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PESQUISA: Princípio Científico e Educativo Pedro Demo Prefeitura Municipal de Campo Grande MS SEMED Secretaria Municipal de Educação DITEC CSPTEC: Antonio Donizete de Souza

Princípio Científico e Educativo

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PESQUISA:

Princípio Científico e EducativoPedro Demo

Prefeitura Municipal de Campo Grande – MSSEMED – Secretaria Municipal de Educação

DITECCSPTEC: Antonio Donizete de Souza

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Introdução

A ideia é fundamentar proposta de teoria e prática que

ultrapasse os muros da academia e da sofisticação

instrumental.

Essa pretensão supõe que se desmitifique a pesquisa, para

não encerrá-la em sofisticações operáveis apenas por castas

superiores e raras.

Para não ser mero objeto de pressões alheias, é mister encarar

a realidade com espírito crítico, tornando-a palco de possível

construção social alternativa.

Faz parte dessa rota alternativa a expectativa de formação de

novos mestres, desde que pesquisar coincida com criar e

emancipar.

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IPesquisar –O que é?

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1. Desmitificando o conceito O processo de pesquisa está quase sempre cercado de ritos

especiais, cujo acesso é reservado a poucos iluminados.

Por fim, isso permite associar-se a pequeno grupo acima da média, que, além de perfazer a nata acadêmica, também tende a exclusivizar acesso a recursos.

É preciso reconhecer que a formação sofisticada do pesquisador não é mal em si. Ao contrário, faz parte da cena sempre.

Certamente, esse pesquisador “americano” (perito em projeções, índices e taxas), além de muitas vezes decair na banalização imitativa colonialista, propende a disseminar uma visão curta do processo científico, atrelado ao empirismo e ao positivismo.

A desmitificação mais fundamental, porém, está na crítica à separação artificial entre ensino e pesquisa.

No oposto está a soberba do pesquisador exclusivo, que já considera ensino como atividade menor.

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Saber desliga-se de mudar, o que pode acarretar para a atividade de

pesquisa estigmas muito preocupantes, tais como:

a) cultivo de distanciamento útil e mesmo recaída na neutralidade

farsante, comodista e elitista.

b) contradição flagrante entre discurso crítico, por vezes radical, e o

desvinculamento da prática, replicando conservadorismo gritante.

c) função de “bobo da corte”, reduzindo o conhecimento, sobretudo

o crítico, na prática a estratégias de controle e desmobilização social.

d) apropriação do saber, que passa sobretudo a manobra de

acesso ao poder, afastando-se da função de transmissão socializada.

e) favorecimento da alienação acadêmica no sentido de atividades

tão especulativas, que nunca se sabe bem para que servem na

prática, principalmente no cotidiano das pessoas e da sociedade.

De si, as ciências sociais tratam apenas da práxis histórica, do seu

presente, passado e futuro. Teorizar sobre ela é fundamental , mas

seria prática inaudita permanecer apenas na teoria.

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Como ator social, o pesquisador é fenômeno político, que, na

pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os

confrontos e pelos interesses aos quais serve.

Assim, desmitificar a pesquisa há de significar também o

reconhecimento da sua imisção natural na prática, para além de todas

as possíveis virtudes teóricas, em particular da sua conexão

necessária com a socialização do conhecimento.

Prova visível da dicotomia artificial está no conceito de

extensão, inventado precisamente porque a universidade tende a fugir

da realidade concreta circundante.

Professor é quem, tendo conquistado espaço acadêmico próprio

através da produção, tem condições e bagagem para transmitir via

ensino.

A postura europeia tem o defeito de elitizar em excesso a pesquisa, se

partirmos de que deve fecundar todos os níveis do saber, mas tem de

correto a recusa de desvincular ensino de pesquisa.

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Dito isso, cabe explicitar que o nosso posicionamento compreende a pesquisa não só como busca de conhecimento, mas igualmente como atitude política , sem reducionismo e embaralhamento, num todo só dialético.

O conhecimento gerado na academia é diferente do conhecimento comum, mas seria incompatível soberba não reconhecer neste também “saber”.

Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta emancipatória.

Desmitificar a pesquisa há de significar, então, a superação de condições atuais de reprodução do discípulo, comandadas por um professor que nunca ultrapassou a condição de aluno.

Por outra, criar não é retirar do nada.

Vale, então, rever o conceito de aprendizagem, relacionado ao de ensinar, sempre restritos os dois a posições receptivo-domesticadoras.

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2. Horizontes múltiplos da pesquisa

Compreendida como capacidade de elaboração própria, a pesquisa

condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto científico

(Demo, 1985b)

Todavia, a pesquisa empírica é apenas um horizonte dela, que, se

exclusivizado, já denota desvirtuamento típico do conceito de pesquisa.

Mesmo quando colocamos o desafio correto de que a pesquisa é

descoberta da realidade, trata-se de um conceito estreito de realidade, se

a restringirmos à sua manifestação empírica.

Para muitos pode parecer estranho rejeitar que seja real apenas o que se

“vê”.

Tomando exemplo próximo, o fenômeno do poder só pode ser captado

de modo realista, se de partida não acreditarmos em sua manifestação

externa, que sempre usa para mascarar.

Sobretudo, faz parte do “empirismo” a demissão teórica, segundo a qual

se reduz o que é mais importante ao que é mais empírico, sacrificando a

realidade ao método de captação.

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Assim, o mínimo que podemos dizer é que há horizontes não-

empíricos, que fazem parte da realidade.

De partida, é mister ressaltar que ao lado da preocupação empírica

deve haver preocupação teórica.

De acordo com os quadros teóricos de referência, o real pode

variar, inclusive apresentar-se contraditório.

A realidade que se quer captar é a mesma para todos, mas para

captar é preciso concepção teórica dela, que pode ser diferente em

todos.

Se numa teoria nunca está inclusa a realidade toda, mas tão-somente

a maneira de a conceber, muito menos seria pensável encerrar em

manifestações empíricas.

A hermenêutica é a arte de descobrir a entrelinha para além das

linhas, o contexto para além do texto, a significação para além da

palavra.

Domínio teórico significa a construção, via pesquisa, da capacidade

de relacionar alternativas explicativas, de conhecer seus vazios e

virtudes, sua história, sua consistência, sua potencialidade, de cultivar

a polêmica dialogal construtiva, de especular chances possíveis de

caminhos outros ainda não devassados

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Faz parte, assim, da pesquisa teórica:

a) conhecer a fundo quadros de referência alternativos, clássicos e

modernos, ou os teóricos relevantes.

b) atualizar-se na polêmica teórica, sem modismos, para abastecer-se

e desinstalar-se.

c) elaborar precisão conceitual, atribuindo significado estrito aos

termos básicos de cada teoria.

d) aceitar o desafio criativo de propor a realidade à fixação

teórica, para que a prática não se reduza à “prática teórica”, e para

que a teoria se mantenha em seu devido lugar, como instrumentação

interpretativa e condição de criatividade.

e) investir na consciência crítica, que se alimenta de alternativas

explicativas, do vaivém entre teoria e prática, dos limites de cada

teoria.

A seguir, é importante ressaltar a preocupação metodológica.

Primeiro, é constatação comum que todo cientista criativo e produtivo

marcou sua presença no mundo científico não só pela teoria e por

vezes pela prática, mas também sempre pela discussão metodológica.

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Ainda, também é constatação comum que metodologia científica é

uma das matérias mais estratégicas na formação

acadêmica, sobretudo na direção da motivação à pesquisa.

Terceiro, é preciso lembrar que a distinção entre ciência e outros

saberes está no método, sobretudo.

Nesse sentido, pesquisa metodológica é um dos horizontes

estratégicos da pesquisa como tal, que não se restringe a “decorar”

estatística com seus testes áridos, mas alcança a capacidade de

discutir criativamente caminhos alternativos para a ciência e mesmo de

criá-los.

O mais interessante é o questionário criativo, constante e processual

da própria ciência: seu lugar na sociedade, o que pode e não pode

explicar, suas ideologias e mitos, ciência como mito moderno, para da

insatisfação retirar energia alternativa.

Por fim, outro horizonte da pesquisa é a prática, por mais que as

ciências sociais, contraditoriamente, possam estranhar tal postura.

Advêm disso repercussões drásticas, que vão desde o descrédito

crescente das ciências sociais, cada vez mais vistas como impotentes

frente aos problemas que apenas estudam, até o cúmulo de inventar

“especialidades” sem qualquer demonstração prática.

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Reproduz-se formidável indigestão teórica, de estilo

imitativo, quase sempre na direção de filiações tacanhas e

determinadas posturas, no que a falta de elaboração própria em

termos teóricos e metodológicos se combina com a falta de

confronto prático.

Por essa porta artificial entra o fantasma da dicotomia entre saber

e mudar, cuja correlação tende a ser inversa.

Todavia, não vale sacralizar a prática.

A distância para com a prática é compreensível, sobretudo pelo

temor do confronto, que condiciona mudanças na teoria.

A pesquisa participante é talvez a proposta mais ostensiva de

valorização da prática como fonte de conhecimento, apesar de

suas banalizações típicas.

A ideologia recebe tratamento mais adequado, porque, sendo parte

integrante do processo científico em ciências sociais, o desafio

será como controlar, não como suprimir.

A pesquisa prática – que nunca pode ser benfeita sem

teoria, método e empiria – é modo salutar de produção de

conhecimento, que possui ainda a vantagem de puxar para o

cotidiano a ciência.

Pesquisa prática quer dizer “olhos abertos” para a

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3. A pesquisa como descoberta e criação

Em metodologia científica, descobrir e criar não são a mesma coisa.

Na descoberta criou-se conceito novo, não realidade nova, embora a

partir daí se possa inventar usos novos do conhecimento.

Num exemplo aplicável à história, a concepção de dialética estrutural-

objetiva busca delinear nela leis “férreas” do seu desenvolvimento, pelo

que a passagem do capitalismo para o socialismo se dá

inexoravelmente, pela própria lei da sua dinâmica interna.

No texto Contribuição Para a Crítica da Economia Política, considerado

apenas nele mesmo, Marx desdobra esse tipo de concepção

dialética, que Lévi-Strauss supõe como estruturalista a seu modo

(Marx, 1973; Demo, 1989).

Marx de certa forma alimentava, em momentos, a expectativa de fazer

da história uma ciência exata.

Por outra, quando se fala de criar, temos proposta diversa de

ciência, desde os extremos hegelianos similares que exageram o lugar

das condições subjetivas, até o equilíbrio da dialética histórico-

estrutural.

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A história vem concebida como, de um lado, condicionada por

estruturas dadas, naturais e sociais, que jamais podem ser

ignoradas, e, de outro lado, condicionada pela possível intervenção

humana, que não precisa submeter-se passivamente às

circunstâncias dadas ou encontradas.

Sem aprofundar a disputa entre dialéticas “objetivantes” e

“subjetivantes”, está claro que indicam concepções diferentes do

caminho científico, mas no fundo ressaltam a mesma importância

da pesquisa.

A concepção formalista de ciência distingue e separa sujeito do

objeto e investe em metodologia objetiva como instrumentação de

cerceamento da subjetividade.

Torna-se fatal a distinção entre ciência pura e aplicada, entre teoria

e prática, por questão de método.

No outro lado, a concepção histórico-cultural de ciência coloca o

objeto construído como produto e processo científico

típico, admitindo que ciência é também criação.

De um lado, temos de assumir que as ciências sociais não são

apenas questão de conhecimento, mas igualmente questão

histórico-social.

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De outro lado, aponta-se para a característica de uma realidade

histórica dinâmica e complexa, que jamais cabe na cabeça do

cientista integralmente.

O termo construção pode ser exagerado, quando indica que o

cientista passa a “inventar” a realidade, sobrepondo a ela a rigidez

teórica ou o interesse ideológico.

Esta discussão pode mostrar o quanto a pesquisa é fundamental

para descobrir e criar.

Pesquisa se define aqui sobretudo pela capacidade de

questionamento, que não admite resultados

definitivos, estabelecendo a provisoriedade metódica como fonte

principal da renovação científica.

A vantagem de posturas dialéticas está precisamente em colocar o

questionamento não apenas no método, mas igualmente na própria

realidade, até porque a ideologia não aparece só no sujeito, mas na

realidade como tal, por ser histórica e prática.

Para descobrir e criar é preciso primeiro questionar.

Para tanto, encerra-se a ciência na descoberta, reservando a

criatividade apenas para o nível do conhecimento.

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Na história, porém, a lógica que mais interessa não é a “lógica da

descoberta”, como dizia Popper, mas a lógica da criação, da

alternativa, da transformação, da esperança infinita.

Pesquisa deve ser vista como processo social que perpassa toda

vida acadêmica e penetra na medula do professor e do aluno.

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4. A pesquisa como diálogo Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente

com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante

do cotidiano.

De um lado, é mister desmitificar o conceito de diálogo:

a) não é algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou algo ritual e

especial como é a necessidade de comunicação entre professor e aluno.

b) não é expressão dos consensos, da intelecção fácil e mecânica.

c) não se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo

comunicação, com todos os seus riscos e desafios.

De um lado, é mister fazer aproximação devida entre pesquisar e

dialogar.

Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam.

O fenômeno do diálogo toca no complexo problema da comunicação

social, cuja compreensão adequada dificilmente escaparia do contexto

hermenêutico.

Mas, ao lado disso, a comunicação tem a característica do ardil, porque é

sempre mais fácil confundir, desentender, enganar.

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Todavia, essa marca histórico-estrutural da comunicação não é diferente

da realidade social, que também possui a característica do mistério e do

ardil.

Uma realidade dessa tessitura não pode ser de todo dominada, muito

menos vilipendiada como mero objeto de manipulação.

Fundamental é nossa compreensão, porque, de partida, supera a

pesquisa como simples descoberta, que termina na analise teórica.

Pesquisar, assim, é sempre também dialogar, no sentido específico de

produzir conhecimento do outro para si, e de si para o outro, dentro do

contexto comunicativo nunca de todo devassável e que sempre pode ir a

pique.

Sendo a desigualdade social o ardil principal da sociedade, é também o

maior desafio da comunicação.

Pesquisa assume contornos existenciais, porque encerra o desafio

histórico-estrutural de compreender e enfrentar a desigualdade

social, num processo que nunca termina.

Com isso chegamos a um ponto fundamental desta discussão, que é a

visão da pesquisa no contexto dos interesses sociais.

Muitas vezes destaca-se essa questão sob o ângulo da curiosidade, que

estaria na base do espírito científico pesquisador.

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Entretanto, o móvel mais estrutural e histórico da pesquisa é sua raiz

política, no contexto do diálogo interesseiro.

Outro exemplo é a pesquisa tecnológica, que adquiriu hoje o primeiro

lugar como estratégia de acumulação de capital, superando já a fonte da

mais-valia.

Talvez estranhe colocar essa crueza histórica no contexto da pesquisa

como diálogo.

Quer dizer, não podemos transformar pesquisa em ardil.

Em seguida, cabe afirmar que, como princípio científico, a pesquisa

instrumenta qualquer interesse político, principalmente quando se pinta

de neutra.

Dito isso, podemos valorizar à vontade pesquisa como diálogo, na

esperança social de que, através dela, se possa motivar o surgimento de

alternativas sociais mais aceitáveis.

É possível alargar ainda mais a desmitificação do conceito estereotipado

de pesquisa, tendo em vista que aparece naturalmente – porque

necessariamente – na formação histórica do sujeito social competente.

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De certa maneira, pesquisa se confunde com a filosofia, em seu sentido

original: apreço pela sabedoria, tanto em sua modéstia que sabe antes

de mais nada que pouco sabe, como em sua exuberância que a tudo

questionava, inclusive a si mesma (Abbagnano, 1989).

Nesse sentido, o que faz da aprendizagem algo criativo é a

pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao desafio, desfazendo

tendência meramente reprodutiva.

Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa.

E isso não redunda apenas em competência técnica e científica; funda

também um passo essencial no processo emancipatório.

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IIA pesquisa como

princípio científico

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1. A questão curricular Na grade curricular aparecem matérias ordenadas dentro de algum

princípio didático e de certa concatenação entre elas.

Embora façamos aqui visível caricatura, ela pode clarificar a vigência

estereotipada do mero ensinar, ao lado do mero aprender.

Do lado do professor temos a visão empobrecida do ministrador de

aulas, ainda em grande parte pessoas que detêm apenas

graduação, sem experiência comprovada no campo científico.

Essa marcas expressam a impropriedade flagrante da função de

professor, banalizada na condição de repassador barato de

conhecimento alheio.

A noção de professor precisa ser totalmente revista, sem recair em

preciosismos importados de fora.

Assim, vale perguntar: o que é professor?

a) em primeiro lugar, é pesquisador,.

b) é, a seguir, socializador de conhecimentos.

c) é, por fim, quem a partir de proposta de emancipação que concebe e

realiza em si mesmo, torna-se capaz de motivar o novo pesquisador no

aluno, evitando de todos os modos reduzi-lo a discípulo subalterno.

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Por exemplo, quem dá aula de introdução à educação faz isso porque é

capaz de escrever – pelo menos de reescrever à sua maneira – o que

seria introdução à educação.

No extremo, é impossível ser professor “de qualquer coisa”, até porque

sequer seria viável ser monitor, entendendo-se por monitor alguém

que, não tendo necessariamente domínio da matéria, se apresenta

como instrutor útil eventual.

Essa exigência pode recair na “idiotice especializada”, quando a

especialização resvala para o encerramento em detalhes que fazem

perder a noção do todo, dificultando o diálogo com a realidade.

Mas parece claro que professor mais adequado de introdução à

educação seria aquele que tem produção própria nessa matéria, em

particular quem faz elaborações próprias, porque, além de dispor de

bagagem pessoal, é capaz de comparar as várias maneiras de

conceber a matéria, de imprimir forte dose de espírito crítico e

autocrítico, de formular o ambiente propício ao diálogo criativo com

todas as correntes, de fomentar a produção constante de argumentos

alternativos na área.

Em termos muito simplificados, pode-se dizer que, no plano da teoria, é

mister exigir capacidade própria de elaboração, e , no plano da

prática, capacidade de recriar teoria e de unir saber & mudar.

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Ainda é importante repisar a necessidade de atualização constante, que

faz parte da pesquisa como questionamento cotidiano, com vistas a

evitar o instrutor que passa a vida toda dizendo sempre a mesma

coisa, à revelia do progresso científico, o que significa precariedade

dupla: apenas copiar, e surrar a cópia.

Por outra, ainda que se deva cotidianizar a pesquisa, há um mínimo de

exigência qualitativa que se defronta com misérias típicas da nossa

sociedade, sobretudo com o amesquinhamento profissional e salarial.

Sem chorar mágoas do subdesenvolvimento, é preciso saber encontrar

equilíbrio aceitável entre a condição favorecida e desigual dos que

podem dedicar-se ao estudo integral, e aquela da maioria que vai

estudar depois do trabalho.

O importante é compreender que sem pesquisa não há ensino.

Se a pesquisa é a razão do ensino, vale o reverso: o ensino é a razão da

pesquisa, se não quisermos alimentar a ciência como prepotência a

serviço de interesses particulares.

Na carteira está sentado o aluno. Quem é ele?Em grande parte

acostumado à “decoreba”, à prova e à “cola” no trajeto dos graus

anteriores de ensino, chega à universidade com expectativas similares.

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Vê-se que a miséria do professor é a mesma do aluno, o qual será, em seguida, o professor, dentro da mesma engrenagem reprodutiva.

O primeiro disparate dessa relação degradante é o seu aspecto diretivo-autoritário.

Disso se depreende que é total disparate resumir o ensino à aula, porque corresponde a reduzir a aprendizagem ao escutar passivamente.

Essa posição é muitas vezes confundida com seminário, entendido com mesa-redonda, na qual todos discutem juntos.

Para motivarmos o elaborar científico, pelo menos a nível teórico, são necessárias condições didáticas, tais como:

a) indução do contato pessoal do aluno com as teorias, através da leitura, levando a interpretação própria.

b) manuseio de produtos científicos e teorias, em biblioteca adequada e banco de dados.

c) transmissão de alguns ritos formais do trabalho científico.

No fim das contas, o aluno não pode apenas escutar; tem que produzir, o que exige investir em tal competência.

Em certos lugares a elaboração aparece, em momentos, como desafio de fazer em casa algum trabalho que exige reflexão e leitura, como trabalho de grupo seguido de alguma elaboração, e sobretudo como trabalho de fim de curso.

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2. A questão da teoria & prática

Em ciências sociais, parece-nos claro que a prática deve ser estritamente curricular, não somente teoria.

Uma das coisas mais ridículas em ciências sociais é a teoria sem prática, ou a teoria como prática.

Encarnam essa caricatura, hoje, sobretudo, economistas e sociólogos, entre outros, que, não por acaso, é difícil definir na prática para que servem.

O óbvio aos olhos da sabedoria popular, ou seja: que as ciências sociais se fazem para a construção de sociedades pelo menos mais toleráveis, na academia é questão espúria, pois só interessa estudar, analisar, sistematizar e discursar.

È complexo acertar meio termo entre o “especialista em generalidades” e o “idiota especializado”.

Preocupa que as ciências sociais, muitas delas de berço filosófico e crítico, insistam no especialista em generalidades, produzindo o cientista apenas bom de discussão crítica.

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Todavia existe também o idiota especializado, mais facilmente

encontrado em especializações “micros”, como o economista que reduz

economia a técnica de manuseio empresarial, ou o sociólogo que reduz

sociologia às suas aplicações estatísticas para levantamentos empíricos.

Por um lado, a prática não se restringe à aplicação concreta dos

conhecimentos teóricos, por mais que isto seja parte integrante.

Por um lado, é fundamental defender a necessitação mútua de teoria &e

prática, na maior profundidade possível de ambas, porquanto nada é

mais essencial para uma teoria do que a respectiva prática e vice-versa.

É mister superar ironias do nosso destino, como a de jogar no mercado

um “professor” que não sabe dar aulas, um advogado que nunca

conduziu um processo judicial, um contador que nunca fez contas de

uma empresa.

Tomando o exemplo da formação de educador, caberia, de

partida, colocar que, em seu currículo, deve aparecer tempo inicial de

preparação propedêutica, de carga mais teórica, digamos, forte dose de

estudo da metodologia científica e da teoria referencial como

fundamentos da formação geral comum a todo educador e como

ferramenta para elaboração própria.

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A seguir aparece o sentido da especialização, com dose crescente

de prática.

Avançando no tempo, deve aparecer com total clareza a capacidade

de construção do planejamento educacional pelas próprias mãos, no

equilíbrio entre boa teoria e boa prática.

Será quimérico colocar essa pretensão nas condições atuais, mas

este é o desafio fundamental.

Parece claro que a “aula” vai perdendo importância, à medida que

surge o cientista autônomo, o novo mestre, que aprende por

elaboração própria, não por imitação.

Em vez de um “professor” para cada âmbito, pode-se organizar de

tal modo que no percurso de dois semestres o “aluno” elabora dois

ou mais trabalhos, escolhendo temas de maior interesse

Alcançaríamos dois resultados relevantes: redefinimos o papel do

professor como orientador, quase flecha inteligente que indica o

caminho da biblioteca ou parceiro crítico, consciência vigilante;

redefinimos o papel do alunos, motivando a capacidade de escolha

e produção própria de temas.

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3. “Dar conta de um tema” O trabalho pessoal de pesquisa encontra expressão própria no

desafio de assumir um tema para elaborar e defender, ainda

que possa restringir-se à produção teórica.

Embora a pesquisa seja conquista lenta e progressiva, começa

no primeiro semestre.

O professor tem seu lugar, como pesquisador e orientador, para

motivar no aluno o surgimento do novo mestre.

“Dar conta de um tema significa, pois, retomar o contexto do

trabalho científico, geralmente apresentado como caminho de

comprovação de hipóteses.

Page 30: Princípio Científico e Educativo

Assim, não cabem nesse desafio leituras pela metade, cópias

pirateadas de autores, número prévio de páginas, mera reprodução

de dados.

Aqui temos um parâmetro de avaliação do novo mestre, por mais que

a nossa realidade mostre o contrário: o estudante conclui o curso sem

saber dar conta de um tema, não consegue escrever com clareza e

sistematização, não ordena, manuseia, constrói e interpreta dados, o

que revela continuar apenas “aluno”, até porque aprendeu com um

“professor” que nunca saiu da condição de “aluno”.

Enfim, ressalte-se que o “trabalho de elaboração individual”, embora

imprescindível, pode levar ao isolamento ensimesmado do cientista.

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4. A questão da avaliação A avaliação pode não respeitar o ritmo de cada um em seu

desenvolvimento intelectual e social, partindo para comparações externas e de cima para baixo.

Todavia, como não adianta mascarar a desigualdade social, a avaliação acaba tornando-se inevitável em tem seu protótipo mais duro na “mercadoria”, que tem custo.

Esse mesmo contexto motivou o surgimento de escolas alternativas, nas quais se tentou minimizar o lado da disciplina comportamental, bem como da avaliação paramétrica.

A farsa reaparece hoje na universidade, quando se busca privilegiar caminhos que dispensam avaliação do desempenho, mormente a promoção por mero tempo de serviço.

Tal postura, hoje tão comum, em vez de diminuir o confronto da desigualdade, apenas o mascara, exacerbando-o.

Seria o erro oposto alijar o estudante da participação na definição curricular, pelo menos no sentido de expressar-se sobre expectativas de formação e profissionalização, de avaliar o desempenho dos professores e da instituição, de apresentar crítica a partir do seu ponto de vista, objetivando adequações necessárias no tempo.

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Se desfazer polêmicas pertinentes, é possível discutir alternativas de avaliação à luz do conceito de pesquisa.

É sempre muito complexo avaliar mérito acadêmico, mesmo restrito à demonstração teórica dos desafios científicos que mais escancaram os limites da ciência, tanto na dificuldade de avaliar “isentamente”, pois no fundo é impraticável, como na impossibilidade concreta de encontrar critérios concensuais e definitivos.

A par de critérios quantitativos, aparece quase sempre o de mercado, se for possível colocar assim nesse espaço.

Tudo isso se assanha sobremaneira na progressão de carreira para um dia ser titular.

Onde se destrói a avaliação acadêmica, já se exterminou a universidade, porque morreu a pesquisa.

O conceito de pesquisa leva a dizer que a avaliação do aluno precisa ser radicalmente revista, para ser coerente com o desafio de gestação do novo mestre.

Segundo, em vez da prova, a forma mais fecunda e conveniente de avaliar é motivar a produção científica em ambiente próprio, com liberdade acadêmica, na qual o estudante possa enfrentar o desafio de crescer por si.

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Com isso o professor enfrenta outros riscos e desafios.

Deveria ser regra geral que, em cada semestre, o estudante produzisse um número de elaborações próprias, que seriam a base fundamental de avaliação.

Por tudo isso, é indispensável que no fim da graduação se produza “tese” científica convincente, na acepção exata de demonstração da capacidade do novo mestres, que aí conclui uma etapa, para ingressar na vida profissional com qualidade formal e política.

Por fim, é preciso chamar a atenção para a unilateralidade da avaliação, quando se restringe à elaboração teórica, por mais que seja avanço incomparável, porquanto falta a prática.

Por outra, prática não se resume à aplicação da teoria, embora isso seja essencial.

Como avaliar o mundo da qualidade política é questão complexíssima, assumida em manifestações como pesquisa participante, avaliação qualitativa, hermenêutica social, fenomenologia, todas tão pertinentes quanto ainda tateantes.

A avaliação apenas formal é fuga, porque atesta que não sabemos avaliar conteúdos, m as, se benfeita, já representa cuidado providencial, que resgata a noção de pesquisa como descoberta científica.

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IIIA pesquisa como

princípio educativo

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1. Educação, pesquisa e emancipação

Emancipação é o processo histórico de conquista e exercício da qualidade de ator consciente e produtivo.

No mesmo todo aparece o momento da prática, em dois horizontes concatenados.

Conceber e executar projeto emancipatório supõe de modo geral dois suportes mais visíveis, que são a busca de auto-sustentação e de autogestão, algo econômico e político.

Auto-sustentação significa o processo de trabalho e produção através do qual se provê a sobrevivência material e, nesse sentido, volta-se ao enfrentamento da pobreza socioeconômica, marcada pela privação material.

A compreensão adequada da emancipação somente é viável no quadro da desigualdade social, como questão histórico-estrutural.

Emancipação quer dizer recuperar o espaço próprio que outros usurparam, já que poder não é bem abundante disponível, mas apropriado no contexto do conflito social.

Emancipação não é atitude isolada, porque nada em sociedade é espontâneo estritamente.

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Essa questão atinge o âmago da estrutura do poder.

É patente a relevância da educação e da pesquisa par a o processo emancipatório.

Educação política não se esgota na face propriamente política (da qualidade política), mas inclui sempre a face técnica, ligada à informação e ao ensino.

A escola – que não faz milagres – pode fungir papel estratégico como instrumento público de equalização de oportunidades, universalizante no 1º grau, para concepção e exercício da cidadania.

Tudo é contraditado no dia-a-dia de uma sociedade que relega educação ao nível dos piores serviços públicos, manietando professores em situação de profunda indignidade profissional.

Dentro desse contexto, o conceito de pesquisa é fundamental, porque está na raiz da consciência crítica questionadores, desde a recusa de ser massa de manobra, objeto dos outros, matéria de espoliação, até a produção de alternativas com vistas à consecução de sociedade pelo menos mais tolerável.

Talvez se possa estranhar, mas isso começa no pré-escolar, compreendido de o a 6 anos de idade, porquanto mais do que ninguém a criança, vindo ao mundo, coloca-se em estado estrutural de descoberta e criação.

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2. Limitações do apenas ensinar

No “ensinar” cabe menos o desafio da emancipação com base em pesquisa do que a imposição domesticadora que leva a reproduzir discípulos.

A sala de aulas, lugar em si privilegiado para processos emancipatóriosatravés da formação educativa, torna-se prisão da criatividade cerceada, à medida que se instala um ambiente meramente transmissivo e imitativo de informações de segunda mão.

Vale afirmar que o problema mais agudo da escola não é o aluno, por ser pobre, inculto, mas o professor, que ainda é apenas “aluno”.

Para se falar da importância da educação é mister saber seus limites.

Para além da crítica, é fundamental perguntar por pistas de atuação alternativa.

A amplitude da aplicação do conceito de pesquisa deve ser modulada de acordo com as funções na escola, levando-se em conta a sua desmitificação, mas sem jamais afastar-se do compromisso de elaboração própria, de questionamento criativo, de desdobramento do senso pela descoberta e pela criação, chegando-se ao seu núcleo político de atuação social consciente.

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Na luta pela valorização do profissional deve entrar com ênfase o

compromisso com a pesquisa, no quadro da coerência

emancipatória, que é sempre o núcleo mais digno da educação.

Desafio concreto será que o professor passe a “elaborar” suas

aulas, com mão própria, acrescentando, sempre que possível e

couber, pelo menos sínteses pessoais.

No começo a dificuldade de elaboração própria será

considerável, recomendando modéstia, que pode iniciar com meras

sínteses aproximativas.

A segunda preocupação é a reação sistemática e criativa contra os vezos

tradicionais da mera “aula”.

Todavia, há lugar para a aula, como expediente informativo, para

introduzir temas e unidades, para ouvir-se recados do professor.

É essencial impregnar a convivência com os alunos com estratégias de

pesquisa, através das quais são motivados a toda hora a pelo menos

digerir o que escutam através de exercícios pessoais.

Na concepção de Paulo Freire, é fundamental a distinção entre

alfabetizar como reprodução da escrita e da leitura, e alfabetizar como ler

criticamente a realidade

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O professor precisa investir na ideia de chegar a motivar o aluno a fazer

elaboração própria, colocando isso como meta da formação.

O caderno de notas precisa evoluir de simples cópia das aulas para

ensaio de elaboração, pelo menos de síntese própria.

O aluno não vai reinventar a lei da gravidade ou o alfabeto.

O professor vale pelo que instrui – a criança precisa também literalmente

aprender – mas sobretudo pelo que motiva a emancipação social, técnica

e politicamente.

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3. Limitações do apenas aprender

A escola continua curral formal, onde o galo é tratado.

A cola no confronto com o domador, contém típica duplicidade, como

todo fenômeno político.

Na cola pode emergir algo da contra-ideologia, enquanto demonstração

da capacidade de reação por parte do oprimido, e que passa pela

pesquisa.

O intuito não é nem acabar simplesmente com a prova, nem elogiar a

cola.

Por outra, decorar não é sempre necessariamente um mal.

Entretanto, até aqui está em jogo a “qualidade formal”, algo

essencial, ma metade do todo: avalia-se se o aluno sabe e se sabe

descobrir.

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Através de tais expedientes, entra a prática, ao lado da teoria, e a

pesquisa adquire seu lugar político, ao lado da teoria, e a pesquisa

adquire seu lugar político, além da instrumentação formal.

O boletim sempre revela “notas” também referidas a

comportamento, por vezes cultivando moralismos baratos, envoltos

em disciplinas quadradas.

Moral e cívica deve ser impulso educativo à construção e definição

da cidadania, nunca o fechamento em ideologias prévias, porquanto

a da direita é a mesma que a da esquerda, se pretende apenas

doutrinar.

Em boa parte o desafio da qualidade política está em fomentar a

iniciativa do aluno, sobretudo aquela organizada.

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4. Vazios da escola formal

Reivindicar a pesquisa na escola formal significa, por

coerência, refazer algo da autocrítica.

A influência da escola sobre a criança é cada vez mais “formal”

e, neste sentido, vazia, pela artificialidade da sua organização

distanciada da sociedade diária ou pela concorrência avassaladora

com os meios de comunicação.

Colabora na decadência da escola pública sem dúvida a atuação

estatal, que tende a retratar nela a própria pobreza de um Estado

afastado dos compromissos para com a sociedade e de uma

sociedade subjugada como massa de manobra.

Ainda assim, continua sendo um dos espaços mais estratégicos de

equalização de oportunidades, que, não por acaso, deve ser

universalizado.

Esse repto recoloca a questão da qualidade formal política.

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IVPrática de pesquisa e educação

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1. Construindo a prática É difícil embutir no currículo a prática, a começar pelos vícios

históricos dos “estágios” e da “extensão”.

A extensão – pertinente quando intrínseca – arrasta-se no voluntariado e na ilusão de evitar o afastamento da universidade de seus compromissos sociais.

Prática não se restringe à aplicação da teoria, por mais que seja essencial

Qualidade formal não se faz sem qualidade política e vice-versa.

Essa questão se torna ainda mais congruente, se lembrarmos que as ciências sociais dedicam a pesquisar a práxis histórica do homem, algo de ostensiva praticidade e cotidianidade.

Valorizar a prática não leva a qualquer prática.

Na grade curricular, a prática deve aparecer de modo gradativo, passo a passo, como qualquer disciplina, tendo como meta a formação teórico-prática, ao longo, digamos, de 8 semestres.

Por fim, é fundamental que exista, como integralização curricular, o trabalho de conclusão do curso, no estilo de uma tese, direcionado a motivar o aluno a produzir proposta teórico-prática de realização profissional.

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Conforme propostas alternativas, a prática tem papel fundamental de confronto e fecundação teórica, assim como vale repisar que é papel da teoria o confronto e fecundação prática.

As marcas limitantes da prática atormentam o teórico e o conduzem a fugir dela muitas vezes.

Faz parte da dialética compreender tal fecundação contrária entre teoria e prática, trazendo à cena dos critérios de cientificidade não somente os formais (coerência, consistência, lógica), mas igualmente os políticos, apanhados hoje no conceito de discutibilidade: somente se aceita como científico o que é discutível formal e politicamente.

Para chegar a mudar como projeto emancipatório, entra em cena compromisso social com um tipo de sociedade e de história, que pede posicionamento político.

No extremo, a prática isolada se torna fanatismo, ao recusar toda discussão de si mesma e a própria ideia de alternativa.

A conversa sobre transformação histórica começa a ficar séria.

Discutir a prática significa sempre também recolocar a questão da cidadania.

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O profissional competente se realiza em dois horizontes mais

marcantes: como capaz de operar a instrumentação científica em

termos de aplicação prática e como capaz de ser ator eficaz na

realidade histórica.

No primeiro caso temos a atitude mais comum, decorrente de

elitização pela qual passa a formação dita “superior”.

Embora a qualidade política não possa ser efetivada às custas da

qualidade formal, neste caso trata-se exatamente do contrário:

realizar qualidade formal às expensas da qualidade política.

No segundo caso, trata-se de atitude já crítica, embora restrita à

inquietude individual.

No terceiro caso, temos o cientista capaz de perceber a importância

da luta histórica na ocupação dos espaços sociais, no contexto da

unidade de contrários, com realce para a forma organizada de

cidadania.

Não se trata de buscar limites estritos em meio a realidade tão fluida

e escorregadia, como são os posicionamentos políticos.

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2. Pinceladas de um currículo (ISEP)

O trajeto curricular de 8 semestres começa por ano dedicado à

fundamentação teórica e metodológica, como instrumentação imediata

da elaboração própria.

A forma de avaliação típica é o trabalho de pesquisa para cada disciplina

ao final do semestre, precedido de pelo menos 3 cumulativos, para

facilitar o desdobramento crescente e a orientação do professor.

O aluno se apresenta ao respectivo orientador pelo menos 2 vezes na

semana e com ele discute o trajeto semestral, inclusive a prática, sendo

esta a forma principal de frequência.

Nos dois anos seguintes entra em cena o estudo profissionalizante.

A prática recebe o nome de intermediária, definida como atividade

sistemática eficaz, embora limitada no tempo (média de 1 dia na

semana), cabendo a extensão nesse espaço facilmente.

Tem o papel de confrontar com a realidade tudo o que se vê na teoria, de

modo sistemático e eficaz, já combinando saber e mudar.

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No quarto ano, a carga da prática será maior, descrita como prática profissional, através da qual o aluno assume papel específico institucional, de meio tempo, da forma mais integrada possível, como qualquer profissional.

Em termos de metas, poderíamos sumarias em qualidade formal e qualidade política.

Faz parte da qualidade formal o domínio teórico, a versatilidade metodológica, a capacidade de aplicação prática, o treino no manuseio de dados.

A qualidade política perpassa muitos momentos possíveis na construção curricular, desde o aparecimento do contexto social em disciplinas que isso permitam (estudos sociais, por exemplo), até maneiras de aplicação concreta que liguem saber & mudar.

Assim dita “moral e cívica, em vez de ser sermão da direita u da esquerda, poderia tornar-se algo produzido pela iniciativa discente, questionando a problemática social vigente e seus contornos culturais: família, religião, governo, Estado, justiça social, juventude, droga, sexo

A iniciativa do aluno é o maior patrimônio didático, sem o que de pouco adiantaria a competência do professor.

Na realização do currículo é sempre questão vital a relação professor/aluno, em particular nessa proposta, que supõe relacionamento capaz de conviver com a ambiência emancipatória com base na pesquisa..

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Voltando a uma discussão metodológica sobre critérios de

cientificidade, intriga sempre a presença insistente do argumento de

autoridade, que, de si, jamais deveria ser argumento, mas acaba sendo

o dominante.

O argumento de autoridade, todavia, torna-se mais tolerável quando

ocupa o espaço da autoridade do argumento, significando a

respeitabilidade de um cientista obtida a peso de seu mérito

acadêmico.

Professor autoritário é aquele que se vale da posição de força porque

lhe faltam argumentos ou que esbraveja agressivamente porque não

tem o que ensinar, ou que tolhe a discussão crítica para evitar que se

descubram os seus vazios.

Autoridade fundada no mérito convive com consciência crítica de seus

limites, que cabe como uma luva no conceito de pesquisa.

4. A “rotina” do ISEP toma a seguinte forma: pela manhã, são

programados pelo menos 2 eventos semanais

(conferências, exposições, experiências, audiovisuais) e

intermitentemente aulas estratégicas, que podem até tomar as 5

manhãs (por exemplo, um curso de estatística ou de gramática); pela

tarde, há orientação, estando os orientadores integralmente disponíveis

para pelo menos 2 contatos semanais com cada aluno.

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O aluno iniciante sofre fase de profunda desestruturação, porque está

manietando à cópia (aula e prova).

O aluno passa a “administrar” seu tempo: comparece às orientações, sai

par a prática em média 4 horas semanais (no 1º ano), precisa ler e

escrever.

Emerge “liberdade acadêmica” na escolha dos temas, na organização da

orientação e da prática, na elaboração própria.

Por outra, o professor também propende a instalar-se na rotina

imitativa, razão pela qual é fundamental que produza sempre textos

próprios, que devem aparecer em lugar destaque na biblioteca.

Faz parte da “rotina” o tempo integral, para professor e aluno.

Espera-se um “profissional recriado”, muito diferente dos vigentes, capaz

de construir um projeto próprio educativo e assistencial, ao mesmo tempo

competente cientificamente e participativo politicamente.