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Agnes Stevens 42 canadá EUA Los Angeles Washington D.C. méxico O c e a n o P a c íf i c o NOMEADA • Páginas 42–66 POR QUE AGNES É NOMEADA? Agnes Stevens é nomeada ao WCPRC 2008 por seus 20 anos de luta pelas crianças sem-teto nos EUA. Todo ano, Agnes e sua organização School on Wheels ajudam milha- res de crianças sem-teto com idade entre seis e 18 anos. Centenas de voluntários dedicam dezenas de milhares de horas como professores de reforço de crianças que vivem em albergues, hotéis de estrada, em carros e na rua. Os professores de reforço oferecem segurança às crianças sem-teto. Quando elas se mudam, a School on Wheels as acompanha, proporcionando estabilidade em uma exis- tência incerta. As crianças podem manter contato com a School on Wheels através de uma linha telefônica gratuita de auxílio. Agnes e a School on Wheels ajudam as crianças a se mudarem de escola e seus pais a obterem novas vias de documentos perdidos, como boletins escolares e certi- dões de nascimento. As crianças ainda recebem bolsas e material escolar, e dinheiro para o ônibus e o metrô. Em muitos albergues, a School on Wheels montou salas espe- ciais para as crianças, com computadores, livros e material Na quadra dos sem-teto, em Los Angeles, centenas de crianças lutam pela sobrevivência,cercadas pelo tráfico de drogas, pela violência e a miséria. Ryan, 13 anos, é uma delas. Agnes Stevens e sua organização, School on Wheels, ajudam Ryan e outras crianças sem-teto a terem sucesso na escola e a sentirem que têm valor. Um milhão de crianças não têm moradia fixa nos EUA. R yan desce do ônibus escolar e caminha em direção à quadra mais suja e mal-cheirosa daquela área. Aqui, as drogas são vendidas abertamente nas esquinas, e as calçadas estão amontoadas de pessoas sem moradia. Ryan e sua família já se mudaram muitas vezes e moraram em albergues e hotéis de beira de estrada. Mesmo assim, eles nunca precisaram dormir na rua, como milhares de outras pessoas fazem aqui, abriga- das em barracas, sobre peda- ços de papelão ou velhos cobertores. Depois de alguns anos nes- ta região, Ryan reconhece muitos dos sem-teto, mas raramente cumpri- para escrever e desenhar, com o intuito de criar condições para que elas estudem e tenham a chance de serem crianças. GLOBEN0746_POs042 42 07-11-06 17.25.29

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NOMEADA • Páginas 42–66 Na quadra dos sem-teto, em Los Angeles, centenas de crianças lutam pela sobrevivência,cercadas pelo tráfico de drogas, pela violência e a miséria. Ryan, 13 anos, é uma delas. Agnes Stevens e sua organização, School on Wheels, ajudam Ryan e outras crianças sem-teto a terem sucesso na escola e a sentirem que têm valor. Um milhão de crianças não têm moradia fixa nos EUA. GLOBEN0746_POs042 42 07-11-06 17.25.29 canadá méxico 42 Washington D.C.

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Agnes Stevens

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canadá

E U ALos Angeles

Washington D.C.

méxico

Oc e a

no P a c í f i c o

NOMEADA • Páginas 42–66

POR QUE AGNES É NOMEADA?

Agnes Stevens é nomeada ao WCPRC 2008 por seus 20 anos de luta pelas crianças sem-teto nos EUA. Todo ano, Agnes e sua organização School on Wheels ajudam milha-res de crianças sem-teto com idade entre seis e 18 anos. Centenas de voluntários dedicam dezenas de milhares de horas como professores de reforço de crianças que vivem em albergues, hotéis de estrada, em carros e na rua. Os professores de reforço oferecem segurança às crianças sem-teto. Quando elas se mudam, a School on Wheels as acompanha, proporcionando estabilidade em uma exis-tência incerta. As crianças podem manter contato com a School on Wheels através de uma linha telefônica gratuita de auxílio. Agnes e a School on Wheels ajudam as crianças a se mudarem de escola e seus pais a obterem novas vias de documentos perdidos, como boletins escolares e certi-dões de nascimento. As crianças ainda recebem bolsas e material escolar, e dinheiro para o ônibus e o metrô. Em muitos albergues, a School on Wheels montou salas espe-ciais para as crianças, com computadores, livros e material

Na quadra dos sem-teto, em Los Angeles, centenas de crianças lutam pela sobrevivência,cercadas pelo tráfi co de drogas, pela violência e a miséria. Ryan, 13 anos, é uma delas.

Agnes Stevens e sua organização, School on Wheels, ajudam Ryan e outras crianças sem-teto a terem sucesso na escola e a sentirem que têm valor. Um milhão de crianças não têm moradia fi xa nos EUA.

Ryan desce do ônibus escolar e caminha em direção à quadra mais

suja e mal-cheirosa daquela área. Aqui, as drogas são vendidas abertamente nas esquinas, e as calçadas estão amontoadas de pessoas sem moradia. Ryan e sua família já se mudaram muitas vezes e moraram em albergues e hotéis de beira de estrada. Mesmo assim, eles nunca precisaram dormir na rua, como milhares de outras pessoas fazem aqui, abriga-das em barracas, sobre peda-ços de papelão ou velhos cobertores.

Depois de alguns anos nes-ta região, Ryan reconhece muitos dos sem-teto, mas raramente cumpri -

para escrever e desenhar, com o intuito de criar condições para que elas estudem e tenham a chance de serem crianças.

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Leva algum tempo para os irmãos do sul de Los Angeles, Adrian, 11 anos, e Daniel, 14 anos, se cumprimentarem. Eles fazem uma seqüência de diferentes apertos de mãos até sentirem que se saudaram de forma adequada. Às vezes, eles reproduzem o mesmo ritual todo novamente para se despedirem!

“What’s up?”“How’re you doing?”

Olá com as mãos

menta alguém. Muitos deles são doentes mentais ou usam drogas, e podem se tornar agressivos e violentos se alguém os incomoda. Por isso, é raro Ryan olhar alguém nos olhos, é mais seguro assim. Durante sua curta caminhada, Ryan pre-cisa se desviar das pessoas que dormem na rua, em sacos de dormir ou enrola-das em cobertores. Certa ocasião, ele teve que pular para fora do caminho, quan-do um homem irado passou

apressado com seu carrinho de supermercado lotado de roupas e coisas velhas. Ryan se acostumou com a sujeira, o mau cheiro e o caos. Ele não se assusta mais, porém, às vezes vê coisas que não quer ver. Como no outro dia, quando uma mulher idosa se agachou e urinou em uma esquina. Ou quan-do um casal brigava e troca-va agressões físicas na calça-da e a mulher repentinamen-te tirou a roupa e começou a correr nua. “Ninguém deve-ria ter que viver assim”, pen-sa Ryan.

Ao avistar a familiar placa amarela iluminar o concreto

cinza, ele sente-se contente. School on Wheels – Escola sobre Rodas – mostra ela, em grandes letras redondas. As janelas são pintadas em cores alegres e, ao passar pela porta, Ryan encontra Agnes, a fundadora da orga-nização. Ryan sabe que ela tem mais de 70 anos de ida-de, porém Agnes conversa e brinca com as crianças como se tivesse a idade delas.

Aposentada. Não, obrigada!Agnes havia acabado de se aposentar de seu trabalho como professora, quando leu um livro que mudou sua

vida. O livro era sobre famí-lias sem-teto nos EUA. Agnes fi cou chocada ao des-cobrir que centenas de milhares de crianças não tinham moradia fi xa e que muitas delas não freqüenta-vam a escola.

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Agnes caminha pela área dos sem-teto com as irmãs Khadijah e Janine, Ryan e seu primo, que também se chama Ryan!

A sala das crianças da School on Wheels no centro de Los Angeles.

Ryan e Agnes.

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trou outras crianças que pre-cisavam de sua ajuda. No entanto, ela nunca se esqueceu dos meninos que sumiram.

Nos primeiros anos, Agnes trabalhava sozinha. Ela enchia o carro de livros esco-lares, lápis e giz e ia encon-trar as crianças em parques e albergues por toda a cida-de de Los Angeles. Logo per-cebeu que precisava pedir

ajuda a outras pessoas e fun-dou a organização School on Wheels – Escola sobre Rodas. A School on Wheels cresceu muito desde então. A organização começou com uma única professora de reforço – a própria Agnes – e hoje conta com o apoio de centenas de voluntários, que ajudam as crianças sem-teto com os deveres de casa.

– A aposentadoria pode esperar, disse ela a si mesma. Vou ajudar as crianças sem-teto com os deveres escolares.

Agnes começou a ajudar em albergues e escolas, e conheceu dois irmãos sem-teto de 9 e 11 anos, que lhe pediram que os ensinasse a

Há cerca de um milhão de crianças sem-teto nos EUA e 200.000 na Califórnia.

– Ainda assim, ninguém quer falar sobre elas, é escan-daloso, diz Agnes. As crianças sem-teto são as mais pobres entre os pobres. Elas crescem em áreas onde não há lugares para brincar nem parques, e estão cercadas por drogas, gangues, violência e prostituição. Comparando-as com outras crianças, elas estão normal-mente mais cansadas, com fome e doentes. Elas se sen-tem envergonhadas, diferentes e excluídas. Quero ajudá-las a acreditarem em si próprias e fazer com que perce-bam que elas têm valor.

Crianças que não existem

ler. Agnes se preparou durante todo o final de semana. Porém, na segunda-feira, quando voltou, os meninos tinham ido embora. O episódio permitiu que Agnes entendesse ainda mais sobre como é a vida das crianças sem-teto. Elas nun-ca sabem com antecedência onde dormirão na noite seguinte. Agnes logo encon-

Ryan gosta de ajudar crianças mais novas que vêm à School on Wheels, pois ele próprio teve muito apoio.

Agnes com Janine, 9 anos, que não teve moradia fixa durante a maior parte de sua vida.

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Boa ouvinteRyan recebeu ajuda de Agnes e da School on Wheels para mudar de escola, e toda semana ele encontra sua professora de reforço.

– Ela me ajuda com os deveres de casa e me inspira a fazer sempre o melhor e a não desistir jamais, diz Ryan, que se lembra da pri-meira vez que veio à School on Wheels.

– Assim que entrei pela porta, senti que esse seria meu lugar seguro. Aqui eu podia me concentrar para aprender. Eu disse a Agnes que não tinha uma bolsa escolar e ganhei uma na mesma hora! Ela é uma boa ouvinte. Quando tenho um problema, ela me ajuda a ver a solução, e me faz sen-tir bem comigo mesmo.

Agnes costuma dizer que a escola é um segundo lar

para muitas crianças, onde elas têm amigos e adultos com quem conversar e nos quais podem confi ar. Portanto, uma criança sem-teto não perdeu somente um lar, mas dois! Mesmo que continuem indo à escola, elas deixam de se sentir em casa ali. Como Ryan, que nunca conta a ninguém na escola que é um sem-teto.

– Muitas vezes, as crian-ças não têm condições de comprar uma bolsa e o material escolar, ou então perdem seus livros escolares durante as constantes mudanças, diz Agnes. Quando isso acontece, elas são censuradas, mas não ousam contar a verdade à professora. Elas têm vergo-nha e se sentem diferentes e excluídas. Ao fi nal, muitas abandonam a escola.

Ryan senta-se diante de

um dos computadores para procurar informações para um projeto escolar sobre aeronaves. Seu maior sonho é ser piloto.

– Eu adoro a Internet, diz ele. É como o maior livro do mundo.

Ryan vê uma menina pequena lutando com um livro de leitura. Ele deixa o computador e a ajuda a soletrar as palavras.

– Sem a School on Wheels eu teria encontrado ainda mais difi culdades na escola, diz Ryan. Por isso, é uma sensação boa poder ajudar alguém.

Crianças que não existem

Los Angeles é famosa por suas estrelas de cinema e belas praias. Todavia, tam-bém é a capital dos sem-teto nos EUA. Há mais sem-teto aqui do que em qualquer outro lugar. A grande maioria fi ca na área dos sem-teto, no centro de Los Angeles, a uma pequena distância dos arranha-céus, onde bancos e grandes empresas têm seus escritórios.

A capital dos sem-teto

No início, apenas Agnes era professora de reforço; hoje ela tem centenas de voluntários ajudando.

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Ed• Ajudam milhares de crian-ças em seus estudos. Centenas de professores de reforço trabalham gra-tuitamente totalizando mais de 30.000 horas por ano.

• Criam salas especiais para as crianças em albergues, com computadores, livros, material para desenhar e escrever.

• Todo ano, fornecem uma bolsa com o material escolar completo a 5.000 crianças.

• Fornecem uniformes esco-lares às crianças sem-teto sempre que necessário.

• Disponibilizam um número de telefone gratuito para onde as crianças podem telefonar para manter con-tato e pedir ajuda.

• Ajudam as crianças e seus pais, quando estas preci-sam mudar de escola.

• Ajudam as crianças e seus pais a obter documentos perdidos, por exemplo, boletins escolares.

• Aconselham os pais sobre a educação de seus fi lhos.

• Trabalham em cinco regiões no sul da Califórnia, inclu-sive Los Angeles, Santa Bárbara e Ventura. A School on Wheels também atua em outros dois estados dos EUA, Indiana e Massachusetts.

O que fazem Agnes e a School on Wheels?

Por que as pessoas se tornam sem-teto? Há muitos motivos, porém, muitas vezes tem a ver com a falta de dinheiro. Um dos pais ou ambos perdem o emprego e não conseguem pagar o aluguel. Em certas ocasiões, são despejados e acabam na rua. Muitas mães sozinhas se tornam sem- teto ao se separarem de seus parceiros violentos. Alguns pais perdem sua moradia devido ao abuso de drogas ou porque têm doenças psíquicas. Além disso, milhares de adolescentes vivem sozinhos nas ruas depois de fugir de casa.

Muitas exigências para ser voluntário Agnes chama sua organização de School on Wheels, porque seus pro-fessores de reforço muitas vezes têm que dirigir por longas distâncias. Eles vão até onde as crianças estão: esco-las, bibliotecas, albergues, hotéis de beira de estrada e as salas especiais das crianças da School on Wheels.

– Temos que ser os protetores das crianças, diz Agnes. Elas já foram decepcionadas muitas vezes e preci-sam saber que não estão sozinhas. Que há pessoas que se preocupam com elas e que não irão esquecê-las.

Atualmente, há cerca de 400 pro-fessores de reforço, mas Agnes quer ter pelo menos o dobro. Mesmo assim, é um pouco difícil ser um voluntário da School on Wheels. Todos os can-didatos a professor de reforço são selecionados cuidadosamente.

– Eles têm que preencher uma fi cha de inscrição, deixar impressões digi-tais e atestados de antecedentes cri-minais, e se submeter a uma entrevis-ta. Precisamos ter certeza que o pro-fessor de reforço será capaz de fazer um bom trabalho e que as crianças estarão seguras e a salvo em sua companhia.

Chandalea ganha uma bolsa!Antes do início de cada período letivo, a School on Wheels distribui bolsas escolares novas com lápis, réguas, tesouras e outras coisas úteis. Chandalea, 11 anos, está feliz com sua bolsa nova e ansiosa para que as aulas comecem logo.

– Eu e minha família estamos sem-teto há bastante tempo, conta ela. É difícil, mas cuidamos uns dos outros.

Agnes com crianças e ajudantes do lado de fora da sala das crianças no centro de Los Angeles.

Chandalea, uma menina sem-teto, ganhou uma bolsa nova.

Na área dos sem-teto, no centro, milhares de pessoas vivem nas ruas.

Foto: Corinne M

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Ed

Ed Korpie, 11

quer um pouco de pazAntes de Ed, 11 anos, se tornar um sem-teto, ele nunca havia sequer imaginado que crianças podiam ir parar na rua. A noite em que sua famí-lia dormiu em um carro foi a pior de sua vida.

Os problemas se tornam sérios quando o pai de Ed agride com violên-

cia sua mãe, Edith. Quando o pai vai para a cadeia, eles têm que sobreviver com o salário da mãe, que não é sufi ciente para pagar a ali-mentação e o aluguel.

– Arrume suas coisas, diz a mãe um dia. Temos que sair daqui.

– Para onde vamos?, per-guntam Ed, seu irmão mais novo, Leonard, e a irmã mais velha, Guadalupe. A mãe fi ca calada por alguns instantes.

– Não sei, ela acaba por admitir.

Mantém as aparênciasA família recebe auxílio para levar seus móveis e outros pertences para um depósito. Apenas as coisas mais necessárias são empa-cotadas em sacolas e bolsas, que eles carregam consigo, quando começam a se mudar para casas de amigos e conhecidos. A maioria das pessoas que eles conhecem mora em lugares apertados. Assim, eles nunca podem

Mora: No albergue, Venice, em Los Angeles.Gosta de: Andar de skate, beisebol, futebol americano. Ler livros. Jogar jogos de computador.Não gosta de: Quando pegam minhas coisas.Ama: Minha família.Admira: Tony Hawk, skatista.Sonho: Aprender a fazer um ollie no skate.Quer ser: Programador de jogos de computador.

fi car muitas noites no mes-mo lugar. As férias de verão estão por terminar, e Ed está muito preocupado sobre como as coisas fi carão quan-do as aulas recomeçarem. Sua mãe procura outro apar-tamento, mais barato, porém parece impossível encontrá-lo. Todos os pro-prietários exigem o paga-mento do primeiro e do últi-mo aluguel adiantados. É muito dinheiro, que a mãe nunca tem de sobra. Ela tra-balha em uma lanchonete que serve hambúrguer e recebe pouco. O salário todo é gasto com alimentação, roupas e transporte.

Seis meses mais tarde, a família toda está desespera-da. Geralmente, eles dor-mem na sala de estar de alguém, com suas coisas amontoadas em bolsas e sacolas. Pela manhã, é uma bagunça quando todos ten-tam encontrar roupas limpas ao mesmo tempo. Pior ain-da, é descobrir como chegar

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Por que as pessoas se tornam sem-teto?

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à escola partindo de um lugar onde nunca estiveram antes.

Ed está sempre cansado e preocupado. Ele sente dores de estômago e de cabeça com freqüência. E não tem tempo e nem tranqüilidade suficiente para fazer os deve-res de casa, pois eles têm que se mudar toda noite. Ed não conta a seus colegas de clas-se e ao professor que não tem onde morar. Eles podem começar a zombar dele ou desprezá-lo. Ele se esforça

muito para que ninguém perceba que algo está erra-do, mas às vezes é quase impossível manter as apa-rências.

O pai não sabe de nadaO pai das crianças ainda não sabe o que ocorreu. Ele manda cartas da prisão e quer saber quando eles vêm visitá-lo. Da última vez que esteve preso, a mãe os levava para visitá-lo, porém agora ela não quer. Ela diz que eles

não têm tempo e nem condi-ções financeiras. Ed entende que sua mãe decidiu se sepa-rar de seu pai para valer. Porém, como irão conseguir se virar sozinhos? Afinal, eles não têm para onde ir.

A mãe liga para todos os conhecidos e um amigo ofe-rece sua van para eles dor-mirem. Eles colocam cober-tores no assoalho do carro e se apertam no pequeno com-partimento de carga. Essa noite Ed está com muito

medo e não consegue dor-mir. Os sons lá de fora são assustadores, mas o pior são todos os pensamentos que fazem sua cabeça girar. É assim que eles vão viver o resto da vida?

No dia seguinte, sua mãe decide que já chega. Ela ouviu falar de uma igreja que oferece abrigo para famílias sem-teto, todavia a mesma se localiza numa outra região da cidade, dis-tante das escolas das crian-

Seu pai saiu da prisão e, no momento, está morando na casa de um amigo. Ele sempre vem visitar os filhos no albergue.

Em Los Angeles, quase todo mundo tem carro,

mas Ed e sua família sempre vão à pé a todos os lugares. Às vezes as

pessoas olham estranha-mente para eles, só por-que estão andando à pé!

Ed com sua mãe Edith e os irmãos Leonard, 9, e Guadalupe, 15. A mãe de Ed é mexi-cana. O pai dele nas-ceu nos EUA. Porém, seus avós maternos imigraram da Finlândia para os EUA. Por isso, o sobrenome de Ed, Korpie, é finlandês.

O albergue fica perto do famoso calçadão de Venice Beach. Ed e Leonard costumam andar de skate aqui, mas não nadam com freqüência, pois a água é suja.

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ças. Agora, Ed e seus irmãos terão que mudar de escola, e ela terá que conseguir um novo emprego.

Advogada e professoraHá seis meses, eles moram em um pequeno dormitório no albergue da igreja. Eles têm duas beliches e um armário onde espremem todas as suas coisas. Uma vez por semana, a professo-ra de Ed, Jessica, da School on Wheels, vem estudar com

ele. Durante o dia, ela é advogada da vara de famí-lia, mas esse trabalho é mais divertido, ela diz a Ed. Ele gosta de Jessica porque ela é gentil e explica bem proble-mas matemáticos difíceis, fazendo os parecer simples. Geralmente, eles vão até a biblioteca estudar. É agradá-vel estar fora do albergue por algum tempo.

– O pior do albergue são todas as regras. Para as crianças é difícil ter tão pou-

ca liberdade, Ed explica a Jessica. Temos que ir ao cul-to o tempo todo, senão eles nos expulsam. Nosso dormi-tório é minúsculo, e é difícil tomar conta de nossas coisas e convivermos. No entanto, é muito bom saber onde você vai dormir na noite seguinte. E não ter que estar nas ruas, dormir em carros e nem no chão das casas das pessoas.

A mãe acabou de limpar o dormitório da família, mas Ed diz que bastam apenas 30 segundos para que o caos volte a reinar.

Ed adora andar de skate. – Meus momentos mais felizes são quando apren-do novas manobras. Estou tentando aprender o ollie, então levo tombos e me machuco o tempo todo, mas vale a pena.

Ed passa os deveres de casa com sua professora de reforço, Jessica. Toda vez que eles se encon-tram, costumam começar pelas novas esfoladuras de Ed. Ele se machuca muito ao andar de skate.

Ed gosta de ler, principalmente os livros de C.S. Lewis sobre Narnia.

Os pratos preferidos de Ed são sanduíches de dois andares e o menudo mexicano que sua mãe faz.

A casa do sonho de Ed

– Uma casa verde com piscina, biblioteca e pista de skate. Meu sonho é ter um quarto só meu – Isso nunca foi possível. Eu colocaria pôsteres nas paredes e poderia fi car em paz, tranqüilo e cuidar de mim mesmo.

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Um dia na quadra dos sem-tetoJanine Williams, 9 anos, e sua irmã mais velha Khadijah, 16, vivem na rua com sua mãe há 6 anos. Essa noite, elas tentarão conseguir vagas para dormir em um albergue para moradores de rua, situado no coração da área dos sem-teto em Los Angeles. É para cá que vêm aqueles que não têm para onde ir.

17:30 Filas para dormir em segurançaJanine, sua irmã mais velha e a mãe entram na longa fi la do albergue Midnight Mission, que fi ca na área dos sem-teto. Centenas de mora-dores de rua têm esperança de conseguir comida e um lugar para dormir aqui essa noite. Isso se cha-ma sono seguro, pois as ruas dessa área são muito perigosas à noite.

18:00 Enfi m, o jantar! Janine recebe um prato de cozido de carne com legumes.

– O gosto é melhor do que a aparência, garante ela.

19:00 Boa noiteOs adultos passam a noite em grandes dor-mitórios. As famílias com crianças se aper-tam em um quartinho no segundo andar.

Essa noite, há apenas mais uma família aqui. Pai, mãe e três crianças pequenas. Eles acabaram de ir morar na rua, e essa é sua primeira noite em um albergue.

Janine fi ca com pena deles. Ela já passou muitas noites aqui e sabe como funciona. Os velhos cobertores cinzas pinicam, mas mesmo assim Janine dorme rapidamente.

05:30 O despertador da políciaAo amanhecer, quando Janine ainda dorme, a polícia passa pela vizinhança expulsando os morado-res de rua que dormem do lado de fora. É ilegal morar na rua. Alguns protestam, porém a maioria se levanta e recolhe suas coisas.

06:00 Bom diaÉ preciso acordar cedo para não perder o café da manhã. De manhã, todas as pessoas que moram temporariamente no albergue devem deixar o local. Janine e Khadijah vão para a esco-la, enquanto sua mãe vai procurar emprego e tentar encontrar outro lugar para passar a noite.

07:45 Para a escolaJanine toma o ônibus para a escola. Ela ganhou bilhetes de ônibus da School on Wheels para ter condições de ir à escola todos os dias.

15:00 Para a School on WheelsDepois da aula, Janine se apressa em voltar para a área dos sem-teto, para a sala das crianças da School on Wheels. Todos os seus amigos moradores de rua se encontram aqui.

– As pessoas que trabalham na School on Wheels são gentis e gostam de ajudar.

10:00 AulaJanine foi obrigada a mudar de escola várias vezes, desde que passou a morar na rua. Eventualmente, ela perdia muitos dias de aula.

– É difícil fazer amigos e acompanhar as aulas quando você é novo na escola.

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17:27 O homem dos balõesNo meio do caminho, elas encontram o homem dos balões, Joe, especialis-ta em fazer fi guras com balões. Ele faz fl ores e coelhos com balões para outras crianças moradoras de rua, que estão lá com seu professor de reforço da School on Wheels.

– Por favor, por favor, faz um cora- ção para mim! pede Janine.

Um dia na quadra dos sem-teto

19:00 Boa noiteOs adultos passam a noite em grandes dor-mitórios. As famílias com crianças se aper-tam em um quartinho no segundo andar.

Essa noite, há apenas mais uma família aqui. Pai, mãe e três crianças pequenas. Eles acabaram de ir morar na rua, e essa é sua primeira noite em um albergue.

Janine fi ca com pena deles. Ela já passou muitas noites aqui e sabe como funciona. Os velhos cobertores cinzas pinicam, mas mesmo assim Janine dorme rapidamente.

15:30 LancheJanine come um bolinho de mel frito salpicado com canela e açúcar. É gostoso, mas os dedos fi cam pegajosos.

16:00 Dever de casaJanine recebe ajuda de seu professor de reforço, Steve, para fazer o dever de casa. Ele explica de um jeito que fi ca fácil entender. Ele também conta piadas engraçadas.

17:20 Hora da fi la Janine e Khadijah vão encontrar sua mãe. Agora elas vão saber onde dormirão essa noite. Agnes vai junto por uma parte do caminho. Ela e as crianças se conhecem há muitos anos. Agnes lhes dá folhetos com o telefone gratuito da School on Wheels.

– Liguem para nós se precisarem de ajuda. Vocês sabem que basta um sinal e seu professor de refor-ço virá até vocês, lembra ela.

17:30 Os coraçõesJanine percorre o resto do caminho com seus amigos da School on Wheels. Ela abraça forte seus dois corações, um rosa e outro vermelho. Ela vai colocá-los ao lado do travesseiro essa noite. Que ótimo fi nal de dia!

Meio penteadoUm dia Janine conheceu uma moradora de rua que fazia belos penteados. Ela fez alongamento no cabelo de Janine e o trançou. Porém, só deu tempo para fazer metade no primeiro dia. No dia seguinte, a mulher desapare-ceu, e Janine teve que desfi lar por aí com meio penteado por alguns dias. Finalmente, elas se encontraram outra vez em outro albergue. Agora o penteado está completo!

Antes...

Depois

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A casa dos nossos sonhos

Jarifri, 11 Casa dos sonhos: Casa azul com porta preta em Las Vegas, pois gosto de todas as luzes de lá. Teremos quatro quartos, quatro guarda-roupas e dois banheiros.Gosta de: Dançar, lutar taekwondo e da escola.Admira: Meu irmão mais velho, Michael Jackson e Elvis Presley.

”Eu, meu irmão e meus pais moramos em um pequeno quarto de hotel de estrada. Muitos sem-teto moram aqui. Meu professor de reforço da School on Wheels, Frank, vem aqui uma vez por semana me ajudar com os deveres de casa. Desde que começamos a estudar juntos, minhas notas melhoraram.

Morar apertado não é um grande proble-ma, isso aproxima nossa família. Todo fi nal de semana, eu e meu pai fazemos perfor-mances no calçadão de Venice beach. Ele é palhaço e eu danço com roupas e chapéu dourados. Eu danço desde que aprendi a andar e sou faixa vermelha no taekwondo. Comecei a praticar luta marcial para me defender. Há muitas brigas na escola”.

Existem mais de um milhão de crianças sem-teto nos EUA. Elas moram em albergues, carros, hotéis temporários ou na rua. Suas famílias foram parar na rua por diferentes motivos, mas todas têm uma coisa em comum: sonham com uma casa própria, onde possam se sentir seguras e felizes.

Shatrea Olivera, 12 Casa dos sonhos: Uma grande casa cor de rosa, com quatro quartos, cozinha grande e um quintal com balanços, não, um parquinho inteiro. Quero ter meu próprio quarto, azul e branco.Gosta de: Brincar. Admira: Minha mãe

”Estamos sem-teto desde que minha mãe deixou nosso pai, porque ele era ruim para ela. Moramos em muitos lugares diferentes. Com parentes, em hotéis e em um carro. Durante um período, nos mudávamos quase todo dia. Agora moramos em um albergue de transição. É chamado ”de transi-ção” porque estamos prestes a conseguir nosso próprio apartamento. Minha mãe trabalha e eco-nomiza dinheiro para podermos nos sustentar. Esse albergue é bastante bom. Tem um parquinho no jardim e há muitas crianças com quem brincar. A School on Wheels construiu uma sala especial para as crianças, com livros, material de desenho e computadores. Lá eu costumo desenhar e encon-trar meu professor de reforço”.

Cesar com seu irmão mais novo, Eric.

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A família de Cesar.

Cesar Hurtado, 12 Casa dos sonhos: Um palácio branco, com paredes brancas e piso brilhante de madeira, piscina e pista de skate. Todos os dias, convidarei todos os meus amigos e familiares para um grande bufê com comida deliciosa. Eu terei uma TV de tela grande e todos os consoles de jogo que existem.Admira: Meu irmão mais velho, que me ouve quando preciso conversar com alguém.Gosta de: Andar de skate, nadar, comer pizza, tomar sorvete e ler.

”Estamos sem-teto há vários anos. O pior é ter que se mudar tantas vezes. Temos que carregar todas as nossas coisas no ônibus. Com freqüência, perdemos alguma coisa. Eu já perdi muitas de minhas coisas

preferidas, das quais realmente preciso. Isso me deixa triste e com raiva. Morar no albergue é razoável

porque há muitas crianças. No entanto, as regras são muito rígidas. As crianças não têm nenhuma liberdade e têm que fi car em silêncio o tempo todo. Eu gosto da School on Wheels porque eles me ajudaram muito. Quando nos mudamos, às vezes perco contato com meu professor de reforço , mas sempre damos um jeito de nos reencontrar”.

Cesar com seu irmão mais novo, Eric.

Matthew, 12 Casa dos sonhos: Uma casa grande, com uma TV enorme e uma pista de skate no quintal. Admira: O skatista Dustin Dollin.Gosta de: Andar de skate e videogame.

”A pior coisa de ser um sem-teto é ter que mudar de escola o tempo todo. Em apenas um ano, freqüentei três escolas diferentes. Sempre fi co nervoso quando mudo de escola, é extenu-ante tentar se adaptar e fazer novos amigos. No momento, moro em um albergue com minha mãe, duas irmãs e dois irmãos. Tenho uma óti-ma professora de reforço da School on Wheels. Espero que ela continue a me ajudar, mesmo se nos mudarmos novamente. Já moramos em dife-rentes albergues e hotéis temporários, e este é o melhor lugar até agora. Nosso albergue ante-rior fi cava em uma região perigosa, com muitas gangues violentas. Eles atiravam a noite toda. Porém, sinto falta dos meus amigos de lá. No futuro, sonho em acabar com toda a violência e ser skatista profi ssional ou policial”.

Kibsaim Itsui Gallegos-Sierra, 8 Casa dos sonhos: Uma casa cor de rosa com faixas brancas. Meu quarto terá paredes cor de rosa com fl ores vermelhas. A casa fi cará perto da praia e terá um grande jardim com escorregador e piscina. Admira: Minha professora de reforço.Gosta de: Jogos de computador, cadeira de balanço, brincar de esconde-esconde e fazer bagunça.

”Acho que sempre fui sem-teto. Minha mãe, eu, minha irmã e meu irmão menor nos mudamos para lá e para cá. Já moramos em um albergue em Los Angeles. Às vezes vamos para o México. O pior de morar em um albergue é ter que acordar tão cedo. Quando estamos em Los Angeles, eu vou à School on Wheels quase todos os dias. Minha professora de reforço, Crystal, faz o dever de casa comigo e me leva para passear. Também quero ser professora quando eu crescer. Quero aprender a nadar, apesar de parecer difícil. Eu nunca vi o mar de perto, mas ouvi dizer que é muito lindo”.

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BriannaÉ tarde da noite quando Brianna, 11 anos, vai com sua mãe e seu irmão, Adrian, fazer uma reserva em um arruinado hotel de beira de estrada. Os dois irmãos mais velhos se escon-dem na esquina. Não é permitida a estadia de cinco pessoas em um só quarto, mas a mãe não pode pagar dois. Se alguém descobrir, eles terão que dormir na rua essa noite.

A hotel, a mãe abre a porta para que Ryan,

12, e Daniel, 14, entrem escondidos. No quarto, todos respiram aliviados. Estão seguros por mais uma noite. Desde que a mãe, Melissa, deixou o violento pai de seus fi lhos semanas atrás, eles têm se hospedado

em diferentes hotéis de estra-da localizados na área mais pobre e perigosa do sul de Los Angeles. A família não pode fi car muito tempo em cada lugar, senão os funcio-nários do hotel percebem que há muitas pessoas no mesmo quarto e os expul-

sam. Porém, agora, o dinhei-ro da mãe começa a acabar. Para onde eles irão depois?

A mãe procura por ajuda no catálogo, e encontra os telefones de diversos alber-gues para sem-teto. Ela e as crianças têm difi culdade de encarar a si próprias como sem-teto. Sem-teto não é um homem sujo, vestido em tra-pos, que mora em uma caixa de papelão? De qualquer for-ma, a mãe começa a ligar e as crianças ouvem. Parece que parte dos albergues acei-ta famílias.

– Quantos fi lhos você tem?, pergunta o homem do alber-

gue. Quantos anos eles têm? Quando ouve que o fi lho

mais velho de Melissa, Daniel, tem 14 anos, a res-posta infelizmente é não.

– Ele tem que fi car sozinho no dormitório para homens adultos.

– Mas ele tem apenas 14 anos, é uma criança, diz Melissa.

– São as regras, diz o homem. Nunca deixamos garotos adolescentes fi carem com as famílias. Pode ser perigoso.

A mãe desliga e continua

Rosemary, professora reforço de Brianna, a ajuda a entender um problema complicado.

quer ajudar os sem-teto quando crescer

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tentando outros albergues, mas as coisas parecem difí-ceis. Em Los Angeles, mui-tos adolescentes já fazem parte de gangues desde de 12 anos de idade. Os alber-gues temem que os jovens rapazes sejam violentos e machuquem outras crianças. No entanto, a mãe não desis-te. Ela reclama, implora, pede e acaba encontrando um albergue que deixa a família toda fi car junta.

Silêncio!No dia seguinte, eles tomam o ônibus para a área dos sem-teto no centro de Los Angeles. O albergue parece uma prisão, uma grande construção cinza em concre-to. Brianna acha a área hor-rível. Há muita desordem e sujeira. As pessoas gritam e balançam os braços, conso-

mem bebidas alcoólicas e se deitam como mortas nas cal-çadas. De repente, Brianna percebe que um velho a mira estranhamente. A mãe tam-bém vê. Ela acaba pedindo que ele pare. Ele se afasta um pouco, mas continua a olhar fi xamente.

– Não se preocupe mamãe, diz Brianna mais tarde. Posso cuidar de mim mesma.

Brianna e sua família fi cam no albergue por seis meses. Eles encontram vaga em um quarto com beliches no dormitório familiar. Há muitas outras mães com seus fi lhos, e Brianna logo faz amigos. O melhor do alber-gue é saber que se tem onde dormir, pensa Brianna. O pior são as ruas do lado de fora, e o tumulto e o barulho no quarto. As crianças gri-tam e choram, e as sirenes de

Mora: Na zona sul de Los Angeles.Gosta de: Sapatos, atuar em teatro, ler livros e escrever contos.Não gosta de: Sentir tédio.Feliz: Quando estou na School on Wheels.Admira: Minha mãe.Quer ser: Médica ou estrela de cinema.

Brianna não gosta da área dos sem-teto, porque tem muita sujeira e desordem e, mui-tas vezes, é peri-gosa. quer ajudar os sem-teto quando crescer

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Brianna

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Brianna com sua família: Daniel, Ryan, Adrian, Brianna e a mãe, Melissa.

ambulâncias e viaturas poli-ciais soam constantemente do lado de fora. O irmão de Brianna, Ryan, que tem asma, piora no abrigo e tos-se o tempo todo. Nessa situ-ação, é quase impossível brincar.

– Fiquem em silêncio, sen-tem-se quietos, é isso o que as crianças ouvem.

– Eles agem como se não soubessem o que signifi ca ”diversão”, reclama Brianna para a mãe.

– Nós não vamos morar aqui para sempre, promete ela.

A School on Wheels saúda o diaEm frente ao albergue, Brianna encontra sua salva-ção; a sala das crianças, da School on Wheels. Brianna vai para lá todo dia depois da aula.

– Eu adoro a School on Wheels. Eles cuidam de nós e nos protegem, explica ela para a mãe. Se uma pessoa maldosa implica com você na rua, eles ajudam. Temos um telefone gratuito para onde podemos ligar a qual-quer hora se precisarmos.

Brianna e seus irmãos ganharam mochilas escola-res novas e cada um tem seu professor de reforço, que ajuda com o dever de casa. Além disso, a mãe recebe assistência quando as crian-ças precisam mudar de esco-la. Muitos papéis e docu-mentos importantes sumi-ram quando a família estava sem moradia, mas a School on Wheels providencia outros novos. O mais impor-tante é que a mãe sabe que seus fi lhos estão seguros, enquanto ela trabalha.

– Sem vocês, nós não terí-amos conseguido, Melissa sempre diz para a School on Wheels.

Um dia, a família é infor-mada de que receberá auxí-lio para se mudar para um apartamento só deles. Parece irreal. É maravilho-so. Brianna está muito feliz por poder sair do albergue. Todavia, ela planeja voltar à área dos sem-teto no futuro.

– Serei médica quando crescer, e ajudarei os doentes, principalmente os sem-teto. Eles não têm dinheiro nem convênio médico, mas eu os ajudarei assim mesmo.

Um dia, uma equipe de cinema vem à School on Wheels. Eles vão fazer um fi lme. Brianna e seus amigos vão escrever o roteiro e participar do fi lme.

Serei uma das heroínas da história e meu nome será Ruby,

explica Brianna. Ela e sua amiga Janine,

que faz a super heroína Pink Ice, formam uma equipe.

– Nós salvamos as pesso-as e lutamos contra os vilões, diz Janine, que no fi nal do fi lme tenta trans-formar todo o mundo em um mar de diamantes cor-de-rosa. Elas mesmas escre-veram o roteiro do fi lme, junto com seus amigos sem-teto da School on Wheels.

A equipe de cinema faz parte da organização Hollywood Heart. Normalmente, eles traba-lham em produções cine-matográfi cas reais em Hollywood, porém, nos dias de folga, desejam fazer algo para ajudar crianças em difi culdades. Por três dias, a School on Wheels se transforma em um estúdio de fi lmagem. As crianças escrevem o roteiro, constro-em os cenários, e fazem os acessórios e fi gurinos. Depois elas fi lmam e, quan-do a edição do fi lme está pronta, vão à estréia.

– Essa é uma das coisas mais divertidas que já fi z, diz Brianna. Se eu não conseguir ser médica, talvez eu seja uma estrela de cinema.

Luz, câmera, ação!

Brianna com o fi gurino com-pleto de Ruby.

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Brianna

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vira estrela de cinemaUm dia, uma equipe de cinema vem à School on Wheels. Eles vão fazer um fi lme. Brianna e seus amigos vão escrever o roteiro e participar do fi lme.

As super-heroínas Pink Ice (Janine) e Ruby (Brianna) se preparam para sua próxima cena.

Escondido atrás da máscara de Red Devils, está Ryan Mcneil, 9 anos.

Ryan Wilson, 13, mostra sua melhor pose de astro de cinema, com sua metralhadora de plástico.

Ryan Audinett, 13, interpreta um dete-tive e está com as algemas prepara-das.

Khadidjah, 16 anos, deixa de preencher as inscrições para faculdades por alguns momen-tos a fi m de participar do fi lme.

Adrian Audinett, 12, gosta de atuar em fi l-mes, porém quer mesmo ser arquiteto.

Antes da fi lmagem, todas as crianças precisam ser maquia-das e vestir seus fi gurinos.

Salmai, 7 anos, está com o cabelo prateado e usa um penduricalho de dólar no pescoço.

As pessoas costumam chamar Los Angeles de capital do cinema e um de seus bairros, Hollywood,

é famoso em todo o mundo. O primeiro fi lme de Hollywood foi produzido em 1910. Com o título “In Old

California”, era um fi lme mudo, sem som. O primeiro fi lme com som foi ”The Jazz Singer”, lançado em 1927. No início, os estúdios cinematográfi cos faziam versões estrangeiras

dos fi lmes americanos com som, para que as pessoas que não entendiam inglês pudessem assistí-los. Eles fi lmavam a versão

estrangeira do fi lme, por exemplo, com atores franceses ou espanhóis. Depois de algum tempo, perceberam que era mais

fácil e barato dublar ou legendar os fi lmes em diferentes idiomas. Quando mais pessoas tiveram acesso à TV na

década de 1950, muitos acreditaram que o cinema acabaria. Porém, não foi o que ocorreu. Atualmente,

os grandes estúdios de cinema de Los Angeles produzem cerca de 60 fi lmes por ano, e a indústria cinematográfi ca fatura

muitos bilhões de reais.

FATOS SOBRE FILMES

A Hollywood Heart vem à School on Wheels para fi lmar. As crianças sem-teto são as estrelas do dia.

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Nick

Nick Barger, 10 Todas as pessoas no prédio, em todos os apartamentos, esta-

vam envolvidas com drogas. O apartamento de Nick era um entra e sai de gente, e muitas vezes as pessoas se deitavam e dormiam no sofá ou no chão. No andar debai-xo, morava uma gangue que vendia drogas 24 horas por dia. Os pais de Nick, Michelle e Frank, não ven-diam drogas, mas quase sempre estavam alucinados. O consumo de drogas os tornava diferentes, percebeu Nick. Às vezes, eles se senta-

vam ou deitavam mirando o vazio. Eventualmente, quan-do despertavam daquele estado de apatia, fi cavam muito tristes. Nick amava seus pais. Porém, eles esta-vam muito doentes e debili-tados devido às drogas para serem mãe e pai. Assim, Nick teve que se cuidar sozinho.

Família adotivaUma madrugada, Nick acor-dou com gritos e choro do lado de fora. As pessoas cor-riam pelos corredores, ten-tando fugir ou se livrar das drogas jogando-as no vaso

é um heróiQuando Nick tinha sete anos, ele morava em um prédio famoso por ser ponto de encontro de trafi cantes e usuários de drogas. Uma noite, a polícia invadiu o edifício.

Mora: Hotel de estrada, Los Angeles.Gosta de: Andar de skate, desenhar, jogar videogame e ler.Não gosta de: Drogas. Ser tratado como um bebê.Fica triste: Quando meus amigos se mudam.Ama: Estar com minha família.Admira: Minha mãe e meu pai. Laura, minha professora de reforço.Sonho: Uma casa própria.Quer ser: Escritor.

sanitário. Depois de algum tempo, a polícia entrou no apartamento de Nick e começou a gritar com os seus pais. Os policiais usavam roupas escuras e armas. Os pais de Nick pareciam muito assustados. Então, um poli-cial notou a presença de Nick.

– Você não pode fi car aqui, disse o policial. Nick chorou e disse que queria fi car com seus pais, mas o policial telefonou para um assistente social que veio buscá-lo. Nick não sabia o que ia acontecer com seus pais. Ele teve que ir morar com uma família adotiva; uma família que é paga para cuidar de crianças que não podem morar com seus pró-prios pais.

Nick com seu pai, Frank, e sua mãe, Michelle.

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EspancadoNick fez oito anos na casa da família adotiva, porém ninguém parecia se impor-tar. Os pais adotivos tinham muitas crianças na casa, tanto fi lhos biológicos como outras crianças adotivas. Eles eram mais velhos do que Nick e o maltratavam. Diziam coisas ruins e batiam nele. Nick tentava revidar, porém, eles eram maiores e mais fortes. Os pais adotivos nada faziam para defendê-lo.

Depois de algum tempo, a mãe de Nick foi para uma clínica de tratamento para narcômanos, onde Nick pôde visitá-la. Eles chora-ram quando se encontraram pela primeira vez, e sua mãe pediu perdão. Eles conversa-ram e riram, até que de súbi-to a mãe de Nick viu as mar-cas roxas nos seus braços.

– É minha família adotiva, eles me batem, disse Nick.

A mãe de Nick reclamou com os assistentes sociais que haviam escolhido a família adotiva de Nick. Contudo, os pais adotivos afi rmaram que Nick estava mentindo. Ele provavelmen-te tinha caído. Ou então tinha sido a mãe de Nick que o havia espancado. Aqueles que tinham poder de decisão acreditaram nos pais adoti-vos, e Nick teve que voltar para lá.

Agora, as coisas se torna-ram ainda piores para Nick.

O quarto de hotel onde Nick e seus pais moram é muito apertado.

Todos estavam bravos, por-que ele havia feito intrigas e lhe bateram ainda mais. Depois, entretanto, a mãe de Nick pode começar a lutar pela sua guarda defi nitiva, pois estava sem usar drogas a um bom tempo. Nick foi chamado à corte, porém, a primeira vez que encontrou o juiz, não ousou dizer nada sobre os maus-tratos. Os pais adotivos o ameaçaram.

– Fique calado ou diga que é sua mãe que te espanca, eles aconselharam Nick. Senão...

Junto da mãeEnfi m, na terceira audiência no tribunal, Nick não agüentou mais e contou a verdade. O juiz bateu seu martelo na mesa e disse:

– Você pode ir morar com sua mãe.

Nick se mudou para a clí-nica onde sua mãe lutava para se recuperar totalmente de seu vício. Seu pai estava em outra clínica de trata-mento para homens. Nick e a mãe dividiam o quarto

O fi ltro de sonhos de Nick fi ca pendurado acima da cama, para reter todos os pesadelos assustadores, antes que eles destruam seu sono.

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com mais duas mães e seus cinco fi lhos. Era apertado, mas Nick logo fez novos amigos e tudo corria bem com sua mãe. Ela aprendeu não apenas a parar de se drogar, mas também a pagar as contas e cuidar de seu fi lho. Ela aprendeu a viver defi nitivamente longe das drogas.

Juntos novamenteAgora, ambos os pais de Nick não usam drogas há três anos. Eles receberam

alta das clínicas de trata-mento há algum tempo, porém ainda não consegui-ram encontrar um lugar para morar.

– A casa dos meus sonhos é uma cobertura no 42o andar, diz Nick. Meu quar-to será gótico, com paredes e móveis pretos, luz negra e morcegos colados no teto. Mas, na verdade, nada disso importa. Não me importo de morarmos em uma caixa de papelão, contanto que estejamos juntos.

Como Nick e seus pais não dispõem de moradia, eles são obrigados a viver em um hotel de estrada, onde moram muitos outros sem-teto. Eles pagam a cada mês, apesar de poderem ser expulsos a qualquer momen-to. Muitos amigos sem-teto de Nick desapareceram do hotel.

– É quase impossível se tornar melhor amigo de alguém e manter uma ami-zade, diz ele a seus pais.

À noite, antes de dormir,

Nick costuma pensar em tudo o que lhe ocorreu.

– Vou escrever um livro sobre minha vida, pois que-ro contar a outras pessoas as experiências pelas quais pas-sei. Sobrevivi a muitas coisas enquanto aguardava estar novamente junto com meus pais.

– Você é nosso herói, Nick, dizem seus pais. Sem você, nós nunca teríamos conseguido.

Na parede, Nick, sua mãe e seu pai têm suas respectivas agendas diárias. Eles per-dem pontos, quando fazem algo negativo e ganham pon-tos, quando fazem coisas boas.

– Isso nos ajuda a sermos positivos, diz Nick.

Nick não pode levar amigos ao hotel. Quem não é hós-pede, não tem permissão para entrar.

Minha professora de reforçoA professora de reforço de Nick, da School on Wheels, se chama Laura.

– Ela é como minha amiga, minha professora e minha irmã mais velha. Ela me ajuda com o dever de casa e tem muita paci-ência. Laura também me levou a um jogo de beisebol e ao cinema.

Amigo das aranhasA mãe de Nick tatuou uma aranha, porque Nick adora aranhas.

– Uma vez, vimos uma aranha na parede da classe. Todas as crianças gritaram e quiseram matá-la, mas eu fi quei na frente da aranha e pedi que ninguém a tocasse. O professor disse: “Escutem Nick, ele está certo”. Coloquei a aranha para fora pela janela.

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Nick

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6. Endireite sua perna e centralize seu peso.

adora skateSempre que Nick tem chance, ele pega seu skate e pratica novas manobras na rua em frente ao hotel. Skate é um dos esportes mais populares nos EUA. Dizem que foi inventa-do por um surfi sta entediado que colocou rodas na prancha de surf e começou a “surfar” no asfalto.

O que é um skate?Prancha – geralmente tem um desenho na parte debaixo, que aparece durante as manobrasLixa adesiva – oferece aderência à pranchaCauda – extremidade posterior da pranchaNariz – extremidade anterior da prancha Rodas – quatro rodasEixos – dois eixos seguram as quatro rodas

Manobras mais popularesOllie – A manobra básica, que é o ponto de partida para muitas outras. É um salto no plano, sem segurar a prancha.Nollie – É como o ollie, porém ao invés de saltar a partir da cauda da prancha, salta-se a partir da dianteira da prancha.Kickfl ip – Um pontapé na prancha para que esta se mova por baixo dos pés.180 – Metade de um giro em torno do próprio eixo, para que o nariz da prancha fi que onde estava a cauda.360 – Um giro completo em torno do próprio eixo.900 – Dois giros e meio no ar, em rampa vertical.Grind – Deslizar sobre os eixos.50–50 – Um grind sobre os dois eixos.Five-0 – Um grind sobre um dos eixos.Boardslide – Deslizar a parte inferior da prancha acompa-nhando um objeto.Manual – Uma manobra de equilíbrio sobre duas rodas, girando para frente ou para trás.

COMO SE FAZ UM OLLIE:

1. Coloque o pé traseiro na cauda e o pé dianteiro no meio da prancha.

2. Agache e fl exione os joelhos.

3. Salte e certifi -que-se de que a cauda bata no chão, de modo que a prancha se incline para cima.

4. Ao saltar, deixe o pé dian-teiro deslizar para frente. Assim, a prancha se ergue e a estabilidade se desloca.

5. Erga as pernas para ir mais alto.

7. Flexione o joelho na aterrissagem e deslize para sair.

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Marlen Contreras, 13Marlen Contreras, 13

A tia de Marlen é sua “mãe”

Marlen e sua mãe não queriam se mudar para

o albergue. – Ficamos com muito

medo, conta Marlen. Não sabíamos quase nada sobre a AIDS. Minha mãe achava que eu também fi caria doen-te se morássemos com outras pessoas contaminadas. Já moramos aqui há vários anos. Eu me adaptei bem, e aprendi muito sobre a doen-ça, por exemplo, que é possí-vel ter uma longa sobrevida se a pessoa tomar remédios e se cuidar.

Marlen nasceu no México,

mas veio para os EUA com duas semanas de idade.

– Essa que eu chamo de mãe, na verdade é minha tia. Nunca conheci meu pai e minha mãe biológica não podia cuidar de mim. Ela bebia demais e foi presa. Minha tia Angelina me trou-xe para a América, para que eu tivesse a chance de ter uma vida boa. Eu a chamo de mãe, pois ela sempre cui-dou de mim como uma mãe.

Preocupada com a mãe– Quando eu era pequena, ela morava com meu padras-to, de quem eu gostava mui-to. Depois eles se separaram, e minha mãe conheceu outro homem que batia nela. Uma vez, meu padrasto veio até nossa casa e queria me ver. O homem não deixou que ele entrasse. Vi meu padrasto

Marlen chama sua tia Angelina de “mãe”, porque ela sempre cuidou de Marlen e a amou como uma verdadeira mãe.

– Esses são meus jeans preferidos.

Eles são perfeitos para pular e dançar. Às vezes fi co muito brava e frustrada.

Nessas horas, ouvir música, pular para cima e para baixo e dançar feito louca ajuda a extravasar.

Música me deixa feliz. Os estilos musicais de que mais gosto são hip hop e rock espanhol.

O guarda-roupa de Marlen

Os tênis mais bonitos de Marlen se chamam Superstars, ou Shelltoes. De frente, eles parecem conchas.

Marlen recebe um uniforme escolar novo

da School on Wheels uma vez por ano ou mais

freqüentemente, se neces-sário.

– Na escola existe muita pressão para que as pesso-as usem roupas de marca. É perigoso usar determi-nadas roupas e cores, pois podem pensar que você faz parte de uma gangue. É mais simples usar o uniforme escolar, camisa e calça azuis.

Mora: No albergue para pessoas com HIV e AIDS.Gosta de: Andar de skate, música, desenhar e da escola.Não gosta de: Pessoas malvadas.Fica triste: Quando minha mãe está doente.Ama: Minha mãe.Deseja: Um cachorrinho, no entanto, animais de estima-ção são proibidos no albergue. Quer ser: Enfermeira ou médica.

– Gosto das aulas de ginástica na escola, porém meu esporte preferido é o skate.

Os mexicanos de Los Angeles costumam usar

uma correntinha no pescoço com o próprio nome em letras douradas. Ou com o

nome de alguém que se gosta. O pingente com o nome Marlen foi um presente de minha mãe.

O cartão-presente que as crianças recebem da School on Wheels para comprar o uniforme escolar.

Quando a mãe de Marlen descobriu que havia sido contaminada pelo HIV e não conseguiu mais traba-lhar, elas perderam seu apartamento. A assistente social disse: “Mude-se para um albergue para pes-soas sem-teto com HIV e AIDS, senão tiraremos sua fi lha de você”.

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pela janela e chorei, esperneei e gritei, porém ele não me ouviu e nunca mais voltou. O homem piorou, ele batia em minha mãe e a ameaça-va. No fi nal, a polícia veio e o levou. Então minha mãe descobriu que havia sido contaminada com o HIV.

O estado de saúde da mãe de Marlen é bom, entretanto, às vezes ela precisa ser inter-nada.

– Nessas ocasiões, fi co mui-to preocupada, diz Marlen.

Além de Marlen, há só três crianças mais novas no albergue.

– Eu tinha uma amiga da minha idade, mas ela se mudou para outro albergue. Ela era minha melhor ami-ga, e conversávamos sobre tudo. Eu sinto falta dela.

Marlen não pode contar a ninguém onde mora, pois ainda existe muito precon-ceito sobre a AIDS. Uma vez, uma colega de escola desco-briu onde Marlen mora.

– Ela espalhou na escola que eu morava em um lar para doentes de AIDS e que todos deviam manter distância de mim. “Não falem com a Marlen”, dizia ela. “Não per-mitam que ela se sente perto de nós. Ela pode contaminar você e sua família com a AIDS”. Eu reclamei com o diretor. No fi m, ameacei denunciá-la à polícia. Ela fi cou com medo e parou.

A roupa da formatura– Essa é a roupa que usei na minha festa de formatura na oitava série. Foi minha mãe quem me deu. Eu adoro a cor e o modelo.

Michael fi cou sem-teto quando a mãe teve câncer

A mãe de Michael fi cou no hospital em coma por

vários meses. Michael, que na época tinha 14 anos, foi morar na casa de seu melhor amigo do time de futebol americano. Michael fi cava com a mãe no hospital uma semana sim outra não.

– Era difícil. Fui obrigado a agir como adulto, e minha mãe era como uma criança de quem eu tinha que cuidar.

Quando o dinheiro de sua mãe acabou, ela foi transfe-rida para um hospital pior. Os funcionários trabalha-vam demais e eram estressa-dos.

– Eles me tratam feito lixo, chorava minha mãe. Sinto dores terríveis, mas não me dão nenhum remédio contra dor, porque o hospital tem que economizar dinheiro.

Quando a mãe fi nalmente teve alta, eles não tinham

para onde ir. Acabamos nos mudando para um albergue. Na escola, Michael não con-tou nada. Ele temia que as pessoas o desprezassem. As notas caíram e ele estava prestes a perder sua vaga no time de futebol americano.

– Através da School on Wheels, consegui um profes-

Quando a mãe de Michael teve câncer de pulmão e entrou em coma, ela perdeu o emprego e a bela casa que eles tinham perto do mar.

sor de reforço, Rafael. Com a ajuda dele, consegui me recuperar e passar na escola. Continuamos a nos encon-trar uma vez por semana. Meu sonho é ser jogador profi ssional de futebol ame-ricano ou bombeiro.

Michael e sua mãe

Michael adora jogar futebol americano.

–O jogo me ensinou muito sobre colaboração e a não ser egocêntrico. Todos são importantes em um time, somos tão bons quanto nos-so elo mais fraco.

Michael quer ser jogador profi s-sional de futebol americano.

É caro fi car doenteQuase 50 milhões de americanos não têm convênio médico, e muitos são duramente afetados quando preci-sam pagar contas hospitalares altíssimas. Os EUA estão em uma posição muito ruim na classifi cação da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre o funcionamento do sistema de saúde.

O troféu de futebol americano de Michael.

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Sierra Longfeather, 11

As crianças têm o mesmo valor

ierra corre para o banheiro do corre-dor e entra debaixo da água quente ain-da meio dormindo.

Enrolada em uma toalha, ela volta na ponta dos pés para o dormitório e se deita para dormir mais uma hora antes do café da manhã.

Às oito da manhã, todos têm que deixar seus quartos. As pessoas têm que levar consigo todos os seus per-tences de valor, pois não há trancas nas portas dos dor-mitórios. Ninguém pode vol-tar ao albergue até o fi nal da tarde. O pai vai trabalhar e Sierra vai para a escola.

– Não se esqueça de que esta noite temos que ensaiar para o próximo pow-wow, diz o pai.

– Está bem, responde

Mora: Em um albergue em Santa Bárbara.Gosta de: Tocar percussão, dançar, cantar. Fica triste: Quando os adultos não me respeitam.Ama: Meu pai.Admira: Martin Luther King.

Sierra. Ela e seu pai, Big Bear, são índios nativos do norte da América, da nação Hunkpapa Sioux. Sierra dança e seu pai toca percus-são. O pow-wow é uma grande festa onde os índios norte-americanos se encon-tram para conversar, dan-çar, cantar e tocar juntos. Sierra adora as danças tradi-cionais, especialmente a dança Fancy-shawl (Belo Xale), onde apenas meninas e mulheres atuam.

– Giramos em círculos e balançamos com belos xales coloridos, fi camos parecendo borboletas, explica Sierra.

– Quando danço, esqueço todos os meus problemas.

Sierra tem orgulho de ser índia.

– Em nossa cultura, as crianças e os adultos têm o mesmo valor. Podemos par-

Sierra com seu pai, Big Bear. Ela também tem um nome indígena, que signifi ca ”Aquela que cami-nha com o trovão”.

Os instrumentos de percussão do meu pai são feitos de madeira e revestidos com pele de vaca.

Os dormitórios do albergue são apertados.

Sierra ganhou o colar de seu pai. Ele é feito de prata e pedras de turquesa.

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ticipar das assembléias e nossas opiniões são ouvidas. Isso é ótimo.

Na escola de Sierra, algu-mas crianças descobriram que ela mora em um albergue.

– Algumas são malvadas e dizem “Eu não gosto dela, ela é uma sem-teto. Ela é pobre”. Eu tenho apenas três amigos na escola. As pessoas querem estar somente com aqueles que são da mesma cor que elas. É deprimente ser maltratada por ser dife-rente.

Sierra quer serDesigner de motos,

artista, policial,viajante ao redor do mundo, dançarina,

escritora, presidente

Os índios foram os primeirosQuando os europeus chegaram à América do Norte, havia cerca de cinco milhões de pessoas que ali moravam. Hoje, elas são chamadas de ”índios da América”. Naquela época, havia milhares de povos indígenas e algumas cen-

tenas de idiomas e dialetos. Porém, hoje restam apenas cerca de dois milhões

de índios nos EUA e um milhão no Canadá. Muitos índios foram mortos pelos europeus, mas a grande maioria morreu de doenças, de fome e devido a outros problemas resultantes da invasão dos brancos. Hoje, os

índios são o grupo minoritário mais pobre dos EUA.

– Eu admiro Martin Luther King porque ele

lutou por todas as raças, não só por sua própria raça,

mas até mesmo por nós, índios. Infelizmente, ele morreu pelas coisas em que acreditava, mas até

hoje as pessoas são discriminadas.

Sierra acorda com o pai sacudindo seu ombro. São apenas 5h30 da manhã. Porém, se ela não se levantar agora, terá que enfrentar uma longa fi la para o banho.

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Kattranece Fuguoa, 14

KattraneceAs crianças têm o mesmo valor Kattranece tinha nove anos e acabara de fazer compras

com a mãe, quando escutou um estrondo ensurdecedor. Demorou alguns segundos até ela perceber que alguém havia atirado em sua direção.

Sierra com seu pai, Big Bear. Ela também tem um nome indígena, que signifi ca ”Aquela que cami-nha com o trovão”.

Os instrumentos de percussão do meu pai são feitos de madeira e revestidos com pele de vaca.

Os índios foram os primeiros

Mora: Em um albergue para famílias, no sul de Los Angeles.Gosta de: Escrever canções e cantar. Ler. Ouve: Alicia Keys.Fica triste: Quando os adultos brigam.Feliz: Quando canto e estou com amigos e minha família.Admira: Minha mãe.Quer ser: Cantora, estilista ou jornalista.

levou um tiro Entre no carro, rápido!

grita sua mãe. Kattranece e suas

irmãs menores se jogam no banco de trás e a mãe acelera. Os tiros vêm de outro carro que as persegue pela estrada e continua a atirar. De repen-te, Kattranece sente uma dor queimando seu tórax.

– Mamãe, está queimando!A mãe constata que

Kattranece foi atingida, mas não ousa parar. Ela acaba entrando em uma rua onde há muita gente. A polícia chega e os perseguidores desistem.

Tiro no pulmãoKattranece foi ferida no pul-mão pelo tiro e quase mor-reu. Ela é internada no hos-pital por três meses e é ope-rada três vezes até os médi-cos conseguirem remover o projétil. Mais tarde, ela tem que testemunhar no tribunal contra um dos homens que atiraram. Ele é membro de uma gangue, e diz que se enganaram. Eles queriam atirar em outra pessoa.

Kattranece precisa rea-prender muitas coisas, como falar e andar, e tem que

recuperar a memória. Ela consegue, porém o ferimen-to fez sua asma piorar mui-to. Isso se torna um proble-ma quando a família fi ca sem moradia. Depois de uma grande briga com o pai de Kattranece, sua mãe faz as malas rapidamente com o que vê pela frente e diz às fi lhas que é hora de ir. A par-tir de então, todo dia elas se mudam para um novo lugar. Kattranece acha que a mãe agiu certo. Todavia, é difícil quando sua tosse piora, devido aos lugares onde dorme, nos albergues, hotéis de estrada e carros, exposta ao pó, à sujeira e ao frio.

Nos últimos meses, a família mora em um alber-gue para famílias sem-teto. O que Kattranece mais gos-ta de fazer é cantar.

– Eu me apresentei em um piquenique do albergue. Eu estava nervosa e, de repente, comecei a rir no meio da música. Depois da apresen-tação, fi quei aliviada e con-tente. As pessoas me elogia-ram. Se conseguirmos um lugar para morar, vou voltar a cantar no coral da igreja.

Quando Kattranece saiu de casa, ela levou um urso de pelúcia parecido com este. O dela sumiu em uma das mudanças. Ela sente falta dele e de um colar de péro-las que ganhou da avó.

Kattranece com as irmãs Shacarla, 4, Shatrea, 12, Kathiella, 6 e sua mãe, Kathleen.

Uma pessoa doou um teclado para a School on Wheels e pediu que ele fosse entregue a uma criança sem-teto interes-sada em música. Kattranece fi cou com ele!

Kattranece recebe ajuda de um professor de reforço para fazer o dever de casa na sala das crianças, que a School on Wheels construiu no albergue.

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Clifton

Zachery

Brian & Byron

Clifton

sente falta de seus irmãos

Zachery, 10 anos, desfruta de um bom dia, pois encon-tra sua irmã e seu irmão e vai à feira com eles e sua mãe. Normalmente, os irmãos fi cam com seu pai, enquanto Zachery e sua mãe moram no albergue. Um terceiro irmão mora em um lar adoti-vo. A mãe está livre das dro-

gas há dois anos, e Zachery espera que eles possam morar juntos em um aparta-mento próprio em breve.

– O pior de ser um sem-teto é não poder jogar fute-bol americano e ter que con-viver no albergue com outras pessoas que roubam nossa comida. Quando nos muda-

mos para cá, compramos um monte de comida, porém voltamos e tudo tinha sumido. Agora estou preocupado, temo que peguem minhas coisas. Também me preocu-po por não poder estar com meu irmão, Desmond, e pro-tegê-lo. Às vezes ele apanha de outras crianças na escola.

Na feira, todos os irmãos pin-tam os rostos para se pare-cerem com animais selvagens.

Três irmãs = uma famíliaA irmã mais velha Ashley,

19 anos, veio assim que pôde, quando soube que sua mãe havia sido pre-sa novamente. Suas irmãs mais novas fi caram sozi-nhas no apartamento e estavam prestes a serem despejadas. Ashley teve que deixar seu emprego e a escola noturna para cuidar das irmãs. Não havia espa-ço no apartamento onde Ashley morava com o namorado. Então, as irmãs tiveram que se mudar de um lugar para outro. Após vários meses nessa situa-

ção, elas conseguiram vaga em um albergue.

– Já assisti fi lmes sobre pessoas sem-teto, diz Brittney, mas nunca imaginei que poderia me tornar uma delas. Sinto saudades da minha mãe, e espero que ela fi que sóbria para poder-mos morar juntas nova-mente.

ganharam um lar!Brian, 14, e seu irmão Byron, 13, estão muito felizes. Depois de dois anos em um alber-gue para pessoas sem-teto, a mãe deles provou que consegue se manter longe das drogas, e eles recebe-ram auxílio para mudarem para um apartamento só deles. Fica em um bairro perigoso, onde há gangues e se ouvem tiros durante a noite. Entretanto, há um pátio interno onde podem brincar e andar de skate, sem risco de se envolverem em brigas. Ambos gostam da escola e querem proje-

tar jogos de computador quando crescerem.

– Nosso modelo é Shigeru Miyamoto, o melhor designer de jogos de com-putador do mundo, diz Brian.

ganhou um prêmio de poesia

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– Pensei nas coisas que gos-to de fazer e conversei com a família e os amigos. Dei o nome de “O amor iguala...”. Trabalhei duro, e o poema fi cou cada vez mais longo. É sobre o fato de ser o interior que conta, não o exterior. E que podemos sobreviver com

ajuda do amor, mesmo quando passamos por difi culdades.

Dentre os 10.000 poemas enviados pelas crianças, o de Clifton foi um dos poucos premiados. Os vencedores participaram de uma grande cerimônia em Beverly Hills, e seus poemas foram recitados

O professor de Clifton sugeriu que ele participasse de um concurso de poesia, e Clifton, 11 anos, que mora em um albergue com sua mãe, escreveu um poema sobre o amor.

por atores famosos de Hollywood.

– Minha mãe chorou. Eu ganhei 500 dólares, e eles deram muitos livros para a sala das crianças da School on Wheels no albergue. Isso me deixou orgulhoso e ainda mais empenhado na escola.

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