autonomia demanda, conforme anteriormente indicado,

    um conjunto de fatores concomitantes para que seja caracterizada como um movimento dirigido para a tomada de deciso e assuno de responsabilidades pela escola e sua comunidade. Por conseguinte, esforos no sentido de realizar um aspecto e no outro deixam de caracterizar um movimento dirigido construo da autonomia escolar. Por exemplo, no construo da autonomia, quando so considerados isoladamente:

    a transferncia de responsabilidade do sistema de ensino para a escola, o que corresponderia desresponsabilizao do sistema quanto aos destinos da escola e suas condies de atuao;

    a pulverizao do sistema de ensino, pela crescente diferenciao entre as escolas, em decorrncia de sua ao autnoma, o que inviabilizaria a unidade do sistema e, portanto, o princpio de eqidade, que o sistema deve promover;

    a transferncia de recursos financeiros e cobrana de sua aplicao, sem transformao das relaes de poder e criao de prticas participativas bidirecionais;

    a eleio de diretores, sem comprometimento coletivo da comunidade escolar com a implementao de um projeto poltico pedaggico;

    o aligeiramento, diluio e enfraquecimento das responsabilidades e papel do Estado na educao, em vez de sua redefinio e fortalecimento.

    Por outro lado, cabe ressaltar que, sem responsabilizao, instala-se a anarquia em nome da autonomia. A sua construo pressupe a obedincia e o seguimento a polticas nacionais, estaduais e locais de desenvolvimento da educao, a fim de que se possa estabelecer unidade e direo coordenada nos respectivos sistemas.

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    Dimenses da autonomia A autonomia tem vrias dimenses, podendo-se evidenciar, de modo especial, a

    financeira, a poltica, a administrativa e a pedaggica. Trata-se de quatro eixos que devem ser desenvolvidos concomitantemente, de modo interdependente e a se reforarem reciprocamente. Essa autonomia se constri com autoridade, isto , com o sentido de autoria competente. Trata-se de uma autoridade intelectual (conceitual e tcnica), poltica (capacidade de repartir poder), social (capacidade de liderar) e tcnica (capacidade de produzir resultados e monitor-los). Assim como uma cadeira de quatro pernas, sem um delas perderia sua funo, do mesmo modo, a falta de equilbrio no desenvolvimento desses quatro eixos desarticularia o desenvolvimento da autonomia da escola, prejudicando a realizao de sua funo.

    Caractersticas da construo da autonomia A efetivao da autonomia escolar est associada a uma srie de caractersticas, umas

    ocorrendo como desdobramento de outras, tal como num mosaico que s faz sentido visto pelo conjunto. Dentre essas caractersticas ressaltam, como significativas em seu processo, as seguintes:

    Autonomia construo A autonomia um processo que se constri no dia-a-dia, mediante ao coletiva

    competente e responsvel, realizada mediante a superao de naturais ambigidades, contradies e conflitos. Para orient-la, portanto, bastam diretrizes, princpios e estratgias, sendo normas e regulamentos incuos e at mesmo contraproducentes, uma vez que limitam a participao e a criatividade necessrias para a construo social. Trata-se de uma construo processual, sem planta pr-traada.

    Autonomia ampliao das bases do processo decisrio Ao se construir a autonomia da escola, amplia-se, at mesmo para fora do

    estabelecimento de ensino, o poder de deciso sobre o seu trabalho. Esse processo de deciso torna-se, desse modo, mais amplo e complexo, por levar em considerao mltiplos aspectos que constituem o tecido social, e por articular diversos grupos de interesse. No consiste na diviso limitada de poder e sim na expanso do mesmo, tal como ocorre nas clulas.

    Autonomia um processo de mo dupla e de interdependncia No se constri a autonomia da escola seno mediante um entendimento recproco entre

    dirigentes do sistema e dirigentes escolares, entre estes e a comunidade escolar (incluindo os pais) a respeito de que tipo de educao a escola deve promover e de como todos, em conjunto, vo agir para realiz-la. No se trata, portanto, de um processo de repartir responsabilidades, mas de desdobr-las, ampliando-as e compartilhando-as.

    Autonomia e heteronomia se complementam Autonomia da escola no significa total e absoluta capacidade e direito de conduo de

    seus prprios destinos, em desconsiderao ao contexto de que a escola faz parte. Tal situao seria irreal na dimenso social. A interdependncia a regra geral que rege todas as organizaes sociais. Por conseguinte, a heteronomia, isto , a determinao externa dos seus destinos, sempre estar legitimamente presente na gesto da escola, tanto pblica, quanto privada, estabelecendo, com a autonomia, um equilbrio dinmico nos sistemas de ensino e suas escolas. Isso porque, a autonomia

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    o resultado do equilbrio de foras numa determinada escola, entre os diversos detentores de influncia (externa e interna) (Barroso, 1996, p. 186).

    Autonomia pressupe um processo de mediao Dados os conflitos, as contradies e as tenses decorrentes do prprio processo de

    aprender a trabalhar de forma com partilhada, o exerccio da prtica de autonomia implica a necessidade da prtica de mediao que envolve saber equilibrar interesses diversos, sem desconsider-los. A mediao implica um processo de ganha-ganha, em que todos os segmentos envolvidos tm suas necessidades mais importantes reconhecidas e atendidas, assim como contribuem, com sua competncia, para a efetivao da educao.

    Autonomia um processo contraditrio Como a liberdade e a flexibilidade so componentes imprescindveis para a construo

    da autonomia, que se processa mediante o envolvimento de grupos que expressam diferentes interesses, natural que seja um processo acompanhado de manifestaes contraditrias. Estas, fazem parte do processo e saber utilizar a sua energia e reconhecer as suas tendncias condio para o bom encaminhamento do processo.

    Autonomia implica responsabilizao No ocorre autonomia quando no existe a capacidade de assumir responsabilidades,

    isto , de responder por suas aes, de prestar contas de seus atos, de realizar seus compromissos e de estar comprometido com eles, de modo a enfrentar reveses e dificuldades. Conseqentemente, a intensidade da autonomia est diretamente relacionada com a intensidade dessa responsabilizao, que exige uma atitude crtica e reflexiva sobre os processos e resultados de cada escola (Gis, 1997).

    Autonomia transparncia No basta assumir uma responsabilidade. preciso dar conta dela e prestar contas para

    a sociedade do que feito em seu nome. Em vista disso, a sua prtica envolve monitoramento, avaliao e comunicao de aes e seus resultados. Em ltima instncia, autonomia e transparncia implicam abrir a caixa-preta da escola, para a comunidade e a do sistema de ensino, para a sociedade.

    Autonomia expresso de cidadania A conscincia de que, vivendo em um contexto, temos em relao a ele, direitos que se

    justificam pelos deveres assumidos, pr-condio para a efetivao da autonomia, da por que uma expresso de cidadania. Quando a escola se prope a promover a cidadania crtica e competente em seus alunos, emerge como condio natural para a realizao desse objetivo, a construo de sua autonomia, processo por si s pedaggico, em cuja expresso se articulam direitos e deveres. Quando, e medida que se constri a autonomia da escola, os alunos aprendem, vivendo nesse ambiente, o esprito da cidadania.

    Autonomia um processo de articulao entre os mbitos macro e micro Autonomia no um processo interno escola, mas sim, um princpio que deve

    permear todo o sistema e at mesmo a sociedade. por isso que no se realiza autonomia por

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    decreto, nem se delega condies de autonomia. Para ser plena, necessita de que no mbito macro de gesto, que tanta influncia exerce sobre a escola, no apenas por suas regulamentaes e determinaes, mas por seu modo de ser e de fazer, adote-se a prtica da construo de sua prpria autonomia, que implica sua responsabilizao pelo todo.

    Autonomia implica gesto democrtica Autonomia um processo coletivo e participativo de compartilhamento de

    responsabilidades, emergentes do estabelecimento conjunto de decises. No se trata, na efetivao desse processo, de a escola ser autnoma para algum, para algum grupo, mas de ser autnoma com todos, em nome da sociedade, desse modo caracterizando-se como gesto democrtica, isto , uma gesto compartilhada e participativa.

    A gesto democrtica implica a participao de todos os segmentos da unidade escolar, a elaborao e execuo do plano de desenvolvimento da escola, de forma articulada, para realizar uma proposta educacional compatvel com as amplas necessidades sociais.

    A democratizao da gesto escolar A autonomia e a descentralizao constituem-se um binmio construdo

    reciprocamente, mediante processos de democratizao, isto , tendo a prtica democrtica como centro. Portanto, tudo que foi at agora descrito em relao queles processos, refere-se, por tabela, gesto democrtica. Cabe, no entanto, evidenciar alguns aspectos.

    Conforme Kosik (1976, p. 18) evidenciou, a realidade pode ser mudada s porque e s na medida que ns mesmos a produzimos, e na medida que saibamos que produzida por ns. Tal compreenso o fundamento da gesto democrtica, que pressupe a idia de participao, isto , do trabalho associado de pessoas, analisando situaes, decidindo sobre o seu encaminhamento e agindo sobre elas, em conjunto. Desse trabalho compartilhado, orientado por uma vontade coletiva, cria-se um processo de construo de uma escola competente compromissada com a sociedade.

    A participao, em seu sentido pleno, caracteriza-se por uma fora de atuao consistente pela qual os membros da escola reconhecem e assumem seu poder de exercer influncia na dinmica dessa unidade social, de sua cultura e dos seus resultados. Esse poder seria resultante de sua competncia e vontade de compreender, decidir e agir em torno de questes que lhe dizem respeito (Lck, 1998).

    A criao de ambientes participativos , pois, uma condio bsica da gesto democrtica. Deles fazem parte a criao de uma viso de conjunto da escola e de sua responsabilidade social; o estabelecimento de associaes internas e externas; a valorizao e maximizao de aptides e competncias mltiplas e diversificadas dos participantes; o desenvolvimento de processo de comunicao aberta, tica e transparente.

    Esse ambiente participativo d s pessoas a oportunidade de controlar o prprio trabalho, ao mesmo tempo que se sentem parte orgnica de uma realidade e no apenas apndice da mesma ou um mero instrumento para a realizao dos seus objetivos institucionais.

    Orientao para resultados, monitoramento e avaliao: uma condio para a autonomia e a democratizao da escola As questes da gesto democrtica, da descentralizao e da autonomia da escola esto

    presentes, sobretudo, na literatura dirigida escola pblica. relativamente grande a produo sobre a gesto democrtica e a participao. A nfase a de subsidiar a escola para uma mudana de mentalidade e atitude, sem a qual essa organizao no poderia ser efetiva em seu papel social. Essa literatura tende, no entanto, a ignorar e algumas vezes at mesmo a rejeitar um outro enfoque da gesto, que parece dirigir-se escola particular: o enfoque sobre a melhoria do ensino, a qualidade e o controle dos resultados pelo monitoramento e avaliao. Um grupo da literatura

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    enfoca os processos polticos e outro, os resultados, de maneira dissociada e como aspectos estanques e isolados entre si. H at mesmo o entendimento de que a preocupao com estes aspectos estaria em oposio aos anteriores, uma vez que os mesmos serviriam a uma poltica neoliberal de governo, que expropriaria as unidades sociais de sua produo e do seu saber.

    importante ressaltar que a articulao dessas duas dimenses fundamental para que a escola possa realizar o seu papel social. Isso porque de nada adiantariam seus processos sociais de participao voltados para si prprios e obtidos a qualquer custo, mas sim pelos resultados que possam promover em termos educacionais. Prope-se que a gesto da escola seja democrtica porque se entende que a escola assim o seja para que possa promover a formao para a cidadania. E essa formao plena no apenas mediante uma nova mentalidade e atitudes; ela necessita, para sua expresso, de conhecimentos e habilidades, que tornam as pessoas capazes de agir com proficincia. Isso porque de nada valem as boas idias sem que sejam traduzidas em aes competentes e conseqentes. a ao que transforma a realidade e no a contemplao. As idias no tm valor por si prprias, mas por sua capacidade de impulsionar a ao para promover resultados desejados. E estas devem ser monitoradas e avaliadas, a fim de que se possa evidenciar ao pblico os seus resultados e se ter parmetros para o prosseguimento das aes.

    O desenvolvimento da escola e a realizao de seu trabalho tm um rumo, propem a realizao de objetivos e, para tanto, h a necessidade de definio clara e objetiva de seus resultados finais e intermedirios, que devem ser acompanhados e avaliados, visando necessria correo, quando for o caso; o cuidado com o ritmo de trabalho, que deve se manter constante; a identificao de problemas a serem contornados; o uso adequado de recursos; o estabelecimento da relao custo-benefcio e a identificao de novas perspectivas de ao.

    Em conseqncia, o monitoramento e a auto-avaliao se constituem responsabilidade pblica da gesto democrtica. ela que estabelece a credibilidade da escola e da educao, que tanto carecem de reconhecimento pblico para sua revitalizao. Alis, a prpria legitimidade da escola depende desse processo (Gadotti, 1997).

    com esse enfoque em mente que o Consed promoveu o Prmio Nacional de Referncia em Gesto Escolar, que objetiva oferecer s escolas um estmulo e uma orientao para a realizao de sua auto-avaliao, como um processo participativo e, portanto, por si s, pedaggico. H de se reconhecer que a avaliao um importante e imprescindvel instrumento de gesto. Processo de avaliao uma oportunidade de aprendizado e evoluo. Ele , antes de tudo, um processo pedaggico. Seus resultados devem servir de referncia para a adoo de prticas para a melhoria de processos e resultados da escola (Conselho Nacional de Secretrios de Educao, 1999, p. 15).

    Essa auto-avaliao abrange cinco categorias de anlise, sendo quatro delas voltadas para processos e uma delas, voltada para resultados, que legitimariam os processos. Estes so os de gesto participativa; gesto pedaggica; gesto de pessoas; gesto de servios de apoio; recursos fsicos e financeiros, todos eles interdependentes na realidade, separados apenas para fins de avaliao.

    A auto-avaliao de resultados no contexto do Prmio envolve a identificao da medida em que so alcanados pela escola os objetivos e metas definidos no seu projeto pedaggico; o acompanhamento e gerenciamento de ndices de acesso, permanncia, aprovao e aproveitamento escolar de seus alunos; a verificao de avanos nos indicadores de eficincia e eficcia relativos ao uso e aplicao de seus recursos financeiros; o uso de referncias e indicadores de outras escolas para comparao com os prprios.

    Portanto, o que se evidencia como importante uma prtica democrtica orientada pela eficcia e eficincia, continuamente monitoradas e avaliadas. Como a democratizao da gesto escolar uma proposta de mudana cultural, conforme indicado por Ghanem (1998, p. 154), importante ter em mente que no deve ser lenta e sim consistente: O tempo que ela durar depende diretamente do que fizermos para que ela acontea.

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    A formao de gestores escolares O movimento pelo aumento da competncia da escola exige maior competncia de sua

    gesto, em vista do que, a formao de gestores escolares passa a ser uma necessidade e um desafio para os sistemas de ensino. Sabe-se que, em geral, a formao bsica dos dirigentes escolares no se assenta sobre essa rea especfica de atuao e que, mesmo quando estes profissionais a tm, ela tende a ser livresca e conceitual, uma vez que esta , em geral, a caracterstica dos cursos superiores na rea social.

    A formao inicial, em nvel superior, de gestores escolares esteve, desde a reforma do curso de Pedagogia, afeta a esse mbito de formao, mediante a oferta da habilitao em Administrao Escolar. O MEC propunha, na dcada de 70, que todos os cargos de diretor de escola viessem a ser ocupados por profissionais formados neste curso. No entanto, com a abertura poltica na dcada de 80 e a introduo da prtica de eleio para esse cargo, diminuiu acentuadamente a procura desses cursos que, por falta de alunos, tornaram-se inviveis. Houve, no entanto, um movimento no sentido de ofertar cursos de especializao em gesto educacional, muito procurado por profissionais j no exerccio dessas funes, porm, com um nmero relativamente pequeno de vagas.

    No contexto das instituies de ensino superior, portanto, o que se observa uma oferta insuficiente de oportunidades para a formao inicial de gestores escolares.

    Recaem, portanto, sobre os sistemas de ensino a tarefa e a responsabilidade de promover, organizar e at mesmo, como acontece em muitos casos, realizar cursos de capacitao para a preparao de diretores escolares. Essa responsabilidade se torna mais marcante quando se evidencia a necessidade de formao contnua, complementarmente formao inicial (Machado, 1999), como condio para acentuar o processo de profissionalizao de gestores, de modo que enfrentem os novos desafios a que esto sujeitas as escolas e os sistemas de ensino.

    evidente que nenhum sistema de ensino, nenhuma escola pode ser melhor que a habilidade de seus dirigentes. De pouco adiantam a melhoria do currculo formal, a introduo de mtodos e tcnicas inovadores, por exemplo, caso os mesmos no sejam acompanhados de um esforo de capacitao dos dirigentes nesses processos. Essa capacitao, alis, constitui-se um processo aberto, de formao continuada e permanente.

    No se pode esperar mais que os dirigentes escolares aprendam em servio, pelo ensaio e erro, sobre como resolver conflitos e atuar convenientemente em situaes de tenso, como desenvolver trabalho em equipe, como monitorar resultados, como planejar e implementar o projeto poltico pedaggico da escola, como promover a integrao escola-comunidade, como criar novas alternativas de gesto, como realizar negociaes, como mobilizar e manter mobilizados atores na realizao das aes educacionais, como manter um processo de comunicao e dilogo abertos, como estabelecer unidade na diversidade, como planejar e coordenar reunies eficazes, como articular interesses diferentes, etc. Os resultados da ineficcia dessa ao so to srios em termos individuais, organizacionais e sociais, que no se pode continuar com essa prtica. A responsabilidade educacional exige profissionalismo.

    O trabalho de gesto escolar exige, pois, o exerccio de mltiplas competncias especficas e dos mais variados matizes. O artigo de Castro, neste Em Aberto, que relata uma pesquisa em sistemas municipais de ensino, apresenta, de maneira viva e contundente, as demandas diversas de competncia a ser apresentada pelo diretor. A sua diversidade um desafio para os gestores, cabendo tambm aos sistemas, organizar experincias capazes de orient-los nesse processo.

    Considerando-se, de um lado, essa multiplicidade de competncias, e de outro, a dinmica constante das situaes, que impe novos desdobramentos e novos desafios ao gestor, no se pode deixar de considerar como fundamental para a formao de gestores, um processo de formao continuada, em servio, alm de programas especficos e concentrados, como o caso da formao em cursos de Pedagogia e em cursos de ps-graduao, assim como os freqentes cursos de extenso oferecidos e/ou patrocinados pelos sistemas de ensino.

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    O artigo citado, ao demonstrar as presses e tenses cotidianas por que passa um diretor escolar, torna claro que, sem competncias especficas, de acordo com um modelo de gesto que articule todas as demandas, o diretor age conforme as presses, podendo ser dominado por elas, em vez de agir sobre elas para fazer avanar, com unidade, a organizao escolar.

    Como de nada valem as boas idias, se no forem colocadas em ao, os programas de formao, para serem eficazes, devero ser realizados de modo a articular teoria e prtica, constituindo-se uma verdadeira prxis, tal como indicado por Machado, em artigo sobre formao de gestores neste Em Aberto. Tem-se verificado que, em geral, so baixos os retornos de programa de capacitao em termos de transformao da realidade. preciso que estes cursos superem uma srie de limitaes comumente detectadas em relao a cursos de formao profissional na rea da educao, analisadas conforme a seguir.

    Programas pautados em generalizaes Verifica-se que os programas de capacitao profissional so, via de regra, organizados

    por rgos centrais, cuja tendncia, dada a sua concepo macrossistmica e seu distanciamento do dia-a-dia das escolas, a de considerar a problemtica educacional em seu carter genrico e amplo, do que resulta um contedo abstrato e desligado da realidade. Sabe-se que generalizaes explicam o todo, mas no necessariamente cada caso especfico que compe esse todo.

    A esse respeito, mediante a realizao de ampla pesquisa sobre programas de capacitao de profissionais da educao, Sarason, citado por Lck (1985) indica que, nos cursos de preparao e reciclagem de profissionais para a educao, no se levam em considerao as funes especficas que o profissional deve desempenhar e, conseqentemente, o desenvolvimento de capacidades para assumi-las com segurana.

    O drama de tocar a escola tal como um diretor qualificou seu trabalho, exige, conforme indicado pelo mesmo, o entendimento de seus aspectos especficos e processuais, para o que generalidades de pouco adiantam. Ilustraes extraordinrias sobre essa questo so apresentadas no artigo de Castro, neste nmero do Em Aberto, dos quais emerge o entendimento de que a especificidade do trabalho do diretor demanda ateno especial e para a qual no dispomos ainda de literatura descritiva de estudos de caso, capazes de iluminar tais questes e de possibilitar o estudo objetivo sobre elas. Registramos, como caso raro, a publicao do Centro de Estudos e Pesquisas em Educao, Cultura e Ao Comunitria (1995).

    Distanciamento entre teoria e prtica Esse distanciamento est associado a uma separao entre pensar e fazer, entre teoria e

    prtica, que se expressa nos programas de capacitao, em vista do que as idias e concepes so consideradas como belos discursos, mas impossveis de se colocar em prtica. comum, em programas de capacitao, ouvir-se algum participante expressar que na prtica, a teoria outra. Tal entendimento se explica justamente pelo carter teorizante, conteudista e livresco dos programas de formao, sem o cuidado de evidenciar, por meio de situaes que sejam simuladas, por dramatizaes, ou estudos de caso e outros exerccios, a aplicao e a expresso na realidade, das concepes tericas tratadas.

    O distanciamento ocorre, no entanto, quando os cursos focalizam conhecimentos, centram-se em contedos formais, deixando de lado os componentes necessrios para o desempenho profissional que so as habilidades o saber fazer e as atitudes o predispor-se a fazer. Por conseguinte, cursos assim organizados so orientados mais para a cognio e menos para a competncia. Segundo esse enfoque, o que considerado importante que as idias tratadas tenham consistncia interna, isto , sejam logicamente encadeadas entre si e no que tenham consistncia externa, isto , que sejam consistentes e adequadas para explicar e orientar a ao na escola.

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    preciso que no se perca a compreenso de que a teoria a descrio e explicao da prtica, em vista do que os seus atores no s podem, como devem realizar teorizaes sobre sua atuao. Os programas de capacitao, ao associar teoria e prtica, deveriam focalizar o desenvolvimento de habilidades, pelo diretor, para se tornar sujeito nesse processo, um construtor de conhecimentos sobre o seu fazer no contexto da escola e sua comunidade. Dever-se-ia, portanto, considerar a relao teoria e prtica em uma forma recproca.

    Descontextualizao dos contedos Os contedos organizados e tratados nos cursos de formao tendem a ser

    descontextualizados, como se existissem por si prprios, em vista do que adquirem caractersticas artificiais. No parecem referir-se a situaes reais e concretas e, por isso, deixam de interessar aos gestores como algo referente sua prtica. muito comum observar tambm, que os cursos de capacitao de gestores tendem a apresentar contedo de carter normativo, em vista do que tenses, conflitos, resistncias no so levados em considerao.

    Diante de tal situao, muito difcil manter o interesse, a motivao e o envolvimento dos cursistas no desenvolvimento das aulas. Quando eles no se vem em relao ao objeto do curso, no vem a realidade concreta e objetiva de sua atuao e no conseguem construir imagens em relao s questes tratadas, desligam-se de acompanhar as aulas e, portanto, de aprender.

    Enfoque no indivduo Os cursos tendem a partir do pressuposto de que as pessoas atuam individualmente e

    que iro transferir para a sua prtica os contedos tratados. Tal pressuposto tem-se demonstrado como falso, uma vez que no leva em considerao o fato de que, para promover alguma mudana no contexto escolar, necessrio haver muita liderana e habilidade de mobilizao de equipe, o que, em geral, no desenvolvido nos cursos realizados. Estes tendem a considerar alunos como indivduos e quando procuram desenvolver neles habilidades, so habilidades individuais. Conforme Katz e Kahn (1975) apontam, falham por confundir mudanas individuais com modificaes organizacionais, que so as preconizadas pela gesto escolar. importante ressaltar que gesto processo compartilhado, de equipe, em vista do que a equipe deveria ser capacitada em conjunto.

    identificado que quem, aps a freqncia a um curso de formao, procura introduzir mudanas aprendidas, em sua escola, tende a desistir rapidamente de dar continuidade a seu esforo, mesmo que dotado de fortes caractersticas pessoais de liderana, de um grande empenho e convico, em relao s novas idias, e at mesmo de uma preparao adequada para lidar com as reaes naturais de resistncia apresentada pelos colegas (Lck, 1985). A formao em equipe seria a soluo a este problema.

    Mtodos de transmisso de conhecimentos Os cursos de capacitao, em geral, empregam a metodologia conteudista, voltada para

    a apropriao e reificao do discurso, em vista do que adotam como foco a transmisso de informaes e conhecimentos e no a resoluo de problemas. Tal metodologia contrria dinmica social de qualquer escola. Apenas a metodologia voltada para a construo do conhecimento seria capaz de promover, junto aos gestores, a orientao necessria de sensibilidade aos desdobramentos s situaes, a orientao para sua compreenso, como condio para adequadamente agir em relao a elas.

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    Por uma proposta aberta de capacitao do gestor e sua equipe para corrigir tais situaes que o programa de capacitao de gestores, que est sendo

    proposto pelo Consed, descrito neste Em Aberto por Machado, prope a realizao de capacitao da equipe de gesto da escola, incluindo, quando existir, o vice-diretor, o secretrio da escola, o supervisor educacional, o orientador educacional, o coordenador de rea e professores lderes. Igualmente, essa proposta centrada na metodologia da problematizao, que adota como foco as situaes naturais e concretas de trabalho de gesto da escola. O artigo de Castro, neste Em Aberto,que descreve uma pesquisa sobre o trabalho de diretores escolares aponta situaes crticas que, para serem enfrentadas, demandam muita competncia especfica, portanto, muito mais que boa vontade de professores ao assumirem o papel de diretor de escola. O desenvolvimento de competncias deve, pois, ser o foco de organizao dos programas de formao de gestores.

    Sobretudo, alm das questes terico-metodolgicas dessa formao, que deve estar de acordo com a concepo de gesto democrtica preconizada, necessrio ressaltar a necessidade de os sistemas de ensino adotarem uma poltica de formao continuada de gestores, de modo a estabelecer unidade e direcionamento aos seus programas e cursos. Um fator limitador desse investimento seria a periodicidade freqente de troca de dirigentes, tal como atualmente ocorre. Portanto, necessrio articular poltica de formao com poltica de gesto.

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