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SUMÁRIO PRÁTICA DE ENSINO VI O ESTADO MODERNO E A CIDADANIA ......................... PRAEN VI 05 O ESTADO MODERNO E A EDUCAÇÃO ......................... PRAEN VI 11 SÍNTESE PARA AUTOAVALIAÇÃO .................................. PRAEN VI 15 A GRÉCIA E O ALCANÇO DA CIDADANIA ...................... PRAEN VI 17 DEMOCRACIA BURGUESA NA REVOLUÇÃO FRANCESA.......................................................................... PRAEN VI 25 SÍNTESE PARA AUTOAVALIAÇÃO .................................. PRAEN VI 33 OS PCNS E O CONTEÚDO HISTÓRICO BRASILEIRO .. PRAEN VI 35 OS PCNS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ............................ PRAEN VI 41 SÍNTESE PARA AUTOAVALIAÇÃO ................................... PRAEN VI 47 ANÍSIO TEIXEIRA E O DISCURSO PEDAGÓGICO......... PRAEN VI 49 JOHN DEWEY - DEMOCRACIA E CIÊNCIA .................... PRAEN VI 55 SÍNTESE PARA AUTOAVALIAÇÃO ................................... PRAEN VI 61 OS PCNS E AS DEMANDAS POLÍTICAS IDEOLÓGICAS..................................................................... PRAEN VI 63 OS PCNS E A QUESTÃO DO CIDADÃO ........................... PRAEN VI 71 SÍNTESE PARA AUTOAVALIAÇÃO ................................... PRAEN VI 79 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

Prática de Ensino VI - Unifran

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Apostila sobre a prática do ensino nos anos fundamental e médio. Material indicado para teóricos e entusiastas da educação

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  • SUMRIO

    PRTICA DE ENSINO VI

    O ESTADO MODERNO E A CIDADANIA ......................... PRAEN VI 05

    O ESTADO MODERNO E A EDUCAO ......................... PRAEN VI 11

    SNTESE PARA AUTOAVALIAO .................................. PRAEN VI 15

    A GRCIA E O ALCANO DA CIDADANIA ...................... PRAEN VI 17

    DEMOCRACIA BURGUESA NA REVOLUO

    FRANCESA .......................................................................... PRAEN VI 25

    SNTESE PARA AUTOAVALIAO .................................. PRAEN VI 33

    OS PCNS E O CONTEDO HISTRICO BRASILEIRO .. PRAEN VI 35

    OS PCNS E AS POLTICAS PBLICAS ............................ PRAEN VI 41

    SNTESE PARA AUTOAVALIAO ................................... PRAEN VI 47

    ANSIO TEIXEIRA E O DISCURSO PEDAGGICO ......... PRAEN VI 49

    JOHN DEWEY - DEMOCRACIA E CINCIA .................... PRAEN VI 55

    SNTESE PARA AUTOAVALIAO ................................... PRAEN VI 61

    OS PCNS E AS DEMANDAS POLTICAS

    IDEOLGICAS ..................................................................... PRAEN VI 63

    OS PCNS E A QUESTO DO CIDADO ........................... PRAEN VI 71

    SNTESE PARA AUTOAVALIAO ................................... PRAEN VI 79

    1.2.3.4.5.

    6.7.8.9.

    10.11.12.13.

    14.15.

  • APOSTILA INTERNET

    ATIVIDADE ASSUNTO ATIVIDADE ASSUNTO

    1 O ESTADO MODERNO E A CIDADANIA 1 Videoaula 1

    2 O ESTADO MODERNO E A EDUCAO 2 Videoaula 2

    3 SNTESE PARA AUTOAVALIAO 3 Autoavaliao

    4 A GRCIA E O ALCANO DA CIDADANIA 4 Videoaula 4

    5DEMOCRACIA BURGUESA

    NA REVOLUO FRANCESA

    5 Videoaula 5

    6 SNTESE PARA AUTOAVALIAO 6 Autoavaliao

    7 OS PCNS E O CONTEDO HISTRICO BRASILEIRO 7 Videoaula 7

    8 OS PCNS E AS POLTICAS PBLICAS 8 Videoaula 8

    9 SNTESE PARA AUTOAVALIAO 9 Autoavaliao

    10 ANSIO TEIXEIRA E O DISCURSO PEDAGGICO 10 Videoaula 10

    11 JOHN DEWEY - DEMOCRACIA E CINCIA 11 Videoaula 11

    12 SNTESE PARA AUTOAVALIAO 12 Autoavaliao

    13 OS PCNS E AS DEMANDAS POLTICAS IDEOLGICAS 13 Videoaula 13

    14 OS PCNS E A QUESTO DO CIDADO 14 Videoaula 14

    15 SNTESE PARA AUTOAVALIAO 15 Autoavaliao

    REFERNCIA CRUZADA

    Prtica de Ensino VI

  • prticA de ensino Vi

    PRAEN VI 5

    ATIVIDADE 1O ESTADO MODERNO E A CIDADANIA

    OBJETIVO

    Discutir questes ligadas ao desenvolvimento dos conceitos de cidadania e democracia nas sociedades modernas, atreladas a questes do campo pedaggico.

    TEXTO

    O Estado Moderno e a Cidadania

    As modernas correntes pedaggicas apontam para um tipo de educao fundamentada na formao de indivduos aptos a participao social. Neste nterim sobres-saem-se alguns conceitos e/ou competncias a serem trabalhados. Dentre essas prerro-gativas do atual quadro de ensino em nosso pas, destaca-se, entre outros, a centralidade da educao no preparo cvico dos jovens, ou melhor, na fundamentao dos elementos constituintes daquilo que genericamente denominamos cidadania.

    O termo cidado atrelado ideia de sociedade democrtica consubstancia um discurso em que a educao elevada condio de redentora da sociedade. O que se descortina por detrs desta prerrogativa primeira do campo pedaggico , primeiro, para que tipo de sociedade estaremos preparando esses jovens; do que decorre outra interro-gativa, ou seja, a qual conceito de cidado e de democracia estamos nos referindo, sendo que estes termos, assim como suas formas de manifestao, se atrelam ao longo da his-tria das sociedades a diferentes contextos e situaes, conforme a produo material de uma poca.

    Neste sentido partiremos de uma explicitao que elucide, ao menos, em parte, as colocaes acima propostas, traando um quadro onde possamos buscar es-clarecimentos acerca das questes levantadas, possibilitando desta maneira efetuar uma discusso mais pormenorizada sobre o real alcance das polticas educacionais contempo-rneas, onde muitas vezes teorias e prticas acabam esvaziando-se em crculos concntri-cos, pautadas em uma realidade abstrata.

    Arroyo, em seu texto Educao e Excluso da Cidadania, busca exatamente esclarecer alguns desses pontos, buscando, sobretudo, compreender de que forma a edu-cao acabou assumindo papel central na formao dos cidados, compreendidos como indivduos atuantes na sociedade. Busca nas razes da construo da sociedade burguesa aspectos que justifiquem esse carter de inverso, onde a escola, antes entendida como produto do meio, passa a ser considerada como produtora do mesmo.

    Nas suas prprias palavras: Na anlise que aqui fazemos estaremos nos referindo vinculao entre educao e cidadania, tal como foi construda no projeto social da burguesia e nas formas como nesse projeto foi equacionada a participao poltica do

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    prticA de ensino Vi

    ATIVIDADE 1

    homem comum e dos trabalhadores. (...) Por trs dessa relao, sempre defendida na cons-truo da nova ordem, h uma concepo social e de sua constituio, h ideias e ideais polticos que no podem ser ignorados, h concepes e compromissos com a ordem so-cial e econmica, com o Estado e com um modelo de cidadania para as classes inferiores (ARROYO, 1999, p. 34).

    Pois bem, se quisermos buscar uma proximidade maior com as ideias construdas em torno da educao, devemos ento partir das concepes estruturais que cercam todo o exerccio educacional. Na mesma medida em que recria os espaos, as sociedades e seus componentes, so tambm recriados por eles e pelas formas de orga-nizao que em determinado momento se tornam mais ou menos hegemnicas. As trans-formaes na produo da vida material, principalmente a partir da formao dos Estados modernos e das subsequentes transformaes nas relaes de trabalho, principalmente aps o advento da Revoluo Industrial, modificaram profundamente a vida em sociedade, impondo nova dinmica, baseada no ideal de homogeneizao territorial e cultural, com base em uma produo de mercado, e, por isso mesmo, movida por ele.

    A especializao funcional provocada pela industrializao, combinada com a ampliao dos mercados e a articulao entre lugares, possibilidade esta ampliada pelo desenvolvimento do sistema de transporte, geram a diviso territorial do trabalho, e esta por sua vez a diviso internacional do trabalho. Essa nova sociedade, muito mais livre em relao s amarras da servido, marca do sistema feudal de produo predominante na Europa Ocidental durante os sculos V ao XV, carecia de reorganizar suas foras produti-vas, agora pautadas em uma nova lgica, a mercantil e depois a industrial. Essa nova for-ma de produo da vida material engendra, por sua vez, novas formas de relaes sociais entre os homens (...) Conforme afirma Marx (...) os elementos simples da manufatura so o trabalhador parcelar e a ferramenta. Ferramenta que no mais dele e sim do capitalista que o emprega. Trata-se agora do trabalhador livre, e livre sob duplo ponto de vista de ser uma pessoa livre, isto , dispor de sua fora de trabalho como mercadoria (BUFFA, 1999, p. 12-13).

    Reflexos destas modificaes podem ser consubstanciados principalmente a partir da consolidao da burguesia como classe revolucionria, sobretudo aps as revo-lues americana e francesa, onde alm das disputas polticas entre a velha e a nova ordem, surgem tericos que iro dar corpo ideolgico aos anseios dessa nova classe social que ascende ao patamar de gestora da sociedade, a burguesia.

    Segundo Arroyo, a educao central na configurao moderna de cidada-nia, da igualdade e da liberdade (...). Enfim, da educao se espera o milagre de configurar o novo homem livre para o novo mercado econmico, social e poltico (...) No ser aceito qualquer homem como sujeito de participao no convvio social, mas apenas os civiliza-dos, os racionais, os modernos, os de esprito cultivado, os instrudos, os educados (1999, p. 35 e 37).

    A educao passa a ser pensada ento como via de acesso liberdade e a

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    PRAEN VI 7

    participao efetiva no corpo social. O indivduo apto a se integrar , ento, aquele que, ao ser educado, torna-se ordeiro, civilizado, que compreende seus limites de ao perante as imposies do Estado. Liberdade e vigilncia caminham juntas na constituio deste novo homem moderno, o qual tem sua condio de cidado atrelada a sua formao educacio-nal, que, por sua vez, no garante necessariamente o exerccio pleno da mesma, podendo em alguns momentos, inclusive, afastarem-se, se considerarmos que o processo em si retira do homem suas reais possibilidade de ao social, engessando-o a um tipo nico de inferncia, limitado pelas balizas ideolgicas de uma nica classe, que por ser dominante impe certo tipo de norma perante os indivduos. Essas transformaes na produo da vida material provocaram transformaes na organizao poltica a formao do Estado moderno , colocam os homens em novas relaes com a natureza a cincia moderna e trazem alteraes na organizao do saber escolar (...). Era preciso laicizar o saber, a moral, a poltica. Era preciso separar nitidamente f e razo, natureza e religio, poltica e Igreja (BUFFA, 1999, p. 15).

    Se analisarmos a viso de John Locke, considerado por muitos como o pai do liberalismo e, portanto, um dos pensadores que consubstanciou de forma mais elemen-tar os mandamentos da classe social em ascenso, ficam claros os interesses da burguesia quando falavam em igualdade entre os homens: Fica estabelecida a ideia de que todos os homens so livres, pois todos so proprietrios de si, e que todos os homens so iguais (LOCKE, 1977, cap. V) (...) Locke est afirmando que existe uma igualdade natural, inata, entre os homens, e isso o novo nesse momento histrico, a ruptura com o passado, no entanto, para o autor, essa nova liberdade, garantia, a troca como sendo entre iguais, entre proprietrios de mercadorias. Percebe-se, pois, que a igualdade proposta pela burguesia primeiramente a igualdade na troca (...) e depois tambm a igualdade jurdica (...) Para o proprietrio privado, o livre contrato permite uma nova forma de domnio social com que subordina os demais a si mesmo. esse momento de gestao do capitalismo, de forma-o do projeto burgus de sociedade, inclusive no que diz respeito educao e cidada-nia. O cidado pleno , ento, como se ver, o proprietrio (BUFFA, 1999, p. 17-18).

    Desconsideram-se neste processo as formas de vivncia e organizao que destoem da regra geral da cidadania, aquela cujo exerccio deriva da ideia vinculada men-talidade de uma classe especfica que desconsidera neste processo as heterogeneidades presentes nas manifestaes culturais de outras, mesmo porque disso depende a manuten-o de seus poderes e dos avanos da produo manufatureira.

    A ideia de organizao moderna dos territrios em torno de um Estado que ordena e coordena as aes que visam ao bem comum da sociedade pressupe um mo-vimento de integrao econmica (emergncia de um mercado nacional), social (educao para todos os cidados), poltica (advento do ideal democrtico como ordenador das rela-es dos partidos e as classes sociais) e cultural (unificao lingustica e simblica de seus habitantes)[...] (AFONSO, 2001, p. 17). Portanto, nas escolas, ir difundir-se esse ideal, o de construo de uma cultura nica, compreendida como necessria formao de uma

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    prticA de ensino Vi

    ATIVIDADE 1

    identidade nacional. E, alm disso, a necessidade de formar cidados que ativamente parti-cipem desta nova realidade, no entanto, no se estabelecem os limites desta participao.

    A igualdade bsica entre os homens, posta na manufatura, foi expressa ao nvel de organizao do saber escolar por Comenius. Na sua Didtica magna (1632), mesmo preservando a distino de classes sociais prope para todos pelo fato de todos serem homens um mnimo comum e universal de escolarizao padronizada e pblica com base no experimentalismo cientfico (...) Comenius um pensador dessa fase inicial do capitalismo (...) Sua Didtica magna expe a arte universal de ensinar tudo a todos. Assim, todos sabero para onde devem dirigir todos os atos e desejos da vida, por que caminhos devem andar, e de que modo cada um deve ocupar o seu lugar (...) Como se v, essa educao para todos, a cargo do Estado, que dever formar, embora Comenius no use o termo, cidado (BUFFA, 1999, p. 19-20).

    Tendo se afirmado economicamente, a burguesia, agora, passa conquista e ao exerccio do poder poltico para afirmar a democracia burguesa, cujos primeiros sinais so as declaraes dos Direitos do Homem e do Cidado (Frana). A primeira Declarao, a de 1789, que servir de base para a Constituio de 1791, elaborada pela Assembleia Constituinte dominada pela grande burguesia, inspira-se nas doutrinas dos filsofos ilumi-nistas. Quanto questo da propriedade (vejam aqui a tnue relao que ento passa a ser estabelecida), a Declarao de 1789 no s anunciava seu direito, como tambm o ga-rantia: A propriedade sendo um direito inviolvel e sagrado, ningum pode ser dela privada (...). A propriedade torna-se garantia de afeio coisa pblica, pois o proprietrio que est interessado em sua boa gesto; a propriedade um signo, ou menos uma suposio de instruo; ela , enfim, uma garantia de independncia econmica, necessria liberda-de de esprito (...) E o proprietrio o cidado, ou seja, a propriedade o critrio de civismo. Aos no proprietrios cabe uma cidadania de segunda ordem: enquanto cidados passivos, tm direito proteo de sua pessoa, de sua liberdade e de sua crena, porm no so qualificados para serem membros ativos do soberano (BUFFA, 1999, p. 25-27).

    Se caminharmos em sentido inverso e lanarmos nosso olhar alguns anos antes, notaremos alguns dos elementos presentes nos perodos histricos j citados, e ana-lisarmos a sociedade europeia na passagem do feudalismo para a sociedade mercantil, pe-rodo que comumente denominamos Renascimento, veremos postos alguns dos elementos que iro dar forma s sociedades modernas. Neste contexto, o da Renascena, surge uma nova forma de se pensar a poltica, que passa a dar nfase ao realismo e razo, ou arte de governar racionalmente a repblica, como expresso da secularizao da poltica e da viso histrica. Neste sentido era preciso equacionar a nova realidade ameaadora e control-la implementando um projeto poltico de liberdade moderada. A preocupao com a multido se tornou mais central no pensamento poltico. A nova diviso social coloca-se como nova diviso poltica, retomando a distino romana entre populus e plebe, isto , en-tre povo como instncia jurdico-poltica, legisladora, soberana e legitimadora dos governos,

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    e a plebe como disperso de indivduos desprovidos de cidadania, multido annima que espreita o poder e reivindica direitos tticos (ARROYO, 1999, p. 42-43).

    Partindo de uma leitura muito prxima, Afonso corrobora este entendimento, em que cidadania e excluso seguem em mesma direo, embora antagonicamente: A escola e as polticas educativas foram muitas vezes instrumentos para ajudar a nivelar ou a unificar os indivduos enquanto sujeitos jurdicos, criando uma igualdade meramente for-mal que serviu (e ainda continua a servir) para ocultar e legitimar a permanncia de outras desigualdades (de classe, de raa, de gnero), revelando assim que a cidadania histori-camente um atributo poltico e cultural que pouco ou nada tem a ver com uma democracia substantiva ou com a democracia comprometida com a transformao social (2001, p. 20).

    REFERNCIAS

    AFONSO, A. J. Reforma do Estado e polticas educacionais: entre a crise do Estado Nao e a emergncia da regulao supranacional. In: Educao & Sociedade, ano XXII, n. 75, 2001.ARROYO, M. G. Educao e excluso da cidadania. In: BUFFA, E.; ARROYO, M.; NOSELLA, P. Educao e cidadania: quem educa o cidado? 7. ed. So Paulo: Cortez, 1999. p. 31-80. (Coleo Questes de Nossa poca).BUFFA, E. Educao e cidadania burguesas. In: BUFFA, E.; ARROYO, M.; NOSELLA, P. Educao e cidadania: quem educa o cidado? 7. ed. So Paulo: Cortez, 1999, p. 11-30. (Coleo Questes de Nossa poca).LOCKE, J. Deuxime trait sur le gouvernement civil. Paris: J. Urin, 1977.WEBER, M. Cincia e poltica duas vocaes. 10. ed. So Paulo: Cultrix, 2000.

    ANOTAES

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    prticA de ensino Vi

    ATIVIDADE 1

    ANOTAES

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    PRAEN VI 11

    ATIVIDADE 2O ESTADO MODERNO E A EDUCAO

    OBJETIVO

    Discutir questes relativas ao embate entre educao e sociedade, tendo como foco central aspectos relacionados a cidadania e identidade.

    TEXTO

    O Estado Moderno e a Educao

    A educao, por estar circunscrita em dado contexto histrico e social, inegavelmente produto de um tempo e lugar, sendo necessrio compreender as prticas educativas dentro da lgica organizacional de uma determinada sociedade, que, por sua vez, liga-se ao discurso de uma poca e por consequncia produo cultural deste per-odo. O que se coloca nesta discusso se existe correspondncia entre a realidade e as teorias pedaggicas de um modo geral.

    Em suma, a educao, a racionalidade que se exige da classe operria e das camadas populares para serem reconhecidos como membros da comunidade poltica a negao da racionalidade operria e popular, ou a negao da sua capacidade de agir politicamente em defesa de seus interesses e no dos interesses da burguesia. E, por fim, no uma questo pedaggica, mas uma questo poltica, uma expresso de confronto entre duas classes em formao. Reduzir a questo da cidadania dos trabalhadores uma forma de ocultar a questo de base (...). O racionalismo ilustrado refora, pois, a centrali-dade da educao e da racionalidade como condio do homem histrico e poltico (AR-ROYO, 1999, p. 46, 47 e 49).

    Pois se falaremos em conceitos, precisamos primeiramente pontuar alguns deles. Max Weber (2000) estabelece as seguintes interpretaes para poltica e Estado, j que ambas as facetas apresentam-se unidas quando se pensa na moderna organizao social. Afirma que: sociologicamente o Estado no se deixa definir a no ser pelo meio que lhe peculiar, tal como peculiar a todo outro agrupamento poltico, ou seja, o uso da coao fsica. Considera que em todos os tempos, todo e qualquer agrupamento poltico, incluindo a a famlia, recorreu a violncia fsica [...] como instrumento normal de poder. Nesta forma de entendimento, deriva sua interpretao sobre a poltica. Por poltica enten-deremos, consequentemente, o conjunto de esforos feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a diviso do poder, seja entre Estados, seja no interior de um nico Estado (WEBER, 2000, p. 55-56).

    Pois se o Estado possa ser compreendido como entidade que gerencia a sociedade, fornecendo-lhe forma e carter atravs do uso dos aparelhos institucionais do Es-tado, entre eles a violncia, e que o conceito de cidadania apresenta-se como uma derivao

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    ATIVIDADE 2

    do exerccio de poder poltico de certa classe sobre outra, devemos, portanto, tentar compre-ender a direo dada educao formal dirigida ao povo e s linhas metodolgicas privilegia-das neste processo, tendo em vista a constituio de determinada ideia de cidadania.

    No germe do projeto de sociedade moderna se manifesta o reflexo das necessidades de uma poca, que perpassa pela transformao da propriedade privada e pela libertao das foras produtivas e, ainda, pelas novas formas de organizao social e poltica. Na medida em que se modifica a diviso do trabalho e, com ela, a vida do trabalha-dor, aumentam as manifestaes populares contra as condies de explorao da classe operria, base da consolidao do capitalismo. Adam Smith, terico da economia poltica, recomenda uma educao voltada para o povo, afirmando: Um povo instrudo e inteligente , alm disso, geralmente mais decente e ordeiro do que o povo ignorante e estpido (...). So menos susceptveis de serem desencaminhados para qualquer oposio injustificada, ou desnecessria s medidas do governo (ARROYO, 1999, p. 55).

    Principia-se neste ponto a educao pensada como redentora do quadro social, que caminha para a desordem, j que no se alinha nova lgica voluntariamente e compromete o avano do progresso, da produo com vistas ao mercado. A centralidade, pois, da ao educativa, que tem como alvo o povo, no ser na iluminao dos governados, mas racionalizar a vida econmica, a produo, o tempo, o ritmo do corpo. A nica educa-o que tem sentido a formao e produo da mercadoria trabalho (ARROYO, p. 55).

    Mais do que domar as mentes, era preciso apaziguar os espritos com a pro-messa da igualdade e da liberdade, do progresso comum a todos dispostos a se adaptarem a essa ideia de bem coletivo, com base em um princpio de harmonia do convvio social. Essa concepo de comunitarismo se faz presente no pensamento poltico-educacional, na superao do indivduo possessivo, numa unidade articuladora deste equilbrio social, livre de contradies, quando compreendido sob esta tica. O respeito geral que colaborar para a satisfao dos indivduos faz eco no pensamento educativo dos sculos XIX ao XXI, onde cidadania se atrela de forma direta obrigao moral.

    Sendo assim, as democracias modernas, entendidas como a forma mais libertria de organizao social, aquela na qual todos os indivduos nivelam-se jurdica e politicamente, escondem por trs de sua ideologia de bem-estar e participao ampla e irrestrita do povo nas escolhas, uma lgica excludente, j que limitam as possibilidades de ao poltica, quando se une ideia de cidado, que, como j vimos, ampara-se em um conceito antagnico, que considera cidado somente aqueles (re)adequados insipiente ordem que se anunciava. O contexto se reproduz nos centros de educao, tendo como misso educar o povo para a prtica democrtica, ou seja, temos aqui novamente uma ideia de centralidade do campo educacional no iderio da construo dos Estados modernos.

    Essa centralidade, como discurso, ir se ampliar e atravessar uma srie de correntes pedaggicas, exercendo influncia sobre a produo pedaggica at os dias de hoje, onde a escola continua desempenhando o suposto papel de redentora da socieda-de, fora-motriz da transformao democrtica em marcha, quando em verdade acaba

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    ATIVIDADE 2

    prestando-se funo inversa, a de legitimar e ocultar as contradies inerentes ao modelo capitalista de produo. No devemos, no entanto, entender todo esse processo como um grande plano da burguesia para controlar e coagir a sociedade, e sim, como um processo que se desenrola conforme avanam as foras produtivas e com elas as transformaes que se operam nas sociedades, modificando padres de comportamento, as relaes de trabalho, o tempo, os espaos [...].

    O que h de novo no pensamento poltico-educativo mais recente que essa nova viso to moralizante do social se refugia e se alimenta de uma concepo ideal e abstrata de sociedade. No se deteve a pensar e trabalhar o real como se d de fato, como confronto de interesses individuais, e, mais do que isso, interesses de classe, nem percebeu como esses interesses trespassam o convvio social e o artifcio calculado do convvio poltico (ARROYO, p. 58-59). Assim, se, por um lado, as polticas sociais e edu-cacionais podem ser interpretadas como instrumentos de controle social ou como formas de legitimao da ao do Estado e dos interesses das classes dominantes, por outro lado, tambm no deixam de poder ser vistas como estratgias de concretizao e expanso de direitos sociais, econmicos e culturais (AFONSO, 2001, p. 22).

    Portanto a questo da cidadania e da democracia foi sempre uma questo sobre a natureza do poder e de seu exerccio nas sociedades modernas. Separar essa tenso existente entre cidadania e poder poltico esvaziar o alcance do discurso pedag-gico, que tende a se tornar infrutfero, estril, recheado de um moralismo tacanho, incapaz de pensar a educao em bases no circunscritas pelo Estado. Insiste-se na formao do homem social, de valores, hbitos e comportamentos civilizados. Esse tipo de pensa-mento incorre em graves equvocos, quando a educao assume o papel de formadora de cidados. No so responsveis apenas os liberais por esse tipo de formatao didtico-metodolgica, como tambm o so os opositores do liberalismo, pois foram incapazes de superar esse tipo de excluso social, no conseguindo integrar a questo da democracia questo das classes populares.

    Destaca-se muito mais o papel da educao sobre a organizao social do que o peso da base material, das condies de existncia a que so submetidas as pes-soas e as classes. Entre educao e cidadania (...), o que se ressalta que o Estado tem o dever de responder s reivindicaes populares. (...) O que se destaca como o Estado avana e, com seus gestos democrticos, constri a democracia. O ponto central o povo avanando porque lutando como expresso de democracia no s ocultado, mas fre-quentemente reprimido como desordem (ARROYO, 1999, p. 78).

    inegvel que, nos dias atuais, com uma intensidade maior ou menor, todos os pases se confrontam com a emergncia de novas organizaes e instncias de regula-o supranacional (ONGs, Mercosul, Organizao Mundial do Comrcio), cuja influncia se vem a juntar a outras organizaes que j no so to recentes, mas que continuam a ser muito influentes (Banco Mundial, FMI), sendo que elas tm implicaes diversas (...) Indu-zem em muitos e diferentes pases a adoo de medidas ditas modernizadoras que levam

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    prticA de ensino Vi

    ATIVIDADE 2

    o Estado a assumir tambm, de forma mais explcita, uma funo de mediao, de adequa-o s prioridades externamente definidas (AFONSO, 2001, p. 24).

    Para alm do Estado, temos ainda uma espcie de consenso mundial sobre os caminhos a serem trilhados pelas sociedades, permeados pelos ditames das regras de mercado e dos discursos que tendem a minimizar os aspectos mais cruis ocultos por detrs da consolidao dos regimes democrticos, entendidos, ainda, como parte do pro-cesso de afirmao da burguesia e dos preceitos inerentes s sociedades modernas, ou que buscam essa modernidade, subjugadas a um progresso tardio, que se d de fora para dentro e, portanto, ilegtimo perante as reais escolhas a serem efetuadas, com base nas necessidades de fato da sociedade.

    A educao s poder assumir uma postura realmente transformadora quan-do as prticas pedaggicas passarem a considerar a educao no como pr-condio cidadania e participao, mas sim, um dos elementos constituintes deste processo, onde democracia seja compreendida como expresso real do exerccio poltico, construdo a partir do embate entre a sociedade civil como um todo.

    A centralidade deve ser na anlise dos processos reais e no daqueles que buscam obscurecer os entraves inerentes a esta forma de atuao do Estado perante o indivduo. A educao no h de construir a democracia por si s. Esta, a democracia, ou a plena cidadania, que corresponderia ao exerccio pleno do poder poltico neste tipo de orga-nizao, deve ser, antes de uma providncia dos governos, uma construo elaborada com base na legitimidade dos fatos sociais, de onde, e somente assim, pode decorrer alguma ao mais pertinente no que diz respeito emancipao intelectual e social dos jovens.

    REFERNCIAS

    AFONSO, A. J. Reforma do Estado e polticas educacionais: entre a crise do Estado Nao e a emergncia da regulao supranacional. Educao & Sociedade, ano XXII, n. 75, 2001.ARROYO, M. G. Educao e excluso da cidadania. In: BUFFA, E.; ARROYO, M.; NOSELLA, P. Educao e cidadania: quem educa o cidado? 7. ed. So Paulo: Cortez, 1999. p. 31-80. (Coleo Questes de Nossa poca).BUFFA, E. Educao e cidadania burguesas. In: BUFFA, E.; ARROYO, M.; NOSELLA, P. Educao e cidadania: quem educa o cidado? 7. ed. So Paulo: Cortez, 1999, p. 11-30. (Coleo Questes de Nossa poca).WEBER, M. Cincia e poltica duas vocaes. 10. ed. So Paulo: Cultrix, 2000.

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    PRAEN VI 15

    ATIVIDADE 3

    OBJETIVO

    Discutir questes ligadas ao desenvolvimento dos conceitos de cidadania e democracia nas sociedades modernas, atreladas a questes do campo pedaggico; dis-cutir questes relativas ao embate entre educao e sociedade, tendo como foco central aspectos relacionados a cidadania e identidade.

    TEXTO

    As modernas correntes pedaggicas apontam para um tipo de educao fundamentada na formao de indivduos aptos participao social. Neste nterim sobres-saem-se alguns conceitos e/ou competncias a serem trabalhados. Dentre essas prerro-gativas do atual quadro de ensino em nosso pas, destaca-se, entre outros, a centralidade da educao no preparo cvico dos jovens, ou melhor, na fundamentao dos elementos constituintes daquilo que genericamente denominamos cidadania.

    O termo cidado atrelado ideia de sociedade democrtica consubstancia um discurso em que a educao elevada condio de redentora da sociedade. O que se descortina por detrs desta prerrogativa primeira do campo pedaggico , primeiro, para que tipo de sociedade estaremos preparando esses jovens; do que decorre outra interroga-tiva, isto , a qual conceito de cidado e de democracia estamos nos referindo, sendo que estes termos, assim como suas formas de manifestao, atrelam-se ao longo da histria das sociedades a diferentes contextos e situaes, conforme a produo material de uma poca.

    Neste sentido partiremos de uma explicitao que elucide, ao menos, em parte, as colocaes acima propostas, traando um quadro onde possamos buscar es-clarecimentos acerca das questes levantadas, possibilitando desta maneira efetuar uma discusso mais pormenorizada sobre o real alcance das polticas educacionais contempo-rneas, onde, muitas vezes, teorias e prticas acabam esvaziando-se em crculos concn-tricos, pautadas em uma realidade abstrata.

    A educao, por estar circunscrita em dado contexto histrico e social, , inegavelmente, produto de um tempo e lugar, sendo necessrio compreender as prticas educativas dentro da lgica organizacional de uma determinada sociedade, que, por sua vez, liga-se ao discurso de uma poca e por consequncia produo cultural deste per-odo. O que se coloca nesta discusso se existe correspondncia entre a realidade e as teorias pedaggicas de um modo geral.

    Sendo assim, as democracias modernas, entendidas como a forma mais libertria de organizao social, aquela na qual todos os indivduos nivelam-se jurdica e politicamente, escondem por trs de sua ideologia de bem-estar e participao ampla e

    SNTESE PARA AUTOAVALIAO

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    ATIVIDADE 3

    irrestrita do povo nas escolhas uma lgica excludente, j que limitam as possibilidades de ao poltica, quando se une ideia de cidado, que, como j vimos, ampara-se em um conceito antagnico, que considera cidado somente aqueles (re)adequados insipiente ordem que se anunciava. O contexto se reproduz nos centros de educao, tendo como misso educar o povo para a prtica democrtica, ou seja, temos aqui novamente uma ideia de centralidade do campo educacional no iderio da construo dos Estados modernos.

    ANOTAES

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    PRAEN VI 17

    ATIVIDADE 4A GRCIA E O ALCANO DA CIDADANIA

    OBJETIVOS

    Discutir aspectos ligados a conceitos trabalhados em discursos pedaggicos, bem como pensados para a aplicao prtica em sala de aula.

    Exibir um quadro comparativo entre a poltica grega e os dias de hoje.

    TEXTO

    Democracia Ateniense grega

    Democracia uma inveno grega, e entre os gregos e ns apresenta-se uma grande distncia temporal e espacial, uma trama de ideias muito distantes entre si, mas que evocam uma identidade. Somos levados a pensar e a utilizar esses conceitos em sala de aula abordando diferentes temporalidades e especificidades geogrficas, bem como sistemas filosficos de pensamento. Assim, percorremos as diferentes transforma-es e releituras dos conceitos, principalmente, pensando e repensando uma ideia de democracia.

    Pensar a democracia como uma inveno grega e observar de que ma-neira somos tributrios de uma inveno to prxima e to distante de nossa experincia cotidiana e, dessa forma, compreender a atividade poltica historicamente dada em suas especificidades, refletir sobre os conceitos envolvidos, dar forma a um entendimento que, levantado em sala de aula, apresenta uma rica experincia didtica. E em relao Grcia, particularmente Atenas, e o nosso mundo, o primeiro passo compreender as diferenas e entender como rica a utilizao de nosso vocabulrio poltico pensado a partir da reprodu-o dos conceitos em outras circunstncias espaciais e temporais.

    Para Pierre Vidal-Naquet, quando trabalhamos com esses conceitos e obser-vamos que existe uma grande distncia,

    [...] dever mais elementar mostrar no que e como esse mundo difere do nosso, mostrar que os seus valores no so os mesmos, que as suas instituies no funcionam exatamente como as nossas, que mesmo quando as nossas palavras derivam das suas, observando o que presente o caso do nosso vocabulrio poltico e a sua relao com o grego e o latim, e que devemos levar em considerao que elas no tm, entre ns, o mesmo significado que entre eles. A Repblica no a res publica, mesmo sendo verdade que sem a res publica jamais teria havido, em Veneza, Genebra ou Paris, Repblica alguma (2002, p. 192).

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    ATIVIDADE 4

    [...] Quanto a palavra politeia (poltica), que traduzimos por Repblica quando aparece em um ttulo de Plato ou de Xenofonte, e que Ros-seau emprega ainda no Contrato social sob a forma de politie, tem em Frances descendentes mais surpreendentes, de incio com esse mesmo sentido de regime poltico, aquele que emprega Montaigne, por exemplo, quando quer evocar (Ensaios, I, 11) essa polcia que [Plato] forja a sua vontade. Mas como se sabe a palavra recebeu, a seguir, outras acepes que a distanciam da Repblica bem mais que a aproximam (2002, p. 192-193).

    E mesmo assim, delimitando diferenas e construindo interpretaes, trilhan-do por entre as inter-relaes entre esses conceitos e os homens que eles construram, Vidal Naquet aponta que nenhuma recusa do anacronismo nos transformar em contempo-rneo de Pricles, o estratego que governa Atenas por cerca de trinta anos. Aponta como necessrio, at, destruir a iluso de que Pricles pensava como ns, e ainda no menos necessrio destruir a iluso de que podemos pensar como Pricles e adaptar-nos ao seu modo de refletir e de raciocinar (2002, p. 193).

    Nesse sentido, e pelos caminhos trilhados, observamos que as generaliza-es nas cincias humanas so constantes, e que devemos procurar delimitar melhor as nossas prticas, apontar caminhos mais seguros, pois essas generalizaes podem cons-truir interpretaes e conceitos deturpados, ou ao menos fora de foco.

    Moses Finley em um interessante artigo, Generalizaes em Histria Anti-ga, aponta a sua preocupao com o mais elementar dos instrumentos do historiador: os termos e conceitos comuns de seu discurso. Que so, propriamente e em si mesmos, no generalizaes, mas descries ou rtulos abreviados, classificaes. Porm so rara-mente empregados de forma neutra: seu uso ou pressupe proposies gerais ou pode lev-los a cumprir uma infundada funo explicativa. Como o que muito com o substantivo ou adjetivo grego, e aponta: literalmente impossvel fazer qualquer afirmao com a pala-vra grego que exclua algum tipo de generalizao (FINLEY, 1989, p. 59).

    Nesses termos vamos afinar a nossa Democracia Ateniense Grcia clssi-ca, a dos sculos V e IV:

    Periodizao termos e padres que definiram perodos na Grcia Anti-ga.

    Generalizaes afirmaes gerais sobre as inter-relaes dos aconteci-mentos ordenadas dentro de uma sequncia temporal.

    A escolha dos acontecimentos que devem ser ordenados numa se-quncia temporal, que devem ser inter-relacionados, reside necessa-

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    ATIVIDADE 4

    riamente no juzo de uma ligao inerente entre eles, quer esse juzo seja ou no expresso em muitas palavras: um juzo, alm do mais, se origina da compreenso que o historiador faz das relaes com fatores mais duradouros, que em si mesmos no constituem elos da cadeia sequencial de eventos que compem a histria (FINLEY, 1989, p. 64).

    Para Moses Finley, os historiadores esto acostumados a generalizar,

    o que a cincia moderna e o marxismo realizaram em conjunto por infundir temores desnecessrios situao. Os argumentos prosse-guem: o comportamento humano no se presta anlise quantitativa e ao reexame repetido sob condies idnticas e, portanto, todas as generalizaes so duvidosas; o marxismo distorce o comportamento humano quando o reduz a uma teoria monista; pior ainda, como todas as variedades de historicismo (FINLEY, 1989, p. 72-73).

    Cada uma das cidades gregas possua uma autonomia prpria e um estado autnomo, entre as quais se destacou Atenas, cujas [...] particularidades e expresso de uma profuso de textos e documentos histricos, literrios, filosficos, jurdicos, de inscri-es e que fazem de Atenas no apenas a mais conhecida das cidades gregas, mas a cidade grega por excelncia (MOSS, 1979, p. 11-12).

    Os atenienses, mais que qualquer outro povo da Grcia antiga, deixaram ricos depoimentos e testemunhos de sua vida cotidiana, como discursos polticos e disputas judiciais, o teatro e os dilogos filosficos, que, muito mais que os textos oficiais, sempre im-pessoais, fornecem importantes relatos sobre a intimidade desses homens que dominaram o mar Egeu por dois sculos (MOSS, 1979, p. 17).

    Como uma das mais poderosas cidades da Grcia, Atenas, juntamente com Esparta, constitui um poderio militar que utilizava como moeda de troca no exerccio de seu imperialismo que se alastrava sobre outras sociedades gregas. Imperialismo que somente se tornou vivel graas democracia, tornando antagnicas suas razes. E o lao funda-mental entre a democracia e o imperialismo, que foi percebido tanto por partidrios como por adversrios da democracia, a democracia foi o que permitiu a Atenas transbordar para fora de Atenas (VIDAL-NAQUET, 2002, p. 179).

    Pricles governa Atenas por cerca de trinta anos e, considerado por muitos como um de seus mais respeitados governantes, descende de famlias da aristocracia e que monopolizam, mesmo depois das reformas polticas de Clstenes, os principais cargos administrativos. Perodo de relativo equilbrio social em Atenas e um sensvel crescimento da populao da tica, inclusive da populao cvica, e no que se refere populao esta relacionada relativa facilidade com que se seguiram as reformas de Clstenes, estrangei-ros puderam integrar-se ao corpo de cidados (...); e para pr fim a essa situao de fato que Pricles, em 451, faz aprovar decreto reservando a qualidade de cidados atenienses aos nascidos de pai ateniense e a me, filha de pai cidado, tambm. Esse decreto no

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    ATIVIDADE 4

    visava a qualquer pureza de raa, uma vez que vigorava tanto para os brbaros como para os gregos de outras cidades, mas tinha como objetivo limitar o nmero de cidados benefi-ciados das vantagens ligadas qualidade de cidado (MOSS, 1979, p. 45-49).

    Para Pierre Vidal-Naquet, Pricles tem pouco a dizer da democracia enquan-to regime poltico. Em sua fala,

    ele recorda o seu nome, a regra da maioria e a liberdade, mas em ne-nhum momento fundamenta filosoficamente a prtica que impe que sejam os polli [a maioria], como j se dizia segundo Homero em taca (Odisseia v. 241), os majoritrios (pleious), os mais numerosos, os que devem governar, e no as ligoi [a minoria]. Para dizer a verdade, se excetuarmos Demcrito, que pensa no apenas a democracia, mas toda a histria da aventura humana como libertao progressiva da misria dos primeiros tempos, e Protgoras, [...] se excluirmos essas poucas excees que s nos so conhecidas de maneira fragmentria, procuraramos em vo um filsofo que tenha refletido sobre a demo-cracia [...]. Um dos paradoxos da democracia ateniense que muitos de seus intelectuais, sobretudo no sculo IV, foram seus adversrios. Mais paradoxal ainda este fato: o texto maior que tenta fundamentar a democracia, racionalmente no vem diretamente de um democra-ta, mas, pelo vis do mito, ele nos dado por Plato, o mais violento crtico da democracia. Plato colocou essa argumentao na boca de Protgoras, sofista e companheiro de Pricles, nico adversrio, como prova o Teeteto (166 a ss.), que Plato respeitava. A questo a que Pro-tgoras tenta responder justamente a dos artesos e de sua relao com a poltica. Se a cidade tem necessidade de construir, procura um arquiteto e assim por diante. Mas, quando se trata de deliberar sobre a administrao da cidade vemos aparecer indiferentemente, para tomar a palavra, arquitetos, ferreiros, curtidores, negociantes e marinheiros, ricos e pobres, nobres e gente comum, e ningum lhes lana na cara a sua incompetncia [...]. Dito de outra maneira, nem profisses, nem as oposies de fortuna, nem as diferenas de casta tm qualquer funo. A democracia ateniense no censitria (2002, p. 180-181).

    Observa Pierre Vidal-Naquet que a democracia ateniense to amada pelos modernos no inspirou nem tratado de filosofia nem tratado poltico que esclarecesse os seus princpios e exaltasse as suas qualidades. E prossegue: Temos, com certeza, as oraes fnebres, mas elas louvam a democracia por um vis no democrtico. Protgo-ras de Abdera nico filsofo democrata conhecido por ns e ele que explica a Scrates por que razo, em Atenas, todos tm o direito de dar a sua opinio sobre poltica e procura nesse sentido uma justificativa para a democracia, e vai bastante longe,

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    ATIVIDADE 4

    a ponto de no incluir apenas os cidados, mas sim todos os homens, sem mesmo excluir as mulheres. [...] Na literatura grega, a rea onde vemos a democracia funcionar a histria. Herdoto quem nos dizia (v. 78) que os atenienses conheceram a grandeza e a preeminncia graas isegoria, a igualdade diante do direito palavra; uma demo-cracia que Tucdides declara ser, na realidade, o governo do primeiro cidado (II, 65, 9); e h tambm a tragdia, democrtica em sua prpria essncia, porque os prncipes a so convocados, de alguma maneira, ao tribunal dos povos de hoje, que, na Grcia do sculo V, era a insti-tuio democrtica por excelncia (2002, p. 198-199).

    [...] Essa democracia, to pouco exaltada pelos tericos da poltica, dificilmente assinalvel no nvel da imagem [...], , ao contrrio, violen-tamente criticada durante toda a poca clssica e, a seguir, em poca helenstica e romana, pelos intelectuais seduzidos pela miragem espar-tana, pelos filsofos que sonhavam com uma sociedade hierrquica, como Plato, que s admitem um pouco de democracia se ela for con-trolada e amordaada, e pelos retricos, que de Iscrates a Plutarco, no cessaro de exaltar uma pretensa constituio dos Ancestrais, colocada frequentemente sob a proteo de Teseu ou de Slon e que, por um sbio jogo de equilbrio controlado pelo Arepago, teria conseguido evitar escorreges da democracia radical (2002, p. 199).

    [...] Plato vivia numa democracia escravocrata na qual s os homens podiam ser cidados, j que as mulheres estavam, assim como os escravos (mas por outra razo), afastadas da vida poltica. Acrescen-tamos que Atenas no conheceu, na Antiguidade, nem revolta servil sria e nem revolta feminina. A lgica da democracia no deixava, no entanto, de inspirar-lhes serissimas e importantes inquietaes (2002, p. 234).

    Essa Democracia Ateniense, florescente na Grcia clssica, a dos sculos V e IV, apresenta tambm a ideia de que a transparncia democrtica tem a identificao do racional com o poltico:

    A ideia de que uma sociedade democrtica funcionou um dia sob o sig-no da transparncia entre dirigentes e dirigidos sem que se erguesse o menor obstculo entre o campons [...] e o estratego que vai executar as decises tomadas pela assembleia do povo, cada um cuidando de seus prprios negcios a definio da justia segundo Plato e dos da coletividade (2002, p. 196).

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    ATIVIDADE 4

    Mudanas sociais com o aumento da influncia da populao urbana resul-tava no solapamento das bases do poder dessa aristocracia fundiria, cuja preeminncia social derivava do fato de que se apoiava numa clientela de camponeses mais ou menos dependentes. Do corpo desta populao comeavam a surgir novos homens, que vo permanecer, em verdade, em segundo plano, mas podiam aparecer como uma ameaa que no vai tardar a atingir os privilgios polticos da aristocracia fundiria. Tucdides, o historiador, com a inteno de justificar a doutrina de Pricles diante das acusaes de seus opositores, de que o seu governo seria uma oligarquia, aponta:

    Nossa politeia nada tem que invejar as leis que regem nossos vizinhos; longe de imitar os outros, damos exemplos a seguir. Entre ns, o Es-tado administrado no interesse da massa e no no de uma minoria, da o nome que o nosso regime adotou: democracia. Dessa forma, o que concerne aos diferentes indivduos, a igualdade assegurada a todos pelas leis; mas no tocante participao na vida pblica, cada um obtm o crdito em funo do mrito, e a classe a que pertence importa menos que seu valor pessoal; enfim, estando em condies de prestar servio cidade, ningum cerceado pela pobreza ou pela obscuridade de sua condio social (MOSS, 1979, p. 48).

    A instituio da remunerao das funes pblicas em Atenas (mistoforia) era uma medida destinada a tornar efetiva a participao de todo o povo na vida poltica e permitir que os pobres consagrassem cidade uma parte de seu tempo sem o temor de perder um dia de trabalho e a consequente remunerao. A mistoforia era considerada pelos escritores polticos do sculo IV como um dos traos caractersticos do regime demo-crtico (MOSS, 1979, p. 46).

    Assim, elabora-se uma doutrina democrtica cuja autoria o prprio Pricles reivindicava. Tucdides e Plutarco, em suas obras, afirmam que nesse regime Pricles era quem tomava as decises importantes, apresentando como incontestvel a observao de que a poltica ateniense da metade do sculo V a.C. tenha a sua marca, mas importante ressaltar que essas suas escolhas deliberadas buscam um objetivo: assegurar ao povo recursos para sobreviver condignamente e exercer livremente a sua soberania e de permitir a Atenas equilbrio e harmonia para impor, ainda que pela fora, sua poltica por todo o mar Egeu. Mas ao passarmos do plano dos princpios para os fatos observaremos distores, pois o povo era soberano seguindo algumas limitaes. Neste perodo se elaboram as rigorosas normas relativas ordem do dia, periodicidade das sesses da assembleia e forma de se propor projetos de lei, e o procedimento de sua discusso e aprovao (MOS-S, 1979, p. 49).

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    PRAEN VI 23

    ATIVIDADE 4

    REFERNCIAS

    FINLEY, Moses. Generalizaes em histria antiga. In: ______. Uso e abuso da histria. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.MOSS, Claude. Atenas: a histria de uma democracia. Braslia: Universidade de Braslia, 1979.VIDAL-NAQUET, P. Os gregos, os historiadores, a democracia: o grande desvio. Traduo de Jnatas Batista Neto. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. 360 p.

    ANOTAES

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    ATIVIDADE 4

    ANOTAES

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    PRAEN VI 25

    ATIVIDADE 5DEMOCRACIA BURGUESA NA REVOLUO FRANCESA

    OBJETIVO

    Abordar e discutir a questo da cidadania e democracia nos anos da Revolu-o Francesa, tendo em vista sua importncia, j que grande parte do iderio burgus ali fundamentado e difundido.

    TEXTO

    A Marca da Democracia Burguesa na Revoluo Francesa

    A Revoluo Francesa apresenta-se como um dos marcos da contempora-neidade que sempre vem tona com diferentes sentidos e interpretaes, ressaltando-se que ela um dos eventos que mais marcam o nosso tempo e que reverbera a todo momen-to com sua fora simblica e os elementos marcantes de sua configurao ideolgica, seu vocabulrio, as suas instituies e as suas cores.

    A prpria Revoluo Francesa apresenta-se como um processo de releituras e ecloso de distintas manifestaes. Em seus acalorados momentos e distintos eventos envolvidos, requalificam um antigo vocabulrio poltico, reconstroem uma configurao simblica e marca a derrocada de um antigo sistema, o Antigo Regime. Em um jogo de sombras e espelhos, e sobre os escombros de um antigo mundo, celebram o advento da burguesia em flmulas tricolores, que representam os prprios ideais da revoluo: Liberda-de, Igualdade e Fraternidade.

    Eric Hobsbawm, em A era das revolues. Europa: 1789-1848, observa e analisa a Revoluo Francesa e a emparelha prpria Revoluo Industrial, criando o signi-ficado para o mundo da dupla revoluo poltica e econmica (a revoluo poltica francesa e a revoluo industrial inglesa) que correspondeu a uma guinada (a produo de uma mu-dana radical ou rpido desvio profundo) em todo o universo ocidental; e que posteriormen-te se expandiu por todo o mundo, ecoando mesmo no mundo oriental. Em seus espaos de origem essas revolues ocorreram nos sculos XVII e XVIII, sendo progressivamente ado-tados os seus principais iderios pelos seus vizinhos europeus, demonstrando assim o seu carter transformador e a capacidade de adaptao e poder de fogo da dupla revoluo.

    Se a economia do mundo do sculo XIX foi formada principalmente sob a influncia da revoluo industrial britnica, sua poltica e ideologia foram formadas fundamentalmente pela revoluo Francesa. [...] foi a Frana que fez suas revolues e a elas deu suas ideias, a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem se tornado o emble-ma de praticamente todas as naes emergentes, e a poltica europeia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a

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    ATIVIDADE 5

    favor e contra os princpios de 1789, ou os ainda mais incendirios de 1793. A Frana forneceu o vocabulrio e os temas da poltica liberal e radical democrtica para a maior parte do mundo. Deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulrio do nacionalismo, e forne-ceu os cdigos legais, o modelo de organizao tcnica e cientfica e o sistema mtrico de medidas para a maioria dos pases. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizaes que tinham at ento re-sistido s ideias europeias inicialmente atravs da influncia francesa. Esta foi a obra da Revoluo Francesa (HOBSBAWN, 1996, p. 71-72).

    Mas essa configurao nas condies histricas na Europa entre os sculos XVIII e XIX representava a situao geral de crise do Antigo Regime em todo o continente, sendo ressaltadas e observadas as especificidades da monarquia francesa, e nesse senti-do a crise no Antigo Regime no era um fenmeno francs isolado, e a Revoluo France-sa foi fundamental para a ecloso de outras revolues naquele perodo, apresentando-se como uma revoluo social de massa, e incomensuravelmente mais radical de que qual-quer outro levante comparvel. Seus efeitos e repercusses desdobram-se em seu prprio carter transnacional, que ocasionaram levantes relacionados libertao da Amrica La-tina depois de 1808. Sua influncia direta universal, pois ela fornece o padro para todos os movimentos revolucionrios subsequentes, suas lies (interpretadas segundo o gosto de cada um) tendo sido incorporadas ao socialismo e ao comunismo moderno (HOBSBA-WN, 1996, p. 72-73).

    A Revoluo Francesa assim a revoluo de seu tempo, e no apenas uma, embora a mais proeminente de seu tipo. E suas origens devem portanto ser procuradas no meramente em condies gerais da Europa, mas sim nas condies especficas da Frana. Sua peculia-ridade talvez melhor ilustrada em termos internacionais. Durante todo o sculo XVIII a Frana foi o maior rival econmico da Gr-Bretanha. Seu comrcio externo, que se multiplicou quatro vezes entre 1720 e 1780, causava ansiedade; seu sistema colonial foi em certas reas (como nas ndias Ocidentais) mais dinmico que o britnico. Mesmo assim a Frana no era uma potncia como a Gr-Bretanha, cuja poltica externa j era subitamente determinada pelos interesses da expanso capitalista. Ela era a mais poderosa, e sob vrios aspectos a mais tpica, das velhas e aristocrticas monarquias absolutistas da Europa. Em outras palavras, o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas foras sociais ascendentes era mais agudo na Frana do que em outras partes (HOBSBAWN, 1996, p. 73).

    O que se pode observar que o conflito entre a estrutura social emergente e

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    ATIVIDADE 5

    os interesses estabelecidos do velho regime e as novas foras sociais ascendentes era algo que se apresenta de maneira mais aguda na Frana do que em outras partes do continente europeu (HOBSBAWN, 1996, p. 73). Assim, fica clara a identificao entre o Iluminismo e a Revoluo Francesa, passando por uma forte ligao com a burguesia ascendente, e que toma de assalto as estruturas do Antigo Regime. O iderio da cidadania burguesa e a Revoluo Francesa se confundem, e das revolues burguesas a Revoluo Francesa apresenta-se como a de maior poder simblico e que mais influenciou o imaginrio social e poltico europeu, e consequentemente ocidental.

    A busca de um estatuto filosfico que justifique e legitime a forma de pensar da burguesia est relacionada a sua necessidade poltica. Assim, a burguesia precisa equa-cionar a sua participao no poder, o que representa impor limitaes ao real e imple-mentar o liberalismo econmico, algo que representa a abertura de possibilidades e ascen-so de seus negcios. E nesse sentido, a crena em um estatuto de cincia e Iluminismo e o ministrio da razo se sobrepondo s crenas anteriores, vinculadas a supersties e a religiosidade que no passavam pelo crivo da razo, caminha lado a lado aos aspectos da racionalizao do poder.

    As Origens Intelectuais da Revoluo

    Podemos assim identificar e pensar o Iluminismo como uma filosofia fincada no ideal de felicidade social e fundada sobre a crena no progresso indefinido do esprito humano e do conhecimento cientfico, filosofia esta elaborada pela burguesia depois do sculo XVIII. Os fundamentos do Iluminismo sofrem a influncia de Descartes (que revelou a possibilidade de dominar-se a natureza pela cincia). Assim, os filsofos do sculo XVIII expuseram com clareza os princpios de uma nova ordem, opondo-se ao iderio autoritrio do Estado e da Igreja do XVII. Os iluministas opuseram em todos os domnios o princpio da razo ao da autoridade e da tradio, quer se trate de cincia, crena, moral ou organiza-o poltica e social, e esse movimento filosfico exerceu sobre a inteligncia francesa uma ao profunda, ao despertar e depois lhe desenvolver o esprito crtico, fornecendo-lhes no-vas ideias. As principais obras que influenciaram esses homens foram: de Montesquieu, O esprito das leis (1748); Rousseau, Emlio e Contrato social (1792); de Voltaire, Ensaio sobre a moral (1758); e a Enciclopdia (1751) de Diderot (SOBOUL, 1974, p. 54).

    Os questionamentos desses pensadores do sculo XVIII produziram uma influncia importante sobre a Revoluo Francesa, e podemos dividi-los assim em dois grupos. Na primeira metade do sculo XVIII, marcam duas correntes de pensamento: Mon-tesquieu, com O esprito das leis, que revela a sua inspirao feudal e parlamentar. E outra, hostil ao clero e at prpria religio, mas conservadora com relao poltica. E j na segunda metade do XVIII, essas duas correntes foram substitudas por novos ideais, mais democrticos e mais igualitrios (SOBOUL, 1974, p. 54).

    Vidal-Naquet diz que:

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    ATIVIDADE 5

    O texto fundamental para compreender o que foi a viso da democracia grega adotada pela Revoluo por intermdio das obras das Luzes , provavelmente, o famoso captulo 3 do livro III do Esprito das Leis so-bre a virtude como princpio da democracia: O fato de ter havido um discurso democrtico dos gregos, discurso marcado, se quisermos, mas objeto de interpretaes sucessivas na nossa histria, pelo menos a partir do Renascimento, bastava [...].

    [...] O fato de ter havido um discurso democrtico dos gregos, discurso marca-do, se quisermos, mas objeto de interpretaes sucessivas na nossa histria, pelo menos a partir do Renascimento, bastava [...]. Mas esse discurso, as instituies e as prticas sociais que lhe servem de base tm tambm, da forma como entendemos hoje, traos culturais (2002, p. 254-255).

    Do problema poltico do governo, os filsofos passavam ao problema social da propriedade. Nesse sentido, Rousseau, possuidor de uma alma plebeia, esbravejou contra a corrente do sculo, apoiada na burguesia, e critica a civilizao de seu tempo e chama pelos deserdados. Rousseau, que por origem um sado do povo, exprimia o ideal poltico e social da pequena burguesia e dos artesos. Para Voltaire, o que se mostra necessrio proceder a uma reforma nos quadros da monarquia absoluta, dar o governo burguesia endinheirada e direitos polticos aos ricos, mas no unicamente aos proprietrios agrcolas: a terra no se constitua como a nica fonte de riqueza. Queria rebaixar os gran-des, mas no pretendia de modo algum elevar o povo. (SOBOUL, 1974, p. 55).

    No Contrato social (1792), desenvolve a teoria da soberania popular. Enquanto Montesquieu reservava o poder aristocracia, e Voltaire Alta Burguesia, Rousseau alforria os Humildes e dava o poder a todo o povo. Apontou como papel do Estado reprimir os abusos da prioridade industrial, manter o equilbrio social pela legislao sobre a herana e pelo imposto progressivo. Essa tese igualitria, tanto no domnio social quanto no poltico, era coisa nova no sculo XVIII, e opunha irremediavelmente Rousseau e Voltaire bem como os enciclopedistas (SOBOUL, 1974, p. 54).

    Rousseau defendia uma valorizao da igualdade, presente em seu discur-so de alma plebeia, e introduziu no pensamento do sculo as ideias igualitrias: reclama igualdade poltica para todos os cidados, assinala como papel do Estado o de manter um certo equilbrio social (SOBOUL, 1974, p. 58).

    Estrutura do Estado e a Revoluo Burguesa

    A estrutura do Estado e da burocracia apresenta uma feio de confuso e desordem como trao caracterstico da organizao administrativa da monarquia francesa

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    nesse momento; e enquanto as estruturas se mantinham, na sociedade e no Estado, ocor-ria uma revoluo conjuntural, com a multiplicao das tenses sociais, principalmente o crescimento demogrfico e a alta dos preos (SOBOUL, 1974, p. 16). No fim do sculo XVIII a burguesia estava frente da produo, fornecia quadros para a administrao e os capi-tais para a marcha do Estado; a nobreza apenas desempenhava um papel secundrio. A estrutura legal no coincidia com as realidades sociais e econmicas. E tambm apresen-tam o esfacelamento da estrutura nobilirquica com a prpria decadncia da aristocracia feudal, que perdera os atributos de poder que tinha na Idade Mdia; ocupavam o primeiro grau na estrutura social, e o Alto Clero, tambm inseridos na aristocracia (SOBOUL, 1974, p. 22).

    As novas foras, oriundas da burguesia, sabiam precisamente o que que-riam. Turgot, o economista fisiocrata, e que era ministro de estado naquele momento, lutou por uma explorao eficiente da terra, e por um comrcio e empresas com liberdades asse-guradas, e ainda tentou programar a administrao eficiente e padronizada de um territrio nacional homogneo, trabalhando pela abolio de todas as restries e desigualdades sociais que impediam o desenvolvimento dos recursos nacionais de uma administrao e taxaes racionais e imparciais. O seu programa de reformas como primeiro ministro fracassou, apresentado com o perfil de uma ao de um governo esclarecido, mas os resultados desse fracasso foram catastrficos para essa monarquia, e as foras de mu-danas oriundas da burguesia eram fortes demais para serem freadas. Elas simplesmente transferiram as suas esperanas de uma monarquia esclarecida para o povo e a nao (HOBSBAWN, 1996, p. 74).

    Avanando nesse sentido, as propostas de mudanas fizeram surgir uma es-pcie de reao feudal por parte da nobreza, cujas posies polticas, embora detentoras de privilgios e isenes que esbarravam nos projetos de mudanas administrativas, eram delicadas e foram agravadas pela crise econmica e pelos altos custos da manuteno do status de nobre naquele perodo. Nesse sentido, era, portanto, natural que a nobreza

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    usasse seu bem principal, os privilgios reconhecidos. No sculo XVIII, na Frana como em outros pases da Europa, a nobreza invadira os postos oficiais que a monarquia absolutista preferia preencher com homens da classe mdia, que eram, na maioria das vezes, politi-camente inofensivos e tecnicamente competentes. Mas, (...) a nobreza no s exasperava os sentimentos da classe mdia por sua bem sucedida competio por postos oficiais, mas tambm corroa o prprio estado atravs da crescente tendncia de assumir a administra-o central e provinciana (HOBSBAWN, 1996, p. 74-75).

    A Revoluo Aristocrtica precedeu a revoluo burguesa de 1879. Sobretu-do ligadas s Instituies Monrquicas com Lus XVI (a teoria do direito divino e o ponto de autoridade real jamais atingido). E tambm importante observar o progresso da unidade nacional no sc. XVIII, favorecido pelo desenvolvimento das comunicaes, das relaes econmicas, difuso da cultura clssica, pela leitura, sales, sociedades de pensamento, ideais filosficos (SOBOUL, 1974, p. 16).

    Mas profundos problemas financeiros assolavam a monarquia francesa e agravavam a estrutura fiscal do reino. A vitria dos Estados Unidos na guerra contra a Inglaterra foi conseguida com a bancarrota final dos cofres franceses, e assim, a guerra e a dvida quebraram a espinha dorsal da monarquia e do Antigo Regime francs (HOBSBA-WN, 1996, p. 76).

    A crise do governo deu aristocracia e aos parlamentares a sua chan-ce. Eles se recusaram a pagar pela crise se seus privilgios no fossem estendidos. A primeira brecha na fronte do absolutismo foi uma as-sembleia de notveis escolhidos a dedo, mas assim mesmo, rebeldes, convocada em 1787 para satisfazer s exigncias governamentais. A segunda e decisiva brecha foi a desesperada deciso de convocar os Estados Gerais, a velha assembleia feudal do reino, enterrada desde 1614. Essa tentativa foi mal calculada por duas razes: ela subestimou as intenes independentes do Terceiro Estado a entidade fictcia destinada a representar todos os que no eram nobres nem mesmo membros do clero, mas de fato dominada pela classe mdia e des-prezou a profunda crise socioeconmica no meio da qual lanava a suas exigncias polticas (HOBSBAWN, 1996, p. 76).

    [...] O terceiro Estado obteve sucesso, contra a resistncia unificada do rei e das ordens privilegiadas, por que representava no apenas as opinies de uma minoria militante e instruda, mas tambm as de foras bem mais poderosas: os trabalhadores pobres das cidades, e especialmente de Paris, e em suma, tambm o campesinato revolu-cionrio (HOBSBAWN, 1996, p. 79).

    Aqui, devemos ressaltar que a Revoluo Francesa no foi feita ou liderada

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    por um partido ou por um movimento organizado no sentido moderno ou contemporneo, nem mesmo por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado em um iderio organizado; no obstante a isso, seu arcabouo filosfico e fator de um sur-preendente consenso de ideias gerais entre um grupo bastante coerente do ao movimento revolucionrio uma unidade efetiva. Assim, um grupo, a burguesia influenciada pelo ide-rio do Iluminismo e as ideias do liberalismo clssico, conforme formuladas pelos filsofos e economistas e difundidas pela maonaria e associaes informais (HOBSBAWN, 1996, p. 76-77).

    [...] As exigncias do burgus foram delineadas na famosa Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789. Esse documento um manifesto contra a sociedade hierrquica de privilgios nobres, mas no um manifesto a favor de uma sociedade democrtica e igualitria. [...] A propriedade privada era um direito natural, sagrado, inalienvel e inviolvel (HOBSBAWN, 1996, p. 77).

    A verso liberal-burguesa da Revoluo Francesa a de uma histria com-prometida com a sua poca, com o sculo XIX, o prprio sculo de ascenso e domnio da burguesia, com a consagrao da ideologia do mrito pessoal e da sociedade estvel em constante progresso, assim, Revoluo Francesa deixa de ser histria para se transformar em mito. Depois das realizaes da primeira fase dos eventos envolvidos no processo revo-lucionrio, entre 1789 e 1792, as lutas polticas e as revoltas sociais seriam desnecessrias, em um momento de asseguradas a liberdade e a igualdade perante a lei, em um elenco de direitos dispostos pela Constituio de 1791, e que, pretensamente, garantiam a igualdade real entre os homens (OSTERMANN, 1995, p. 8).

    Um dos aspectos que marcam a faceta burguesa a prpria configurao do Estado a partir de uma declarao de direitos, com as garantias de diretos de proprieda-de e de liberdade, amplamente relacionados ao pensamento de Montesquieu, configurando assim o constitucionalismo como tcnica e forma de disciplinar a ao do Estado frente a sua organizao.

    O constitucionalismo a tcnica jurdica pela qual assegurado o exerccio dos direitos individuais pelos cidados e, ao mesmo tempo, colocando o Estado em con-dio de no poder viol-los; sua funo traar os princpios ideolgicos que serviro de base para a Constituio e sua organizao interna. Diviso do poder de modo a impedir todo o arbtrio, representando o governo das leis, no dos homens. Para definir o termo necessria a aceitao do valor implcito que nele se encontre, podendo ser resumido na defesa dos direitos da pessoa, do indivduo e do cidado. A Constituio de fato a prpria estrutura de uma comunidade poltica organizada, a ordem necessria que deriva da desig-nao de um poder soberano e dos rgos que o exercem (Dicionrio de Poltica. Bobbio. Verbete Constitucionalismo p. 247-248).

    [...] Em 1789, a Assembleia Constituinte elabora a Declarao dos

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    Direitos do Homem e do Cidado e, em seguida, a Constituio de 1791, dois documentos de alcance universal. A Declarao o mais conhecido em todo o mundo, modelo para todos os povos. Muitos direitos, expressos em seus artigos, so ainda hoje aspiraes da humanidade, tais como: [...] os direitos [...] liberdade, propriedade, segurana e a resistncia opresso. O conceito de liberdade, expresso na Declarao, o que hoje repetimos corriqueiramente: A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que no prejudique a outrem (art. 4). E ela consagrou a liberdade de expresso: Ningum deve ser molestado pelas suas opinies, mesmo religiosas (...) (art. 10). A livre comunicao dos pensamentos e das opinies um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidado pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo pelo abuso dessa liberda-de nos casos determinados pela lei (art. 11). [...] E finalmente o direito mais importante para os constituintes, representantes da burguesia: o direito a propriedade, um direito inviolvel (OSTERMANN, 1995, p. 8).

    Entre as repercusses da Revoluo Francesa e um de seus efeitos avas-saladores que se desdobram por todo o mundo ocidental e alm a prpria inveno das nacionalidades, fundadas sob as gides do direito e da democracia, pretende assegurar aos cidados, armados com a Constituio, a declarao de direitos do cidado contra o Estado, um estatuto que proteja seus direitos inalienveis. Essa Declarao de Direitos tem como objetivo defender o cidado do estado e de suas arbitrariedades. O conceito jurdico de cidadania e os conceitos inter-relacionados ao universo da poltica esto intimamente constitudos a partir da configurao jurdica de propriedade. Marcam o processo de racio-nalizao da atividade poltica com a organizao do estado e do poder segundo regras e um sistema disciplinar, e marca essa que resguarda o prprio poder da burguesia.

    REFERNCIAS

    BOBBIO, Noberto. Dicionrio de poltica. 11. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1988.HOBSBAWM, E. J. A era das revolues (1789 - 1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.OSTERMANM, N. W. s armas, cidados! A Frana revolucionria: 1789-1799. So Paulo: Atual, 1995. Histria geral em documentos. SOBOUL, A. Histria da Revoluo Francesa. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.VIDAL-NAQUET, P. Os gregos, os historiadores, a democracia: o grande desvio. Traduo de Jnatas Batista Neto. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. 360 p.

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    ATIVIDADE 6SNTESE PARA AUTOAVALIAO

    OBJETIVOS

    Discutir aspectos ligados a conceitos trabalhados em discursos pedaggicos, assim como pensados para a aplicao prtica em sala de aula.

    Estabelecer um quadro comparativo entre a poltica grega e os dias de hoje. Abordar e discutir a questo da cidadania e democracia nos anos da Revoluo Francesa, tendo em vista sua importncia, j que grande parte do iderio burgus ali fundamentado e difundido.

    TEXTO

    Democracia uma inveno grega, e entre os gregos e ns apresenta-se uma grande distncia temporal e espacial, uma trama de ideias muito distantes, mas que cavam entre si uma identidade. Somos levados a pensar e a utilizar esses conceitos em sala de aula abordando diferentes temporalidades e especificidades geogrficas, bem como sistemas filosficos de pensamento. Assim, percorremos as diferentes transfor-maes e releituras dos conceitos, principalmente pensando e repensando uma ideia de democracia.

    Pensar a democracia como uma inveno grega e observar de que maneira somos tributrios de uma inveno to prxima e to distante de nossa experincia cotidia-na e, dessa forma, compreender a atividade poltica historicamente dada em suas espe-cificidades, e refletir sobre os conceitos envolvidos, dar forma a um entendimento que, refletido em sala de aula, apresenta uma rica experincia didtica. E em relao Grcia, particularmente a Atenas, e o nosso mundo, o primeiro passo compreender as diferenas e entender como rica a utilizao de nosso vocabulrio poltico pensado a partir da repro-duo dos conceitos em outras circunstncias espaciais e temporais.

    A Revoluo Francesa apresenta-se como um dos marcos da contempora-neidade que sempre vem tona com diferentes sentidos e interpretaes, ressaltando-se que ela um dos eventos que mais marcam o nosso tempo, e que reverbera a todo o mo-mento com sua fora simblica e os elementos marcantes de sua configurao ideolgica, seu vocabulrio, as suas instituies e as suas cores.

    A prpria Revoluo Francesa se apresenta como um processo de releituras e ecloso de distintas manifestaes. Em seus acalorados momentos e distintos eventos envolvidos, requalifica um antigo vocabulrio poltico, reconstri uma configurao simbli-ca e marca a derrocada de um antigo sistema, o Antigo Regime. Em um jogo de sombras e espelhos, e sobre os escombros de um antigo mundo, celebra o advento da burguesia em flmulas tricolores, que representam os prprios ideais da revoluo: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

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    ATIVIDADE 6

    Mas essa configurao nas condies histricas na Europa entre os sculos XVIII e XIX representa a situao geral de crise do Antigo Regime em todo o continente, sendo ressaltadas e observadas as especificidades da monarquia francesa, e, nesse senti-do, a crise no Antigo Regime no era um fenmeno francs isolado, e a Revoluo France-sa foi fundamental para a ecloso de outras revolues naquele perodo, apresentando-se como uma revoluo social de massa e incomensuravelmente mais radical de que qual-quer outro levante comparvel. Seus efeitos e repercusses desdobram-se em seu prprio carter transnacional e ocasionaram levantes relacionados libertao da Amrica Latina depois de 1808.

    ANOTAES

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    ATIVIDADE 7OS PCNS E O CONTEDO HISTRICO BRASILEIRO

    OBJETIVOS

    Os PCNs devem ser observados de maneira crtica e podem ser entendidos como instrumentos na construo de um conceito de cidadania. Mas para tanto neces-srio entender os meandros da poltica e do processo de institucionalizao das polticas pblicas de ensino. Nesse sentido, o texto tem o objetivo de construir balizas para uma interpretao crtica e contextualizada dos PCNs.

    TEXTO

    Os PCNs e o contexto histrico brasileiro

    Os PCNs podem ser entendidos como mecanismos ou instrumentos que procuram nortear a ao do professor em sala de aula, bem como ordenar os contedos mnimos que devem ser aplicados em sala de aula para que a educao brasileira atinja os seus objetivos, ou seja, formar cidados. Por outro lado, no possuem o carter de en-gessamento. Pelo contrrio, permitem ao docente em sua prtica elaborar contedos que contenham sentidos dentro das mais diversas realidades postas. Os Parmetros oferecem orientaes e diretrizes a serem alcanadas.

    Obviamente os conceitos utilizados dizem respeito s polticas s quais a educao est circunscrita. No h dvidas de que pensa o ensino com um determinado vis. No devemos, no entanto, tirar da a ideia de que restringe a ao do docente. Permite na verdade que o professor possa estabelecer recortes que aproximem os contedos for-mais da realidade do aluno, cabendo a ele dar sentido ao trabalho estabelecido. Claro que disso decorre uma srie de dificuldades inerentes a esse processo, por exemplo, a prpria formao dos docentes, assim como as reais condies de trabalho em sala de aula, de acordo com a realidade imposta.

    Por exemplo, o conceito de cidadania. Ser que o que entendemos como sendo um cidado, ou ainda, a forma como legalmente constituir-se essa categoria est condizente com a prpria realidade do aluno e do professor? Ser que a noo que ns docentes temos do que agir conscientemente capaz de fazer eco entre esse ou aquele pblico? No podemos pensar que ao executarmos nosso trabalho em sala estaremos conduzindo os jovens a sua libertao e formao da conscincia crtica.

    Obviamente o professor possui uma difcil tarefa em mos, porm, ao assu-mirmos tal condio, devemos abrir nossos horizontes e, alm do mais, estar cientes das limitaes dadas pelo prprio ofcio de professor. Este, assim como os jovens, insere-se nas esferas pblicas e privadas e tanto criador como criatura das relaes que da emanam.

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    ATIVIDADE 7

    A educao no pode e nem deve ser entendida como redentora da sociedade e sim como um dos elementos que possam vir a colaborar neste processo.

    De que forma podemos afirmar que os PCNs contribuem para a formao de cidados? Ou ainda: de que tipo de cidado estamos falando? Como j apontei em outros comentrios sobre o tema, reafirmo o cuidado que devemos ter ao reproduzir alguns conceitos que nem sempre se explicam por si prprios, mesmo porque ocupam mais de um significado ao longo de sua existncia. Conhecer a sociedade no significa interferncia direta, necessariamente. Nem tampouco ser levado a compreender o meio que o cerca levar os jovens a agir criticamente sobre ele. Os PCNs so apenas expresso de um contexto histrico e social que demanda certas prerrogativas educacionais. O olhar crtico to aclamado deve estar presente, antes, no trabalho do professor. A educao formal, escolar, mais um dos elementos formativos que cerceiam a vida dos indivduos, devendo ser compreendida desta forma. Ter essa compreenso, aliada prpria formao do do-cente, que permitir abrir algumas sendas em meio ao status social de um dado tempo ou espao. Isso no significa que em nosso trabalho possamos transformar o pensamento dos alunos, muito pelo contrrio, o que devemos fazer permitir o acesso a aspectos diversos daqueles com os quais ele est acostumado a lidar, ampliar seu campo de referncias.

    Assim, para que ele compreenda a constituio de um conceito, como o de cidadania, faz-se necessrio sobrepor informaes que o levem a uma compreenso anal-tica da complexidade das relaes sociais. Somente a partir de uma apreenso e do prprio ato de reconhecer-se como cidado partcipe desta sociedade que poder comear a estabelecer algum tipo de viso sobre ela. Viso essa que no pode ser dada, ou ento es-taramos caindo no mesmo engodo de outros tempos, e sim desenvolvida ao longo da vida escolar e da prpria vivncia com seus pares.

    O exerccio da cidadania exige o acesso de todos totalidade dos recursos culturais relevantes para a interveno e a participao responsvel na vida social e assim formar o aluno para o domnio de diferentes ramos do saber, desenvolvendo competncias e habilidades, tais como: o domnio da lngua escrita e falada, reflexo matemtica, coorde-nadas espaciais e temporais, organizao e percepo do mundo, princpios de explicao cientfica e as condies para fruio da arte e esttica, e esses referenciais e recursos cul-turais tm como objetivo entender o mundo contemporneo e a realidade individual (PCNS, 2000, p. 33).

    Bem como se apresentam outras exigncias para a compreenso do mundo contemporneo, tais como: a discusso sobre a dignidade humana, igualdade de direitos, a importncia da solidariedade e do respeito, a insero ao mundo do trabalho e ao mundo do consumo, cuidado com o corpo e com a sade, educao sexual, preservao do meio ambiente. (...) papel preponderante da escola propiciar o domnio dos recursos capazes de levar discusso dessas formas e utilizao crtica na perspectiva da participao social e poltica (PCNS, 2000, p. 34). Os PCNs optam por uma formao baseada no desen-volvimento de competncias e habilidades, estruturadas em eixos como representao e

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    ATIVIDADE 7

    comunicao, investigao e compreenso e contextualizao sociocultural. A proposta aproximar os currculos ao campo de ao e vivncia dos alunos. O que est posto para debate a importncia de, na medida em que se entende a educao popular como uma interveno poltico-pedaggica, clarear o foco ou o direcionamento da ao.

    O argumento que a noo de pblico como bem comum seria hoje um importante ponto de convergncia para a criao do cidado democrata, que parte de um grande leque, da discusso sobre temas como cultura, meio ambiente ao trabalho, etc. Logo, questes como a da formao da identidade se junta memria como mais um direito de cidadania, que implica pensar no significado destes lugares e das posturas assumidas a partir desta perspectiva. Os PCNs funcionam como norteadores da educao brasileira, tanto nos contedos oficiais como nas prticas educativas, e esto inscritos em uma conjuntura, a uma especificidade histrica, da lgica organizacional de determinado contexto.

    A mudana ocasionada pelos PCNs, sobretudo no campo das perspectivas de trabalho, no que diz respeito escolha de contedos e temas transversais, sensvel e traz tona a contnua discusso acerca da responsabilidade da educao frente aos problemas sociais. O que devemos pensar se realmente os objetivos traados nesses Parmetros consubstanciam-se em uma educao que possamos tratar como popular ou pblica em um sentido mais abrangente. O que nos leva a outro problema. Se os Parme-tros Curriculares enquadram-se como norteadores da educao pensada com base na rea-lidade social qual est sujeita e da qual produto, como podemos aplic-los sem recair no engodo da reproduo de velhos conceitos, reafirmando o carter hegemnico de certas relaes sociais ao invs de transform-lo. Os PCNs em si no representam uma mudana em sentido determinista, mas antes, uma abertura a novas tentativas.

    No caso brasileiro, as linhas mestras da poltica educacional esto formuladas em vrias fontes legais. A primeira delas dada pela constituio federal que, desde 1934 e, em grande parte influenciada pelo manifesto dos Pioneiros pela Educao Nova, dedica um captulo para tratar da questo educacional, onde so afirmados os princpios gerais que devem ser levados em conta na organizao de um sistema educacional. A seguir vem a LDB, a primeira delas promulgada em dezembro de 1961, depois de intensos debates entre defensores da escola pblica e setores ligados defesa da escola particular; a se-gunda LDB (1971) reflete a nova configurao que o estado brasileiro adquire a partir do golpe militar de 1964 e, por fim, temos a LDB em vigor, promulgada em dezembro de 1996. Na sequncia, tm-se os pa-receres e resolues aprovadas pelo Conselho Nacional de Educao. Todavia importante frisar que em um mundo globalizado documentos produzidos em organismos internacionais, tais como: UNESCO, Ban-

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    ATIVIDADE 7

    co Mundial e Fundo Monetrio Internacional, tambm influenciam e, dependendo do modo de insero do pas no processo de globaliza-o, chegam a ser determinantes. A declarao de Jomtien, intitulada Educao para todos (1990), passou a ser uma referncia para todos os pases, inclusive para o Brasil (PALMA FILHO, 2004, p. 96).

    importante observarmos que esses textos oficiais so produzidos conside-rando-se uma escola ideal, como situao de trabalho e como local de recursos humanos. E nesses textos no h relativizao das realidades e, ideologicamente, trabalham com a ausncia de rupturas e resistncias, optando pela linearidade e abstrao. As dificuldades e obstculos presentes no cotidiano das escolas esto ausentes dos textos. Os currculos e programas das escolas pblicas, sob qualquer forma que se apresentem (guias, pro-postas, parmetros), so produzidos por rgos oficiais, que deixam marcados com suas tintas, por mais que os documentos pretendam representar o conjunto dos professores e os interesses dos alunos. Assim, por mais que tais grupos reivindiquem, de maneira legtima a participao na elaborao de instrumentos de trabalho, ela tem se restringido a leituras e discusses posteriores a sua elaborao (ABUD, 1997, p. 29).

    Nesse sentido, para tratar da questo educacional, esses textos oficiais apresentam as linhas mestras da poltica educacional, as quais esto formuladas em v-rias fontes legais. Para tanto devemos observar esses documentos legais como fenmeno cultural inse rido na Histria Social, e poltico-social, observado dentro dos nexos e embates de cada momento do processo histrico, pressupondo uma anlise da conjuntura his trica como fim para o conhecimento das Polticas Pblicas. Assim, devemos observar nas leis os pressupostos ideolgi cos que esto por detrs de uma aparente neutralidade filosfica e metodol gica do Direito (HESPANHA, 1978, p. 23), encontrando, como entidade constituti-va da lei ou do Direito, a estrutura histrica determinada pelas condies especficas da pr-tica que o produz, evitando uma conceituao formal e descolada do universo concreto da prtica. Roberto Lyra Filho acres centa que, para tanto, no podemos aferir a prtica jurdica partindo da abstrao e sim concretamente (LYRA FILHO, 1996, p. 87).

    A lei e essas polticas pblicas de ensino devem ser observadas segundo a concepo do materialismo histrico dialtico, que analisa o direito, a lei e a prpria cincia jurdica como fenmenos culturais inseridos na histria social e interpreta a mutabilidade e a dinmica dos contrrios, o que imprime movimento e constante transformao realida-de poltico-social. Nesse movimento dialtico, observaremos como as polticas pblicas de ensino e educao so constitudas em um processo de realizao constante, um tornar-se motivado pelas suas leis internas e pelas contradies externas. Na perspectiva do proces-so histrico contnuo, entenderemos esse quadro temporal pressupondo uma anlise da conjuntura histrica como fim para o conhecimento da produo da lei e da ideologia forma-dora que a circunda.

    A educao, por estar circunscrita em dado contexto histrico e social, inegavelmente produto de um tempo e lugar. O contexto geral da sociedade , ao mesmo

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    ATIVIDADE 7

    tempo, autnomo, pois, carregado de subjetividades, se apresenta de diferentes formas a diferentes receptores. Assim, cabe ao analista crtico extorquindo dos contedos formais, a teoria, elementos que permitam conexes temporais e culturais, estabelecendo assim leituras mais especficas sobre essa ou aquela realidade.

    Aparelhos ideolgicos de Estado, so assim conceituados, segundo a obra de Louis Althusser, Ideologia e aparelhos ideolgicos de Estado: Designamos por apare-lhos ideolgicos de Estado um certo nmero de realidades que se apresentam ao obser-vador imediato sob a forma de instituies distintas e especializadas. Podemos entender que existe uma pluralidade de instituies, tanto as de natureza pblica como privada, que agem dentro do Estado atravs da ideologia. Escreve Althusser que os aparelhos ideolgicos de Estado no agem de forma nica, agem massivamente pela ideologia (...) secundariamente pela represso (...) (ALTHUSSER, 1974, p. 47). Os aparelhos ideolgicos de Estado jurdico, escolar e poltico compem o sistema ideolgico que garantiria a nova ordem estabelecida, bem como a sua reproduo.

    Elenca o autor um rol dos aparelhos ideolgicos de Estado, sendo que, para nosso estudo, nos limitaremos enumerao de trs deles. O aparelho ideolgico de Esta-do escolar compreende o sistema das escolas (pblicas e privadas). O aparelho ideolgico de Estado poltico compreende o sistema pol tico-partidrio. Por fim, o aparelho ideolgico de Estado jurdico compreende todo o ordenamento jurdico, bem como as polticas pbli-cas (ALTHUSSER, 1974, p. 44).

    Podemos, ento, entender ideologia como uma forma elaborada, amadureci-da e sistematizada do pensamento humano, buscando uma finalidade especfica. Marilena Chau conceitua ideologia como um sistema ordenado de ideias ou representaes, incluin-do normas e regras que agem de forma diferenciada e independente das condies mate-riais de existncia (CHAU, 1989, p. 45). Dissemos que a ideologia resultado da luta de classes, e que tem por funo esconder a existncia dessa luta (CHAU, 1989, p. 89). Ensi-na a autora que a ideologia poltica interpretar e explicar a sociedade pelas formas dos regimes polticos e a histria, pelas transformaes do Estado. Condicionando sempre que: o legal aparea para os homens como legtimo [...]. Assim a ideologia substitui a realidade do Estado pela ideia do Estado [...]. E substitui a realidade do Direito pela ideia do Direito ou seja, a dominao de uma classe por meio das leis substituda pela representao ou ideias dessas leis como legtimas, justas, boas e vlidas para todos (CHAU, 1989, p. 91).

    Cabe, dentro deste processo, ao professor estabelecer os recortes perti-nentes ao alcance proposto, unindo aspectos da realidade concreta e, portanto, vivida dos alunos, de onde ele extrai seus referenciais analticos como os contedos formais de cada disciplina, estabelecendo um dilogo entre esses dois campos. Trata-se na verdade de criar condies para o desenvolvimento dos jovens aos quais destina-se a abordagem adota-da. Vale lembrar que no se trata de um processo onde o professor ir ditar os caminhos a serem trilhados. O profissional poder abrir portas que deem partida s discusses, no entanto, so os elementos e aspectos captados no trabalho dirio que iro aos poucos con-

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    ATIVIDADE 7

    densar novas perspectivas, compondo o quadro formativo destes alunos que devero por si construir suas prprias ideias acerca do meio histrico; as relaes existentes entre cidada-nia e cincias humanas podem emprestar ferramentas de ao interrogativa e de reflexo, colaborando para formao deste indivduo em sentido mais abrangente.

    REFERNCIAS

    ABUD, K. Currculos de histria e polticas pblicas: os programas de Histria do Brasil na escola secundria. In: BITTENCOURT, C. (Org.). O saber histrico em sala de aula. So Paulo: Contexto, 1997.ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideolgicos do Estado. Lisboa: Presena, 1974. CHAU, M. O que ideologia. So Paulo: Brasiliense, 1989.HESPANHA, A. M. A histria do direito na histria social. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.LYRA FILHO, R. O que direito. So Paulo: Brasiliense, 1996.PALMA FILHO, J. C. A crise geral do capitalismo real e as polticas pblicas para o setor educacional. In: PALMA FILHO, J. C.; TOSI, P. G. (Orgs.) Cadernos de Pedagogia Cidad Poltica e Economia da Educao. So Paulo: UNESP/Pr-Reitoria de Graduao, 2004.PCNS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS: introduo aos parmetros curriculares nacionais/ Secretaria de Educao Fundamental. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.VOVELLE, M. Ideologias e mentalidades. So Paulo: Brasiliense, 1987.

    ANOTAES

  • prticA de ensino Vi

    PRAEN VI 41

    ATIVIDADE 8OS PCNS E AS POLTICAS PBLICAS

    OBJETIVOS

    Discutir os Parmetros Curriculares Nacionais com o objetivo de fortalecer a unidade nacional.

    Pensar a expresso crise na escola ou crise na modernidade, observando que estamos diante de mudanas profundas na sociedade, e a escola tem uma questo importante pela frente: a formao do cidado frente o grande capital em suas fases trans-nacional e globalizada.

    TEXTO

    Os PCNs e as polticas pblicas

    Os Parmetros Curriculares Nacionais so frutos diretos e mais imediatos para a sistematizao do ensino que emerge depois da criao da LDB em 1996, e que so estabelecidos pelo Ministrio da Educao. Contemplam o contedo mnimo para o ensino fundamental, com