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ESCULTÓRIAS FASCINANTES: Teatro e Educação Sobre o Museu das Missões1
Jerson Fontana2
Resumo: O artigo avalia a realização do espetáculo de teatro Escultórias Fascinantes3 e o Jogo
Pedagógico Museu das Missões. A peça aborda a importância das esculturas nas Missões Jesuíticas
do Paraguai, faz uma diferenciação entre seus estilos e narra o processo de formação do acervo do
Museu das Missões. O jogo propõe aos participantes a resolução de questões, por meio da avaliação
e discussão em grupo, de obras visuais impressas em painéis, com diferentes manifestações artísticas.
Essas atividades têm a intenção de contribuir com a formação educacional dos participantes composta
por estudantes e pela comunidade de São Miguel das Missões (RS).
Palavras-chave: Escultórias Fascinantes; Museu das Missões; Arte Missioneira.
Introdução
O artigo avalia duas atividades realizadas pelo grupo de teatro A Turma do Dionísio4, em
parceria com o IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus: apresentações do espetáculo de teatro
Escultórias Fascinantes e a realização do Jogo Pedagógico Museu das Missões.
O espetáculo aborda a importância das esculturas no período das Missões Jesuíticas do
Paraguai, bem como suas diferentes fases estéticas e o processo de formação do acervo do Museu das
Missões. O jogo propôs aos participantes a resolução de charadas, por meio da avaliação e discussão
em grupo, de obras visuais de diferentes técnicas e autores, impressas em painéis. A intenção com
tais atividades é a de uma ação educativa, a qual se pretende levar a efeito com a formação de um
público crítico, na expectativa de que a arte se constitua numa possibilidade de conhecimento. As
atividades foram realizadas em maio de 2015, por ocasião da comemoração de setenta anos de
fundação do Museu das Missões, tendo sido direcionadas a estudantes e à comunidade de São Miguel
das Missões (RS).
Para melhor situar o leitor orientamos que esse artigo está dividido em três partes, além da
introdução e considerações finais. Na primeira será tratado do espetáculo, com elucidações sobre o
texto teatral, as técnicas de bonecos utilizadas, estrutura da peça, trilha sonora e as esculturas que
1 GT 04: Educação e Arte 2 Mestrando em Desenvolvimento e Políticas Públicas, na UFFS – Universidade Federal Fronteira Sul – Campus Cerro
Largo, turma 2015; orientador: professor doutor Ivann Carlos Lago. E-mail: [email protected] 3 O título é formado pela compressão da expressão “esculturas com histórias fascinantes”. 4 Grupo de teatro fundado em 1986, em Santo Ângelo – RS. Encena peças que unem o teatro de formas animadas e o de
atores. Realizou mais de 2 mil apresentações para 600 mil espectadores da América e na Europa.
2
fazem parte da encenação. Na sequência, por ter relação direta com a encenação, são feitas referências
sobre as Missões Jesuíticas, a arte nas Missões, a estatuária, a criação do Museu e a formação do seu
acervo. Por último, será avaliada a possibilidade de as atividades artísticas e lúdicas realizadas
contribuírem para a formação educacional dos participantes.
1 - O Espetáculo Teatral Escultórias Fascinantes
Nas montagens do grupo A Turma do Dionísio, o texto é o item do qual se parte para o projeto
de montagem teatral devido à compreensão de que a narrativa da história necessita estar bem definida,
a fim de que todo o planejamento posterior, desde a concepção da encenação até o perfil de público
para o qual a peça se destina, possam ser encaminhados com mais clareza. E, por ser a peça teatral
Escultórias Fascinantes a base para a realização das atividades aqui avaliadas, vamos tratar nesse
item sobre os seus principais elementos constitutivos: dramaturgia, estrutura do espetáculo, técnicas
dos bonecos, trilha sonora e as esculturas elaboradas especialmente para se encenar a peça.
O texto
O texto teatral, especialmente escrito para ser encenado pelo grupo A Turma do Dionísio, foi
referenciado em pesquisa sobre a História das Missões, a Arte Missioneira, a formação do Museu das
Missões e seu acervo. A narrativa do texto teatral acontece em duas épocas: meados do século XVIII
e na metade do século XX. Na primeira parte, um atelier da antiga missão de São Miguel Arcanjo é
o local onde são esculpidas as estátuas. A segunda e última parte da história cênica transcorre em
diversos lugares: campo, casa de uma propriedade rural e no Museu das Missões.
O enredo da peça é composto, na primeira parte, de cenas entre o escultor e o padre e, enquanto
as estátuas são esculpidas, ficam evidentes as diferentes fases das esculturas missioneiras. Na segunda
parte o personagem central é Hugo. Inicia-se com uma cena de amor entre ele e a “Moça”, segue com
suas peripécias para resgatar esculturas junto a moradores da região e, por fim, a abertura do museu
com o seu acervo e uma música cantada pelos atores.
A escrita do texto foi pensada para teatro de bonecos, uma forma artística que além de permitir
realizações cênicas impossíveis de serem feitos por atores, também provoca um efeito de
distanciamento no espectador, pois, a todo instante a plateia percebe o que está assistido como uma
representação e não como acontecimento real. As técnicas de bonecos utilizadas são a luva e a vara,
sobre as quais trataremos adiante.
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A linguagem do texto prevê que o espetáculo seja destinado para jovens e adultos, mas foi
bem recebido inclusive por crianças. Escrito em diálogos rápidos e cenas curtas contém também cenas
sem texto falado nas quais a trilha sonora deve auxiliar na condução da ação. Essa estrutura narrativa
potencializa a motivação do espectador. E, por ser o período barroco uma das referências da escrita
do texto, a dramaturgia se vale de contrastes, muito comuns à linguagem barroca.
O espetáculo
O espetáculo é realizado com bonecos, à exceção de uma cena de atores na qual eles cantam.
A música utilizada na peça foi composta especialmente para essa finalidade e auxilia a acentuar os
pontos centrais da encenação. Devido às técnicas teatrais utilizadas o espaço cênico é composto de
uma empanada, ambiente cênico no qual é possível se fazer entrar e sair personagens, objetos e
cenografia com muita agilidade.
As técnicas dos bonecos
O teatro de bonecos faz parte da história do teatro há milênios5 e, também as técnicas de
bonecos utilizadas na peça, luva e vara, são antigas6, mas ainda muito frequentes. Quanto ao boneco
de luva, ele é assim denominado devido à semelhança na sua parte técnica, com uma luva, pois é
manipulado pela mão do bonequeiro que calça o boneco de modo semelhante ao ato de se vestir uma
luva. O boneco de vara é construído por uma vara central, na qual, na parte de cima está a cabeça do
personagem e, na outra extremidade, o ponto por onde o bonequeiro manipula o boneco. O
bonequeiro atua com o braço levantado acima da sua cabeça, ficando oculto pela empanada (que será
descrita adiante). O que aparece, portanto, no espaço cênico, que fica a cerca de dois metros de altura
do chão, são os bonecos e demais itens de cena.
Empanada
Empanada é a estrutura dentro da qual se encenam diversas técnicas do teatro de bonecos. Ela
prevê que o bonequeiro, ou ator-manipulador como também é denominado, fique oculto do público
5 “R. Helmer Stalberg menciona mestre Yan, um bonequeiro que se supõe ter vivido no ano 1000 a.C., que construía
bonecos tão perfeitos que eles podiam cantar e dançar”. (AMARAL, 1993, p. 77). 6 Melloni esclarece que (a marionete: boneco de fios, e), o “burattini” italiano idêntico à “luva” do Brasil continuaram a
ser utilizados na passagem da “età clássica”, ou seja, do período clássico grego, para a Idade Média: “Possiamo per certo
affermare che sia il teatro delle marionette sia quello dei burattini hanno avuto una loro continuità durante il passaggio
dall’età clássica al medioevo”. (MELLONI, 2004, p. 16).
4
na parte de abaixo dessa estrutura que, na sua parte superior, contém o espaço cênico. A empanada
consiste de uma estrutura formada pelos contornos de um quadrado ou retângulo confeccionada com
madeira ou metal e coberta pelo pano. Para o espetáculo ser realizado os manipuladores ficam em pé
e a altura da empanada é aquela necessária para ocultar as pessoas, tendo como tamanho médio, nas
linhas horizontais, de um a dois metros. Esclarece Berthold (2001, p. 89) que no Japão, “Durante o
período Heian (794-1185), os espetáculos de bonecos viajaram através de todo o país com as troupes
ambulantes. Seu ‘teatro’ era uma caixa retangular”. Esse modelo de estrutura é utilizado há séculos
em todos os continentes sendo que, na Europa, foi incorporado ao teatro desde a Idade Média e, no
continente americano, foi introduzido pelos colonizadores.
Trilha sonora
Outro aspecto a ser destacado na encenação é a trilha sonora composta por Renato Fontana7
especialmente para o espetáculo. Ela contém música instrumental, música com letra para ser cantada
pelos atores e efeitos sonoros e as referências para a sua elaboração foram a música barroca
missioneira8, ritmos da tradição gaúcha e o som do vento minuano (esse, muito comum no inverno
gaúcho e que produz um som forte de assovio). O som do vento é utilizado como base sonora, por
exemplo, na transição de tempo que, na peça, por motivos cênicos é denominado de “Tempestade” e
simboliza a passagem de tempo entre a Guerra Guaranítica9 e os anos de 1950.
7 Renato Fontana é músico e compôs diversas trilhas para espetáculos do grupo A Turma do Dionísio. 8 Preiss (1988, p. 16) relata que “Com o advento do “Stile Moderno”, surgido na Itália no início do século XVII, bordando
já os primeiros contornos do Barroco, os sentimentos do ser humano passaram a ser expressos musicalmente com grande
emoção. Tanto as estruturas da música vocal como as da instrumental foram totalmente remodeladas. A nova música
requeria uma extensão vocal e instrumental mais ampla, para melhor poder expressar as paixões e as mudanças repentinas,
da alegria para a tristeza, da melancolia à exaltação”. Com isso, Preiss deixa claro o período de surgimento da música
barroca e também as conexões para que ela viesse às Missões Jesuíticas do Paraguai. O musicista informa que “O diretor
de música da catedral [de Augsburgo] era um compositor conhecido, Johann Melchior Gletle, de origem suíça, famoso
por suas cantatas, canções e música sacra em geral. Com ele Sepp estudou o “stile moderno” o que vai lhe proporcionar
a grande vantagem técnica que o tornará o grande mestre da música nas Missões” (PREISS, 1988, p.34).
9 A Guerra Guaranítica se deu em virtude de os índios aldeados nas Missões terem se rebelado com as determinações do
Tratado de Madri, de 1750, firmado entre os reis de Espanha e Portugal conforme esclarece Golin (1998, p. 145): “Os
sereníssimos reis de Portugal e Espanha, tendo concluído, felizmente, o Tratado de Limites dos seus domínios na América,
assinado em Madri a 13 de Janeiro do ano de 1750, e ratificado em forma, e desejando que se estabeleça a fronteira com
a maior individualidade e precisão, [...]”. O documento em seu Artigo XIV ordena que “os missionários e índios das
povoações da margem oriental do (rio) Uruguai as evacuarão totalmente, para se irem aldear em outras terras do domínio
espanhol” (GOLIN, 1998, p. 157). Contudo, houve discordância dos guarani como fica evidenciado na Carta de
Nhenguirú, corregedor de Concepción, em 20 de julho de 1753, transcrita por Golin e que fora remetida ao governador
Andonaegui: “Todos nós sentimos um grandíssimo espanto, ao ouvirmos a tua carta. É nos impossível acreditar que o
coração santo de nosso rei tenha enviado ordens no sentido de nos mudarmos”. E no mesmo ano, no mês de setembro, o
mesmo Andonaegui e também Gomes Freire e Valdelírios já tinham informações de que “todas as missões se levantam”
(GOLIN, 1998, p. 273 e 274). O confronto principal da Guerra Guaranítica foi a Batalha de Caiboaté, ocorrida no dia 10
5
As esculturas de cena
Para abordar a importância da estatuária no período das missões, e também para contar a
história da formação do acervo do Museu das Missões, tornou-se indispensável a utilização de
esculturas, na cena. Por isso, foram confeccionadas especialmente para a peça as esculturas
necessárias à narrativa. Para esse processo foram observadas as diferentes fases de criação escultórica
nas missões jesuíticas e, também, as distinções entre as esculturas que seguiam o cânone religioso e
europeu daquele com a talha guarani. As esculturas são de madeira com policromia e foram
elaboradas pelos integrantes do grupo.
2 - As Missões Jesuíticas e o Museu das Missões
Nesse item, faremos uma breve abordagem sobre a História das Missões e a produção artística
ali realizada, com especial atenção à estatuária. Na sequência, se tratará da criação do museu e a
formação do seu acervo, destacando-se o papel que o senhor Hugo Machado teve nesse processo.
História das Missões
As Missões Jesuítico-Guarani do Paraguai se desenvolveram no sul da América, nos séculos
XVII e XVIII e consistiam da formação de povoados de índios majoritariamente da etnia guarani.
Teve início por volta de 1609, a partir de um projeto colonial do Reino de Espanha e da Igreja
Católica, e eram coordenadas por religiosos da Companhia de Jesus, denominados de jesuítas. O
procedimento consistia em reduzir os índios, desde centenas até milhares, em um local no qual era
edificada uma pequena cidade, modelo que facilitava o projeto hispano-religioso que previa a
conversão dos nativos à fé católica e a sua formação para o trabalho dentro dos conceitos europeus.
O modelo adotado possibilitou que apenas um ou dois religiosos, com o auxílio de alguns
líderes indígenas, coordenassem até cinco mil pessoas de um povoado. Eles organizavam o trabalho,
os negócios, a educação, a religiosidade e os momentos de lazer. Ao final dessa experiência as
Missões contavam com 30 povoados cujas sedes estavam situadas em área hoje pertencente ao
Paraguai, (norte da) Argentina e (sul do) Brasil, nos quais viviam então cerca de 100 mil índios. A
derrocada desse projeto se deu com a expulsão dos padres jesuítas do território americano, ordenada
pelo Reino de Espanha em 1767 e a extinção, em 1773, da Cia. de Jesus feita pela Igreja Católica.
de fevereiro de 1756, em território hoje pertencente ao município de São Gabriel, no Estado do Rio Grande do Sul e nela
pereceram 1511 e índios guarani, alguns fugiram e 154 foram feitos prisioneiros (GOLIN, 1998).
6
O sistema de aldeamento perdurou por cerca de 150 anos e criou um modo de vida singular
na convivência, construções de prédios, organização do trabalho e na realização de atividades
artísticas em suas diferentes manifestações, pois as artes estiveram presentes com muita força em
todo esse período (FURLONG, 1962).
A arte nas Missões
A arte fez parte da vida dos missioneiros desde os primeiros momentos da fundação das
reduções e cumpria algumas importantes funções: evangelização, lazer, motivação e ocupação
laboral. Dentre as atividades artísticas, sempre tiveram espaço o teatro, a dança, a música, o canto, a
pintura e a escultura.
Aos domingos, e também nas datas religiosas mais importantes, as apresentações artísticas
dominavam a praça em frente à igreja e são reiterados os relatos do apreço dos índios por essas
manifestações. Em todas as atividades estavam presentes as estátuas do santo padroeiro do povo e a
de outros personagens importantes. E por todos os espaços da aldeia as estátuas eram abundantes.
As esculturas
A estatuária produzida nas Missões, ao mesmo tempo em que se insere no contexto de
evangelização e de suporte para o amálgama da convivência das comunidades, também pode ser
percebida como uma especificidade das criações sul-americanas devido, de um lado, a um caráter
totêmico que elas assumiram possivelmente pela força comunicativa que estabeleceram como
mensageiras e, de outro, pelos aspectos artísticos e estéticos.
Para nos guiar nessa abordagem seguiremos os estudos de Bozidar Sustersic (2010), mas não
podemos deixar de citar a contribuição que a professora de História da Arte Claudete Boff10 fez para
o tema. Bozidar é muito esclarecer ao distinguir a produção escultórica das Missões por estilos e
períodos e também por vieses que evidenciam quais obras seguem o cânone artístico religioso ou
europeu, diferenciando-as das que contêm os traços do artista guarani.
Esclarece o autor que antes mesmo de se poder conceituar um estilo, ainda nos primeiros
momentos da fundação de povoados, houve a produção de obras escultóricas por algum integrante da
ordem jesuítica os quais, nem sempre iniciados no ofício, desempenhavam essa tarefa possivelmente
10 Autora de “A Imaginária Guarani: o Acervo do Museu das Missões”. Santo Ângelo, Ediuri, 2005.
7
por saber do auxílio prestado pelas estátuas na comunicação com os índios. Em carta ânua do padre
Claudio Ruyer, de 1626-1627, da redução de Santa Maria del Iguazú, há o relato de uma dessas
criações a qual teria sido feita pelo padre Badia que “nunca aprendeu o ofício” mas criou obras que
causaram admiração.11
Quanto aos estilos das esculturas missioneiras, para os quais utilizaremos a nomenclatura em
espanhol, por ainda não encontramos terminologia adequada em língua portuguesa, Sustersic os
divide em três e eles compreendem os períodos de 1630 a 1670, para o primeiro, seguido por outro
entre 1670 e 1685 e, o terceiro e mais longo, entre 1680 e 1768 (SUSTERSIC, 2010).
O primeiro é o estilo de Estátuas horcones con cabezas y manos ensambladas que consistia
de esculturas em tronco cilíndrico, talhado sem a cabeça e sem as mãos que, por serem as mais difíceis
de se esculpir, pois, especialmente a cabeça tinha que revelar o personagem do qual se tratava, eram
confeccionadas por escultor especializado. É interessante observar que essas peças, cabeças e mãos,
continham uma extensão, como um pino, para serem encaixadas no corpo. E o corpo era esculpido
com os orifícios apropriados para receber o encaixe dos complementos.
O segundo período, denominado por Sustersic de estilo de Estátuas horcones de túnicas
ahuecadas, pode ser distinguido em estátuas elaboradas com tronco inteiriço e, especialmente, pelas
suas túnicas curtas, que são exclusividade dessas esculturas. A túnica é ocada por dentro e, por fora,
adquire a forma de um amplo cilindro estriado, formando uma figura sem lógica para a mentalidade
artística europeia da época. Essa túnica estranha adquiria sentido quando a escultura era colocada em
um nicho, em lugar alto e iluminado por velas, pois a luminosidade gerava um forte efeito visual ao
ressaltar as pernas em contraste com o interior da túnica que era escura. E quanto maior a distância
entre as pernas e a túnica, mais forte era o efeito (SUSTERSIC, 2010, p. 78. v. 1). Sustersic pondera
que as escultura horcones (ou troncos) formavam, à sua época, noventa por cento das estátuas das
igrejas missioneiras, mas curiosamente esse assunto não era citado nas cartas ânuas.12
11 “[…] el P. Vicente Badia a emprendido hacer por su mano un famoso retablo que tiene començado con sus columnas,
i vultos de relieve con mucho ingenio y curiosidad […] que aunque el P. Vicente nunca aprendio este oficio su buen
ingenio, i afecto […] le han hecho traçar lo que un muy buen artífice hiciera arto en alcanzar, i quatro Indios que ayudan
al Padre en esta obra, están ia tan diestros, que se admiran los Padres de verlos.” - Carta del Padre Claudio Ruyer, desde
Santa María del Iguazú, incluida en la carta anua de 1626-1627 de Nicolás Mastrilli Durán. Tesis doctoral de María
Cristina Serventi. Facultad de Filosofía y Letras. UBA. 2008. (SUSTERSIC, 2010, p. 68. v. 1). 12 “Extrañamente las Cartas Anuas no mencionan las estatuas horcones, sino alguna que otra imagen traída de España,
como parte de su notabilidad y excepción. Los estudiosos creyeron que esas imágenes importadas constituían lo habitual,
siendo lo contrario, eran las excepciones. Las imágenes hechas en las misiones no merecieron comentarios ni menciones
de las crónicas y de las Anuas a pesar de constituir el 90%, o más, de los equipamientos de las iglesias” (SUSTERSIC,
2010, p. 23. v. 2).
8
O estilo de Estátuas horcones de pliegues aplanados corresponde ao último período da
experiência missioneira com características estéticas relacionadas ao guarani. Se iniciou antes da
chegada do italiano Brasanelli13, teria sobrevivido às transformações implantadas pelo escultor
italiano e continuado depois do ocaso das missões, influenciando a arte popular dos santeiros. A
característica mais importante desse estilo são os mantos abertos na frente que deixam ver uma túnica
com suas pregas verticais. É considerada por Sustersic como uma continuação dos dois estilos
anteriores, o de cabezas ensambladas e o de túnicas ahuecadas (SUSTERSIC, 2010, p. 85. v. 1).
Outro aspecto estético destacado pelo estudioso é aquele das esculturas com o olhar direto
para os olhos do observador. Como não são encontrados modelos canônicos referenciais com a
fisionomia dirigida às pessoas, em forma que se assemelha a uma máscara, e nem com olhos tão
abertos, esse detalhe é atribuído à criatividade guarani, o qual parece estar interessado em compor
“obras que logren producir un estado de hipnosis en el espectador” (SUSTERSIC, 2010, p. 71. v. 2).
É importante salientar que, se não podemos ignorar a contribuição da obra de Sustersic para a
melhor compreensão da experiência missioneira, é salutar refletirmos sobre as informações que
constam no prólogo da publicação da publicação de sua obra, as quais reafirmam a qualificação
técnica e científica do autor, mas alertam para o seu olhar cúmplice e apaixonado das ações Jesuíticas
nas Missões do Paraguai superdimensionando por isso, talvez, alguns aspectos, como a influência
que teria alcançado Brasanelli com as suas inovações (SUSTERSIC, 2010, p. 19. v. 1).
A criação do museu
Após imenso período em que as missões do lado oriental do Rio Uruguai, os denominados
Sete Povos, ficaram sem os devidos cuidados de preservação, com suas edificações desmoronando e
os bens de pequeno porte com algum valor sendo saqueados, o início do século XX traria novos
olhares para a região e, de modo mais acentuado, para o antigo povo de São Miguel, hoje, São Miguel
das Missões (RS).
Em 1922 o Estado do Rio Grande do Sul reconheceu as edificações do povo de São Miguel
Arcanjo como lugar histórico e, em 1938 ele foi tombado como Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional pelo SPHAN – Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico, criado no ano anterior pelo
Governo Federal. E o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas (1882–1954), por sugestão de Lúcio
13 Irmão José Brasanelli: escultor, pintor e arquiteto. É considerado o introdutor do barroco Italiano, na área da escultura, nas Missões do Paraguai, onde atuou entre 1691 e 1730 tendo muita influência artística.
9
Costa (1902-1998) que visitara a região em missão oficial, aceitou criar nesse mesmo período o
Museu das Missões com sede junto ao sitio arqueológico (MEIRA, 2007). O Museu das Missões foi
então fundado em 8 de março de 1940 pelo Decreto-Lei número 2.077,14 o qual explicita no seu artigo
01 a sua finalidade: “reunir e conservar as obras de arte ou de valor histórico relacionadas com os
Sete Povos das Missões Orientais, fundados pela companhia de Jesus”.
A coleta das estátuas por Seu Hugo
A criação do Museu era um passo importante para a preservação da memória, mas havia ainda
uma tarefa gigantesca a ser levada a efeito, pois, no período em que os remanescentes históricos das
antigas missões ficaram sem a presença de institucionalidade, houve o extravio dos bens de pequeno
porte. Com isso, a estatuária, ou alguma parte dela, estava dispersa por antigas fazendas, casas simples
e igrejas da Região do Noroeste Gaúcho. O senhor Hugo Machado, morador da localidade de São
Miguel e primeiro zelador do museu, recebeu então a incumbência de resgatar o que fosse possível
das antigas esculturas para fazê-las retornar ao lugar onde teriam sido confeccionadas.
Por muitos anos o seu Hugo, como ficou conhecido popularmente, num trabalho incansável e
muitas vezes arriscado, percorreu a região com a finalidade de reconduzir ao antigo espaço da missão,
onde agora localizava-se o museu, os santos e anjos missioneiros. Houve doações voluntárias,
entregas com abalos sentimentais feitas por fiéis que haviam se afeiçoado a algum santo, mas na
maioria dos casos, seu Hugo necessitou mesmo muita habilidade, agilidade e até coragem para obter
as imagens (informação verbal)15.
3 – Teatro, educação e arte
O que se pretende com o espetáculo Escultórias Fascinantes, além de proporcionar lazer e
fruição artística, é a formação de um público crítico e, por meio desse viés crítico também o de
ressaltar a concepção de que a arte se constitui numa forma de conhecimento. Por esse motivo, ao
mesmo tempo em que a peça evidencia informações relevantes sobre a história, arte e patrimônio,
espera-se despertar a curiosidade do espectador. E pretende-se que esse despertar da curiosidade seja
o movimento inicial pelo qual se poderá fortalecer a crítica, conceito referenciado na teoria do
14 Cópia do decreto que se encontra no arquivo do Museu das Missões, em São Miguel das Missões (RS). 15As informações foram obtidas com familiares do senhor Hugo Machado, especialmente com seu filho, Carlos Machado.
10
dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956), ou seja, extrapolando as reflexões sobre a obra artística e se
estendendo para a conjuntura social (BORNHEIM, 1992, p. 243 a 252).
E, ao se elaborar uma peça de teatro com essas referências, concordamos com Weirich (2001,
p. 9) quando pondera a intenção de que, por tais pressupostos, a arte seja “capaz de retirar os fatos de
seu caráter natural, possibilitando o espanto e a curiosidade” e, complementa a autora, que fez sua
dissertação de mestrado sobre Brecht, afirmando que “dessa maneira, ocorre o questionamento
daquilo que parece inquestionável” e, por esse mecanismo, o espectador chegaria a uma compreensão
mais profunda da obra e do mundo que o cerca (WEIRICH, 2001, p. 10).
Nessa perspectiva, a abordagem feita pela peça, sobre o tema missões, ressalta personagens e
acontecimentos nem sempre contemplados nas narrativas históricas mais difundidas. Na primeira
parte da peça o personagem central é Paica, um índio. E sobre os índios missioneiros há pouca
referência na tradicional historiografia conforme esclarece Becker (1992, p. 12), em sua obra
Lideranças Indígenas, afirmando que “não há biografias das lideranças indígenas, como as há para
os missionários” e prossegue comentado que as referências aos guarani “são anedóticas e só tomam
algum sentido se as manejarmos dentro de um grande quadro antropológico”.
É revelador o fato de se encontrar mais informações sobre os religiosos do que sobre índios
guarani, numa sociedade na qual viviam, no último ciclo da experiência, cem mil índios e menos de
uma centena de religiosos. Felizmente há historiadores contemporâneos, como é o caso de Eduardo
Neumann16, realizando pesquisas que diminuem essa invisibilidade. Pois bem, na peça, Paica, por ser
o personagem que conduz a narrativa assume um viés de contraponto aos modos mais usuais de se
abordar o tema Missões, e isso provoca um estranhamento no espectador tendo em vista que, na
historiografia tradicional sobre o tema, o personagem central seria o padre e não índio.
E, na cena em que Paica menciona ter concluído a estátua que o público lhe via esculpir,
constata-se que o santo esculpido não tem a cabeça e nem as mãos, provocando com isso um
estranhamento nos espectadores. Causa-lhes surpresa o escultor indicar que a escultura está acabada
se ela não tem mãos e cabeça. Essa situação foi assim criada para causar espanto no espectador e com
isso reforçar a informação sobre um dos períodos pelos quais passou a arte escultórica nas Missões,
descrita por Sustersic (2010) como sendo a primeira fase, ou seja, a de Estátuas de horcones
cilíndricos com cabezas y manos ensambladas à qual referimos anteriormente. Percebendo o
16 Autor de “Práticas Letradas Guarani: produção e usos da escrita indígena (séculos XVII e XVII). Rio de Janeiro, 2005. ” Tese de doutorado. Fonte: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp058004.pdf (acesso em 15 de abril de 2015).
11
estranhamento do público, e para destacar ainda mais essa fase, o escultor explica que as cabeças e
mãos das estátuas são elaboradas em separado. Depois pega-as e, ao encaixá-las se equivoca,
colocando uma mão no local da cabeça, ao que o público mais uma vez reage e o escultor, por isso,
corrige e conclui a sua obra.
Pois bem, pretende-se, que essas situações, dentre outras, contribuam para o espectador se
interessar em conhecer as diferenciações entre os períodos estéticos da arte escultórica nas missões.
E, seguindo esses pressupostos, também na segunda parte da peça reforça-se o elemento de
estranhamento, de um lado, porque o personagem central da narrativa não é uma autoridade pública
de alto escalão ou um personagem histórico com notoriedade, o que é a situação mais comumente
encontrada. Na peça, o personagem central dessa parte é a pessoa que, segundo relatos, conseguiu
“coletar” boa parte das obras que compõe o acervo do museu, vindo a ser posteriormente o seu
primeiro zelador. Trata-se do senhor Hugo Machado, denominado na peça apenas Hugo.
E, ao mostrar as andanças e peripécias de Hugo na busca de estátuas que ficaram por mais de
um século em casas região, o espetáculo pretende também trazer à tona um personagem pouco
conhecido, mas inegavelmente de vital importância para a formação do acervo do museu. Não se
pretende, obviamente, minimizar com isto a importância de outros artífices desta trajetória, muitos
dos quais, inclusive, já têm a sua contribuição reconhecida. O que a peça propõe é ressaltar
personagens importantes para história e ainda não reconhecidos. Hugo é um deles.
Também na encenação do espetáculo, ou seja, nos diferentes itens que compõe o espetáculo,
se pretende inquietar o espectador com o propósito de colaborar com a formação de um público
crítico. A pintura dos bonecos-personagens é um desses itens e está referendada na estética barroca,
a qual tem forte relação com as missões. Todos os bonecos-personagens do espetáculo foram pintados
em claro-escuro de um modo muito particular, pois não é uma pintura que vai do tom claro ao escuro,
como faz a técnica do esfumato, por exemplo, mas um lado inteiro do rosto é de cor clara e o outro
em tom escuro, sem nuances intermediárias. Isso acentua o que barroco tem como uma de suas
principais referências estéticas, ou seja, o contraponto entre extremos.
Na música, por exemplo, Preiss (1988, p.16) refere que o barroco se caracteriza pelas
“mudanças repentinas, da alegria para a tristeza, da melancolia à exaltação” e, também a pintura, se
utiliza de variações acentuadas, mais especificamente, de tons claros e escuros. Andrade et al., (1996,
p. 64) comentando a transição estética de Caravaggio (1573-1610), em suas pinturas religiosas do
final do século XVI, afirmam que o pintor italiano estava “renunciando as luzes suaves de sua
primeira época” e utilizava agora “uma violenta contraposição de luzes e sombras”. Assim, a opção
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de pintura dos bonecos embasada nessas referências ao mesmo tempo em que acentua uma das
características do barroco, torna os bonecos singulares por ter cada lado do rosto em um tom de cor,
o que causa estranheza no público despertando-lhe a curiosidade.
A opção de se encenar a peça com bonecos é para colocar diante do espectador um elemento
de distanciamento. Com os personagens representados por atores, pode ocorrer de o público se
identificar e passar a viver a fantasia da narrativa. E isso pode diminuir-lhe o potencial de análise.
Com os bonecos, pela sua característica de objeto inanimado, o público se sente sempre diante de
uma obra artística e isso pode facilitar sua avaliação crítica do que assiste e do que ela aborda.
Ainda com referência à encenação, o fato de se fazer as esculturas especialmente para a peça,
lhe dão relevo ao espetáculo e aguçam a curiosidade dos espectadores. É importante ressaltar que não
se está buscando atribuir às estátuas cênicas um valor artístico minimamente comparável às originais.
Contudo, é perceptível a inquietação do público em tentar saber qual a origem de tais esculturas, se
foram emprestadas por algum museu ou compradas prontas. E essa inquietação é bem-vinda, tanto
pelo propósito que se tem de ativar a dimensão crítica do espectador, quanto porque ao despertar-lhe
a curiosidade sobre o que vê e ouve, ele mantém-se atento ao transcorrer da história.
Pois bem, acredita-se então que o fato de se estruturar um espetáculo de teatro, procurando-se
fundamentar os temas e que também inquiete o público, pode provocar o questionamento e busca de
informações complementares e, assim, se está trabalhando na perspectiva de valorizar a educação.
O Jogo Pedagógico Museu das Missões
O Jogo Pedagógico Museu das Missões, elaborado para ser realizado com o público do
espetáculo teatral Escultórias Fascinantes, foi desenvolvido logo após se ter assistido ao espetáculo.
As atividades ocorreram no mês de maio de 2015, quando das apresentações.
O Jogo, idealizado por Maristela Marasca17 e Jerson Fontana, é realizado com cinco grupos
de doze pessoas cada, contando-se para tal com cinco painéis com reprodução de obras das artes
visuais e outras manifestações de cunho artístico dispostas sobre mesas. Por meio de um sorteio, cada
grupo vai para um dos painéis junto ao qual se encontram um dado, uma lupa, seis envelopes e
material para anotações. O jogo é desenvolvido em quatro fases.
17 Integrante do grupo de teatro A Turma do Dionísio. Formada em Filosofia com Mestrado em Educação pela UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do RS, de Ijuí-RS. Foi professora de filosofia, na UNIJUÍ, entre 1996 e 2013.
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Fase 1: uma dupla de participantes por vez, joga o dado e, para o número correspondente há
um envelope numerado, dentro do qual estão perguntas para serem respondidas por meio da análise
das imagens do painel. Para tal, será utilizada utiliza-se a lupa. Todas as duplas repetem essa ação.
Fase 2: cada um dos grupos, em rodízio, passa pelas outras mesas e, em cada uma delas
observa os painéis, sem, contudo, responder aos enigmas referentes àquelas imagens. Nessa fase, eles
apenas comparam as imagens dos diferentes painéis com as do painel com o qual ele iniciou o jogo.
Fase 3: cada grupo faz um relato aos demais sobre as imagens observadas em seu painel.
Fase 4: destinada a comentários finais e avaliação do jogo com todos os participantes, com
estímulo para as comparações histórica, social e estética entre os diferentes painéis.
No caso das atividades realizadas em São Miguel das Missões a idade dos participantes variou
entre 12 e 50 anos e contou com estudantes das séries finais do ensino fundamental, ensino médio e
público em geral.
Conteúdo do jogo
O Jogo Pedagógico Museu das Missões, conforme descrito anteriormente, é composto de
cinco painéis com imagens e com perguntas referentes às imagens. As obras visuais dos painéis são
as seguintes: esculturas das missões, máscaras africanas e indígenas, gravuras de Rembrandt,
esculturas de santos produzidos por santeiros e um projeto feito pelos grafiteiros conhecidos Gêmeos.
A opção por essas obras e artistas foi definida pelos criadores do jogo.
As esculturas das missões foram incluídas devido à temática central das atividades. As demais
obras e artistas escolhidos possibilitam a relação com as esculturas missioneiras ou servem de
referência sobre aspectos culturais, identitários e por permitirem, em seu conjunto, a formação de um
panorama histórico das artes visuais e manifestações de cunho artístico.
Um dos objetivos da escolha é o de inserir as esculturas das missões numa linha de tempo,
desde épocas imemoriais até os nossos dias. Assim, inicia-se com as máscaras africanas e indígenas,
que apesar de ainda serem elaboradas e utilizadas ainda na época atual, têm sua origem em tempos
remotos. Pertencente ao mesmo período das missões está a obra do holandês Rembrandt van Rijn
(1606-1669), do qual são apresentadas no jogo apenas gravuras. As esculturas de santos esculpidas
por santeiros são ainda feitas contemporaneamente, mas remontam a várias décadas e, a obra dos
Gêmeos grafiteiros, é do período atual, elaborada no ano de 2014.
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Estilos estéticos
A seleção de obras e artista tem como referência as esculturas missioneiras sobre as quais a
peça teatral trata. Um painel, portanto, é composto com imagens impressas de algumas dessas
esculturas e sobre as quais já foram feitas elucidações. Sobre os demais painéis, eles cumprem uma
função histórica, cultural, técnica ou estética.
Dentre os motivos principais para se ter incluído as máscaras africanas e indígenas nos
elementos visuais do jogo, pode-se destacar que elas confirmam o uso de imagens pelos seres
humanos desde os primórdios das civilizações, também por serem oriundas de duas etnias, afro e
indígena, que tem diminuto espaço e parco reconhecimento nas disciplinas escolares e nas referências
culturais em geral. Ainda porque, elas têm uma finalidade religiosa e auxiliam a ampliar a visão sobre
a pluralidade religiosa.
Nas gravuras de Rembrant pode-se perceber que há obras admiráveis sem a multiplicidade de
cores, com o que somos bombardeados nos dias de hoje, visto serem elas compostas basicamente
com a cor preta. Também porque evidenciam com muita ênfase as características barrocas do claro
escuro e, ainda, por que a gravura é pouco difundida.
As imagens de santos esculpidos pelos santeiros brasileiros é por que elas preservam uma
evidência cultural do território brasileiro que é o hábito de se manter nas casas, a imagem de santos,
característica essa que foi muito forte no período das missões (AHLERT, 2015, p. 6) e preservam,
mesmo que de modo sutil, determinados traços do estilo barroco.
De Os Gêmeos, Otávio e Gustavo Pandolfo (1974- ), a opção foi por uma de suas obras
denominada de Gigantes. O grafite é uma arte visual diferente das demais aqui apresentadas, pois é
feita em espaços públicos e, além da sua qualidade artística, é uma manifestação contemporânea e
que tem muito apelo junto aos jovens e esse era um fator importante no projeto dado às características
de boa parte dos participantes.
Com esse apanhado de autores, obras e características artísticas que compõe os painéis, é
possível fornecer aos participantes informações diversificadas e consistentes sobre a longa tradição
de criação de itens com valor simbólico para os seres humanos. Pela comparação, pode-se verificar
que a produção de esculturas nas missões se insere num universo cultural mais amplo e que, por meio
do estudo desse período específico, pode-se fazer relações com as criações humanas feitas em todos
os tempos e lugares. Permite ressaltar a importância dos bens artísticos para a cultura dos povos os
quais ajudam a revelar os seus modos de vida, crenças, hierarquias social e religiosa.
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Um comentário ainda sobre a opção de se fazer painéis com algumas informações que só
podiam ser visualizadas com uma lupa. A intenção é a de despertar o interesse dos participantes em
observar, aguçando o seu olhar e, por esse método possibilitar uma atitude que se diferencia daquela
cotidiana, que olha ao redor sem muita atenção. A lupa possibilita um olhar curioso, que era um dos
propósitos das atividades voltado para a noção de que um cidadão inquieto intelectualmente pode
estar sempre em busca de conhecimento.
Outro fator interessante é a possibilidade do acesso à comunidade local a aspectos da História
da Arte e outras disciplinas desse campo, deixando evidente que é possível, por meio do estudo dessas
disciplinas, além de admirar a beleza das obras, compreender aspectos da sociedade que as produziu.
Cabe ressaltar que a metodologia de abordagem desses assuntos, por meio de uma atividade artística
e de um jogo, possibilita o contato com a dimensão lúdica dos participantes proporcionando um
ambiente, ao mesmo tempo que de estudo, mas também de lazer e de leveza nas relações, tanto
interpessoais como das pessoas com os objetos de estudo, ou seja, as obras artísticas.
Considerações Finais
A realização das atividades, por ocasião do aniversário de setenta anos do Museu das Missões
revelaram algo surpreendente. É muito comum se ouvir comentários sobre a falta de interesse das
pessoas sobre o patrimônio cultural, sobre as artes, e o que se presenciou durante a semana de
realização das atividades foi algo bem diverso. Estudantes e cidadãos da comunidade com muito
interesse nos estudos sobre as esculturas, sobre as artes, missões, cultura. Isso gerou um ambiente de
comunicabilidade, com perguntas, colocações, ponderações, relatos que os momentos para essa
finalidade eram sempre de muita troca de informações.
Lamentavelmente não foi possível estender as atividades a um público mais numeroso, com
um maior número de réplicas das atividades, mas nessa área da cultura é importante que se tenha
paciência e persistência. Foi muito animador ver os participantes, especialmente os jovens,
compreendendo que eles eram parte das atividades e que os temas ali abordados fazem parte de suas
vidas. Há que se destacar, por fim, a presença num desses momentos, de um filho do senhor Hugo
Machado, que deu um depoimento sobre a história de vida de seu pai, o que nos irmanou a todos
nessa busca necessária da história que nos une. Esse ambiente geral, pois, parece ter evidenciado, que
os objetivos almejados com as atividades, especialmente no âmbito da educação, referendada na
curiosidade, na inquietação e na participação foi, ao menos, tangenciado.
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REFERÊNCIAS:
Livro
AMARAL, Ana Maria. Teatro de Formas Animadas. 2ª edição revisada. São Paulo, Edusp, 1993.
ANDRADE, José M. P., et al. História Geral da Arte – Pintura II. Madri, Ediciones del Prado, 1996.
BECKER, Ítala Irene Basile. Lideranças Indígenas – no começo das Reduções Jesuíticas da
Província do Paraguai. São Leopoldo, Ed. Instituto Anchietano de pesquisas, 1992.
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo, editora Perspectiva, 2001.
BORNHEIM, Gerd. Brecht: A Estética no Teatro. São Paulo, Edições Graal, 1992.
FURLONG, Guilhermo. Misiones y sus Pueblos de Guaranies. Buenos Aires, Ed. Theoria, 1962.
GOLIN, Tao. A Guerra Guaranítica. Passo Fundo: EDIUPF, Porto Alegre: Editora da Universidade
– UFRGS, 1998.
MELLONI, Remo. Il Castello dei Burattini. Milano, Editrice Mazzota, 2004.
PREISS, Jorge Hirt. A Música nas Missões Jesuíticas nos séculos XVII e XVIII. Porto Alegre,
Martins Livreiro Editor, 1988.
SUSTERSIC, Bozidar Darko. Imágenes Guaraní-Jesuíticas - Paraguay Argentina Brasil. Assunção,
Servilibro, 2010. Volumes 1 e 2.
Capítulo de livro
MEIRA, Ana Lúcia Goelzer. A Trajetória do IPHAN nas Missões. In: MEIRA, Ana Lúcia Goezer,
e PESAVENTO, Sandra Jatahy (orgs.). Fronteiras do Mundo Ibérico – Patrimônio, Território e
memória das Missões. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2007. 81-87.
Artigo de periódico
AHLERT, Jacqueline. São Miguel Marangatu: representações da circularidade cultural e humana
no contexto das Missões Jesuíticas da Província Paraguaia. Caxias do Sul. In. MÉTIS: história &
cultura, v. 13, n. 27. 39-59. jan./jun. 2015.
Monografia
WEIRICH, Maristela Marasca. Brecht: teatro, realidade, conhecimento e diversão. UNIJUI-Ijuí.
Dissertação de Mestrado, 2001, não publicada.