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5 Os membros do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo são especialistas em direitos da criança, por suas próprias experiên- cias. As crianças podem fazer parte do júri até completarem 18 anos. Cada membro do júri representa, em primeiro lugar, todas as crian- ças do mundo com experiências semelhantes às suas. Porém, eles também representam as crianças de seu país e continente. Sempre que possível, o júri inclui crianças de todos os continentes e das principais religiões. • As crianças do júri compar- tilham suas histórias de vida e quais de seus direi- tos da criança foram viola- dos ou por quais desses direitos elas lutam. Dessa forma, ensinam a milhões de crianças de todo o mun- do sobre os direitos da criança. • Todos os anos, o Júri Infantil seleciona os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo, entre todos aqueles que foram indicados durante o ano. • O Júri Infantil conduz a ceri- mônia anual do programa do Prêmio das Crianças do Mundo, a grande cerimônia de premiação. • Os membros do júri são embaixadores do Prêmio das Crianças do Mundo em seus países e pelo mundo. • Durante a semana da cerimônia de premiação, os membros do júri visi- tam escolas na Suécia e conversam sobre suas experiências de vida e os direitos da criança. Aqui, você conhece os membros do júri. Gabatshwane Gumede, 17, ÁFRICA DO SUL Os pais de Gabatshwane mor- reram de AIDS quando ela era pequena. Embora Gaba, como ela é chamada, não tivesse HIV nem AIDS, muitas pesso- as tinham medo de serem infectadas por ela. Ela não tinha amigos e todos riam dela na escola. Onde Gaba mora, a maioria dos moradores está desempregada. Muitos são HIV positivo e muitas crianças são órfãs. Violações dos direi- tos da criança são comuns. Porém, hoje em dia, ninguém mais zomba de Gaba. Ela é cantora e campeã dos direitos da criança, e muitas crianças a admiram. Sempre que pode, Gaba compra alimentos para os pobres e doa cestas de ali- mentos aos colegas de escola que são órfãos. – Eu reivindico aos políticos que trabalhem pelos direitos da criança. Já debati esse assunto com a ministra da educação e muitos outros políticos. Gabatshwane representa crianças que ficaram órfãs devido à AIDS e crianças que lutam pelos direitos de crian- ças vulneráveis. Hannah Taylor, 16, CANADÁ Aos cinco anos de idade, Hannah viu um homem sem-teto comendo restos tirados de uma lata de lixo. Desde então, ela tem conversado com estudantes, políticos, empresários e o primeiro ministro do Canadá para dizer que não deveria haver pessoas sem-teto. Ela fundou uma fundação que já arrecadou milhões de dólares americanos para projetos de apoio aos sem-teto, e criou um programa para escolas. – Queremos mostrar que todos podem se engajar e fazer a dife- rença para os sem-teto e pelos direitos da criança. Todos nós precisamos compartilhar o que temos, e devemos sempre nos importar uns com os outros. Quando visitei um lar para ado- lescentes sem-teto em Toronto, abracei todas as crianças. Uma delas, a mais calada, disse: ‘Até hoje, eu achava que ninguém gostava de mim, mas agora sei que você gosta’. Hannah representa crianças que lutam pelos direitos de outras crianças, principalmente os direitos das crianças sem-teto. O QUE FAZ O JÚRI INFANTIL? Membros do Júri Infantil 2011 e 2012.

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Hannah Taylor, 16, CANADÁ •Osmembrosdojúrisão embaixadores do Prêmio das Crianças do Mundo em seus países e pelo mundo. •Duranteasemanada cerimônia de premiação, os membros do júri visi- tam escolas na Suécia e conversam sobre suas experiências de vida e os direitos da criança. Aqui, você conhece os membros do júri. Membros do Júri Infantil 2011 e 2012. 5

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Os membros do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo são especialistas em direitos da criança, por suas próprias experiên-cias. As crianças podem fazer parte do júri até completarem 18 anos. Cada membro do júri representa, em primeiro lugar, todas as crian-ças do mundo com experiências semelhantes às suas. Porém, eles também representam as crianças de seu país e continente. Sempre que possível, o júri inclui crianças de todos os continentes e das principais religiões.

• Ascriançasdojúricompar-tilham suas histórias de vida e quais de seus direi-tos da criança foram viola-dos ou por quais desses direitos elas lutam. Dessa forma, ensinam a milhões de crianças de todo o mun-do sobre os direitos da criança.

• Todososanos,oJúriInfantil seleciona os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo, entre todos aqueles que foram indicados durante o ano.

• OJúriInfantilconduzaceri-mônia anual do programa do Prêmio das Crianças do Mundo, a grande cerimônia de premiação.

• Osmembrosdojúrisãoembaixadores do Prêmio das Crianças do Mundo em seus países e pelo mundo.

• Duranteasemanadacerimônia de premiação, os membros do júri visi-tam escolas na Suécia e conversam sobre suas experiências de vida e os direitos da criança.

Aqui, você conhece os membros do júri.

Gabatshwane Gumede, 17, ÁFRICA DO SULOs pais de Gabatshwane mor-reram de AIDS quando ela era pequena. Embora Gaba, como ela é chamada, não tivesse HIV nem AIDS, muitas pesso-as tinham medo de serem infectadas por ela. Ela não tinha amigos e todos riam dela na escola. Onde Gaba mora, a maioria dos moradores está desempregada. Muitos são HIV positivo e muitas crianças são órfãs. Violações dos direi-tos da criança são comuns. Porém, hoje em dia, ninguém mais zomba de Gaba. Ela é cantora e campeã dos direitos da criança, e muitas crianças a admiram. Sempre que pode, Gaba compra alimentos para os pobres e doa cestas de ali-mentos aos colegas de escola que são órfãos.

– Eu reivindico aos políticos que trabalhem pelos direitos da criança. Já debati esse assunto com a ministra da educação e muitos outros políticos.Gabatshwane representa crianças que ficaram órfãs devido à AIDS e crianças que lutam pelos direitos de crian-ças vulneráveis.

Hannah Taylor, 16, CANADÁAos cinco anos de idade, Hannah viu um homem sem-teto comendo restos tirados de uma lata de lixo. Desde então, ela tem conversado com estudantes, políticos, empresários e o primeiro ministro do Canadá para dizer que não deveria haver pessoas sem-teto. Ela fundou uma fundação que já arrecadou milhões de dólares americanos para projetos de apoio aos sem-teto, e criou um programa para escolas.

– Queremos mostrar que todos podem se engajar e fazer a dife-rença para os sem-teto e pelos direitos da criança. Todos nós precisamos compartilhar o que temos, e devemos sempre nos importar uns com os outros. Quando visitei um lar para ado-lescentes sem-teto em Toronto, abracei todas as crianças. Uma delas, a mais calada, disse: ‘Até hoje, eu achava que ninguém gostava de mim, mas agora sei que você gosta’.Hannah representa crianças que lutam pelos direitos de outras crianças, principalmente os direitos das crianças sem-teto.

O QUE FAZ O JÚRI INFANTIL?

Membros do Júri Infantil 2011 e 2012.

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Maria Elena Morales Achahui, 16, PERUMaria Helena deixou sua aldeia na montanha quando tinha 12 anos, sem avisar seus pais. Ela tem sete irmãos e irmãs, e sabia que sua família enfrenta-va muitas dificuldades financei-ras. Além disso, ela achava que o ensino na escola da aldeia era fraco. Na cidade de Cuzco, ela se tornou empregada doméstica na casa de sua tia. Não havia remuneração, pois ela recebia apenas alguns tro-cados, e tinha que trabalhar tanto que não conseguia ir à escola. Quando reclamou, sua tia ameaçou espancá-la. Maria Elena sentia muitas saudades de sua família e foi para casa, visitá-los. Quando voltou à casa de sua tia, foi mandada embora. Hoje Maria Elena mora num abrigo da organização Caith. Ela frequenta a escola e integra um grupo que atua em defesa dos direitos das traba-lhadoras domésticas.Maria Elena representa meni-nas que trabalham como domésticas, muitas vezes em situação análoga à escravidão, e a luta pelos seus direitos.

Hamoodi Mohamad Elsalameen, 14, PALESTINAHamoodi vive em uma aldeia pobre ao sul de Hebron, na Cisjordânia, território ocupado por Israel.

– Uma noite, os soldados israelenses vieram em tanques de guerra à nossa aldeia. Pelo alto-falante, ordenaram que todos acendessem as luzes e depois dispararam em todas as direções. Três pessoas foram mortas, diz Hamoodi. Aos cinco anos de idade, quando lhe contaram como um garotinho havia sido morto, Hamoodi disse: “Quero uma arma!”. Entretanto, ele agora participa do diálogo pela paz. Hamoodi tem amigos judeus e joga futebol com eles várias vezes por mês em Israel.

– Gosto de jogar futebol, mas não temos lugar para jogar aqui na aldeia. Costumamos jogar em um campo distante daqui, mas quando os soldados israelen-ses chegam para prender alguém, eles nos levam para longe. Isso acaba com a diver-são, diz Hamoodi. Hamoodi representa crianças em zonas de conflito e crian-ças que vivem em territórios ocupados.

Lisa Bonongwe, 16, ZIMBABWEQuando Lisa tinha quatro anos, seu pai bebia e batia em sua mãe quase todas as noites, às vezes, até ela cair inconsciente no chão. Quando Lisa chorava e gritava pedindo que o pai paras-se, ele a expulsava, junto com seu irmão mais velho de casa.

– Até mesmo no ápice do inverno, nós tínhamos que dor-mir na varanda, fazia muito frio, conta Lisa.

Quando ela tinha 7 anos, sua mãe expulsou o pai de casa e Lisa passou a integrar o clube das meninas da Girl Child Network em sua escola. Ele ensina às meninas sobre seus direitos.

– Nos clubes das meninas, conversamos sobre questões importantes para nós. As meni-nas não estão seguras no Zimbábue. Somos abusadas, estupradas e precisamos fazer todo o trabalho doméstico. Se não há dinheiro suficiente, ape-nas os meninos têm permissão para frequentar a escolar. Eu ajudo a promover encontros e protestos pelos direitos das meninas”.Lisa representa crianças que lutam pelos direitos das meninas.

Brianna Audinett, 15, EUAQuando Brianna tinha onze anos, sua mãe abandonou seu violento pai. Brianna e seus três irmãos tornaram-se sem teto em Los Angeles. No início, eles se mudavam com frequên-cia e ficavam em motéis, ape-sar de ser proibida a estadia de cinco pessoas em um único quarto. Então, eles tinham que se mudar com frequência. Eventualmente, conseguiram vaga em um abrigo, onde eles dormiam em beliches num dor-

mitório com outros sem-teto durante meses. Eles tinham que ficar sempre quietos e quase não podiam brincar. Porém, em frente ao abrigo ficava a School on Wheels (Escola sobre Rodas), onde Brianna e seus irmãos tin-ham um lugar para brincar e ganhavam material escolar e aju-da para fazer as lições de casa.

– Quero ser médica quando crescer, e ajudar principalmente as pessoas sem-teto. Elas não têm nenhum dinheiro, mas eu as ajudarei mesmo assim, diz Brianna, que finalmente con-seguiu um lugar para morar com sua família.Brianna representa todas as crianças sem-teto.

As crianças do júri conduzem a cerimônia de premiação.

A Rainha Silvia as ajuda a entregar os prêmios.

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Mae Segovia, 13, FILIPINASQuando tinha nove anos, Mae foi forçada a abandonar a escola e começar a trabalhar para ajudar a sustentar sua família. Ela tinha que dançar e se despir diante de uma câme-ra em um Internet café. As imagens eram transmitidas em todo o mundo através da Internet. Levou dois anos para o proprietário que abusava de Mae ser pego pela polícia. Agora, ele e muitos dos que assistiam às imagens estão na prisão, mas Mae não poderia mais viver com sua família. Havia o risco de que ela ficas-se em apuros novamente devi-do à pobreza. Hoje ela vive em uma casa segura para meni-nas vulneráveis da organiza-ção Visayan Forum. Ela vai à escola e luta por outras meni-nas que são vítimas de abuso.

– Sinto falta da minha famí-lia, mas amo a escola e estou melhor aqui, diz Mae. Mae representa crianças abusadas no comércio do sexo e crianças que lutam pelos direitos da criança.

Nuzhat Tabassum Promi,14, BANGLADESH– Se o nível do mar subir um metro, a parte sul de Bangla-desh, onde eu moro, ficará submersa. Penso nisso com frequência. O aquecimento global está causando o derre-timento do gelo ao redor dos polos e do Himalaia, o que significa que somos mais atingidos por ciclones e inundações. No caminho para a escola no dia seguinte ao megaciclone havia mortos e feridos por toda parte, diz Nuzhat.

– Ela vive na pequena cidade de Barisal, no sul de Bangladesh. Todas as man-hãs, ela veste seu uniforme

Mofat Maninga, 15, QUÊNIA– Eu quero falar com o presi-dente do Quênia e contar a ele como a vida é difícil para as crianças, que sua polícia espanca crianças que vivem na rua e as joga na prisão. Na prisão! Como se pode trancar uma criança só porque ela é obrigada a viver na rua? Como é possível roubar a liberdade de uma criança? Eu diria ao presidente que, em vez disso, ele deveria cuidar das crian-ças. Dar-lhes um lugar para morar, algo para comer e a chance de ir à escola.

Quando Mofat tinha oito anos, sua mãe morreu de AIDS.

– Minha avó cuidava dela e não me contou quão doente minha mãe estava. Aquilo veio como um choque. Eu me sen-tia muito só.

– Alguns anos mais tarde, o próprio Mofat adoeceu. Sua avó cuidava dele, mas, quando ela morreu, o resto da família expulsou Mofat de casa. Ele

escolar, acena para um bicitáxi e segue na condução até a escola.

– Ciclones, tempestades muito poderosas, atingem Bangladesh todos os anos. O país está bem preparado e tem um bom sistema de alerta de ciclone. A pior coisa que me aconteceu na vida foi quando pensei que a escola havia sido destruída pelo me gaciclone. Nuzhat representa crianças que têm seus direitos viola-dos, como resultado de desastres naturais e degra-dação ambiental, e crianças que exigem respeito aos direi-tos das meninas.

Liv Kjellberg, 13, SUÉCIA – Começa com provocações por algum motivo, como usar as roupas erradas, ser tímido ou não parecido com todos os outros. E depois simplesmen-te continua, com empurrões e coisas assim, e só piora cada vez mais, diz Liv. Logo nos pri-meiros anos da escola, ela foi excluída do grupo das meni-nas. Ela se sentava sozinha no refeitório e era submetida a assédio moral e cutucões.

– Os professores nem sem-pre sabem o que está aconte-cendo entre os alunos e quan-do você começa a ser intimi-dado, provavelmente não diz nada. Você pensa que amanhã provavelmente será melhor e que poderá ficar junto com os outros.

A própria Liv cuidou da questão e levantou dinheiro para que a organização Friends, que trabalha contra o assédio moral, pudesse vir à sua escola.

– Agora é divertido na sala de aula e ninguém pratica assédio moral. E tenho sete bons amigos na escola, diz Liv. Liv representa crianças vítimas de assédio moral e crianças que lutam contra o assédio moral.

Poonam Thapa, 16, NEPALRepresenta e luta pelas meninas que são traficadas e vendidas a bor-déis como escra-vas, e todas as meninas que sofrem abuso. Páginas 8–9

David Pullin, 15, REINO UNIDORepresenta crianças que são separadas dos pais e ficam aos cuidados da sociedade, e crianças que lutam pelos direi-tos da criança. Páginas 10–11

Ndale Nyengela, 14, D.R. KONGORepresenta soldados-criança e crianças em conflitos armados. Páginas 12–13

Emelda Zamambo, 12, MOÇAMBIQUERepresenta crianças órfãs e crianças que lutam pelos direi-tos da criança. Páginas 34–39

Representante das crianças

escravas e trabalhadores

infantis, PAQUISTÃO

Representante das crianças

em zonas de conflito e crian-

ças que querem o diálogo pela

paz, ISRAEL

Representante das crianças

com deficiência

tinha 13 anos e teve que morar na rua. Porém, atualmente, Mofat mora em um lar para cri-anças de rua e voltou a fre-quentar a escola.Mofat Maninga representa crianças que são infectadas com o HIV, e crianças que vivem na rua.

Mais crianças do júri

Crianças a serem

nomeadas para o júri:

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Poonamdenunciou traficante de pessoasQuando a nepalesa Poonam Thapa co-nheceu um rapaz mais velho, ele a enganou e vendeu para um bordel na Índia. Hoje, Poonam está livre e faz parte do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mun-do. Recentemente, ela conseguiu denunciar o rapaz que a vendeu, e ele foi preso pela polícia.

homem quando ele visitou o centro da Maiti uma semana antes, procurando por sua esposa desaparecida. Ela não teve coragem de dizer nada até que ele fosse embora. Mas quando Poonam contou que ele era o rapaz que a vendera, deram um jeito de atraí-lo de volta.

– Você me convenceu a fugir e prometeu que iríamos nos casar, grita Poonam para o rapaz mais velho, preso a um banco na organização Maiti Nepal na capital, Katmandu.

Poonam reconheceu o

– Eu nunca vi essa menina e nunca estive na Índia, diz o rapaz. Ele não tem tempo de dizer mais nada, pois Poonam explode.

– Eu sei o nome do seu pai, sei que ele é cego de um olho, por isso, não minta para mim!

Anuradha Koirala, a funda-dora da Maiti Nepal, chama a

polícia e pede a Poonam, que agora tem 16 anos de idade, para contar tudo desde o início.

Poonam cresceu na aldeia de Ichtko, em um dos países mais pobres do mundo, o Nepal. Os jovens da aldeia sonhavam com uma vida dife-rente. A aldeia era frequente-mente visitada por traficantes de pessoas, que tentam atrair jovens com falsas promessas de trabalho. Os pais nem sem-pre entendiam o perigo, e achavam que a oferta era uma grande oportunidade. Menos uma boca para alimentar e, além disso, uma renda.

Como Poonam não tinha pais, ela viajou muito jovem para a cidade indiana de Shimla para colher maçãs e cogumelos e trabalhar como garçonete em um restaurante. Foi lá que ela conheceu o rapaz um pouco mais velho.

Enganada e vendida Quando Poonam tinha 14 anos, voltou à sua aldeia natal no Nepal, e seu grande amor sugeriu que eles fugissem para a grande cidade de Mumbai, na Índia, para se casarem para viver juntos.

– Mas você deve fugir no dia seguinte à minha partida, para que ninguém suspeite que fugimos juntos. Depois, nos encontraremos na Índia, disse o rapaz para Poonam.

Após vários dias em diver-sos carros e ônibus, Poonam chegou a um beco escuro em um subúrbio da cidade india-na de Mumbai, que tinha 14 milhões de habitantes. Porém, havia algo errado. A sala estava cheia de meninas. Várias delas eram mais jovens

O homem que vendeu Poonam é levado. O Nepal tem uma nova lei contra o tráfico huma-no e ele pode ser condenado a 20 anos de prisão e pagar o equivalente a 5 anos de salário para Poonam.

– Você me enganou, Poonam grita, perturbada, para o rapaz que a vendeu a um bordel.

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Mais escravos hoje Duzentas mil meninas e mulheres do Nepal são escravas em bordéis na Índia. A cada ano, doze mil novas meninas chegam lá, muitas das quais são menores de 16 anos. Acredita-se que haja 1,2 milhão de escravas sexuais em

todo o mundo. Estima-se que o lucro com o comér-cio de sexo esteja entre 9,5 bilhões e 32 bilhões

de dólares dos EUA. Há pelo menos 12,3 milhões de escravos no mundo atualmente, aproximadamente o mesmo que o número total de escravos que foram enviados para a Europa e América entre os séculos XV e XIX. Outros acreditam que atualmente exis-

tem 27 milhões de escravos.

do que ela. O rapaz que deve-ria encontra-la não estava lá.

Uma das mulheres da casa mandou Poonam tomar um banho e vestir uma saia curta. Depois, ela foi maquiada. Os homens que ali chegaram a obrigaram a tomar bebidas alcoólicas, e ela ouvia todos conversando sobre “clientes”.

No Inferno – O que é um cliente? – per-guntou ela a Mala, uma das meninas mais velhas.

– Você foi vendida, isto aqui é um bordel, respondeu Mala.

À noite, muitos homens vieram ao bordel. Poonam se recusou a deixar que a tocas-sem. Ela chorou, gritou, chu-tou e mordeu. Eles a amarra-ram, a açoitaram com cabos elétricos e a queimaram com cigarros, até que ela cedeu. Poonam era usada por 10-15 homens todos os dias. Quando ela tentou escapar, conseguiram pegá-la.

Após 10 meses, policiais indianos invadiram o local. Eles haviam recebido uma denúncia de que havia crianças no bordel, e levaram Poonam.

O silêncio paira na sala. De acordo com a nova lei do Nepal, o “Human Trafficking Act” (lei do tráfico humano), o homem é condenado a 20 anos de prisão e a pagar uma multa equivalente a cinco anos de salário para Poonam.

– Enquanto houver pessoas dispostas a vender seres humanos, é difícil para nós, da polícia, conseguirmos intervir, diz o policial. Ele considera Poonam incrivel-mente corajosa.

– Se ela hesitasse o mínimo, seria difícil conseguir conde-nar alguém, diz ele, levando o traficante de pessoas para o carro da polícia.

Na sala, Poonam está sen-

Assim Poonam chegou à organização Maiti Nepal, que recebeu o Prêmio das Crianças do Mundo em 2002 por seu trabalho pelas meni-nas que foram vítimas de trá-fico humano e exploradas.

A polícia chegaO walkie-talkie do comissá-rio de polícia crepita quando ele entra na sala da Maiti Nepal onde Poonam e o rapaz que a vendeu esperam.

– Sim, sim, eu vendi Poonam por 40.000 rúpias indianas (mil dólares dos EUA), mas foi a primeira e última vez que vendi uma menina! – reconhece o homem que Poonam identificou.

tada, completamente exausta. Apesar de tudo, parece que seu futuro será brilhante. Na Maiti Nepal, ela e outros sobreviventes recebem apoio e formação profissional.No Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo, Poonam representa e luta pelas meninas vítimas do tráfico humano e ven-didas a bordéis como escravas, e todas as meninas que sofrem abuso.

Poonam entrega flores à Rainha Silvia, da Suécia, duran-te a cerimônia de premiação do Prêmio das Crianças do Mundo no Castelo Gripsholm, em Mariefred, Suécia.

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David luta por crianças institucionalizadas

“Quando era pequeno, eu morava com minha mãe e meu pai. Eles eram alcoóla-tras e muitas vezes me deixa-vam sozinho no apartamento quando saíam para beber. Às vezes, ficava sozinho durante todo o dia. Como ficava tran-cado, eu não podia sair de lá. Nunca havia comida suficien-te, apenas salgadinhos, bis-coitos e talvez um pouco de pão. Eu não tinha amigos e geralmente ia me deitar sozi-nho. Era difícil, pois eu tinha medo do escuro. Logo que comecei a frequentar a pré--escola, os professores perce-beram que havia algo errado. Eu estava desnutrido e sem-pre usava roupas sujas, que

eram muito pequenas para mim. E, como eu não estava acostumado a conviver com outras pessoas, ficava a maior parte do tempo sentado sozi-nho num canto. Minha mãe geralmente estava cheirando a álcool ao me levar e buscar na escola. Meu pai foi preso e meus professores entraram em contato com autoridades do serviço social e lhes infor-maram que a situação em casa não era boa para mim. Quando eu tinha sete anos, foi decidi-do que eu iria morar com uma família adotiva. Mesmo quan-do tudo vai mal em nossa casa, ainda desejamos, de alguma forma, poder continuar com nossos pais; por isso, eu esta-

va muito preocupado. Será que a nova família seria gentil comigo e gostaria de mim?

Voz das crianças Porém, assim que cheguei lá, me senti seguro. Eles me abraçaram e me cumprimen-taram. Em pouquíssimo tem-po, parecia que aquela era minha própria família. E também fiz amigos na escola. Mas, apesar disso sentia-me um pouco solitário por não ter com quem compartilhar minha experiência. Então meu assistente social me falou sobre a Voz das Crianças, onde crianças que ficaram sob a tutela da comunidade podem se reunir para conver-sar sobre o que passaram, e apoiarem-se mutuamente. Eu já participo da Voz das Crianças há três anos. Inicialmente, eu participava

porque precisava de apoio, agora é mais para apoiar àqueles que precisam de minha ajuda, pois, embora tenha passado por coisas muito difí-ceis quando era mais jovem, eu tive muita sorte. Tenho uma nova família maravilho-sa e tudo vai bem para mim. Entretanto, sei que nem todas as crianças que ficaram sob a tutela da sociedade tiveram a mesma sorte, e eu quero lutar por seus direitos.

Eu participei da produção de um pacote de informações para crianças, que cada criança que fica sob a tutela da sociedade deverá receber. Ele contém informações sobre os direitos

Os pais de David eram alcoólatras e, quando ele era pequeno, muitas vezes o deixavam sozinho durante todo o dia. Atualmente, ele vive com uma família adotiva e luta por crianças com histórias de vida semelhantes. O britânico David Pullin, de 15 anos, é novo no júri do Prêmio das Crianças do Mundo, onde representa as crianças que são separadas de seus pais e ficam sob a tutela da sociedade.

– Meu sonho é que todas as crianças que ficam sob a tutela da sociedade possam levar uma vida digna e ter seus direitos, exatamente como todas as outras crianças.

– Todos os membros do Conselho Municipal de Staffordshire assinaram uma declaração, The Pledge (A Promessa), redigida por nós, do Conselho Infantil, em que eles prometem cumprir nossos direitos, conta David.

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luta por crianças institucionalizadasautoridades aqui em Stafford-shire escutam as crianças que estão sob a tutela da socieda-de. Afinal de contas, foram as autoridades que criaram a Voz das crianças e o Conselho Infantil, que nos dá a oportu-nidade de influenciar questões importantes que nos dizem respeito. Recentemente, todos os membros do Conselho Municipal assinaram uma declaração – A Promessa – escrita por nós, do Conselho Infantil, em que eles prome-tem cumprir os nossos direi-tos. Entre outras coisas, que

da criança, bullying e núme-ros de telefone importantes, de hospitais, serviços sociais e dos responsáveis pelos direi-tos das crianças no governo. É importante que todas as crianças institucionalizadas conheçam seus direitos e sai-bam a quem recorrer para exi-gir que eles sejam cumpridos.

Conselho Infantil Em Staffordshire, onde moro, existe um conselho das crian-ças, onde todos os doze mem-bros, são crianças que ficaram sob a tutela da sociedade. As outras crianças do projeto Voz das Crianças me convi-daram para participar do con-selho das crianças, ao qual me juntei há dois anos. Entre outras coisas, participei da reivindicação de aumento da quantia semanal que as crian-ças sob a tutela da sociedade recebem. Eu vou junto com os membros do Tribunal Adulto do Conselho Municipal, visi-tar orfanatos para verificar se as crianças que vivem nesses lugares estão bem. Se as por-

tas e os móveis estiverem que-brados ou as janelas estiverem em más condições e o lugar como um todo for desorgani-zado, eu o denuncio ao Conselho Municipal, que se encarrega de corrigir os pro-blemas. Um menino de um dos lares recebia apenas meta-de do subsídio a que tinha direito. Reclamei com o supe-rintendente e o Conselho Municipal e, no dia seguinte, a situação foi resolvida!

Outra tarefa muito impor-tante que tenho através do conselho municipal das crian-ças é participar de entrevistas com adultos que desejam tra-balhar para o município com as crianças que estão sob a tutela da sociedade. Neste caso, procuro adultos que sempre priorizam os interes-ses e o bem estar das crianças, e que sejam simpáticos e divertidos! Até o momento, os adultos contrataram as pesso-as que nós recomendamos!

Adultos escutam Em geral, eu sinto que as

temos direito a assistentes sociais bons e bem treinados para cuidar de nós. Estou ani-mado, porque é exatamente por isso que eu luto, para que sejamos respeitados e ter voz. Meu sonho é que cada criança que é colocada sob a tutela da sociedade viva uma vida digna e tenha seus direitos, como qualquer outra criança.

Agora minha mãe está sóbria, e nos encontramos regularmente. Porém, decidi-mos que devo ficar com a minha nova família até tor-nar-me adulto”. David representa as crianças que são separadas dos pais e ficam sob a tutela da sociedade.

Ciclismo para todos! – As crianças que estão sob a tutela da sociedade mui-tas vezes não têm sua própria bicicleta, e eu acho que isso é errado, porque querem se divertir como todo mundo. Falei com autoridades sobre isso e afirmei que pensava que todas as crianças que não podem pagar, ou cujas famílias adotivas não podem pagar, deveriam receber uma bicicleta gratuitamente do município. Eles concordaram! Porém, eles disseram que o Conselho Infantil deveria lançar o projeto. Até agora, doze crianças já receberam bicicletas de nosso projeto!

– Faço parte da Voz das Crianças há três anos. No início, eu precisava muito de apoio, agora é mais para apoiar os outros que precisam de minha ajuda, diz David.

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Ndaleteve que trocar a caneta pelo rifle

– Agora esta é a sua cane-ta, disse o soldado, en-tregando uma arma para Ndale Nyengela, seques-trado aos 11 anos de idade, no caminho para a escola, por um grupo armado na RD Congo. Hoje Ndale tem 14 anos, está livre e é um novo membro do Júri Infan-til do Prêmio das Crianças do Mundo.

“Era um dia normal. Acordei com o nascer do sol, me lavei e vesti o uniforme escolar. Peguei minha bolsa com caneta, caderno, régua, e fui ao encontro de meus colegas. Éramos seis, e corríamos de

vez em quando, pois estáva-mos um pouco atrasados.

Pegamos um atalho por uma trilha através da floresta. De repente, vimos dois solda-dos armados entre as árvores. Eles gritaram conosco, e já era tarde demais para correr de volta.

– Aonde vocês estão indo, meninos? – perguntou um soldado.

Ele pegou nossas bolsas escolares e as esvaziou jogan-do tudo que havia nelas no

chão. Eles também encontra-ram o dinheiro que eu tinha para pagar a taxa escolar e comprar feijão. Era dia de fei-ra, e minha mãe me pedira para comprar dois quilos de feijão marrom.

– Sabem, rapazes, neste país não há soldados suficientes; por isso, agora é hora de vocês aju-darem, disse o outro soldado.

– Estamos indo para a esco-la, eu disse.

– Escute aqui! Se você pre-tende argumentar, podemos muito bem matá-lo aqui mes-mo. Entendeu!?

– Ele disse, e bateu em nos-sas cabeças com uma vara.

Eu estava muito assustado e pensei que Deus devia ter se esquecido de mim. Não podia

haver outro motivo para eu acabar naquela situação. Pensei em meus pais e irmãos.

O pesadelo era real Andamos por três dias sem comer ou dormir. Nós podía-mos falar uns com os outros. Quando andávamos devagar, nos chutavam e gritavam conosco. Eu estava exausto. Uma noite, eles queimaram os nossos uniformes escola-res. Tudo era como um pesa-delo, mas era realidade.

Após três dias chegamos ao seu acampamento. Quando vi todos os soldados e quão mal eles viviam em casas feitas de galhos e folhas de plástico, pensei:

– Este é o fim da minha vida. Eu sou estudante, o que devo fazer entre todas essas armas?

Um dos soldados deu-nos uniformes e armas.

– “Esta agora é a sua caneta” – disse ele, enquanto estendia sua espingarda para mim.

O uniforme era grande demais para mim, mas uma mulher cortou as mangas e pernas.

Havia outros soldados-criança no acampamento. Eles perguntaram se tínha-mos algum dinheiro. Mas não tínhamos. No dia seguin-te, começamos a treinar tiro com o rifle. O tempo todo eu pensava:

– Eu não quero aprender a atirar, eu sou estudante.

Quando já conseguíamos manejar a arma, eles disseram que agora teríamos que aprender a matar pessoas.

– Essa árvore é um ser humano. Certifique-se de acertar bem no coração!

Participou da guerra Depois de dois meses no

Ndale estava a caminho da escola quando foi sequestra-do e forçado a tornar-se sol-dado. Depois de três anos, ele conseguiu escapar.

– Agora minha vida começou de novo, ele diz. Na organização BVES, Ndale e outros soldados-crianças libertados recebem ajuda para processar as terríveis experiências pelas quais passaram, e para voltar para a escola.

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acampamento, uma manhã ouvimos vozes animadas:

– O inimigo está vindo se vingar! Todos os homens pre-parem-se para a batalha!

Poucos dias antes, soldados do nosso acampamento haviam atacado outro exérci-to, roubando uma vaca e mui-tas outras coisas. Agora o exército vinha tomar de volta o que foi roubado.

Nós, crianças, tivemos que ir primeiro. Era sempre assim. Escondemo-nos na mata, perto de uma estrada. Alguém começou a atirar. Eu não consigo descrever quanto medo eu sentia. Foi minha primeira batalha e estava qua-se escuro. Eu não podia acre-ditar no que estava aconte-cendo. Pessoas caíam mortas ao meu lado. Pessoas grita-vam. Todos atiravam. Eu me senti muito sobrecarregado pela sensação de medo. Quando tentei arrastar-me para longe, os outros soldados me empurraram e disseram:

– Se o seu amigo morrer, não se preocupe, basta passar por cima dele! É seu dever.

Dois dos meus colegas de escola foram mortos no pri-meiro dia. A luta continuou por 12 dias. Tudo por causa de uma vaca.

Quando voltei para o acam-pamento, estava sem dormir ou comer havia muitos dias. Porém, quando me permiti-ram dormir, eu não conse-guia, devido a todos os pensa-mentos e pesadelos sobre as experiências pelas quais eu havia passado.

A fugaFiquei três anos naquele exér-cito. Um dia um amigo meu, um soldado adulto, veio até mim e disse:

– Fuja daqui comigo! Eu ouvi no rádio que as tropas da ONU e outros, chamados BVES, estão aqui e querem ajudar os soldados-criança a serem libertados. Seu plano era conseguir roupas civis de um dos vendedores ambulan-

tes que vinham ao acampa-mento. Vestiríamos as roupas sob o uniforme e fugiríamos para longe durante a noite.

Nós rastejamos para longe durante a noite. Quando che-gamos mais para dentro da floresta, jogamos fora nossas armas e tiramos os unifor-mes. Dormimos na floresta e pudemos, então, ir com nos-sas roupas civis para onde tínhamos ouvido falar que os libertadores de soldados--criança estavam. Nos apres-samos para chegar até eles.

– Fugimos de um exército, e você pode ver que ele é uma criança. Vocês podem cuidar dele? – disse meu amigo a um homem da BVES que estava ao lado de um grande carro da ONU.

– Não tenha medo, nós vamos cuidar de você, o homem me disse.

Eu fiquei muito feliz e minha vida começou de novo. Aqui no BVES estou calmo. Aqui posso ir à escola. As dis-ciplinas de que mais gosto são música, inglês, geografia e história.

Quando eu terminar meus estudos, quero fazer músicas contando como é estar no exército e sobre os direitos da

criança, de modo que todos entendam que as crianças têm direitos. Eu quero garantir que as crianças não sejam usa-das como soldados. Todos os adultos devem se lembrar de que já foram crianças. Muitos adultos se esquecem disso. Porém, também quero cuidar dos meus pais”.Ndale representa crianças-soldados e crianças em conflitos armados.

“Sim ao uniforme escolar” e “Uniforme militar nunca mais”, dizem dois dos cartazes. Agora os soldados-crianças tiraram os uniformes para queimá-los.

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