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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí JONATA MAZZURANA MONGUILHOTT
São José (SC), junho de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora Cinthia Machado de Oliveira.
JONATA MAZZURANA MONGUILHOTT
São José (SC), junho de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
JONATA MAZZURANA MONGUILHOTT
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José,
Banca Examinadora:
_______________________________________________________ Prof. Cinthia Machado de Oliveira - Orientador
_______________________________________________________ Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro
_______________________________________________________ Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro
DEDICATÓRIA
Dedico este texto:
Aos meus pais
Milton Pereira Monguilhott e Catarina Mazzurana Monguilhott
Que me ensinaram a maior virtude de um homem: a honestidade
Aos meus irmãos Fernando Mazzurana Monguilhott Gabriela Mazzurana Monguilhott
Que me fizeram, a cada dia, ser mais feliz.
E a minha futura mulher Aline Dias de Oliveira Que me faz acreditar: eu posso.
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos vão para a professora Cinthia Machado de Oliveira que, mesmo diante de adversidades, não desistiu de me apoiar e incentivar.
A todos os amigos que tive a honra de conhecer durante o período
acadêmico. Ao meu amigo Felipe K. Primo, de tantas idas e vindas da faculdade
com quem aprendi mais do que o ensinado em sala de aula. Ao meu avô, profundo conhecedor da vida, e da gramática; e à
minha avó, que desempenha um papel fundamental para que ele possa, hoje, repassar seus conhecimentos.
A todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta, contribuíram
para a realização desta pesquisa.
“Há aqueles que crêem que o destino descansa nos joelhos dos deuses, mas a verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre as consciências dos homens”. “Ela esta lá no horizonte – diz Fernando Birri. – Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”.
Eduardo Galeano
SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE ABREVIATURAS INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1 1. DA PRESCRIÇÃO........................................................................................... 4 1.1 BREVE HISTÓRICO...................................................................................... 4 1.2 CONCEITO.................................................................................................... 6 1.2.1 Da distinção entre prescrição aquisitiva e extintiva.................................... 8 1.2.2 Da distinção entre prescrição e decadência............................................... 9 1.3 DOS FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO.................................................... 10 1.4 NORMAS GERAIS SOBRE PRESCRIÇÃO................................................... 12 1.4.1 Requisitos da prescrição............................................................................. 12 1.4.2 Renúncia da prescrição............................................................................... 13 1.4.3 Argüição da prescrição................................................................................ 15 1.5 NORMAS GERAIS DA PRESCRIÇÃO TRABALHISTA................................. 16 1.5.1 Prazos prescricionais trabalhistas............................................................... 16 1.5.2 Termo inicial da prescrição trabalhista........................................................ 18 1.5.3 Causas impeditivas, interruptivas ou suspensivas da prescrição............... 19 1.5.3.1 Das causas impeditivas ou suspensivas da prescrição........................... 20 1.5.3.2 Das causas interruptivas da prescrição................................................... 22 2. DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO.............................. 23 2.1 BREVE HISTÓRICO. .................................................................................... 24 2.2 CONCEITO....................................................................... ............................ 30 2.2.1 Distinção de outras contribuições............................................................... 31 2.3 NATUREZA JURÍDICA.................................................................................. 33 2.4 ADMINISTRAÇÃO DO FGTS........................................................................ 38 3. DA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO.. 44 3.1 DO APARENTE CONFLITO ENTRE O §5º, DO ART. 23, DA LEI Nº 8036/90 E AS NORMAS QUE DISCIPLINAM A PRESCRIÇÃO TRABALHISTA
44
3.2 LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: UM ROL DE DIREITOS MÍNIMOS.............. 47 3.3 O PRINCÍPIO PROTETOR AO TRABALHADOR FRENTE A PRESCRIÇÃO DO FGTS.....................................................................................
49
3.3.1 In dubio pro operario................................................................................... 50 3.3.2 Norma mais favorável................................................................................. 51
3.4 INCOERÊNCIAS DA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO BIENAL PARA O FGTS....................................................................................................................
53
3.4.1 O alcance do direito por via reflexa............................................................. 53 3.4.2 Da impossibilidade de fiscalização.............................................................. 55 3.4.3 Da incompatibilidade do inciso VII, do art. 20 da lei nº 8036/90 e do enunciado 362 do TST.........................................................................................
56
3.4.4 Da facilidade de se comprovar os depósitos do FGTS............................... 58 3.4.5 A negligência como fundamento da prescrição.......................................... 58 3.4.6 Do baixo grau de instrução do trabalhador brasileiro................................. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 70
RESUMO
O atual entendimento da doutrina e jurisprudência brasileira sobre a
prescrição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, no sentido de se aplicar o
prazo bienal para o ajuizamento da ação após a rescisão do contrato de trabalho,
não se coaduna com os princípios que norteiam o Direito do Trabalho. Ademais,
negar ao trabalhador o direito de acionar a Justiça do Trabalho, para ver seu
direito de ter os depósitos mensais regularmente efetivados, gera diversas
incoerências e conflitos com os dispositivos legais disciplinadores da matéria,
incoerências estas que só contribuem para o descrédito do judiciário brasileiro.
Chega-se ao absurdo de, sendo submetido à Justiça do Trabalho determinado
conflito, negar-se ao trabalhador seu direito e, por via reflexa, através de denúncia
da Delegacia Regional do Trabalho, este obtenha êxito, alcançando seu direito.
Advoga-se então a necessidade urgente da reversão deste quadro, e para isto,
nossos aplicadores da lei devem buscar sempre nos princípios da justiça e da
moral a solução para o conflito. Somente assim conseguirá, o Poder Judiciário,
retomar um pouco da tão necessária confiança de seus tutelados. Salienta-se
ainda a grande relevância do tema, já que o FGTS é a maior, e na maioria das
vezes única, proteção que tem o trabalhador contra a despedida arbitrária.
ABSTRACT
The present understanding of the brazilian doctrine and jurisprudence
about the prescription of Government Severance Indemnity Fund for Employees in
the sense of applying the biennial period for the beginning of the action after the
end of the work contract, don´t agree with the principles that guide the working law.
Besides, deny to the worker the right of sueing at law the Work Justice, to see its
right of having the monthly storage correctly accomplished, create a lot of
incoerences and conflicts with the law, this incoerences just desacreditate people
of the Justice. Sometimes, when a conflict is submitted to the Work Justice, the
worker´s right is denied, but it can be obtained, through denunciation in the Work
Delegacy. So, it´s proposed the reversion of this situation, with the law applicators
should search the solution for this problem in justice and morals principles. This
way the Justice Power can recover the trust of its favoured. The importance of this
monograph is in the fact that the FGTS is the larger, and in most times the only,
protection of the worker against the arbitrary demission.
LISTA DE ABREVIATURAS
Art. – Artigo
CC – Código Civil
Cf. – Conforme
CF – Constituição Federal
Cit. – Citado
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CPC – Código de Processo Civil
DJ – Diário de Justiça
Ed. – Edição
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
Min. – Ministro
Obs. – Observação
P. – Página
RE – Recurso Extraordinário
Rel. – Relator
RT – Revista dos Tribunais
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
Vol. – Volume
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como cerne o estudo da “Prescrição do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”, e, além do seu objeto principal, os
objetivos a seguir delineados:
a) institucional - produzir uma monografia para obtenção do grau de
bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI;
b) geral – analisar, com base nos princípios basilares do Direito do
Trabalho, nas doutrinas e legislações pertinentes e do atual estágio de total
informalidade em que se encontram as relações laborais no Brasil, os
fundamentos para que se aplique a prescrição trintenária do FGTS, sem a
necessidade do ajuizamento da ação no biênio posterior ao término do contrato de
trabalho;
c) específicos - tratar do instituto da prescrição trazendo suas
peculiaridades no âmbito trabalhista; apresentar o sistema do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço, com seus temas pertinentes; e, ao final, debater o prazo
prescricional do FGTS e a aplicação do prazo bienal, depois de cessada a relação
laboral.
O método adotado para a elaboração do presente trabalho foi o
indutivo.
Dentro desta sociedade em que os princípios da moral e da ética são
deixados de lado, chegando-se ao ponto de serem discriminados aqueles que
ainda fazem questão de trazerem consigo a bandeira da honestidade; onde
existem grandes abismos sociais e culturais entre determinadas “classes”,
surgem a cada dia novos problemas a serem resolvidos.
Não obstante esta carga pesada de novas discussões que emergem
a todo momento, tem-se ainda a necessidade da analise das atitudes e da forma
como determinado segmento da sociedade trata de um assunto. Pois, apesar de
terem sido “válidas” em certa época, não se pode permitir a perpetuação de uma
injustiça pelo simples fato de ter, a sociedade, se acostumada com tal
irregularidade. E é dentro deste aspecto que se insere o presente trabalho. Não no
sentido de se analisar um novo problema, mas sim, no estudo de um
entendimento adotado já há algum tempo pelos nossos juristas e doutrinadores,
que em nossa modesta opinião não é a mais acertada.
A pesquisa foi desenvolvida tendo como base a seguinte hipótese:
diante dos princípios trabalhistas e da legislação pertinente ao Fundo de Garantia
do tempo de Serviço, mostra-se equivocada a utilização da prescrição bienal, após
a rescisão do contrato de trabalho. Referido entrave se reveste de grande
relevância dentro das relações empregatícias no Brasil, já que o referido sistema
constitui-se na maior, e na grande maioria das vezes única, proteção que tem o
trabalhador contra a despedida arbitrária.
O trabalho encontra-se dividido em três capítulos. O primeiro trata do
instituto da prescrição, trazendo breves considerações históricas acerca do
mesmo, narrando o conceito de prescrição bem como sua distinção da
decadência, sua divisão em aquisitiva e extintiva, os seus fundamentos, suas
regras gerais e, por fim, expondo as regras específicas ao Direito do Trabalho, no
que concerne as causas suspensivas impeditivas e interruptivas, os prazos, e o
momento a ser alegada.
O segundo trata do instituto do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço, trazendo uma breve exposição da sua evolução, discorrendo sobre seu
conceito, sua natureza jurídica, finalizando com a forma como é administrado.
O terceiro expõe as idéias que permitem afirmar ser incorreta a
utilização da prescrição bienal após o término da relação de emprego, iniciando
com uma exposição dos dispositivos legais que disciplinam o assunto, adentrando,
após, nas incoerências e nas irregularidades presentes no entendimento
atualmente utilizado.
Nas considerações finais apresentam-se breves sínteses de cada
capítulo e se demonstra se as hipóteses básicas da pesquisa foram ou não
confirmadas.
CAPÍTULO 1
DA PRESCRIÇÃO
1.1BREVE HISTÓRICO 1.2 CONCEITO 1.2.1 Da distinção entre Prescrição Aquisitiva e Extintiva 1.2.2 Da distinção entre Prescrição e Decadência 1.3 DOS FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO 1.4 NORMAS GERAIS SOBRE PRESCRIÇÃO 1.4.1 Requisitos da Prescrição 1.4.2 Renúncia da Prescrição 1.4.3 Argüição da Prescrição 1.5 NORMAS GERAIS DA PRESCRIÇÃO TRABALHISTA 1.5.1 Prazos Prescricionais Trabalhistas 1.5.2 Termo Inicial da Prescrição Trabalhista 1.5.3 Causas Impeditivas, Interruptivas e Suspensivas da Prescrição 1.5.3.1 Das Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição 1.5.3.2 Das Causas que Interrompem a Prescrição.
Abordar-se-á, dentro do presente capítulo, os tópicos mais
importantes do instituto da prescrição, definindo seu conceito, os seus
fundamentos, suas normas gerais etc. além de destacar pontos pertinentes do
referido instituto no Direito do Trabalho, matéria para a qual está voltado o
presente estudo.
1.1 – BREVE HISTÓRICO
Ao observar-se o histórico da prescrição, consegue-se ver que do sentido literal da palavra, e o uso jurídico à época de sua criação, pouco se pode relacionar com a atual utilização do instituto.
No Direito Romano primitivo não havia prescrição, tornando as ações
perpétuas, podendo o interessado a qualquer tempo recorrer a elas1. Desta forma,
o Estado não determinava o tempo que o titular do direito teria para exercê-lo
diante de uma violação.
A idéia de prescrição veio a surgir somente no direito pretoriano.
Dentro deste regime o processo se instaurava com a nomeação de um juiz, pelo
pretor, sendo que este último já lhe orientava o julgamento por meio da “fórmula”.
1 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. 4º ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 4 à 6.
Esta “fórmula”, que pode ser comparada à nossa petição inicial dos dias atuais,
era dividida em quatros segmentos: o primeiro era onde se demonstrava a parte
incontroversa da lide, chamada de “demonstratio”; a segunda, conhecida como
“intentio”, trazia a pretensão do autor, bem como a defesa do réu; a terceira, onde
se atribuía capacidade para o juiz julgar segundo suas convicções, era chamada
de “condemnatio”; e como último seguimento tínhamos a “adjudicatio”, que nada
mais era que a autorização dada ao juiz para que este determinasse à quem
pertencia o objeto litigioso.2
A lei Æbutia, do ano 520 de Roma, deu ao pretor o poder de criar
ações não previstas pela legislação vigente, sendo que, para estas, foi introduzido
um limite temporal para o ajuizamento, dando origem assim às chamadas ações
temporárias.3 Quando o autor da ação não observava este prazo, o pretor fazia
constar na parte introdutória da “fórmula” uma determinação ao juiz para que este
absolvesse o réu.4
E ao analisar-se a origem da palavra se visualiza o porque que desta
exposição, no cabeçalho da peça, surgiu o termo prescrição. Senão veja-se:
A palavra prescrição procede do vocábulo latino praescriptio, derivado do verbo praescribere, formado de prae e scribere, com a significação de escrever antes ou no começo.5
Nota-se que, à época, a prescrição foi introduzida como exceção,
oposta ao exercício da ação, com o escopo de extinguir-lhe os efeitos, podendo o
direito sobreviver à existência da ação. E este é um ponto muito importante para
mais tarde podermos encontrar um conceito para a prescrição e para diferenciá-la
da decadência.
2 Cf. DALLOZ. Repertoire de Législation, vol. III, vb. Action, nº 18 apud LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 4. 3 Cf. I. de perpetuis et temporalibus actionibus, 4-12 apud LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 4. 4 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 4. 5 QUICHERAT, Dictionnaire Latin-Français, vb. praescribo apud LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 3.
Abolido este sistema formulário, as exceções que existiam tomaram
o nome da sua respectiva matéria, entretanto, manteve-se o nome para designar a
exceção que se levanta para desonerar o réu da obrigação pretendida pelo autor
(Praescriptio temporis), ou como meio de adquirir a propriedade (Praescriptio
longae seu longissimae possessionis).6
Nota-se hoje que, referido instituto, perdeu seu sentido etimológico,
pois não se pode mais alegar esta matéria preliminarmente. Deve a prescrição ser
alegada quando da discussão da matéria, e sendo hoje acolhida, ao contrário da
concepção romana, extinguirá o processo com o julgamento do mérito, conforme
dispõe o art. 269, IV, do CPC7.
1.2 - CONCEITO
Alguns mestres como Isis de Almeida, Francisco Ferreira Jorge Neto,
dentre outros, entendem que a prescrição atinge o direito de ação do titular.
Vejam-se seus conceitos:
... a perda, pelo decurso de certo tempo, da faculdade de pleitear um direito, através da ação judicial competente.8
A prescrição extintiva representa a perda do direito de ação, quando seu titular, pela inércia e decurso do tempo, não exercita a tutela defensiva para exigi-lo. Implica no término do direito de ação, que é o meio legal para exigir o direito violado.9
Introduzida no sistema pretoriano, como causa obstativa da ação temporária, e ampliada pela Constituição Teodosiana a todas as ações, pelo desaparecimento das perpétuas, a prescrição tem por efeito direto e imediato extinguir ações, em virtude do seu não
6 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. 4º ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 5 7 Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.presidencia.gov.br/. Acesso em: 17 de junho de 2004. 8 ALMEIDA, Isis de. Manual de Prescrição Trabalhista. São Paulo: LTr, 1990. p. 13. 9 NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 824.
exercício durante um certo lapso de tempo. Sua causa eficiente é, pois, a inércia do titular da ação, e seu fator operante o tempo.10
a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo.11
Já Nelson Nery Junior12 entende que a prescrição é “Causa extintiva
da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela
lei”.
Bernardo Ribeiro de Morais13, ao estudar o conceito de prescrição,
apresenta duas correntes divergentes sobre o conceito da prescrição. Vejamos a
primeira delas:
Para a primeira corrente, o objeto da prescrição é a obrigação e,
conseqüentemente, o direito a ela correlato. Assim Pensam os
adeptos da doutrina ítalo-francesa, onde se destacam Coviello,
Roberto Ruggiero, Baudry-Lacantinerie, Colin & Capitant, M.J.
Carvalho de Mendonça, Buchel. Para estes a prescrição extingue
a ação (diretamente) como o direito por ela protegido
(indiretamente), a prescrição é da ação. Somente pela ação é que
o credor pode exigir em juízo a prestação que lhe é devida.
Prescrita a ação, o credor fica desarmado. O seu direito subjetivo
desaparece, pela falta de defesa para fazê-lo valer. Daí dizer que
pela prescrição se extingue a ação (diretamente) e o direito
(indiretamente).
Ainda no sentido de que a prescrição atinge a ação e não direito,
tem-se a brilhante explanação de Silvio Rodrigues14: 10 LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 8 11 BEVILAQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980. p. 286 apud MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 25. 12 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, Ed. 2. São Paulo: RT. 2003. p. 259 13 MORAES, Bernardo Ribeiro de. A decadência e a prescrição diante do crédito tributário, in Decadência e Prescrição, Caderno de Pesquisas Tributárias, v. I., 3ª tiragem, 1991, p. 42 apud NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 825
Aliás, se a inércia do titular é causa eficiente a prescrição, esta não pode ter por objeto imediato o direito, pois este, uma vez adquirido, entra para o domínio da vontade do adquirente, que pode deliberadamente não utilizá-lo, o que, de resto, é compatível com sua conservação. Todavia, se tal direito é violado por terceiro, surge uma situação anti-jurídica, que é removível pela ação conferida ao titular. Se este na usa tal remédio, se se mantém longamente inerte perante a situação nova, o ordenamento jurídico priva-o da ação referida, porque há um interesse social em que essa situação de incerteza e instabilidade não se prolongue indefinidamente.
Não obstante a opinião de doutrinadores de peso acima delineada
adotar-se-á, no presente trabalho, a tese de que a prescrição atinge a ação e não
o direito, por entender-se que um é totalmente independente do outro. Sendo o
Direito, objeto puro da justiça humana, não pode ficar atrelado simplesmente a
ditames que visam coibir atitudes injustas ou imprudentes de determinadas
pessoas. Com efeito, nada proibiria, por exemplo, que certa pessoa, ao ser
cobrada por dívida de 30 anos atrás, reconheça sua condição de devedor e pague
os valores devidos, pelo simples fato de se achar no dever moral e ético de fazê-
lo. Não existe aí a relevância do dever legal, nem a necessidade da intervenção
do poder judiciário, para que se opere a devida justiça.
1.2.1 – Da distinção entre prescrição aquisitiva e extintiva
De duas maneiras o tempo, que é o personagem principal dentro da
prescrição, irá interferir nas relações jurídicas. Na primeira, o legislador
determinou que aquelas pessoas, que desfrutam de um direito por extenso
período de tempo, possuem a prerrogativa de incorporá-los ao seu patrimônio.
Trata-se neste caso da chamada prescrição aquisitiva. Esta modalidade
representa uma forma originária de aquisição de propriedade, v. g., usucapião.15
14 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral, vol. I, 34º ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 325 15 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 325.
Com efeito, se analisarmos o conceito de usucapião, veremos que os
seus elementos básicos são a posse e o tempo.
Em termos mais concretos, denomina-se usucapião o modo de aquisição da propriedade mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas condições.16
No direito do trabalho praticamente inexiste este tipo prescricional
apesar de autores como José Martins Catharino17 exemplificar como exemplo de
prescrição aquisitiva no Direito do Trabalho, “para certos autores franceses, para
os quais a estabilidade é um direito real, o da propriedade do emprego”.
De outra forma, o instituto prescricional, determina ao indivíduo que
por um longo período deixou de exercer uma ação garantidora de seu direito, a
perda da prerrogativa da utilização da máquina judiciária para satisfazer seu
desejo. Nesta hipótese temos a chamada prescrição extintiva, a qual representa a
perda do direito de ação pela inércia do titular de um direito, que não exercita a
tutela defensiva para exigi-lo, dentro de um certo lapso temporal.18
Câmara Leal19 consegue distinguir com muita clareza a prescrição
extintiva da prescrição aquisitiva:
É assim que a prescrição extintiva ou liberatória tem por objeto as ações, estendendo-se, por isso, a sua aplicação a todos os departamentos do direito civil e comercial; tem, como condições elementares, a inércia e o tempo; e é seu efeito extinguir as ações. Ao passo que a prescrição aquisitiva, ou usucapião, tem por objeto a propriedade, circunscrevendo-se ao direito das coisas, na esfera restritamente civil, sem projeção ao comercial; tem, como condições elementares, a posse e o tempo, acompanhadas de justo título e boa-fé, quando ordinária; e é seu efeito a aquisição do domínio.
16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Direito Reais, vol. IV. São Paulo: Atlas, 2001. p. 168. 17CATHARINO, José Martins. Prescrição - Direito do Trabalho, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 60, p. 214 apud NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 824. 18 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 323. 19LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da prescrição e da Decadência. p. 6 e 7.
1.2.2 – Da distinção entre prescrição e decadência
Não obstante ser fácil a distinção dos efeitos da decadência e da
prescrição, diferenciar a essência de cada uma das instituições, foi, e ainda é, um
trabalho árduo para a doutrina.
Um excelente subsídio para que se esclareça tal divergência foi
publicado pelo professor Agnelo Amorim Filho20 em que o renomado mestre
conclui:
1. Estão sujeitos à prescrição todas as ações condenatórias e somente elas;
2. Estão sujeitas à decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito a que correspondem) as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;
3. São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; b)todas as ações declaratórias.
Ainda quanto a distinção dos dois institutos podemos trazer o
ensinamento de Francisco Ferreira Jorge Neto21
Outras distinções entre os dois institutos podem ser destacadas: a) a prescrição, ao contrário da decadência, pode ser suspensa ou interrompida; b) a prescrição só corre contra algumas pessoas, enquanto a decadência corre contra todos – erga omnes; c) a decadência, diferentemente da prescrição, não pode ser renunciada; d) a prescrição pode ser renunciada depois que se consumar, sem prejuízo de terceiros (art. 191, CC); e) a decadência fixada em lei pode ser declarada de ofício pelo juiz, o que não se dá com a prescrição, com exceção para favorecer a
20 AMORIM Filho, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar as ações imprescritíveis. Revista Forense, 193, 1961, p. 30-49. 21 NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 829.
absolutamente incapaz (art. 194, CC, art. 219, § 5º, CPC); f) o prazo decadencial é fixado por lei ou por vontade unilateral ou bilateral, a prescrição, somente por lei.
1.3 – DOS FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO
Diante do anseio da sociedade em atribuir juridicidade àquelas
situações que se prolongaram no tempo, e para que se alcançasse uma maior
estabilidade dentro da sociedade, foi criado o instituto da prescrição, com a
finalidade de pôr um termo a situações litigiosas, evitando que, passado vários
anos, venham a ser reclamado direitos cuja prova de sua constituição já se perdeu
no tempo22.
De fato, a prescrição é indispensável à estabilidade jurídica. Ela está
para a harmonia social como a água esta para a vida. Inexistindo este instituto, a
insegurança se espalharia por toda sociedade, chegando-se ao ponto de ser
necessária a conservação, de forma ad eternum, dos comprovantes do resgate da
dívida contraída.
Desta forma, para que se possa alcançar a eficácia necessária do
Direito, produzindo os resultados almejados por seu titular, é essencial que haja o
exercício pleno do mesmo. E a ação é a forma pela qual o indivíduo pode alcançar
esse fim23. A inatividade do titular, diante da violação do Direito, tem de ser
desestimulada, sob pena de se verificar uma situação de expectativa que impede
o próprio desenvolvimento social. Desta necessidade que surge, para instituto
prescricional, a característica de matéria de ordem pública, por ser de interesse da
comunidade que seja explícito a ameaça da perda do direito de ação, pelo
decurso de certo lapso temporal24.
22 Cf. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 1º vol. 36ª ed. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 291 a 293. 23 Cf.ALMEIDA, Isis de. Manual da Prescrição Trabalhista. p. 14 24 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 15.
Portanto, apesar de aparentemente parecer uma negação de direito,
gerando situações em que o devedor espera ver sua dívida prescrita,
aproveitando-se da situação, e conseqüentemente prejudicando o credor, existe o
interesse maior da coletividade de se alcançar uma estabilidade jurídica.
Várias são as concepções que tentam buscar um fundamento para a
prescrição, Mourlon25, acompanhado de Savigny26, Colin & Capitant27, dentre
outros, sustentam como fundamento a tese de que o não-uso da ação, por parte
do titular do direito violado, traz uma presunção da extinção do direito. Veja-se sua
explicação:
[A prescrição liberatória] funda-se na presunção de que quem cessa de exercer um direito, remanescendo na inação por muitos anos, foi dele despojado por alguma justa causa de extinção; que o credor que permanece tão longamente sem exigir seu crédito é porque foi pago, ou o remitiu.
Silvio Rodrigues 28 sustenta que a maioria da doutrina fundamenta a
prescrição no “anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem
indefinidamente em aberto”. Nota-se, que para esta grande parte dos
doutrinadores, só existe um fundamento para a prescrição, que é esta vontade da
sociedade de se estabelecer um clima harmônico e seguro para as relações
jurídicas.
Não obstante as divergências doutrinárias acerca do tema,
adotaremos a tese do ilustre mestre Câmara Leal29, que agrupa os fundamentos
em três conjuntos de idéias, admitindo sua co-existência mútua: a) castigo à
negligência; b) interesse público; c) estabilização do direito. Um castigo a
negligência por ter, o titular de um direito, deixado de exigi-lo ou por não tê-lo feito
25 MOURLON, Répétitions..., cit., v. 3, n. 1.753 apud RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 326 e 327. 26 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 326. 27 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 326. 28 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 327. 29 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 16
em tempo hábil; o interesse público e a estabilização do direito advêm do notável
interesse da sociedade de que as demandas não fiquem eternamente em aberto,
e que as situações que se perdurem por determinado tempo, ganhem uma certa
estabilidade.
1.4 - NORMAS GERAIS SOBRE PRESCRIÇÃO
1.4.1 – Requisitos da prescrição
Para que se dê a correta operacionalização da prescrição, fazendo
surgir os efeitos que são inerentes a ela, é necessário o preenchimento de
determinados requisitos. Com efeito, não pode a prescrição ser alegada a
qualquer momento e situação pelo simples decurso de tempo.
Para Silvio Rodrigues30 são dois os requisitos principais para que se
processe a prescrição “Em primeiro lugar, a inação do titular do direito; em
segundo, o transcurso do tempo”.
Apesar da não estar equivocada a teoria do ilustre doutrinador acima
delineado, adotar-se-á, por ser mais completa, a tese do Mestre Câmara Leal31,
que quantifica em quatro os requisitos para que se opera a prescrição. Vejamos os
requisitos por ele elencados:
Primeiramente mostra-se necessário a existência de uma ação
exercitável. A prescrição, por ter como objeto a ação e não o direito em si, exige a
existência de uma ação que possa tutelar o direito para que seu efeito venha a
aparecer. Não há como se imaginar a extinção de uma ação sem que ela exista.
30 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 328. 31 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 20 à 29.
Como segundo requisitos podemos citar a inércia do titular do direito
perante a sua violação. Como vimos anteriormente, existe um dever social do
titular do direito de acionar a justiça quando o teve violado, e quando este não o
faz, gera uma insegurança jurídica, devendo ser punido por tal.
Em terceiros lugar exigi-se a continuidade da inércia durante
determinado lapso temporal. Não basta que o titular do direito fique inativo perante
a violação, é necessário que ele permaneça nesta condição durante certo lapso de
tempo. E é por esta razão que se fixa o prazo prescricional da ação.
Por fim mostra-se indispensável que inexistam causas preclusivas de
seu curso. Mesmo que presentes os três requisitos anteriores existe ainda a
necessidade de se verificar a ausência de causas que empeçam ou suspendam o
curso da prescrição. Esta matéria será tratada de forma conjunta, interligando a
Legislação Civil e a Legislação trabalhista, no item 1.4.3 deste capítulo.
1.4.2 – Renúncia da prescrição
Entende-se por renúncia o ato pelo qual o prescribente abdica do
direito que possui de invocá-la, podendo ser este ato praticado de forma expressa
ou tácita.32
O nosso Código Civil trata da matéria em seu artigo 19133:
Art. 191. A Renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
Nota-se que este ato depende exclusivamente da vontade do
32 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 332. 33 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 261.
renunciante, não sendo necessário a anuência ou consulta a terceiros,
formalizando-se como um ato unilateral.34 Cumpre salientar que, conforme o
dispositivo legal, se o renunciante o faz para prejudicar determinado credor, seu
ato padece de invalidade, pois se tratando de uma liberalidade, não pode o
prescribente fazê-lo de forma a prejudicar direito de terceiros.
Importante destacar que a renúncia da prescrição só é cabível após
ter esta se consumado.35 Excelente esclarecimento a par desta matéria é feito por
Sílvio Rodrigues36
Ademais, só se admite a renúncia à prescrição após sua consumação, isto é, não podem as partes convencionar, desde logo, que a ação conferida ao credor é imprescritível. A prescrição interessa diretamente à ordem pública, é editada para atender um fim de harmonia e paz social, imposto pela ordenação jurídica, de sorte que não pode ser ilidida pela convenção entre particulares.
Aliás, se tivermos em vista que geralmente é o credor quem dita a lei do contrato, se considerarmos que a renúncia antecipada à prescrição só a ele beneficia, há que se concluir que, não fosse a proibição legal, todos os contratos conteriam a cláusula de renuncia da prescrição, que se tornaria disposição de estilo.
1.4.3 – Argüição da prescrição
Quanto a Argüição da Prescrição, pode-se dividi-la em três
indagações principais: Quem pode fazer a argüição, quando pode ser feita e como
pode ser alegada?37
As respostas das duas primeiras perguntas foram dadas pelo nosso
legislador no Art. 193 do Código Civil38, o qual dispõe:
34 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 49. 35 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 332. 36 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 332. 37 Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 64. 38 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 261
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita.
Analisando referido dispositivo extraímos duas conclusões: a
primeira é que qualquer parte que tenha interesse na decretação da prescrição
poderá invocá-la, não cabendo ao juiz fazê-lo de oficio, mesmo tratando-se de
matéria de ordem pública. Apesar de parecer um vacilo legislativo, entendemos ter
sido tratada com muita razão a matéria.
Não pode ter o Estado a pretensão de achar que toda a justiça se dá
mediante sua atuação. O justo ocorre em todos os momentos nas relações sociais
sem a interferência estatal, a exceção é que é resolvida mediante seu exercício.
Desta forma agiu com correção o legislador ao deixar na consciência do devedor a
faculdade de invocar ou não a prescrição.
A segunda conclusão é de que se pode alegar a prescrição em
qualquer momento da ação. Seja em instâncias inicias ou superiores, no processo
de conhecimento ou no processo de execução39. Essa disposição decorre do fato
o prescribente poder não ter alegado inicialmente a prescrição, por acreditar ser
possível a solução do litígio por outros fundamentos.40
Já para a terceira pergunta, não há dispositivo legal que conceda
uma resposta cristalina. Porém, ao se buscar a intenção do legislador, quando da
criação do dispositivo legal que permite ser, a prescrição, alegada a qualquer
momento, se deduz que esta alegação pode ser feita tanto por meio de ação,
como por meio de exceção41.
1.5 - NORMAS GERAIS DA PRESCRIÇÃO TRABALHISTA 39 Importa salientar que se a prescrição decidida pela sentença, e por esta não acatada, não pode ser alegada novamente no processo executório, pois a sentença faz coisa julgada. 40 Cf. BEVILAQUA, Código Civil..., cit., obs. 1 ao art. 162 apud RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 334. 41Cf. LEAL, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. p. 66.
No Direito do Trabalho o prazo prescricional assume um aspecto de
suma importância, dada relativa liberdade de que goza o empregado perante o
empregador. Esta importância aumenta a medida que o desemprego aumenta,
pois, o empregado, diante deste grave problema, que se alastra aos sete cantos
do mundo, se vê em uma situação muito incomoda: ou reclama judicialmente seus
direitos e corre o risco de sofrer represálias do empregador, sendo a pior delas a
demissão; ou força-se a aceitar a ilegalidade cometida contra si, dando
continuidade a relação trabalhista.
E com base nesta característica de grande importância social que irá
se tratar agora da prescrição trabalhista, analisando seu aspecto doutrinário, em
função dos seguintes critérios: a) prazos prescricionais; b) termo inicial de
contagem; c) causas suspensivas e interruptivas da prescrição.
1.5.1 – Prazos prescricionais trabalhistas
A legislação anterior à constituição de 1988 previa que, para o
trabalhador urbano, o prazo prescricional para a reclamação de direitos trabalhista
era de dois anos, sendo computado a partir da lesão ao direito (art. 11, CLT)42,
enquanto que para o empregado rural, o lapso temporal era de dois anos, a contar
da extinção do contrato de trabalho (art. 10, Lei n.º 5.889/73)43.
A nova carta constitucional, em seu Art. 7º, XXIX44, alterou os prazos
prescricionais trabalhistas, que passaram a ser de: a) cinco anos para o
trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato; b) dois
42 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar, Ed. 104. São Paulo: Atlas. 2000. p. 11. 43 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 483. 44 MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil. 22ª ed., São Paulo: Atlas, 2004. p. 38 e 39.
anos após a extinção do contrato para o trabalhador rural, não atingindo as
situações já consumadas.
A Diferença que existia antes da Emenda Constitucional nº 2845, que
alterou o art. 7º, XXIX da CF, entre o empregado urbano e o empregado rural era
que, para o segundo, a prescrição não era computada na fluência do contrato de
trabalho, o que acabou sendo derrogado pela referida alteração, passando a não
mais haver diferenças entre o prazo prescricional do trabalhador urbano do
trabalhador rural.
Entende-se que referida emenda padece de inconstitucionalidade,
pois nossa Carta Magna não permite emenda que vise abolir os direito e garantias
individuais (art. 60, § 4º, IV)46, não sendo possível, desta forma, promover
alteração do art. 7º ou de qualquer dos seus incisos.
Brilhante explanação sobre o assunto fez Antônio Álvares da Silva47
entendendo que sob:
Expressão “direitos e garantias individuais” estão compreendidos os Capítulos I e II – Direitos e Deveres Individuais e Coletivos e Direitos Sociais. Como interpretar o art. 60, § 4º: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais? “Emenda tendente” é a que pretende, tem pretensão a alguma coisa. Abolir significa eliminar, banir, suprimir, cf. o Aurélio Eletrônico. Portanto abolir direitos e garantias individuais seria retirá-los da Constituição
45 DOU de 26-5-2000, retificada no DOU de 29-05-2000 apud MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil. p. 355. 46 MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil. p. 104. 47 SILVA, Antônio Álvares da. Prescrição do Trabalhador Rural após a Emenda Constitucional 28/2000, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 67, nº1, jan/mar 2001, p. 63.
Na prática já se surgiu a discussão de que, se não se pode suprimir os direitos e garantias individuais como um todo, nada impede que o direito auferido com base nestes direitos possa ser eliminado sem inconstitucionalidade.
Trata-se entretanto, como bem salientou José Afonso da Silva, de fraude à Constituição uma tal idéia porque, embora preservando a fonte, manter-se-ia o efeito. Os direitos e garantias permaneceriam, mas seus efeitos poderiam ser abolidos, o que não deixa de ser uma grotesca fraude e violação clara aos objetivos constitucionais de garanti-los...
Não obstante as vozes irresignadas de ilustres doutrinadores, como
os acima citados, a alteração Constitucional se operacionalizou. Desta forma,
todas as relações de trabalho regidas pela legislação brasileira passaram a
possuir dois prazos prescricionais: O primeiro diz respeito ao período em que é
vigente o contrato de trabalho, que é de cinco anos; o segundo diz respeito ao
período posterior ao término da contratualidade, que é de dois anos.
Importa a alusão de que estas normas prescricionais acima citadas
devem ser usadas com ressalvas, pois se existirem normas mais benéficas ao
trabalhador, devem ser estas últimas utilizadas, conforme disciplina um dos
princípios basilares do direito do Trabalho, o Princípio Protetor do Trabalhador, o
qual determina que se utilize a norma que mais beneficia ao trabalhador, quando
se estiver diante de duas normas que tratem do mesmo assunto.
1.5.2 – Termo inicial da prescrição trabalhista
Nosso Código Civil prevê que para as ações pessoais de um modo
geral, o prazo prescricional começa a fluir a partir do momento em que a ação
poderia ter sido proposta (art. 189 do CC48). Para os demais casos a nossa
legislação civil indica o fato específico e forma como deve ser contado o prazo.
48 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 259.
No Direito do Trabalho, o entendimento dos nossos tribunais
superiores e da grande maioria da doutrina, é que o termo inicial da prescrição,
como regra geral, segue o princípio da actio nata, ou seja, inicializa-se a partir da
lesão ao direito. Como pode-se ver:
Como regra, o termo inicial da prescrição segue o princípio da actio nata, isto é, a partir da lesão do direito (art. 189, CC)49.
Segundo o princípio da actio nata, aplicável ao caso em tela, a prescrição começa a fluir não do término da relação contratual (31-12-1996), mas da ciência do credor de que foi violado o seu direito subjetivo (...)50.
1.5.3 - Causas impeditivas, interruptivas e suspensivas da prescrição.
As causas suspensivas são aquelas em que estando em curso o
prazo prescricional, suspendem o seu andamento, e ao final do motivo a que lhe
deu efeito o prazo volta a fluir, adicionado a ele o período transcorrido antes da
paralisação.51 É de se salientar que referida suspensão independe da ação do
credor, advindo tão somente do dispositivo legal.
As causas impeditivas são muito parecidas com as causas
suspensivas, inclusive são tratadas conjuntamente na lei. Na verdade só não são
idênticas pelo fato de que o motivo que deu causa ao impedimento precede a
violação do direito, ou seja o prazo nem começa a fluir. 52
De outro norte, as causas interruptivas, para que tragam a tona seus
efeitos, necessitam de um comportamento ativo do credor, ou seja, é necessário
que a parte que irá se beneficiar com a interrupção demonstre a vontade de que
49 Cf. NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 865 50 Acórdão nº 2923/2004 do TRT da 12º Região - Lília Leonor Abreu - Publicado no DJ/SC em 30-03-2004. Disponível em: www.trt12.gov.br. Acesso em: 10 de junho de 2004. 51 Cf. NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 841 e 842. 52 Cf. NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 841 e 842.
se restabeleça a situação anterior à violação. Importante dizer que o prazo
interrompido, quando voltar a fluir, começará do zero novamente, não sendo
computado o prazo transcorrido antes da paralisação. 53
1.5.3.1 – Das causas impeditivas ou suspensivas da prescrição.
As causas suspensivas e impeditivas da prescrição estão delineadas
em três artigos do Código Civil Brasileiro.
No primeiro, o art. 19754, o legislador tratou dos casos em que exista
uma relação jurídica entre as partes que impeça ou dificulte a defesa do direito.
Desta forma a lei determina que o prazo prescricional não transcorra enquanto
perdurar o vínculo. Podemos exemplificar este tipo de suspensão com o caso do
tutor e do tutelado. Sendo o tutor devedor de seu pupilo, poderia esquivar-se da
obrigação apenas deixando o prazo prescricional transcorrer, assim, o dispositivo
legal determina que se suspenda o prazo durante a representação.
O artigo seguinte (art. 198 do CC)55 dispõe que não corra o prazo
prescricional contra determinadas pessoas que possuam peculiaridades que
dificultem a defesa de seus interesses. Podemos trazer como exemplo para este
artigo os absolutamente incapazes, pois não seria justo lhe penalizar por uma
omissão, quando a ação não lhe é permitida, sendo assim o prazo não transcorre
enquanto perdurar a incapacidade.
Já o art. 19956, do mesmo diploma legal, trata dos casos em que o
prazo prescricional não flui por não haver uma ação que possa exigir o
cumprimento da obrigação. Cabe, neste caso, o exemplo de um contrato que
53 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 336. 54 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 261. 55 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 261 e 262. 56 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262.
possua uma condição para que ele se torne exigível. Ora se esta condição não se
verificou ainda, não há como pensar na exigibilidade da obrigação, portando o
prazo fica inerte até que se concretize tal condição.
Dentro do Direito do Trabalho podemos enfatizar como primeira
causa impeditiva da prescrição a relação matrimonial, já que não há dispositivo
legal impedindo uma relação empregatícia entre os conjugues. Porém, é
necessário que se façam algumas ressalvas, como bem fez Délio Maranhão57:
Pode a mulher ser empregada do marido? Pode o marido ser empregado da mulher? Impõe-se, aqui, um escolástico distinguo. Se o regime dos bens é o da comunhão, quando assim for validamente convencionado (art. 257 do Código Civil), não vemos como se possa estabelecer um contrato de trabalho entre esposos. Até a dissolução da sociedade conjugal, os bens de ambos os cônjuges permanecem em estado de indivisão. Ora, o patrimônio do empregador responde pelas obrigações resultantes do contrato de trabalho. Como admitir portanto, que um cônjuge se torne credor do outro? Coisa inteiramente diversa é a hipótese de um dos conjugue ser empregado em um outro estabelecimento de uma sociedade comercial da qual o outro seja sócio. Tendo as pessoas jurídicas existência distinta da dos seus membros (art. 20 do Código Civil), nenhuma dificuldade existe para a configuração, neste caso, de um verdadeiro contrato de trabalho.
Além da relação matrimonial podemos destacar, dentro da seara
trabalhista, a incapacidade absoluta como a causa impeditiva da prescrição, sendo
a menoridade a de maior importância no Direito do Trabalho. De fato, a
menoridade trabalhista é fator impeditivo da prescrição, não tendo relevância
saber se o menor trabalhador é relativa ou absolutamente incapaz, conforme
preceitua o art. 440 da CLT58.
Podemos exemplificar outra causa de suspensão do prazo
prescricional, muito importante dentro do Direito do Trabalho, que é a submissão
57 SUSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho, vol. I. 19º ed. São Paulo: LTr, 1996. p. 318 apud NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 844. 58 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 57.
do litígio trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia (Art. 625-G da CLT59).
1.5.3.2 – Das causas interruptivas da prescrição.
Apontamos anteriormente que, diferentemente das causas que
suspendem o prazo prescricional, a interrupção exige, para que se concretize,
uma ação do titular do direito no sentido de que cesse a violação por ele sofrida.
Vale ressaltar que essa ação somente será dispensada se o comportamento do
devedor se mostrar inequivocadamente no sentido do reconhecimento do direito
do credor.60
Nossa Legislação trata da interrupção do prazo prescricional em
diversos dispositivos legais, dos quais podemos exemplificar alguns deles: a) a
citação pessoal feita ao devedor, mesmo que ordenada por juiz incompetente,
interrompe a prescrição (Art. 202, I, do CC)61; b) o protesto do título devido (art.
202, II do CC)62; c) o protesto cambial (art. 202, III, do CC)63 d) a apresentação do
título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores (art. 202, IV,
do CC)64; e) qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (art. 202, V, do
CC)65; f) qualquer ato, judicial ou extrajudicial, praticado pelo devedor na direção
do reconhecimento do direito do credor (art. 202, VI do CC)66.
Como causa interruptiva do prazo prescricional de maior importância,
dentro do Direito do Trabalho, temos a propositura da ação trabalhista. Destaca-se
que o prazo é interrompido a partir da data do ajuizamento da ação, já que a
citação do reclamado na justiça do trabalho é automática, conforme se extrai do
59 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 89. 60 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral. p. 339 61 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262. 62 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262. 63 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262. 64 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262. 65 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262. 66 JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. p. 262.
art. 841 da CLT67. Ressalta-se ainda que, igualmente ao Direito Civil, a interrupção
se dá mesmo que a citação seja ordenada por juiz incompetente.
O enunciado 268 do TST68 dispõe ainda que a demanda trabalhista
interrompe a prescrição, mesmo sendo ela arquivada. Porém, para que a
interrupção se dê, é necessário que seja válida a citação, mesmo no caso da
demanda arquivada, sendo que a mesma só atingira o que foi pedido na demanda
arquivada. Desta forma, se um empregado ajuizar uma ação requerendo o
pagamento do 13º salário e sua demanda for arquivada, somente se reiniciará o
prazo prescricional quanto ao pedido do 13º salário.
67 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 122. 68 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 593
CAPÍTULO 2
DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO
2.1 BREVE HISTÓRICO 2.2 CONCEITO 2.21 Distinção de Outras Contribuições 2.3 NATUREZA JURÍDICA 2.4 ADMINISTRAÇÃO DO FGTS
O presente capítulo tem como objetivo o estudo do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço, para isto, tentar-se-á expor, de forma breve, a
evolução que o referido sistema sofreu no tempo, além de analisar seu conceito e
sua natureza jurídica e, ao final, mostrar a forma como é administrado, e a quem
cabe fazê-lo.
2.1 BREVE HISTÓRICO
Ao se pretender estudar determinado instituto não se pode fugir do
seu passado. Verificando sua origem e sua evolução no tempo chega-se com
muito mais precisão ao seu conceito atual, bem como se consegue fazer
previsões muito mais sensatas quanto ao seu futuro. Segundo as lições de Sergio
Pinto Martins69
O Direito não deixa de ser uma realidade histórico-cultural, não admitindo o estudo de quaisquer de seus ramos sem que se tenha uma noção de seu desenvolvimento dinâmico no transcurso do tempo.
Desta forma, para entendermos o real significado do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço, seus efeitos, sua administração e sua natureza, é
necessário que analisemos o seu surgimento e o seu desenvolvimento até os dias
atuais.
69 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 25.
A evolução da legislação sobre a dispensa do empregado trás
consigo dois sistemas principais: o primeiro diz respeito ao impedimento da
despedida arbitrária e o segundo trata de uma compensação financeira paga ao
trabalhador demitido, de forma a indenizá-lo pela perda do emprego.70
O sistema impeditivo da dispensa, que no Brasil existe na forma da
estabilidade, surgiu primeiramente no serviço público, privilegiando inicialmente os
Oficias do Exercito e da Armada, já na Constituição de 1824, no seu art. 14971.
Com o advento da lei 2.924 de 1915, referido benefício se estendeu aos demais
servidores públicos.72
A primeira norma legal que tratou efetivamente da estabilidade no
setor privado foi o Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, mais conhecida
como a Lei Eloy Chaves, que em seu art. 42 afirmava que depois de 10 anos de
serviço efetivos, o empregado somente poderia ser despedido no caso de falta
grave, constatada em inquérito administrativo. Porém referido dispositivo só tinha
validade para a categoria dos ferroviários, e apenas alguns anos depois começou
a ser estendido a outras categorias.73
Ressalta-se que, já nesta época, havia a vontade de se criar um
fundo que assegurasse aos operários, no caso de desaparecimento da empresa, o
ordenado ou o salário de um ano de serviço, pretendendo, assim, estabelecer um
ressarcimento ao trabalhador que perde seu emprego. Esta idéia foi contemplada
por determinado segmento dos constituintes de 1934, porém, referido projeto não
chegou a fazer parte daquela Constituição.74
Desde a Lei Eloy Chaves até o advento da CLT em 1943, vários
dispositivos legais foram criados concedendo estabilidade a determinadas
70 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 26. 71 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 26. 72 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 26. 73 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 26 e 27. 74 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 27.
categorias de empregados, porém foi somente com a aludida Consolidação que se
sistematizou as regras sobre a estabilidade no Brasil. Dispunha ela que todo
empregado que completasse 10 anos na empresa não poderia ser dispensado,
salvo por falta grave ou força maior (art. 492 da CLT75). Nota-se que, a
Consolidação não concedeu o beneficio da estabilidade somente a determinada
categoria de empregados, mas sim, destinou-a a todos os trabalhadores.
Ocorre que, somente uma pequena parte de empregados se
beneficiava efetivamente com a estabilidade, não alcançando assim a finalidade
prevista pelo legislador. Um estudo realizado pelo Ministério do Trabalho e
Planejamento a época verificou:
76[...] que apenas 15% dos empregados eram estáveis, nos 30 anos de funcionamento dos sistema. Nas empresas mais novas, com menos de 15 anos, constatava-se a porcentagem de 1% estáveis. Observava-se que a estabilidade, em vez de proteger o empregado, prejudicava-o, pois normalmente ele era dispensado antes de atingir os 10 anos de empresa, justamente para não adquiri-la. [...] Notava-se também que, muitas vezes, o empregado acabava transacionando o tempo de serviço na empresa quando necessitava de dinheiro.
Desta forma começou-se um estudo, por volta de 1964, sobre a
criação de um fundo que substituiria de forma paulatina e eventual a estabilidade,
e serviria como um fundo de estabilidade e habitação combinado com um sistema
de seguro contra desemprego.77
Desse estudo surgiu o anteprojeto de lei, no qual pretendia-se criar
uma conta bancária no nome do empregado onde o empregador depositaria 8%
da remuneração paga ao obreiro. Caso fosse demitido o trabalhador receberia, de
seu empregador, uma indenização no valor de 10% dos depósitos efetuados. 75 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p.68. 76 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 30. 77 Programa de Ação Econômica do Governo para o biênio 1946-1966, s.c.e, s.d.p, p. 222 apud MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 28.
Referido instituto se chamaria Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.78
Em 1966 foi elaborado um novo projeto que ressaltava: a) a
coexistência dos dois regimes; b) a faculdade do empregado de optar por um
deles; c) a estabilidade do candidato ao cargo de dirigente sindical de
empregados; c) multa de 10% no caso de dispensa sem justa causa; d) direito ao
levantamento do fundo pelo empregado se cumprida determinadas condições.79
Referido projeto foi enviado ao Congresso Nacional e, não sendo este aprovado
no prazo de trinta dias, como determinava o art. 5º § 3º do Ato Institucional nº 2,
foi transformado em lei pelo Presidente da República, ganhando o número 5.107,
de 13 de setembro de 196680.
Importante ressaltar que a Lei 5.107 já determinava que, uma das
finalidades do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, era financiar a aquisição
de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação e até mesmo incrementar a
indústria da construção civil.81
Para que não houvesse dúvidas acerca da constitucionalidade da
matéria, já que a Constituição Federal de 1946 tratava em seu art. 157, XII, a
estabilidade no emprego, foi proposta a alteração no referido dispositivo de forma
a permitir um regime de opção entre o FGTS e a estabilidade82.
Este sistema em que cabia ao empregado optar pelo Fundo ou pela
estabilidade só era verificado na teoria, porquanto na prática, o que ocorria era a
pressão do empregador sobre o empregado para que este optasse pelo fundo,
não o admitindo se fizesse a escolha pela estabilidade83. Leciona Amauri Mascaro
78 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 29. 79 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 29. 80 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. 2º ed. São Paulo: Atlas. p. 30. 81 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 30 e 31. 82 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 31. 83 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 30.
do Nascimento84 que o FGTS traz:
... maior incentivo à dispensa do empregado, uma vez que substitui a estabilidade e a indenização de dispensa sem justa causa. Enquanto os sistemas jurídicos modernos caminham para o maior controle da dispensa imotivada.
O que se discutiu após a aprovação da Lei 5.107 e da alteração
constitucional foi a diferenças entre os sistemas. Versava a constituição de 1967
que fazia jus a “estabilidade com indenização o trabalhador despedido ou fundo de
garantia equivalente”. Nota-se que a constituição dizia ser equivalentes ambos os
sistemas. Porém, não havia uma igualdade nos referidos institutos, nem suas
indenizações eram correspondentes. Neste sentido explica Sérgio Pinto Martins85:
Evidentemente, não havia igualdade nos dois sistemas, ou não correspondiam exatamente os depósitos do FGTS às importâncias que seriam devidas ao empregado caso este fosse estável e houvesse a dispensa. Verificava-se que o valor depositado no FGTS não era igual à indenização estabelecida na CLT. O empregado que percebesse baixo salário poderia ter uma remuneração menor do que os depósitos do FGTS, acrescidos de juros e correção monetária. O trabalhador que tivesse alto salário poderia ter a indenização maior do que ele pois a indenização seria calculada com base na maior remuneração que tivesse recebido na empresa (art. 477 da CLT).
Na verdade o que ocorria na maioria das vezes, era a dispensa do
empregado para que o mesmo não adquirisse estabilidade e sua readmissão logo
após, dependo esta última da opção do empregado pelo regime do FGTS.86
Daí até a nossa atual Constituição, diversas mudanças foram
implementadas pela legislação, como a lei 6.858 de 24 de setembro de 198087 que
84 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Inicialização ao Direito do Trabalho. 21 ed. São Paulo: LTr, 1994. pg. 348. 85 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 32. 86 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 32. 87 Publicada no DOU de 25.11.80. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai.
tratava do pagamento do FGTS aos dependentes ou sucessores do empregado
falecido; a lei 6.919 de 2 de junho de 198188, que facultava às empresas
estenderem a seus diretores não empregados o regime do FGTS.
A nossa Constituição atual tratou do tema em seu Art. 7º, III,
assegurando ser, o FGTS, um direito do trabalhador. O inciso I, do mesmo
dispositivo legal, dispõe que o empregado que for dispensado arbitrariamente ou
sem justa causa, faz jus somente a uma indenização compensatória, extinguindo
assim o regime de estabilidade. Passou a vigorar apenas o direito do empregado
ao FGTS, permanecendo o regime de estabilidade apenas para quem já o tinha
adquirido.
A par da extinção do regime de estabilidade, Délio Maranhão89, faz
severas críticas:
O certo é que, em um país em que a esmagadora maioria da mão-de-obra se compõe de empregados não qualificados e de precoce envelhecimento, a estabilidade é uma garantia socialmente necessária. O sistema do FGTS partia da premissa irreal de que o empregado despedido obteria, sempre, outro emprego.
Desta forma, quem não adquiriu o benefício da estabilidade até a
promulgação da nossa atual Constituição, em 05 de outubro de 1988, jamais irá
adquiri-la, salvo, o bom senso de novos legisladores e julgadores que entendam
da real necessidade de uma proteção maior contra a despedida injusta.
Após a Carta Magna de 1988, a primeira legislação a tratar do FGTS
foi a Lei nº 7.83990, de 12 de outubro de 1989. Referido lei, que teve um curto
período de vigência, dava as regras gerais sobre o sistema do Fundo de Garantia
2004. 88 Publicada no DOU de 3.6.81. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 89 SUSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho, vol. I. 19º ed. São Paulo: LTr, 1996. p. 642. 90 Publicada no DOU de 13.10.89. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004.
e revogava a Lei nº 5.107.
A regulamentação atual do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
ficou a cargo da Lei nº 8.036 de 11 de maio de 199091, que revogou
expressamente a Lei nº 7.839, e do Decreto nº 99.68492, de 08 de novembro
de1990, constando nestes corpos normativos as disposições mais significantes
sobre o Fundo.
No ano de 2001 foi editada a Lei Complementar nº 110/2001, tendo
como objetivo, criar duas novas "contribuições" a serem cobradas dos
empregadores brasileiros, para que, com tal receita, se pudesse pagar as
diferenças relativas aos expurgos inflacionários dos planos Collor I e Verão, que
prejudicaram diretamente os trabalhadores.
A primeira destas contribuições incidirá mensalmente à razão de
0,5% sobre o total da folha de salários dos empregados. A segunda contribuição
incidirá toda vez que o empregador demitir um funcionário seu sem justa causa,
sendo que a indenização devida não será mais na base de 40% sobre o FGTS
depositado e sim 50%. Importante salientar que não se trata de um adicional à
contribuição para o FGTS do trabalhador, nem de um aumento no valor da
indenização recebida pelo empregado demitido injustamente, pois os valores
arrecadados não serão incorporado à conta vinculada ao FGTS do trabalhador,
nem repassados a ele quando da demissão sem justo motivo. Ao revés, aqueles
valores serão direcionados à CEF que, por sua vez, comporá um fundo que lhe
permitirá pagar o que o Poder Judiciário lhe condenou.
91 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 331 à 338 92 Publicado no DOU de 12.11.90. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004.
2.2 – CONCEITO
Ao se analisar as leis que regulamentaram o FGTS notar-se-á que
em seus próprios corpos jurídicos traziam o conceito do que vinha a ser o referido
fundo.
A lei nº 5.10793, de 13 de setembro de 1966, conceitua em seu art.
11º, o FGTS como sendo:
Art. 11 - o conjunto das contas vinculadas a que se refere esta lei, cujos recursos serão aplicadas com correção monetária e juros, de modo a assegurar cobertura de suas obrigações, cabendo sua gestão ao Banco Nacional de Habitação.
Já o art. 2º da lei 7.83994, de 12 de outubro de 1989, estabelecia que:
Art. 2 - O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com a atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.
A lei 8.03695, de 11 de maio de 1990, que atualmente regula o FGTS,
trouxe, em seu artigo 2º, redação idêntica ao texto que estava substituindo.
Nota-se que a primeira lei, diferentemente das suas duas
sucessoras, considerava o fundo como o conjunto de contas vinculadas e não dos
saldos das referidas contas. E nos parece que trouxe uma idéia mais correta
quanto ao seu real significado. Como bem explica Sérgio Pinto Martins96:
93 Publicada no DOU de 14.9.66. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 94 Publicado no DOU de 12.11.90. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 95 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 331. 96 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 47.
O Fundo não é apenas o saldo, mas o conjunto de várias conta,
que formam o sistema. O próprio empregado pode, no curso do
contrato de trabalho, utilizar os depósitos para o fim de pagamento
parcial ou total da casa própria e, nem por isso, deixam os valores
de integrar o sistema do FGTS.
O presente trabalho irá adotar o mesmo entendimento do renomado
autor. Ora, o FGTS não tem como única finalidade o pagamento de indenização
ao empregado despedido. A própria lei que regula o sistema fundiário traz, como
sendo uma de suas finalidades, o financiamento da casa própria. Tendo o
empregado utilizado o seu saldo para este fim, os valores utilizados não estarão
deixando de integrar o Fundo.
Para melhor elucidarmos o assunto, traremos o conceito do Fundo
dado por alguns doutrinadores. João de Lima Teixeira Filho97 o faz muito bem
dividindo em dois ângulos:
Individualmente, o FGTS é um crédito trabalhista, resultante de poupança forçada do trabalhador, concebido para socorrê-lo em situações excepcionais durante a vigilância do vínculo de emprego ou na cessação deste, de forma instantânea ou futura, conforme a causa determinante da cessação contratual.
Coletivamente, a aplicação dos recursos do FGTS para financiar a construção de habitações populares, assim como o saneamento e a infra-estrutura.
Já Sérgio Pinto Martins98 conceitua o FGTS como sendo:
um depósito bancário vinculado, pecuniário, compulsório, realizado pelo empregador em favor do trabalhador, visando formar uma espécie de poupança para este, que poderá ser sacada nas hipóteses previstas em lei.
97 SUSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho. p. 646. 98 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 47.
2.2.1 – Distinção de outras contribuições
Como o Fundo de Garantia é uma contribuição muito peculiar, torna-
se importante diferi-lo de outras contribuições para que futuramente possamos
determinar com uma maior precisão sua natureza jurídica.
Para Sérgio Pinto Martins99 difere o FGTS da contribuição para a
Seguridade Social pelos seguintes motivos:
Não se confundo a contribuição do FGTS com a contribuição da Seguridade Social. A última tem por objeto o custeio da Seguridade Social, para que esta possa pagar benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade e outros. A contribuição do FGTS não visa o custeio de benefícios da seguridade social, mas a garantia do tempo de serviço do empregado e o financiamento do Sistema Financeiro da Habitação.
Difere também, o FGTS, do PIS, já que este último é calculado sobre
a renda bruta total da empresa e tem como finalidade a integração do empregado
junta a elas, serve ainda para financiar o sistema do seguro-desemprego. Já o
FGTS é calculado com base na remuneração do empregado e tem como fim
garantir o tempo de serviço prestado pelo empregado ao seu empregador . Seus
valores são ainda utilizados para o custeio do Sistema Financeiro de Habitação.100
Não se confunde, também, o Fundo de Garantia com um tributo.
Quando o Estado aciona o empregador, não exige dele valores a serem recolhidos
ao Erário, como receita pública, mas sim que este deposite em uma conta
vinculada, uma quantia determinada que servirá para assegurar ao empregado
uma quantia, no caso de ser ele despedido. Desta forma, os depósitos do FGTS
pressupõem um vínculo empregatício, devendo ser regulado pelo Direito do
Trabalho, não lhe sendo cabíveis as normas do Direito Tributário. Destaca-se que
99 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 48 e 49. 100 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 48.
esta matéria será abordada com maior amplitude no sub-capítulo seguinte.
Não se confunde, também, o FGTS com a indenização de 40% , já
que esta última só é devida ao empregado, quando este é despedido
injustamente. Sendo a despedida por motivo justificado não faz jus o empregado a
referida indenização, diferentemente dos depósitos, que são devidos mensalmente
ao empregado, independentemente de vir a ser ele despedido por justa ou injusta
causa.
Neste ponto é importante salientar a natureza da “indenização” de
40% sobre o FGTS depositado. Seria ela uma multa ou uma indenização? Adotar-
se-á o entendimento de que se trata de uma indenização, já que, ao analisar-se o
desenvolvimento do referido instituto pode-se notar que o mesmo foi criado, não
para penalizar o empregador por ter despedido injustamente um empregado seu,
e sim para indenizar o empregado pelo tempo de serviço prestado ao seu
empregador quando este último o despede injustamente.
Ademais, para ser uma multa, o ato da depedida sem justa causa
deveria ser considerado ilícito, e como não o é, já que é um direito do empregador
demitir seu empregador a qualquer momento, ressalvadas as hipóteses de
estabilidade, não se caracterizando uma infração a lei.
2.3 – NATUREZA JURÍDICA
Muito se discute, desde o advento da lei 5.107/66, acerca da
natureza jurídica do Fundo de Garantida do Tempo de Serviço, sem, entretanto,
se chegar a um consenso, seja no âmbito doutrinário ou mesmo no âmbito
jurisprudencial. E é aqui, nesta controvertida e discutida matéria, que se encontra
outro ponto fundamental do nosso estudo. Pois, ao enquadrarmos um instituto em
determinado ramo do direito estaremos correlacionando-o com as diversas
normas e princípios que constituem este ramo.
Sérgio Pinto Martins101 entende que a natureza jurídica do FGTS é
híbrida, propondo que ao estudá-la se divida em duas óticas, a do empregado,
apontando várias teorias como as do salário diferido, do salário social, do salário
atual, do Direito Semi-público, do crédito-compensação, e do fundo contábil; e a
do empregador, identificando as teorias parafiscal, previdenciária e tributária.
Conclui o renomado doutrinador que, para o empregador, o fundo
tem status de contribuição social, espécie do gênero tributo102; e para o
empregado, além de ter natureza trabalhista, pois é direito previsto no art. 7º, III,
da CF/88, o FGTS é também uma espécie de poupança forçada feita em seu
favor, com a finalidade de compensar seu tempo de serviço103.
Não obstante a brilhante explicação do ilustre mestre, advogamos a
existência de um erro em sua tese. Com efeito, não enxergamos estar diante de
contribuições sociais, espécie tributária consagrada no art. 149 da Constituição
Federal. Primeiramente porque todo tributo, por imperativo da ordem jurídica,
qualifica-se como receita pública (mais precisamente receita derivada), e o fato de
existir a atuação do Estado, em prol do recolhimento dos depósitos para o fundo,
não o torna titular do direito à contribuição, mas, somente decorre do cumprimento
da sua obrigação de fiscalizar e tutelar a garantia assegurada ao trabalhador.
Este nosso entendimento encontra ressonância em comando legal
expresso, não se constituindo em construção meramente teórica ou opção
científica. Basta analisarmos o conceito de tributo, que não é dado somente pelo
art. 3º do Código Tributário Nacional104, mas também pelo art. 9º da Lei nº
101 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 50. 102 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 76. 103 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 56 e 57. 104 ANGHER, Anne Joyce. Código Comercial, Código Tributário e Constituição Federal. 3ª ed. São Paulo: Rideel, 2003. p. 479.
4.320105, de 1964, que faz menção explicita de tributo como receita pública.
Vejamos o dispositivo legal:
“Art. 9º - Tributo é a receita derivada, instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições, nos termos da Constituição e das Leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.” (Grifo nosso)
Podemos ainda destacar alguns aspectos que confirmam a ausência
de natureza tributária nas contribuições para o FGTS:
I – A fiscalização do cumprimento das obrigações junto ao FGTS não
é feita pelos servidores da Secretaria da Receita Federal do Ministério da
Fazenda, mas sim, pelos agentes do Ministério do Trabalho (art. 23, caput da Lei
nº 8.036106, de 1990, e art. 1º da Lei nº 8.844107, de 1994);
II – A atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional na
cobrança institucional dos valores não depositados junto ao FGTS decorre de
previsão legal explícita (art. 2º da lei nº 8.844, de 1994)108, desnecessária se
estivermos diante de tributo da Fazenda Nacional;
III – A Dívida Ativa do FGTS não se confunde com a Dívida Ativa da
União, pois são dois cadastros distintos, sem comunicação jurídica ou operacional;
Desta forma, confirmado que os créditos trabalhistas do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço não possuem equivalência com as contribuições de
105 Publicada no DOU de 23.3.64 e Retificada em 9.4.64. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 106 Publicada no DOU de 14.5.90 e Retificada em 15.5.90. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 107 Publicada no DOU de 21.1.94. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 108 Publicada no DOU de 21.1.94. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004.
natureza tributária, cumpre, de plano, afastar a hipótese de prescrição qüinqüenal,
determinada pelo art. 174 do Código Tributário Nacional109.
Amauri Mascaro do Nascimento110 também possui o entendimento
de que o FGTS tem natureza jurídica múltipla:
As dificuldades quanto à definição da natureza do Fundo de Garantia prendem-se à sua característica múltipla, uma vez que foi criado para substituir a indenização trabalhista, sendo porém amplo, já que forma um pecúlio para o trabalhador e é recolhida de forma compulsória pelo estado. Essas teorias vêem o Fundo de Garantia por um dos seus ângulos. Visto de modo global e pelos seus aspectos preponderantes, o Fundo de Garantia é um instituto de natureza trabalhista com tendência a expandir-se para o âmbito maior. Compreendido como de natureza trabalhista, para alguns é uma figura análoga à do salário diferido – salário cujo direito é adquirido no presente, mas a utilização é projetada para o futuro.
Os valores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que favorecem o empregado despedido atuam mesmo no sentido da indenização de dispensa. Porém, o empregado pode obter esses mesmo recursos de modo desvinculado à dispensa, caso em que estará usando um pecúlio, como na construção de moradia. Os recolhimentos do empregador mensalmente para a conta bancária do empregado são compulsórios e se caracterizam como uma obrigação muito próxima à parafiscal.
Também não concordamos com a natureza parafiscal das
contribuições para o Fundo de Garantia, pelo fato de não ser o Estado o sujeito
ativo da contribuição, e sim o trabalhador.
Com efeito, o fato de haver uma atuação do Estado ou de um órgão
da Administração Pública, exigindo a contribuição junto ao Fundo de Garantia, não
o torna o titular deste direito. O estado tem simplesmente a função de fiscalizar e
fazer cumprir uma exigência legal por ele determinado, não assumindo a
característica de beneficiário do direito, pois, em hipótese alguma os valores
109 ANGHER, Anne Joyce. Código Comercial, Código Tributário e Constituição Federal. p. 511. 110 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Inicialização ao Direito do Trabalho. 26 ed., São Paulo, LTr 2000. pg. 360-361.
depositados são incorporados ao patrimônio estatal.
Tentando conceituar e estabelecer a natureza jurídica do FGTS, Jose
Augusto Rodrigues Pinto sustenta que o fundo “em si mesmo é apenas uma
massa de recursos, sem personalidade própria”111. Para o mesmo doutrinador,
“bem diversa da simplicidade do conceito para a compreensão desse instituto, é a
explicação da sua natureza jurídica, determinante de uma pluralidade de
teorias”112. E após ressaltar que estas teorias não alcançam com precisão a
essência jurídica do FGTS prefere considerá-la “complexa ou prismática,
caracterizando-se de acordo com o campo do direito para o qual se volta cada
uma das suas múltiplas faces: trabalhista, civil, fiscal, tributária etc”.113
Do mesmo modo não contemplamos referida idéia. Os depósitos
para o FGTS constituem um crédito do trabalhador a fim de assegurar seu tempo
de serviço, tratando-se, pois, de um direito trabalhista, visto que só irá gerar a
obrigação do empregador de efetuar o depósito e conseqüentemente o direito do
empregado de ter seus valores depositados, quando presente estiver a relação
empregado/empregador. Podemos enxergá-lo ainda como um direito social,
quando os valores depositados são usados para socorrer o empregado na
aquisição da casa própria, na situação de desemprego e inatividade, bem como
quando garante um patrimônio para empregado, ou para seus herdeiros.114
Ao voltarmos no tempo, buscando os motivos para a criação do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, encontraremos como sendo um deles,
ao menos para seus idealizadores, o fato de a estabilidade não estar mais
atingindo seu efeito desejado115. Notava-se que o empregador, no intuito de
impedir que o empregado atingisse a estabilidade, o demitia antes de completar os 111 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 3. ed. São Paulo, LTr 1997. pg. 488. 112 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. p. 489. 113 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. p. 489. 114 (decisão do juiz Jorge Luiz Souto Maior) ?????? 115 Cf. BARRETO, Amaro. Teoria e prática do FGTS. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. p. 43-44 apud MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 29.
dez anos de serviço, requisito este necessário para fazer jus ao benefício.
Sendo assim, os legisladores começaram a imaginar uma nova
forma de proteção, que viria a ser o FGTS, e o fizeram visando aumentar a
proteção ao trabalhador. Ora, se os criadores do fundo visavam dar um amparo
maior ao empregado, no que diz respeito a proteção contra a despedida arbitrária,
só o poderiam fazer instituindo um novo direito trabalhista, e não criando uma
contribuição de natureza tributária.
Na vigência da Constituição 1967, após a Emenda Constitucional nº
8/77, a nossa Corte Maior, ao tratar da natureza jurídica, afastou o entendimento
de que o FGTS se caracterizava como crédito tributário ou a contribuições a
tributo equiparáveis. Este entendimento foi utilizado como paradigma em diversos
outros julgamentos, inclusivo após o advento da Constituição de 1988:
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Sua natureza jurídica. Constituição, art. 165, XIII. Lei nº 5.107, de 13.09.1966. As contribuições para o FGTS não se caracterizam como crédito tributário ou contribuições a tributo equiparáveis. Sua sede esta no art. 165, XIII, da Constituição. Assegura-se ao trabalhador estabilidade, ou fundo de garantia equivalente. Dessa garantia, de índole social, promana, assim, a exigibilidade pelo trabalhador do pagamento do FGTS, quando despedido, na forma prevista em lei. Cuida-se de um direito do trabalhador. Dá-lhe o Estado garantia desse pagamento. A contribuição pelo empregador, no caso, deflui do fato de ser ele o sujeito passivo da obrigação, de natureza trabalhista e social, que encontra, na regra constitucional aludida, sua fonte. A atuação do Estado, ou de órgão de Administração Pública, em prol do recolhimento da contribuição do FGTS, não implica torná-lo titular do direito a contribuição, mas, apenas, decorre do cumprimento, pelo Poder Público, de obrigação de fiscalizar e tutelar a garantia assegurada ao empregado optante pelo FGTS. Não exige o Estado, quando aciona o empregador, valores a serem recolhidos ao Erário, como receita pública. Não há, aí, contribuição de natureza fiscal ou parafiscal. Os depósitos do FGTS pressupõem vínculo jurídico, com disciplina no Direito do Trabalho. Não se aplica às contribuições do FGTS o disposto nos arts. 173 e 174, do CTN. Recurso Extraordinário conhecido, por ofensa ao art. 165, XIII, da Constituição, e provido, para afastar a prescrição qüinqüenal da ação. (STF, TP, RE 100.249-2-SP, j.
2.12.87, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 1.7.88, P. 16.903, in LTr 55-05/577).
É de ressaltar-se ainda que o constituinte de 1988, ao tratar do
Fundo de Garantia, o fez no art. 7º, III, que, não por acaso, está inserido dentro do
Capítulo II, o qual trata dos Direitos Sociais. Ora, se a própria carta magna dispõe
ser um direito do trabalhador, se enquadrando num contexto social, não há como
se afirmar que a natureza jurídica do fundo é tributária, pois se o fosse, o
constituinte teria tratado do tema dentro do Título VI – Da tributação e do
orçamento – da CF/88.
Por todo o exposto, é de notar-se, que os depósitos do FGTS
pressupõem a existência da relação trabalhista, estando vinculado às normas e
princípios que disciplinam o Direito do Trabalho. Como direito social do
trabalhador, conforme dispõe o art. 7º, III, da CF/88, não se pode atribuir ao valor
do depósito do FGTS natureza tributária. Os órgãos responsáveis pela fiscalização
e garantia deste direito eminentemente trabalhista e social, não se transformam
em titulares do beneficio, mas somente exercem seu papel de fiscalizador para
assegurar o cumprimento da obrigação por parte do empregador, em proteção ao
direito do empregado.
2.4 – ADMINISTRAÇÃO DO FGTS
Anteriormente ao Decreto-Lei nº 2.291116, de 2 de novembro de
1986, a administração do FGTS ficava a cargo do Banco Nacional da Habitação,
conforme o planejamento elaborado e normas gerais expedidas por um Conselho
Curador, tendo o Instituto Nacional da Previdência Social a função fiscalizadora do
116 Publicado no DOU de 24.11.86. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004.
cumprimento das obrigações.117 Referido Decreto-Lei extinguiu o BNH, passando
a administração do FGTS para a Caixa Econômica Federal.
A lei 8.036, de 11 de maio de 1990, em seu art. 3º, determina que o
FGTS será regido segundo normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho
Curador, que terá a finalidade de estabelecer as normas gerais e o planejamento
para nortear a ação do gestor e do operador dos recursos do Fundo. Conselho
este que será formado por três representantes da categoria dos empregados e
três representantes da categoria dos empregadores, além de um representante do
Ministério do Trabalho, um do Ministério do Planejamento e Orçamento, um do
Ministério da Fazenda, um do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo,
um da Caixa Econômica Federal, e por fim, um representante do Banco Central do
Brasil.
O Conselho se reunirá a cada dois meses ou a qualquer tempo, de
modo extraordinário, podendo ser convocado por qualquer um de seus membros,
sendo que o quorum mínimo para o seu funcionamento é de sete integrantes. As
deliberações serão tomadas pela maioria de votos, devendo ser obrigatoriamente
publicadas, cabendo ao presidente, cujo cargo é cadeira cativa do representante
do Ministério do Trabalho, proferir o voto de desempate.
O art. 5º118, da Lei nº 8.036 de 1990, dispõe as finalidades do
Conselho Curador do FGTS, podendo ser assim enumeradas: a) estabelecer as
diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do FGTS, de acordo
com os critérios definidos nesta lei, em consonância com a política nacional de
desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento
básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal; b)
acompanhar e avaliar a gestão econômica e financeira dos recursos, bem como
os ganhos sociais e o desempenho dos programas aprovados; c) apreciar e
117 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 89. 118 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 332.
aprovar os programas anuais e plurianuais do FGTS; d) pronunciar-se sobre as
contas do FGTS, antes do seu encaminhamento aos órgãos de controle interno
para os fins legais; e) adotar as providências cabíveis para a correção de atos e
fatos do Ministério da Ação Social e da Caixa Econômica Federal, que
prejudiquem o desempenho e o cumprimento das finalidades no que concerne aos
recursos do FGTS; f) dirimir dúvidas quanto à aplicação das normas
regulamentares, relativas ao FGTS, nas matérias de sua competência; g) aprovar
seu regimento interno; h) fixar as normas e valores de remuneração do agente
operador e dos agentes financeiros; i) fixar critérios para parcelamento de
recolhimentos em atraso; j) fixar critério e valor de remuneração para o exercício
da fiscalização; l) divulgar, no Diário Oficial da União, todas as decisões proferidas
pelo Conselho, bem como as contas do FGTS e os respectivos pareceres
emitidos; m) fixar critérios e condições para compensação entre créditos do
empregador, decorrentes de depósitos relativos a trabalhadores não optantes,
com contratos extintos, e débitos resultantes de competências em atraso, inclusive
aqueles que forem objeto de composição de dívida com o FGTS. Este último
Inciso (m) foi acrescentado pela Lei nº 9.711119, de 20.11.1998.
A função de gestor do Fundo de Garantia será exercida pelo
Ministério do Planejamento e Orçamento. Porém, é de se ressaltar, que não se
trata da espécie de gestão de negócios tratada pelo nosso Código Civil, pois os
titulares das contas não são terceiros, mas os próprios interessados, e o fato de os
interessados não exercerem diretamente a gestão dos recursos, não implica a
gestão de negócios, já que a própria lei determina a existência deste Agente
Gestor.120
119 Publicada no DOU de 21.11.98 (Ed. Extra). Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 mai. 2004. 120 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 91.
As finalidades do Ministério do Planejamento e Orçamento, na
qualidade de gestor da aplicação do FGTS, são tratada no art. 6º121, da Lei nº
8.036 de 1990. São assim enumeradas: a) praticar todos os atos necessários à
gestão da aplicação do Fundo, de acordo com as diretrizes e programas
estabelecidos pelo Conselho Curador; b) expedir atos normativos relativos à
alocação dos recursos para implementação dos programas aprovados pelo
Conselho Curador; c) elaborar orçamentos anuais e planos plurianuais de
aplicação dos recursos, discriminando-os por Unidade da Federação,
submetendo-os até 31 de julho ao Conselho Curador do Fundo; d) acompanhar a
execução dos programas de habitação popular, saneamento básico e infra-
estrutura urbana, decorrentes de aplicação de recursos do FGTS, implementados
pela CEF; e) submeter à apreciação do Conselho Curador as contas do FGTS; f)
subsidiar o Conselho Curador com estudos técnicos necessários ao
aprimoramento operacional dos programas de habitação popular, saneamento
básico e infra-estrutura urbana; g) definir as metas a serem alcançadas nos
programas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana.
Ao gestor cabe ainda firmar convênios com os Governos do Distrito
Federal e demais estados para enquadrar, hierarquizar e selecionar os pleitos de
operações de crédito com recursos do FGTS, através de instâncias colegiadas de
representantes do Governo Estadual, e dos Governos Municipais, quando houver,
além de representantes da sociedade civil.
À Caixa Econômica Federal sobrou então a função de Agente
Operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sendo a sua competência
determinada pelo art. 7º122, da Lei nº 8.036 de 1990, assim expostas: a) centralizar
os recursos do FGTS, manter e controlar as contas vinculadas, e emitir
regularmente os extratos individuais correspondentes às contas vinculadas e
participar da rede arrecadadora dos recursos do FGTS; b) expedir atos normativos
121 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 332. 122 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 332 e 333.
referentes aos procedimentos administrativo-operacionais dos bancos
depositários, dos agentes financeiros, dos empregadores e dos trabalhadores,
integrantes do sistema do FGTS; c) definir os procedimentos operacionais
necessários à execução dos programas de habitação popular, saneamento básico
e infra-estrutura urbana, estabelecidos pelo Conselho Curador com base nas
normas e diretrizes de aplicação elaboradas pelo Ministério da Ação Social; d)
elaborar as análises jurídica e econômico-financeira dos projetos de habitação
popular, infra-estrutura urbana e saneamento básico a serem financiados com
recursos do FGTS; e) emitir Certificado de Regularidade do FGTS; f) elaborar as
contas do FGTS, encaminhando-as ao Ministério da Ação Social; g) implementar
os atos emanados do Ministério da Ação Social relativos à alocação e aplicação
dos recursos do FGTS, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho
Curador.
O caput do art. 15 da Lei 8.036/90123 dispõe:
Art. 15. Para os fins previstos nesta Lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia sete de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a oito por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.
Para que o empregador proceda corretamente, diante das
determinações acima expostas, deve abrir contas individualizadas, em nome cada
empregado, nas quais serão efetuados os depósitos mensais de 8% do salário do
obreiro.
Ressalta-se que essas contas devem ser abertas na Caixa
Econômica Federal (Art. 12 da Lei 8.036/90124). Essa determinação surgiu devido
123 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 334.
aos problemas gerados pelas transferências de contas de um banco para outro,
que eram muito comuns, principalmente quando o empregado trocava de
emprego. A Caixa Econômica Federal passou, então, a assumir o controle de
todas as contas vinculadas, sendo que os demais estabelecimentos bancários se
resumiram à condição de agentes recebedores e pagadores do FGTS, mediante o
recebimento de uma remuneração, que é fixada pelo Conselho Curador.125
124 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 334. 125 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Manual do FGTS. p. 94.
CAPÍTULO 3
DA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE
SERVIÇO
3.1 DO APARENTE CONFLITO EXISTENTE ENTRE O ART. 23, § 5º, DA LEI 8.036/90 E AS NORMAS QUE DISCIPLINAM A PRESCRIÇÃO TRABALHISTA 3.2 LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: UM ROL DE DIREITOS MÍNIMOS 3.3 O PRINCÍPIO PROTETOR AO TRABALHADOR FRENTE À PRESCRIÇÃO TRABALHISTA 3.3.1 In Dubio Pro Operário 3.3.2 Norma mais Favorável.
Após as explanações necessárias acerca da Prescrição e do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço, quando se tentou trazer ao leitor um breve
aspecto da história dos referidos institutos, bem como seus conceitos e demais
aspectos relevantes, além do importante paralelo com a legislação brasileira que
os normatizam, chega-se a hora de adentrar no cerne do presente trabalho.
Para tanto, buscar-se-á, dentro deste capítulo, demonstrar o
aparente conflito existente entre as normas que disciplinam a prescrição
trabalhista e a que atualmente regulamenta o FGTS, procurando mostrar ao leitor
que, a norma correta a ser utilizada, é a da prescrição trintenária, sem a
necessidade da interposição da ação dentro do biênio após o término do contrato
de trabalho.
3.1 DO APARENTE CONFLITO EXISTENTE ENTRE O § 5º, DO ART. 23, DA LEI
8.036/90 E AS NORMAS QUE DISCIPLINAM A PRESCRIÇÃO TRABALHISTA.
A Prescrição trabalhista é tratada, de uma forma geral, em dois
artigos, um na Constituição Federal e outro na Consolidação das Leis do Trabalho.
A Carta Magna de 1988126, em seu art. 7º, XXIX, assim o trata:
126Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
https://www.presidencia.gov.br. Acesso em: 19 mai. 2004.
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
Já a CLT127 dispõe sobre a prescrição trabalhista, em seu Art. 11º, da seguinte forma:
Art. 11º - O direito de ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve: I - em cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato; (Inciso incluído pela Lei n.º 9.658, de 05-06-98, DOU 08-06-98) II - em dois anos, após a extinção do contrato de trabalho, para o trabalhador rural. (Inciso incluído pela Lei n.º 9.658, de 05-06-98, DOU 08-06-98 e revogado pela Emenda Constitucional n.º 28, de 25-05-01, DOU 29-05-01)
Ocorre que a Lei nº 8.036128, de 11 de maio de 1990, ao tratar, em
seu art 23º, § 5º, da prescrição dos depósitos junto ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço, o fez da seguinte maneira:
Art. 23 - Competirá ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social a verificação, em nome da Caixa Econômica Federal, do cumprimento do disposto nesta lei, especialmente quanto à apuração dos débitos e das infrações praticadas pelos empregadores ou tomadores de serviço, notificando-os para efetuarem e comprovarem os depósitos correspondentes e cumprirem as demais determinações legais, podendo, para tanto, contar com o concurso de outros órgãos do Governo Federal, na forma que vier a ser regulamentada.
§ 5º - O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária.
127 Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.trt12.gov.br. Acesso em: 19 de mai. de 2004. 128 Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Disponível em: http://www.trt12.gov.br. Acesso em: 19 de mai. de 2004.
Como se pode notar, existem três normas que disciplinam a mesma
matéria. A duas primeiras (art. 7º, XXIX, da CF/88 e art 11º, I e II, da CLT),
dirigem-se ao mesmo lado, determinando que a prescrição de direitos trabalhistas
ocorra de duas maneiras: cinco anos enquanto vige o contrato de trabalho e dois
anos após a rescisão do mesmo; enquanto que a terceira norma (art. 23º, § 5º da
Lei 8.036/90) dispõe que o prazo prescricional do FGTS é de trinta anos.
Aparentemente, poder-se-ia dizer ser este um conflito normativo,
mas, conforme tentar-se-á demonstrar nas próximas páginas, não trata, o caso em
tela, de um real choque entre dispositivos legais. Porém, se por algum motivo não
se entenda desta maneira, mostrar-se-á também, que não existe um “grande
problema jurídico” a ser resolvido, por existirem princípios e normas que
facilmente o solucionam.
Infelizmente não é este o entendimento do Tribunal Superior do
Trabalho, que diante da singularidade editou a Sumula nº 362129. Vejamos seu
conteúdo:
Súmula nº 362. Prescrição: Extinto o contrato de Trabalho, é de dois anos o prazo prescricional para reclamar em juízo o não-recolhimento da contribuição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Importante salientar que a referida súmula foi alterada recentemente
passando a ter a seguinte redação:
Sumula nº 362. FGTS. Prescrição - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003. É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.130
129 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 599. 130 Enunciado 362 do TST. Disponível em: https://www.tst.gov.br. Acesso em: 23 mai. 2004.
Já o Superior Tribunal de Justiça, a quem compete decidir sobre o
alcance de Lei Federal, conforme dispõe o art. 105, I, II e III da CF/88, quando
submetido a apreciar a questão editou a Súmula nº 210131 que prescreve:
Súmula 210. A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos (DJU, 5-6-98).
3.2 LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: UM ROL DE DIREITOS MÍNIMOS.
Como bem se sabe, as normas que regulam as relações
empregatícias possuem peculiaridades somente a elas atinentes. Uma delas é
possibilidade de serem derrogadas, quando em favor dos empregados. Neste
sentido Délio Maranhão132 leciona com maestria:
Mas, nesse particular, o que importa deixar claro é que a regulamentação estatal das relações de trabalho exprime um mínimo de garantias reconhecidas ao trabalhador. Praticamente, todas as normas legais em matéria de trabalho são cogentes, imperativas. Mas sua inderrogabilidade pela vontade das partes, ou por outra fonte do direito, há de ser entendida sem perder de vista que elas - como ficou dito - traduzem um mínimo de garantias, que não pode ser negado, mas que pode, sem dúvida, ser ultrapassado: a derrogação de tais normas é admitida num sentido favorável aos trabalhadores.
No mesmo sentido Francisco Ferreira Jorge Neto133:
Os direitos trabalhistas previstos na Constituição e na legislação extravagante representam um mínimo legal. Ao lado destes direitos, outros podem ser criados, valorizando a autonomia individual como a coletiva, justificando os contratos individuais de trabalho e os instrumentos normativos (convenção coletiva, acordo coletivo e contrato coletivo de trabalho) como fontes do Direito do Trabalho.
Apesar de, à primeira vista, parecer estar-se diante de um artigo (23,
131 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 604. 132 SUSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho. p. 169. 133 NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 131.
§5º da Lei 8.036/90) eivado de inconstitucionalidade, por ter um tratamento diverso do
adotado pela Constituição Federal, impõe-se a análise de determinados
características pertinentes a legislação voltada ao Direito do trabalho.
Primeiramente, é de se salientar que o artigo mencionado não
padece de inconstitucionalidade. O próprio artigo 7º, caput, da CF/88 dispõe que,
além dos direitos por ele elencados, são direitos dos trabalhadores, outros que
visem à melhoria de sua condição social. Ora se o próprio artigo constitucional
permite que se amplie os direitos por ele conferidos, não podemos taxar de
inconstitucional um artigo que tenha como objeto essa ampliação.
Por que se proibir, por exemplo, que, através de uma conquista de
determinada categoria, por negociação coletiva, se amplie o prazo prescricional
dos direitos trabalhista de cinco para vinte anos?
É certo que, essencialmente, não se pode dizer que a prescrição
extintiva é um direito, a não ser, é claro, para o devedor. Ocorre que, o direito de
ação do operário, é abordado dentro de um artigo que traz elencados os direitos
dos trabalhadores, dando a nítida impressão de querer tratá-lo como um.
Ademais, sendo direito patrimonial, pode haver, até mesmo, renúncia da
prescrição. Basta que a parte que iria se beneficiar com a prescrição não a alegue
e o juiz não poderá declará-la de ofício (artigo 219, § 5º, do CPC).
Esta possibilidade da majoração dos direitos estabelecidos na
legislação trabalhista por acordos individuais, convenções coletivas, acordos
coletivos, é matéria pacífica na doutrina nacional, como bem explica Evaristo de
Moraes Filho134:
Assim a convenção coletiva pode conferir melhores condições de trabalho em relação à lei e à sentença normativa; a mesma coisa
134 FILHO, Evaristo de Moraes. Introdução ao Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr. 2000. p. 162.
acontecendo a qualquer delas, inclusive ao regulamento de empresa, que pode ser a mais benéfica.
Ora, se ao regulamento da empresa, é dada a possibilidade da
majoração dos direitos elencados pela legislação trabalhista, não parece correto
que à lei se proíba tal ampliação. Ressalvadas hipóteses de fraude contra
terceiros, este aumento do lapso prescricional, pelas razões acima aduzidas, seria
legítimo.
3.3 O PRINCIPIO PROTETOR AO TRABALHADOR FRENTE À PRESCRIÇÃO
DO FGTS
Na seara do Direito Trabalhista se impõe a necessidade de se
estabelecer parâmetros que visem à proteção do trabalhador, sendo o Princípio
Protetor do Trabalhador um dos mecanismos para tal objetivo. Ney Frederico
Cano Martins135:
O princípio protetor justifica-se pela natural desigualdade em que se encontram os partícipes da relação de emprego: de um lado o trabalhador, subordinado e hipossuficiente, contratado com o empregador, normalmente de maior poderio econômico e detentor do mando.
O direito do trabalho surge como meio de buscar uma compensação para essa natural desigualdade e, dentro dele, o princípio protetor o auxilia nesse mister.
Referido princípio se divide em três campos básicos de atuação136:
I – In dubio pro operario – neste campo o princípio atua na forma
de que, havendo mais de uma interpretação viável, se utilize a exegese que mais
favoreça o trabalhador. 135 MARTINS, Ney Frederico Martins Cano. Os Princípios do Direito do Trabalho e a Flexibilização ou Desregulamentação, in revista LTr, v. 64, nº 7, p. 847 apud NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 99 136 NETO, Francisco Ferreira Jorge. Manual de Direito do Trabalho. p. 99 e 100.
II – Norma mais favorável – Aqui, o que o se determina, é que,
quando existirem duas ou mais normas sobre o mesmo tema, aplica-se o
dispositivo que mais beneficia o trabalhador.
III – Condição mais benéfica – Ou seja, uma condição mais
benéfica alcançada pelo trabalhador não pode ser substituída por outra menos
vantajosa dentro do mesmo contrato de trabalho.
Para o presente estudo, mostram-se mais relevantes os dois
primeiros efeitos da aplicação do princípio protetor ao trabalhador. In dubio pro
operario e a norma mais favorável. Para melhor esclarecimento dividiremos o
estudo em dois sub-capítulos.
3.3.1 In dubio pro operario
Do exame do § 5º do art. 23 da Lei nº 8.036/90, pode-se extrair duas
interpretações. A primeira é no sentido de que, ao determinar-se que a prescrição
dos depósitos para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço seria trintenária,
sem tratar do prazo para a interposição da ação após o término da relação
contratual, o legislador quis, efetivamente, dizer que o prazo é de trinta anos para
o ingresso da ação, independentemente de vigente ou não o contrato de trabalho.
A segunda interpretação nos dirige no sentido de que, se o legislador
não fez menção ao prazo para a interposição da ação, depois de cessado o
contrato de trabalho, é porque não queria alterar o disposto no art. 7º, XXIX da
CF/88 e no art. 11º, I e II, da CLT, estando tal matéria disciplinada por estes
dispositivos.
Antes de se fazer uma análise sobre as interpretações, há que se
salientar que, a primeira interpretação é, indubitavelmente, mais benéfica ao
trabalhador do que a segunda. Desta forma, pela simples utilização do principio
protetor do trabalhador, correto seria emprego da primeira exegese, considerando
assim, que o prazo a que reza o §5º do art. 23 da Lei n.º 8.036/90, independe da
vigência do contrato de trabalho.
Analisando as interpretações, resta mais evidente que a intenção do
legislador, quando da criação da lei, foi no sentido de dar aos depósitos do FGTS
o lapso prescricional de trinta anos, independentemente de findo ou não a relação
laboral. Senão vejamos: qual a possibilidade de um empregado, hoje, no Brasil, se
manter durante trinta anos no mesmo emprego? Durante vinte anos? Ou durante
dez anos? Ressalvados os casos de emprego estável, dificilmente existiria relação
de emprego tão prolongada.
Ora, porque motivo se contemplaria ao empregado o prazo de trinta
anos para reclamar do não depósito do FGTS, se fosse exigido do mesmo o
ingresso da ação no prazo de dois após o término da relação empregatícia. Seria
dispositivo com aplicação prática irrisória.
Desta forma, não há como se pensar na possibilidade do emprego da
segunda interpretação, por dois simples motivos: a)o princípio protetor ao
trabalhador exige a aplicação da interpretação mais benéfica ao empregado, e não
restam dúvidas que esta não é a exegese que mais benefícios traz ao operário; b)
utilizando esta interpretação tornaríamos letra morta o disposto no § 5º do art. 23
da lei nº 8.036/90.
3.3.2 Norma mais favorável
Conforme se pode extrair da legislação que trata da prescrição do
FGTS, existem duas determinações divergentes acerca do assunto.
A primeira, que é tratada pela legislação geral, nos diz que os direitos
trabalhistas prescrevem em cinco anos, respeitado o prazo de dois anos para o
ajuizamento da ação, após o término da relação laboral. Estão contidas nos art.
11º, I e II da CLT, e art. 7º, XXIX, da CF/88.
A segunda é tratada pelo § 5º do art. 23 da Lei nº 8.036/90, lei esta,
específica do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que dispõe ser de trinta
anos o prazo para se pleitear os depósitos do FGTS.
Neste caso é muito simples a reflexão, não havendo a necessidade
de maiores esclarecimentos. O princípio protetor ao trabalhador exige que,
estando diante de dois dispositivos que versam sobre a mesma matéria, o
aplicador da lei utilize a norma que mais favoreça o trabalhador, ou seja o § 5º do
art. 23 da Lei nº 8.036/90, determinando ser de trinta o prazo prescricional do
FGTS.
Neste sentido, um julgado137 recente do Tribunal Regional do
Trabalho da 15ª região, em que é relator o Exmo. Juiz Jorge Luiz Souto Maior, que
apesar de não ser o entendimento majoritário daquela corte (vide decisões
proferidas nos processos nº 15.336/96-4, 00960-2003-071-15-00-6, dentre outros),
constitui-se em um precedente que abre portas para uma mudança no
entendimento da questio. Vejamos a decisão:
FGTS. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. A prescrição do FGTS é trintenária, conforme previsto no parágrafo 5o, do art. 23, da Lei n. 8.036/90. Não pode prevalecer a tese de que a prescrição do FGTS é trintenária para o gestor do Fundo e qüinqüenal para o trabalhador, pois o gestor, como o próprio nome diz, não é o titular
137 Decisão proferida em Recurso Ordinário no Procedimento Sumaríssimo. Processo nº 00552-2000-097-15-00-4, TRT 15ª, Rel. Jorge Luiz Souto Maior, pub. em 24/10/2003. Disponível em: www.trt15.gov.br. Acesso em: 26 de maio de 2004.
do direito, apenas gerencia tal direito. O trabalhador, sendo o titular do direito, por evidente, deve poder cobrar o seu crédito de FGTS, no limite da prescrição trintenária, não havendo nisto agressão à prescrição fixada na Constituição Federal porque um dos princípios que rege o direito do trabalho é o da norma mais favorável ao trabalhador e, por isso, havendo no ordenamento norma que lhe seja mais favorável, no que se refere à prescrição do FGTS, a sua aplicabilidade se impõe, ainda mais quando se lembra que a própria Constituição, no “caput” do art. 7o. (que trata no inciso XXIX da prescrição) fixou que os direitos por tal artigo relacionados são direitos de caráter mínimo, sendo de se aplicar também outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador. O FGTS, por óbvio, atende ao propósito de melhorar a condição social do trabalhador, até porque o FGTS é responsável por várias obras de caráter social.
Em seu voto, o ilustre magistrado, tratando ainda da prescrição do
Fundo de Garantia, declara seu entendimento acerca do prazo bienal, após o
término da relação empregatícia, para o ajuizamento da ação:
Não se há de aplicar, pelo mesmo motivo, a prescrição do direito de ação em dois anos, pois não há previsão neste sentido quanto ao direito fundiário.
3.4 INCOERÊNCIAS DA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO BIENAL PARA O
FGTS
Neste capítulo tentar-se-á mostrar que, além de todos os argumentos
jurídicos anteriormente expostos no sentido da não utilização, empregar-se na
prática a prescrição bienal para o Fundo de Garantia, criará diversas incoerências,
provocando situações injustas e totalmente sem sentido.
3.4.1 O alcance do direito por via reflexa
Dispõe o art. 2º da Lei nº 8.844, de 20 de janeiro de1994138:
138 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 354.
Art. 2º - Compete à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a inscrição em Dívida Ativa dos débitos para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como, diretamente ou por intermédio da Caixa Econômica Federal, mediante convênio, a representação judicial e extrajudicial do FGTS, para a correspondente cobrança, relativamente à contribuição e às multas e demais encargos previstos na legislação respectiva.
Deste dispositivo extrai-se a primeira incoerência, esdrúxula, diga-se
de passagem, na utilização da prescrição bienal para a cobrança dos débitos do
FGTS.
Ora, como já foi decidido pelo STF139, a atuação da Caixa Econômica
Federal em prol do recolhimento da contribuição do FGTS, não torna este ente
público titular do direito à contribuição, mas, apenas, decorre do dever do estado
de fiscalizar e tutelar a garantia assegurada ao empregado.
Imagine-se então que determinado empregado ajuizasse ação
trabalhista contra sua ex-empresa, quatro anos após o término do contrato de
trabalho, pleiteando o recolhimento dos depósitos do FGTS dos últimos trinta
anos. Utilizando-se do prazo prescricional, seria lhe negado o direito a tal
beneficio, por estarem estes prescritos.
Com base no art. 2º da Lei nº 8.844/94, pode-se dizer que, para
resolver o entrave, bastaria que o empregado formalizasse uma reclamação junto
ao Ministério do Trabalho e do Emprego. Este faria o levantamento do débito,
comunicando a CEF se existente as irregularidades. A Caixa procederia a
inscrição em Dívida Ativa dos valores devidos, e ao final, após serem devidamente
cobrados, passariam a integralizar a conta do titular.
Note-se o grande absurdo: ao empregado, legítimo beneficiário do
FGTS, nega-se o acesso ao judiciário para buscar seu direito, sendo assegurada a
139 Vide decisão proferida no RE 100.249-2.
Caixa Econômica Federal, simples Agente Operador do FGTS a possibilidade de o
fazê-lo, já que esta última não fica limitada aos prazos prescricionais trabalhistas.
Considerando-se que a maioria dos trabalhadores não conhece a
legislação trabalhista, como entenderia o empregado que, ao recorrer a Justiça do
Trabalho, lhe é dito que não tem direito aos depósitos do FGTS por estarem
prescritos e, anos depois, ao verificar seu saldo nota que os valores que o juiz
disse não serem devidos estão depositados? Não se pode esperar, e com muita
razão, que este empregado, após tão injusta atitude, deposite sua confiança no
Poder Judiciário.
E quando se diz Poder Judiciário, não se restringe somente aos
juizes, mas também aos advogados, procuradores, promotores e todos os outros
que estão diretamente ligados à cátedra do Direito. Tão digna profissão não pode
se restringir ao simples fato do cumprimento da lei, mas sim, tem o dever de
buscar, sempre, a efetiva verificação da Justiça, em seu sentido mais amplo. Só
assim se conseguirá retomar um pouco da confiança do jurisdicionado, que há
tantos anos vem sendo profundamente desgastada.
3.4.2 Da impossibilidade de fiscalização.
Dispõe o art. 23º da Lei nº 8.036/90140:
Art. 23º. Competirá ao Ministério do trabalho e da Previdência Social a verificação, em nome da Caixa Econômica Federal, do cumprimento do disposto nesta lei, especialmente quanto à apuração dos débitos e das infrações praticadas pelos empregadores ou tomadores de serviço, notificando-os para efetuarem e comprovarem os depósitos correspondentes e cumprirem as demais determinações legais, podendo, para tanto, contar com o concurso de outros órgãos do Governo Federal, na forma que vier a ser regulamentada.
140 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 337.
Não obstante a determinação legal acima citada, é notório que o
governo federal não detêm meios capazes de cumprir efetivamente com sua
obrigação de fiscalizar o cumprimento da Lei nº 8036/90. Desta incapacidade
resulta a existência de milhares de empresas que não cumprem a determinação
legal de efetuar o depósito mensal dos FGTS, à espera, justamente, da
prescrição. E como é de se notar, muitas delas alcançam o êxito.
A utilização da prescrição bienal só vem a contemplar estas
empresas que se mantêm em situação irregular e, mesmo sem ser essa a
intenção, incentivará ainda mais que estas empresas continuem descumprindo
com suas obrigações, pela total ausência de fiscalização, por parte do Estado, do
cumprimento regular dos depósitos do FGTS. Importante salientar que este grupo
que espera pela prescrição do FGTS, não é constituído apenas de entes privados,
mas também, em um grande número de vezes, de entes públicos.
Ora, o Estado que deveria servir de exemplo, não cumpre com as
obrigações que ele próprio determina. E isto não é o pior, além de não cumprir
com a obrigação principal de efetuar os depósitos do Fundo de Garantia, não
cumpre também com a obrigação de fiscalizar o efetivo cumprimento da Lei nº
8.036/90. E não contente ainda, subtrai do legítimo titular o direito de acionar o
Poder Judiciário quando se sente, de alguma forma, prejudicado.
Mais uma vez o Estado consegue desacreditar sua população. O
Poder Legislativo edita uma norma concedendo um “benefício”, que se comparado
ao regime de estabilidade, que vigia anteriormente, mais se assemelha à uma
determinação de que todos os salários serão reduzidos em 50%; o Poder
Executivo que, além de não desempenhar sua função fiscalizadora, não cumpre
com a determinação legal de efetuar os depósitos corretamente; e por fim, o Poder
Judiciário, que poderia dar uma interpretação mais justa a determinados
dispositivos legais, suprime o direito do empregado de ajuizar a ação para
reclamar seus direitos.
3.4.3 – Da incompatibilidade do Inciso VIII do art. 20 da Lei nº 8.036/90 e do
enunciado 362 do TST.
O artigo 20141 da Lei nº 8.036/90 trata das causas em que a conta
vinculada de cada trabalhador pode ser movimentada. Uma delas está disposta no
Inciso VIII, e diz respeito à quando o trabalhador permanecer sem movimentar a
conta. In verbis:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
[...];
VII – quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos, a partir de 1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS, podendo o saque, nesse caso, ser efetuado a partir do mês de aniversário do titular da conta.
Note-se que empregado só pode levantar os valores depositados em
sua conta, quando esta permanecer por três anos ininterruptos sem
movimentação, existindo então, para o empregado, uma mera expectativa do
direito.
Agora imagine-se que o empregado, ao passar três anos sem
trabalhar, dirige-se a Caixa para sacar os valores depositados em sua conta,
quando chega lá, verifica que nada foi depositado. Se adotarmos o Enunciado
362 do TST, este empregado não poderia mais reclamar tais valores. Ou seja,
antes mesmo de poder exercer, efetivamente, seu direito este já estaria prescrito.
Conforme se expôs anteriormente o art. 199 do Código Civil, trata
dos casos em que o prazo prescricional não flui por não haver uma ação que
141 CAMPANHOLE, Adriano. Consolidação das Leis do Trabalho e Legislação Complementar. p. 335 e 336.
possa exigir o cumprimento da obrigação. São os casos em que pende uma
condição para que ele se torne exigível.
Com efeito, o inciso VIII do art. 20 da Lei 8.036/90 impõe uma
condição – só se pode levantar os valores depositados se a conta não for
movimentada durante o período de três anos – ora, se esta condição não se
verificou ainda, não há como pensar na exigibilidade da obrigação, portando o
prazo fica inerte até que se concretize tal condição.
Certo é que o direito aqui discutido é o do empregado resgatar os
valores depositados em sua conta, e não de ter os valores ali depositados. Porém
um é conseqüência direta de outro.
Ao analisar-se, num sentido mais profundo, o direito ao FGTS, ver-
se-á que não trata ele de vincular ao empregado uma conta em que é depositada
mensalmente determinada quantia. Isso não traz beneficio algum ao trabalhador.
De nada adiante existir uma conta com um valor “x” se não se permitir à
movimentação deste numerário. O benefício se dá quando do levantamento dos
valores para o fim que empregado quiser.
Sendo assim, constituí-se de verdadeiro absurdo, a utilização do
Enunciado 362 do TST, para se impedir que o empregado receba o que é seu de
direito, já que, se um direito não pode ser plenamente exercido por pender
condição que o impeça, não pode ser o mesmo declarado prescrito.
3.4.4 – Da facilidade de se comprovar os depósitos do FGTS.
Ao estudar-se a administração do FGTS percebe-se que a Caixa tem
a obrigação de manter o controle sobre os depósitos efetuados, de sorte que, o
empregador que regularmente efetuá-los, não precisará guardar comprovante
algum dos valores depositados. Como visto no início do nosso estudo, o instituto
da prescrição foi criado com a finalidade de pôr um termo a situações litigiosas,
evitando que, passados vários anos, venham a ser reclamados direitos cuja prova
de sua constituição já se perdeu no tempo. Ora no caso dos depósitos do FGTS
não existe dificuldade alguma em se comprovar o seu pagamento ou o seu
inadimplemento, já que para tanto, basta uma simples consulta junto a Caixa
Econômica Federal.
Sendo assim, o argumento de que se deve dar uma estabilidade
jurídica ao jurisdicionado, utilizando-se da prescrição trintenária/bienal ou até
mesmo a qüinqüenaria/bienal não pode prevalecer, sob pena de se estar,
unicamente, privilegiando o infrator da lei, já que não existe, neste caso, uma
situação de instabilidade que deva ser corrigida. Qual prova teria maior valor que o
extrato afirmando os depósitos do FGTS?
3.4.5 – A negligência como fundamento da prescrição
Quando do estudo do instituto prescricional, pode-se perceber que a
negligência do titular do direito, diante da violação sofrida, constitui-se num dos
fundamentos germinativos da prescrição.
Ora, se a prescrição impede que o titular do direito busque a tutela
jurisdicional para torná-lo efetivo, impõe-lhe, de fato, um prejuízo. E muito
justificável é essa pena, pois sua inércia frente a um estado ilícito acarreta um
ônus a toda sociedade. Assim, representando esta inércia a falta de cumprimento
ao dever de cooperação social, não há como se duvidar que o malefício causado
pelo instituto prescricional é uma repressão do mal causado pela negligência do
titular.
Não se pode, porém, contemplar a idéia da imposição de uma perda
a determinada pessoa sem que esta, por uma ação ou omissão, tenha dado causa
para tanto. Sendo-lhe negado o do direito de pleitear em juízo determinado direito,
estará o Estado, causando um mal ao seu jurisdicionado, e somente outro mal
poderia justificá-lo, o qual seja, o não cumprimento, por parte do titular do direito,
do dever social de protegê-lo.
Nos casos dos recolhimentos do FGTS o que ocorre, na grande
maioria das vezes, é que o empregado fica de mãos atadas. Ou reclama
judicialmente o não cumprimento, por parte do empregador, do dever legal de
efetuar os depósitos do FGTS, e assume o risco de ser demitido; ou aceita a
irregularidade, visando a proteção do seu emprego. Estaria o empregado, ao
deixar de exercer seu direito, agindo com negligência, e conseqüentemente,
contribuindo para a insegurança jurídica? Ou estaria ele preservando a segurança
social, já que, sem emprego, não poderia arcar com os gastos para sustentar sua
família?
Da mesma forma não se pode afirmar que acabado o contrato de
trabalho se extingue definitivamente o estado de subjeção do empregado ao
empregador. Basta analisarmos o seguinte caso: determinado empregado é
contratado por uma empresa que presta serviços terceirizados para órgãos
públicos. Referida prestação de serviços é feita por licitação por período
determinado, apesar de na maioria das vezes tratar-se de serviço permanente.
Ocorre que quando expira o prazo da prestação de serviço por aquela empresa,
esta rescinde a relação com os empregados, que são contratados pela nova
empresa prestadora de serviços. Essa troca de empresas ocorre por diversas
vezes dentro do período de dois anos. Imagine-se agora, como poderia um
empregado ingressar com uma ação cobrando o FGTS de sua antiga empresa,
sabendo que amanhã, poderá ser ela sua nova empregadora.
Advoga-se, então, a necessidade de uma análise subjetiva da
situação, verificando o grau de instrução do empregado e empregador, quais as
conseqüências que adviriam se o empregado fosse demitido e a importância do
direito pleiteado. Só assim atingiríamos uma justiça na decisão, não deixando nas
mãos de um empregador que, se beneficiando do fato ter o controle da situação,
não cumpre com suas obrigações.
3.4.6 – Do baixo grau de instrução do trabalhador brasileiro.
Ignora a realidade quem afirma que o trabalhador tem amplo acesso
à conta do FGTS. O Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em pesquisa142
recentemente publicada, mostra que a maioria dos empregados não conhece o
valor da sua conta (58,49%) nem sabe como sacar o dinheiro (42,30%).
Referida reportagem trás dados preocupantes. Em primeiro lugar se
deve salientar que a pesquisa da Superútil Editora e Consultoria de Sistemas, do
Rio de Janeiro, foi realizada via Internet, contemplando, por obviedade, uma
parcela com maior grau de instrução dos trabalhadores. Segundo, analisando as
respostas pode-se afirmar que a maioria dos entrevistados possuem nível superior
(52%) e boa parte tem renda entre R$ 1 mil e R$ 3 mil (45,74%). Ou seja, se, com
base em respostas dadas por uma classe possuidora de um maior grau de
instrução, que por sinal são a minoria dos trabalhadores brasileiros, já se chega a
dados tão alarmantes, o que dirá se consultarmos os trabalhadores com baixo
grau de instrução.
Veja-se, no quadro abaixo, os resultados da pesquisa, conforme
dados publicados pelo jornal:
Pesquisa realizada com 2.914 trabalhadores mostra que maioria não conhece o valor da sua conta nem sabe como
sacar o dinheiro. Não conhecem o saldo da conta 58,49% Não sabem como usar o saldo 42,30%
142 PINHEIRO, Paulo. Confira problemas do FGTS e vigie a conta. O Estado de São Paulo. São Paulo: 20 dez. 1999. Caderno S, Suas Contas, p. 1.
Tiveram dificuldades para sacar o FGTS 37,23% Conta não foi localizada 11,67% Tiveram dificuldades para levantar o saldo 14,41% Não possuem o cartão do trabalhador 38,53% Não sabem o que é o cartão do trabalhador 21,76% Não sabem que têm direito ao extrato bimestral 53,96%
Não sabem que podem pedir o extrato na Caixa 69,96%
Não sabem como o saldo é corrigido 72,30% Acreditam que perderam dinheiro no FGTS 23,43% Acreditam que perdas foram provocadas por planos econômicos 42,31%
Não sabem que têm 30 anos para entrar com ação 84,04%
Fonte: Superútil Editora e Consultoria de Sistemas
A ainda há que se salientar que o baixo grau de instrução do
trabalhador brasileiro, por si só, descaracteriza a negligência, esta necessária a
perfectibilização da prescrição, pois, um empregado só poderia reclamar de uma
violação de um direito seu, se o conhecesse. E aqui não se pode falar que
ninguém pode se escusar do cumprimento da lei pelo não conhecimento da
mesma, já que, se referido preceito constitucional fosse de aplicação objetiva,
estaria em conflito direto com a obrigatoriedade de se constituir advogado para
ingressar em juízo.
Diante de tão triste situação, aplicar ao FGTS a prescrição bienal
após a extinção do contrato de trabalho, trás duas conseqüências que devem, ou
pelo menos deveriam, ser rechaçadas pelo Judiciário Trabalhista: em primeiro
lugar a negativa do próprio direito ao trabalhador; e por fim, o estímulo para que
empregadores inescrupulosos continuem descumprindo com suas obrigações.
1.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo investigar, com base na
legislação, nos princípios norteadores do Direito do Trabalho, na doutrina e nas
atuais condições do trabalho no Brasil, os fundamentos da idéia da
inaplicabilidade da prescrição bienal para o ajuizamento da ação, depois de
cessado o contrato de trabalho, quanto o objeto da lide for os depósitos do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço.
O interesse pelo tema deu-se em razão ser, o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço a maior, e quase sempre única, proteção que goza o
trabalhador contra a despedida arbitrária. Para seu desenvolvimento lógico, o
trabalho foi divido em três capítulos.
O primeiro capítulo tratou do instituto da prescrição. Através da lição
de diversos autores, demonstrou-se que o direito não contou desde o seu princípio
com o instituto da prescrição, vindo esta a surgir somente no direito pretoriano.
Verificou-se que seu sentido originário pouco se assemelha ao atual conceito de
prescrição.
Conforme demonstrado no referido capítulo, diverge a doutrina atual
acerca do conceito de prescrição, dividindo-se em três vertentes: 1º a prescrição
extingue a ação; 2º a prescrição extingue a pretensão; 3º a prescrição extingue o
direito.
Demonstrou-se também que os fundamentos da prescrição podem
ser agrupados em três conjuntos de básicos de idéias: a) castigo à negligência; b)
interesse público; c) estabilização do direito. Evidenciaram-se ainda as diferenças
entre os dois tipos de prescrição, a aquisitiva e a extintiva, como também as
divergências entre o instituto da prescrição e o da decadência.
Ao tratar das normas gerais sobre a prescrição pode-se perceber que
para que a mesma se perfectibilize é necessário o preenchimento de
determinados requisitos: a) a existência de uma ação exercitável; b) a inércia do
titular do direito perante a sua violação; c) a continuidade da inércia durante
determinado lapso temporal; d)que inexistam causas preclusivas de seu curso.
Ainda no mesmo capítulo foi explanado que a regulamentação
acerca do prazo prescricional, dentro do direito do trabalho, é disciplinado pelo art.
7º, XXIX, da CF, o qual dispõe haver dois lapsos temporais distintos: O primeiro
diz respeito ao período em que é vigente o contrato de trabalho, que é de cinco
anos; o segundo diz respeito ao período posterior ao término da contratualidade,
que é de dois anos. Pode-se observar também que a prescrição só pode ser
renunciada após consumar-se; e qualquer parte que tenha interesse na
decretação da prescrição poderá invocá-la, não cabendo o juiz fazê-lo de oficio.
Também no capítulo que trata da prescrição verificou-se que a
prescrição está sujeita a causas que influem no cômputo de seu prazo. Estas
causas podem ser de três naturezas: impeditivas, suspensivas ou interruptivas.
Causa impeditiva é aquela que não permite que o prazo prescricional
inicie. Causa suspensiva é a circunstância que suspende a contagem do prazo
prescricional, sendo que o prazo permanece inerte até o fim do motivo que deu
causa à suspensão. Nestes casos, o prazo decorrido antes da causa suspensiva
não é desprezado, devendo ser somado ao posterior. A causa interruptiva faz com
que a contagem do prazo prescricional cesse sua contagem, e ao findar a referida
causa, o prazo inicia-se novamente do zero.
No terceiro capítulo dissertou-se sobre o Fundo de Garantia do
Tempo de serviço. Ao traçar um breve histórico sobre o referido instituto, verificou-
se que o mesmo veio a ser um substituto do regime de estabilidade que
anteriormente vigia. Pode-se observar que, com base em argumentos duvidosos,
entendeu o legislador que o antigo regime não mais trazia seus efeitos desejados,
sendo necessário uma nova forma de proteção à despedida arbitrária, surgindo o
FGTS.
Quanto ao conceito do Fundo de Garantia pode-se observar a
inexistência de maiores divergências doutrinárias, já que a própria lei que
regulamente o fundo, trás sua definição.
Se foi claro determinar o conceito do FGTS, o mesmo não se pode
dizer quanto a definição de sua natureza jurídica, já que existe um total disparato
entre os doutrinadores e entre a jurisprudência. Alguns estudiosos entendem que
os depósitos do FGTS têm natureza tributária, outros dizem ser de natureza
previdenciária. Há ainda os que dizem ser estritamente de natureza trabalhista. O
STF ao decidir sobre o tema definiu que, os depósitos têm natureza trabalhista e
social, entendimento compartilhado por este estudo.
Verificou-se ainda que, a administração do FGTS é de competência
da Caixa Econômica Federal que, como conselho gestor, tem a função de
estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do
FGTS, acompanhar e avaliar a gestão econômica e financeira dos recursos, bem
como apreciar e aprovar os programas anuais e plurianuais do FGTS, além de
diversas outras funções procedimentais. Pode-se notar ainda, que a Caixa tem a
obrigação de fornecer o extrato das contas vinculadas dos trabalhadores.
No terceiro adentrou-se no objetivo maior desta monografia, que foi o
de mostrar que a aplicação da prescrição bienal ao FGTS não se coaduna com os
princípios e preceitos legais existentes. Numa primeira parte foi exposto o
aparente conflito existente entre os dispositivos legais sobre a prescrição do
FGTS.
Após, pode-se verificar que os direitos trabalhistas, legalmente
disciplinados, são direitos mínimos, passíveis de majoração, sendo que a própria
Constituição Federal assim os trata, não podendo ser taxado de inconstitucional
um dispositivo que tenha como objeto essa ampliação.
Verificou-se também que o princípio protetor ao trabalhador, dentro
das esferas: in dubio pro operário e da norma mais favorável, determina que
senão se utiliza a prescrição bienal para o caso do FGTS. O primeiro por que
determina que interpretação deve ser feita de forma a favorecer o trabalhador,
levando-nos a considerar que, o art. 23º, § 5º, da lei 8036/90, determina a não
utilização daquela prescrição. O segundo nos obriga utilizar o disposto na lei do
FGTS, frente ao disposto constitucional, por ser aquele mais benéfico ao
trabalhador.
Por fim, pode-se observar diversas incoerências que surgem, quando
da aplicação do prazo prescricional bienal, seja no que tange a possibilidade de
alcance do direito, por parte do trabalhador, por via reflexa; seja na
impossibilidade de fiscalização; na incompatibilidade com outros dispositivos da
Lei 8.036/90; na facilidade de se comprovar os depósitos do FGTS; além do fato
de não poder-se caracterizar a negligência do trabalhador, diante da violação do
seu direito, em diversos casos; e por fim, se expôs o baixo grau de instrução do
trabalhador brasileiro.
Por todo exposto, afirmar-se que: se resta um pouco de justiça
dentro dos julgadores brasileiros, devem os mesmos rever seu entendimento,
tornando a declarar que só atinge os depósitos do FGTS a prescrição trintenária,
unicamente ela.