Por uma reinvenção das práticas comunitárias - Silvia Federici

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  • 7/27/2019 Por uma reinveno das prticas comunitrias - Silvia Federici

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    Entrevista pelo Colectivo Situaciones (05/2009)

    Por uma reinveno das

    prticas comunitriasSilvia Federici

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    Como comea a sua militncia feminista nos Estados Unidos?

    Cheguei aos Estados Unidos em 1967. Aqui, envolvi-me com os movimentos estudantis, com os

    movimentos contra a guerra, comecei a cooperar com uma revista terica marxista chamada

    Telos e com um grupo de companheiros ligados ao movimento operasta1

    e esquerdaextraparlamentar italiana. Foi atravs deste processo que entrei em contacto com o texto de

    Mariarosa Dalla Costa: O poder das mulheres e a subverso da comunidade. Esse documento

    foi importante para mim ao dar-me uma perspectiva de classe do feminismo, reconhecendo

    que a discriminao contra as mulheres o resultado do seu confinamento ao trabalho de

    reproduo que no capitalismo totalmente desvalorizado. Foi nessa altura, tambm, que se

    iniciou a minha participao no Movimento pelo Salrio no Trabalho Domstico e o meu

    trabalho poltico a tempo inteiro enquanto feminista. Em 1972 fundmos o Colectivo FeministaInternacional, que deveria lanar a campanha pelo salrio para o trabalho domstico num

    plano internacional. Em 1973, com outras companheiras, fundmos o Comit pelo Salrio para

    o Trabalho Domstico em Nova Iorque e, depois, fundmos vrios grupos pelos Estados Unidos.

    Nas razes do meu feminismo est, em primeiro lugar, a minha experincia de mulher crescida

    numa sociedade repressiva como era a da Itlia dos anos 50: anticomunista, patriarcal, catlica

    e com o peso da guerra. A Segunda Guerra Mundial foi importante para o crescimento do

    feminismo em Itlia enquanto momento de ruptura ou de crise na relao das mulheres com o

    estado e com a famlia, porque fez as mulheres entenderem que deviam tornar-se

    independentes, que no podiam colocar a sua sobrevivncia nas mos dos homens e da famlia

    patriarcal e que no tinham de fazer mais filhos para um estado que depois os mandava

    massacrar.

    Teoricamente o meu feminismo tem sido uma mistura de temticas que provm tanto do

    operasmo italiano e dos movimentos dos no assalariados, bem como do movimento anti-

    colonial, dos direitos civis e do Black Power nos Estados Unidos. Com o operasmo italiano

    aprendi o papel da luta de classes como motor de desenvolvimento capitalista e a importncia

    do salrio como instrumento poltico e como modo de organizar a sociedade. Com os

    1 Movimento politico neo-marxista anti-autoritrio, nascido em Itlia nos anos 60, prope a refundao do

    movimento operrio e da esquerda

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    movimentos anti-coloniais e com o Black Power aprendi o significado do trabalho no

    contratual e do no assalariado dentro do capitalismo. A minha reflexo sobre a dimenso

    poltica da relao salarial foi um tema central em Caliban and the Witch: Women, the Body and

    Primitive Accumulation. Isto permitiu-me ver que, atravs do salrio e da falta do mesmo, se

    construram hierarquias dentro do proletariado mundial, que uma imensa quantidade de

    trabalho no remunerado foi extrado dos no assalariados e que muitas formas de explorao

    foram consideradas como sendo totalmente normais.

    Nos anos 70 fui ainda influenciada pelo National Welfare Rights Movement (NWRO), um

    movimento de mulheres, na sua maioria negras, que lutava para obter subvenes estatais

    para os seus filhos. Para ns era um movimento feminista, uma vez que essas mulheres

    queriam demonstrar que o trabalho domstico e o cuidado com os filhos so trabalhos sociais,

    dos quais todos os empregadores beneficiam e, tambm, que o estado tem obrigaes na

    reproduo social. Na campanha para o salrio no trabalho domstico temos traado,

    constantemente, uma conexo entre o trabalho domstico e o welfare2 que, naquele perodo,

    estava a comear a ser muito atacado.

    O nosso principal objectivo era demonstrar que o trabalho domstico no um servio

    pessoal/familiar mas sim uma verdadeira actividade, pois sustenta todas as outras formas de

    trabalho ao produzir a prpria fora de trabalho. Fizemos conferncias, eventos, manifestaes,sempre com a ideia de fazer ver o trabalho domstico num sentido amplo: na sua implicao

    com a sexualidade, na relao com os filhos e sempre apontando os factores de fundo na

    necessidade de alterar o conceito de reproduo e de colocar a questo de reproduo no

    centro do trabalho poltico. Por essa ocasio escrevi um texto que se chamava Salrio e

    trabalho domstico contra o trabalho domstico, afim de demonstrar que, para ns, a luta por

    um salrio era a luta contra a ideia de que o trabalho domstico natural enquanto trabalho

    feminino. Reivindicar que esse labor/actividade seja pago foi romper com muitas mentiras, commuita mistificao. Que se veja essa realidade enquanto trabalho no remunerado e enquanto

    produo da fora de trabalho foi importantssimo.

    2 Em ingls no original; welfare enquanto estado social ou que presta assistncia social

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    Como esse conflito entre luta pelo salrio e luta contra o salrio?

    A nossa perspectiva sustentava que, quando as mulheres lutam por um salrio para o trabalho

    que executam em casa, lutam tambm contra esse mesmo trabalho, na medida em que ele

    pode continuar como tal enquanto no for remunerado. como a escravatura. O pedido de

    salrio domstico desnaturaliza a escravido feminina. Assim, o salrio no o objectivo ltimo

    mas sim um instrumento, uma estratgia para conseguir uma alterao nas relaes de poder

    entre mulheres e capital. O objectivo da nossa luta era converter uma actividade escravizante,

    exploradora, que era aceite no seu carcter de no ser paga, num trabalho socialmente

    reconhecido; era subverter uma diviso de gnero do trabalho baseada no poder do salrio

    masculino para exercer poder sobre o trabalho reprodutivo das mulheres, aquilo que em

    Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulationchamo o patriarcado do

    salrio. Ao mesmo tempo, propnhamos conseguir transcender toda a culpabilizao que fazia

    com que fosse sempre considerado como uma obrigao feminina, como uma vocao das

    mulheres.

    Outra tenso seria o ponto de vista de recusa do trabalho pelo operasmo italiano com a

    impossibilidade de rejeitar o trabalho de reproduo da mesma forma. Verdade?A recusa no relativa ao trabalho de reproduo por si mesmo, mas sim condio na qual

    todos ns, homens e mulheres, devemos viver a reproduo social, na medida em que a

    reproduo para o mercado de trabalho e no para ns mesmos. Uma temtica que

    considervamos central era o carcter duplo do trabalho reprodutivo, que reproduz a vida, a

    possibilidade de viver, a pessoa e, ao mesmo tempo, reproduz a fora de trabalho, que a

    razo pela qual to controlado. A perspectiva era a de que se trata de um trabalho muito

    particular e, portanto, a questo chave quando se trata de reproduzir uma pessoa : para qu,ou em funo de qu se quer valoriz-la? Valoriz-la para si mesma ou para o mercado? H que

    entender que a luta das mulheres pelo trabalho domstico remunerado uma luta

    anticapitalista central. De facto, chega raz da reproduo social, j que subverte a

    desvalorizao do trabalho reprodutivo, subverte a escravido em que se baseiam as relaes

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    capitalistas e, tambm, as relaes de poder construdas sobre elas, onde assenta o corpo do

    proletariado.

    Nesse sentido, como altera a anlise sobre o capitalismo?

    Em primeiro lugar, analisar o capitalismo do ponto de vista do trabalho reprodutivo demonstra

    que o capitalismo no se baseia apenas no trabalho assalariado. Em segundo lugar, permite-nos

    ver como que a relao salrio/no salrio tem sido um instrumento poltico de organizao

    de divises no interior da classe trabalhadora. A perspectiva, ento, a de analisar o salrio

    como instrumento de diviso e de construo de diferentes regimes de trabalho e de disciplina,

    aos quais correspondem diferentes relaes de poder entre os trabalhadores construo que

    ter sido fundamental na difuso do capitalismo a uma escala mundial. Em terceiro, o trabalho

    reprodutivo, na medida em que reproduz fora de trabalho, abre todo um novo universo de

    explorao que tanto ou mais importante que a produo de mercadorias. Assim

    fundamental que nos discursos sobre as diversas etapas do capitalismo se pergunte: que tipo

    de trabalhador ou de fora de trabalho deve ser produzida em cada fase do desenvolvimento

    capitalista. Reconhecer que a fora de trabalho no algo natural mas que deve reproduzir-se,

    reconhecer que toda a vida advm da fora produtiva e que todas as relaes (familiares,sexuais) se convertem em relaes de produo. dizer que o capitalismo se desenvolve, no

    apenas dentro da fbrica, mas tambm na sociedade, tornada fbrica de relaes capitalistas,

    como terreno fundamental da acumulao capitalista. Por isso os discursos sobre o trabalho

    domstico, sobre a diferena de gnero, sobre as relaes homem/mulher, sobre a construo

    do modelo feminino, so fundamentais. Hoje, por exemplo, olhar a globalizao do ponto de

    vista do trabalho reprodutivo permite entender que a globalizao e a liberalizao da

    economia mundial destruram os sistemas de reproduo de pases de todo o mundo, j quehoje so as mulheres quem sai da sua comunidade, do seu lugar, para encontrar meios de

    reproduo e melhorar as suas condies de vida.

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    Como que a vida na Nigria durante os anos 80 influenciou as suas preocupaes?

    Foi muito importante porque foi a que entrei em contacto com a realidade africana, com o

    chamado mundo subdesenvolvido. Foi um grande processo educativo. Estive l, justamente,

    num perodo (1984-86) de intenso debate social, tambm nas universidades, sobre se a Nigria

    deveria ou no endividar-se junto do FMI, no incio da grande crise da dvida e o fim do perodo

    de desenvolvimento que teve lugar com o boom do petrleo. O governo no aceitou

    formalmente o emprstimo do FMI mas, na prtica, comeou a aplicar todas as condies do

    programa de ajustamento estrutural. Assim que se inicia o processo de liberalizao e

    consequentmente as primeiras consequncias deste programa para a sociedade e, tambm,

    para a escola as grandes alteraes nos gastos pblicos, o corte de subsdios para a sade e

    educao encetam-se tambm toda uma srie de lutas estudantis contra o FMI e o seu

    programa de ajustamento. Era bvio que no se tratava somente de um conflito provocado

    pela misria mas tambm um protesto contra um programa de recolonizao poltico. Vimos

    nitidamente como se estava a dar uma nova diviso internacional do trabalho, o que implicava

    essa recolonizao capitalista destes pases.

    Envolvi-me com uma organizao feminista chamada Women in Nigeria que me permitiu entrar

    em contacto com a realidade das mulheres dali. Outra coisa importante que aprendi na Nigria

    foi a questo da terra. Uma grande parte da populao vivia da terra num regime depropriedade comunal. Particularmente para as mulheres, o acesso terra significada a

    possibilidade de ampliar os seus meios de subsistncia, a possibilidade de se multiplicarem a si

    mesmas e s suas famlias sem depender do mercado. Isto foi algo bastante importante na

    minha percepo do mundo. A minha estadia na Nigria tambm alargou a minha

    compreenso no que toca a questes relacionadas com a energia, o petrleo e a guerra que se

    desenvolvia impulsionada pelas companhias petrolferas. Estive em Port Harcourt, capital do

    petrleo, no delta do Nger. No departamento de sociologia da Universidade onde ensinavahavia um debate contnuo sobre as consequncias econmicas, ecolgicas e sociais do

    petrleo. Nos anos 90 a luta cresceu, formou-se o Movimento Ogoni3 contra a destruio da

    3 O Movimento pela Sobrevivncia do Povo Ogoni uma organizao que representa o grupo tnico Ogoni na sua

    luta pelos direitos humanos e ambientais na Nigria. Foi fundado pelo escritor Ken Saro-Wiwa em 1993 para

    denunciar a poluio no delta do Nger pelas grandes companhias petrolferas estrangeiras.

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    terra e das colheitas devido s prticas irresponsveis das empresas petrolferas e contra a

    contaminao da gua no delta, causa de muitas doenas. No incio era um movimento de

    pequenas comunidades mas rapidamente se converteu num movimento de massas que se

    propunha exigir indeminizaes e a devoluo, s pessoas, da riqueza que lhes havia sido

    roubada.

    Este perodo na Nigria foi bastante relevante e produtivo. Demonstrou claramente que os

    cercamentos de terras, os enclosures4 de que nos fala Marx, no so apenas um fenmeno do

    passado. A acumulao originria continua ainda hoje, uma acumulao permanente. A

    minha experincia na Nigria fez-me ver directamente aquilo que Marx descrevia no captulo

    sobre acumulao originria. Por exemplo, vi concretamente como as companhias petrolferas

    retiravam as pessoas das suas terras para delas extrair petrleo. Tambm vi como o programa

    de ajustamento estrutural do Banco Mundial destruiu a Universidade. Quando voltei para os

    Estados Unidos as universidades na Nigria eram autnticos campos de batalha, uma luta

    contnua contra os cortes propostos pelo FMI. Por isso, coordenmos (desde os Estados Unidos)

    uma pequena organizao chamada Comit para a Liberdade Acadmica Africana, que difundia

    e se solidarizava com a luta estudantil e dos professores em frica. Tambm publicmos um

    livro sobre essa questo chamado A Thousand Flowers. Social Struggles Against Structural

    Adjustment in African Universities (Africa Word Press, 2000).Outro discurso que adoptei fortemente a partir da experincia nigeriana o da privatizao e

    comercializao do conhecimento. Na Nigria, durante os anos 80, fez-se aquilo que uma

    dcada depois viria a suceder na Europa: primeiro, um empobrecimento da Universidade

    pblica para depois a transformar num sentido corporativo, para o qual o conhecimento

    produzido est unicamente orientado para o mercado e se desvaloriza tudo aquilo que no

    tenha essa vertente. Hoje continuamos a trabalhar contra a mercantilizao e o

    enclausuramento do conhecimento e da Universidade com a iniciavida edu-factory5

    .

    4 Os Enclosures (Cercamentos) foram um fenmeno ocorrido em Inglaterra desde o sculo XVII, marcando o incio

    da Revoluo Industrial. No modo de produo feudal a terra era um bem comum para a produo camponesa. A

    partir do momento em que se processa a transio para o modo de produo capitalista, a terra passou a ser encarada

    como um bem de produo. Desse modo, parte dos senhores feudais ingleses passaram a cercar as suas terras,

    arrendando-as como pastagens para a criao de ovelhas, e delas expulsando os camponeses.5 http://www.edu-factory.org

    http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVIIhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVII
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    Como se vincula tudo isto com a discusso sobre a produo do comum?

    Desde os anos 80 at hoje deu-se um salto imenso no processo de expropriao e de

    privatizao, no apenas de recursos naturais terras, guas, bosques como tambm de

    conhecimento. Tudo como um processo de mercantilizao da vida. Isto permitiu o

    aparecimento de uma resistncia mundial e, tambm, de uma conscincia global sobre a

    temtica do comum (commons). No discurso dos movimentos dos anos 60 e 70 este conceito

    de comum no existia. Lutava-se por muitas coisas mas no pelo comunitrio tal como agora o

    entendemos. Esta noo o resultado das privatizaes, da inteno de apropriao e

    mercantilizao total do corpo, do conhecimento, da terra, do ar e da gua. Isto criou no s

    uma reaco mas uma nova conscincia poltica concreta, ligada ideia da nossa vida comum e

    provocou uma reflexo sobre a dimenso comunitria das nossas vidas. H uma relao ou

    correspondncia muito forte entre expropriao, produo de comum e a importncia deste

    como conceito de vida, de relaes sociais. Da, tambm, a conscincia da necessidade de

    reapropriao dos meios de reproduo e de produo de novas formas de comunalismo.

    Que influncia tm as teorizaes feministas sobre essa questo do comum?

    Escrevi um artigo sobre essa temtica: Feminismo e a poltica do comum. Para mim , trata-sede formular uma teoria do comum que, em primeiro lugar, no possa ser explorada pelos

    organismos internacionais, j que agora o Banco Mundial, por exemplo, fala continuamente de

    um comum global (global commons), o que uma forma de justificar novas privatizaes em

    nome dos interesses da humanidade. Em segundo lugar, enunciar uma teoria e uma prtica do

    comum que no seja um novo mtodo de excluso dos outros em nome da comunidade. A

    questo como tornar a prtica do comum numa abertura, que produz o fundamento de outro

    modo de viver, de produzir, de relacionarmo-nos. Formular o comunitrio do ponto de vistafeminista crucial porque as mulheres so, actualmente, quem mais contribuiu para a defesa

    dos recursos comuns e para a construo de formas mais amplas para as cooperaes sociais.

    Em todo o mundo as mulheres so produtoras agrcolas de subsistncia, so elas quem paga o

    preo mais elevado quando se privatiza a terra; em frica, por exemplo, 80% da agricultura de

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    subsistncia feita por mulheres e, portanto, a existncia de uma propriedade comunal da

    terra e da gua fundamental para elas. Por ltimo, o ponto de vista feminista ocupa-se da

    organizao da comunidade e da casa. Uma coisa que me surpreende o facto de, em todas as

    discusses sobre o comum, se falar sempre da terra e da Internet mas nunca ser feita

    referncia casa! O movimento feminista no qual me iniciei falava sempre de sexualidade, das

    crianas e da casa. Justamente por isso, toda a tradio feminista, socialista utpica e

    anarquista que aborda estes temas me interessa bastante. H que produzir um discurso sobre a

    casa, sobre o territrio, sobre a famlia e coloc-lo no centro da poltica do comum.

    Hoje vemos a necessidade de prticas que criem novos modelos comunitrios. Por exemplo,

    actualmente nos Estados Unidos h milhares de pessoas a viver nas ruas, numa espcie de

    acampamentos, pela poltica corrente de desalojos. H acampamentos na Califrnia devido

    crise na habitao. um momento no qual a estrutura da relao social quotidiana se vai

    desfazendo e existe a possibilidade de uma forma de sociabilidade e cooperao novas. Creio

    que, nesse sentido, foi fundamental o que se viu no movimento dos desempregados na

    Argentina, como momento em que muitas pessoas sentiram necessidade de colocar a sua vida

    numa base de comunidade. Esta , exactamente, a reivindicao da prtica comunitria.

    Aqui em Nova Iorque est a desenvolver-se, ainda que debilmente, um movimento de auto-

    produo e de produo de formas de vida comunitrias. Nesse sentido importante entenderquais so as condies histricas de relao com a casa, com o trabalho domstico, com a

    famlia e com o territrio. No h casa separada de territrio: a casa atravessa o territrio.

    H uma certa tendncia para achar que o desenvolvimento capitalista cria o comum

    No vejo a possibilidade de uma implantao do comum que venha do desenvolvimento

    capitalista. Advm como oposio, resistncia e criao de formas de vida e de cooperaoalternativas. No estou de acordo com certas teorias que explicam que, com a Internet, o

    trabalho se torna mais comum, mais cooperativo ou mais autnomo. O chamado trabalho

    cognitivo, o trabalho imaterial extremamente controlado e explorado.

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    Olhando para o trabalho que sustenta a economia mundial na sua totalidade, podemos

    perceber que no h comum ali. O outro plo da Internet o trabalhador proletrio do Congo

    que procura coltn com as mos. Creio que, actualmente, h que ser preciso no discurso

    poltico do comum e reconhecer que h diversos modelos que nem sempre so compatveis.

    Por exemplo, necessria uma crtica da produo de computadores a partir das

    consequncias desta tecnologia para os recursos naturais

    Neste ponto, interessa-me a relao casa-territrio porque, insisto, se estamos apenas a falar

    de terra e de Internet fica a faltar qualquer coisa! Falta a casa, a questo da sexualidade, o

    cuidar dos filhos e dos velhos, coisas fundamentais, especialmente para os jovens.