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Podcast SNC – Episódio 4 Psiquiatria na Era digital Dr. Sergio Perocco Caro ouvinte, Meu nome é Sergio Perocco, sou médico psiquiatra e gerente médico da GSK Brasil. Seja bem vindo a mais um podcast do canal Sistema Nervoso Central. Hoje gostaria de falar com vocês sobre um excelente artigo que foi publicado recentemente na The Lancet Psychiatry de um grupo de Psiquiatras de Stanford e Cambridge que aproveitaram a comemoração de 10 anos do lançamento do Facebook para refletir sobre a seguinte questão: Onde se encontra a Psiquiatria na era digital? As redes sociais fazem parte do cotidiano de mais de 1 bilhão de pessoas. Não há nenhum indicativo de queda na popularidade e seu uso cresce três vezes mais do que a utilização de internet para outros fins. Apesar disso, o campo da saúde mental ainda não “abraçou” esse recurso sem precedentes. Os autores defendem que as informações de redes sociais deveriam se tornar uma prioridade para pesquisa e assistência em Psiquiatria. O Facebook, por exemplo, tem mais de 1 bilhão de usuários (uma em cada sete pessoas no mundo); nele os usuários podem criar perfis pessoais, expressar sentimentos e compartilhar conteúdos. Evidências sugerem que 92% dos adolescentes conectam-se diariamente e revelam consideravelmente mais sobre eles mesmos on-line do que off-line. Trabalhar com as informações do Facebook pode ampliar nossa compreensão sobre o surgimento e os primeiros anos dos transtornos mentais em um período crucial do desenvolvimento interpessoal. Faz-se necessário refletir sobre qual a melhor forma de usar essa tecnologia para promover mudanças positivas. O Facebook pode ser utilizado para identificar, intervir, e possivelmente predizer e prevenir transtornos mentais e com isso permitir, por exemplo, uma assistência clínica personalizada e centrada no sujeito. No que tange a identificação, as informações divulgadas no Facebook tendem a ser mais confiáveis do que aquelas relatadas off-line e, geralmente, representam o comportamento off-line. Obter autorização não seria um grande problema: um estudo demonstrou que 71% dos participantes consentiram ter os dados do perfil do Facebook associado aos seus registros médicos (prontuário eletrônico). Outro estudo identificou que 25% de uma amostra de 250 estudantes norte-americanos com mais de 18 anos postaram contéudos que se assemelham a sintomas depressivos.

Podcast SNC – Episódio 4 · Pesquisas mostram que por meio da inteligência artificial utilizando-se as “curtidas” de um usuário como parâmetro é possível predizer traços

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Podcast SNC – Episódio 4

Psiquiatria na Era digital

Dr. Sergio Perocco

Caro ouvinte,

Meu nome é Sergio Perocco, sou médico psiquiatra e gerente médico da GSK Brasil. Seja bem vindo a mais um podcast do canal Sistema Nervoso Central.

Hoje gostaria de falar com vocês sobre um excelente artigo que foi publicado recentemente na The Lancet Psychiatry de um grupo de Psiquiatras de Stanford e Cambridge que aproveitaram a comemoração de 10 anos do lançamento do Facebook para refletir sobre a seguinte questão: Onde se encontra a Psiquiatria na era digital?

As redes sociais fazem parte do cotidiano de mais de 1 bilhão de pessoas. Não há nenhum indicativo de queda na popularidade e seu uso cresce três vezes mais do que a utilização de internet para outros fins. Apesar disso, o campo da saúde mental ainda não “abraçou” esse recurso sem precedentes. Os autores defendem que as informações de redes sociais deveriam se tornar uma prioridade para pesquisa e assistência em Psiquiatria.

O Facebook, por exemplo, tem mais de 1 bilhão de usuários (uma em cada sete pessoas no mundo); nele os usuários podem criar perfis pessoais, expressar sentimentos e compartilhar conteúdos. Evidências sugerem que 92% dos adolescentes conectam-se diariamente e revelam consideravelmente mais sobre eles mesmos on-line do que off-line. Trabalhar com as informações do Facebook pode ampliar nossa compreensão sobre o surgimento e os primeiros anos dos transtornos mentais em um período crucial do desenvolvimento interpessoal.

Faz-se necessário refletir sobre qual a melhor forma de usar essa tecnologia para promover mudanças positivas. O Facebook pode ser utilizado para identificar, intervir, e possivelmente predizer e prevenir transtornos mentais e com isso permitir, por exemplo, uma assistência clínica personalizada e centrada no sujeito.

No que tange a identificação, as informações divulgadas no Facebook tendem a ser mais confiáveis do que aquelas relatadas off-line e, geralmente, representam o comportamento off-line.

Obter autorização não seria um grande problema: um estudo demonstrou que 71% dos participantes consentiram ter os dados do perfil do Facebook associado aos seus registros médicos (prontuário eletrônico). Outro estudo identificou que 25% de uma amostra de 250 estudantes norte-americanos com mais de 18 anos postaram contéudos que se assemelham a sintomas depressivos.

Page 2: Podcast SNC – Episódio 4 · Pesquisas mostram que por meio da inteligência artificial utilizando-se as “curtidas” de um usuário como parâmetro é possível predizer traços

Pesquisas mostram que por meio da inteligência artificial utilizando-se as “curtidas” de um usuário como parâmetro é possível predizer traços de personalidade de uma forma mais acurada que amigos e até mesmo familiares. Ao todo, 350 milhões de fotos são “postadas” diariamente no Facebook – avanços em Ciência Computacional permitem avaliar expressões faciais de emoção através de uma simples fotografia.

Outro dado relevante é que os usuários são influenciados por conteúdo emocional postado por outros (p.ex.: conteúdos com conteúdo negativo na feed de notícias tendem a gerar outras publicações com conteúdo negativo e vice-versa). Os autores propõem algumas maneiras pelas quais as informações do Facebook podem ajudar a melhorar a qualidade da assistência em saúde mental. Os profissionais poderiam avaliar perfis, dentro de um contexto terapêutico, na tentativa de reduzir isolamento social e reformular juntamente com os pacientes a exposição de comportamentos on-line.

Com relação a predição e prevenção sabe-se que o Facebook já permite que usuários reportem uma publicação de um “amigo” em risco de suicidio.

Existem entretanto, muitas questões éticas não respondidas como, por exemplo, qual seria a responsabilidade dos profissionais de saúde quando revelaçãoes ameaçadoras são feitas on-line? Um agravante para isso é o fato de os adolescentes, principalmente, tem uma tendência a publicarem conteúdos falsos e/ou exagerados em seus perfis.

Outro fator que deve ser cuidadosamente avaliado é a privacidade e o potencial para uso inadequado das informações coletadas. Por fim, ainda é incerto como as redes sociais podem ajudar, todavia ela representa uma promessa que pode revolucionar o cuidado em saúde mental.

Chegamos ao final de mais um episódio. Espero ter levado aos senhores informações que sejam relevantes e contribuam de alguma forma à sua prática clínica diária. No próximo mês lançaremos um novo episódio e contamos com a sua presença.

Lembro a todos que o conteúdo desse episódio encontra-se integralmente disponível em nosso site, e que todas as referências utilizadas para produção desse texto, e outros relacionados ao(a) assunto(s), podem ser solicitadas por qualquer um dos senhores junto ao nosso departamento de informações médicas através de nosso site, e-mail [email protected] e do nosso 0800.

Obrigado por sua participação e até a próxima!

Referência: INKSTER, B. et al. A decade into Facebook: where is psychiatry in the digital age? The Lancet Psychiatry, 3: 1087–90, 2016.