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1 PROBLEMÁTICA RACIAL E DE GÊNERO: A MULHER NEGRA NO BRASIL 1 Camila Duarte 2 Edemir Braga Dias 3 RESUMO: O presente artigo busca fazer uma análise sobre a situação das mulheres negras no Brasil. Nesse ínterim, apresentando constatações que são elas umas das maiores vítimas da discriminação, tanto racial como de gênero. Demonstrando várias facetas dessa situação: mulheres negras são as que sofrem mais discriminação no local de trabalho, no sistema de saúde pública, nas escolas, e por obviedade na política. Discute a presença do racismo dos brasileiros na vida cotidiana, enfocando-se em mínimas atitudes e mínimos comentários que aparentam por vezes serem inofensivos. Questiona-se ao longo do estudo: Quais as possibilidades e oportunidades das mulheres negras nesse país que diz não enxergar a cor, quando a realidade mostra ser outra? Por conseguinte, realiza-se uma abordagem panorâmica das estatísticas disponíveis sobre a condição da mulher negra no Brasil. Ao final é elaborada uma discussão sobre a relutância da sociedade brasileira de tomar a sério o problema das desigualdades de raça e gênero, visando ir além da superficialidade de simples discursos de inclusão. PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Negras; Brasil; Vítimas de discriminação; Desigualdades; Inclusão. 1 GT 06: Direito, Cidadania e Cultura. 2 Acadêmica e Bolsista CAPES do Curso de Mestrado em Direito do PPGD da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões URI. Pós-graduanda na área de Direito do Consumidor. Graduada em Direito pela Unijuí, Campus Três Passos-RS. E-mail: [email protected]. 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Santo Ângelo/RS. Graduado em Direito pela URI, Campus Santo Ângelo/RS. Graduando em Pedagogia nesta IES. Integrante do projeto de pesquisa “Direitos Humanos e Movimentos Sociais na Sociedade Multicultural”, vinculado ao PPG-Direito acima mencionado. E-mail: ededias@ymail.

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PROBLEMÁTICA RACIAL E DE GÊNERO: A MULHER NEGRA NO BRASIL1

Camila Duarte2

Edemir Braga Dias3

RESUMO: O presente artigo busca fazer uma análise sobre a situação das mulheres negras no

Brasil. Nesse ínterim, apresentando constatações que são elas umas das maiores vítimas da

discriminação, tanto racial como de gênero. Demonstrando várias facetas dessa situação:

mulheres negras são as que sofrem mais discriminação no local de trabalho, no sistema de saúde

pública, nas escolas, e por obviedade na política. Discute a presença do racismo dos brasileiros

na vida cotidiana, enfocando-se em mínimas atitudes e mínimos comentários que aparentam por

vezes serem inofensivos. Questiona-se ao longo do estudo: Quais as possibilidades e

oportunidades das mulheres negras nesse país que diz não enxergar a cor, quando a realidade

mostra ser outra? Por conseguinte, realiza-se uma abordagem panorâmica das estatísticas

disponíveis sobre a condição da mulher negra no Brasil. Ao final é elaborada uma discussão

sobre a relutância da sociedade brasileira de tomar a sério o problema das desigualdades de raça

e gênero, visando ir além da superficialidade de simples discursos de inclusão.

PALAVRAS-CHAVE: Mulheres Negras; Brasil; Vítimas de discriminação; Desigualdades;

Inclusão.

1 GT 06: Direito, Cidadania e Cultura. 2 Acadêmica e Bolsista CAPES do Curso de Mestrado em Direito do PPGD da Universidade Regional

Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pós-graduanda na área de Direito do Consumidor.

Graduada em Direito pela Unijuí, Campus Três Passos-RS. E-mail: [email protected]. 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu – Mestrado e Doutorado em Direito da

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Santo Ângelo/RS.

Graduado em Direito pela URI, Campus Santo Ângelo/RS. Graduando em Pedagogia nesta IES.

Integrante do projeto de pesquisa “Direitos Humanos e Movimentos Sociais na Sociedade Multicultural”,

vinculado ao PPG-Direito acima mencionado. E-mail: ededias@ymail.

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1.INTRODUÇÃO

No Brasil, a desigualdade social apenas, não é determinante quando se trata da mulher

negra. A cor da melanina traz algumas consequências ainda maiores para certas mulheres. Nesse

sentido, é possível afirmar que as mulheres negras, sofrem dois tipos de preconceitos: o

preconceito de gênero e o preconceito de raça.

Acrescenta-se que as desigualdades na sociedade brasileira estão diretamente ligadas ao

processo de exclusão pelo qual passam alguns segmentos da nossa sociedade, pode se citar,

dentre eles: as mulheres, e ainda mais, as mulheres negras.

As mulheres negras possuem imensas dificuldades em ocupar alguns espaços. Por

exemplo, nos postos de trabalho está descrito a boa aparência como requisito de acesso para o

ingresso neste. Seguramente constata-se que não são as mulheres negras que tem, para os donos

da empresa, a boa aparência.

Notadamente que tal fato é consequência de uma cultura que foi herdada historicamente

pela composição do Brasil, onde a discriminação e o preconceito persistem na manutenção

dessas desigualdades. O reflexo que o preconceito causa dentro da sociedade, afetando

diretamente mais as mulheres negras, causa assim, uma maior dificuldade destas se inserirem em

praticamente todos os segmentos da sociedade.

Assim, o presente trabalho será desenvolvido com o objetivo principal de analisar a

situação das mulheres negras no Brasil, trazendo dados e informações bastantes para afirmar a

imensidão das discriminações que essas melhores sofrem, e que as mesmas já têm conquistado

algumas batalhas, mas que muito há de se conquistar.

A principal conquista que se busca é de um país sem desigualdades, sem discriminações,

onde a mulher seja igual ao homem, e onde o negro seja igual ao branco. Muito se tem para fazer

e muito se tem para alcançar.

Impõe agregar, que a metodologia utilizada na construção da pesquisa do presente

trabalho foi do tipo exploratória, ou seja, o procedimento técnico utilizado foi o da pesquisa

bibliográfica, utilizando de todos os materiais disponíveis acerca da temática, sendo efetuada em

meios físicos e na rede mundial de computadores.

Quanto à realização do trabalho, foi utilizado o método de abordagem hipotético-

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dedutivo, no qual foram adotados alguns procedimentos, como a seleção da bibliografia e

documentos relacionados com o tema proposto e a leitura e resumo do material utilizado, os

quais resultaram na exposição do presente artigo.

2.AS EVIDÊNCIAS DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA

Inicialmente, uma questão importante a ser levantada: a renda das mulheres negras no Brasil não

chega nem a metade da renda recebida pelos homens brancos, que por sua vez corresponde a 56%

(cinquenta e seis por cento) da renda das mulheres brancas. Nesse sentido Mariana Mazzini Marcondes et

al (2013, p. 118):

Comparando-se o total das rendas das pessoas, as desigualdades se pronunciam. Ainda

que as disparidades tenham sofrido redução nos últimos anos, a renda das mulheres

negras não chega nem à metade daquela auferida pelos homens brancos e corresponde a

cerca de 56% dos rendimentos das mulheres brancas.

E é contra essa abissal desigualdade que muito se tem lutado. E apesar das mulheres negras no

Brasil serem um número expressivo, ou seja, um percentual considerável da população, elas ainda são

excluídas de melhores condições sociais.

Em 2009, as mulheres negras respondiam por cerca de um quarto da população

brasileira. Eram quase 50 milhões de mulheres em uma população total que, naquele

ano, alcançou 191,7 milhões de brasileiros(as). É importante ressaltar, aqui, a opção por

se trabalhar com a categoria “negra”, construída a partir da soma das categorias preta e

parda, assim coletadas pelo IBGE. O Retrato das desigualdades de gênero e raça

apresenta seus indicadores sempre distribuídos em torno de apenas duas categorias

raciais: brancos e negros. Por questões de representatividade amostral, não foram

consideradas, no processo de produção de indicadores, as populações indígena e

amarela. Exceção a esta regra encontra-se no bloco 1 da publicação, que traz

informações acerca da população total e sua distribuição por sexo, raça/ cor, regiões,

Unidades da Federação, localização do domicílio e faixas etárias. (MARCONDES et al,

2013, p. 19)

No entanto, nota-se que as mulheres negras estão na base da pirâmide social, pois as

mesmas tendem a acumular desvantagens relacionadas com a discriminação de gênero, bem

como a discriminação de raça. Nesse sentido, Maria Nilza da Silva (2003, [S.p.]) afirma que:

A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua

realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em

último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema

injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a

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mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com

rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da

discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar

companheiros no mercado matrimonial.

A mulher negra no Brasil, hoje, encontra-se em situação desfavorável em diversas áreas:

educação superior, inclusão digital, mercado de trabalho, entre outros. Questiona-se: a que se deve essa

desigualdade? Essa desigualdade vem da maneira como se estruturou a sociedade brasileira, esclarece-se

que não é um fenômeno exclusivo da sociedade brasileira, pois tal fato é verificado em muito outros

países, como por exemplo, países latino-americanos e também em países considerados de primeiro

mundo. Walkyria Chagas da Silva Santos (2009, p. 1) relata que:

Ser mulher e ser negra no Brasil significa está inserida num ciclo de marginalização e

discriminação social. Isso é resultado de todo um contexto histórico, que precisa ser

analisado na busca de soluções para antigos estigmas e dogmas. A abolição da

escravatura sem planejamento e a sociedade de base patriarcal e machista, resulta na

situação atual, em que as mulheres afro-descendentes são alvo de duplo preconceito, o

racial e o de gênero.

Pondera-se ainda que enquanto os homens brancos preenchem um grupo com maior

inserção social, a percentagem de desemprego entre estes é muito menor comparado com as

mulheres negras, que estão inseridas no grupo com maior percentual de desempregos.

Analisando dados de pesquisas realizadas pelo DIEESE e outros órgãos, é possível

verificar que o preconceito resulta em salários mais baixos para os negros em relação aos

brancos, incluindo o item gênero, inferi-se que o homem negro ocupa um patamar abaixo

do da mulher branca quanto ao rendimento salarial. Mas as mulheres negras se encontram

ainda mais abaixo na pirâmide ocupacional. (SANTOS, 2009, p. 2)

A partir das ações afirmativas e também principalmente impulsionadas pelas

organizações de mulheres negras em conjunto com o movimento negro tem se outra perspectiva

que está presente no universo dessas mulheres. As mulheres, a população negra e outros grupos

racialmente considerados minoritários são colocados em posição de desvalorização, ou melhor,

são designados papéis sociais sem qualquer valorização social. Para Silva (2003, [S.p.]) a

“pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a

interiorização da condição de inferioridade, que em muitos casos inibe a reação e luta contra a

discriminação sofrida”.

Em questão disso a sociedade foi se reproduzindo e se consolidando a partir desses

papéis pré-definidos e como são papéis menos valorizados isso se reflete em níveis educacionais

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e na forma como a população está inserida no mercado de trabalho, e em muitos outros setores.

Kimberlé Grenshaw (2002, p. 177) afirma que:

Trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de

classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as

posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a

interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões

que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do

desempoderamento.

As mulheres negras são cidadãs plenas de direito, e é na Constituição Federal de 1988

que garante os mesmos direitos e garantias fundamentais as mulheres, aos negros, aos

estrangeiros, ou seja, a todas as pessoas. In verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição;

Ocorre que se na prática o respeito à CF/88 prevalecesse, não teria o Brasil

indicadores socioeconômicos onde se verifica que as mulheres negras sempre estão em

desvantagem. E dessa forma, é possível elencar que só conhecendo a realidade é que se pode

modificá-la.

3.DISCRIMINAÇÃO E LUTA: APONTAMENTOS, ANÁLISES E DADOS

É possível ainda citar, que na previdência nota-se também que a maioria dos beneficiários

de aposentadoria bem como de pensão são brancos.

Os benefícios previdenciários estão diretamente relacionados com a participação e

qualidade dos vínculos no mercado de trabalho, reproduzindo, sobretudo, o mesmo

padrão de desigualdade. Por esta razão, não surpreende o fato de que 73% dos

rendimentos de aposentadoria e pensão pagos a pretos e pardos corresponda a um SM,

enquanto o mesmo patamar é compartilhado por aproximadamente 48% dos

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beneficiários brancos. Da mesma forma, enquanto 5,7% dos beneficiários brancos

recebiam mais de dez SM, apenas 2% dos negros compartilhavam deste montante em

2008 (Paixão et al., 2010). Considerando-se a população protegida por rendimentos

pagos pela previdência social oficial (de 16 a 59 anos), na forma de aposentadorias e

pensões, constata-se prevalência da população branca. (MARCONDES et al, 2013, p.

122)

Questiona-se: O que isso significa? Além da parcela negra da população não ter todos os

seus direitos garantidos, quer dizer também que não buscam na mesma intensidade que os

brancos os seus direitos?

A resposta aqui é simplória: há discriminação, pois a grande maioria das mulheres negras

não tem acesso ao trabalho formal, e consequentemente estão inseridas em trabalhos informais.

Muito corriqueiro é as mulheres negras estarem inseridas no trabalho doméstico.

Além do acesso ao mercado de trabalho, a desigualdade se reflete na ocupação de

posições de menor prestígio e remuneração. As mulheres negras estão sobre

representadas no trabalho doméstico – são 57,6% dos trabalhadores nesta posição – e

têm a menor presença em posições mais protegidas, como o emprego com carteira

assinada. Importa destacar que, embora na administração pública sua participação seja

maior que a dos homens brancos, a sua presença, neste, se concentra nos serviços

sociais – educação e saúde – e na esfera municipal, posições, em geral, com menor

remuneração. (MARCONDES et al, 2013, p. 121-122)

Quanto aos trabalhos informais o valor pecuniário que as mulheres negras auferem, na

maioria das vezes, não chega a ser um valor que possa proporcionar a essa mulher, bem como

sua família, a dignidade prometida na CF/88. Obviamente que em consequência dos baixos

salários, a mulher negra inserida no trabalho informal tampouco consegue arcar com quaisquer

despesas previdenciárias.

Outro ponto interessante é que muitas dessas mulheres são responsáveis pela família, ou

melhor, são chefes de família. E segundo Marcia dos Santos Macêdo (2001, p. 61):

Pensando em algumas das combinações possíveis entre as mulheres chefes de família,

pode-se perceber que ser chefe de família, pobre e negra/parda, ao invés de branca das

camadas médias constituí dimensões que não podem ser separadas, pois uma identidade

reflete e termina por reforçar a outra, integrando uma experiência objetiva e, ao mesmo

tempo, subjetiva, que vai refletir em diferentes níveis de acesso aos bens culturais e

materiais, influenciando, pois, desde elementos como autoestima até as possibilidades

concretas de realização de projetos de vida.

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Segundo dados retirados do livro “Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida

das mulheres negras no Brasil”, Marcondes et al (2013, p. 24) afirma que:

Neste contexto, uma relevante mudança verificada foi o aumento de mulheres apontadas

como chefes de família. Entre 1995 e 2009, houve um aumento de mais de 12 pontos

percentuais (p.p.), tendo a proporção de famílias chefiadas por mulheres (FCMs)

aumentado de 22,9% para 35,2%. O número de famílias chefiadas por homens (FCHs)

continuava, em 2009, sendo duas vezes maior que o das chefiadas por mulheres, mas, no

período analisado, o número de FCMs mais que dobrou, enquanto as FCHs tiveram um

aumento de cerca de 25%. Este é um fenômeno tipicamente urbano. Nas cidades, as

famílias chefiadas por mulheres passaram de 24,8% para 37,8% dos casos, de 1995 a

2009. E foi na região Sudeste, a mais maciçamente urbanizada, que o maior aumento

absoluto do número de famílias chefiadas por mulheres ocorreu, da ordem de mais de 5

milhões. Entre a população rural, apenas 19,9% das famílias eram chefiadas por mulheres

em 2009, taxa esta que variou apenas 5 p.p. no período estudado. Se hipóteses simplistas

para explicar este quadro se apresentam facilmente – o conservadorismo, a menor

abertura do universo rural às mudanças e à igualdade entre os sexos –, entender o que

significa, de fato, este aumento de chefias femininas não é tarefa simples. Ele se

apresenta, afinal, como um fenômeno recente e traz, como toda novidade, sua parcela de

questões ainda inexplicadas.

Nesse ínterim, avaliando a população pobre chega-se a conclusão que a maioria é negra

e dessa maioria negra são mulheres. O fato de essas terem uma maior dificuldade de se inserir no

mercado de trabalho, e quando se inserem são em condições precárias, conforme relatado acima.

Assim, aclara-se porque essas mulheres estão entre a população mais pobre. É perceptível que

uma é consequência da outra. Nesse sentido, Santos (2009, p. 2) observa que:

Devido à extrema pobreza, as meninas ingressam muito cedo no mercado de trabalho,

sendo exploradas pela sociedade, que sabendo da sua condição financeira, oprime e

humilha. Como é possível verificar, para as mulheres afro-descentes o mercado reserva as

posições menos qualificadas, os piores salários, a informalidade e o desrespeito.

Assim, é possível observar que as mulheres negras, quando inseridas no mercado de

trabalho, além de na maioria das vezes ser em condições precárias, recebem a metade do salário

do homem não negro. Sendo essa, uma brutal e visível desigualdade.

Há uma desigualdade que faz com que as mulheres negras continuem concentrando

menores rendimentos, maiores desigualdades e tratando-se de oportunidades de trabalho são

essas mulheres negras que esbarram diretamente com o racismo institucional. Conforme leciona

Ana Lúcia Valente (1994, p. 56) “as mulheres negras e as mulatas que em geral, sofrem de tripla

discriminação: sexual, social e racial. Portanto tudo o que se coloca como problemático para a

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população negra atinge especialmente as mulheres”.

Tem se estimulado, para que estatais, como por exemplo, a Petrobrás, venham a adotar

ações afirmativas no sentido de alterar o perfil de inserção das mulheres negras. Contudo,

importante observar que essa diferença diminui no que concerne aos serviços públicos, levando

em conta o princípio da isonomia.

Embora sejam necessários estudos mais aprofundados sobre o assunto, não se pode deixar

de notar que, na categoria de funcionários públicos e militares, cujo ingresso exige

impessoalidade, meritocracia e certo grau de escolarização, dado o caráter do concurso

público, percebe-se que, nestes segmentos, de modo geral, as mulheres possuem boa

inserção, chegando a superar os homens, situação singular, quando comparadas as demais

categorias analisadas. Em que pese a barreira racial e de gênero na ascensão aos postos de

mando e cargos de chefia, o serviço público permanece como a principal porta de

mobilidade social dos negros e das mulheres. (MARCONDES et al, 2013, p.68-69)

Impõe agregar ainda, que a mulher, atualmente, possui um tempo maior de estudo do que

os homens, sendo assim, angariando uma qualificação cada vez melhor, num comparativo com

os homens. Apesar disso, no mercado de trabalho, os homens costumam ter mais oportunidades e

quando são empregados possuem uma chance maior de progressão, ou seja, de ter um salário

maior, ou de ocupar cargos de chefia.

A questão aqui é: no caso de mulheres negras, pode-se afirmar que esse problema é muito

maior? A resposta é positiva. E as consequências de tal problemática são sentidas por muitas

mulheres, mas em relação às mulheres negras tem se um impacto muito maior. Notadamente que

os anos de estudo não têm garantido para as mulheres uma igualdade de valores em relação à

remuneração.

Todavia, melhora-se a condição de trabalho para a mulher, mas em compensação poucas

mulheres conseguem exercer algum cargo de direção. Ainda mais se tratando de mulheres

negras. Essas geralmente estão em cargos subalternos aos homens ou outras mulheres brancas.

Santos (2009, p. 2) assevera que:

Ascender socialmente é algo muito difícil para a mulher negra, são muitos obstáculos a

serem superados. O período escravocrata deixou como herança o pensamento popular, em

que, elas só servem para trabalhar como domésticas ou exibindo seus corpos. As que se

destacam, tiveram que provar mais vezes do que as mulheres brancas a sua competência,

por isso, é que é possível afirmar que a questão de gênero é um complicador, mas se esta

for somada a questão de raça, o resultado é maior exclusão e dificuldades.

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A falta de mulheres negras em cargos mais estáveis, ou melhor, cargos que possuem ao

menos uma carteira assinada são reflexos de um histórico de preconceito. Após a abolição da

escravidão as mulheres negras migraram para os trabalhos domésticos. Ocorre que, apesar de

alguns avanços, existe ainda essa permanência, qual seja: mulheres negras no serviço doméstico.

Mas quais são as maiores dificuldades que a mulher negra encontra hoje, no Brasil, no

mercado de trabalho? Podem-se mencionar aspectos formais, ou seja, aspectos que estão

relacionados com a formação educacional, com a capacitação para determinadas atividades,

dentre outros.

No entanto, partes dessas barreiras encontradas pelas mulheres estão relacionadas com

discriminação de gênero e com questões relacionadas com o racismo. Nilma Lino Gomes (1995,

p. 18) expressa que o que “para um gênero e etnia pode ser uma vivência e um percurso de

afirmação de uma auto-imagem, para outra etnia e gênero pode ser um percurso traumático

deformador”.

Nota-se que muito existe, ainda, o pré-requisito para se conseguir um emprego, qual seja:

ter uma boa aparência, e implícito nisso está, muitas das vezes, não ser negra. Ângela Figueiredo

(2002, p. 97) aborda que:

A ascensão social dos negros tem sido abordada de forma maniqueísta, enfatizando-se

sempre a problemática do ‘embranquecimento’, ou o drama psicológico a que estão

submetidos os negros que ascendem, sugerindo sempre uma contradição entre ser negro e

ocupar melhores posições na estratificação social.

Atualmente ocorreram algumas alterações na legislação do trabalho doméstico. Há

expectativas que tais alterações melhorem as condições das mulheres no mercado de trabalho,

bem como passe a formalizar o trabalho que ainda não o foi, com o respectivo pagamento de

INSS e outros benefícios que outros trabalhadores possuem.

4.CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

EM RELAÇÃO A RAÇA E GÊNERO

As desigualdades no Brasil contém uma herança colonial escravista. Há, atualmente, um

esforço para que se possa diminuir tais desigualdades e pobrezas no Brasil. Contudo, tais

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mazelas persistem e os fatores basilares são: intensa discriminação que ainda existe em relação

às mulheres e aos negros.

Convém sublinhar, assim, a importância de caracteres adscritos como raça e gênero, tanto

para o tipo de inserção no mercado de trabalho como para recompensas na forma de

rendimentos. A herança de piores condições socioeconômicas bem como padrões

culturais e valorativos que designam determinados papéis aos indivíduos continuam a

operar nos processos de estratificação nos quais negros e mulheres são alocados em

posições subalternas. Mesmo os avanços educacionais não foram suficientes para eliminar

os padrões de desigualdades categoriais que se reproduzem, principalmente no que tange

a espaços de poder e posições de alto status. O grupo mais desfavorecido nestes processos

é o das mulheres negras, as quais, de modo geral, não conseguem reconverter suas

aquisições educacionais em melhores rendimentos e posicionamentos no mercado de

trabalho, e estão sobrerrepresentadas nas ocupações de menor prestígio. (MARCONDES

et al, 2013, p. 77)

Existem medidas a serem tomadas pelo governo na tentativa de solucionar essa

situação. Mas o que mais pode ser feito em questões de políticas públicas para tentar equiparar o

acesso ao emprego entre negras e brancas? Nesse contexto Silva (2003, [S.p.]) elucida:

Na atualidade não se pode tratar a questão racial como elemento secundário, destacando

apenas a problemática econômica. A posição social do negro não se baseia apenas na

possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da

sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser

enfrentado. Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades

sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento,

ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da

sociedade.

Impõe referir que as políticas públicas tem que conter um direcionamento e uma

postura de superar o racismo institucional, pois é dessa forma que se consegue ter um acesso

melhor a todas as questões de trabalho e de renda. São necessários incentivos a políticas que

tenham como finalidade o gênero e raça, no sentido de incitar que as mulheres negras, bem como

as mulheres em geral, tenham a participação em todas as instâncias de poder e de decisão.

Marcondes et al, (2013, p. 129) menciona ainda que:

Antes, esse reconhecimento deve conduzir ao questionamento sobre os processos sexistas

e racistas que favorecem o quadro de vulnerabilização deste grupo social e sobre os quais

as políticas públicas devem se concentrar. Decerto, é imprescindível concentrar

estratégias de superação em um grupo social reconhecidamente mais afetado pela pobreza

e atuar sobre as dimensões que mais precarizam as condições de vida desta população.

Contudo, é igualmente demandado que o foco das políticas públicas direcione-se para a

análise dos processos que contribuíram para este estado de coisas, remetendo à

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necessidade de inserir a perspectiva de raça e gênero nas políticas públicas, promovendo a

realização da proposta da transversalidade, como ressignificação das políticas públicas.

Nota-se, que atualmente existem as questões de cotas para negros em concursos públicos.

Tal questão é um incentivo a toda população negra do país. Nesse sentido Djamila Ribeiro

(2015, [S.p.]), expõe:

Em contrapartida, para a população negra não se criou mecanismos de inclusão. Das

senzalas fomos para as favelas. Se hoje a maioria da população negra é pobre é por conta

dessa herança escravocrata e por falta da criação desses mecanismos. É necessário

conhecer a história deste País para entender porque certas medidas, como ações

afirmativas, são justas e necessárias. Elas precisam existir justamente porque a sociedade

é excludente e injusta para com a população negra. Cota é uma modalidade de ação

afirmativa que visa diminuir as distâncias, no caso das universidades, na educação

superior. Mesmo sendo a maioria no Brasil, a população negra é muito pequena na

academia. E por quê? Porque o racismo institucional impede a mobilidade social e o

acesso da população negra a esses espaços.

Importante também é trabalhar com estereótipos que se tem, ou seja, mulheres e

população negra conjuntamente. Pois, hodiernamente, em razão do racismo e em razão do

sexismo têm-se estereótipos muito marcados. O ideal é que juntamente com iniciativas de

promoção de mulheres negras no mercado de trabalho, em espaços mais valorizados, que se

tenha também uma ressignificação desses estereótipos para que mulheres negras se visualizem

nesses espaços e se apropriem deles.

Para Santos (2009, p. 5) “As mulheres negras, necessitam reencontrar a sua identidade,

valorizar sua história e suas raízes, se assumir enquanto afrodescendentes e agentes ativos desse

processo de democratização racial”.

Pergunta-se: em questão de políticas públicas, o que mais pode ser feito para que a

remuneração seja mais justa entre as mulheres negras? Tanto em questão de acesso, como de

remuneração, é necessário em primeiro lugar, dar visibilidade ao problema e principalmente as

desigualdades.

Tal trabalho tem sido efetuado há algum tempo por diversas instituições no país, mas

necessita-se ser trabalhado de uma maneira mais consistente nas instituições que empregam para

que não se naturalize questão das mulheres negras possuírem remunerações inferiores ou

diferenciadas. É necessário dar visibilidade e trabalhar com questões que possam reverter esse

quadro.

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5.CONCLUSÕES

É evidente que, pelo todo exposto, a luta por reconhecimento e por consequência a

desmantelada das discriminações, é uma luta a mais das mulheres negras em detrimento das

mulheres brancas. Certamente que para as mulheres e para negras, tudo é mais complexo.

As mulheres negras tem que continuar lutando, continuar combatendo, continuar

ocupando espaço cada vez mais, continuar cobrando de todos os governantes políticas públicas

de inclusão

Deve-se enfocar em políticas públicas que coloquem a mulher negra em igualdade com as

mulheres não negras, bem como em igualdade com homens brancos e negros para que se possa

em um determinado momento afirmar que a sociedade brasileira é na prática, sim, uma

sociedade justa, fraterna e igualitária.

.6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://www.overmundo.com.br/overblog/a-mulher-negra-e-pobre-no-brasil>. Acesso em: 07

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