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Currículo sem Fronteiras, v.3, n.2, pp.60-69, Jul/Dez 2003 ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 60 Política para educação de adultos e globalização 1 Carlos Alberto Torres Universidade da Califórnia Los Angeles, USA Resumo Política para educação de adultos não tem sido uma prioridade do governo no século XX, e não há razão para se acreditar que esta tendência será revertida no século XXI, particularmente face ao processo de globalização. Esse artigo discute políticas chaves para a área de educação de adultos, oferece reflexões sobre as questões centrais trazidas pelo atual contexto de globalização e, finalmente, discute implicações e especulações para o futuro. Palavras-chave: educação de adultos, globalização, política educacional. Abstract Adult education policy has not been a government priority in the twentieth century and there is no reason to believe that this tendency will change in the twenty first century, particularly if we take into account the globalization process. This article discusses key policies to the adult education area, offers thoughts on central issues brought to the attention by the current globalization context, and finally discusses implications to and speculations to the future. Keywords: adult education, globalization, educational policy.

Política Para Educação de Adultos

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Política para educação de adultos não tem sido uma prioridade do governo no século XX, e não há razão para se acreditar que esta tendência será revertida no século XXI, particularmente face ao processo de globalização.

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  • Currculo sem Fronteiras, v.3, n.2, pp.60-69, Jul/Dez 2003

    ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 60

    Poltica para educao de adultos e globalizao1

    Carlos Alberto Torres

    Universidade da Califrnia Los Angeles, USA

    Resumo

    Poltica para educao de adultos no tem sido uma prioridade do governo no sculo XX, e no h razo para se acreditar que esta tendncia ser revertida no sculo XXI, particularmente face ao processo de globalizao. Esse artigo discute polticas chaves para a rea de educao de adultos, oferece reflexes sobre as questes centrais trazidas pelo atual contexto de globalizao e, finalmente, discute implicaes e especulaes para o futuro. Palavras-chave: educao de adultos, globalizao, poltica educacional.

    Abstract Adult education policy has not been a government priority in the twentieth century and there is no reason to believe that this tendency will change in the twenty first century, particularly if we take into account the globalization process. This article discusses key policies to the adult education area, offers thoughts on central issues brought to the attention by the current globalization context, and finally discusses implications to and speculations to the future. Keywords: adult education, globalization, educational policy.

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    Introduo

    Conforme documentei em minha pesquisa2, poltica para educao de adultos3 no tem sido prioridade de governo no sculo XX. Existem inmeras razes para isso.

    Primeiro e, principalmente, educao de adultos serve a uma clientela que pobre, politicamente subrepresentada, e consequentemente fraca ou limitada na sua habilidade para manipular os servios sociais do Estado.

    Segundo, instituies e programas para educao de adultos so os de menor prestgio na hierarquia de educao (formal e informal), em parte pela natureza de sua clientela e, em parte porque, na maioria dos casos, no oferecem credenciais acadmicas de prestgio.

    Terceiro, conexes entre educao e trabalho so sempre alusivas, e, conseqentemente, sujeitas a grandes polticas e debates tericos. Os debates sobre a ligao entre os programas para educao de adultos e o mercado de trabalho so bastante complexos. Com isso, discusses sobre escolhas de investimentos na rea de educao questionam o impacto dos programas de treinamento de adultos para o exerccio de uma profisso ou para treinamento tcnico no local de trabalho. Muitas pessoas argumentam que o investimento na educao para adultos tem tido um impacto limitado no que diz respeito produo industrial do sculo XX. As mudanas do sculo XXI em direo ao que se chama sociedade do conhecimento no diminuem. Ao contrrio, disso, d destaque a essas questes.

    Quarto, polticas para educao de adultos tm sempre sido implementadas no mbito dos servios sociais do Estado. Dessa forma, o modelo desse Estado tem uma relao direta com as condies de investimento e com a expanso das polticas para a rea.

    Quinto, existe uma variedade de idias e argumentos que justificam polticas para educao de adultos. Algumas dessas idias so contraditrias. Discutirei abaixo seis construes tericas que explicam polticas existentes. Apesar de existir uma idia dominante entre os formuladores de polticas, no existe uma idia simples e no contraditria integrada que defenda investimentos em programas.

    Finalmente, educao de adultos, diferentemente da maior parte dos outros programas educacionais, no um campo facilmente manipulado e controlado por burocracias. Existe um componente comunitrio nos programas para educao de adultos que usualmente os tornam diferentes. Alm disso, h um nmero de movimentos sociais e ONGs ligadas a esses programas, como, por exemplo, a experincia da Educao para Libertao, da Educao Popular e da Filosofia Educacional preconizada por Paulo Freire. Movimentos sociais e algumas ONGs tendem a ser radicais, e de difcil controle por parte das instituies governamentais; polticas e programas de educao para adultos, nesse caso, poderiam ameaar a estrutura existente .

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    Dilemas da Poltica de Educao para Adultos. Entendendo racionalidades e construes tericas

    Tendo como base a Teoria Crtica gostaria de propor a existncia de seis racionalidades

    nos estudos aplicados para a educao de adultos, a saber: recomendaes constitucionais, investimento em capital humano, socializao poltica, legitimizao compensatria, presses internacionais, e movimentos sociais.

    Uma perspectiva legalista se basear nas recomendaes constitucionais para dizer que cada cidado tem o direito de ser alfabetizado e educado. Cidados analfabetos, ou aqueles sem educao bsica completa, deveriam ter oportunidades de escolaridade. O argumento tem a seguinte lgica: 1) por um lado, educao de adultos um instrumento fundamental de consolidao da cidadania (em oposio constituio de uma elite); 2) por outro lado, educao bsica se constitui um bem comum de todos os cidados; 3) finalmente, educao de adultos deveria ser provida pelo Estado como parte de suas polticas assistenciais. Essas polticas ajudam a compartilhar a democracia. No resta dvida de que argumentos legais poderiam ser criticados por serem muito formais, apolticos na identificao da motivao da elaborao de polticas, e ainda, de no garantirem a aplicao dessas polticas, ou seja, de manterem a distncia entre normas legais e prtica.

    Educao de adultos, como um investimento em capital humano, oferece uma viso economicista. Nessa viso argumenta-se que a educao de adultos estimula o desenvolvimento econmico de diferentes maneiras: a) aumenta a produtividade dos recm alfabetizados/ e ou educados; b) aumenta a produtividade daqueles que trabalham com os recm-educados; c) expande a difuso de conhecimento generalista para o indivduo (importante em matria de sade) reduzindo o custo de transmisso do conhecimento til; d) estimula a demanda por treinamento tcnico e vocacional; e) funciona como um instrumento de seleo de trabalhadores mais hbeis ampliando sua mobilidade ocupacional e dando nfase a incentivos econmicos, isto , refora a tendncia das pessoas responderem positivamente a um crescimento de pagamento decorrente de esforos pessoais.

    O argumento econmico pode ser criticado de muitas maneiras. Primeiro, os benefcios econmicos da alfabetizao e da educao bsica para adultos nos pases em desenvolvimento no so devidamente documentados. Existe uma linha, por exemplo, que afirma que a alfabetizao mais importante do ponto de vista cultural do que econmico.

    Segundo existe a questo que se chama de doena da certificao. Tendo em vista o excesso de credenciais em educao no capitalismo moderno, a concluso de cursos passa a no garantir aumentos salariais. Nesse contexto, empregadores passam a criar novos critrios de seleo que levam ao aumento da oferta de credenciais.

    Finalmente, a despeito das argumentaes neoclssicas no sentido da homogeneidade de mercados, tais mercados de trabalho no so homogneos e sim segmentados. Aqueles aos quais se destina a educao de adultos tendem a no facilitar a estabilidade, com benefcios sociais escassos ou at inexistentes, e a oferta abundante de mo-de-obra no

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    qualificada. Tal fato faz com que o treinamento de adultos seja menos atrativo em termos de retorno econmico. Conseqentemente existe uma disparidade crescente entre os mecanismos de empregabilidade e nveis de qualificao que os programas de educao para adultos oferecem.

    O treinamento em cidadania apontado como um ponto central no papel de socializao que tem a educao de adultos. Pessoas com leitura, escrita e fracas noes matemticas, tornam-se cidados marginalizados e limitados. Nesse sentido, leitura e escrita passam a ser pr-requisitos para o exerccio dos direitos fundamentais de cidadania, e ocasionalmente, uma fonte de rebelio ou revolta4. Porm, a confiana de que mais educao para adultos resultar em um melhor uso de cidadania no ajuda a entender uma srie de cenrios possveis. Cidadania poderia ser manipulada atravs de atividades educacionais que no se constituiriam em nada alm de doutrinao. Ao invs disso, programas para educao de adultos podem promover posturas de resistncia a princpios bsicos de organizao do prprio sistema poltico, como foi o caso de muitos programas de educao para o proletariado, estruturados durante o sculo XX. Por outro lado, a idia de promover educao de cidadania, baseia-se, algumas vezes, na idia de um consenso bsico compartilhado, algo que se mostra altamente questionvel nas sociedades contemporneas.

    Alm disso, educao de adultos pode tambm ser vista como uma forma do governo ganhar legitimidade, no contexto de sociedades cada vez mais ingovernveis e pluralsticas. Nesse sentido, educao de adultos poderia ser considerada como instrumento de promoo de participao simblica no sistema poltico. Ou seja, poderia ser vista como parte de uma estratgia de legitimao compensatria, inclusive valendo-se da experincia acadmica para planejamento, participao, e, por ltimo, apoio do sistema judicial (legalizao da poltica educacional) na constituio de uma ordem social afetada pela crise de legitimidade5.

    Ademais, polticas de educao de adultos podem ser vistas como uma resposta do Estado s presses do sistema internacional. Por exemplo, indicadores de prestgio internacional consideram cruciais nveis de desenvolvimento e de alfabetizao. Da mesma maneira, progressos em educao para mulheres so vistos como um indicador de distribuio mais equilibrada. Dessa forma, o interesse retomado em alfabetizao por parte de muitas sociedades no ltimo sculo se tornou como uma maneira de evitar constrangimentos internacionais. Por exemplo, o planejamento de alfabetizao anunciado ao fim dos anos 80 pelo Secretrio de Estado do Canad, alocava 110 milhes de dlares canadenses para utilizao em todo pas por um perodo de 5 anos. Tal feito representa um pingo no mar em termos da contribuio ao problema de alfabetizao dos nativos canadenses, da populao pobre menos favorecida, e da legio de estrangeiros que vem ao Canad todos os anos. Entretanto, tal poltica se traduz como um bom gesto, revelando o comprometimento canadense com a poltica social.

    Finalmente, educao de adultos poderia ser vista como parte de um novo movimento social. Poucos programas de educao de adultos tm-se prestado para liberao humana ou

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    como um mecanismo de participao social e poltica. Poucos tm tentado colocar educao e conhecimento a servio das camadas menos favorecidas da sociedade. Existem ainda menos experincias tentando usar educao de adultos como um estmulo inicial a movimentos sociais mais abrangentes6. Educao de adultos como uma pedagogia da oposio constitui-se como tradio da educao radical7.

    Ainda assim, a despeito de todas essas racionalidades, estou convencido atravs da minha prpria pesquisa, que a ideologia dominante entre os formuladores de poltica, particularmente no capitalismo industrial avanado baseia-se no pensamento tecnocrtico orientado por uma mistura de tradies populistas e polticas conservadoras. Com isso, de acordo com a anlise de Habermas, educao de adultos tem sido guiada em grande parte por uma racionalidade instrumental.

    Racionalidade instrumental governada por regras tcnicas baseadas no conhecimento emprico, o que sugere a existncia de previses de eventos passveis de ao. Em outras palavras, governada por regras tcnicas buscando preciso e controle de eventos sociais e fsicos. Assim, racionalidade instrumental envolve um propsito substantivo de dominao exercido, entretanto, como Marcuse sugeriria, atravs do controle metodolgico, cientfico, e calculista.

    Existem, ento, muitas perguntas sobre o futuro da educao de adultos como um instrumental de racionalidade no processo de globalizao. A globalizao abriria uma janela para racionalidades alternativas no que diz respeito educao de adultos? Em seguida discutiremos o tema globalizao. Globalizao ou Anti-Globalizao?

    O movimento anti-globalizao teve sua primeira vtima fatal recentemente em Gnova, Itlia.8 Na ensolarada tarde de 20 de julho de 2001, na Piazza Alimonda, um jovem manifestante italiano, Carlo Giuliani, filho de um lder da unio trabalhista de Roma, foi morto por um carabineiro. Em seguida, o carro da polcia passou sobre o corpo de Giuliani ao tentar sair do local. Esta morte instantnea foi inmeras vezes apresentada em rede de TV e na internet para todo o mundo. Sangue e violncia marcaram o ltimo encontro dos lderes do G-8 no velho porto de Gnova, mudando para sempre a forma com que os propositores do neoliberalismo e da globalizao disseminaram seus argumentos para o mundo atravs das reunies anuais do G-8.

    Os movimentos antiglobalizao e de justia/igualdade internacional pareciam reunir nimos ativos, com importantes vozes de dissidncia comeando a aparecer. O elenco de personagens revela estranhos simpatizantes, desde o Papa Joo Paulo II, que antes da reunio solicitava o perdo da dvida dos pases do Terceiro Mundo e pedia aos lderes dos pases ricos, em tempos neoliberais, mais ateno ao problema da pobreza; at o conhecido o sociologista francs Pierre Bourdieu, professor do Colgio da Frana que guiou educadores no incio dos anos 70 com seu trabalho sobre educao como reproduo social.

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    Bourdieu, num tom pessimista, igualou globalizao e neoliberalismo com a mais infame doena do sculo XX: AIDS. Bourdieu, implacvel em sua posio a respeito do encontro dos G-8 em Gnova, disse que: A violncia de massas tem, ao menos, alguma utilidade: fora os principais atores do neoliberalismo, que gostam de parecer calmos, serenos, e racionais, a mostrarem sua prpria violncia.9

    O fim da Guerra Fria viu a transformao do mundo numa nova economia global, tomada por rpidas transformaes tecnolgicas, com transaes financeiras cada vez mais geis em mercados de capitais desregulamentados. A mobilidade de emprego cresceu, justificando o pensamento comum de um jornalista de que: ... fronteiras so linhas polticas de convenincia linhas que so cruzadas se a histria mostra tal necessidade.10

    Gnova revela ao mundo globalizado novas realidades polticas e intelectuais. De um lado existe um movimento social multinacional de aliados dspares, incluindo faces das Igrejas Catlica Apostlica Romana e Protestante, Greenpeace, grupos de direitos de comunidades locais e de direitos feministas, e cada movimento anarquista e socialista dos pases avanados, confrontando chefes de Estado das 8 naes mais industrializadas no planeta embora a Rssia tenha sido convidada de ltimo momento por motivos polticos, e no por ser uma potncia industrial comparvel s demais. Por outro lado, aqueles lderes confrontados por movimentos antiglobalizao parecem exercer menos controle do que parecem sobre a economia mundial. Tal fato tem feito com que alguns analistas argumentem que ns estamos testemunhando a corporativizao do mundo e no simplesmente sua globalizao11. Igualmente, Octavio Ianni tem-se batido pela noo de diferena entre globalizao, como um processo histrico ineludvel, e de globalismo, como um processo articulado pelo neoliberalismo e coordenado pelas corporaes globais12.

    A Unio Europia um exemplo de que as fronteiras nacionais esto sendo desbancadas pelas realidades econmicas. Culturas ps-modernas de massificao da mdia so confrontadas por comunidades locais e culturas tradicionais, e novos movimentos exercidos por democracias cosmopolitas baseadas nos programas de direitos humanos esto sendo confrontados pelas novas lutas do nacionalismo tnico. Ademais, analistas de negcios como Keinichi Ohmae denunciam a Nao-Estado como algo do passado, argumentando que os centros criadores de riqueza constituem-se em Estados Regionais13. A partir de sua perspectiva neoliberal, Ohmae acrescenta sua crtica devastadora Nao-Estado uma crtica ao liberalismo e democracia, uma vez que esto sendo alvo de demandas populares pelo mnimo de servios pblicos, enquanto as estruturas polticas democrticas so incapazes para satisfazer tais demandas. O argumento de Omahe poderia ser considerado uma verso direitista do que OConnor chama de crise fiscal do Estado14 e do dilema da legitimidade de Jrgen Habermas15.

    Torna-se desnecessrio argumentar a relevncia de tais questes para a educao de adultos uma vez que, particularmente durante o sculo XX, sistemas e prticas educacionais so mantidas, preparadas, organizadas, e certificadas pelo Estado. De fato, educao pblica uma funo do Estado no somente em termos de ordem legal ou de suporte financeiro. Os requisitos especficos para certificao, os requisitos e as

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    qualificaes bsicas de professores, a definio de livros-texto, e os cursos obrigatrios do currculo bsico so controlados pelas agncias oficiais e definidos a partir de polticas especficas do Estado16.

    No modelo de globalizao neoliberal, polticas educacionais esto sendo promovidas internacionalmente seguindo agendas afinadas com organizaes multinacionais e bilaterais tais como, o Banco Mundial, o FMI, ou o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), alm de algumas agncias das Naes Unidas. Tal agenda inclui uma tendncia em favor da privatizao e descentralizao da educao pblica, como tentativa de desregular atividades do Estado, e, eventualmente, para diminuir o governo, aliado a um movimento para estandartizar o desempenho acadmico, definido atravs de testes. O referido movimento pretende regular o funcionamento escolar, o treinamento de professores e a produtividade acadmica, em particular, no que diz respeito ao nvel de desempenho da educao superior.

    A globalizao est tendo um impacto sobre as polticas educacionais por todo o mundo, e, nesse sentido, no surpresa a constatao de que tal movimento vem afetando tambm polticas relacionadas educao de adultos. Concluses: Implicaes e Especulaes

    Educao de adultos como uma legitimao compensatria, como uma perspectiva

    legalista, e/ou como treinamento da cidadania e socializao pode perder relevncia em termos de racionalidade poltica. Mudanas nas polticas sociais e de reestruturao pblica apontam para menos investimento na legitimidade poltica do Estado o que tem resultado em um processo de privatizao dos servios pblicos.

    J h algum tempo que a educao de adultos, como treinamento da fora de trabalho tradicional (industrial), foi abandonado pelo Estado. Muitos programas permanecem nas mos da comunidade de negcios. Avanos tecnolgicos com fortes implicaes, diminuindo o nmero de empregos bem pagos e qualificados, o nvel de sindicalizao (que usualmente pressiona por mais treinamento aos trabalhadores), e reforando a tendncia para emprego em servios iro mudar drasticamente o modelo preconizado pela velha economia de educao de adultos que baseia-se em treinamento tcnico e como treinamento no emprego.

    A educao de adultos continuar a disputar espao com novos movimentos sociais que se inserem no processo de globalizao. Eventualmente, polticas de educao de adultos (a exemplo do que vem sendo praticado em Porto Alegre, no Sul do Brasil) ou programas informais (bibliotecas populares para desempregados, na Argentina) esto muito prximos dos movimentos sociais emergentes de protesto, discordncia, e resistncia, como aqueles vividos no encontro em Gnova. Este processo reforar a tradio da educao de

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    adultos como organizao poltica da populao desfavorecida, bem representada no mbito da filosofia de educao popular hoje discutida.

    Mesmo o raciocnio dominante e de ponta do pensamento tecnocrtico, influenciado por uma mistura de tradies populistas e polticas conservadoras na rea da educao de adultos no se adequar ao contexto de globalizao. Tal fato ser mais sentido em pases do Terceiro Mundo, tendo em vista o crescente nvel de pobreza e de dificuldades sociais.

    Em nvel de polticas compensatrias, opes de investimento recomendam um fluxo para ajuda direta populao afetada pela reestruturao econmica, desemprego, e pobreza. No que diz respeito a medidas educacionais, particularmente nos pases mais pobres, educao bsica e elementar para crianas continuam a dominar a ateno dos formuladores de polticas, e, conseqentemente, tambm demandaro tanta ateno quanto no sculo passado, reduzindo a chance de qualquer iniciativa na rea de educao de adultos.

    Finalmente, no esto claras quais so as implicaes da sociedade do conhecimento para educao de adultos. Mais pesquisa emprica se faz necessria. No entanto, se um palpite pode ser formulado, o argumento de que ns precisamos para treinar adultos para o mercado de trabalho no deve ser to convincente no contexto da sociedade do conhecimento quanto o era na velha economia nacional. O fato que os empregos de maiores salrios so ocupados por pessoas com os nveis educacionais mais elevados, e que novos empregos tendem a se concentrar no setor de servios, alguns dos quais requerem conhecimentos mais sofisticados, adquiridos mais com a prtica do que por intermdio de treinamento formal. Isso se d em reas mais sofisticadas (exemplo: personal trainers para estrelas de Hollywood) quanto em outras reas menos complexas (exemplo: acompanhantes, jardineiros).

    No existe razo para acreditar que a globalizao oferecer novas oportunidades de polticas governamentais na rea de educao de adultos. Entretanto h evidncia suficiente de que, em nvel global, movimentos sociais poderiam se valer de uma tradio de luta, provocando um nvel de comprometimento para com e pelas camadas desfavorecidas. Assim, a luta continua. Notas 1 Artigo preparado para a Reunio da Sociedade Europia de Pesquisa em Educao de Adultos - ESREA,

    Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugal, 12 16 Setembro, 2001 2 Torres, C. A. Adult Education for Development in Saha, L. Editor International Encyclopedia of

    Sociology of Education, edited by J. Lawrence. Oxford, England: Pergamon, an imprint of Elsevier Science, 1997; Torres, C.A. Alfabetizao e educao de jovens e adultos em pases industrializados: Uma reflexo crtica sobre a experincia norte-americana. In Seminrio Internacional Educao e Escolarizao de Jovens e Adultos, vol.1, Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitrio (IBEAC). Braslia, Brazil: Ministrio de Educao e do Desporto (MEC), 1997; Torres, C.A , and D.A Schugurensky. A Comparison of the Political Economy of Adult Education in Canad, Mxico, and Tanzania. In Towards a Transformative Political Economy of Adult Education: Theoretical and Practical Challenges, edited by P. Wangoola and F. Youngman. DeKalb, Illinios: LEPS Press, 1996; Torres C.A Estado, polticas pblicas e

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    3 Nesse artigo, entende-se Educao de Adultos como alfabetizao, educao complementar (a nvel primrio e secundrio) para adultos que no conseguiram completar seus anos escolares, treinamento para empregos e treinamento no local de trabalho. Tendo em vista as diferenas de dinmicas, eu no estou discutindo aqui Educao Tcnica para Adultos.

    4 Ver, para fins de exemplificao: I. Creppell, Democracy and Literacy, Archives Europees de Sociologie, 30, 1989; J. Markoff, Literacy and Revolt American Journal Of Sociology, 92, 1986, pages 323-349.

    5 Ver, para fins de exemplificao: H. N. Weiler, Legalization, expertise, and participation: strategies of compensatory legitimation in education policy Comparative Education Review, 27, 1983, pages 259-277.

    6 A experincia de Paulo Freire como Secretrio de Educao do Municpio de So Paulo, Brasil, 1989-1991, constitui-se em um exemplo claro dessa tendncia. Veja, por exemplo, OCadiz, P., P. Linquist Wong, and C.A Torres. Democracy and Education. Paulo Freire Educational Reform and Social Movements in Brazil.

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    Boulder, Colorado: Westview Press, 1998; OCadiz, M. P., and C. A Torres. Literacy, Social Movements, and Class Consciousness: Paths from Freire and the So Paulo Experience. Anthropology and Education Quarterly 25, n 3, 1994.

    7 H. Giroux, Theory and Resistence in Education: A Pedagogy for the Opposition. Bergin and Garvey, Massachusetts, 1983; Apple, M., R.Morrow, and C.A Torres. Education, Power and Personal Biography: An Interview with Michael Apple. Phenomenology + Pedagogy 8, 1990. Reprinted in Official Knowledge. Democratic Education in a Conservative Age, edited by M. Apple, New York: Routledge, 1993; C.A Torres, Education, Power and Personal Biography. Dialogues with Critical Educators. New York, Routledge, 1998.

    8 Veja (...) I draw from my editorial to the Comparative Education Review, November 2001, issue. 9 Pierre Bourdieu, O Neoliberalismo como a sida, interview by Romain Leick. Dirio de Notcias, 21 July

    2001, p. 18. 10 Ruben Martinez, The Ties that Bind Latinos, Los Angeles Times, 5 August 2001, sc. M, p. 2. 11 R. Burbach, Globalization and Postmodern Politics: From Zapatists to High-Tech Robber Barons. London:

    Pluto Press, 2001; N. C. Burbules and C. A. Torres, Globalization and Education: An Introduction, ed. N. C. Burbules and C. A. Torres, Globalization and Education: Critical Perspectives. New York: Routledge, 2000, pp. 1-26; D. Kellner, Globalization and New Social Movements: Lessons for Critical Theory and Pedagogy, ed. N. C. Burbules and C. A. Torres, Globalization and Education: Critical Perspectives. New York: Routledge, 2000, pp. 299-321; S. Slaughter and D. L. Leslie, Academic Capitalism: Politics, Policies, and the Entrepreneurial University (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997); R. Went, Globalization: Neoliberal Challenge, Radical Responses (London: Pluto Press, 2000); Robert A. Rhoads, Globalization and Resistance in Mexico and the United States: The Global Potemkin Village. Los Angeles, UCLA, Paper submitted to Higher Education: The International Journal of Higher Education and Educational Planning.

    12 Jos Eustquio Romo, Globalizacin o Planetarizacin. Las Trampas del Discurso Hegemnico. So Paulo: Instituto Paulo Freire, 2001; Octavio Ianni, A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1996; Octavio Ianni. A sociedade global 2. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1993.

    13 Kenichi Ohmae, The Borderless World: Power and Strategy in the Interlinked World Economy. New York, Harber Business, 1990; Kenichi Ohmae, The End of the Nation-State: The Rise of Regional Economies. New York: Free Press, 1995.

    14 James OConnor, The Fiscal Crisis of State. New York, St. Martins Press, 1973. 15 Jrgen Habermas, Legitimation Crisis, edited and translated by Jeremy J. Shapiro. Boston, Beacon: 1975. 16 Carlos Alberto Torres, Democracy, Education and Citizenship: Dilemmas of Citizenship in a Global World.

    Lanhman, Maryland, Rowman and Littlefield, 1998, p. 14.

    Correpondncia

    Carlos Alberto Torres, Universidade da Califrnia Los Angeles, Estados Unidos da Amrica. E-mail: [email protected]

    Artigo publicado em Currculo sem Fronteiras com autorizao do autor.