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1
UM MAPEAMENTO DAS ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS
A PARTIR DA DIVERSIDADE CULTURAL DE SÃO LUIZ
GONZAGA1
FERREIRA, Sandra2
Resumo: Este artigo visa investigar a diversidade cultural são-luizense e em que
medida essa diversidade se manifesta através de atividades criativas. Apresenta definições
teórico-conceituais acerca de Cultura, Identidade cultural, Economia da cultura, Atividades
criativas e culturais e Cultura missioneira. Utilizou-se, como metodologia, à análise
documental e a pesquisa bibliográfica, a partir de literaturas científicas e não científicas.
Nas considerações finais destacam-se a diversidade cultural, sobretudo a partir do
patrimônio material e imaterial missioneiro; o talento criativo individual, propulsor de uma
identidade cultural fomentador do desenvolvimento econômico caracterizado como
atividade criativa e cultural.
Palavras-chave: Cultura; Identidade Cultural; Diversidade; Atividades criativas e
culturais; Cultura missioneira.
Abstract: This paper aims to investigate the cultural diversity are luizense - and to
what extent this diversity manifests itself through creative activities. It presents theoretical
and conceptual definitions about culture, cultural identity, cultural economy, creative and
cultural activities and missionary culture. It was used as a methodology, the documentary
analysis and literature, from scientific and non-scientific literature. In the final considerations
highlight the cultural diversity, especially from the tangible and intangible heritage
missionary ; individual creative talent , propellant of a cultural identity developers of
economic development characterized as creative and cultural activity.
Keywords: Culture; Cultural identity; Diversity; creative and cultural activities;
missionary culture.
Introdução
No ano de 2016, foi realizado em São Luiz Gonzaga o planejamento estratégico,
organizado pela Universidade Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), a pedido do
poder público municipal, com a participação das entidades culturais, Secretaria de
1 GT 05 Cultura, Sustentabilidade e Desenvolvimento 2 Sandra Ferreira Graduação em Turismo Especialista em Atividades Criativas e Culturais [email protected]
2
Educação Cultura e Esporte, instituições de ensino, Setor público ligado ao turismo, para
organizar as principais demandas da cidade na área de cultura, entre demais áreas de
desenvolvimento, onde a comunidade entendeu que uma das vocações do município é a
“Cultura” e a cultura Missioneira, como os valores e princípios do município e do cidadão.
Este estudo foi um dos fatores que motivou a produção deste artigo que visa investigar a
diversidade cultural são-luizense e perceber em que medida essa diversidade se apresenta
através de atividades criativas. Este artigo também aponta reflexões sobre cultura
missioneira e se propõe a colaborar com a discussão com base em estudos já realizados,
para servir de justificativa e referencial às entidades culturais e ao poder público, bem
como fomentar políticas públicas para promoção cultural local. Da mesma forma, ao longo
desse artigo, percebeu-se a possibilidade de colaboração com o fortalecimento da produção
cultural, qualificando, possivelmente, também os serviços turísticos, através das atividades
criativas.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica que tem como fonte alguns
estudos locais (planejamento estratégico do município), literatura científica (artigos, teses,
dissertações, livros), bem como a literatura não científica (artigos em jornais, livros de
poesia), que versam sobre a cultura em São Luiz Gonzaga.
Assim, na sequência abordam-se conteúdos relativos à Cultura e Identidade
Cultural, Hibridismo e Diversidade Cultural e Economia da Cultura: as atividades criativas
e culturais. Na pesquisa de campo a revisão acima citada se efetiva no contexto de São
Luiz Gonzaga, com foco em identificar as atividades criativas e culturais que predominam
conforme o escopo produzido pelo Ministério da Cultura (MINC). As considerações finais
apresentam os principais resultados alcançados com a pesquisa, indicando propostas para
um futuro estudo da Cultura Missioneira como elemento cultural gerador de um diferencial
para o mercado.
Cultura e identidade cultural
A cultura foi alterando o seu significado; começou a ser estudada no séc. XX,
possuía o significado de colere expressão do latim habitar; “colono” e “colona”; adorar em
sentido a culto e também cultivar na acepção de cuidar”. Segundo Cevasco (2008)
3
“somente a partir do século XVI começou a ser definida como metáfora ao sentido das
faculdades mentais ou espirituais”. Para Ostrower (1987, p. 11), “cultura são formas
materiais e espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem, nas quais atuam e se
comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para
a geração seguinte”.
O conceito transcrito pela autora reflete o quanto o termo cultura é abrangente, não
se pode falar em cultura sem falar na diversidade de elementos que a compõe, simbologias
e sentimentos de um povo.
Para Domingues a cultura pode ser dividida em cultura popular e cultura erudita.
Na visão tradicional cultura popular consiste em todos os valores materiais e
simbólicos (música, dança, festas, literatura, arte, moda, culinária, religião,
lendas, superstição etc.). Já erudita ou de elite é aquela produzida pelas
camadas letradas, cultas, dotadas de saber ilustrado. (DOMINGUES, 2011, p.
403)
O conceito de cultura deixou o campo das ciências sociais, tendo outro termo
associado a ele a “Identidade”. Segundo Hall (2000). “A identidade consiste em oposições
simbólicas, baseadas na diferença cultural entre nós e eles, a construção da identidade é
tanto simbólica quanto social”. Por que é tão necessário continuar definindo identidade?
Há uma constante alteração do sentido de identidade, como ela é ampla, sofre mudanças e
influências do meio, é sempre necessário o entendimento do princípio. Para Hall (2000,
p. 106), “na linguagem do senso comum a identificação é construída a partir de um
reconhecimento, de alguma origem comum ou de características que são partilhadas com
outros grupos ou pessoas, ou a partir de um mesmo ideal”.
Ainda segundo esse autor os aspectos que definem a identidade “são as concepções
étnicas, raciais, nacionais, históricas, culturais e de gênero, assim, as pessoas identificam-
se em grupos com mesmo gosto e pensamentos”. Indiferente das condições étnicas, o
mesmo ideal o gosto e afinidade de pensamentos, fatores emocionais que prevalecem na
identidade assumida. Segundo Bauman que,
4
Define identidade com uma única palavra “pertencer”, no sentido de origem e
nacionalidade que atribui ao ser humano um espaço no mundo e a um
território. O pertencimento e a identidade não possuem a solidez infinita, ela
está em constante transito e sofre influência de diversas fontes disponibilizadas
por terceiros ou por sua própria escolha. (MADALENA apud BAUMAN, 2005, p.
03)
De acordo com Bauman (2005) a identidade sócioterritorial, tem no território, um
dos fundamentos de sua construção; o território é tão importante para o ser humano, que
alguns grupos buscam formar espaços que imitam o seu território de origem, que se chama
territorialização.
O vínculo estabelecido entre cultura e identidade cultural permite relacionar estes
dois conceitos, partindo do princípio que a noção geral de cultura consiste na “essência” de
que todos nós pertencemos a uma cultura possivelmente nacional ou global, enquanto que
a identidade cultural pressupõe uma classificação, um recorte ou mesmo um sentimento de
pertencer ou não a um determinado grupo cultural.
Hibridismo e diversidade cultural
O Brasil é um país com grande diversidade étnica. Sua população é composta da
miscigenação de vários povos que juntos formaram uma nova identidade cultural. Em cada
um dos estados brasileiros, pode-se identificar a miscigenação de raças e culturas, uma
grande diversidade cultural, que transforma as culturas locais em híbridas, e dá a cada
pessoa uma identificação seja ela étnica ou sincrética, a cada um emerge um sentimento de
“pertencimento” e identificação com as diferentes manifestações culturais.
Cabe um olhar amplo referente à diversidade cultural e os espaços que são
compartilhados e disputados no mesmo território, pelas diferentes manifestações culturais,
pois, cada grupo cultural está representado em muitas emoções e sentimentos em relação à
identidade e a cultura que defende proveniente da cultura de origem, do estado nação e
também aquela integrada pela miscigenação. A Hibridização para Coelho não é somente
mistura de raças.
5
A hibridização refere-se ao modo pelo qual modos culturais ou parte desses
modos se separam de seus contextos de origem e se recombinam com outros
modos ou partes de modos de outra origem, configurando, no processo, novas
práticas. [...] A hibridização não é mero fenômeno de superfície que consiste na
mesclagem, por mútua exposição, de modos culturais distintos ou antagônicos.
Produz-se de fato, primordialmente, em sua expressão radical, graças à
mediação de elementos híbridos (orientados ao mesmo tempo para o racional e
o afetivo, o lógico e o alógico, o eidético e o biótipo, o latente e o patente) que,
por transdução, constituem os novos sentidos num processo dinâmico e
continuados. (COELHO, 1997, p. 125-126).
Atualmente vive-se um momento de valorização das diferentes culturas, cada povo
busca seu espaço no mesmo território e o direito de cultuar as suas tradições e seus
costumes. Para Hall (1999) gera uma diversidade de manifestações culturais, com
múltiplos sentimentos e valores. Portanto:
Refere-se ao “hibridismo” e o sincretismo – a fusão entre diferentes tradições
culturais – são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas formas de
cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e contestadas
identidades do passado. (HALL, 1999, p. 91)
A diversidade cultural são os múltiplos elementos que representam particularmente
as diferentes culturas, como a linguagem, as tradições, a culinária, a religião, os costumes,
o modelo de organização familiar à política, entre outras características próprias de um
grupo de seres humanos que habitam um determinado território.
Economia da cultura: as atividades criativas e culturais
Segundo Tolila a economia da cultura ou indústria criativa deve ser refletida
buscando o seu desenvolvimento a partir de três horizontes:
São três horizontes de reflexão para instrumentar conhecimentos e debates
sobre a economia cultural: o fortalecimento das políticas públicas culturais, as
relações entre desenvolvimento cultural e desenvolvimento geral, e as
6
implicações que a globalização atual dos intercâmbios e seus desequilíbrios têm
para o desenvolvimento e a diversidade cultural. É em função desses três
horizontes que as grandes questões internas da economia cultural são
abordadas, quer se trate das indústrias culturais, dos direitos autorais, das
novas tecnologias ou ainda da situação dos aspectos “clássicos” da cultura
(patrimônio, espetáculo ao vivo, etc.) (TOLILA, 2007, p.20)
A cultura, na sua diversidade, também é um elemento passível de valor simbólico.
A evolução do capitalismo, sobretudo após a elevação do consumo de bens e serviços,
também outorgou à cultura o status financeiro. A tendência do mercado cultural produz
uma oferta variada de serviços atendendo uma necessidade pessoal, de lazer, questões
sociais, estudo ou fruição, surgindo assim um mercado bem variado de serviços culturais
para atender o consumidor, favorecendo a economia do setor cultural.
A desmaterialização característica de várias fontes de crescimento econômico,
por exemplo, os direitos de propriedade intelectual e a maior distribuição de
bens simbólicos no comercio mundial (filmes, programa de televisão, música,
turismo etc.) deram a esfera cultural protagonismo maior do que em qualquer
outro momento da história da modernidade. Pode-se dizer que a cultura
simplesmente se tornou um pretexto para a melhoria sociopolítico e para o
desenvolvimento econômico. (YUDICE, 2004, p.26)
O autor aponta uma expansão da cultura para o meio político, onde visualiza uma
forma de estimular o crescimento econômico e de inclusão social nas comunidades,
proporcionando a estabilidade das instituições públicas e culturais, bem como a redução de
conflitos sociais.
Como forma de fomentar as políticas públicas para o desenvolvimento da economia
da cultura, o que vem ao encontro do estudo do autor Poul Tolila como o primeiro item de
reflexão, o MINC procurou categorizar os setores como uma maneira de organizar, no
âmbito das expressões criativas e culturais, os modos de criar, produzir e consumir,
classificando as atividades criativas e culturais como todas as atividades configuradas a
partir de valores culturais e ou expressões artísticas e criativas conforme a figura a seguir.
7
Pela amplitude do Setor Cultural o termo economia da cultura engloba todos os
setores ligados a cultura, buscando referenciar valor a cada atividade, portanto, a Economia
Criativa ou Indústria Criativa é um termo criado para nomear modelos de negócio ou
gestão que se originam a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de
indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda.
As atividades criativas e culturais são fundamentais para o desenvolvimento
regional; a diversidade cultural gerou o desenvolvimento das atividades criativas3 sendo
que elas possuem grande potencial para o desenvolvimento sociopolítico do contexto
missioneiro, conforme será exposto no capítulo a seguir.
Cultura e identidade missioneira: o caso de São Luiz Gonzaga
A cidade de São Luiz Gonzaga foi uma redução Jesuítica dos Guarany, integrante
dos Sete Povos das Missões, possui em seu território um Sítio Histórico São Lourenço
Mártir, Patrimônio Histórico Nacional. Nos últimos anos a população vem despertando
para a grande importância histórica e cultural missioneira, e sua contribuição na formação
do povo gaúcho. Os acontecimentos históricos aqui vividos influenciam no modo de ser
dos são-luizenses que descendem dos índios, negros, portugueses, alemães e italianos.
Os artistas locais vêm destacando a cidade no contexto cultural desde 1980, pelo despertar
artístico no campo da cultura popular, em especial das artes, música, poesias regionalistas,
3 Fonte SEBRAE 07/01/2016. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-
e-economia-/criativa,3fbb5edae79e6410VgnVCM20 acesso em 20/05/2016.
8
dança folclórica, na literatura e no artesanato.
Pommer (2008, p.245) “O que se pretende é destacar a região Missioneira na
totalidade rio-grandense, através de diversas formas de narrativas, como um lugar cultural
específico”. A autora relata que desde esse movimento cultural ocorrido nas
comemorações dos 300 anos de São Luiz Gonzaga esses grupos culturais vêm buscando
essa atitude missioneira.
Trata-se, portanto, de assumir uma atitude “missioneira”, a partir de aspectos
considerados relevantes do seu passado, presentes na memória coletiva pela
repetição exaustiva. Daí o papel de seus monumentos (ruínas, Música,
artesanato, artefatos publicitários, romarias, fontes sagradas, liturgias místicas,
dentre outros artifícios) assumem, articulando e compondo a paisagem cultural
regional. (POMMER, 2009, p. 77)
A cultura popular tem um papel muito importante para os grupos culturais na
cidade, que conta com uma associação de músicos ASMUS com mais de 200 músicos
associados, ASAS Associações são-luizense de autores, Movimento Virarte, Casa do
Poeta, Centro de Criatividades, Associação de Artesãos entidade com mais de 30 anos,
Instituto Histórico e Geográfico, 17º edição “Mostra da Arte Missioneira” neste cenário de
diversidade de manifestações, observa-se que os grupos culturais têm buscado as suas
referências no período jesuítico reducional, na história das missões, na arquitetura barroca,
nas batalhas vencidas e perdidas, na gastronomia, nos costumes, nos imaginários e ideais.
Surge a identidade missioneira e o orgulho de ser missioneiro, conforme campanha
realizada pelo Departamento de Turismo da Fundação dos Municípios das Missões,
traduzida pelo entrevistado em reportagem ao jornal on line Cick RBS4.
Os resquícios das antigas reduções são o patrimônio material que temos aqui na
região. Mas existe algo maior que tudo isso, que não se pode ver, nem mesmo
tocar. É o nosso patrimônio imaterial. O orgulho de ser deste chão, a terra sem
males. Um sentimento tão sólido quanto às paredes que estão aqui a mais de
300 anos. Um sentimento vivo dentro do coração de cada missioneiro.
(RISTOW, 2014)
4 RISTOW Rafael Matéria Missões: o patrimônio imaterial de um povo, RBS TV Santo Ângelo, série Rota missões. Disponível www.clicrbs.com.br.santoangelo.tag.rotamissoes. Acesso em 21/05/2016.
9
A campanha foi criada para promover a identificação com as Missões Jesuíticas,
através de marca que mostra a cruz com dois braços, chamada cruz missioneira, símbolo
maior de identificação com as Missões. Segundo Pippi:
Os remanescentes que integram a geografia e o patrimônio cultural são bem
mais que simples ruínas de pedras ou velhos Santos de madeira. São
documentos materiais impregnados de sentidos imateriais - situados em sítios
históricos. (PIPPI, 2004, p.12)
A autora consegue criar um conceito para muitos, dos sentimentos dos grupos
culturais e de quem conhece e valoriza a história das Missões. O sentimento de valor dado
a essa história e a identificação com ela, não é representada somente por quem vive na
cidade de São Luiz Gonzaga, mas também pelos turistas que visitam a região das Missões.
A autora Roselene Pommer Gomes, realizou um estudo para a tese de doutorado
intitulada Missioneirismo. Segundo Pommer (2008), “No caso específico de São Luiz
Gonzaga, os elementos referidos podem ser tanto objetivos quanto subjetivos, materiais ou
imateriais”. Como a cidade perdeu a sua arquitetura do período reducional no centro da
cidade permanecendo preservado a arquitetura do Sítio Histórico de São Lourenço Mártir,
tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional, (IPHAN) houve uma busca de
referenciais através dos monumentos, eventos como festivais, seminários, Mostras de arte,
música, danças, artesanato, que representa o patrimônio imaterial da cidade.
A identidade missioneira em São Luiz Gonzaga, começou a ser incentivada nos
estudos missioneiros realizados na IV Mostra de Arte Missioneira.
O fato de São Luiz de 1987 localizar-se no mesmo lugar da redução fundada em
1687 foi entendido como sendo o suficiente para dar suporte à elaboração de
um passado glorioso para a cidade. Desse modo ele poderia servir de motivo
unificador na produção de uma identidade tão gloriosa quanto o passado a
missioneira, que faria o são-luizense apresentar-se e ser reconhecido, primeiro,
como um missioneiro de valor, para depois ser gaúcho ou brasileiro. (POMMER,
2009, p.245)
Através dos imaginários, das lendas de personagens como Sepé Tiaraju, de ideais
10
resgatados do passado glorioso, do despertar de amor e de valor a terra que um dia foi tão
próspera, foram apelos e motivações para superar a crise econômica que se apresentava. Os
músicos Noel Guarany, Cenair Maicá, Pedro Ortaça e o poeta e Payador Jayme Caetano
Braun, idealizadores de um ritmo musical intitulado como “missioneiro” ficaram
conhecidos como os “Quatro Troncos Missioneiros”. Em suas letras contaram a história
das Missões e amor pela terra. Para o artista Pedro Ortaça “A diferença entre a música
missioneira e a produzida no restante do estado, [...] está na maneira de cantar
denunciando, protestando, levando para o futuro o passado esquecido”. A presença de
inúmeros músicos regionalistas concedeu à cidade no ano de 2012 o título de Capital
Estadual da Música Missioneira através da Lei estadual Nº 72/2012. Esses grupos culturais
criaram uma identidade particular, as outras cidades que fazem parte dos Sete Povos das
Missões, que também se intitulam missioneiras.
O sentimento de ser Missioneiro também vem sendo difundido pelo turismo,
através da imagem de São Miguel das Missões, Patrimônio Cultural da Humanidade,
constantemente há transmissões de documentários, por vários canais de televisão que
contam a história das Missões, o sentimento e orgulho são refletidos através da imagem
reproduzida em meios de transporte, como cenário de casamentos e book fotográficos, ou
seja, a imagem do Patrimônio Cultural da Humanidade mais presente no cotidiano dos
missioneiros. Essa visibilidade na mídia tem contribuído para que o sentimento de ser
missioneiro esteja fortalecido.
Atualmente a identificação com a cidade é despertada através de uma estrofe da
poesia “Bochincho” de Jayme Caetano Braun que é um slogan dos são-luizenses “Não é à
toa Chomisco que sou de São Luiz Gonzaga” como a poesia relata uma “peleja” em um
fandango onde o poeta sai ileso da briga, destacando ousada valentia, por ser de São Luiz
Gonzaga.
De acordo com o escopo5 das atividades criativas apresentadas pelo MINC,
identificamos em nosso campo de pesquisa os seguintes dados:
No campo do Patrimônio material Entidades
5 Detalhamento das ACC em São Luiz Gonzaga à partir do escopo produzido pelo MINC na pg. 09
11
Sítio Histórico de São Lourenço Mártir
tombado pelo IPHAN.
Estatuárias em estilo barroco do período
missioneiro.
Arquitetura Urbana
IPHAN (Instituto Histórico e Artístico
Nacional)
IPHAN
Inventariados pela URI e Instituto Andaluz
do patrimônio Biblioteca,
Museu Arqueológico e Museu Senador
Pinheiro Machado
Arquivo público
Instituto Histórico e Geográfico
Prefeitura Municipal
Entidade cultural Carnaval Liga Independente das escolas de Samba:
Escola de Samba Gavião Dourado
Escola de Samba Fênix Imperial
Artesanato Preservação saberes e fazeres (IPHAN)
Artesanato Centro de Criatividades
FGTAS SINE (possuem carteira de artesão)
Casa do artesão (SINE)
Feira de rua
Culturas populares
Mitos e lendas: Sepé Tiaraju, lenda dos
túneis
Religiosidade:
Procissões, rezas, benzimentos
Gastronomia: CTG Galpão de Estância
DN Carlos Bastos
Cooperativa de produtos
coloniais Quiosque
Missioneiro Eventos Culturais: Mostra da Arte Missioneira,
Feira do Livro, Festival
Juvenil da cada Cançã
da canção (FIJUCA).
Semana Farroupilha
12
Artes visuais:
Artes plásticas:
Centro de Criatividades
Atelier Los libres
Atelier Claudia Morais
Esculturas Vinicius Ribeiro
Arte em Madeira Hamiltom Bolicher
Alceu Costa
Desenho a mão Iria Diedrich, Arno Shileder
Música: Regionalista, Missioneira
compositores e direitos autorais.
Associação dos Músicos das Missões.
(ASMUS), artistas independentes.
Artistas reconhecidos Pedro Ortaça e filhos, Noel Guarany, Jorge
Guedes e família, Jayme Caetano Braun.
Artesã Margaret Reichert, escultor Vinicius
Ribeiro
Dança: Tradicional do RS CTG Galpão de Estância,
DN Carlos Bastos do Prado
Dança Folclórica Argentina Grupo de dança Fênix
Literatura
Publicações (Revista Presença) Revista
em quadrinhos: Como é dura a vida no
campo, Xiru Velho
Associação São-luizense de autores (ASAS).
Movimento Virarte:
Casa do Poeta: poetas, payadores e músicos
Instituto Histórico e Geográfico.
Sávio Moura Mídia Impressa Jornal A Notícia
Jornal Missioneiro
No campo das criações funcionais Design Nova Design
Através do quadro acima exposto, pode-se observar que todos os setores criativos
possuem representatividade na cidade, alguns setores com muita relevância, artistas da
música, da escultura e do artesanato, que já possuem uma vertente criativa individual,
13
produzindo para o mercado, e também de setores ligados ao patrimônio que necessitam de
políticas públicas para a preservação.
O talento criativo de um indivíduo é o que destaca as atividades criativas, neste
cenário de diversidade cultural destaca-se o caso do escultor Vinicius Ribeiro6, autodidata,
que ao longo dos anos, buscou inspiração para suas esculturas, no passado reducional
através do personagem histórico líder da resistência indígena na Guerra Guaranítica, herói
nacional, Sepé Tiaraju e nos músicos Noel Guarany, Cenair Maicá e o poeta Jayme
Caetano Braun, que, tornou-se uma atração para a cidade, vêm se destacando na produção
de um estilo intitulado por ele como realismo missioneiro, que tem agradado os
consumidores, pois, seu trabalho pode ser visto nas cidades de São Luiz Gonzaga,
Bossoroca, São Borja, Porto Alegre e até no Mato Grosso do Sul, o escultor demonstra
uma criatividade inovadora para a região missioneira.
Do músico missioneiro, Pedro Ortaça “Mestre das Culturas Populares” título
recebido pelo MINC em 2008, junto com os filhos possui muita representatividade na
Música Missioneira, a partir de seu trabalho musical e sua influência artística e de
identidade com as missões jesuíticas, tem exercido grande influência na população local,
contribuindo com a divulgação da identidade missioneira, na abertura de seus shows recita
esse verso:
Quem tem a cruz missioneira plantada dentro do peito Dois braços
pelo esquerdo, dois braços pelo direito Ama sempre em dose
dupla, exige duplo respeito.
Assim ensino aos meus filhos porque aprendi desse jeito.
(Pedro Ortaça)
O artesanato é outro setor de destaque no município, que possui três lojas de venda
e o número de 200 profissionais cadastrados no SINE. Além do Atelier Los Libres, que é
uma entidade cultural que possui integrantes que trabalham com artes visuais e com uma
escola de desenho que atende a rede pública municipal. Os talentos individuais aqui citados
como referência de artistas com uma identidade definida, com produtos para o mercado; o
Patrimônio Histórico Nacional, São Lourenço Mártir, e os remanescentes deixados pelos
6 Disponível em: http://viniciusribeiroescultor.blogspot.com.br/acesso em 21/05/2016.
14
índios Guarany e os padres jesuítas, são os setores de maior representatividade nas
atividades criativas e culturais para a cidade.
Considerações finais
O conceito definido por Ostrower (1987, p. 11) “Cultura são formas materiais e
espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem nas quais atuam e se comunicam
e são transmitidas através de vias simbólicas para a geração seguinte” é o conceito que
melhor traduz o quanto a cultura apresenta diversidade de elementos. Já a cultura
Missioneira tão em evidência nos últimos anos, como diz Pommer (2009, p.77) “Trata-se
de assumir uma atitude ‘missioneira’ a partir de aspectos considerados relevantes do seu
passado. Daí o papel de seus mnmentos, ruínas, música, arteafatos publicitários”.O que
leva a identificar que os sentimentos e pensamentos ainda muito diversos propõem desafios
para se pensar a cultura missioneira enquanto atividade criativa e cultural.
O estudo apresentado nesse artigo aponta para uma diversidade cultural existente,
como mostra o quadro baseado nos setores criativos apresentado no escopo produzido pelo
MINC, das atividades criativas e culturais. Um fator importante é que essas manifestações
são produzidas pelas entidades culturais que tem lutado bravamente para obter
reconhecimento junto aos órgãos públicos municipal, estadual e federal, que não entendem
a cultura local como prioridade e na esfera municipal como geradora de desenvolvimento
econômico. Ou que não propõe ações que envolvam a preservação com o
desenvolvimento, que é o caso do IPHAN; que segundo o Plano das Atividades Criativas e
culturais deveria ser um dos órgãos governamentais fomentadores das atividades criativas
e culturais em relação ao patrimônio. O município mantendo a cultura como um Setor
ligado à Secretaria de educação, só promoverá o desenvolvimento se entender que a cultura
compreendida nos amplos aspectos apontados no estudo aqui desenvolvido e não apenas os
ligados a educação, ou seja, é preciso compreender a cultura na sua ampla diversidade, que
gera desafios igualmente diversos e amplos.
O planejamento estratégico8 pode contemplar as necessidades da cultura para o seu
desenvolvimento econômico, basta que o mesmo seja instituído pelo poder público
municipal sendo incluído no Plano Plurianual, consequentemente nas de Lei de Diretrizes
15
Orçamentárias, a criação do conselho Municipal de Cultura também é uma forma de
diálogo entre os setores. A cultura missioneira merece ser inventariada, e legitimada por
órgãos de proteção à cultura, para que não se misture demais ao ponto de perder-se ,precisa
ser preservada em sua origem, pois, agrega valor ao que for produzido com esse tema e já
possui um potencial de mercado, sendo um deles o turismo. As entidades culturais
precisam se profissionalizar para uma busca de recursos, para fomentar as atividades
criativas, para que não haja uma dependência de auxílio do estado é necessário organizar-
se para buscar junto ao poder público reconhecimento e investimentos em cultura, mas que
este não seja a única fonte de renda.
Pommer (2008) também considera, que a busca de uma identificação com o
passado reducional, que foi um dos objetivos da criação do evento Mostra da Arte
Missioneira em 1980, atingiu seus objetivos em partes, pois, a partir dela teve início
mesmo que timidamente, a produção de uma consciência histórica que gerou
possibilidades de se desenvolverem atividades turísticas, não desencadeou expressivo
crescimento regional. Também não conseguiram naquele momento consolidar uma
identidade missioneira. Podemos considerar que após 36 anos dos primeiros movimentos,
o talento criativo dos artistas que foram inspirados muitos pelos eventos e resgates
promovidos pela Mostra da Arte Missioneira e as principais entidades culturais que
surgiram em função desse movimento cultural é o que permitiu grande parte da diversidade
cultural predominante atualmente, ou seja, a longo prazo, esse processo de identificação
lançado em 1980, está se consolidando através da identificação da população com a cultura
missioneira, quando aponta como valores e princípios dos cidadãos de São Luiz
Gonzaga. O grande desafio é compreender a diversidade cultural, as diversas formas de
produtos e manifestações culturais a partir de um elemento identitário comum, ou seja, o
elemento missioneiro, que se apresenta como um diferencial para o contexto da cultura
local. Destaca-se, nas considerações finais, que as atividades criativas se fazem presentes,
mas ainda no âmbito da prática cultural individual de artistas que enxergaram esse
potencial criativo.
Resta, portanto, saber se o poder público e as entidades associativas saberão, ao
longo do tempo, organizarem-se em torno desse potencial, para que novos sujeitos
culturais possam não apenas evidenciar suas produções, mas, acima de tudo, fortalecerem
16
os laços coletivos da produção cultural local.
Referências
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