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A GRANJA | 59 Fertilidade nos solos de diferentes ''CERRADOS'' PLANTIO DIRETO Fotos: IAC Na Região Sul, o campo nativo melhorado amparou as culturas de verão como milho e soja, complementando o trigo de inverno e duplicando o aproveitamento da terra Fernando Penteado Cardoso, Eng. agr. sênior, Esalq/USP, 1936 A o longo dos anos generalizou-se o termo cerrado quando se refe- re às terras pobres do Brasil Central. Na realidade, tais solos só têm em comum sua extrema pobreza em cálcio do que resulta a acidez e a toxi- cidade do alumínio. A palavra cerrado se origina da parte desses solos po- bres cobertos por vegetação arbusti- va densa com plantas próximas umas das outras, ditas fechadas ou cerra- das. Em que pese o mau uso da pala- vra, ela é empregada para definir ter- ras pobres recobertas por vegetação variada, desde os “campos abertos” com predominância de gramíneas, até os cerrados altos com gradual densi- dade de fustes. Recebem então as de- nominações de “campo sujo”, “cam- po cerrado”, “cerrado ralo”, “cerra- dão”, “cerrado de pau torto” e vários outros. Nas regiões quentes e chuvosas esses solos pobres dão lugar a uma floresta de transição com fustes re- lativamente finos não tortos a que dão o nome de “cerrado de pau reto”, para diferenciar do cerrado predominante de pau torto. De maneira geral, onde há calor e umidade, o porte e a den- sidade da cobertura é diretamente pro- PARTE I porcional à limitada fertilidade do solo: as terras de cerrado alto, seja de pau torto seja de pau reto, ocor- rem onde o solo é pouco melhor, ain- da que de baixa qualidade. Essa gra- dação vegetativa deixa de existir onde predominam possíveis limitações cli- máticas. Os diversos tipos de cobertura têm em comum a pobreza da terra e

PLANTIO D Fertilidade nos solos de diferentes ''CERRADOS'' · o nome de “cerrado de pau reto”, ... rem onde o solo é pouco melhor, ain-da que de baixa ... de os primórdios da

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Fertilidade nos solos dediferentes ''CERRADOS''

PLANTIO DIRETO

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os:

IAC

Na Região Sul, o camponativo melhorado

amparou as culturas deverão como milho e soja,complementando o trigode inverno e duplicando

o aproveitamento daterra

Fernando Penteado Cardoso, Eng. agr. sênior,Esalq/USP, 1936

A o longo dos anos generalizou-seo termo cerrado quando se refe-re às terras pobres do Brasil

Central. Na realidade, tais solos só têmem comum sua extrema pobreza emcálcio do que resulta a acidez e a toxi-cidade do alumínio. A palavra cerradose origina da parte desses solos po-bres cobertos por vegetação arbusti-va densa com plantas próximas umasdas outras, ditas fechadas ou cerra-das. Em que pese o mau uso da pala-vra, ela é empregada para definir ter-ras pobres recobertas por vegetaçãovariada, desde os “campos abertos”com predominância de gramíneas, atéos cerrados altos com gradual densi-dade de fustes. Recebem então as de-nominações de “campo sujo”, “cam-po cerrado”, “cerrado ralo”, “cerra-dão”, “cerrado de pau torto” e váriosoutros.

Nas regiões quentes e chuvosasesses solos pobres dão lugar a umafloresta de transição com fustes re-lativamente finos não tortos a que dãoo nome de “cerrado de pau reto”, paradiferenciar do cerrado predominantede pau torto. De maneira geral, ondehá calor e umidade, o porte e a den-sidade da cobertura é diretamente pro-

PARTE Iporcional à limitada fertilidade dosolo: as terras de cerrado alto, sejade pau torto seja de pau reto, ocor-rem onde o solo é pouco melhor, ain-da que de baixa qualidade. Essa gra-dação vegetativa deixa de existir ondepredominam possíveis limitações cli-máticas.

Os diversos tipos de coberturatêm em comum a pobreza da terra e

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PLANTIO DIRETO

As grandes extensões de solouniforme e relativamente planosvieram a permitir a mecanizaçãopesada de grande capacidade e

crescente sofisticação, e estatopografia favoreceu uma

erosão minimizada

um tipo de vegetação que permiteuma destoca mecanizada de custoaceitável. Os cerrados variam igual-mente quanto ao teor de argila do soloem faixa de 10% a 70%, sejam solosarenosos e barros mais ou menos ar-gilosos. Variam também quanto às si-tuações topográficas e as altitudes emque se localizam, vindo a receber ad-jetivos específicos como planícies,chapadões, mesetas e outros própri-os da região em que estão localiza-dos. As grandes extensões de solo uni-forme e relativamente planos vierama permitir a mecanização pesada degrande capacidade e crescente sofis-ticação. Essa topografia favoreceuuma erosão minimizada. Não é só noBrasil Central que existem grandesextensões de terra pobres e ácidaspor falta de cálcio. No Sul do Paísrecebem o nome genérico de “cam-po nativo” e apresentam caracterís-ticas similares aos cerrados quandotambém são recobertos de gramíne-as. Localizam-se nas regiões mais fri-as, onde as terras fracas não ense-jam vegetação mais alta que as gra-míneas.

Agricultura em terras fracas —Os estudos botânicos dos vários ti-pos de cerrado datam de vários anose são de grande valor científico, masos estudos dessas terras visando suautilização na produção agrícola co-mercial são relativamente recentes.Quando a vegetação predominante éde gramíneas, as terras fracas decampos e de cerrados ralos foramutilizadas para pecuária. Os cerradosdensos e altos foram aproveitadospara lenha, para postes e moirões eraramente para serraria. Uma vez re-movida a sombra, deram origem apastagens semeadas com espéciesadaptadas à baixa fertilidade.

As pastagens de campo nativo ede cerrado ralo ou intermediário apre-sentavam uma forragem nativa de bai-

xa qualidade, tanto para os bovinosintroduzidos como para a fauna nati-va. A destruição pelo fogo das hastessecas e endurecidas e pouco palatá-veis era uma ocorrência ou uma prá-tica milenar, seja pelas queimadas pro-positais seja por faíscas elétricas. Arebrota, tanto do capim como dosarbustos após as primeiras chuvas,dava origem a uma forragem sucu-lenta da qual se alimentava tanto ogado como os animais silvestres, des-de insetos sugadores até os mamífe-ros de maior porte. O fogo ensejavaalimento de alta qualidade que pro-movia uma revitalização natural faci-litando a proliferação da fauna daque-le ambiente.

As queimadas fazem parte do sis-tema em equilíbrio dessas vegetaçõesde terra fraca. A tal ponto que exis-

tem plantas que só florescem pelocalor do fogo e outras que só libe-ram sementes de suas cápsulas quan-do aquecidas. Foram selecionadas emambiente de queimadas periódicas. Afrequência das queimadas se intensi-ficou com a chegada da pecuária,com a finalidade de promover umabrotação mais palatável. Acredita-seque o fogo frequente e a ação do gadoveio a “sujar” os campos nativos osquais, gradativamente, passaram acampos sujos, cerrado ralo e, final-mente, a verdadeiro “cerrado” de ve-getação “fechada”, ou seja, “cerra-da”. Essas terras pobres de cálcio,por isso ácidas, foram cultivadas des-de os primórdios da ocupação comas culturas de mandioca, arroz e aba-caxi, plantas estas tolerantes aos al-tos teores de alumínio tóxico. Os

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cereais eram obtidos das matas cilia-res e de capões esparsos de mata altaonde o solo era mais fértil.

Até aproximadamente os anos1970, os cerrados, após corte e quei-ma, eram semeados com capins to-lerantes à acidez, notadamente o ca-pim gordura ou catingueiro. A rebro-ta das plantas roçadas era intensa,vindo a requerer roçadas periódicasonerosas. Sem a execução dessasoperações, as rebrotas davam origema novo cerrado, com o desapareci-mento do capim e a perda da pasta-gem. Não há notícia de reforma decampo nativo na Região Sul para for-mação de pastagem semeada, pelomenos em escala comercial.

A partir dos anos 1970 foram in-troduzidas no país a Brachiaria, prin-cipalmente a B. decubens, resultando

em uma verdadeira revolução da pe-cuária de corte. Seu impacto positi-vo deve-se principalmente pela exis-tência dos zebuínos, introduzidos 90anos antes, capazes de se reproduzirintensamente para consumir a ofertaadicional de forragem proporcionadapelas braquiárias. A partir desse pe-ríodo iniciou-se então intensa aber-tura dos cerrados e campos nativospara produção temporária do arrozpor dois a três anos e formação aseguir de pastagem de braquiária, pelosistema de misturar sementes da gra-mínea ao adubo do cereal.

O cerrado era aberto por tratoresarrastando pesado correntão. Seguia-se o enleiramento pelo mesmo equi-pamento equipado com lâmina fron-tal. Após a queima do material enlei-rado, seguia-se a aplicação de calcá-rio e gradagem pesada objetivandotanto a incorporação do corretivocomo o desenraizamento. Quandopreciso, fazia-se um nivelamento doterreno com tora arrastada ou imple-mento especial. Vinha então a seme-adura do arroz junto com adubo fos-fatado enriquecido com zinco. Nãohavia problema de inços pelo terrenoestar despraguejado nos primeirosanos. Não havendo na época herbici-das para gramíneas que não afetas-sem o arroz, os produtores passarama misturar sementes de Brachiaria aoadubo, seja no segundo seja no ter-ceiro plantio, enquanto as invasorasnão reduzissem as colheitas.

A B. decubens florescia e semen-teava durante o ciclo da cultura, as-sim assegurando densidade adequa-da de touceiras para serem pastorea-das após a colheita do arroz. Estavaformada a pastagem capaz de ofere-cer 500/700 diárias de pastoreio porhectare/ano para bovinos adultos, asquais significam cerca de 6.000/8.400 quilos/ano de matéria seca sobforma de forragem. Estima-se em 20milhões de hectares a área de terrasfracas que foram aproveitadas comopastagens introduzidas após dois atrês anos de arroz. Essa área suportaao redor de 20 milhões a 25 milhõesde bovinos destinados a produção decarne. Daí a origem de binômio ne-lore-braquiária resultante da incorpo-ração de extensa área de terras comessas duas espécies.

Ao preparar a terra para arroz,muitas vezes o solo era enriquecidocom cálcio, via calagem, abrindo ca-minho para culturas subsequentes decereais variados exigentes de maiorfertilidade. Naquela fase pioneiraacreditava-se que o calcário requeriadois a três anos para se solubilizar eneutralizar o alumínio tóxico. Assim,o cultivo do arroz nos primeiros anosera prática generalizada. Enquantoisso acontecia no cerrado, os produ-tores do Sul do País aplicavam cal-cário em terras de campo nativo quecomeçavam a ser plantados com tri-go, inicialmente cultivado em terrasférteis de mata. Aplicando calcáriosuperavam o problema do crestamen-to causado pelo alumínio das terrasácidas. Não se tem notícia de melho-ria da fertilidade do campo nativo parapastagens permanentes. O campo na-tivo melhorado amparou as culturasde verão como milho e soja, comple-mentando o trigo de inverno e dupli-cando o aproveitamento da terra.

Continua na próxima edição