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PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO C · RESENHA Fim de século: ainda manicômios? ... autores, para o sucesso desta iniciativa. A Diretoria Nacional ... consolidação das liberdades

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PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO CEBES

Centro Brasileiro de Estudos de SaúdeAvenida Brasil, 4036 – sala 1010 – Fundação Oswaldo Cruz21040-361 – Manguinhos – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 590-9122 ramais 240/241Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21) 590-9122 ramal 241e-mail: [email protected]: http://www.ensp.fiocruz.br/cebes/cebes.html

DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 1998/2000)

Presidente

Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)1O Vice-Presidente

João José Batista de Campos (PR)2O Vice-Presidente

Luis Cordoni Jr. (PR)3O Vice-Presidente

Waldir da Silva Souza (RJ)4O Vice-Presidente

Maria Inês Souza Bravo (RJ)1O Suplente

Carlos Otávio Ocké Reis (DF)2O Suplente

Jacob Augusto Santos Portela (RJ)

CONSELHO FISCAL

Edmundo de Almeida Gallo (PA), Vera Regina Gonçalves de Andrade (RJ) &Darli Antônio Soares (PR)

CONSELHO CONSULTIVO

Antônio Ivo de Carvalho (RJ), Antônio Sérgio da Silva Arouca (DF),David Capistrano da Costa Filho (SP), Emerson Elias Merhy (SP),Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP),Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Rubem de Alcântara Bonfim (SP),Roberto Passos Nogueira (DF), José Gomes Temporão (RJ),Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP) & Paulo Sérgio Marangoni (ES).

CONSELHO EDITORIAL

Coordenador

Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)

Célia Maria de Almeida (RJ), Eduardo Freese de Carvalho (PE),Jairnilson da Silva Paim (BA), José Augusto Barros (PE), Sarah Escorel (RJ),Maria Cecília de Souza Minayo (RJ) Naomar de Almeida Filho (BA),Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Capel Narvai (SP),Renato Peixoto Veras (RJ), José da Rocha Carvalheiro (SP) &Sebastião Loureiro (BA).

DIRETORIA NACIONAL

Av. Brasil, 4036 – Sala 1010 – ManguinhosRio de Janeiro – RJ – CEP 21040-361Fundação Oswaldo CruzTel: (21) 590-9122 ramais 240/241Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21) 590-9122 ramal 241e-mail: [email protected]: http://www.ensp.fiocruz.br/cebes/cebes.html

RESPONSÁVEL PELA EDIÇÃO

Ana Cláudia Gomes Guedes

DIGITAÇÃO

Ana Cláudia Gomes Guedes

REVISÃO DE TEXTO

Cláudia Cristiane Lessa Dias – portuguêsMaria Helena Lyra – inglês

FOTOS DA CAPA

Alvaro Funcia & Cid Fayão, modificadas e tratadas digitalmente porCarlos Fernando Reis da Costa.

REVISÃO TÉCNICA/SECRETARIA EXECUTIVA

Ana Cláudia Gomes Guedes

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa SDE/ENSP

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

???????

TIRAGEM

2.000 exemplares

Apoio:

Indexação:

Literatura Latino-Americana e do Caribeem Ciências da Saúde (LILACS)

A Revista Saúde em Debate é associada àAssociação Brasileira de Editores Científicos

Sistema de Avaliação eQualificação de Publicações da CAPES:

Circulação: Nacional – Categoria: A

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CONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃOCONVOCAÇÃO

A Diretoria Nacional do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), fazendo uso de seu

veículo de informação (Revista Saúde em Debate), vem convocar todos os seus sócios para

a Assembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral OrdináriaAssembléia Geral Ordinária, no Centro de Convenções Salvador/Bahia, por ocasião

do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.

Data:Data:Data:Data:Data: dia 30 de agosto de 2000.

Horário:Horário:Horário:Horário:Horário: 19 horas

Local:Local:Local:Local:Local: Centro de Convenções, em sala a ser divulgada durante o Congresso.

PPPPPauta:auta:auta:auta:auta: 1. Avaliação da gestão com prestações de contas.

2. Eleição da nova diretoria.

3. Assuntos gerais.

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Rio de Janeiro v.23 n.53 set./dez. 1999

ÓRGÃO OFICIAL DO CEBESCentro Brasileiro de Estudos de Saúde

ISSN 0103-1104

CONCEITUALMENTE A CAPA DESTA EDIÇÃO RETRATA O QUADRO DA

SAÚDE PÚBLICA NO FIM DO MILÊNIO: O MESMO DO INÍCIO.

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2 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999

SUMÁRIO

EDITORIAL ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 3

ARTIGOS

A priorização da família nas políticas de saúdeThe priority of the family in health policy

Eymard Mourão Vasconcelos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 6

A descentralização e a autonomia na perspectiva das organizaçõesDecentralization and autonomy in the perspective of organizations

Virginia Alonso Hortale ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 20

Pensando mecanismos que facilitem o controle social como estratégia para amelhoria dos serviços públicos de saúdeCreating devices to enhance the social control of health services

Luiz Carlos de Oliveira Cecilio ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 30

Algumas considerações sobre o controle social no SUS: usuários ou consumidores?Some considerations concerning social control in the H.S.S.: users or consumers?

Geovani Gurgel Aciole da Silva, Maria Vitoria Real Mendes Egydio &

Martha Coelho de Souza ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 37

Avaliação e planejamento local: perspectivas gerenciais no âmbitodos distritos sanitáriosLocal evaluation and planning: management perspectives covering health districts

Serafim Barbosa Santos Filho & Sandra Maria Byrro Costa ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 43

O município e a nova lógica institucional do setor saúde: uma análiseempírica do cenário localThe municipality and the new institutional logic of health policy: an empiric analysis

of the local scenario

Rosângela Minardi Mitre Cotta, José Norberto Muníz, Fábio Faria Mendes &

José Sette Cotta Filho ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 54

O perfil epidemiológico e sua relação com o planejamento de ações odontológicasno Piese-Paulínia (SP)The Epidemiologic profile and the odontologic planning programme in the

PIESE-Paulínia (SP), Brasil

Antonio Carlos Pereira, Marcelo de Castro Meneghim, Patrícia Rodrigues Gomes, Sonia P. Oliveira,

Júlio C. Fortunato, Alexandre C. Brandt & Almir A. Yassuhara ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 63

Controle de custos em saúde: redução a qualquer preço ou racionalização na buscada eficácia? elementos para discussãoHealth cost control: reduction at any price or rationalizing toward efficiency? – elements

for discussion

Maura Taveira ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 68

Avaliação da qualidade em saúde: a contribuição da sociologia da saúde para asuperação da polarização entre a visão dos usuários e a perspectiva dosprofissionais de saúdeQuality assessment in health: the contribution of sociology of health to overcome the duality

between users and health professionals’ perspectives

Mauro Serapioni ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 81

ENSAIO

Como pensar ‘custo’ de forma mais abrangente no setor saúdeHow to think more comprehensively about costs

Leyla Gomes Sancho ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 93

RESENHA

Fim de século: ainda manicômios?Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa

Marisa Fefferman ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 95

SINOPSE DE TESES ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 99

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999 3

EDITORIAL

Nada melhor do que começar o Editorial da última

Saúde em Debate do século, com o primeiro pará-

grafo do Editorial da revista número 1. O CEBES, através

da Saúde em Debate, tinha consciência da importância

de seu papel histórico no campo da saúde. E foi a partir

desta firmeza que, apesar dos inúmeros obstáculos, tem

conseguido cumprir com o seu projeto.

Depois do surgimento de Saúde em Debate, o campo

da saúde no Brasil nunca mais foi o mesmo. Embora

não tenhamos sido os únicos responsáveis, sabemos de

nossa contribuição para que a Saúde deixasse de ser

relacionada à assistência médica, pura e simplesmente,

para tornar-se direito social, qualidade de vida, consci-

ência sanitária, democracia e transformação social.

Após um longo período de grandes dificuldades,

Saúde em Debate volta a ser distribuída aos associados

do CEBES. A transferência da Secretaria Executiva de Lon-

drina para o Rio de Janeiro foi um processo muito difí-

cil e prolongado. Mas, em momento algum achamos

que deveríamos entregar os pontos.

E assim não o fizemos, por sabermos do papel his-

tórico que Saúde em Debate ocupa na formação de opi-

nião e na produção de conhecimento no campo das polí-

ticas de saúde no País, explicitado no primeiro Editori-

al. Ainda mais neste instante, de virada de século e

milênio, que nos leva a inevitáveis e necessárias avali-

ações de nossa trajetória, e a reflexões sobre como con-

tinuaremos procurando intervir em nossos futuros.

Passados 20 anos da apresentação da proposta do

SUS pelo CEBES na histórica sessão do I Simpósio de

Políticas de Saúde da Câmara dos Deputados, e 10 da

inscrição do mesmo na Constituição Federal, neste fim

de século e milênio, o setor saúde ainda reivindica inú-

meras transformações e regulamentações, muito parti-

cularmente aquelas relacionadas à definição do financi-

amento do setor e à qualificação do controle e participa-

ção social no sistema.

No entanto, não é possível perder de vista alguns

avanços, decorrentes da verdadeira e profunda Refor-

ma do Estado que vem sendo operada a partir do SUS,

com a descentralização financeira e política, com o con-

trole e participação social.

Saúde em Debate continua, portanto, sendo o veículo

ao qual se propôs, de divulgação, de reflexão, de pro-

dução de pensamento crítico no campo da saúde. Por

isso, este número é especialmente dedicado a todos aque-

les que, ao longo destas duas décadas, contribuíram, e

vêm contribuindo, seja nas Diretorias do CEBES, seja no

Conselho Editorial e no Corpo de Pareceristas, seja como

autores, para o sucesso desta iniciativa.

A Diretoria Nacional

A análise do setor saúde como componente do processo histórico-social vem

sendo feita de forma freqüente por estudiosos, que nem sempre encontram os

veículos de divulgação mais apropriados. Saúde em Debate pretende ampliar e

levar adiante tais discussões, no sentido de reafirmar a íntima relação existente

entre saúde e a estrutura social. Nossos colaboradores, de várias maneiras, acumu-

lam experiências nessa área e têm, na defesa dos interesses coletivos, a regra

norteadora de suas realizações.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 3, set./dez. 1999 3

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4 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999

QUEM SOMOS

Desde a sua criação, em 1976, o CEBES tem como centro de seu projeto a

luta pela democratização da saúde e da sociedade. Nesses 23 anos, como

centro de estudos que se organiza em núcleos, aglutinando profissionais e

estudantes, seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos

com uma prática política concreta, seja em nível de movimento social, das

instituições ou do parlamento.

Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado

em fortalecer seu modelo democrático e pluralista de organizações; em orientar

sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir nas

políticas e práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e

a formulação teórica sobre as questões de saúde; e em contribuir para a

consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma nova

sociedade.

A produção editorial do CEBES tem sido fruto do trabalho coletivo de centenas.

Estamos certos que continuará assim, graças ao seu apoio e participação.

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O céu embaçado por espessas nuvens, o silêncio da

dor, a separação dolorida, a chuva misturada às

lágrimas, a solidão mais profunda. Num dia assim te

perdemos, Aninha.

O céu, a chuva, a dor, tudo parecia sepultar a ale-

gria, murmurávamos, então: não partas agora, amiga,

espera o tempo da colheita. E, tu, que tanto plantastes,

mais uma vez, te oferecestes à solidão.

Nem todos gostam da solidão.Eu gosto.Na solidão alcanço utopias.A solidão faz sempre pensar no outro,Buscar compartilhar os sonhos com o outroAssim surge a comunhão... (Poema de Ana Ito)

Hoje, recolhemos os instantes em que estivemos jun-

tos. Tantos momentos de perfeita comunhão; tu deixas-

tes tantas fotos e melhor compreendemos os fragmen-

tos de nossas vidas. Impregnados nelas o sinal de tua

luz. De ramo em ramo, de pedaço em pedaço, de flor em

flor, todos unidos numa inefável comunhão.

Quando, sem aviso, uma lâmpada se apaga, desco-

brimos que a vida não se acaba na passagem. O rio flui

eternamente, cumprindo por inteiro sua tarefa, seu cur-

so incessante verte água continuamente. Sabemos onde

te encontrar, Ana. Basta mergulharmos nessa corrente-

za. Os pequenos valores, entretanto, nos aprisionam

nas margens e, receosos, apenas molhando os pés. Ves-

timos os adereços do transitório, dormimos em bran-

cos lençóis e perdemos o eterno. Preferimos precários

abrigos e permanecemos surdos à divina melodia da

existência. Somos pequenos camundongos à cata de res-

tos de alimentos que caem da mesa do grande banquete

da vida. Não percebemos o vôo das águias.

Há uma antiga alegoria oriental que bem identifica

as diferentes etapas de nossas vidas. Nos primeiros anos,

muito imaturos, somos tal qual camundongos. Entramos

e saímos de todos os lugares inconseqüentemente. Agita-

HOMENAGEM À ANA ITOIN MEMORIAM

dos e incontidos, estamos sempre à frente dos outros.

Mais tarde, nos transformamos em ursos e gostamos de

hibernar. Refletimos sobre nossos primeiros anos de vida

e rimos do camundongo que corre de um lado para o

outro. Já amadurecidos, somos búfalos que adoram va-

gar pelas pradarias. Analisamos a vida com mais sabe-

doria e esperamos um dia nos livrarmos da pesada car-

ga de nossos corpos que dificultam nossos movimentos.

Aspiramos, então, ser águias que pairam nas alturas,

acima no horizonte, não para ver as pessoas de cima,

mas para estimulá-las a olhar para cima.

Aninha, tua luz, teu exemplo, tua entrega incondici-

onal às causas da educação e da saúde nos obriga a

olhar para o alto, nos impõe a tarefa de defender as

causas da vida. Haveremos de manter acesa a tua cha-

ma. Oxalá, possamos conduzir com dignidade a luz que

nos confiastes.

Ana, Aninha, agora que tu és águia e nos faz olhar

para o alto, prometemos honrar teu legado. Cada so-

pro de vento, cada verso escondido, cada foto perdida,

cada sonho impossível nos fará voar para os limites

do improvável.

E, amanhã, se esse chão que eu beijeifor meu leito e perdãoVou saber que valeu delirarE morrer de paixãoE assim, seja lá como forVai ter fim a infinita afliçãoE o mundo vai ver uma florBrotar do impossível chão(Poema de Chico Buarque & Ruy Guerra)

Londrina, 3 de julho de 1999

José Eduardo de Siqueira

médico, docente de Bioética da Universidade

Estadual de Londrina (UEL) e amigo da Ana.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 5, set./dez. 1999 5

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VASCONCELOS, E. M.

6 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

ARTIGO

A priorização da família nas políticas de saúde

The Priority of the Family in Health Policy

Eymard Mourão Vasconcelos1

1 Professor do Departamento de Promoção

da Saúde da Universidade Federal da

Paraíba (UFPB), doutor em medicina

tropical pela Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG).

RESUMO

A priorização da intervenção no nível da família como forma de integração e

dinamização das diversas políticas sociais vem ganhando força em vários paí-

ses. O ano de 1994 foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU)

como Ano Internacional da Família. Este artigo busca refletir sobre as origens,

resistências, possibilidades e caminhos desta valorização da família no nível

das políticas sociais, que no setor saúde resultou no Programa Saúde da Família

apoiado pelo Ministério da Saúde (MS).

PALAVRAS-CHAVE: políticas de saúde; atenção primária à saúde; programa saúde

da família.

ABSTRACT

The priority given to intervention at family level has been gaining strength

in several countries. It aims at the integration and effectiveness of social policies.

1994 was proclaimed the International Year of the Family by the United Nations.

This study intends to reflect on the origins, resistance focuses, possibilities and

paths of the family valuation at social policy level. One of its consequences on the

health sector was the Family Health Program supported by the Health Ministry.

KEY WORDS: health policy; primary health care; family health program.

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 7

NO PRÉ-NATAL, A TRADIÇÃO

MÉDICA SE PREOCUPA, ESSENCIALMENTE,COM A GESTANTE, COMO SE TODA

A FAMÍLIA NÃO ESTIVESSE,DE ALGUMA FORMA,TAMBÉM GRÁVIDA.

INTRODUÇÃO

As políticas sociais, intervenções

estatais voltadas para modificar as

condições materiais e culturais de re-

produção da classe trabalhadora, só

começaram a se estruturar de forma

sistemática e contínua no Brasil, a

partir de 1923, com a lei Eloi Chaves

que regulamentou as caixas de apo-

sentadoria e pensão dos trabalhado-

res dos setores econômicos mais im-

portantes. Era o início do sistema pre-

videnciário e de assistência médica

de âmbito nacional. Desde então, as

políticas sociais vêm-se estruturando

de forma fragmentada em razão da

dinâmica que as tem gerado. Elas

têm-se expandido, de um lado, pela

luta de grupos organizados da popu-

lação por seus interesses, que são di-

versificados e variados. De outro

lado, as políticas sociais também são

expandidas como resposta parcial do

Estado a essas reivindicações, bus-

cando a adesão política da popula-

ção aos diferentes grupos que vêm-se

revezando no poder e, ao mesmo tem-

po, procurando a expansão do mer-

cado de bens e serviços para as em-

presas privadas que também têm uma

grande diversidade de interesses par-

ticulares. Resultou-se, assim, em uma

ampla variedade de instituições vol-

tadas para diferentes tipos de presta-

ção de serviço e para diferentes pú-

blicos. Trata-se de um sistema de

atendimento diferenciado e desigual

aos direitos sociais, segundo a im-

portância política e econômica dos

vários grupos.

Apesar de haver ocorrido vários

movimentos setoriais de racionaliza-

ção integradora das políticas sociais,

entre os quais se destacam a criação

do Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS) em 1966 (em substitui-

ção aos antigos institutos de aposen-

tadoria e pensão organizados por ca-

tegoria profissional) e do Sistema

Único de Saúde (SUS) em 1988, as

políticas sociais continuam fragmen-

tadas. Os vários direitos sociais da

mulher, da criança, do idoso e do tra-

natal, a tradição médica se preocupa,

essencialmente, com a gestante, como

se toda a família não estivesse, de

alguma forma, também grávida. Não

se pensa na preparação dos outros

familiares para o nascimento que ocor-

rerá. De forma semelhante, uma cri-

ança vivendo problemas familiares

graves é abordada, ao mesmo tempo,

mas de forma segmentada, pela pro-

fessora e a pela psicóloga da escola

preocupadas com o fracasso no apren-

dizado, pela delegacia de menores

devido aos seus pequenos delitos e,

ainda, por diferentes setores do siste-

ma de saúde em razão das várias pa-

tologias recorrentes.

O reconhecimento e a garantia de

direitos sociais, embora fruto de in-

discutível avanço da civilização, aca-

baram acontecendo dentro da lógica

individualista e fragmentada hegemô-

nica na sociedade: direitos de indiví-

duos isolados e direitos setorizados.

O indivíduo foi fragmentado em ca-

rências. Os direitos passaram a ser

consumidos e fornecidos de forma

separada. Neste contexto de indivi-

dualismo, assiste-se a um espantoso

crescimento da importância do dis-

curso centrado na subjetividade como

explicador dos problemas sociais.

A percepção da fragmentação das

políticas sociais vem propiciando o

surgimento de propostas e tentati-

vas de integração das várias ações

estatais no campo social. Mas como

fazer essa integração das várias

ações do Estado, transformando-as

em um todo articulado?

balhador nos campos da saúde, edu-

cação, lazer, segurança e meio ambi-

ente, geraram diferentes programas e

instituições, conflitando e competindo

entre si. A grande maioria se dirige

para o atendimento individualizado

das pessoas, desconsiderando o uni-

verso familiar e comunitário em que

vivem, o que reflete a ideologia mer-

cantil hegemônica, para a qual a ini-

ciativa individual em prol dos interes-

ses particulares é a base do progresso

e do bem-estar social. Assim, no pré-

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VASCONCELOS, E. M.

8 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

Vem crescendo internacionalmente

a visão de que as unidades de atua-

ção ‘família’ e ‘comunidade’ são

pontos importantes da estratégia de

integração das diversas políticas

sociais. A escolha do ano de 1994

como Ano Internacional da Família

pela ONU reflete este movimento de

priorização política da família (Car-

valho, 1994:34).

Com relação a valorização da

comunidade como espaço de articu-

lação e intervenção dos órgãos pú-

blicos, muito vem contribuindo o

crescimento dos movimentos asso-

ciativos de bairro e de pequenas co-

munidades rurais, que se multipli-

caram a partir do final da década de

70, no Brasil. Apesar de esta preo-

cupação não ter resultado em uma

reorientação muito profunda no mo-

delo de atuação das várias institui-

ções, o discurso que reconhece o va-

lor da abordagem de problemas es-

pecíficos a partir do seu enfrentamen-

to no nível comunitário se tornou

bastante difundido. Os conselhos lo-

cais de saúde, consolidados na es-

trutura jurídica do Sistema Único de

Saúde, têm representado uma instân-

cia de discussão dos problemas de

saúde onde a dimensão comunitária

tem sido ressaltada.

RESISTÊNCIA E VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA

Já a unidade família tem encon-

trado muitas resistências para ser

aceita como instância importante de

abordagem dentro das políticas so-

ciais. Historicamente, ela vem sen-

do objeto de duplo ataque. De um

lado, na prática social e na ideolo-

gia de muitos dos segmentos mais

intelectualizados da sociedade em

que se denunciam os aspectos re-

pressivos da organização familiar,

ressaltando seu papel de instrumen-

to de dominação dos homens sobre

as mulheres e dos adultos sobre os

jovens. De outro lado, ela é critica-

da na prática científica como uma

preocupação própria de pesquisado-

exemplo, a reforma agrária. Cam-

panhas do tipo Marcha da Família

com Deus pela Liberdade, nessa

época, constituem um exemplo cla-

ro (Costa, 1994:22). No setor saú-

de, entidades apoiadas pelos Esta-

dos Unidos da América e voltadas

para a implantação de programas

de controle da natalidade, a partir

de uma preocupação de prevenção

do risco de agitação social em regi-

ões pobres, foram as que mais vi-

nham enfatizando a discussão do

tema família, contribuindo, assim,

para aumentar a resistência dos in-

telectuais a esse tipo de abordagem.

Na história da América Latina,

no entanto, também ocorreram im-

portantes mobilizações de cunho pro-

gressista iniciadas no nível famili-

ar, como é o caso da luta das Mães

da Praça de Mayo, na Argentina, con-

tra a repressão da ditadura militar.

Segundo Durham (1980:201-211),

para muitos intelectuais brasileiros

progressistas tem sido decepcionan-

te constatar que os membros das

classes subalternas são extremamen-

te apegados à família. E mais: não

só os operários brasileiros teimam

em atribuir uma enorme importân-

cia à vida familiar, mas ainda ex-

pressam uma preferência generali-

zada pela divisão sexual do traba-

lho em moldes tradicionais e tendem

também a apreciar as virtudes tra-

dicionais de respeito e obediência dos

filhos para com os pais. Inúmeras

pesquisas feitas neste campo tendem

a interpretar esse interesse e apego

PARA MUITOS INTELECTUAIS

BRASILEIROS PROGRESSISTAS TEM

SIDO DECEPCIONANTE CONSTATAR

QUE OS MEMBROS DAS CLASSES

SUBALTERNAS SÃO EXTREMAMENTE

APEGADOS À FAMÍLIA.

res contaminados pela ideologia

burguesa e como uma categoria res-

saltada quando se quer ocultar a

luta de classes (Durham, 1980:201).

De fato, em muitos momentos de

ameaça de ruptura social na histó-

ria brasileira, como na luta pelas

Reformas de Base no início dos anos

60, as forças conservadoras soube-

ram mobilizar o sentimento famili-

ar da população contra mudanças

que pretendiam beneficiar os seg-

mentos mais oprimidos, como, por

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 9

pela família, existente no meio po-

pular, como conseqüência da hegemo-

nia burguesa e, particularmente, dos

ideais de classe média impostos atra-

vés da escola e dos meios de comuni-

cação de massa. Muitos estudos ten-

dem ainda a enfocar a família das

classes populares a partir de sua fun-

cionalidade à lógica capitalista, res-

saltando seu papel na reprodução da

força de trabalho disponível para as

empresas. Por muito tempo, os estu-

dos sociológicos de esquerda priori-

zaram a reflexão sobre o mundo da

produção, as lutas trabalhistas e o

embate político das classes sociais

nos âmbitos nacional e internacional.

Para esses estudos, o espaço da fa-

mília e da comunidade ocupava um

papel secundário na dinâmica políti-

ca de transformação da sociedade, na

medida em que seriam campo das

relações pessoais e afetivas distan-

tes do jogo de poder mais decisivo

(Arroyo, 1991:11).

Uma análise feita em outra pers-

pectiva pode, no entanto, ser impor-

tante para a compreensão dos mo-

vimentos sociais e da participação

política. A família significa para os

trabalhadores a realização de um

modo de vida. O cuidado com as cri-

anças e os idosos, o afeto familiar,

a busca do lazer, as relações de pa-

rentesco e as divisões de tarefa, de

forma alguma podem ser compreen-

didos por análises centradas apenas

na dinâmica econômica da socieda-

de. Se na fábrica, no ônibus, nos

serviços públicos, na rua e na rela-

ção com os dirigentes políticos, o

trabalhador é um indivíduo sem uma

identidade própria, é na família que

ele experimenta uma vivência de

coletividade e de liberdade. Suas

decisões sobre vestuário, lazer, uti-

lização dos recursos domésticos, es-

colarização dos filhos, poupança,

organização de uma festa ou de um

passeio, apesar de marcadas pela

carência, se realizam como ativida-

de livre tomada na, com e para a

em decorrência da falta de tradição

associativa, é na família que se ela-

bora, em grande parte, um conheci-

mento um pouco mais crítico sobre

a sociedade, uma avaliação das clas-

ses sociais, da conjuntura social pre-

sente e das condições para modifi-

cá-la. Em família se possui uma es-

tratégia de sobrevivência para o pre-

sente, se constrói um projeto para o

futuro e se avalia o que foi o passa-

do. Assim, a valorização da famí-

lia, tão forte nas classes populares,

é resultado do modo como os traba-

lhadores vivem sua condição de clas-

se, com seus desejos, projetos e li-

mites e não produto da imposição

de valores próprios de outras cate-

gorias e classes sociais (Durham,

1980:201-211).

Nesse sentido, a vida doméstica e

comunitária não são isoladas, mas

inseridas na dinâmica política e eco-

nômica da sociedade como um todo.

A família se apresenta como mescla

de conformismo às exigências soci-

ais e como forma fundamental de re-

sistência contra essa mesma socieda-

de. Mantém a subordinação femini-

na e dos filhos, mas protege mulhe-

res, crianças e velhos contra a vio-

lência urbana; cria condições para a

dominação masculina, mas garante

aos homens um espaço de liberdade

contra sua subordinação no trabalho;

conserva tradições, mas é espaço de

elaboração de projetos para o futuro;

é não só núcleo de tensões e de con-

flitos, mas também o lugar onde se

obtém prazer (Chauí, 1986:145).

família, em oposição às coerções do

mundo do trabalho.

A vida familiar constitui um es-

paço importante para a elaboração

de um destino comum, para o

amadurecimento de um saber sobre

o espaço, o tempo, a memória, para

a transmissão de conhecimentos e in-

formações e para a compensação da

pouca escolarização com outros

aprendizados transmitidos oralmen-

te e por contato direto. E, sobretudo,

A VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA, TÃO FORTE

NAS CLASSES POPULARES, É RESULTADO

DO MODO COMO OS TRABALHADORES

VIVEM SUA CONDIÇÃO DE CLASSE,COM SEUS DESEJOS, PROJETOS E

LIMITES E NÃO PRODUTO DA IMPOSIÇÃO

DE VALORES PRÓPRIOS DE OUTRAS

CATEGORIAS E CLASSES SOCIAIS.

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VASCONCELOS, E. M.

10 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

Apesar de valorizadas pelos tra-

balhadores, suas famílias vêm so-

frendo intenso processo de desgas-

te. A vulnerabilidade das famílias se

encontra diretamente associada à

sua situação de pobreza e ao perfil

de distribuição de renda do país. No

Brasil, como também em outros pa-

íses, os programas ditos de ajuste

da economia têm funcionado como

um fator desagregador. Tem-se veri-

ficado, por exemplo, um aumento

das famílias monoparentais (com

apenas um dos pais presentes), em

especial aquelas em que a mulher

assume sozinha a chefia do domicí-

lio; a questão migratória, por moti-

vos de sobrevivência, atingindo prin-

cipalmente os homens em idade pro-

dutiva, tem-se tornado importante

motivo de desestruturação das rela-

ções familiares. O domicílio sujeito

a ameaças freqüentes devido à de-

gradação do meio ambiente e à difi-

culdade de acesso ao emprego e aos

serviços públicos tem significado,

também, importantes causas de fra-

gilização da família popular (Ferra-

ri & Kaloustian, 1994:12).

Mesmo assim, as questões relati-

vas à família têm mostrado ser gran-

des desconhecidas nos serviços pú-

blicos. Foi na sociedade civil, princi-

palmente junto às igrejas, que se es-

truturaram e se consolidaram as pri-

meiras intervenções sociais, abordan-

do os problemas da família. A Socie-

dade São Vicente de Paula, os Cursos

de Noivos, o Movimento Familiar

Cristão, o Encontro de Casais com

Cristo e a Pastoral da Criança são al-

guns exemplos. Pelo lado das inicia-

tivas estatais, as associações de pais

e mestres (ligadas à rede de ensino)

e os centros sociais urbanos (com clu-

bes de mães e cursos para gestantes)

foram iniciativas pioneiras. No setor

saúde, o SESP (Serviços Especiais de

Saúde Pública), fundado na época da

2a Guerra Mundial, foi uma referên-

cia importante com sua tradição de

visitas domiciliares, apesar de seu

mília. Assim, na Constituição bra-

sileira de 1988 ficou assegurado às

crianças e adolescentes o “direito

à convivência familiar e comunitá-

ria” (artigo 227). A aprovação do

Estatuto da Criança e do Adoles-

cente e a conseqüente criação de

conselhos tutelares da criança e do

adolescente nos municípios vêm

significando um importante avan-

ço na discussão e abordagem de

forma um pouco mais contínua e

ampla dos problemas familiares.

Têm-se expandido muito os estu-

dos e a publicação de artigos so-

bre a família brasileira e o traba-

lho social com a mesma. Nesses

estudos, tem-se ressaltado a exis-

tência de algumas famílias nas

classes populares que vivem situ-

ações especiais de risco (pais do-

entes, desempregados, com confli-

tos conjugais intensos, envolvimen-

to em atividades ilícitas e perse-

guidas pela polícia, dependência de

drogas, distúrbios mentais etc.)

que as tornam incapazes de articu-

lar minimamente os cuidados de

seus membros e por isto necessi-

tando atenção diferenciada do Es-

tado para garantir os direitos de

cidadania das crianças, idosos e

deficientes físicos ali presentes. Em

alguns municípios brasileiros têm

sido organizados programas pio-

neiros de acompanhamento a es-

sas famílias em situação de risco

como uma estratégia de prevenção

e controle dos problemas de crimi-

nalidade trazidos por crianças e

caráter normatizador e autoritário.

Mas grande parte dessas iniciativas

se caracterizaram por serem circuns-

critas e descontínuas.

Na década de 80, o crescimento

dos movimentos de mulheres e do

Movimento Nacional de Meninas e

Meninos de Rua, bem como as re-

percussões dos problemas sociais

trazidos pelas crianças vivendo na

rua, foram trazendo para o debate

político as questões relativas à fa-

NA DÉCADA DE 80, O CRESCIMENTO DOS

MOVIMENTOS DE MULHERES E DO

MOVIMENTO NACIONAL DE MENINAS EMENINOS DE RUA, BEM COMO AS

REPERCUSSÕES DOS PROBLEMAS SOCIAIS

TRAZIDOS PELAS CRIANÇAS VIVENDO NA RUA,FORAM TRAZENDO PARA O DEBATE POLÍTICO

AS QUESTÕES RELATIVAS À FAMÍLIA.

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 11

adolescentes vivendo na rua. O sur-

gimento do Programa de Saúde da

Família na década de 90, apoiado

pelo Ministério da Saúde, reflete

esta tendência de valorização da

família na agenda das políticas

sociais brasileiras.

As atenções hoje prestadas à fa-

mília, entretanto, são ainda conser-

vadoras e pouco eficientes porque

estão presas a uma cultura tutelar

de relação com as classes popula-

res. Cuida-se, tomando conta e cri-

ando estratégias que cerquem os

possíveis desvios do caminho con-

siderado correto, não aceitando, as-

sim, a autonomia da família por não

confiar em sua capacidade. Essa pos-

tura resulta em aumento dos custos

dos programas, em expansão exa-

gerada da burocracia gestora e em

perda de qualidade. É por isto que

há tanta resistência a programas de

complementação da renda familiar,

já existentes há dezenas de anos em

vários países do mundo. Prefere-se

a distribuição de ajuda do tipo cesta

alimentar e enxovais de bebê, que

dificultaria o uso indevido do recur-

so despendido. Quando se distribui

alimentos, o produto escolhido é

definido segundo critérios técnicos

relativos a sua composição quími-

ca, mesmo que contrarie a cultura

alimentar da região e diminua a

adesão das famílias. É também níti-

da a preferência por abrigar crian-

ças abandonadas ou em risco de

abandono em orfanatos e casas-abri-

go. Programas de guarda de crian-

ças em famílias substitutas na pró-

pria comunidade são estratégias já

bastante experimentadas em outros

países, que evitam a perda dos vín-

culos comunitários e são mais bara-

tos, mas acabam sendo rejeitados por-

que se desconfia de que o subsídio

financeiro a ser entregue à nova fa-

mília, sob supervisão técnica, resul-

te em desvios. Há, também, uma des-

crença de que uma família pobre seja

capaz de ser responsável pela guar-

da da criança. Existe o temor, ainda,

a) programas de geração deprogramas de geração deprogramas de geração deprogramas de geração deprogramas de geração de

renda e emprego renda e emprego renda e emprego renda e emprego renda e emprego implementados

no nível local, destinados a famíli-

as sem acesso ao trabalho. Mas es-

ses programas têm uma repercussão

relativamente pequena na geração de

empregos para as famílias. As inici-

ativas políticas de âmbito nacional

e regional voltadas para o desenvol-

vimento econômico e para a regula-

mentação das relações entre capital

e trabalho são muito mais impor-

tantes. Uma medida de particular

alcance, nesse sentido, é uma am-

pla reforma agrária;

b) programas de complemen-programas de complemen-programas de complemen-programas de complemen-programas de complemen-

tação da renda familiartação da renda familiartação da renda familiartação da renda familiartação da renda familiar, já usu-

ais em vários países do mundo, são

destinados a grupos familiares sem

renda ou cuja renda é insuficiente

para garantir o mínimo necessário

à sobrevivência, priorizando fases do

ciclo de vida familiar geradoras de

situação de maior vulnerabilidade.

Devem estar integrados a serviços

locais que acompanhem a família.

Essa distribuição de benefícios em

dinheiro em substituição à distribui-

ção de cestas alimentares, ‘sopões’

e outros bens selecionados, ajuda a

superar a pedagogia de subalterni-

dade e tutela destas ações assisten-

ciais na medida em que se assenta

na noção de um direito social con-

quistado a partir do reconhecimento

pelo conjunto da sociedade, da im-

possibilidade de todos os cidadãos

terem acesso a uma vida digna nas

atuais condições em que a economia

está organizada;

de que as famílias passem a fazer da

guarda um comércio. Em decorrência

dessas desconfianças, nega-se o di-

reito das crianças à convivência fa-

miliar e comunitária, assegurada

constitucionalmente, submete-se a

criança a instituições desumanas, for-

talece-se a burocracia estatal e multi-

plica-se o custo dos programas.

A priorização da família na

agenda da política social envolve

três modalidades de ação (Carva-

lho, 1994:103):

EM DECORRÊNCIA DESSAS

DESCONFIANÇAS, NEGA-SE ODIREITO DAS CRIANÇAS ÀCONVIVÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA, ASSEGURADA

CONSTITUCIONALMENTE.

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VASCONCELOS, E. M.

12 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

c) rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-rede de serviços comuni-

tários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial etários de apoio psicossocial e

cultural. cultural. cultural. cultural. cultural. Essa modalidade de ação,

mais importante na dinâmica da

atenção à saúde, será analisada de

forma mais detalhada.

SERVIÇOS COMUNITÁRIOS DE APOIOPSICOSSOCIAL E CULTURAL A FAMÍLIAS

Em muitos municípios brasilei-

ros, serviços locais de saúde, esco-

las e órgãos de assistência social li-

gados a igrejas, entidades filantró-

picas e organizações não governa-

mentais já vêm desenvolvendo pro-

gramas de acompanhamento e apoio

a famílias em situação especial de

dificuldade. Mas, em geral, são ini-

ciativas isoladas e descontínuas de

grupos de profissionais mais com-

prometidos das instituições públicas

ou atividades de entidades não go-

vernamentais voltadas para públi-

cos restritos. Nesse sentido, se dife-

renciam muito do que ocorre em pa-

íses europeus, como é o caso do Rei-

no Unido, onde se estruturou uma

complexa rede de assistência social

organizada a partir de distritos (di-

visão administrativa de um municí-

pio, compreendendo geralmente mais

de um bairro) que mapeia e acom-

panha as famílias em situação de

dificuldade. Na América Latina há o

exemplo de Cuba que, a partir dos

serviços de saúde, desenvolveu uma

rede de âmbito nacional de acompa-

nhamento das famílias.

A valorização da família nos ser-

viços públicos comunitários pode ser

implementada de dois modos:

a) abordagem aos problemas in-

dividuais, usualmente atendidos em

sua rotina, através da intervenção no

nível de suas origens e repercussões

familiares. Vários exemplos podem

ser citados: diante de um aluno que

passou a apresentar dificuldades de

aprendizado, investigar o que está

temas relativos à vida familiar; en-

volvimento dos pais no tratamento e

prevenção dos problemas dentários

das crianças. A consideração das di-

mensões familiares de cada proble-

ma individual atendido nos serviços

públicos locais é fundamental;

b) apoio intensivo a famílias vi-

vendo situações de crise que colocam

em risco a vida de seus membros.

Essa modalidade vem da constata-

ção de que as famílias em situação

mais precária tendem a ficar à mar-

gem dos serviços que orientam seu

atendimento pela demanda espontâ-

nea da população. Essas famílias po-

dem ser identificadas a partir de di-

ferentes indicadores: presença de des-

nutridos, recorrência de patologias

facilmente controláveis, fracasso es-

colar de seus membros, ocorrência

de óbitos por doenças tratáveis, en-

volvimento de crianças em ativida-

des ilícitas, violência contra membros

mais frágeis, percepção pelos vizinhos

de situações de negligência e crise

interna, crianças saindo para viver

na rua, presença de idosos com si-

nais de descuido, atritos freqüentes

com a vizinhança, repetição de pos-

turas prejudiciais à comunidade lo-

cal, doença incapacitante dos pais,

desemprego prolongado e separação

do casal. A presença desses indica-

dores apontam para a necessidade de

visitas e estudos para melhor carac-

terizar a situação e verificar a neces-

sidade de apoio sistemático que se

centra na dinâmica global da família

e não apenas em membros isolados.

EM MUITOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS,SERVIÇOS LOCAIS DE SAÚDE, ESCOLAS E

ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL LIGADOS AIGREJAS, ENTIDADES FILANTRÓPICAS E

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS JÁVÊM DESENVOLVENDO PROGRAMAS DE

ACOMPANHAMENTO E APOIO A FAMÍLIAS EM

SITUAÇÃO ESPECIAL DE DIFICULDADE.

acontecendo em sua família; no pré-

natal abordar, também, as dificulda-

des e preparativos dos outros mem-

bros da família para a chegada do

bebê; discutir com o paciente diabéti-

co as condições em sua casa para a

realização da dieta e para a guarda e

manipulação da insulina; o posto

policial do bairro deve buscar alia-

dos na família para o enfrentamento

de conflitos e pequenos delitos; orga-

nização de reuniões e discussões de

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 13

Se a progressiva valorização da

família na agenda das políticas soci-

ais brasileiras nos anos 90 vem sen-

do uma conquista que tem resultado

em aperfeiçoamentos, é importante

ter clareza de que, para muitos pro-

blemas, a família não é a instância

de atuação mais propícia. A partir do

processo de intensificação do indivi-

dualismo trazido pela modernidade,

cada vez mais o cidadão prefere re-

solver seus problemas de forma in-

dependente do seu grupo familiar. As

diferenças próprias de cada membro

de uma família fazem com que eles

tenham distintas preferências em re-

lação à forma de encaminhar seus

problemas pessoais a ponto de esco-

lherem diferentes profissionais ou

serviços. Os conflitos, existentes prin-

cipalmente para os membros viven-

do situações de subalternidade na

família, tornam constrangedora a

abordagem conjunta de alguns pro-

blemas. A família é apenas uma das

instâncias de resolução dos proble-

mas individuais e sociais. Os servi-

ços públicos devem ser flexíveis para

responder de forma diferenciada às

diversas formas de apresentação dos

problemas locais.

Apenas aqueles a quem interes-

sa esconder os conflitos de classe

social, de raça e sexo, negar a re-

lação fundamental dos problemas

pessoais com a forma de organi-

zação do Estado e da economia,

bem como diminuir a importância

das lutas dos movimentos sociais

e dos partidos políticos, é que bus-

cam colocar a família como centro

absoluto da abordagem dos proble-

mas sociais. O desafio é encontrar

formas de abordagem dos proble-

mas familiares integradas em ou-

tras dimensões da luta política dos

diversos movimentos sociais e,

assim, superar a tradição metodo-

lógica do serviço social norte-ame-

ricano que tanto tem sido irradia-

do internacionalmente.

Se o eixo da metodologia de abor-

dagem dos problemas familiares é a

simplificadas podem ser uma estra-

tégia de propagandear um caráter

inovador de governos que, dentro de

uma visão neoliberal e pressionados

por uma crise orçamentária, buscam

diminuir os gastos sociais. Desse

modo, a metodologia da educação

popular inova na medida em que não

separa as dimensões materiais dos

problemas sociais da cultura e do sa-

ber ao buscar relacionar problemas

específicos com o contexto político e

econômico geral.

Os serviços públicos comunitári-

os, na medida em que lidam com fa-

mílias extremamente fragilizadas,

necessitam repensar sua tradição

autoritária e normatizadora de rela-

ção com o mundo popular para não

as massacrarem. Em vez de estrutu-

rarem suas práticas no fornecimento

de serviços e bens que substituam as

iniciativas da família, devem centrar

suas ações no seu fortalecimento, ten-

tando apoiar a recomposição dos vín-

culos afetivos internos ameaçados e

a sua reintegração na rede de solida-

riedade social local. Para isso, é pre-

ciso superar a visão corrente entre os

profissionais locais e os gestores das

políticas sociais a respeito da inca-

pacidade dos pobres cuidarem de si

mesmos. É preciso, ainda, construir

educativamente na cultura institucio-

nal uma tolerância com a diversida-

de humana, de forma que os profis-

sionais compreendam as diferenças

de raça e de cultura presentes na so-

ciedade brasileira e, assim, as res-

peitem politicamente (Neder, 1994:44).

educação, isto não significa negar a

importância de suportes materiais. O

fornecimento de medicamentos, a

complementação da renda familiar,

a criação de creches, a ligação à rede

de água e esgoto e o fornecimento de

materiais de construção para melho-

ria da casa são exemplos de supor-

tes materiais que podem potencializar

a intervenção educativa. As iniciati-

vas de valorização da abordagem

familiar nas políticas sociais centra-

das apenas em práticas educativas

OS SERVIÇOS PÚBLICOS COMUNITÁRIOS,NA MEDIDA EM QUE LIDAM COM

FAMÍLIAS EXTREMAMENTE FRAGILIZADAS,NECESSITAM REPENSAR SUA TRADIÇÃO

AUTORITÁRIA E NORMATIZADORA DE

RELAÇÃO COM O MUNDO POPULAR

PARA NÃO AS MASSACRAREM.

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VASCONCELOS, E. M.

14 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

Neste sentido, as especificidades do

trabalho social com famílias em si-

tuação de risco, principalmente a sua

extrema fragilidade que torna total-

mente contraproducente qualquer

abordagem mais autoritária, podem

contribuir na reorientação das políti-

cas sociais em direção a práticas mais

integradas às iniciativas da socieda-

de civil. Tal redirecionamento aponta

para uma redefinição da relação en-

tre os serviços públicos e a vida pri-

vada diferente tanto das propostas ne-

oliberais, centradas fundamentalmen-

te no encolhimento do setor público,

como da social-democracia, voltada

para o provimento em larga escala

pelo aparelho estatal das necessida-

des da população, na medida em que

valoriza e articula as iniciativas da

sociedade civil sem, no entanto, utili-

zá-las para justificar a diminuição da

responsabilidade estatal com os pro-

blemas sociais.

Dentro dessa perspectiva, deve-se

concentrar menos em reformas de leis,

decretos, burocracias de cúpula e mui-

to mais em posturas e práticas inova-

doras, disseminação de experiências

alternativas que caminhem em dire-

ção à autonomia e à autoconfiança

desses sujeitos subalternos. As legis-

lações e instituições existentes com-

portam grandes avanços na prática

social dirigida às famílias. O maior

desafio é dar vida às leis e às institui-

ções através da busca e difusão de no-

vas posturas (Takashima, 1994:91).

Dessa forma, um eixo fundamental do

processo de expansão da valorização

da abordagem da família nas insti-

tuições públicas é a ação educativa jun-

to aos profissionais que atuam no ní-

vel das políticas sociais locais.

O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA DOMINISTÉRIO DA SAÚDE (MS)

O tema família tem sido motivo

de acirrada polêmica no setor saúde.

Já em 1963, a Organização Mun-

dial da Saúde (OMS) publicava um

documento sobre a formação do mé-

dico de família (Informes Técnicos nooooo

década de 70, este movimento se

espalhou com intensidade no Cana-

dá, México e alguns países europeus.

Contra a tendência mundial à hospi-

talização, ao aumento da complexi-

dade tecnológica e à fragmentação

do trabalho médico em especialida-

des e subespecialidades, surgia a

proposta do médico de família que,

na verdade, representava uma volta

ao passado, quando o médico libe-

ral cuidava dos problemas de saúde

de toda a família (mas não de todas

as famílias, uma vez que dependia

da capacidade financeira familiar

para remunerá-lo). Buscava-se com-

bater desajustes da prática médica

através da reorientação da formação

profissional do médico, sem se avan-

çar na discussão da reorganização

das instituições de saúde como um

todo (Paim, 1986).

Na América Latina, com o apoio

da OMS e de instituições estrangeiras

como a Fundação Kellogg, se organi-

zam, na década de 70, seminários,

consultorias e publicações com o ob-

jetivo de divulgar essa proposta prin-

cipalmente junto às universidades.

Em um contexto brasileiro de sectari-

zação do debate político próprio de

um país vivendo sob uma ditadura

militar, a origem norte-americana da

proposta e sua proximidade com o

modelo liberal de prática médica cau-

saram uma oposição intensa de se-

tores progressistas dos profissionais

de saúde. Intensificava-se, na época,

a discussão sobre a reorganização do

sistema de saúde brasileiro.

257), decorrente da crescente preo-

cupação com a superespecialização

do trabalho médico e suas conseqü-

ências: os altos custos financeiros e

a deterioração da relação humana

com os pacientes. Foi nos Estados

Unidos da América que a proposta

do médico de família mais se expan-

diu inicialmente. Em 1969, a medi-

cina familiar foi ali reconhecida como

especialidade médica e logo no ano

seguinte já haviam sido aprovados

54 programas de residência na área

e 140 submetiam-se à aprovação. Na

O MAIOR DESAFIO É DAR VIDA

ÀS LEIS E ÀS INSTITUIÇÕES

ATRAVÉS DA BUSCA EDIFUSÃO DE NOVAS POSTURAS.

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 15

Em 1974, o governo militar so-

frera sua primeira derrota eleitoral,

apesar de todo o controle dos meios

de comunicação de massa e da re-

pressão sobre lideranças mais atu-

antes. A insatisfação política da po-

pulação crescia com o aprofunda-

mento da desigualdade social. Uma

das denúncias difundidas pela opo-

sição foi o agravamento de indica-

dores de saúde (como a mortalidade

infantil) durante o período de maior

crescimento da economia, denunci-

ando o seu caráter injusto. O gover-

no militar, vendo sua sustentação

política ameaçada, passa, entre ou-

tras iniciativas, a buscar alternati-

vas ao modelo de saúde baseado no

atendimento em hospitais privados

financiado pela previdência pública

que dominava até então. Profissio-

nais de saúde de esquerda, alguns

dos quais envolvidos em experiên-

cias de saúde comunitária junto aos

novos movimentos sociais que emer-

giam com o apoio da Igreja Católi-

ca, encontram, nesse momento, es-

paço nas instituições públicas e nos

meios de comunicação de massa para

defender e difundir suas idéias. As-

sim, no final da década de 70, dife-

rentes propostas de reorganização do

sistema de saúde brasileiro são tra-

zidas para o debate político.

Internacionalmente, assistia-se a

uma progressiva valorização da prio-

ridade de expansão de serviços de aten-

ção primária à saúde como estratégia

de reorganização do setor saúde. A

Conferência do Fundo das Nações Uni-

das para a Infância (UNICEF) e da OMS

sobre Atenção Primária à Saúde, rea-

lizada em Alma-Ata, URSS, no ano de

1978, foi um marco político dessa ten-

dência. Refletindo esse movimento in-

ternacional, no Brasil vão-se constitu-

indo e se sucedendo uma série de pro-

gramas voltados para a multiplicação

de serviços de atenção primária à saú-

de, de uma forma inicialmente desar-

ticulada do restante dos serviços de

saúde, mas que, aos poucos, conse-

guem se integrar e reformular parci-

almente a lógica global de funciona-

mária à saúde deveria ser expandi-

do. De um lado, existia a proposta

do médico de família, que significa-

va uma atualização da medicina li-

beral do passado voltada para o

atendimento de famílias para o novo

contexto da atenção primária, trazen-

do, como conseqüência, uma centra-

lização do serviço na figura do mé-

dico. De outro lado, havia a propos-

ta trazida das experiências alterna-

tivas de saúde comunitária gestadas

nas décadas de 70 e 80 principalmen-

te junto à ação pastoral da Igreja

Católica em estreita relação com os

movimentos sociais emergentes, que

se baseavam no trabalho de equipe

e na relação educativa com a popu-

lação. Por serem experiências estru-

turadas inicialmente fora do apare-

lho do Estado (com exceção de expe-

riências levadas à frente, de forma

marginal, por algumas universida-

des e secretarias estaduais de saú-

de), caracterizavam-se pela falta de

recursos materiais e pela criativida-

de no uso de recursos locais, no que

eram criticadas como se propuses-

sem uma adaptação barata e sem

qualidade da medicina para os po-

bres, ajudando o Estado a justificar

os poucos recursos liberados para

esses serviços.

Entretanto, um terceiro modelo se

tornou hegemônico junto ao movi-

mento de profissionais envolvidos

com a reforma do sistema de saúde.

Esse modelo foi o defendido pelo

grupo que concentrava seus esforços

e interesses na reforma e na luta

mento do sistema, na medida em que

deslocam o eixo da assistência antes

centrada nos hospitais, possibilitam

uma maior integração entre ações pre-

ventivas e curativas e tornam mais pre-

mente a discussão sobre a hierarqui-

zação e a territorilização da atenção à

saúde. São os primórdios do Sistema

Único de Saúde (SUS).

Um dos debates políticos impor-

tantes que polarizou, na época, os

profissionais envolvidos no proces-

so de mudança do sistema de saúde

foi sobre que modelo de atenção pri-

NO FINAL DA DÉCADA DE 70,DIFERENTES PROPOSTAS DE

REORGANIZAÇÃO DO SISTEMA

DE SAÚDE BRASILEIRO SÃO TRAZIDAS

PARA O DEBATE POLÍTICO.

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VASCONCELOS, E. M.

16 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

política no âmbito das instâncias

administrativas das instituições de

saúde. Para esse grupo (constituído

majoritariamente por profissionais

que não tinham vivido experiências

significativas de atenção à saúde jun-

to às classes populares e que, por-

tanto, não colocavam como priori-

dade o investimento na reformula-

ção da profunda inadequação da prá-

tica médica tradicional no meio po-

pular) a prioridade estava na multi-

plicação dos serviços básicos, sua

integração junto aos serviços mais

sofisticados e não na busca de um

novo modelo de atendimento em ní-

vel local. Os novos serviços expan-

didos a partir dessa lógica eram es-

truturados a partir do planejamento

feito por profissionais situados fora

dos serviços locais. Apesar de incor-

porarem uma série de atividades

preventivas e de alcance coletivo, o

atendimento de problemas concretos

de saúde da população continuou a

ser abordado dentro do modelo mé-

dico tradicional com a participação

de, pelo menos, especialistas em

pediatria, clínica médica, ginecolo-

gia-obstetrícia e odontologia. A jus-

tificativa desse modelo é a comple-

xidade das patologias que predomi-

nam nos centros urbanos que exigi-

ria uma especialização da estrutura

de atenção médica. Médicos genera-

listas e agentes comunitários de saú-

de seriam inadequados para essa

realidade (Misoczky, 1994). Mas o

que mais contribuiu na consolidação

desse modelo nos serviços básicos

de saúde foi a difusão do padrão

especializado e tecnificado da medi-

cina, dominante no restante dos ser-

viços. A despreocupação com a bus-

ca de modelos alternativos de aten-

ção médica nos novos serviços, por

parte da maioria dos profissionais

envolvidos na reforma do sistema

de saúde, facilitou a incorporação do

padrão médico tradicional. Assim, os

centros de saúde que se expandiram

nas cidades têm no termo ‘policlíni-

sem acompanhamento dos pacientes

e com uma relação impessoal com a

clientela (Campos, 1994).

A disputa entre os defensores des-

ses modelos de organização dos ser-

viços básicos de saúde se arrastou

durante toda a década de 80, apesar

de o nítido enfraquecimento dos dois

primeiros grupos. Um campo impor-

tante desse embate foram os cursos

de especialização em medicina pre-

ventiva e social, que os defensores

das várias correntes buscavam ori-

entar segundo suas crenças. Em

1981, o Conselho Nacional de Resi-

dência Médica do Ministério da Edu-

cação aprovou a criação do curso de

especialização em medicina geral

comunitária que passou a se consti-

tuir em importante pólo de agluti-

nação de profissionais provenientes

das experiências alternativas de saú-

de comunitária. Anos depois, o Con-

selho Federal de Medicina aprovou

a medicina geral comunitária como

especialidade médica. Já os profis-

sionais ligados ao movimento da

medicina familiar não conseguiram

se institucionalizar significativamen-

te no Brasil. Esses dois movimentos

minoritários sobreviveram, tam-

bém, a partir de experiências transi-

tórias em alguns municípios.

Os anos 90 trouxeram para o se-

tor saúde uma revalorização do tema

família. A consolidação em Cuba, no

fim da década de 80, de uma ampla

reformulação do modelo de atenção

primária à saúde baseada no médi-

co de família foi muito importante

O QUE SE OBSERVA, NA MAIORIA

DOS SERVIÇOS, É O MODELO DO

‘PRONTO-ATENDIMENTO’, CENTRADO

ESSENCIALMENTE NO ATENDIMENTO

SINTOMÁTICO DOS PROBLEMAS,SEM ACOMPANHAMENTO DOS

PACIENTES E COM UMA RELAÇÃO

IMPESSOAL COM A CLIENTELA.

ca’ a melhor denominação para a

imagem que orienta o discurso da-

queles que ali trabalham; mas, na

prática concreta, a carência material

e o descaso político com que vêm

sendo operacionalizados, tem impe-

dido, até mesmo, a implantação des-

se modelo médico tradicional. O que

se observa, na maioria dos serviços,

é o modelo do ‘pronto-atendimento’,

centrado essencialmente no atendi-

mento sintomático dos problemas,

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 17

para quebrar resistências dos pro-

fissionais de saúde de esquerda às

propostas voltadas para repensar o

atendimento médico a partir das

unidades família e comunidade. Tam-

bém para outros setores da socieda-

de brasileira, o sucesso do sistema

de saúde cubano foi importante para

difundir o modelo.

Em 1984, quando se iniciou a im-

plantação em escala nacional do pro-

grama de médico de família em Cuba,

toda a população era atendida, no

nível primário, em policlínicas or-

ganizadas a partir das especialida-

des médicas e odontológicas básicas.

Foi buscando melhorar as relações

entre o conhecimento médico especi-

alizado e as atividades de preven-

ção e promoção da saúde que se ini-

ciaram experiências que culminaram

no programa de médico de família.

Hoje, cada policlínica (nas áreas ur-

banas) ou hospital rural conta com

cerca de 20 equipes de médico e en-

fermeira de família. Cada equipe fica

responsável por uma área, conten-

do entre 120 e 140 famílias (600 a

700 pessoas), atendendo em consul-

tórios que também são a residência

dos profissionais. As famílias são

acompanhadas de perto no que tan-

ge ao tratamento e prevenção dos

problemas de saúde, resultando em

acentuada melhoria das condições de

saúde da população (UNICEF, OPS/OMS,

CUBA, 1991).

O ressurgimento, nos anos 90,

do tema família no debate político

brasileiro, trazido, em parte, pelo

problema da criminalidade das cri-

anças e adolescentes vivendo na rua

e as reações violentas de setores da

sociedade aos mesmos, ajudou a cri-

ar o clima cultural propício à reori-

entação das políticas de saúde. As

epidemias de cólera e dengue con-

tribuíram, também, para evidenci-

ar as limitações dos novos serviços

de saúde expandidos, principalmen-

te no que tange à implementação de

delo médico tradicional, passam a

buscar novas formas de atuação.

Alguns governos municipais criam

condições para a ampliação insti-

tucional dessas experiências.

O Ministério da Saúde, em

1993, reúne alguns coordenadores

de experiências de atenção primá-

ria à saúde centradas nas dimen-

sões comunidade e família para

discutir um projeto nacional de re-

orientação dos serviços básicos de

saúde, sendo então lançado o Pro-

grama Saúde da Família. Incorpo-

ra a inovação de deslocar o eixo

de preocupação centrada na figura

do médico que marcava a propos-

ta da medicina familiar para uma

preocupação com toda a equipe de

saúde. Procura apoiar um modelo

de atuação em nível local, buscan-

do, no entanto, influenciar a tota-

lidade do sistema de saúde. Alguns

municípios são escolhidos como

campo de teste e aprimoramento do

Programa. Entre eles, Quixadá,

município do sertão cearense go-

vernado, na época, por prefeitura

ligada ao Partido dos Trabalhado-

res, teve um papel central no deli-

neamento e irradiação do modelo

que, posteriormente, passou a ser

expandido a outros municípios.

O Programa propõe a criação de

uma equipe de saúde composta de

um médico generalista, uma enfer-

meira, uma auxiliar de enfermagem

e seis agentes comunitários de saú-

de que se responsabilizaria por uma

área geográfica onde habitam entre

O MINISTÉRIO DA SAÚDE, EM 1993,REÚNE ALGUNS COORDENADORES DE

EXPERIÊNCIAS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA

À SAÚDE CENTRADAS NAS DIMENSÕES

COMUNIDADE E FAMÍLIA PARA DISCUTIR

UM PROJETO NACIONAL DE REORIENTAÇÃO

DOS SERVIÇOS BÁSICOS DE SAÚDE,SENDO ENTÃO LANÇADO O

PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA.

ações de promoção à saúde mais

integradas ao cotidiano da popula-

ção. Expande-se, neste contexto, o

Programa de Agentes Comunitári-

os de Saúde. Com o passar dos

anos, após a fase de implantação

mais intensa dos serviços de aten-

ção primária à saúde, vão-se acu-

mulando experiências de profissi-

onais envolvidos no atendimento

local que, angustiados com o mo-

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VASCONCELOS, E. M.

18 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999

600 e 1.000 famílias. Os profissio-

nais devem residir no município e

trabalhar em tempo integral. O agen-

te comunitário de saúde deve residir

na área sob sua responsabilidade.

A implantação do Programa é de res-

ponsabilidade do município, mas

recebe o apoio de secretarias esta-

duais de saúde e do Ministério da

Saúde (BRASIL, 1996).

Um significado positivo do Pro-

grama Saúde da Família foi tornar

central no setor saúde a discussão

do modelo de atuação local, supe-

rando parcialmente a preocupação

quase absoluta com os aspectos do

planejamento e administração do

sistema. Visitando alguns municí-

pios que já implantaram o Progra-

ma, tenho notado, no entanto, que

não está ocorrendo ainda uma dis-

cussão aprofundada do modo de

relação entre os profissionais e a

população local. Em alguns muni-

cípios, o Programa significou mais

uma modificação institucional

(nova divisão de trabalho entre os

profissionais, deslocamento do lo-

cal de atuação, acréscimo na remu-

neração da equipe etc.) do que uma

maior aproximação com o cotidia-

no das famílias. Passa a se deno-

minar de saúde da família práti-

cas tradicionais de abordagem in-

dividual ou de relação com os gru-

pos comunitários. Qualquer tipo de

intervenção da equipe é considera-

do como familiar. Ao não ter clara

a distinção entre o que deve ser

abordado no nível do indivíduo, da

família ou dos diferentes grupos

comunitários, o termo família per-

de sua especificidade. Não se tem

mostrado clara a diferenciação en-

tre as várias situações de risco vi-

venciadas pelas famílias ou entre

os diversos contextos familiares

em que se situam os problemas de

saúde para, assim, distinguir as di-

ferentes metodologias de aborda-

gem necessárias. Isto ocorre por-

que o eixo que orienta a interven-

ção familiar são os programas de

saúde pública definidos e padroni-

não considerar e trabalhar com a

complexidade das manifestações

locais dos problemas de saúde.

O Programa Saúde da Família

tem-se expandido, principalmente,

em áreas onde ainda não existem cen-

tros de saúde bem-estruturados.

Suas unidades, muitas vezes, vêm-

se colocando como substitutas dos

mesmos. Um desafio central do Pro-

grama é mostrar sua capacidade de

integração com serviços locais de

saúde bem-estruturados, redefinindo

qualitativamente seu modelo de atu-

ação, mostrando, como aconteceu em

Cuba, que não é apenas uma pro-

posta de atenção simplificada e ba-

rata para áreas rurais e pobres do

País. Mostrar que, ao contrário de

simplificação, é um alargamento da

atenção primária à saúde em dire-

ção à incorporação de práticas pre-

ventivas, educativas e curativas

mais próximas da vida cotidiana da

população e, principalmente, dos

seus grupos mais vulneráveis. Pro-

var, portanto, que não é apenas uma

nova forma da proposta de atenção

primária à saúde seletiva, que se

atém à abordagem de problemas de

saúde delimitados, mas de grande

impacto na diminuição da mortali-

dade. Se antes essa atenção primá-

ria seletiva priorizava sua ação so-

bre doenças de fácil tratamento e

grande mortalidade, como a diarréia

e a pneumonia , no conjunto da po-

pulação, agora teria encontrado uma

nova forma de economia de recur-

sos ao concentrar sua intervenção

O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA

TEM-SE EXPANDIDO, PRINCIPALMENTE,EM ÁREAS ONDE AINDA NÃO

EXISTEM CENTROS DE SAÚDE

BEM-ESTRUTURADOS.

zados nas instâncias hierarquica-

mente superiores da burocracia do

setor saúde. A percepção e a inter-

venção dos profissionais locais ten-

dem, então, a ficar restritas. Nas

visitas às famílias, a atenção fica

muito dirigida aos aspectos que os

diversos programas priorizam,

como a amamentação, o uso de

rehidratante oral, o controle da hi-

pertensão etc. Se de um lado esta

padronização facilita a expansão

do programa, de outro lado, sim-

plifica e empobrece seu alcance por

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A Priorização da Família nas Políticas de Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 6-19, set./dez. 1999 19

basicamente sobre as famílias mais

vulneráveis ao adoecimento e à mor-

te, distanciando-se ainda mais da

perspectiva de uma atenção integral

a toda a população.

O futuro de um programa, as-

sim tão recente, será definido no

jogo político entre os atores envol-

vidos na sua operacionalização.

Mas, sem dúvida, ele representa

uma primeira tentativa significati-

va de reformulação, em escala na-

cional, do modelo de atenção pri-

mária à saúde. Desde os anos 70,

vêm ocorrendo uma série de expe-

riências isoladas de organização de

serviços locais de saúde bastante

integradas aos movimentos sociais

locais, onde surgiram iniciativas

muito criativas. A forte presença da

tradição da educação popular nos

trabalhos comunitários na Améri-

ca Latina tem sido importante para

dar a essas experiências um cará-

ter inovador em relação ao que vem

sendo realizado em outros países.

Há, portanto, no Brasil, um gran-

de número de profissionais e lide-

ranças de movimentos sociais de-

tentores de um significativo saber

sobre a condução criativa da aten-

ção primária à saúde. Mas não bas-

ta alguns profissionais e lideran-

ças saberem conduzi-las. É preciso

que este saber fazer se generalize

na instituição como um todo, des-

cobrindo os caminhos administra-

tivos de sua operacionalização

ampliada. Este é o desafio.

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HORTALE, V. A.

20 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999

ARTIGO

RESUMO

Este artigo faz uma revisão das principais teorias e autores que desenvolve-

ram estudos críticos sobre as teorias organizacionais. A organização pública

de saúde foi o universo do estudo, no seu duplo aspecto: estrutura e dinâmica.

Foi apresentado o pensamento inovador de alguns autores dessa área, referido

às categorias descentralização e autonomia. Considerou-se que deveria existir

uma relação de interdependência entre a implementação de uma política pública

e a estruturação de uma organização. Concluiu-se que, para um Estado que se

visse cercado por um conjunto de situações novas quer no plano político quanto

institucional, tanto a descentralização quanto a autonomia apareceriam como

alternativas viáveis.

PALAVRAS-CHAVE: organizações; descentralização; autonomia.

ABSTRACT

This article reviews the main theories and authors that developed critical studies

on organization theory. Public health organizations are the universe of this study

in both aspects: structure and dynamics. Innovative perspectives are presented

with reference to decentralization and autonomy in this area. An interdependent

relationship among the implementation of a public policy an organization’s structure

and these categories is supposed to exist. The conclusion is that decentralization

and autonomy would be one of the possible alternatives for a State that were

experiencing new situations at both political and institutional level.

KEY WORDS: organizations; decentralization; autonomy.

A descentralização e a autonomia na perspectivadas organizações1

Decentralization and autonomy in the perspective of organizations

Virginia Alonso Hortale2

1 Este trabalho é uma adaptação do

capítulo II da Tese de Doutorado da autora:

Descentralização, Autonomia Gerencial e

Participação: alternativas à crise ou

transição para um sistema de saúde

diverso? Estudo de caso na região Emilia

Romana, Itália. Escola Nacional de Saúde

Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 1996.

2 Pesquisadora do Departamento de

Administração e Planejamento em Saúde

da Escola Nacional de Saúde Pública,

Fundação Oswaldo Cruz.

Rua Leopoldo Bulhões, 1480

7o and., 21041-210, Rio de Janeiro.

Tel/Fax:(021)290-0993.

E-mail: [email protected]

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A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 21

INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas, as

propostas de descentralização e au-

tonomia de gestão das organizações

públicas, fazendo parte do processo

de construção do Estado democráti-

co, sempre estiveram na agenda po-

lítica dos setores hegemônicos e con-

tra-hegemônicos da sociedade. Vari-

aram, porém, as maneiras como es-

sas propostas foram implementadas,

quer em função das características e

peculiaridades de cada país, quer de

interpretações diferenciadas acerca

do significado dos termos descentra-

lização e autonomia.

O termo descentralização tem um

elevado grau de ambigüidade, dado

principalmente pela multiplicidade

de conceitos e pela heterogeneidade

social e política dos setores que a

estariam defendendo (Jacobi, 1990).

Já o termo autonomia pode ser defi-

nido como sinônimo de responsabi-

lidade, tanto individual quanto para

a organização (Tissier, 1988).

Visando contribuir para um me-

lhor entendimento das concepções te-

óricas que embasam essas idéias,

apresentaremos a seguir uma revi-

são das principais teorias e de auto-

res que desenvolveram estudos críti-

cos sobre as teorias organizacionais.

Nesse sentido, a organização pú-

blica de saúde foi o nosso universo,

em um duplo aspecto, ou seja, en-

quanto estrutura e dinâmica. Procu-

ramos resumir o pensamento inova-

dor de alguns autores dessa área,

principalmente por estarem referidos

a um processo de transformação. Sa-

bemos, porém, do risco de termos

sido pouco originais.

AS ORGANIZAÇÕES E SUAS TEORIASEM PERSPECTIVA

A evolução das diversas teorias or-

ganizacionais esteve principalmente

relacionada às características sociocul-

turais da sociedade no momento em

que foram propostas. O modelo clás-

sico, por exemplo, visou operaciona-

soal de tarefas, onde caberia aos agen-

tes adaptarem-se a essa padronização

(the one best way). Existiria, portanto,

uma autoridade centralizada e hierár-

quica, além de uma especialização de

funções (Motta & Pereira, 1986).

O modelo burocrático, variante

advinda dessa racionalidade, ressal-

taria a característica de impessoali-

dade da organização. O planejamen-

to nesses modelos seria de natureza

normativa, com ênfase na quantifi-

cação. A preocupação com a integra-

ção do operário na organização, sur-

gida com a mudança da correlação

de forças sociais envolvidas no pro-

cesso de produção, possibilitou o pos-

terior desenvolvimento desse mode-

lo, que foi subdividido em duas ver-

tentes: a de relações humanas (ênfa-

se no trabalho em grupo) e a com-

portamentalista (participação dos tra-

balhadores no processo decisório)

(Abreu, 1982; Uribe Rivera, 1991).

Na década de 60, a análise das

organizações incorporou a teoria

de sistemas, justificada pelo fato

de que não teria sentido estudá-las,

levando em consideração apenas os

comportamentos individuais. As

organizações seriam observadas à

luz dessa teoria enquanto sistemas

abertos e enquanto um conjunto de

subsistemas em constante intera-

ção. Possuiriam mecanismos de re-

troalimentação entre seus subsis-

temas internos com grande capaci-

dade de adaptação.

No entender de Uribe Rivera

(1991), o uso dessa teoria na análise

lizar a teoria da organização burocrá-

tica formulada por Max Weber, com o

objetivo de legitimar o capitalismo mo-

nopolista das grandes empresas cria-

das no século XX. Seus fundadores fo-

ram Taylor, nos Estados Unidos e

Fayol, na França. Esse modelo apre-

sentava como postulado básico o de

que o homem seria um ser eminente-

mente racional. Como conseqüência,

a organização seria um conjunto pro-

dutivo altamente normatizado, padro-

nizado através de um sistema impes-

O TERMO DESCENTRALIZAÇÃO TEM UM

ELEVADO GRAU DE AMBIGÜIDADE,

DADO PRINCIPALMENTE PELA MULTIPLICIDADE

DE CONCEITOS E PELA HETEROGENEIDADE

SOCIAL E POLÍTICA DOS SETORES

QUE A ESTARIAM DEFENDENDO.

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HORTALE, V. A.

22 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999

das organizações teve alguns méri-

tos. Um deles foi o de ter possibilita-

do que as organizações fossem ana-

lisadas globalmente, já que essa teo-

ria estaria contemplando a existên-

cia de vários subsistemas (técnicos e

sociais, dentre outros). Porém, essa

teoria, por não possibilitar a identi-

ficação das variáveis que estariam

causando maior impacto na organi-

zação, lhe daria um caráter parcial e

inacabado. Um outro problema, tam-

bém apontado por Motta & Pereira

(1986), foi o de que as análises que

foram realizadas a partir de experi-

ências particulares fizeram generali-

zações que não puderam ser valida-

das em estudos posteriores.

As teorias que se seguiram –

contingencial e dinâmica –, apre-

sentadas enquanto variantes da te-

oria de sistemas, procuraram su-

prir suas lacunas dando ênfase às

variáveis que causassem maior

impacto no desempenho da orga-

nização. Uma delas seria a ambi-

ência externa enquanto variável de-

pendente da dinâmica das organi-

zações. Como conseqüência práti-

ca, o enfoque de planejamento ado-

tado seria o estratégico, permitin-

do adaptações às variações dessa

ambiência, dentre elas a adminis-

tração, que passaria a ser feita por

objetivos e através de estruturas

mais descentralizadas (estrutura

matricial) (Uribe Rivera, 1991).

Pettigrew et al. (1992), discutin-

do as diversas vertentes que sur-

giram decorrentes da teoria contin-

gencial, observaram que a questão

crítica central nessa teoria era a de

que ela não estaria levando em con-

sideração os determinantes sociais

e culturais das organizações. Es-

ses autores, mesmo críticos a essa

teoria, apontaram como principal

vantagem, o fato de ela não consi-

derar que devesse existir the one

best way, defendida pelo modelo

clássico. Ao contrário, a estrutura

da organização nessa teoria deve-

ria estar associada à natureza da

tarefa desempenhada.

Nesse modelo, ele discutiu algu-

mas hipóteses relativas, por um

lado, à interferência da ambiência

externa na definição da estrutura

da organização e, por outro, à dis-

tribuição de poder dentro dela.

Com relação à interferência da

ambiência externa nessa estrutura,

destacamos as cinco possibilidades

que caracterizariam a organização:

quanto mais dinâmico fosse o

ambiente, mais orgânica seria a es-

trutura, ou seja, teria maior capaci-

dade de adaptação;

quanto mais complexo fosse o

ambiente, mais descentralizada se-

ria a estrutura;

quanto mais uma organização

tivesse mercados diversificados,

maior tendência ela teria de se divi-

dir em unidades organizadas, base-

adas nesse mercado;

para uma situação em que o

ambiente fosse hostil, a organização

centralizaria temporariamente sua

estrutura;

caso existissem situações desi-

guais no ambiente, a organização

criaria constelações de trabalhos di-

ferenciados e descentralizaria suas ati-

vidades de forma seletiva na direção

dessas constelações.

Quanto à distribuição de poder

dentro da organização, enquanto

um fator de contingência, destaca-

mos três possibilidades:

quanto maior controle externo

fosse exercido sobre a organização,

Mintzberg (1982:248), que rea-

lizou estudos acerca da estrutura e

da dinâmica das organizações em

geral, baseou-se inicialmente na

abordagem sistêmica, superando-a,

porém, quando definiu a organiza-

ção como um conjunto de sistemas

interdependentes de fluxos de au-

toridade e de comunicação infor-

mal. Esse autor propôs um mode-

lo para sua análise, juntando ele-

mentos tanto da teoria contingen-

cial quanto da teoria dinâmica,

considerando-as complementares.

MINTZBERG DEFINIU A ORGANIZAÇÃO

COMO UM CONJUNTO DE SISTEMAS

INTERDEPENDENTES DE FLUXOS

DE AUTORIDADE E DE

COMUNICAÇÃO INFORMAL.

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A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 23

mais centralizada e formalizada ela

seria. Esse controle poderia ser exer-

cido quando o gerente fosse direta-

mente responsável por tudo o que

ocorresse dentro da organização e

quando fossem impostas, de fora

para dentro, padronizações clara-

mente definidas. Em conseqüência,

a organização teria uma estrutura

mais burocrática;

a necessidade de poder deman-

dada pelos membros da organização

faria com que essa tivesse uma es-

trutura excessivamente centralizada;

existiria uma forma, seja es-

trutural ou cultural, que poderia fa-

zer com que as organizações se

adaptassem às situações, mesmo que

essas adaptações não fossem apro-

priadas para elas.

Assim, as organizações teriam

uma estrutura altamente lógica, no

que diz respeito à sua missão e à

sua especialização. Esses dois ele-

mentos se agrupariam para determi-

nar a distribuição de poderes de de-

cisão e fortalecer suas ligações late-

rais. O poder de decisão ao interior

de uma organização complexa po-

deria ser mais forte se ela fosse des-

centralizada e, como conseqüência,

com capacidade de responder rapi-

damente às condições locais.

A existência de uma estrutura

descentralizada foi, também, con-

siderada como um meio de moti-

vação dos agentes nessa distribui-

ção de poderes. Dessa forma, o pro-

cesso de decisão estaria totalmen-

te descentralizado se o gerente con-

trolasse somente as opções e tives-

se seu poder diminuído dentro da

hierarquia, em benefício dos que

detivessem a informação e execu-

tassem as ações.

Em síntese, os elementos que te-

riam uma importante influência na

estruturação da organização seriam

as necessidades de poder dos mem-

bros da organização e suas formas,

que fariam parte da cultura. Entre-

tanto, o próprio Mintzberg observou

apenas superestruturas, sistemas e

subsistemas a ser integrados. Nessa si-

tuação, o conflito entre a parte e o todo

só pode aparecer como disfunção, na

medida em que tudo é pensado em ter-

mos de uma harmonia universal.

A discussão das possíveis aborda-

gens no estudo das organizações foi

feita por Motta & Pereira (1986:212),

considerando que a concepção sistê-

mica suporia o estudo funcional. Lem-

braram, entretanto, que essas duas

formas não estariam separadas de um

estudo histórico.

As abordagens sistêmica e funci-

onal, métodos particulares de pes-

quisa, são consideradas como ele-

mentos, como aspectos, de um mé-

todo único de dialética materialista,

como particularidades concretas cu-

jas aplicações são definidas pela es-

pecificidade da matéria estudada.

A abordagem funcional concentra-

ria a atenção na especificidade do con-

teúdo da atividade da administração.

As formas, a estrutura, os métodos

e as funções de todo o sistema ad-

ministrativo seriam interdependen-

tes. A abordagem sistêmica, no en-

tanto, concentraria sua atenção na

estrutura interna do sistema, por

onde estaria circulando a atividade

administrativa.

Alguns estudiosos das organiza-

ções procuraram superar os limites

da teoria de sistemas, mesmo admi-

tindo sua importância. Esses autores,

entendendo que existiriam nela lógi-

cas “simultaneamente complementa-

res, concorrentes e antagonistas” (Uri-

O PODER DE DECISÃO AO INTERIOR

DE UMA ORGANIZAÇÃO COMPLEXA

PODERIA SER MAIS FORTE SE ELA

FOSSE DESCENTRALIZADA E, COMO

CONSEQÜÊNCIA, COM CAPACIDADE

DE RESPONDER RAPIDAMENTE

ÀS CONDIÇÕES LOCAIS.

que esses elementos poderiam enco-

rajar as organizações a adotarem

estruturas que não fossem apropri-

adas às exigências dos outros fato-

res de contingência, como a idade, a

dimensão da organização, o siste-

ma técnico e a ambiência.

Motta (1986:88) criticou a vi-

são sistêmica que, com a idéia de

integração, estaria escamoteando

a dominação:

Tudo se passa como se de fato não

houvesse dirigentes e dirigidos, mas

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HORTALE, V. A.

24 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999

be Rivera, 1991:144), trouxeram à

discussão algumas novas aborda-

gens, que destacamos, a seguir.

Crozier & Friedberg (1977:21) de-

finiram as organizações como um sis-

tema complexo, passível de conflitos

ao seu interior. Adotando a aborda-

gem estratégica, discutiram como ca-

tegorias centrais o poder e a ação or-

ganizada dos homens, entendendo

que as organizações deveriam ser me-

diadoras dessa ação. A partir desse

recorte, fizeram um reflexão sobre as

relações entre o ator e o sistema, con-

siderando inicialmente que a organi-

zação, dentre uma variedade de es-

truturações possíveis de um campo

de ação, seria “a forma mais visível

e formalizada, aquela que é pelo me-

nos parcialmente instituída e contro-

lada de forma consciente”.

A partir desse pressuposto, as or-

ganizações seriam vistas como um

problema a explicar, ao contrário de

outros enfoques que as consideravam

como um dado natural: “Interrogar-

se sobre a organização como um pro-

blema é tentar elaborar um modo de

raciocínio que permita analisá-la e

compreender a natureza e as dificul-

dades da ação coletiva” (idem).

As formas de organização seri-

am soluções construídas pelos ato-

res para os problemas decorrentes

da ação coletiva e, portanto, artifi-

ciais. As soluções não deveriam ser

totalmente lineares, já que esse

tipo de organização estaria apre-

sentando, pelo menos, duas ques-

tões interdependentes, ou seja,

questões da ordem da cooperação

e da incerteza ou indeterminação.

Quanto à primeira questão, os ato-

res organizariam formas de integra-

ção que permitissem a necessária co-

laboração entre eles sem retirar sua

liberdade, ou seja, “a possibilidade de

perseguirem objetivos contraditórios”

(ibid., p.22). Quanto à segunda,

o que é incerteza do ponto de vista dos

problemas é poder do ponto de vista

dos atores: as relações entre os atores,

individuais ou coletivos, e seus proble-

am e exprimem, ao mesmo tempo,

uma nova estruturação do campo ou

dos campos” (ibid., p.35).

Para que a transformação pudes-

se ser viável, o ‘conhecimento’ pas-

sou a ter um papel particular:

a constituição desse conhecimento e

sua utilização cada vez mais indispen-

sável nas nossas ações de transforma-

ção, não é possível sem uma profunda

transformação da nossa forma de raci-

ocínio e do nosso método de ação. Essa

renovação conceitual e prática passa

pelo reconhecimento da realidade e da

conversibilidade dos fenômenos de po-

der que constituem o próprio funda-

mento da ação organizada. (ibid., p.37)

Discutindo a margem de liberdade

do ator nesse processo, Crozier & Fri-

edberg sintetizaram, de forma contun-

dente e crítica, as teorias tradicionais

da organização no que diz respeito à

relação entre o ator e a organização:

...o homem não poderia ser considera-

do somente como ‘uma mão’, que o es-

quema taylorista de organização impli-

citamente supunha, nem como ‘uma

mão e um coração’, como reclamavam

os defensores do movimento de relações

humanas. Nós destacamos que tanto

uns quanto os outros esqueceram que

ele é também ‘uma cabeça, uma liber-

dade’, ou mais freqüentemente, um

agente autônomo que é capaz de calcu-

lar e manipular e que se adapta e inven-

ta em função das circunstâncias e dos

movimentos dos seus pares. (ibid., p.45)

[grifos dos autores].

Daí a necessidade de que a análi-

se das organizações passasse a le-

“INTERROGAR-SE SOBRE A

ORGANIZAÇÃO COMO UM PROBLEMA

É TENTAR ELABORAR UM MODO

DE RACIOCÍNIO QUE PERMITA

ANALISÁ-LA E COMPREENDER A

NATUREZA E AS DIFICULDADES

DA AÇÃO COLETIVA.”

mas, inscrevem-se em um campo de de-

sigualdade, estruturada por relações de

poder e de dependência. (ibid., p.24)

O reconhecimento do caráter cons-

truído das formas de organização e

das formas de ação coletiva levaria,

também, ao reconhecimento do ca-

ráter construído da transformação,

pelo fato de ela não ser completa-

mente natural. A transformação se-

ria: “um processo de aprendizagem

coletiva que permite instituir novos

construtos da ação coletiva que cri-

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A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 25

var em consideração o conjunto de

relações de poder, de influência, de

negociações e de cálculo.

A autonomia relativa dos atores

dentro da organização estaria longe

de ser total. Foi levado em conside-

ração que os grupos (os atores), da

mesma forma que a própria organi-

zação, são um construto humano, e

“não tem sentido a não ser na rela-

ção entre seus membros” (ibid., p.50).

O seu desenvolvimento se daria a

partir de uma ‘oportunidade’ e uma

‘capacidade’ dadas pela sua própria

prática ao interior da organização.

Quanto aos limites existentes en-

tre os diversos autores que têm utili-

zado a teoria contingencial, foi con-

siderado que aqueles ainda estariam

prisioneiros de uma concepção da

ambiência externa como um elemen-

to objetivo e impessoal, a qual esta-

ria sendo imposta de forma abrupta

e automática, presa às características

formais das organizações. Dessa for-

ma, essa teoria estaria sendo elabo-

rada e conduzida nos planos eminen-

temente econômico e técnico, vendo

somente na eficácia das organizações

a função de adequação das suas es-

truturas à situação.

A ambiência externa não seria

única nem homogênea, mas consti-

tuída de uma multiplicidade de cam-

pos fragmentados, às vezes diver-

gentes e contraditórios, que represen-

tariam um primeiro elemento de in-

determinação e, como conseqüência,

de liberdade e de opção na relação

existente entre a organização e seu

ambiente. Assim, o fenômeno orga-

nizacional apareceria, em última ins-

tância, enquanto um construto polí-

tico e cultural. As soluções para os

problemas advindos da relação en-

tre organização e ambiência externa

deveriam ser pensadas nesse plano.

Embora Crozier & Friedberg fos-

sem críticos ao enfoque sistêmico

contido na teoria contingencial, con-

sideraram necessária sua comple-

mentação com a abordagem estraté-

gica, argumentando que a análise es-

tratégica sem o raciocínio sistêmico

que os indivíduos adquiririam, utili-

zariam e transformariam, ao viverem

suas relações e suas trocas com os

outros. A análise cultural, permitiria,

assim, “compreender a utilização efe-

tiva pelos atores, das potencialida-

des e oportunidades de uma situação

e a diferente estruturação dos proble-

mas daí resultantes” (ibid., p.224).

Dalle & Bounine (1976), auto-

res que aceitaram, também com

críticas, a abordagem da teoria de

sistemas na análise das organiza-

ções, identificaram nela uma di-

cotomia, quando a questão da de-

cisão era tratada. Nessa teoria, a

decisão em matéria de gestão se-

ria descentralizada, e a decisão

estratégica centralizada. Estaria,

assim, sendo mantida a dicotomia

entre autonomia e responsabiliza-

ção. Uma organização onde os

profissionais tivessem reforçada

sua autonomia na tomada de de-

cisões referidas aos problemas que

enfrentassem, ou seja, em uma

estrutura descentralizada, seria

mais homeostática do que uma

organização centralizada. A des-

centralização foi, então, definida

como a responsabilização de cada

ator com sua missão, e que ela

seria a via mais adequada para

transformar a organização.

Eraly (1988), apresentando um

modelo teórico para o estudo da es-

truturação das organizações, conside-

rou, como ponto de partida, que a

reprodução e a transformação de uma

organização deveriam ser estudadas

não passaria de uma interpretação

fenomenológica. E que, no entanto,

sem a verificação estratégica, a aná-

lise sistêmica seria especulativa.

Sem o estímulo do raciocínio estra-

tégico ela se tornaria determinista.

Esses autores introduziram a aná-

lise cultural como uma outra face da

análise estratégica. A cultura seria

formada por um conjunto de elemen-

tos da esfera psíquica e mental, com

seus componentes afetivos, cogniti-

vos, intelectuais, relacionais. Seria

um ‘instrumento’,,,,, uma ‘capacidade’,

OS GRUPOS (OS ATORES), DA MESMA

FORMA QUE A PRÓPRIA ORGANIZAÇÃO,

SÃO UM CONSTRUTO HUMANO,

E “NÃO TEM SENTIDO A NÃO SER NA

RELAÇÃO ENTRE SEUS MEMBROS.”

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HORTALE, V. A.

26 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999

em conjunto, já que a organização não

teria somente uma dimensão espaci-

al, mas também, “uma profundeza

temporal” (ibid., p.23).

Compreender uma organização no

tempo, por referência ao processo de

sua estruturação, nos permite evitar a

reificação: a estrutura não é um dado

formal ou natural, mas é uma constru-

ção passada, constantemente reutili-

zada no presente (ibid., p.25)

Existiriam quatro dimensões re-

lacionadas entre si que seriam fun-

damentais para a formulação des-

se modelo:

defasagem de absorção por par-

te do gestor, da complexidade do sis-

tema organizacional, face às suas

capacidades limitadas de percepção,

atenção e reflexão;

estruturas organizacionais cri-

adas e recriadas pelas ações e inte-

rações humanas, dependendo, como

conseqüência, destas;

o passado da organização, ou

seja, sua herança tanto mental, prá-

tica e material, criaria, ao mesmo

tempo, obstáculos e mediações ao

funcionamento atual;

os sujeitos, sociais ou individu-

ais, não criariam, consciente e deli-

beradamente, o conjunto de proprie-

dades estruturais da organização.

Considerando essas quatro dimen-

sões, a organização foi definida como

um arranjo social durável e localiza-

do, construído com um objetivo deter-

minado, um conjunto estruturado de

ações e interações relativamente hie-

rarquizadas, diferenciadas e interde-

pendentes em relação aos recursos e

finalidades (ibid., p.9).

A organização se distinguiria de

outros tipos de sistemas sociais pelo

seu alto grau de auto-regulação, prin-

cipalmente por ser um construto hu-

mano. Seria, ao mesmo tempo, pro-

duto de atividades repetidas e con-

dição para o desenvolvimento des-

sas atividades, enquanto uma estru-

dustrial para a pós-industrial e con-

siderou que elas seriam radicalmente

diferentes das precedentes. Ou seja,

as organizações que se adequassem

estruturalmente, quer nos processos

quanto tecnologias, teriam maiores

chances de sobrevivência do que

aquelas que não se adequassem. Na

medida em que essa ambiência ex-

terna às organizações estivesse se

caracterizando por apresentar mai-

or turbulência, complexidade e ne-

cessidade de conhecimento, tornar-

se-ia necessário a modificação des-

sas organizações, não só estrutural-

mente como também na natureza do

seu processo de decisão.

Uma organização que tivesse

como missão oferecer serviços que

se caracterizassem pela sua eficiên-

cia e eficácia e quisesse manter-se

viva deveria ter uma estrutura flexí-

vel que lhe permitisse uma resposta

adequada a essas exigências. Essa

flexibilidade poderia ser fortalecida

em uma estrutura organizativa au-

tônoma. E como suas decisões seri-

am de natureza complexa, tornar-se-

ia necessário que um maior número

de profissionais participasse para o

alcance dos resultados esperados.

Os modelos acima apresentados

poderiam, a nosso ver, ser enrique-

cidos pela abordagem dialética da

organização vista por Van de Ven

(1992) como pertencendo à família

das teorias processuais desenvolvi-

das nos últimos anos. Para ele, a or-

ganização estaria existindo em um

mundo pluralista de eventos, de for-

tura que não pode de forma lógica

ser separada das atividades huma-

nas. Enquanto um construto huma-

no, acrescentaríamos, referenciando-

nos em Flores (1993), que as orga-

nizações poderiam também ser vis-

tas como uma rede de conversações

que estariam articulando uma rede

de compromissos.

Demè (1988) discutiu, à luz des-

sas teorias modernas, as caracterís-

ticas das organizações em um con-

texto de transição da sociedade in-

COMPREENDER UMA ORGANIZAÇÃO NO

TEMPO, POR REFERÊNCIA AO PROCESSO DE

SUA ESTRUTURAÇÃO, NOS PERMITE EVITAR A

REIFICAÇÃO: A ESTRUTURA NÃO É UM DADO

FORMAL OU NATURAL, MAS É UMA

CONSTRUÇÃO PASSADA, CONSTANTEMENTE

REUTILIZADA NO PRESENTE.

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A Descentralização e a Autonomia na Perspectiva das Organizações

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 20-29, set./dez. 1999 27

ças ou de valores intrinsecamente

contraditórios, que estariam em per-

manente colisão e que competiriam

uns com os outros, objetivando o do-

mínio e o controle.

Os momentos de estabilidade e de

transformação pelos quais a organi-

zação passasse, poderiam ser expli-

cados através da abordagem dialéti-

ca enquanto um equilíbrio relativo de

poder entre forças opostas. Esse equi-

líbrio poderia romper-se, movendo-

se a organização na direção da trans-

formação. A organização, nessa abor-

dagem foi definida por Uribe Rivera

(1991:129) como “um arranjo social,

sempre provisório, que se define a

partir da multiplicidade de interesses

contraditórios dos indivíduos e gru-

pos organizacionais, supondo a pos-

sibilidade do entendimento”.

O enfoque da gerência situacio-

nal apresentado por Tissier (1988)

estaria, a nosso ver, mais próxi-

mo da abordagem dialética. En-

quanto alternativa para a gerência

tradicional, seriam destacadas,

nesse enfoque, as categorias auto-

nomia e delegação. A ambiência in-

terna seria composta por vários

elementos, passíveis de influenci-

ar seja o estilo do gestor, a cultura

da organização, a natureza das ati-

vidades exercidas, as expectativas

dos profissionais, quanto a auto-

nomia dos colaboradores. A auto-

nomia profissional, por seu lado,

seria constituída de três elementos:

o objetivo, o conjunto de conheci-

mentos e experiências (‘competên-

cia’), e a ‘motivação’, ou seja, a

vontade ou o desejo de investir a

energia pessoal.

Existiriam quatro ‘leis’ para uma

gerência situacional eficaz:

a eficácia do gestor passaria

pelo desenvolvimento das pessoas

que ele coordena, de forma que esse

desenvolvimento assegurasse o al-

cance coletivo dos objetivos;

não seria recomendável que o

gestor tivesse a priori algum estilo

ções de saúde, consideramos que a

natureza dos problemas sociais se-

ria diferente da natureza dos proble-

mas objetivos ou bem-estruturados,

que normalmente predominam em

uma organização empresarial pro-

dutora de bens não diversificados.

A área da saúde apresentaria,

então, algumas características, con-

sideradas por Uribe Rivera (1995)

como “basilares”: demanda impre-

visível e compulsória; dificuldade

para ser normatizada enquanto uma

função técnica de produção; e simul-

taneidade entre produção e consumo,

levando a um processo interativo

entre o produtor e o consumidor.

No entanto, a descentralização,

enquanto componente predominan-

temente organizacional da imple-

mentação de uma política pública,

também deveria ser apreendida.

Uma política pública seria “o

produto da atividade de uma auto-

ridade investida de poder público

e legitimidade governamental”

(Mény & Thoenig, 1993:129). Toda

política pública diria respeito a

uma teoria de transformação soci-

al, quando introduzisse uma rup-

tura ou uma inflexão em relação à

situação anterior. Se uma política

pública for concebida como uma

variável dependente, ou seja, se sua

forma e conteúdo forem determina-

dos pelas instituições, pelos ato-

res políticos e pelas atitudes dos

governantes, estariam existindo

três imperativos diferentes, que po-

deriam ser mais ou menos confli-

ou temperamento em particular, mas,

dependendo da situação, sua eficácia

consistiria em adotar um estilo que

mais se adequasse à organização;

a eficácia do gestor se daria na

permanente avaliação da autonomia

das pessoas e dos grupos;

o papel do gestor seria o de cri-

ar as condições adequadas ao desen-

volvimento dessa autonomia.

Ao enfocarmos o campo da es-

trutura e da dinâmica das organiza-

A ORGANIZAÇÃO FOI DEFINIDA

COMO “UM ARRANJO SOCIAL,

SEMPRE PROVISÓRIO, QUE SE DEFINE

A PARTIR DA MULTIPLICIDADE DE

INTERESSES CONTRADITÓRIOS DOS

INDIVÍDUOS E GRUPOS ORGANIZACIONAIS,

SUPONDO A POSSIBILIDADE

DO ENTENDIMENTO”.

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HORTALE, V. A.

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tantes entre si no processo de im-

plantação de uma política pública:

imperativos “legal, organizacional

e consensual”.1

O caráter permanentemente ins-

tável da implantação seria conseqü-

ência da difícil e incerta conciliação

entre esses três imperativos. Porém,

sua implementação dependeria, de

três elementos principais, colocados

em planos diferenciados, que seri-

am, em resumo: as características do

programa; o comportamento dos

agentes que irão implementar a po-

lítica; e as reações dos grupos-alvo.

Como contraponto, foram enumera-

dos alguns elementos que poderiam

dificultar a implementação de uma

política pública:

distanciamento entre aqueles

que tomassem as decisões daqueles

que as implementassem;

pouca clareza e precisão da po-

lítica a ser implementada;

reações hostis por parte da opi-

nião pública ou de grupos com inte-

resses contrários à política a ser

implementada;

baixo estímulo por parte da-

queles que implementassem as

políticas.

O que para nós imprimiria um

ritmo maior ou menor à implemen-

tação de uma política pública seria

como a organização que a imple-

menta está estruturada. Assim, a

descentralização poderia ser, ao

mesmo tempo, objetivo e resultado

da implementação de uma política

pública, dependendo do ângulo de

observação. Nesse sentido, a des-

centralização extrapolaria a esfera

administrativa para ganhar a esfe-

ra política e um modelo de análise

deveria levar em conta essas duas

faces da moeda.

CONCLUSÃO

Ao colocarmo-nos na perspecti-

va de que deveria existir uma rela-

ção de interdependência entre a im-

plementação de uma política públi-

ca e a estruturação de uma organi-

zação, consideramos que não seria

suficiente a existência de políticas,

definidas por Pettigrew et al. (1992)

como ‘corretas’, e que objetivassem

simplesmente a transformação, mas

a existência de uma capacidade or-

ganizacional. Tanto a descentraliza-

ção quanto a autonomia, para um

Estado que se visse cercado por um

conjunto de situações novas, quer

no plano político quanto institucio-

nal, apareceria como uma alterna-

tiva viável.

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profissional etc. O imperativo ‘consensual’, a procura pelos atores de um nível considerado aceitável de consenso entre as partes influentes

na política implementada.

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CECILIO, L. C. de O.

30 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999

ARTIGO

Pensando mecanismos que facilitem o controle social como

estratégia para a melhoria dos serviços públicos de saúde

Creating devices to enhance the social control of health services

1 Médico-Sanitarista. Professor do

Departamento de Medicina Preventiva e

Social/FCM/Unicamp.

Luiz Carlos de Oliveira Cecilio1

RESUMO

O autor destaca os seguintes aspectos como dificultadores do processo de

controle social sobre os serviços públicos de saúde: a existência de múltiplas

racionalidades e projetos de saúde em disputa, de forma nem sempre explicitada;

a pouca clareza do conceito de qualidade em saúde; o modelo de gestão vertical e

pouco transparente adotado no setor público e o enorme poder médico que se

mantém fechado sobre si mesmo. Como alternativa aponta algumas possibilida-

des de modernização gerencial que se traduzam em maior democratização do

saber monopolizadas pelos profissionais, em geral, e pelos médicos, em particu-

lar, e na criação de mecanismos que possibilitem a explicitação de compromissos

das organizações de saúde, bem como formas concretas de avaliação dos resulta-

dos alcançados, por parte dos usuários do sistema.

PALAVRAS-CHAVE: controle social; qualidade em saúde; sistema de gestão.

ABSTRACT

The author highlights some features that hinder the social control of health

services: the existence of multiple rationalities and health projects called into question,

although not always in explicit ways; imprecision in the concept of quality in

health; the presence of a vertical, not very transparent management model which is

adopted in the public sector and the huge medical power that keeps addressing

itself. The author shows some management modernization alternatives which may

bring about a higher level of democracy in knowledge, which is now monopolized

by professionals in general and mainly by doctors. Another result could be the

creation of devices which would make it possible to define more clearly the

commitments of health organizations and to have more effective assessment of

results regarding the system’s users.

KEY WORDS: social control; quality in health; management system.

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Pensando Mecanismos que Facilitem o Controle Social como Estratégia para a...

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OS SERVIÇOS DE SAÚDE FUNCIONAM COMO

VERDADEIRAS ‘CAIXAS-PRETAS’ QUANDO SE

PENSA O CONTROLE DOS USUÁRIOS SOBRE A

QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA PRESTADA.

UM PARADOXO A TÍTULO DEINTRODUÇÃO AO TEMA

À primeira vista, pelo menos no

senso comum, as duas proposições

contidas no título acima – melhoria

dos serviços e controle social – têm

tudo a ver uma com a outra, no sen-

tido de se reforçarem mutuamente.

Ainda mais se o serviço de saúde é

‘público’ e o usuário um cidadão pa-

gador de impostos. Seria de se supor

que haveria uma confluência entre o

interesse do usuário em cobrar, acom-

panhar e exigir uma boa qualidade

no atendimento, com o interesse do

serviço em ser informado sobre suas

falhas e inadequações, no esforço de

aprimorar, cada vez mais, seu funci-

onamento. Infelizmente, as coisas não

têm sido assim tão fáceis na realida-

de brasileira mais recente. Ao con-

trário. O que se nota, na prática, é

uma dificuldade imensa dos usuári-

os de exercerem qualquer controle

sobre o funcionamento de serviços

que permanecem, via de regra, fecha-

dos sobre si mesmos e regidos por

regras e códigos que o cidadão co-

mum não consegue decifrar. Os ser-

viços de saúde funcionam como ver-

dadeiras ‘caixas-pretas’ quando se

pensa o controle dos usuários sobre

a qualidade da assistência prestada.

Assim, não ocorre a ‘parceria’ apa-

rentemente tão lógica e esperada, en-

tre serviços e usuários, na busca da

qualidade do atendimento.

Para entender este paradoxo, é

necessário um certo esforço teórico e

de investigação para que algumas

questões, que não são tão visíveis à

primeira vista, tornem-se claras e

possam, de alguma forma, orientar

nossa atuação se nosso desejo é fa-

zer do controle social um aliado im-

portante dos esforços de melhoria da

qualidade dos serviços de saúde.

Ainda, e sob forma de introdução

ao tema, é bom que se esclareça que,

o que se entende como ‘controle soci-

al’, no decorrer do texto, são todos

os mecanismos e instâncias já pre-

vistas em lei, pelo menos desde a

Constituição de 1988 e da Lei Orgâni-

dos conselhos distritais de saúde. O

conceito de ‘participação’ é entendido

na sua conotação mais abrangente,

acontecendo através de múltiplas

possibilidades de organização autô-

noma da sociedade civil, através das

organizações independentes do Esta-

do, tais como as associações de mo-

radores, conselhos de saúde, associ-

ações de doentes, grupos de mulhe-

res, que poderão ou não confluir suas

intervenções para uma atuação dire-

ta junto aos órgãos de controle pre-

vistos em lei. Os mecanismos de con-

trole formal dos usuários sobre os

serviços, apesar de insuficientes, têm

amparo legal na legislação que regu-

lamenta o funcionamento do Sistema

Único de Saúde (SUS).

ALGUMAS EXPLICAÇÕES JÁ BEMCONHECIDAS PARA O PARADOXO

APONTADO NA INTRODUÇÃO

As organizações de saúde são

verdadeiras ‘arenas’ nas quais são

disputados vários ‘projetos políticos’

(Merhy, 1992); estes entendidos como

formas particulares de diferentes ato-

res pensarem a organização dos ser-

viços, a alocação de recursos finan-

ceiros e tecnológicos e uma série de

outros aspectos que são coerentes com

as visões dos mesmos, decorrentes

de suas inserções diferenciadas tanto

na sociedade como no espaço singu-

lar das organizações de saúde. As-

sim, o dirigente da organização tem

uma visão mais governamental, de

criação de legitimidade política; os

ca da Saúde de 1990, ‘que garantem

a presença de usuários, em parceria

com os trabalhadores de saúde e re-

presentantes governamentais, em

processos efetivos de formulação de

políticas, planejamento e gestão tan-

to dos serviços de saúde como dos

próprios órgãos governamentais, nas

várias esferas de governo’. Refere-se

aqui, especificamente, aos conselhos

gestores ao nível dos serviços de saú-

de, aos conselhos municipais e esta-

duais de saúde e seus corresponden-

tes em outros níveis, como é o caso

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trabalhadores de saúde estão interes-

sados em salários, em boas condi-

ções de trabalho e, para um número

expressivo deles, em seu aprimora-

mento profissional; os usuários es-

tão preocupados com o acesso aos

serviços, em serem bem-recebidos e

terem seus problemas resolvidos. A

coisa complica mais ainda quando

verificamos que o termo ‘trabalhado-

res de saúde’ comporta várias cate-

gorias profissionais, muito diferen-

ciadas entre si, com projetos políti-

cos, às vezes, conflitantes. Basta lem-

brar a distância que existe entre os

médicos e os auxiliares de saúde, tan-

to em termos de salários, como valo-

rização profissional, grau de autono-

mia para o desenvolvimento do tra-

balho e assim por diante. Portanto, o

que se pode depreender dessa obser-

vação é que falar de ‘serviço de saú-

de’ como se fosse uma coisa funcio-

nalmente única que ‘naturalmente’

deveria trabalhar em parceria com os

usuários, é uma maneira muito sim-

plista de se ver o problema. Mesmo

porque também sob a palavra ‘usuá-

rios’ abrigam-se múltiplos interesses,

expectativas, ‘projetos’, enfim, mui-

to diferenciados. Assim, dá para co-

meçar a perceber que o ‘paradoxo’

apontado na introdução talvez não

seja um paradoxo de fato.

As organizações públicas de saú-

de são ‘habitadas’ por distintos ato-

res que têm interesses e ‘projetos’

nem sempre coincidentes.

Esses atores que se entrecruzam

no espaço das organizações públi-

cas de saúde, além de projetos dife-

renciados, controlam recursos mui-

to diferenciados também. O represen-

tante governamental, que em geral

é o dirigente da organização de saú-

de, controla recursos financeiros e de

poder (definição de prioridades, alo-

cação de recursos, política de pesso-

al etc.). Os trabalhadores de saúde

controlam um recurso importantís-

simo que é o saber. Além do mais,

eles controlam o recurso ‘força de

trabalho’ que é, afinal, o que man-

ções entre a eleição de um candidato

com uma determinada plataforma

eleitoral e a tradução disso em reais

melhorias no atendimento, que o ci-

dadão comum, na condição de usuá-

rio do serviço, fica sem ter a quem

recorrer. São muitas as mediações

entre o processo de eleição dos diri-

gentes e a possibilidade efetiva de

controle dos usuários sobre os ser-

viços públicos de saúde.

O usuário, de uma maneira geral,

fica em uma situação muito inferiori-

zada perante os trabalhadores de saú-

de, mais do médico em particular,

quando o recurso comparado é o sa-

ber. Na tradição desenvolvida pela

medicina ocidental moderna, o paci-

ente (e o próprio nome o diz) é muito

mais ‘objeto’ do que sujeito das inter-

venções da equipe. Talvez seja esse o

ponto mais central na discussão que

será desenvolvida na seqüência:

como diminuir a distância que sepa-

ra o usuário da equipe de saúde em

relação ao domínio de saberes muito

específicos da área da saúde. E, aqui,

os saberes dizem respeito tanto àque-

les mobilizados na atenção ou cuida-

dos – individuais ou coletivos – como

àqueles referentes ao processo de ges-

tão das unidades. Pare alguém exer-

cer o ‘controle’ sobre alguma coisa é

necessário que tenha um bom conhe-

cimento sobre o objeto que pretende

‘controlar’. E isto, na saúde, nem sem-

pre é tarefa fácil!

Para encerrar este tópico, vale

deixar uma questão para ser res-

pondida mais adiante: afinal, será

tém o serviço em funcionamento. Não

é demais recordar que os médicos

são, por este prisma, os mais pode-

rosos dos trabalhadores de saúde,

pois eles já vêm para o serviço com

esse poder legitimado pela socieda-

de. E os usuários, que recursos con-

trolam? Com certeza, o poder políti-

co de eleger seus governantes a cada

eleição e pressioná-los para que se

comprometam com a melhoria do

funcionamento dos serviços. O dra-

mático disso é que há tantas media-

AS ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS DE

SAÚDE SÃO ‘HABITADAS’

POR DISTINTOS ATORES QUE

TÊM INTERESSES E ‘PROJETOS’

NEM SEMPRE COINCIDENTES.

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que é possível fazer convergir pro-

jetos tão diferenciados de forma a

somar os recursos necessários para

a qualificação da atenção prestada

aos usuários?

O conceito de qualidade da

atenção à saúde nem sempre é mui-

to claro. Isto porque já há bastante

consenso entre os estudiosos do as-

sunto de que, para se avaliar a qua-

lidade da assistência, será inevitá-

vel ter de se levar em conta duas ca-

tegorias até certo ponto considera-

das opostas: opinião versus ciência

(Nogueira, 1994). No caso da primei-

ra, há por definição o reconhecimen-

to de um componente de subjetivi-

dade de cada pessoa, a partir de sua

experiência de vida, sua ideologia,

religião ou seja lá o que for, traduzi-

da na opinião que tem sobre deter-

minado tema. A opinião não seria,

necessariamente, comprometida com

a idéia da ‘verdade’. Esta seria apa-

nágio da Ciência construída dentro

dos cânones de uma certa racionali-

dade inaugurada por Descartes e tida

como a única possibilidade de obje-

tividade do conhecimento humano.

Pois bem, a avaliação feita pelos

usuários dos serviços de saúde, no

sentido de julgá-los bons ou ruins, é

tida como do domínio da ‘opinião’.

Caberia aos técnicos ou trabalhado-

res de saúde estabelecerem critérios

de qualidade que seriam mais cien-

tíficos, ou seja, construídos dentro

dos critérios da Ciência. Qual crité-

rio de qualidade seria o mais válido

então: aquele vivenciado (na própria

pele, para não dizer no próprio cor-

po...) pelo usuário, mas afinal de

contas ‘só’ uma opinião, ou os crité-

rios ‘científicos’ estabelecidos pelos

técnicos? A avaliação da qualidade

dos serviços deverá considerar tan-

to a opinião dos usuários como cri-

térios mais ‘científicos’ e ‘objetivos’

estabelecidos pelos técnicos.

Na prática, há um reconhecimen-

to de que a opinião das pessoas é,

cada vez mais, influenciada e forma-

da pela informação científica, de for-

foi ou deveria ter sido feito (dentro

do que estabelece a Ciência), embo-

ra, valha a pena ressaltar, alguma

diferença entre as duas categorias

sempre existirá, por suas próprias

naturezas.

Ainda em relação a este ponto, é

bom lembrar que a clientela dos ser-

viços públicos constitui o que se cos-

tuma designar como ‘clientela cati-

va’, no sentido de que não pode op-

tar, no limite, por outro serviço. Nes-

sa medida, um importante compo-

nente presente na lógica do merca-

do, que é a preferência do cliente

como potente – e determinante –

mecanismo de feedback, não alimen-

ta, ou alimenta muito pouco, o pro-

cesso gerencial no setor público. O

elemento de ‘opção’, tão importante

na lógica de mercado, é quase au-

sente nos serviços públicos.

O modelo de gerência adotado

no setor público, em geral, e no se-

tor saúde, em particular, é um outro

dado a ser considerado na presente

discussão, muito particularmente em

dois aspectos, sem dúvida, dificul-

tadores de qualquer veleidade de

controle social:

– não há tradição de se explicitar

claramente a missão da organização

e seu desdobramento em objetivos e

metas bem-estabelecidos;

– não existem mecanismos regu-

lares de avaliação de desempenho e

prestação de contas no interior das

organizações (sistema de baixíssima

responsabilidade) (Matus, s. d.).

A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE

DOS SERVIÇOS DEVERÁ CONSIDERAR

TANTO A OPINIÃO DOS USUÁRIOS

COMO CRITÉRIOS MAIS ‘CIENTÍFICOS’

E ‘OBJETIVOS’ ESTABELECIDOS

PELOS TÉCNICOS.

ma que, progressivamente, elas es-

tariam preparadas para exercer, de

forma mais competente, o controle

sobre os serviços prestados. Esta en-

tão é uma outra indicação que deve

ser levada em conta no debate a res-

peito do papel do controle social so-

bre a melhoria do funcionamento dos

serviços: os usuários podem e de-

vem ser instrumentalizados para que

haja uma aproximação entre o sen-

tido/experimentado (traduzido em

uma opinião) e a consciência do que

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CECILIO, L. C. de O.

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Essas duas características, que se

constituem quase uma regra de fun-

cionamento no interior das organiza-

ções de saúde, aliadas às dificulda-

des apontadas nos itens anteriores,

em particular a de se ter uma concei-

tuação mais precisa do que seja qua-

lidade na assistência, são potenci-

alizadoras de um outro obstáculo

quando o tema é o controle social: a

resistência dos médicos em aceitarem

qualquer processo de controle exóge-

no do seu trabalho (feito de fora da

corporação). Nos últimos séculos, os

médicos foram-se legitimando, soci-

almente, como os detentores do po-

der de curar. Este processo torna-se

ainda mais marcado a partir do rela-

tório Flexner (Estados Unidos, no iní-

cio do século XX), que coloca em ba-

ses mais definitivas o que seria afi-

nal a Medicina Científica e, portanto,

a única com legitimidade suficiente

para curar as pessoas. Um dos des-

dobramentos mais marcantes deste

movimento é que, além do monopó-

lio do saber e da prática da cura, os

médicos trouxeram para o interior da

corporação o controle final da quali-

dade dessas práticas (controle endó-

geno) (Nogueira, 1994). Essa carac-

terística da prática médica, no interi-

or das organizações de saúde é, sem

dúvida, um dos mais importantes

dificultadores (senão impedidores) de

qualquer possibilidade de controle

social. Reportando à discussão inici-

al a respeito de diferentes projetos no

interior das organizações de saúde, é

interessante lembrar que a defesa in-

transigente deste monopólio, tradu-

zido nos ideais do Liberalismo, é

muito forte no interior da corporação

médica e constitui parte importante

do seu ‘projeto político’ para a saú-

de. A forte tradição de autonomia e

do ‘segredo médico’ é um dificulta-

dor importante do controle dos usuá-

rios sobre os serviços de saúde.

Como resumo de tudo o que foi

visto, é possível dizer que será ne-

cessário enfrentar cada um dos pon-

tos anteriores se a proposta é fazer

do controle social uma estratégia

– todo o processo gerencial deve

ser repensado a partir da lógica das

equipes voltadas para o atendimen-

to de clientes. Clientes aqui entendi-

dos tanto como as equipes das áreas

assistenciais, que são os clientes in-

ternos ou os usuários dos produtos

das áreas de apoio técnico (raios X,

laboratório, serviço de nutrição e di-

etética etc.), como os clientes exter-

nos (os ‘pacientes’) (Campos, 1997);

– tanto a direção do hospital,

como cada unidade de trabalho, ex-

plicitam claramente suas missões e

objetivos a serem alcançados, da

forma mais precisa possível;

– todas as equipes, tanto das áre-

as de apoio, como da área assisten-

cial, pesquisam a satisfação dos

seus clientes de forma sistemática.

No caso da pesquisa de opinião dos

pacientes, está em jogo a apreensão

de um componente de subjetividade

que as avaliações ‘técnicas’ dos ser-

viços não conseguem apreender. E,

conquanto trabalhemos com ‘clien-

telas cativas’, poderão ser um me-

canismo importante de controle so-

cial sobre os serviços;

– tanto a direção geral do hospi-

tal, como das unidades de trabalho,

deverá ser feita na forma colegiado,

democratizando e horizontalizando

a relação entre os membros da equi-

pe (Cecilio, 1997);

– são explicitamente assumidos

e construídos espaços de controle

social, na forma dos conselhos ges-

tores das unidades, com atribuições

A FORTE TRADIÇÃO DE AUTONOMIA

E DO ‘SEGREDO MÉDICO’ É UM

DIFICULTADOR IMPORTANTE

DO CONTROLE DOS USUÁRIOS

SOBRE OS SERVIÇOS DE SAÚDE.

importante e efetiva de melhoria do

funcionamento dos serviços de saú-

de. O que não é tarefa fácil também!

ALGUMAS POSSIBILIDADES DEINTERVENÇÃO, VISANDO MELHORAR

O CONTROLE SOCIAL SOBREA QUALIDADE DOS SERVIÇOS

É necessário reformular o mo-

delo de gestão das organizações de

saúde. Para tanto, algumas indica-

ções podem ser úteis:

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999 35

bem-estabelecidas de deliberarem

ativamente sobre o processo de ges-

tão da unidade. É possível e neces-

sário experimentar modelos de ges-

tão que facilitem o controle dos usuá-

rios sobre os serviços de saúde.

Dessa maneira, todo o esforço

deve ser feito no sentido de se criar

um sistema de gestão que se deno-

mina de ‘alta responsabilidade’, no

qual todos prestam contas de suas

atividades no sentido de dar maior

visibilidade à gestão da unidade.

Não é preciso muito esforço para

compreendermos o quanto tal siste-

ma de gestão é facilitador do pro-

cesso de controle social e, no entan-

to, o quanto a maneira como é feita

a gestão hoje é dificultadora (senão

impeditiva) de qualquer controle por

parte dos usuários... Não há ‘con-

trole’ possível sobre organizações

‘opacas’, verticais, que não explici-

tam suas metas e seus critérios de

qualidade e nas quais não existe res-

ponsabilização pelos atos individu-

ais e de equipe.

É necessário recolocar o papel

do médico dentro da equipe de saú-

de. Tomando como princípio que a

autonomia é uma característica in-

dissociável do trabalho médico e que

a própria qualidade final do atendi-

mento depende, em grande medida,

da radicalidade com que essa auto-

nomia é assumida e exercida, cabe-

nos então pensar se e em que grau

esta autonomia poderá se submeter

a alguma forma de controle social

e, até por proximidade, por parte da

equipe. Ou, colocado de outra ma-

neira, será que é possível um certo

deslocamento da ‘lealdade’ dos mé-

dicos para com a profissão no senti-

do de uma maior ‘lealdade’ com a

sua equipe e com a organização?

Com certeza, é possível norma-

lizar o trabalho médico dentro de

duas lógicas:

– a primeira poderia ser chama-

da da ‘lógica da corporação’ ou in-

terna. Sua tradução mais clara seri-

mento dos prontuários e demais im-

pressos, de acordo com as normas

da organização ao cumprimento de

todas as normas e rotinas que são

afetas a toda a equipe, incluindo o

médico (horários de visita e pres-

crição, contato com os familiares,

agendamento do uso do centro ci-

rúrgico, cuidados de controle da in-

fecção hospitalar e assim sucessi-

vamente). É possível, mesmo res-

peitando a autonomia do trabalho

médico, normalizar sua prática pro-

fissional tendo em conta tanto as

regras da corporação como os inte-

resses da instituição.

A normalização do trabalho mé-

dico, seguindo as duas lógicas, mes-

mo com toda a radicalidade, não fere

a autonomia de sua prática profissi-

onal. Mesmo que aqui se introduzam

mecanismos de ‘controle’ que podem

ser uma arma muito eficaz para a

melhoria dos serviços. É claro que

os mecanismos de controle, em uma

e outra lógica, são diferenciados. No

caso da segunda, o controle será

exercido em nível da equipe e da ge-

rência da unidade. No caso da pri-

meira, o controle ainda é muito in-

terno à corporação, embora hoje já

exista algum consenso, inclusive

entre entidades médicas, de que o

cuidado ao paciente é de responsa-

bilidade da equipe e, nesta medida,

pode e deve ser avaliado no plano

da equipe. Assim sendo, os protoco-

los de cuidados do paciente não são

mais matéria exclusiva dos médicos,

mas da equipe como um todo.

am os protocolos de cuidados com

os pacientes, consensuados entre os

profissionais que atuam em mesmas

áreas assistenciais. Aqui, o critério

é o da eficácia da intervenção, base-

ada nos avanços diagnósticos e te-

rapêuticos que o conhecimento mé-

dico propicia;

– a segunda seria a ‘lógica da

organização’. Sua tradução seria o

compromisso do profissional médi-

co com o processo gerencial e com

o trabalho da equipe, do preenchi-

É POSSÍVEL, MESMO RESPEITANDO

A AUTONOMIA DO TRABALHO

MÉDICO, NORMALIZAR SUA PRÁTICA

PROFISSIONAL TENDO EM CONTA

TANTO AS REGRAS DA CORPORAÇÃO

COMO OS INTERESSES DA INSTITUIÇÃO.

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CECILIO, L. C. de O.

36 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 30-36, set./dez. 1999

É necessário trabalhar, inten-

samente, com instrumentos de ava-

liação do desempenho das equipes,

que sejam uma tradução a mais fiel

possível tanto dos objetivos e me-

tas propostos, quanto do que se

supõe serem determinados padrão

de excelência para as várias áreas,

em especial nas assistenciais. É o

aspecto da ‘ciência’, em contraposi-

ção à idéia de simples ‘opinião’ dos

‘leigos’, conforme discutido anteri-

ormente. Essas planilhas de avali-

ação, construídas e consensuadas

pelos técnicos, representam instru-

mentos potentes de ‘decodificação’

do saber dos profissionais de saú-

de, colocando-o mais próximo e

acessível ao usuário. Só é possível

algum controle sobre um objeto se

for possível conhecer este objeto.

Como exemplo de esforço prático

nesta direção, podem ser citadas as

experiências da Secretaria Munici-

pal de Saúde de Piracicaba (SP) e

do Hospital Municipal de Volta Re-

donda (RJ), nos quais foram cons-

truídas planilhas de avaliação com

intensa participação dos trabalha-

dores e utilizadas tanto para o pa-

gamento de gratificação por desem-

penho como instrumento para faci-

litar o acompanhamento da perfor-

mance dos serviços pelos usuários

(Cecilio, 1997 & Cecilio, 1997). No

primeiro caso, por exemplo, o pro-

cesso de aplicação das planilhas, na

medida em que foi sendo aperfeiço-

ado, passou a envolver, de forma

progressiva os conselhos gestores

locais, que passaram a participar,

de forma direta, do processo avali-

atório. Pela lógica da construção da

planilha de avaliação, era possível

aos representantes da comunidade

ter acesso a informações estratégi-

cas sobre a qualidade de algumas

ações desenvolvidas pela unidade de

saúde, tais como os principais gru-

pos de risco trabalhados e as cober-

turas alcançadas, o grau de utiliza-

ção dos recursos existentes, através

da produtividade dos vários profis-

sionais, em particular dos médicos

e dos dentistas, além de outras in-

formações como os horários de aten-

dimento, a oferta de ações possíveis

e necessárias, entre outros aspectos.

A construção de indicadores de saú-

de pode facilitar o controle dos usu-

ários, melhorando a informação dis-

ponível para os conselhos gestores.

As ‘caixas-pretas’, que são ser-

viços de saúde, precisam ser, de al-

guma maneira, abertas para o con-

trole da sociedade. E esta concepção,

ou este ‘projeto’ não é consensual

entre os atores que estão no interior

das organizações. Tem sido muito

cômodo nos protegermos sob o man-

to seguro do ‘sigilo profissional’.

Darmos algum passo na direção de

tornarmos as práticas institucionais

em saúde mais transparentes, real-

mente mais ‘controladas’ pelos usu-

ários, não será tarefa fácil, conquan-

to fundamental tanto para a melho-

ria do funcionamento dos serviços,

quanto para a construção de um País

mais justo e democrático.

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Algumas Considerações Sobre o Controle Social no SUS

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999 37

ARTIGO

Algumas considerações sobre o controle social no SUS:

usuários ou consumidores?

Some considerations concerning social control in the H.S.S.: users or consumers?

1 Doutorando em Saúde Coletiva, DMPS/

FCM/Unicamp, médico-sanitarista, diretor

de saúde SMS, Vinhedo.

2 Enfermeira, coordenadora da Vigilância

Epidemiológica da Fundação Municipal de

Saúde, Rio Claro.

3 Doutoranda em Saúde Coletiva DMPS/

FCM/Unicamp, assistente social, CRP/INSS,

Campinas.

Geovani Gurgel Aciole da Silva1

Maria Vitoria Real Mendes Egydio2

Martha Coelho de Souza3

RESUMO

O processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) no plano

constitucional e legal tem-se concretizado através de uma concepção de Estado

ampliado e democrático; no entanto, uma concepção antagônica a de Estado mínimo

tem norteado as Normas Operacionais Básicas (NOBs), instrumento de

operacionalização do SUS. Esse processo, focalizado sobre um dos pilares do SUS

que é o controle social, mostra a disputa estabelecida nesse âmbito: a ênfase na

cidadania versus a aposta no mercado; isso conduz, necessariamente, a uma

reflexão sobre o que queremos ser: ‘usuários ou consumidores?’

PALAVRAS-CHAVE: controle social; usuário; consumidor; participação popular.

ABSTRACT

The Health Single System (H.S.S.) implementation process at constitutional

and legal level has occurred under the conception of an amplified and democratic

State. On the other hand the Basic Operating Norms, which are the H.S.S. operating

instrument, have been guided by an antagonistic conception: the one of a minimum

State. This process is focused on social control, one of the H.S.S. pillars and it

shows the established dispute: the emphasis on citizenship against the bet on the

market. This leads necessarily to a reflection concerning what would we like to be:

system users or system consumers?

KEY WORDS: sssssocial control; system users; system consumers; popular participation.

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SILVA, G. G. A. da; EGYDIO, M. V. R. M. & SOUZA, M. C. de

38 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999

ESPECIFICAMENTE NO SETOR SAÚDE,

OS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE REFORMA

SANITÁRIA CONSTRUÍRAM UM DESENHO

DE ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PAUTADO

PELO PLURALISMO, PELA DESCENTRALIZAÇÃO

VIA MUNICIPALIZAÇÃO E PELO CONTROLE

SOCIAL VIA PARTICIPAÇÃO POPULAR.

INTRODUÇÃO

O que queremos comentar neste

espaço, e também levantar algumas

questões acerca do assunto para se-

rem debatidas, é a existência de um

fosso entre o sucesso do movimento

de Reforma Sanitária em ter logra-

do obter a definição constitucional e

legal do Sistema Único de Saúde

(SUS), mas ainda enfrentar muito

timidamente os percalços e obstácu-

los à sua operacionalização e efeti-

va implantação. Para tanto, focali-

zaremos nosso olhar sobre um dos

pilares do SUS que é o do controle

social como diretriz, já instituciona-

lizada, e utilizaremos as categorias

‘usuários’ e ‘consumidores’ como

analisadores deste processo.

Processo olhado pela perspecti-

va que coloca de um lado a constru-

ção constitucional e legal, dentro de

uma concepção de Estado ampliado

e democrático, e de outro, as suces-

sivas Normas Operacionais Básicas

(NOBs), instrumento de operaciona-

lização do SUS, dentro de uma con-

cepção antagônica, a de Estado mí-

nimo; ou seja, a ênfase na cidada-

nia, versus a aposta no mercado, o

que conduz a outra reflexão: quere-

mos ser usuários ou consumidores?

A resposta a esta questão passa

antes por explicitarmos, que aqui to-

maremos usuários, não no sentido

literal de quem usa alguma coisa ou

serviço, mas como sinônimo de cida-

dão, que pode lutar por algo, se mo-

bilizar, se organizar para definir o que

quer e como quer as políticas soci-

ais, exercendo, portanto, verdadeiro

controle social, enquanto que estare-

mos tomando a categoria consumi-

dor como aquele que se submete às

regras de mercado, em relações soci-

ais despolitizadas, presas à lógica

mercantilista e particularista.

Já ‘participação popular’ é aqui

entendida como se referindo aos ca-

nais institucionais de participação na

gestão governamental, com a pre-

sença de novos sujeitos coletivos nos

sociais e pela emergência de mo-

vimentos de reorganização da so-

ciedade civil, logrou obter não só

o fim das ditaduras militares na

América Latina em especial, como,

no caso do Brasil, inscrever na

constituição de 1988 avanços con-

sideráveis na área de políticas so-

ciais e de democratização do Esta-

do. Avanços ainda não de todo con-

solidados e já ameaçados pela in-

flexão neo-liberal, iniciada com o

governo Collor de Melo e que con-

tinua no governo do sociólogo Fer-

nando Henrique Cardoso.

Especificamente no setor saúde,

os envolvidos no processo de refor-

ma sanitária construíram um dese-

nho de organização da atenção pau-

tado pelo pluralismo, pela descen-

tralização via municipalização e

pelo controle social via participação

popular. Esse desenho trazia ainda,

no seu âmbito, uma estética de in-

clusão ancorada em princípios como

a universalidade, integralidade da

atenção e eqüidade, buscando rom-

per uma prática e uma cultura ins-

titucionalizada que sempre pautou-

se pela produção de excluídos.

A realização concreta de tal pro-

jeto implica constituir uma outra re-

lação entre Estado e Sociedade, que

passa pela democratização do pri-

meiro na medida em que o obriga a

se tomar permeável as injunções

demandadas pela segunda, uma vez

que o coloca a serviço de responder

e fomentar direitos de cidadania,

quando afirma, por exemplo, a no-

processos decisórios, não se confun-

dindo com os movimentos sociais

que permanecem autônomos em re-

lação ao Estado.

O SUS É PARTICIPAÇÃO POPULAR

Coroando uma luta de pelo me-

nos trinta anos, o processo de so-

cialização da política suscitado pe-

las sucessivas crises econômicas e

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Algumas Considerações Sobre o Controle Social no SUS

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999 39

ção de “saúde como direito de todos

e dever do Estado”.

De fato, na definição de saúde

como direito, a VIII Conferência Na-

cional de Saúde, realizada em 1986,

já explicitava essa estética, como

podemos ver em alguns trechos ex-

traídos do seu Relatório Final, onde

se afirmava que:

a saúde é, antes de tudo, o resultado

das formas de organização social da

produção, as quais podem gerar gran-

des desigualdades nos níveis de vida;

a saúde define-se no contexto histó-

rico de determinada sociedade e num

dado momento do seu desenvolvimen-

to, devendo ser conquistada pela po-

pulação em suas lutas cotidianas;

o Estado deve assumir explicitamen-

te uma política de saúde conseqüente

e integrada às demais políticas sociais

e econômicas, assegurando os meios

que permitam efetivá-las. Entre outras

condições, isso será garantido median-

te o controle do processo de formula-

ção, gestão e avaliação das políticas

sociais e econômicas pela população;

desse conceito amplo de saúde e

desta noção de direito como conquis-

ta social emerge a idéia de que o ple-

no exercício do direito à saúde impli-

ca garantir ( ... ) participação da po-

pulação na organização, gestão e

controle dos serviços e ações de saú-

de; direito à liberdade, à livre organi-

zação e expressão; acesso universal

e igualitário aos serviços setoriais em

todos os níveis.

E, em sendo o Estado um espaço

privilegiado da luta social, configu-

ra-se a situação apontada por Couti-

nho (1992), para quem

onde o Estado se ‘ampliou’, as lutas

por transformações radicais travam-

se no âmbito da ‘sociedade civil’, vi-

sando à conquista do consenso da

maioria da população e orientando-se

para influir e obter espaços no seio

dos próprios aparelhos de Estado, já

que esses são agora permeáveis à ação

das forças em conflito.

Quase uma década depois, o SUS

encontra-se regulamentado e em

Vale dizer que nesse aspecto con-

cordamos com Giacomini (1991) para

quem “o generalizado atendimento à

norma nem sempre corresponderá a

organicidade social e tampouco refle-

tirá sua complexidade”, ao mesmo

tempo que advogamos que este pra-

ticar democrático, multifacetado e

processual poderá se constituir em

um dos caminhos que conduzirão à

democracia e ao exercício construti-

vo e constitutivo de cidadania, resul-

tante de lutas cotidianas que logram

alterações, seja de serviços e ações,

seja de modelos e propostas, ou mes-

mo obrigando as autoridades públi-

cas a implantar esses serviços com

qualidade e eficiência (Jacobi, 1989;

Smeke, 1989; L’abbate, 1990).

O SUS tem, , , , , portanto, uma con-

cepção, posto que se ancora na exis-

tência do controle social como nor-

ma, que compreende releituras pa-

radigmáticas do papel do Estado,

reconhecendo a necessidade da refor-

mulação de suas práticas. Empres-

ta, então, aos indivíduos que o jus-

tificam a definição de direito a saú-

de, que os qualificam como cidadãos.

Nesse sentido, outorga-lhes o com-

promisso de se organizar para am-

plificar e dar eco às suas reivindica-

ções, porém ultrapassando este li-

mite, na medida em que propõe um

‘controle’ não só fiscalizador, mas

também deliberativo e pluralista, o

que implica na construção de uma

prática que universalize o discurso

reivindicatório, ao mesmo tempo que

o submete a mediação da negocia-

“O GENERALIZADO ATENDIMENTO

À NORMA NEM SEMPRE CORRESPONDERÁ

A ORGANICIDADE SOCIAL E TAMPOUCO

REFLETIRÁ SUA COMPLEXIDADE.”

adiantado processo de implantação,

se tomarmos sob o ponto de vista

da municipalização das ações, e se

examinarmos sob o aspecto de or-

ganização e funcionamento de um

grande número de conselhos muni-

cipais de saúde, atendendo aos dis-

positivos legais das Leis nos 8.080

e 8.142. Entretanto, outros aspec-

tos fundamentais, como o do seu fi-

nanciamento continuam a sofrer de

toda sorte de entraves ou mesmo

nem chegaram a ter iniciado seu

processo de solução.

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SILVA, G. G. A. da; EGYDIO, M. V. R. M. & SOUZA, M. C. de

40 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999

ção, superando o antagonismo inter-

no aí presente, e também se conta-

minando com outros discursos, como

o técnico, podendo resultar e tendo

como objetivo a formação do que

Berlinguer denominou de “consciên-

cia sanitária” (Silva, 1996).

Portanto, a participação popular

é a possibilidade de se estabelecer

democraticamente as regras, as nor-

mas, os modos de viver; é a produ-

ção das ‘necessidades’ da vida por

seus próprios protagonistas. É bus-

car a reforma do Estado, sua demo-

cratização, pela descentralização de

suas instâncias decisórias e pelo re-

conhecimento do poder político dos

movimentos sociais, rompendo com

o verticalismo e burocratismo que

aquele classicamente tem. É inver-

são de prioridades ou, ainda, o es-

tabelecimento dessas conforme o in-

teresse das classes subalternas, in-

clusive. É exercício de vivências co-

letivas, do sentido de coletividade,

e da solidariedade. É, acima de tudo,

partilhar poder. É a construção de um

processo político-pedagógico de con-

quista de cidadania e de fortaleci-

mento da sociedade civil.

Dessa forma, a proposta de um

SUS ancorado na institucionalização

do controle social, via participação

cidadã, se coloca contra a tendência

reinante, que em todos os aspectos

da vida social reforça uma cultura

de competitividade e consumismo,

produzindo no imaginário cotidiano

a idéia de que é preciso ter para se

poder ser.

Há, porém, que se reconhecer

que esta posição instituinte, por-

que colocada em busca de romper

situações cristalizadas, também

enfrenta o descompasso que se ve-

rifica entre a intenção e o gesto,

menos quando se examina o espa-

ço microcotidiano onde se verifica

o desenrolar de um processo mul-

EXAMINANDO O PROCESSO DEOPERACIONALIZAÇÃO PELAS NOBs

Uma rápida examinada sobre as

três NOBs editadas durante a curta

existência do SUS pode ser bastante

ilustrativa do efeito Jekill e Hide que

acomete o sistema. De fato, a NOB/

91 editada sob os auspícios do go-

verno Collor foi a mais explícita pe-

drada sobre o SUS, na medida em

que colocou, indistintamente, servi-

ços públicos e privados, sob a condi-

ção de prestadores e estabeleceu a

ditadura da tabela de procedimentos,

absolutizando a prática centralizadora

e potencialmente corruptora do mas-

todôntico INAMPS. Nesse sentido, prio-

rizou a lógica de consumidores. Po-

rém, esse governo vetou vários arti-

gos das Leis Orgânicas do SUS, mu-

tilando-as de forma quase irrepará-

vel, uma vez que vários destes vetos

ainda não foram derrubados.

Já a NOB/93, advinda dentro do

processo de derrubada do governo

corrupto, se constituiu em importan-

te reforço e estímulo à sobrevida do

SUS, quando se tentou corrigir algu-

mas lacunas importantes surgidas

dos vetos do governo deposto, ao

mesmo tempo em que estabeleceu

passos importantes para o rompimen-

to das praticas tutelares entre União

e municípios, possibilitando espaços

para a gestão autônoma, quebrando

a ditadura da tabela e privilegiando

o interesse público na gestão, inclu-

sive financeira, do Sistema. Pelo pe-

ríodo de sua vigência, possibilitou a

concretização de um razoável núme-

tifacetado porém rico, de concreta

construção do SUS e mais quando

se olha da perspectiva das suces-

sivas normas operacionais, cujo

efeito esperado teria sido o de ca-

minharem progressivamente para

a transmutação do direito procla-

mado em direito exercido.

A PARTICIPAÇÃO POPULAR É A

POSSIBILIDADE DE SE ESTABELECER

DEMOCRATICAMENTE AS REGRAS,

AS NORMAS, OS MODOS DE VIVER;

É A PRODUÇÃO DAS ‘NECESSIDADES’ DA VIDA

POR SEUS PRÓPRIOS PROTAGONISTAS.

É, ACIMA DE TUDO, PARTILHAR PODER.

É A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO

POLÍTICO-PEDAGÓGICO DE CONQUISTA DE

CIDADANIA E DE FORTALECIMENTO

DA SOCIEDADE CIVIL.

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Algumas Considerações Sobre o Controle Social no SUS

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999 41

ro de experiências municipais que

puderam comprovar a viabilidade do

SUS, especialmente quando se aliam

vontade política, condições e instru-

mentos operacionais facilitadores e

aposta em um modelo que é uma cla-

ra cunha frente aos interesses econô-

micos e politiqueiros mesquinhos.

Quanto à NOB/96, só podemos

concordar com as críticas feitas por

Bueno & Merhy (1997), quando apon-

tam, por exemplo, que

a NOB 96, apesar de ser um importan-

te instrumento na operacionalização

do sistema, apresenta alguns equívo-

cos no seu processo de construção que

poderão retardar efetivos avanços na

qualidade da assistência e na constru-

ção de um novo modelo assistencial

que privilegie a vida e a construção da

cidadania, fere a autonomia de gestão

dos municípios ao assumir claramente

posição pelos modelos de ação progra-

mática e vigilância à saúde, privilegi-

ando no financiamento os municípios

que desenvolverem os programas de

saúde da família e de agentes comuni-

tários de saúde.

Além disso, possui nítida conso-

nância com o espirito neo-liberal do

governo que a edita, ao estabelecer

‘cestas básicas’ de procedimento, re-

servando nichos de mercado aos in-

teresses econômicos e estimulando os

municípios que aceitarem sua lógica

de financiamento, priorizadora de

intervenções periféricas, de terem um

sistema de pobres para pobres, ali-

jando o espaço público do seu papel

de gestor integral e delegando ao

mercado, deus idolatrado, a tarefa de

regular o acesso a serviços e ações

de maior complexidade. É, portanto,

uma mal disfarçada subversão aos

princípios de universalidade, integra-

lidade da atenção e construção da

participação cidadã, pois reforça a

ênfase na pratica de consumidores,

ao mesmo tempo que abre espaços

uma lógica mercantilista e particu-

larista, sob o credo da globalização.

Mais do que emprestar às NOBs

um poder superlativo, queremos res-

saltar uma situação de luta que faz

produzir uma permanente tensão,

entre a luta pela efetivação e cons-

tituição de um Sistema forte, que ca-

minhe em direção ao alcance de me-

tas de resolutividade e eficácia, tra-

vada cotidianamente por inúmeros

atores sociais em, cada vez mais,

numerosos lugares, e os encastela-

dos no interior do aparelho estatal,

que tomado a serviço dos interes-

ses ideológicos dos que o assalta-

ram, produz obstáculos e gera con-

flitos a esse cotidiano, seja retar-

dando a regulamentação legal de

princípios constitucionais, seja di-

ficultando a resolução do financia-

mento deste mesmo sistema, seja

emitindo normas em claro descom-

passo ou mal disfarçada intenção

de ir de encontro aos princípios ima-

nentes de um Sistema de Saúde que

clama razões de humanidade e não

razões de economia.

Configura-se uma luta,

o centro da luta está na guerra de ‘po-

sições’, na conquista paulatina de es-

paços no interior da ‘sociedade civil’

e, através e a partir dela, no próprio

seio do Estado. Obrigado a negociar

para obter legitimidade, o Estado ca-

pitalista ampliado – a depender da cor-

relação de forças na ‘sociedade civil’ –

pode atender a importantes reivindi-

cações das massas trabalhadoras e or-

ganizadas. (Coutinho, 1992:36-3 7)

MAIS DO QUE EMPRESTAR ÀS NOBS

UM PODER SUPERLATIVO, QUEREMOS

RESSALTAR UMA SITUAÇÃO DE LUTA QUE

FAZ PRODUZIR UMA PERMANENTE TENSÃO,

ENTRE A LUTA PELA EFETIVAÇÃO E

CONSTITUIÇÃO DE UM SISTEMA FORTE,

QUE CAMINHE EM DIREÇÃO AO ALCANCE

DE METAS DE RESOLUTIVIDADE E

EFICÁCIA, TRAVADA COTIDIANAMENTE

POR INÚMEROS ATORES SOCIAIS.

perigosos para a retomada de ações

geradoras de exclusão.

Esses avanços do projeto neo-li-

beral de uma sociedade regida pe-

las leis de mercado, livre de formas

de controles políticos, ameaça não

só as políticas sociais como também

os avanços na democratização do

Estado, favorecendo relações sociais

despolitizadas, de consumidores em

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SILVA, G. G. A. da; EGYDIO, M. V. R. M. & SOUZA, M. C. de

42 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 37-42, set./dez. 1999

CONCLUSÃO

Uma das saídas para o enfrenta-

mento a esta situação passa, no nos-

so entender, pelo que aponta Cam-

pos ao afirmar que

não há como fugir ao fato de que o

fator determinante para o sucesso da

Reforma Sanitária Brasileira é de na-

tureza política. 0 elemento decisivo

para esta vitória é a consolidação de

um bloco de forças sociais, capaz de

construir uma nova proposta de or-

denação dos modos de vida e de aten-

ção à saúde e de, ao mesmo tempo,

difundi-la, transformando-a em sen-

so comum, até o ponto em que ve-

nha a substituir o antigo modo de

prestação de serviços de saúde e a

consciência sanitária dos brasileiros.

Apostamos, portanto, na dinami-

cidade das relações sociais, ainda que

conflituosas, entre gestores, trabalha-

dores da saúde e sociedade civil, aqui

dita usuária, para elaborar uma al-

ternativa de construção do SUS, fazen-

do frente aos entraves operacionais

apontados, o que significa fazer, tam-

bém, um chamamento àqueles atores

sociais que, ocupando espaços insti-

tucionais, podem dar passos mais lar-

gos no processo, novamente, como

quer Campos, adotando

uma nova postura, mais afirmativa, no

sentido de, a partir das contradições

decorrentes da atual política de saúde

e de suas denúncias, construir-se um

projeto alternativo de práticas médico-

sanitárias capazes de galvanizar, ao

mesmo tempo, o interesse de trabalha-

dores de saúde e dos usuários, seja atra-

vés de seus sindicatos, movimentos ur-

banos, associações de consumidores ou

até enquanto opinião pública.

Ou seja, “necessitamos de um pro-

jeto estruturado e capaz tanto de aglu-

tinar forças potencialmente excluídas

do poder, como de estar sempre aber-

to a novas estruturações, através da

dinâmica decorrente da incorporação

de novos segmentos sociais e do em-

bate com o modelo conservador”.

Ainda que pareça para alguns uma

posição utópica, acreditamos firme-

mente que esta construção ‘externa’

do SUS passa pelo praticar a aproxi-

mação, a vivência e a contaminação

com a fala do ‘outro’, enquanto usuá-

rio, dada como parte do processo de

aproximação da realidade sob a qual

se quer intervir e atuar, na medida

em que esta prática é elemento im-

portante e fundamental para alimen-

tar mudanças e avanços ‘internos’,

além de se constituir em fonte de ali-

anças que possam fortalecer e corpo-

rificar uma cultura solidária que faça

frente aos valores quase hegemôni-

cos, hoje prevalentes, que reforçam

posturas individualistas e sectárias,

portanto, de consumidores.

Lutar por esta utopia, é lutar por

uma sociedade mais justa, porque

equânime!

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Avaliação e Planejamento Local

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 43

ARTIGO

Avaliação e planejamento local: perspectivas gerenciais no âmbitodos distritos sanitários

Local evaluation and planning: management perspectives covering health districts

Serafim Barbosa Santos Filho1

Sandra Maria Byrro Costa2

1 Médico-Sanitarista, mestre em Saúde

Pública/Epidemiologia/UFMG, técnico da

Secretaria de Saúde de Belo Horizonte.

2 Enfermeira-Sanitarista, especialista

em Desenvolvimento de Recursos

Humanos, técnica da Secretaria de

Saúde de Belo Horizonte.

RESUMO

Neste artigo foram feitas algumas reflexões acerca do processo de avaliação

de serviços de saúde, contextualizado no planejamento assistencial. Partiu-se do

acompanhamento de unidades básicas de atenção em um distrito sanitário de

Belo Horizonte, observando-se o seu funcionamento efetivo e a prática gerencial.

Simultaneamente, procedeu-se a uma revisão de literatura, tendo sido ressalta-

dos aqui os principais referenciais sobre qualidade e avaliação em saúde e as

principais limitações da prática dos serviços.

PALAVRAS-CHAVE: avaliação; qualidade; gerenciamento.

ABSTRACT

Some reflections are made in this article concerning the public health evaluation

process within health care planning. It started with the follow up of basic care

Units in a Health District of Belo Horizonte, watching its work procedures and

management practices. A literature review took place simultaneously, emphasizing

at this point the main references on quality and health evaluation and the main

limitations concerning the service practices.

KEY WORDS: evaluation; quality; management.

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FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.

44 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999

É PAPEL PRIMORDIAL DO

GESTOR LOCAL INSTITUCIONALIZAR

PRÁTICAS DE ‘PLANEJAMENTO’DE AÇÕES, TENDO POR BASE

A SUA ‘AVALIAÇÃO’ CONTÍNUA.

INTRODUÇÃO

A dinâmica dos serviços de saú-

de tem revelado cada vez mais a

complexidade de questões ‘organi-

zacionais’ que interferem na sua ca-

pacidade de ‘respostas’, o que apon-

ta para a necessidade de melhor

compreender quais alternativas po-

dem ser colocadas à disposição para

se empreender um processo avalia-

tivo que possibilite o planejamento

de ações, assegurando respostas

mais efetivas.

À medida que a experiência em

campo suscita conflitos e necessida-

de de intervenção, surgem, no entan-

to, dúvidas e questionamentos de

ordem teórico-metodológica em tor-

no da compreensão e operacionali-

zação do que é ‘qualidade’ e ‘avali-

ação’ em saúde.

Este trabalho é o registro de al-

guns conceitos e observações de cam-

po acerca dessas questões. A partir

da aproximação e inserção no âm-

bito de unidades de atenção básica,

procurou-se recuperar o seu funcio-

namento efetivo e os mecanismos

que, possivelmente, revelariam o

seu real impacto. Ao mesmo tempo,

buscou-se levantar os aspectos con-

ceituais destacados na literatura so-

bre avaliação de serviços.

Com base nesses referenciais, pro-

curou-se observar, levantar dados e,

simultaneamente, discutir alternati-

vas de análise e avaliação das ações

no nível local, colocando-se essa ne-

cessidade no contexto do ‘papel ge-

rencial’. Isto é, resgatar a concepção

de que é papel primordial do gestor

local institucionalizar práticas de ‘pla-

nejamento’ de ações, tendo por base

a sua ‘avaliação’ contínua.

Essa discussão foi facilitada pelo

desenvolvimento de um curso de ge-

renciamento de serviços,1 cuja meto-

dologia previa a capacitação de ge-

rentes no próprio campo, trabalhan-

do com as demandas de sua rotina.

Horizonte, considerando-se suas li-

mitações atuais e as perspectivas

gerenciais na sua reorganização.

Nesse sentido, o substrato para a

caracterização de situações foram

as diretrizes do Planejamento Estra-

tégico Situacional (Matus, 1988;

Matus, 1991; Rivera, 1992), referen-

cial que permeou todo o processo

de levantamento de problemas, di-

agnósticos e destaque dos principais

pontos críticos.

DEFININDO QUALIDADEE AVALIAÇÃO EM SAÚDE

Donabedian é o autor cujos estu-

dos têm sido marco referencial nas

abordagens sobre qualidade e ava-

liação. O autor distingue dois mode-

los de se abordar qualidade: o mo-

delo industrial e o modelo dos ser-

viços de saúde (Donabedian, 1993);

este adapta algumas características

do modelo industrial, e se destaca

por: contemplar a maior complexi-

dade da relação consumidores-pres-

tadores, no âmbito da saúde; colo-

car a qualidade na perspectiva dos

usuários; prever seu acesso de for-

ma igualitária e sua participação,

assegurando o controle social. A re-

lação custo-benefício está implicada,

mas o aspecto financeiro não seria

o componente definidor da qualida-

de (Donabedian et al., 1982).

1 Curso de Gerenciamento de Unidades Básicas de Saúde/Projeto Gerus/Organização Pan-Americana de Saúde/Escola de Saúde de Minas

Gerais/Secretaria de Saúde de Belo Horizonte.

Alguns dos resultados dessas

discussões serão mostrados aqui,

na seguinte estrutura: inicialmente,

será feito um apanhado sobre o que

os autores têm levantado quanto

aos aspectos conceituais da avalia-

ção de serviços de saúde; em uma

segunda parte, serão feitas refle-

xões com base nos Serviços de Saú-

de de um distrito sanitário de Belo

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Avaliação e Planejamento Local

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 45

Para o autor, qualidade em servi-

ços de saúde significa oferta de cui-

dados em conformidade com padrões

preestabelecidos de acordo com os

valores e preferências da sociedade

para quem os serviços estão dirigi-

dos (Donabedian, 1990; Donabedian,

1978; Donabedian, 1982). A qualida-

de e as normas e padrões utilizados

para caracterizá-la, isto é, o proces-

so de avaliação, devem estar relacio-

nados com o modo de vida de cada

comunidade, com os recursos dispo-

níveis e clareza de objetivos defini-

dos para a assistência.

Outros autores destacam a rele-

vância do papel dos diversos atores

sociais envolvidos no processo de

avaliação. Ou seja, este deve ser visto

na perspectiva de quem avalia, con-

siderando suas dimensões e impli-

cações técnicas e políticas. Não é um

procedimento neutro. O ato de jul-

gar, além do subsídio técnico, está

orientado por uma visão de mundo,

de modelo assistencial e dos interes-

ses e objetivos de cada ator envolvi-

do – planejador, administrador, pres-

tador direto, consumidores etc (Do-

nabedian, 1992; Acúrcio et al., 1991;

OMS, 1991; Silver, 1992; Vuori, 1991;

Fekete, 1995). Ressalta-se, assim, a

dimensão político-social da avalia-

ção. O conceito de qualidade e de

avaliação ficam colocados em uma

relação direta com valores e metas

do sistema de saúde contextualiza-

do em uma dada sociedade.

A noção de julgamento de valor

é uma constante na concepção de vá-

rios autores em relação ao proces-

so de avaliação (Acúrcio et al.,

1991; OMS, 1991; Silver, 1992;

Akerman & Nadanovsky, 1992;

Omran, 1990). Pressupõe-se uma

formulação de juízo baseado em

uma análise cuidadosa e crítica de

situações específicas. Portanto, é

importante tomar como base infor-

mações válidas, pertinentes e sen-

síveis, conferindo o caráter de obje-

tividade ao processo.

É um processo que tenta deter-

minar o mais sistemática e objetiva-

mente possível a relevância, efetivi-

dade e impacto das atividades, tendo

em vista seus objetivos. É uma ferra-

menta orientada para a ação e a

aprendizagem. É um processo orga-

nizativo que visa tanto melhorar as

atividades em andamento quanto

planejar o futuro e orientar a tomada

de decisões. (OMS, 1991)

Tomando-se os princípios da Re-

forma Sanitária e a Lei Orgânica da

Saúde (Silver, 1992; Conferência

Nacional de Saúde, 1986), a avalia-

ção estaria identificada aos concei-

tos de qualidade propostos, isto é,

universalização, integralidade, regi-

onalização, hierarquização e descen-

tralização dos serviços, caracterizan-

do a acessibilidade aos mesmos,

nisto se aproximando da definição

social de qualidade em Donabedian.

Quanto aos componentes do pro-

cesso de avaliação, é este mesmo

autor quem propõe três aspectos cen-

trais – estrutura, processo e resulta-

dos –, tendo por base a teoria de sis-

temas (Donabedian, 1978; Silver,

1992; Vuori, 1991; Omran, 1990;

Reis, 1990; Donabedian, 1984;

Ibrahim, 1983), também referencia-

da por outros autores. A estrutura

inclui os recursos humanos, materi-

ais e organizacionais dos serviços. O

processo é compreendido como o con-

teúdo e dinâmica dos cuidados pres-

tados, as relações interprofissionais e

com os usuários. Os resultados (output)

significam o impacto alcançado junto

QUALIDADE EM SERVIÇOS DE SAÚDE

SIGNIFICA OFERTA DE CUIDADOS EM

CONFORMIDADE COM PADRÕES

PREESTABELECIDOS DE ACORDO COM

OS VALORES E PREFERÊNCIAS DA

SOCIEDADE PARA QUEM OS SERVIÇOS

ESTÃO DIRIGIDOS.

Outra idéia básica inerente à ava-

liação está relacionada à sua finali-

dade (OMS, 1991; Silver, 1992; Vuo-

ri, 1991; Akerman & Nadanovsky,

1992; Administrative Commitee on

Coordination, 1984). A avaliação é

parte de um processo mais amplo

de gestão e “visa assegurar que a

disponibilidade dos recursos neces-

sários, o trabalho realizado e os re-

sultados esperados desenvolvam-se

segundo o plano preestabelecido”.

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FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.

46 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999

aos indivíduos e grupos em termos

de melhoria de sua situação de saú-

de e bem-estar, incluindo sua satis-

fação com os serviços. Há, necessa-

riamente, uma inter-relação entre os

três aspectos, sendo que espera-se

impacto mais contundente mediante

estrutura e processo adequadamen-

te organizados.

De outro modo, Hennigan et al.

distinguem três tipos de processos

avaliativos: a investigação avalia-

tiva, a investigação básica e a ava-

liação geral (Hennigan, et al., s.n.t.).

As duas últimas constituem pré-re-

quisitos para a investigação avalia-

tiva, entendida como o emprego de

métodos científicos, objetivando de-

finir associações causais ou outras

sobre a eficácia de serviços, equiva-

lendo-se qualitativamente à avalia-

ção de processo ou de resultados.

Apesar de serem multifacetadas

as visões e os conceitos de qualida-

de, com base nessas linhas metodo-

lógicas são propostos elementos que

facilitam a aproximação ao objeto a

ser estudado, possibilitando uma

análise sistemática. Donabedian de-

fine seis componentes fundamentais

desse processo, considerados como

“atributos” da qualidade (Donabedi-

an, 1992). São eles: eficácia, eficiên-

cia, otimização, aceitabilidade, legi-

timidade e eqüidade. A ‘eficácia’ está

relacionada ao alcance dos cuidados

propostos, isto é, a possibilidade de

realização daquilo estabelecido como

meta, levando-se em conta o conhe-

cimento e a tecnologia disponíveis –

o que efetivamente se realiza. A ‘efi-

ciência’ diz respeito à relação custo-

benefício, em que se pretendem me-

lhores resultados com os mais bai-

xos custos possíveis. Também im-

plicada na relação custo-benefício

está a propriedade de ‘otimização’;

por ela verificam-se quais os efeitos

resultantes de um serviço de saúde

e quais os benefícios financeiros des-

ses efeitos (caracterização do inves-

timento realizado) em relação aos

população, daí sua relação com a

acessibilidade. A ‘legitimidade’ se-

ria a conformidade dos serviços pres-

tados com o modo de vida do grupo

ou dos indivíduos, expresso em ter-

mos de princípios éticos, valores,

normas, leis e regulamentos própri-

os do grupo e indivíduos.

Essas características básicas e

outras semelhantes têm sido desta-

cadas, também, por outros autores

(Silver, 1992; Vuori, 1991; Akerman

& Nadanovsky, 1992; Omran, 1990;

Lebow, 1974), salientando diretrizes

importantes a serem consideradas,

como o princípio de flexibilidade: a

avaliação deve pressupor uma fle-

xibilidade, no sentido de incorporar

e adequar técnicas e variáveis perti-

nentes (Silver, 1992; Omran, 1990).

Definidos os atributos a serem

considerados de relevância para a

situação a ser analisada, o plane-

jamento da avaliação deve-se ori-

entar por passos fundamentais,

quais sejam: definição clara do ob-

jeto e fenômenos a serem avalia-

dos, de acordo com o que se quer

priorizar e escolha dos critérios e

indicadores representativos, procu-

rando cercar-se de informações so-

bre o alvo de atenção (Donabedi-

an, 1992; OMS, 1991).

Sobre os critérios e indicadores,

Donabedian (1992) ressalta a neces-

sidade de delinearem-se adequada-

mente as bases que subsidiam a de-

finição dos mesmos, seu caráter “im-

plícito e explícito” na visão dos dife-

rentes atores envolvidos na avalia-

custos do investimento. A ‘aceitabi-

lidade’ é definida na dependência dos

seguintes fatores: o acesso dos usu-

ários aos serviços; a relação estabe-

lecida entre os profissionais e os

usuários; o conforto e a comodidade

dos serviços; as preferências e con-

siderações dos usuários, ressaltan-

do-se sua satisfação com os resulta-

dos. A ‘eqüidade’ é definida como a

distribuição justa dos cuidados de

saúde entre os membros de uma

DONABEDIAN DEFINE SEIS

COMPONENTES FUNDAMENTAIS

DESSE PROCESSO, CONSIDERADOS

COMO “ATRIBUTOS” DA QUALIDADE.SÃO ELES: EFICÁCIA, EFICIÊNCIA,

OTIMIZAÇÃO, ACEITABILIDADE,LEGITIMIDADE E EQÜIDADE.

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Avaliação e Planejamento Local

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 47

ção, devendo, ainda, ser considera-

dos quanto à validade, confiabilida-

de, adaptabilidade, importância, re-

levância e praticabilidade.

Aspectos importantes a serem

ressaltados na investigação dizem

respeito à clareza que se deve ter em

relação ao impacto dos resultados

da avaliação para as próprias insti-

tuições e a continuidade do proces-

so. Ambos os pontos estão estreita-

mente vinculados a uma questão

mais ampla que pode ser colocada

do seguinte modo: ‘o que se espera

de uma avaliação e quem a deman-

da’. Esclarecida essa questão, deve-

se ter em mente que avaliar é um

processo contínuo, dinâmico e que

um dos seus objetivos é ‘propor al-

ternativas de trabalho’, resguardan-

do-se os atributos que definem a

qualificação/qualidade do serviço.

Embora haja um conhecimento

acumulado sobre avaliação em saú-

de, muitas vezes torna-se difícil a

adaptação dos modelos propostos a

realidades e sistemas mais comple-

xos. Nem sempre se dispõe de crité-

rios, indicadores e instrumentos pre-

cisos e validados de acordo com os

predicados técnico-científicos clássi-

cos. Porém, apesar da consolidação

das bases teóricas sobre avaliação

em saúde, a operacionalização dos

seus princípios conceituais não ocor-

re sem transtornos. O princípio da

flexibilidade permite adaptações às

diferentes situações, mas há dificul-

dade em se estabelecer estratégias

de adaptações.

Fekete, recorrendo a Barry (Feke-

te, 1995), faz a seguinte observação:

“se avaliar é atribuir valor, é deter-

minar se as coisas são boas ou más,

nem sempre se encontram suficien-

temente estabelecidos os critérios

pelos quais se determina este valor

e tampouco os objetivos que serão

valorizados”; muitas vezes

as avaliações, quando realizadas, pres-

tam-se muito mais a referendar as ati-

vidades previstas nos planos e legiti-

mar as ações da burocracia envolvi-

ção tradicionais. Também são conhe-

cidos os limites das abordagens es-

tatísticas sobre os dados de produ-

ção, que são insuficientes para dar

conta da realidade do serviço em

toda sua complexidade, sobretudo

com relação à organização e proces-

so de trabalho (Donabedian, 1992;

Fekete, 1995).

Técnicas qualitativas (Alves,

1991) colocam-se como alternativa

complementar aos estudos tradicio-

nais. Podem permitir abordagens

mais integrais, contextualizadas em

uma realidade mais ampla, a partir

de análises em profundidade.

Em síntese, o que se percebe, nes-

te momento, é a necessidade de se

aprofundar nos métodos disponí-

veis, utilizados racionalmente, de

acordo com sua especificidade e ca-

pacidade de auxiliar na avaliação

para uma efetiva reorganização dos

serviços e institucionalização da prá-

tica avaliativa.

DISTRITO NOROESTE: AS AÇÕES DE SAÚDENO ÂMBITO DAS UNIDADES BÁSICAS

Um dos desafios do Curso de Ge-

renciamento de Serviços Básicos

(Projeto GERUS) é fomentar no gestor

a compreensão da importância de se

conhecer e analisar a realidade em

que está inserido – dinâmica e ser-

viços oferecidos –, para que possa

reorientar sua prática, trazendo re-

sultados mais eficazes. Independen-

temente das técnicas utilizadas, tra-

TÉCNICAS QUALITATIVAS COLOCAM-SE

COMO ALTERNATIVA COMPLEMENTAR

AOS ESTUDOS TRADICIONAIS.PODEM PERMITIR ABORDAGENS MAIS

INTEGRAIS, CONTEXTUALIZADAS EM

UMA REALIDADE MAIS AMPLA, A PARTIR

DE ANÁLISES EM PROFUNDIDADE.

da, sendo predominantemente quan-

titativas, e raramente servem à retro-

alimentação do planejamento, inde-

pendente do nível de sofisticação que

apresentem.

Essas são questões que nos colo-

cam na rotina dos serviços, mostran-

do os limites e dificuldades em se

avançar na prática de avaliar servi-

ços. Estes, além de sua complexida-

de, freqüentemente não contam com

dados suficientes e representativos,

requeridos nos modelos de avalia-

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FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.

48 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999

ta-se de um processo avaliativo (to-

mado em seu real objetivo que é sub-

sidiar planos de ação).

Nesse sentido o empreendimento

iniciado no âmbito das Unidades do

Distrito Sanitário (DISANO), tratando da

importância da avaliação, pode ser

aqui analisado sob três vertentes: em

relação aos aspectos estruturais e di-

nâmica de funcionamento do servi-

ço; em relação à existência, fidelida-

de e uso efetivo das informações so-

bre as atividades realizadas e resul-

tados obtidos; e em relação aos re-

sultados propriamente ditos. Não

vamos aqui fazer uma descrição des-

ses aspectos, mas através deles pro-

curar abordar as questões de ‘impac-

to’, ‘cobertura’ e ‘satisfação’, enquan-

to componentes inerentes da ‘avalia-

ção’. Evidentemente todos esses pon-

tos tangenciam a questão complexa

e polêmica do “processo de trabalho”

em saúde (Bruno, 1994), que por ve-

zes aparecerá entremeada na análi-

se, mas sem pretender nenhum apro-

fundamento.

O Distrito Sanitário Noroeste é um

dos nove distritos sanitários de Belo

Horizonte, sendo que o seu territó-

rio coincide com a divisão do muni-

cípio em regiões político-administra-

tivas (regionais).

O processo de distritalização deu-

se a partir de 1989, quando foi inici-

ada a discussão sobre estratégias de

descentralização dos serviços de saú-

de no âmbito do município, tanto no

que concerne ao acesso da popula-

ção, quanto à sua gestão. Propôs-se

a sistematização da oferta de servi-

ços de atenção primária em uma rede

de unidades básicas (Centros de Saú-

de), que deveriam ser coordenadas

por uma gerência local. Até aquele

momento algumas unidades ligadas

ao Estado, instituições religiosas e

mesmo ao município, já prestavam

serviços de saúde à comunidade, de

forma isolada. A implantação do sis-

tema de distritos veio-se consolidan-

do com estimativas do Instituto Brasi-

leiro de Geografia e Estatística (IBGE)

a partir do censo de 1991. É também

o Distrito com maior número de uni-

dades assistenciais, compondo-se de

19 centros de saúde; duas unidades

de atenção secundária (ambulatórios

especializados) anteriormente vincu-

ladas ao antigo Instituto Nacional de

Assistência Médica da Previdência

Social (INAMPS); e unidades de apoio e

ações intermediárias, como farmácia

distrital, laboratório, esterilização e

outros. Em sua área de abrangência

situam-se, ainda, o único hospital

público municipal (Hospital Odilon

Behrens) e cinco hospitais convenia-

dos ao SUS, além de clínicas fisiote-

rápicas e outras.

Observando-se o mapeamento des-

ses serviços, pode-se concluir que há

correspondência entre sua distribui-

ção geográfica e a distribuição da

população na região. Porém, ao re-

meter-se aos mecanismos de acessi-

bilidade aos serviços, desvendam-se

situações que mostram os limites e

dificuldades de cobertura. Em termos

de configuração de áreas de abran-

gência, é relevante a constatação de

que na maior parte da região exis-

tem áreas de risco, caracterizadas de

acordo com parâmetros de saneamen-

to básico e perfil epidemiológico, sen-

do que nem sempre a população des-

sas áreas está vinculada efetivamen-

te à unidade de referência. Isso por

motivos diversos, como o difícil aces-

so geográfico, transporte insuficiente

ou inadequado, inexistência ou insu-

do, orientando-se por estratégias

previstas na operacionalização do

Sistema Único de Saúde (SUS), cen-

tradas no modelo de Vigilância à

Saúde e planejamento de serviços

por áreas de abrangência – planeja-

mento local (Mendes, 1994).

No Distrito Noroeste concentra-se

o maior percentual da população de

Belo Horizonte, correspondendo a

cerca de 400 mil habitantes, de acor-

O PROCESSO DE DISTRITALIZAÇÃO

DEU-SE A PARTIR DE 1989,QUANDO FOI INICIADA A DISCUSSÃO

SOBRE ESTRATÉGIAS DE

DESCENTRALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

DE SAÚDE NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO,TANTO NO QUE CONCERNE

AO ACESSO DA POPULAÇÃO,QUANTO À SUA GESTÃO.

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Avaliação e Planejamento Local

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 49

ficiência de atividades de acordo com

as demandas apresentadas, desco-

nhecimento do serviço, entre outros.

Isso acontece, também, com a popu-

lação dos bairros vizinhos, muitas

vezes não utilizando efetivamente os

serviços, dando uma idéia inicial da

dificuldade de avaliação da real in-

tervenção com base territorial.

Se considera-se que a parcela da

população que não está vinculada às

unidades locais deixa de ser atendi-

da em relação às suas demandas de

rotina e que, nas demandas mais

emergenciais, pode estar procuran-

do (e procura) atendimento direta-

mente na rede secundária ou terciá-

ria, constata-se a limitação dos ser-

viços quanto à sua própria cobertu-

ra. Isso se agrava na medida em que

neste momento, além da atividade

assistencial pontual, o que se procu-

ra são novas formas de trabalho, na

qual a ‘presença’ da comunidade jun-

to à unidade é importante no exercí-

cio de diversificados papéis, confi-

gurando a interação com o serviço

do ponto de vista da participação

popular e controle social. Outro agra-

vante é a constatação de que, mui-

tas vezes, o que contribui para a

unidade não ser ainda a efetiva re-

ferência para determinada área é o

total desconhecimento e desinforma-

ção da comunidade sobre a existên-

cia e modo de funcionamento daquele

serviço. Isso pode estar mostrando

a dificuldade da unidade em estabe-

lecer mecanismos eficazes de comu-

nicação com quem a utiliza.

Em relação às atividades desen-

volvidas, fatores de ordens diversas

limitam a capacidade de respostas.

Entre eles, a inadequação de recur-

sos materiais e tanto a disponibili-

dade de recursos humanos, quanto

a sua qualificação e processo de tra-

balho. A área física, em si, é um pro-

blema, mas merece ser contextuali-

zado, na medida em que já se obser-

va com clareza na rede que a resolu-

bilidade nem sempre está diretamen-

área de responsabilidade sanitária,

ponderar sobre as necessidades e

demandas reais da população e da

capacidade de atendê-las é adotar um

parâmetro fundamental na avalia-

ção. Aliado a isso, há também um

aspecto essencial a ser considerado,

que é a garantia de qualidade do

atendimento, o que está relacionado

à satisfação do usuário.

O que é a satisfação do usuário?

Qual o seu parâmetro de medida?

Quais os mecanismos de cruzamen-

to ou interpretação de informações

(respostas dos usuários e produtivi-

dade do serviço)? Com que freqüên-

cia escuta-se o usuário e como se dá

a sua acolhida? Essas são questões

centrais na ótica da participação po-

pular como componente indissociá-

vel da construção do SUS. Porém,

sabe-se da limitação na compreen-

são dessas questões, dos pontos de

vista político-ideológico, conceptual

e operacional. Como a unidade bá-

sica é o nível mais próximo, onde

devem estar ocorrendo esses levan-

tamentos, há que se ter clareza so-

bre mecanismos de assegurar infor-

mações novas e mesmo desafiado-

ras, indo além de inquéritos pontu-

ais com usuários na fila – a chama-

da ‘clientela viciada’. E é justamen-

te a partir da ‘fila de espera’ de aces-

so ao serviço que podem ser apreen-

didas as contradições na percepção

dessa clientela habitual. Na experi-

ência cotidiana depara-se com um

usuário que tem como principal de-

manda consultas médicas, reclaman-

te ligada ao tamanho e condições fí-

sicas da unidade, isto é, a esses com-

ponentes infra-estruturais. Mas além

desses aspectos, outro limitador sig-

nificativo relacionado às ações de-

senvolvidas é que as avaliações re-

alizadas (quando são realizadas) fi-

cam centradas somente nas ativida-

des oferecidas, não se analisando as

demandas gerais dos usuários.

Se pretende-se consolidar a pro-

posta de vigilância à saúde em uma

EM RELAÇÃO ÀS ATIVIDADES

DESENVOLVIDAS, FATORES DE

ORDENS DIVERSAS LIMITAM A CAPACIDADE

DE RESPOSTAS. ENTRE ELES,A INADEQUAÇÃO DE RECURSOS

MATERIAIS E TANTO A DISPONIBILIDADE

DE RECURSOS HUMANOS, QUANTO

A SUA QUALIFICAÇÃO E PROCESSO

DE TRABALHO.

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FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.

50 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999

do muito do serviço por não conse-

guir ou tardar em conseguir ‘vaga’.

No entanto, esse mesmo usuário,

quando solicitado a opinar sobre o

serviço, freqüentemente centra-se nos

pontos positivos que encontra, con-

siderando, inclusive (e talvez princi-

palmente), os vínculos afetivos es-

tabelecidos com parte dos trabalha-

dores da unidade.

Diante desse posicionamento con-

traditório, torna-se mais difícil no

âmbito dos serviços vislumbrar que

a crítica feita pelo usuário estende-se

a todo o esquema de organização e

qualidade da atenção dispensada, e

não se reduz somente a um sentimen-

to de raiva ou tristeza por não obter

a vaga para consulta. Além disso,

procurar apenas absorver a deman-

da direcionada dessa clientela em um

arcabouço já previamente conforma-

do significa entrar em um círculo vi-

cioso de demanda e oferta de proce-

dimentos tradicionais, pouco se avan-

çando na mudança de modelo assis-

tencial. É assim que tem sido perce-

bida a dificuldade na implementação

de atividades que não sejam a oferta

de consultas médicas.

As situações abordadas acima

são nós críticos percebidos no dia-a-

dia do serviço, nem sendo sistema-

ticamente estimados, o que por si

mesmo traduz a ‘dificuldade de ava-

liar’, tanto os aspectos de cobertu-

ra, quanto relacionados a impacto.

Nesse sentido, parece-nos fundamen-

tal pontuar, neste momento de dis-

cussão de papel gerencial, os dois

outros aspectos, relacionados ao tra-

tamento das informações e resulta-

dos obtidos. Estes nos remetem à

observação da ‘inexistência de prá-

ticas de avaliação’ no nível local. E

uma das conseqüências disso é que,

como não há essa prática, desconsi-

dera-se ou atribui-se pouco valor ao

registro fiel dos dados de produção

do serviço e informações que subsi-

diariam a avaliação de resultados.

É freqüente remeter o problema

da dificuldade de avaliação à falta

ou inconsistência de dados e, mais

comunidade. Isso leva à coleta e re-

gistros mal notificados ou subnoti-

ficados, mesmo porque não se pro-

picia argumentação que justifique a

seriedade no manuseio dos mes-

mos. Ocorre, portanto, um círculo

vicioso, envolvendo sub-registro,

ausência de avaliação e utilização

efetiva das informações onde elas

são produzidas e onde deveriam

estar subsidiando programação.

Um outro aspecto importante é a

dificuldade no manuseio de técnicas

de avaliação e na interpretação de

resultados, atribuindo-lhes ‘sentido’

naquela realidade particular. De um

lado, há falta de instrumentalização

para lidar com informações, dando-

lhes caráter sistemático, seja do pon-

to de vista qualitativo ou quantitati-

vo; de outro, há uma visão muito

superficial e inconsistente sobre a di-

mensão qualitativa e uma ‘resistên-

cia’ em se aprender as técnicas quan-

titativas. Cabe ressaltar aqui que o

próprio sistema instituído é respon-

sável por parte dessa resistência,

uma vez que limita-se a criar e esti-

mular a criação de instrumentos de

coleta e análise baseados apenas em

produtividade, muitas vezes sem

uma lógica ordenada, informais e re-

petitivos. Chegou-se a levantar como

instrumentos do sistema de infor-

mação da instituição cerca de cem

formulários, incluídos os mais in-

formais até os mais padronizados

e informatizados.

Não obstante todos esses pontos

complexos vividos no âmbito da

UM OUTRO ASPECTO IMPORTANTE

É A DIFICULDADE NO MANUSEIO

DE TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO

E NA INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS,ATRIBUINDO-LHES ‘SENTIDO’

NAQUELA REALIDADE PARTICULAR.

freqüente ainda, remeter a falta de

dados a instâncias externas ao ser-

viço. No entanto, a maior parte dos

dados é produzida no próprio ser-

viço, mesmo porque as ações que

os geram são fundamentalmente de-

senvolvidas ali, isto é, coincidem

com o próprio serviço. O que acon-

tece, então, é a não utilização ou

subutilização desses dados no ní-

vel local, não havendo preocupação

com a consolidação preliminar, aná-

lise e discussão do seu significado

no âmbito da equipe de trabalho e

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Avaliação e Planejamento Local

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999 51

avaliação dos serviços básicos de

saúde, a existência dos mesmos ao

longo dos anos, certamente, tem tra-

zido algum grau de resposta. E isso

pode ser observado na própria mo-

vimentação em torno deles – deman-

das grandes, inquéritos pontuais

com respostas satisfatórias, adesão

a determinadas atividades etc. Po-

rém, algumas condutas iniciais tam-

bém ilustram a preocupação com

processos de avaliação e já mostram

resultados concretos em torno de

programas ou projetos. Por exemplo,

podem ser tomadas planilhas de dis-

pensação e consumo de medicamen-

tos, na sua relação entre centros de

saúde e farmácia distrital, atual-

mente subsidiando análises compa-

rativas e mostrando disponibilida-

de e racionalização do uso. Portan-

to, na percepção sobre os serviços

aparecem evidências de algum im-

pacto. Porém, este não é sistemati-

camente avaliado, observando-se

na rede atividades tradicionalmen-

te oferecidas, cuja dinâmica mais ele-

mentar, como cadastramentos, ain-

da não é padronizada.

Então, muito embora sejam vis-

lumbrados esses pontos positivos,

para efeitos de se ressaltar neste

momento a ‘avaliação no contexto do

papel gerencial’, foram salientados

os aspectos limitantes dos serviços.

Isto porque quer-se reafirmar a im-

portância da avaliação como eixo

central do planejamento de ações, cuja

implementação é uma atribuição do

gestor local, que deve se inteirar des-

se compromisso institucional e ins-

trumentalizar-se tecnicamente.

Por fim, fazer as considerações

acima significou, também, uma re-

flexão de forma mais madura em tor-

no de e envolvendo os outros níveis

institucionais da Secretaria, além do

local. Isto é, como assegurar de for-

ma sistemática a prática da avalia-

ção e planejamento dos serviços, pre-

parando-se e se disponibilizando

para acompanhar o gerente local.

locado o grande desafio de estarem

disponíveis para desencadear proces-

sos de mudança no sentido de tor-

nar as unidades básicas de atenção

como efetivas ‘portas-de-entrada’ do

sistema. E é por isso que considera-

mos pertinente pontuar a clareza que

se deve ter quanto ao papel gerenci-

al, uma vez que, no seu espectro, as

questões estão necessariamente re-

lacionadas não só a investimento

técnico, mas a projetos político-ide-

ológicos pessoais e institucionais.

Estamos tecendo tais comentári-

os porque não nos pareceu clara a

efetiva ‘assunção do papel instituci-

onal do gerente’, podendo-se obser-

var inicialmente que gerenciar limi-

tava-se à execução de algumas tare-

fas, na maior parte das vezes frag-

mentadas e assumidas fora de um

planejamento e contexto avaliativo.

Esclarecendo-se essa dimensão,

o desafio estende-se a questões de

ordem operacional. Na reorganiza-

ção dos serviços devem ser vislum-

bradas determinadas ‘estratégias

de condução do processo’, estraté-

gias estas que devem estar no âm-

bito da qualificação e potencial cri-

ativo do gerente. Para isso, preci-

sa estar apto a lidar com elemen-

tos, instrumentos e atores que ocu-

pam diferentes lugares e posições.

Nesse papel, dinâmico por excelên-

cia, alguns referenciais básicos

devem estar claros e consistentes:

o seu referencial de ‘problema’ pre-

cisa ser ampliado, alargando o

olhar sobre o conceito de saúde-do-

PAPEL GERENCIAL

A natureza complexa do proces-

so de reorganização dos serviços e

o esforço necessário ao seu empre-

endimento ressaltam bem a dimen-

são do compromisso e papel da ge-

rência em um momento de consoli-

dação da ‘descentralização’ de ações

e construção do SUS. Considerando-

se que esta é uma proposta ainda

em construção, aos gestores fica co-

A NATUREZA COMPLEXA DO PROCESSO

DE REORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

E O ESFORÇO NECESSÁRIO AO SEU

EMPREENDIMENTO RESSALTAM BEM

A DIMENSÃO DO COMPROMISSO E PAPEL

DA GERÊNCIA EM UM MOMENTO DE

CONSOLIDAÇÃO DA ‘DESCENTRALIZAÇÃO’DE AÇÕES E CONSTRUÇÃO DO SUS.

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FILHO, S. B. S. & COSTA, S. M. B.

52 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 43-53, set./dez. 1999

ença, mas ao mesmo tempo pro-

por sua operacionalização de for-

ma racional para ser efetiva; é ne-

cessário saber dos limites de sua

intervenção e governabilidade, ao

mesmo tempo em que deve ter cla-

reza sobre a inserção do serviço em

uma rede mais complexa e mesmo

em uma sociedade complexa – re-

conhecer a dimensão histórica e

social do homem e das instituições;

é preciso perder preconceitos em

relação à utilização de certas me-

todologias, procurando dominá-

las, inclusive para ser legítimo em

seu uso e críticas, ousando na bus-

ca de alternativas metodológicas

que ajudem a detectar problemas e

agir; é preciso contemplar ‘o ou-

tro’ (os atores) em sua dinâmica de

ação, entendendo-o nos seus diver-

sos tempos e níveis de demanda e

barganha, estabelecendo processos

de negociação claros e seguros. En-

fim, o ‘novo’ gerente, que já atua

arbitraria e esporadicamente nes-

sas bases, precisa consolidá-las de

forma a tornarem-se parâmetros e

critérios de programação habituais

na rotina das unidades. Ressalta-

se aqui a necessidade de manusear

e fazer o tratamento de dados no

próprio nível local, avaliando-se

desde sua coleta até as ações que

podem ser subsidiadas com sua con-

solidação e análise, isto é, o seu uso

para programação. Precisa, portan-

to, ser sujeito ativo na instituciona-

lização de práticas de avaliação e

planejamento, procurando-se metas

que garantam, processualmente,

mais satisfação e maior impacto.

A revisão deste artigo foi feita

por Maria Christina Fekete, assesso-

ra de planejamento e consultora do

NESCON/UFMG, a quem os autores

manifestam seu agradecimento.

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COTTA, R. M. M. et al.

54 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999

ARTIGO

O município e a nova lógica institucional do setor saúde: umaanálise empírica do cenário local

The municipality and the new institutional logic of health policy: an empiric

analysis of the local scenario

Rosângela Minardi Mitre Cotta1

José Norberto Muníz2 ,Fábio Faria Mendes3

José Sette Cotta Filho4

1 Professora-Assistente do Departamento de

Nutrição e Saúde da Universidade Federal

de Viçosa (UFV) – MG.

Área: Políticas Sociais, Políticas

Públicas de Saúde e Planejamento e

Administração em Saúde. Mestre em

Extensão Rural (UFV) – MG.

Professora Colaboradora da Universidade

de Valencia – España.

Doutoranda em Medio Ambiente e Saúde –

Universidade de Valencia – España.

2 Professor-Titular do Departamento de

Economia Rural da Universidade Federal

de Viçosa (UFV) – MG.

Área: Geração de Tecnologia, Sociologia

do Conhecimento e Metodologia de

Pesquisa I e II. Pós-Doctor: Sociologia do

Conhecimento Científico – University of

Kentucky – EUA.

3 Professor-Assistente do Departamento de

Economia Rural da Universidade Federal

de Viçosa (UFV) – MG.

Área: Estado e Políticas Públicas e

Sociologia Política – Doutorando: Ciência

Política – Iuperj – R.J.

4 Médico dos Serviços de Saúde da Região.

RESUMO

Este estudo tem como enfoque primordial a análise da forma como a “novalógica institucional”, prevista para o setor saúde, têm sido implantada ou, pelomenos, as inovações que têm sido aplicadas na “velha lógica institucional” preva-lente das ações e serviços de saúde em nível local.

Foram aplicados questionários com a população usuária e entrevistas foramrealizadas com profissionais e gestores de saúde.

O resultado deste estudo mostra que, além das ações do serviço de saúde nãoterem sido alteradas, de curativas-individuais para coletivas-preventivas, o se-tor público também passou a priorizar as intervenções curativas. O locus deprestação de serviços curativos foi transferido do hospital privado para os pos-tos de saúde públicos.

Em conseqüência, o setor público implementou os serviços que seguem a lógicada produção-produtividade. O importante, mais uma vez, é a quantidade emdetrimento da qualidade de atendimento a população.

PALAVRAS-CHAVE: política de saúde; municipalização de saúde; gestão em saúde.

ABSTRACT

This study focuses mainly on the analysis of the implementation of a “newinstitutional logic” applied to the health sector or, at least, on the innovationsthat have been applied to the “old institutional logic” still prevailing in healthactions and services at local level.

Questionnaires were applied to the user population and interviews were madewith health professionals and managers.

The result of this study shows that besides the fact that actions in the healthservices have not changed from individual/curative to collective/preventive, the publicservices are now giving priority to curative interventions. The locus of curativeactions has been transferred from private hospitals to health units.

Therefore, the public sector implemented services that follow the production-productivity logic. The important thing, again, is quantity to the detriment ofquality in the population health care.

KEY WORDS: health politics; health municipalization; health management.

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O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 55

IDENTIFICA-SE A SAÚDE

COMO DIREITO SOCIAL

UNIVERSAL, SENDO ACIDADANIA O PRINCÍPIO

ORIENTADOR PARA AORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES

DO SETOR.

INTRODUÇÃO

Em tempos de crise, onde o Sis-

tema Único de Saúde (SUS) vive

momentos cruciais, torna-se neces-

sário analisar a real transformação

dos serviços de saúde dos municípi-

os, bem como as alterações na ofer-

ta e na demanda das diversas mo-

dalidades destas ações e serviços.

Para tal, buscou-se, neste estudo,

resgatar a experiência empírica. A

referência foi a regional de saúde de

Ponte Nova, que se situa na Zona da

Mata de Minas Gerais e é composta

por 26 municípios.

Destaca-se que o método amos-

tral utilizado para a seleção dos

municípios foi a “amostragem por

expert” (Babbie, 1983). Mais especi-

ficamente, Babbie (1983:178) ressal-

ta que: “A amostragem por ‘expert’

é selecionada, baseada no fato de

você possuir conhecimentos sobre a

população, os elementos e a nature-

za dos objetivos de sua pesquisa: em

resumo, fundamenta-se no seu jul-

gamento e nos propósitos do estudo

a ser realizado.”

Esse processo amostral permite ao

pesquisador identificar os “experts”

que possam fornecer informações

mais adequadas e relevantes para os

objetivos propostos no projeto de pes-

quisa (Warwick & Lininger, 1975).

Deve-se explicitar que essa estratégia

amostral foi também utilizada para

selecionar os atores inseridos no con-

texto de implantação e implementa-

ção do SUS a nível local, que seriam

entrevistados. Foram realizadas 49

entrevistas, destacando-se entre os

atores entrevistados os prefeitos, os

secretários municipais de saúde

(SMS), membros do Conselho Munici-

pal de Saúde (CMS), profissionais de

mediante identificação do cenário

mais abrangente e da análise da di-

nâmica das ações e dos serviços de

saúde nos municípios. Com isso,

pretende-se descrever os serviços

oferecidos pelas unidades de saúde

existentes, enfocando as dimensões,

as características e as transforma-

ções do sistema de saúde da região

em estudo. Os municípios serão de-

nominados de A, B, C e D.

Tendo como referência a incor-

poração na Constituição do concei-

to de seguridade social, expresso no

Artigo 194,1 identifica-se a saúde

como direito social universal, sen-

do a cidadania o princípio orienta-

dor para a organização das ações

do setor. Esse novo sistema de saú-

de passou a basear-se na descen-

tralização político-administrativa

da gestão, na universalização e

eqüidade da cobertura e do atendi-

mento, na reformulação do modelo

de saúde vigente e na participação

da comunidade. A proposta do Mo-

vimento Sanitário “implicava uma

nova lógica organizacional das

ações e serviços de saúde”, basea-

da na proposta contra-hegemônica

construída ao longo de quase duas

décadas (Rodrigues Neto, 1990).

Essa “nova lógica organizacional”

1 De acordo com o Artigo 194 da Constituição Brasileira (1988:120): “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo Único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade

da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e

distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – eqüidade na forma de participação no

custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da

comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.”

saúde dos serviços público e priva-

do, diretores das unidades de saúde

públicas e privadas, dentre outros.

Nesse sentido, optou-se por ca-

racterizar o sistema de saúde local

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COTTA, R. M. M. et al.

56 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999

deveria substituir a lógica prevale-

cente, isto é, aquela voltada para

as ações médico-curativas individu-

alizadas e centrada nos hospitais

privados, devendo passar a priori-

zar as atividades preventivo-coleti-

vas, privilegiando os serviços pú-

blicos de saúde.

Nota-se que essa estratégia im-

põe a combinação de conhecimen-

tos estratégicos específicos, com

uma atenção especial ao conheci-

mento local, derivado das experi-

ências dos vários atores inseridos

direta ou indiretamente no proces-

so de implementação da política

de saúde.

Este estudo, portanto, tem como

enfoque primordial, a análise da

forma como essa ‘nova lógica insti-

tucional’ tem sido implantada, ou

o que de novo tem sido aplicado na

‘velha’ lógica institucional prevale-

cente das ações e serviços de saúde

a nível local.

O SISTEMA DE SAÚDE LOCALE A IMPLANTAÇÃO DO SUS

Para a caracterização do sistema

de saúde local, levou-se em conside-

ração o porte do município (pequeno,

médio e grande), o tipo de gestão

municipal (NOB/SUS-93) em que se

encontra o município (parcial, incipi-

ente, semiplena ou não municipali-

zado), os tipos de unidades de saúde

existentes no município e os serviços

prestados por essas unidades.

Um aspecto importante a ser des-

tacado, conforme pode ser visuali-

zado no Quadro 1, é que o tipo de

gestão em que se encontra o muni-

cípio, não tem relação com o porte

nem com os aspectos demográficos

desses municípios. Na prática, os

municípios não apresentam a ten-

dência esperada de opção pela ges-

tão semiplena. Como na gestão se-

miplena o governo federal deve

transferir para o município o mon-

tante dos recursos designados e os

municípios devem assumir total-

mente o gerenciamento das ações e

dos serviços de saúde, o que se ob-

serva é que os municípios não se

têm empenhado para passar para a

gestão semiplena, pelo contrário.

De acordo com os gestores entrevis-

tados, “o governo federal não é con-

fiável”. Um dos secretários munici-

pais de saúde afirma que as prefei-

turas não têm incentivos suficien-

tes para assumir a gestão semiple-

na, pois, dada a incerteza quanto

ao respaldo de verba pelo governo

federal, resta ao governo municipal

‘se virar’ para pagar as contas. Ao

contrário, nas formas de gestões

parcial e incipiente, o município,

assim como os prestadores priva-

dos conveniados com o SUS e al-

guns médicos dos hospitais, rece-

bem os recursos financeiros direta-

mente do governo federal. Os cus-

tos políticos de uma crise no siste-

ma são, então, deixados para o

governo federal, pois, nessas duas

formas de gestão, existe o vínculo

direto dos prestadores, públicos e

privados, com o governo federal.

Outro aspecto importante a ser

considerado refere-se à caracteriza-

ção demográfica dos municípios em

estudo. Nesse sentido, o Quadro 1

apresenta informações sobre a po-

pulação e a respectiva distribuição

por zona urbana e rural, e o tipo de

gestão municipal.

Pelo Quadro 1, verifica-se que, no

menor dos municípios, o município

A, predomina a população rural

QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1QUADRO 1 – População, distribuição por zona urbana e rural e tipo de gestão municipal.Municípios amostrados na regional de saúde de Ponte Nova, MG, 1996

Fonte: IBGE/Censo Demográfico, 1991.SUS/SES/SOS/Coordenadoria de Informação – Sistema e Controle da Municipalização, 1994.

Município A

(médio porte)

Município B

(pequeno porte)

Município C

(médio porte)

Município D

(grande porte)

População urbana 059% 018% 020% 081%

População rural 041% 082% 080% 019%

População total 100% 100% 100% 100%

Tipo de gestão Parcial Incipiente NãoMunicipalizado

Parcial

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O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 57

(82%). O mesmo acontece com um dos

municípios de médio porte, o muni-

cípio B, onde 80% da população re-

side na zona rural. No outro muni-

cípio de médio porte, município C,

a distribuição populacional quanto

a zona urbana e rural é relativamen-

te equilibrada, 59% e 41%, respecti-

vamente. Já no município de gran-

de porte, o município D, verifica-se

uma inversão, isto é, ocorre um pre-

domínio da população urbana

(81%). Com relação ao tipo de ges-

tão municipal, considera-se que a

trajetória em direção à gestão se-

miplena seria a ideal e o cami-

nho natural pelo qual deveriam pas-

sar os municípios.

Entretanto, na prática, tem-se

verificado que os gestores têm opta-

do por estágios intermediários de

gestão (Quadro 1). Dessa forma, eles

maximizam a obtenção de recursos

e minimizam as responsabilidades

(Wilson, 1973).

A análise do sistema local de saú-

de mostra que nos municípios estu-

dados, no que se refere à zona ru-

ral, não houve ampliação da rede

física, com a municipalização. Tam-

bém quanto ao atendimento médico

prestado, não houve mudanças, ou

seja, todos os postos continuam a

oferecer atendimento médico apenas

duas ou três vezes por semana, com

um número limitado de quinze con-

sultas por vez (30 a 45 consultas por

semana). Na realidade, esses pos-

tos de saúde continuam a funcionar

mediante execução de tarefas pelos

chamados ‘auxiliares de saúde’. Es-

ses ‘auxiliares de saúde’ são pesso-

as leigas da comunidade, sem qual-

quer tipo de qualificação para a exe-

cução dos serviços. Os auxiliares,

geralmente, são contratados para

tomar conta dos postos de saúde,

fazer faxina e prestar serviços como

aplicação de injeções, curativos e

campanhas de vacinação.

Nota-se, portanto, que, apesar da

implantação do SUS, a população da

zona rural continua desassistida em

bém o trabalho multiprofissional é

privilégio exclusivo das unidades de

saúde da zona urbana. Por exemplo,

no município D, pode-se supor, por-

tanto, que os 19% dos usuários resi-

dentes na zona rural precisam se des-

locar para as unidades de saúde da

zona urbana em busca de atendimento

médico, de exames laboratoriais e de

medicamentos. Neste município, são

oito as unidades de saúde localiza-

das na zona urbana. Elas são distri-

buídas da seguinte forma: um pron-

to-socorro municipal com funções se-

melhantes às dos postos de saúde,

cinco postos de saúde e dois hospi-

tais do município. Os dois hospitais

e três postos de saúde situam-se em

zonas centrais da cidade, enquanto

os outros três postos de saúde se si-

tuam em bairros da periferia.

Verifica-se que, além disso, todas

essas unidades de saúde já existiam

antes da municipalização, não haven-

do, portanto, ampliação da rede físi-

ca. As únicas alterações significati-

vas foram as novidades de atendi-

mentos oferecidos: a ampliação de

algumas especialidades médicas, a

criação dos serviços laboratoriais e

de alguns serviços especializados

como os de fisioterapia e de órtese e

prótese e a contratação de profissio-

nais de saúde não-médicos, entre es-

tes psicólogo, assistente social, nu-

tricionista, dentista e fisioterapeuta.

A reformulação administrativa ocor-

rida após a municipalização permi-

tiu, também, a especialização de al-

guns postos de saúde, em razão dos

relação à assistência médica. Além

das tarefas serem executadas por

pessoas sem treinamento para as fun-

ções, os médicos ‘visitam’ as zonas

rurais apenas duas ou três vezes por

semana, permanecendo pouco tempo

nos postos e atendendo a um número

limitado de pessoas. Além disso, não

foi implantado nenhum tipo de servi-

ço ou programa (como, por exemplo,

assistência materno-infantil, progra-

mas para grupos de risco etc), visan-

do assistir a população rural. Tam-

NA PRÁTICA, TEM-SE VERIFICADO

QUE OS GESTORES TÊM OPTADO

POR ESTÁGIOS INTERMEDIÁRIOS

DE GESTÃO. DESSA FORMA,ELES MAXIMIZAM A OBTENÇÃO

DE RECURSOS E MINIMIZAM

AS RESPONSABILIDADES.

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COTTA, R. M. M. et al.

58 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999

tipos de atendimento. Um dos pos-

tos localizados na periferia foi desti-

nado, exclusivamente, ao atendimen-

to odontológico, enquanto outro, lo-

calizado no centro, foi destinado aos

programas de ‘saúde da mulher’ (gi-

necologia e obstetrícia, saúde mater-

no-infantil, vacinação etc).

Comprova-se, ainda, que, além

do oferecimento de consultas médi-

cas, foram estabelecidos alguns pro-

gramas de saúde no município D.

Dentre esses programas encontram-

se o Programa de Prevenção e Con-

trole da Hanseníase; o Programa de

Prevenção e Controle da Tuberculo-

se; o Serviço de Vigilância Epidemi-

ológica e Sanitária; o Programa de

Assistência à Mulher e à Criança; o

Programa de Prevenção e Controle

de Diabéticos e o Programa de Pre-

venção e Controle de Hipertensos. É

importante destacar que a maioria

desses programas já existia antes da

municipalização e continuam a ser

executados da mesma forma. Esses

programas consistem em consultas

médicas e distribuição de medica-

mentos (se disponíveis) àqueles usu-

ários que procuram o serviço, não

havendo nenhum tipo de controle,

trabalho educativo ou visita domici-

liar aos usuários que estão no pro-

grama e aos que não dão continui-

dade ao tratamento. Além disso, to-

dos esses programas são executados

em postos localizados na zona ur-

bana, o que demonstra que a reali-

zação de estudos endêmicos não é

objeto de preocupação dos gestores.

O estudo endêmico é importante, pois,

além de fornecer dados quantitati-

vos e qualitativos sobre determina-

da doença, serve de subsídio para a

viabilização de trabalho de acompa-

nhamento e orientação. O estudo

endêmico poderia servir de subsídio,

também, para a adequação das

ações e serviços de saúde às reais

necessidades dos cidadãos, isto é,

deveria propiciar a implantação de

novos programas e a transferência

dos programas já existentes para as

zonas endêmicas, sejam elas rurais

ou urbanas. (Rodrigues Neto, 1992)

aspecto fundamental na implemen-

tação de programas de saúde.

No que se refere à distribuição

da rede física instalada, tanto a po-

pulação residente na zona urbana

quanto a residente na zona rural são

contempladas. Entretanto, no que diz

respeito ao tipo de assistência ofe-

recida e à quantidade e qualidade dos

serviços prestados, observou-se que

a população usuária residente nas

zonas rurais não recebe assistência

em quantidade nem em qualidade

satisfatórias, necessitando deslocar-

se para a zona urbana em busca de

atendimento médico. Apesar de te-

rem sido implantados alguns progra-

mas de saúde multiprofissionais no

município D, não ocorreram mudan-

ças na prática das ações e serviços

de saúde oferecidas pelo SUS, quan-

do comparadas com as executadas

pelo INAMPS. Assim, tanto as zonas

rurais quanto a periferia das zonas

urbanas continuam sem assistência

qualificada em nível de atendimen-

to médico e os serviços continuam

concentrados nos centros da cidade.

Outro aspecto a ser destacado é o fato

de os serviços oferecidos continua-

rem a ser do tipo individualizado-

curativo, e não, conforme pretendia

o projeto de Reforma Sanitária, co-

letivo-preventivo. Para os gestores,

o mais importante é a quantidade

de serviços prestados, em detrimen-

to da qualidade e resolubilidade des-

ses atendimentos. Continuam a va-

ler, para o SUS, as mesmas regras

do extinto INAMPS.

PARA OS GESTORES, O MAIS IMPORTANTE

É A QUANTIDADE DE SERVIÇOS PRESTADOS,EM DETRIMENTO DA QUALIDADE E

RESOLUBILIDADE DESSES ATENDIMENTOS.

Desses programas, apenas os

destinados a diabéticos e hiperten-

sos foram implantados após a mu-

nicipalização. Esses programas con-

tam, além do atendimento médico,

com atendimentos realizados por

outros profissionais como psicólo-

gos, nutricionistas e assistentes so-

ciais, embora ainda não se possa

falar em trabalho interdisciplinar,

pois as atividades têm sido executa-

das de forma isolada e individuali-

zada pelos profissionais. Apesar de

a institucionalização da administra-

ção da interdisciplinariedade ser um

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O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 59

A implantação do SUS, na região

em estudo, tem demonstrado que o

processo de descentralização não

vem sendo acompanhado, conforme

esperado pelo Movimento Sanitário,

de um real avanço na conquista da

saúde como direito universal e igua-

litário. São os efeitos não antecipa-

dos quando da idealização do SUS,

decorrentes das limitações do mode-

lo pluralista como explicação dos

fenômenos políticos (Michels, 1982).

Na prática, a descentralização tem-

se transformado em um processo de

reconcentração do poder, ditado so-

bretudo por questões econômicas.

Trata-se de um processo regido pela

lógica da recentralização e da racio-

nalidade econômica (Cohn, 1994).

Mais especificamente, Cohn (1994:10)

ressalta que:

É freqüente equiparar-se, à área da

saúde, a racionalidade e a eficiência,

entendidas ambas como aumento da

produtividade dos serviços públicos de

saúde. De fato, os critérios de repasse

dos recursos dos níveis federal e esta-

dual para os governos locais vêm sen-

do crescentemente definidos pela pro-

dução de atos médicos, perdendo-se de

vista a questão fundamental da quali-

dade e do acesso aos serviços. É por

essa via que se vem reproduzindo a

idéia de descentralização.

Deve-se destacar, porém, que a

forma como se tem implantado o SUS

nos municípios estudados não é o

‘tipo ideal de municipalização’. Nota-

se que, nesses municípios, a muni-

cipalização não veio acompa-

nhada de aumento na quantidade e

na qualidade das ações e serviços

de saúde, nem em nível curativo,

muito menos em nível preventivo.

Pelo contrário, o que os atores en-

trevistados têm destacado é que,

após a municipalização, restringiu-

se o acesso a esses serviços tanto

para as camadas carentes da popu-

lação quanto para toda a sociedade

local e regional.

Para compreender os dados apre-

sentados até então, é interessante

zação, os prefeitos contrataram um

médico que atende uma vez por se-

mana nos postos da zona rural e

três vezes por semana no posto da

zona urbana.

Observa-se que o atendimento

relativo à saúde é voltado para o

nível curativo-individual, tendo

como única atividade a oferta de con-

sultas médicas. Não foi implantado

nenhum tipo de programa de saúde,

e não há nenhuma atividade volta-

da para a promoção e prevenção da

saúde. Deve-se destacar que, apesar

desses municípios serem predomi-

nantemente rural, as ações e servi-

ços de saúde nas zonas rurais são

em qualidade e quantidade insufici-

entes, concentrando-se a assistência

médica na zona urbana.

Para completar esses aspectos da

descrição e análise dos tipos de ser-

viços prestados e caracterização do

sistema de saúde local por municí-

pios, é importante que se faça a com-

paração entre esses sistemas. Em

todos os casos analisados, nota-se,

em relação às ações e serviços de

saúde, que os recursos continuam,

mesmo após a municipalização, sen-

do destinados, basicamente, às

ações individuais e curativas, em

detrimento das ações coletivas e pre-

ventivas. Pode-se inferir, portanto,

que ainda não se instituiu, confor-

me idealizado pelo Movimento Sa-

nitário, a preconizada “nova lógica

organizacional” (Rodriguez Neto,

1990). De acordo com esse autor,

para que a “lógica organizacional”

destacar as características dos outros

municípios em estudo, as dos muni-

cípios A, B e C. Nota-se que esses

municípios assumem alguns serviços

de saúde, como, por exemplo, os pos-

tos de saúde, mas os recursos finan-

ceiros continuam a ser providos pelo

governo federal diretamente aos pres-

tadores públicos ou privados.

Os municípios A, B e C possuem

unidades de saúde, sendo postos de

saúde localizados na zona urbana

e na zona rural. Após a municipali-

APÓS A MUNICIPALIZAÇÃO,RESTRINGIU-SE O ACESSO

A ESSES SERVIÇOS TANTO PARA

AS CAMADAS CARENTES DA

POPULAÇÃO QUANTO PARA TODA

A SOCIEDADE LOCAL E REGIONAL.

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COTTA, R. M. M. et al.

60 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999

vigente seja revertida, é necessário,

em um primeiro momento, que se

faça o planejamento sanitário, levan-

do-se em consideração a realidade

sanitária do município.

Nesse sentido, um dado impor-

tante revelado nesse estudo é o fato

de o Plano Municipal de Saúde (PMS)

só existir no ‘papel’. Na realidade,

apesar de todos os municípios amos-

trados terem elaborado o PMS, ele

não tem sido utilizado como referên-

cia para o planejamento sanitário.

O que se verifica, na prática, é que

em todos os quatro municípios pes-

quisados, o PMS só foi elaborado

para cumprir exigências burocráticas

da Diretoria Regional de Saúde

(DRS), Secretaria Estadual de Saúde

(SES) e Ministério da Saúde (MS).

Segundo os gestores municipais en-

trevistados, ele não reflete a reali-

dade sanitária do município. A ela-

boração dos Planos Municipais de

Saúde (PMS) foi apenas um ato for-

mal para cumprir exigências legais

de repasse de verba. A inconsistên-

cia entre a estratégia de descentrali-

zação (fragmentação dos sistemas de

decisões) e os mecanismos de ope-

racionalização dessa estratégia evi-

dencia-se quando o SUS é colocado

em prática: a elaboração e a imple-

mentação adequadas do Plano Mu-

nicipal de Saúde dependem da capa-

cidade técnica de planejar segundo

critérios previamente estabelecidos,

o que, em municípios de pequena

escala, não estão disponíveis. A in-

coerência entre a estratégia de des-

centralização e os mecanismos en-

contrados para a operacionalização

do SUS emerge quando se identifica

que alguns desses gestores nunca

leram o PMS. Por exemplo, de acor-

do com um dos gestores municipais

entrevistados:

Nunca foi feito qualquer tipo de

programação ou planejamento. As

ações e serviços de saúde vão sendo

da Constituição Federal, os poucos

programas que foram implantados

demonstram o que Mendes (1994:27)

chamou de “entendimento reducionis-

ta da prevenção da saúde”. De acor-

do com esse autor: “Ainda prevalece

o entendimento reducionista da aten-

ção primária seletiva, especialmen-

te mediante programas de medicina

simplificada ou das estratégias de

sobrevivência de grupos de risco.”

Esse “entendimento reducionista”

pode ser visto pela forma como são

estruturados os programas de saú-

de. Com base unicamente na reali-

zação de consultas médicas e distri-

buição de medicamentos, esses pro-

gramas não são precedidos de estu-

dos de zonas endêmicas de patolo-

gias, que levem em conta os grupos

de risco da população identificados

sob critérios epidemiológicos e soci-

ais. Essa falta de planejamento da

forma de gestão com base exclusi-

vamente na “assistência espontânea

e compensatória” (SANTOS, 1994) aos

doentes tem levado à continuidade

da implantação dos programas ape-

nas nos postos de saúde da zona

urbana. Isso é confirmado em uma

das entrevistas de um profissional

responsável por um dos programas,

que comenta:

Há pouco tempo, recebemos a vi-

sita de um burocrata da SES, que dis-

se ter-se assustado bastante com o

número de pacientes que fazem he-

modiálise nessa região. Segundo esse

profissional, o índice é um dos mais

altos do estado. Outro aspecto que foi

NA REALIDADE, APESAR DE TODOS

OS MUNICÍPIOS AMOSTRADOS TEREM

ELABORADO O PMS, ELE NÃO TEM

SIDO UTILIZADO COMO REFERÊNCIA

PARA O PLANEJAMENTO SANITÁRIO.O QUE SE VERIFICA, NA PRÁTICA,

É QUE EM TODOS OS QUATRO

MUNICÍPIOS PESQUISADOS, O PMS

SÓ FOI ELABORADO PARA CUMPRIR

EXIGÊNCIAS BUROCRÁTICAS.

implantados de acordo com as necessi-

dades que vão surgindo, e conforme os

recursos disponíveis. Eu não tenho

dados que me permitam planejar, não

tenho tempo disponível para ler o Pla-

no Municipal de Saúde e não acredito

que ele possa ajudar.

No que se refere à promoção e à

prevenção da saúde, cujo princípio

está expresso no artigo 198, item II

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O Município e a Nova Lógica Institucional do Setor Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999 61

destacado por ele é o fato de ser muito

baixo o índice de morte no nosso ser-

viço, o que sugere a possibilidade de

que a hemodiálise poderia ter sido evi-

tada para alguns pacientes. A partir

dessa visita, o Secretário Municipal

de Saúde (SMS) propôs a estrutura-

ção de um serviço a nível municipal

de controle de diabetes e de hiperten-

são arterial. O objetivo desses pro-

gramas seria diminuir gastos de in-

ternação com um atendimento a ní-

vel ambulatorial.

A redução dos gastos com inter-

nação hospitalar é um dado impor-

tante e deve ser levada em conside-

ração pelo gestor municipal, mas a

implantação de programas de saú-

de não deve ter como referência prin-

cipal esse tipo de critério. A implan-

tação de programas de saúde deve

ser precedida de um estudo epide-

miológico e demográfico do municí-

pio, levando-se em consideração

dados de morbidade, de mortalida-

de e de zonas endêmicas. Esses da-

dos devem estar contemplados no

Plano Municipal de Saúde, e o ges-

tor municipal deve fazer uma pro-

gramação a curto, médio e longo

prazos das ações e serviços de saú-

de a serem implantados e implemen-

tados (Tobar, 1993). A proposição

aqui desenvolvida é que a esfera

administrativa do Plano de Saúde

deva propiciar condições e direcio-

nar as atividades a serem implanta-

das e implementadas no município.

Podem-se identificar, também,

algumas tendências. Ao descentrali-

zar as ações e serviços de saúde, as

funções que, antes, eram executadas

basicamente pelos hospitais conve-

niados com o SUS estão simples-

mente sendo transferidas para os

serviços públicos municipais. Reti-

ra-se, então, parcialmente (conforme

previsto pelo Movimento da Refor-

ma Sanitária), dos hospitais a posi-

ção central que ocupavam na aten-

ção à saúde. Esperava-se, com isso,

que fosse revertida a lógica das ações

e dos serviços de saúde prevalecen-

tes até então. Entretanto, os dados

tada e sem garantia de qualidade, des-

locando o eixo deste modelo para a as-

sistência integral universalizada e equ-

ânime, regionalizada e hierarquizada, e

para a prática da responsabilidade sa-

nitária em cada esfera do governo, em

todos os pontos do sistema.

Com relação ao trabalho multi-

profissional (que, em alguns muni-

cípios parece ter sido implantado),

verifica-se que, com a municipaliza-

ção, houve a contratação, pelo ser-

viço público, de outros profissionais

de nível superior não-médicos. Mas,

esse estudo demonstra que, apesar

dessas contratações, “ainda não se

pode falar em uma institucionaliza-

ção da administração da interdispli-

nariedade” (Japiassu, 1992). As ati-

vidades continuam a ser executadas

de forma isolada, isto é, cada pro-

fissional faz seu trabalho individu-

almente. Mais especificamente, um

dos atores destaca que:

Na época do INAMPS, a enferma-

gem não podia convocar os pacientes

para fazer acompanhamento. Com o

SUS, apesar de os médicos não traba-

lharem de forma integrada, pois eles

são contratados apenas para prestar

consultas, e por isso não têm tempo,

nós temos autonomia para fazer gru-

pos de mães e dar as devidas orienta-

ções. Também a nutricionista, a assis-

tente social, o dentista e a fisiotera-

peuta trabalham de forma isolada.

Mesmo a nível da mesma categoria

profissional, não existe integração

quando o vínculo empregatício é dife-

rente. Por exemplo, quem trabalha na

referentes à caracterização das

ações e dos serviços de saúde aqui

apresentados, descritos anterior-

mente, demonstram que isso não

vem ocorrendo. A identificação des-

ses aspectos está descrita no docu-

mento Brasil (1993:2):

O objetivo mais importante que se

pretende alcançar com a descentraliza-

ção do SUS é a completa reformulação

do modelo assistencial hoje dominante,

centrado na assistência médico-hospi-

talar individual, assistemática, fragmen-

A PROPOSIÇÃO AQUI DESENVOLVIDA

É QUE A ESFERA ADMINISTRATIVA DO

PLANO DE SAÚDE DEVA PROPICIAR

CONDIÇÕES E DIRECIONAR AS ATIVIDADES

A SEREM IMPLANTADAS EIMPLEMENTADAS NO MUNICÍPIO

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COTTA, R. M. M. et al.

62 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 54-62, set./dez. 1999

Diretoria Regional de Saúde (DRS)

não atua de forma conjunta com o

profissional da mesma categoria vin-

culado à Secretaria Municipal de Saú-

de (SMS).

Ainda com relação aos profissio-

nais de saúde de nível superior, des-

taca-se que a maioria, principalmen-

te os médicos, tem o serviço público

como atividade profissional secundá-

ria, sendo contratados para atender

um número limitado de fichas (e não

pacientes-cidadãos), geralmente entre

doze a quinze por dia. Na maioria

das vezes, a contratação do profissi-

onal ocorre de forma irregular, sem

vínculo empregatício e sem realiza-

ção de concurso público. Isso implica

oferta de serviços precários, tanto em

qualidade como em quantidade, o que

induz à inferência de que, apesar da

descentralização das ações e dos ser-

viços de saúde, a resolução do pro-

blema de saúde do paciente continua

a não ser o principal objetivo almeja-

do pelos gestores.

Por fim, cabe destacar que a ‘ló-

gica institucional’ aplicada no SUS,

parece não tender para o novo, pelo

contrário, mantém-se tão velha e

desatualizada como aquela aplica-

da na época do extinto INAMPS. É im-

prescindível, nesse momento, que

seja revisto o papel das organiza-

ções burocráticas do setor saúde

(MS, SES, DRS). Já é hora dessas ins-

tâncias passarem a exercer um pa-

pel mais ativo, transcendendo os li-

mites da fiscalização, capacitando e

assessorando as instancias locais,

tanto na formulação de Planos de

Saúde, quanto na avaliação da per-

tinência e na implantação e imple-

mentação desses planos.

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O Perfil Epidemiológico e sua Relação com o Planejamento de Ações Odontológicas

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999 63

ARTIGO

O perfil epidemiológico e sua relação com o planejamento de

ações odontológicas no Piese-Paulínia (SP)

The Epidemiologic profile and the odontologic planning programme in the

PIESE-Paulínia (SP), Brasil

1 Professor do Departamento de

Odontologia Social, FOP-Unicamp.

Coordenador dos Estágios Extramuro,

FOP-Unicamp. Universidade de Campinas,

Av. Limeira, 901 – CEP: 13414-01,

Piracicaba, SP, Brasil.

Tel: (19)430-5209/430-5278

Fax: (19)430-5218

2 Professor do Departamento de

Odontologia Social, FOP-Unicamp.

Doutorando do Curso de Pós-Graduação

em Odontologia Preventiva e Saúde

Pública, FOAraçatuba-Unesp.

Universidade de Campinas,

Av. Limeira, 901 – CEP: 13414-01,

Piracicaba, SP, Brasil.

Tel: (19)430-5209/430-5278

Fax: (19) 430-5218

3 Cirurgiões-Dentistas, Coordenadores de

Programas do Departamento de

Odontologia da Secretaria de Saúde.

Prefeitura Municipal de Paulínia,

Centro Odontológico Municipal

Tel: (19)874-5676

Antonio Carlos Pereira1

Marcelo de Castro Meneghim2

Patrícia Rodrigues Gomes3

Sonia P. Oliveira3

Júlio C. Fortunato3

Alexandre C. Brandt3

Almir A. Yassuhara3

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi relacionar o perfil epidemiológico em saúde bucal

da cidade de Paulínia e o planejamento de ações junto ao PIESE-Paulínia (Progra-

ma Integrado de Educação e Saúde Escolar). Com relação ao perfil epidemiológi-

co, observou-se que o índice CPOD caiu de 8,2 para 2,1, aos 12 anos de idade, no

período entre 1980 e 1996. O número de crianças sem necessidade de tratamento

dentário subiu de 3,6% para 27,7%, entre 1984 e 1996, enquanto o ceo diminuía,

somente em quatro anos (1993 a 1996), de 3,07 para 2,10, em crianças de três

a cinco anos de idade. Com relação à produção do PIESE, verifica-se, em dentes

permanentes, que o número de restaurações diminuiu de 6.250 para 606, e as

extrações diminuíram de 84 para 9, entre os anos de 1984 e 1996. Em virtude do

exposto, conclui-se que, em razão da mudança do perfil epidemiológico, foi pos-

sível uma reestruturação no planejamento de ações, levando, assim, a um au-

mento da cobertura populacional.

PALAVRAS-CHAVE: estágio extramuro; epidemiologia de cárie dentária; planejamento

de serviço odontológico.

ABSTRACT

The aim of this study was to identify a possible relation between epidemiologic

profile and the planning of an odontologic program for schools in Paulínia-SP. It

was verified that DMFT (12 years old) decreased 8.2 to 2.1, from 1980 to 1996.

The number of children not needing odontologic treatment increased from 3.6 to

27.7%, between 1984 and 1996. In relation to the production of PIESE (Health and

Education Program for Schools)-Paulínia, it was verified that the number of

restorations in permanent teeth decreased 6250 to 606 and extractions decreased

from 84 to 9 between 1984 and 1996. In conclusion, a change of epidemiologic

profile made it possible to increase population coverage.

KEY WORDS: dental caries epidemiology; student training program; health service

planning in odontology.

Page 67: PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO C · RESENHA Fim de século: ainda manicômios? ... autores, para o sucesso desta iniciativa. A Diretoria Nacional ... consolidação das liberdades

PEREIRA, A. C. et al.

64 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999

OS ESTÁGIOS EXTRAMURAIS NAS FACULDADES

DE ODONTOLOGIA SÃO OBRIGATÓRIOS,

DE ACORDO COM O CURRICULUM MÍNIMO

DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO E ESTÃO

AMPARADOS PELA LEI FEDERAL NO 6.494

DE 07/12/1977, PELO DECRETO FEDERAL

NO 87.497 DE 18/08/1982 E PELAS

RESOLUÇÕES NO 04 DE 03/09/1982 E 116

DE 25/08/1984 DO CONSELHO FEDERAL DE

ODONTOLOGIA (CFO).

INTRODUÇÃO

Os estágios extramurais nas Fa-

culdades de Odontologia são obriga-

tórios, de acordo com o curriculum

mínimo dos cursos de graduação e

estão amparados pela Lei Federal no

6.494 de 07/12/1977, pelo Decreto

Federal no 87.497 de 18/08/1982 e

pelas resoluções no 04 de 03/09/1982

e 116 de 25/08/1984 do Conselho

Federal de Odontologia (CFO).

Em 1975 foi iniciado um progra-

ma de integração docente-assisten-

cial com a participação de estudan-

tes do curso de graduação (7o e 8o

semestres) da Faculdade de Odonto-

logia de Piracicaba-UNICAMP, na ci-

dade de Paulínia, Estado de São Pau-

lo, distante 60 km de Piracicaba.

Esse programa foi reformulado em

1980 e, posteriormente, em 1983,

quando surgiu o Programa Integra-

do de Educação e Saúde Escolar –

PIESE – (Moreira, Tumang & Olivei-

ra, 1985). Em 1985, houve modifi-

cações no equipamento simplifica-

do utilizado e, em 1996, todos os

equipamentos foram trocados para

standard. Esse programa é realiza-

do no Centro Odontológico Munici-

pal-Paulínia (COM).

Cada estudante de odontologia é

obrigado a cumprir 80 horas por se-

mestre nesses estágios; as equipes

são constituídas de sete estagiários

por semana, que trabalham auxilia-

dos por ACDs e THDs.

Alguns artigos sobre o assunto

já foram publicados e neles são ana-

lisados os tipos de estágios, os ob-

jetivos, forma de atuação e os da-

dos de produtividade (Moreira, Tu-

mang & Oliveira, 1985; Moreira &

Oliveira, 1987; Moreira & Oliveira,

1988; Moreira, Pereira & Oliveira,

1996; Oliveira, Miranda & Moreira,

1986; Pereira & Moreira, 1992).

Porém, nos últimos anos, obser-

va-se uma mudança no perfil epide-

miológico da cidade de Paulínia e

planejamento de ações em odonto-

logia no Programa PIESE-Paulínia.

MATERIAL E MÉTODOS

Neste trabalho foram utilizados

dados do Centro Odontológico Muni-

cipal de Paulínia, em cujas instala-

ções funciona o PIESE (Programa In-

tegrado de Educação e Saúde Es-

colar, implementado por graduandos

dos 7o e 8o semestres do curso de

odontologia da Faculdade de Odon-

tologia de Piracicaba-UNICAMP.

O PIESE trabalha no sistema in-

cremental de atendimento ao esco-

lar. A população-alvo é constituída

por crianças matriculadas nas 1a e

3a séries das escolas municipais de

Paulínia. São encaminhadas, sema-

nalmente, duas classes (uma de

manhã e outra à tarde), as quais fi-

cam acomodadas em uma sala de

aula localizada dentro do COM.

A infra-estrutura do Programa

conta com dois supervisores dentis-

tas, um THD, sete ACDs, quatro fun-

cionários para esterilização, limpe-

za, recepção e merenda; além disso,

as crianças passam por exames of-

talmológico e pediátrico.

Semanalmente são encaminha-

dos sete graduandos da FOP-UNICAMP

ao PIESE, os quais trabalham a qua-

tro mãos em equipamentos standard.

O tratamento curativo é realiza-

do por quadrante e as atividades

preventivas englobam as palestras

educativas, educação individual de

técnicas de escovação, aplicação de

isso está acarretando mudanças no

planejamento das ações em odonto-

logia em nível de saúde pública, in-

cluindo o PIESE.

OBJETIVOS

Demonstrar a relação entre o per-

fil epidemiológico e as mudanças no

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O Perfil Epidemiológico e sua Relação com o Planejamento de Ações Odontológicas

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999 65

selantes ionoméricos e aplicação tó-

pica de flúor (Moreira & Oliveira,

1987; Moreira & Oliveira, 1988;

Moreira, Pereira & Oliveira, 1996;

Oliveira, Miranda & Moreira, 1986).

RESULTADOS

São apresentados, a seguir, os

dados referentes ao perfil epidemi-

ológico da cidade de Paulínia de

1980 a 1996, bem como a planilha

do número de alguns procedimen-

tos executados.

Perfil Epidemiológico

A Tabela 1 demonstra a queda do

índice CPOD, no período compreen-

dido entre 1980 e 1996, e esse índi-

ce teve uma diminuição de 74%.

Na Tabela 2 observa-se o percen-

tual de crianças sem necessidade de

tratamento, oriundas do PIESE, entre

os anos de 1984 e 1996, enquanto a

Tabela 3 apresenta o índice ceo mé-

dio e o percentual de crianças, de três

a cinco anos de idade, com necessi-

dade de tratamento.

Dados de Produção

A Tabela 4 apresenta a relação

entre o número de restaurações e

extrações de dentes permanentes e

o espaço intervalar de tempo entre

1984 e 1996.

A Tabela 5 demonstra que houve

um padrão de atendimento no PIESE,

visto a população-alvo, o sistema de

atendimento, e a capacidade produ-

TABELTABELTABELTABELTABELA 1A 1A 1A 1A 1 – Índice CPOD por componentes aos 12 anos, nos anos de 1980, 1994 e 1996 em Paulínia

* Referência: * Moreira, Pereira & Oliveira, 1996.

** Dados da Secretaria Municipal de Saúde – Paulínia.

Ano 1980* 1994* 1996**Componentes Média % Média % Média %Cariado 5,5 067,1 0,6 20,0 0,5 023,8ExtraçãoIndicada

0,4 004,9 – – – –

Extraído 0,5 006,1 – – – –Obturado 1,8 021,9 2,4 80,0 1,6 076,2CPOD 8,2 100,0 3,0 100,0 2,1 100,0

TABELTABELTABELTABELTABELA 2A 2A 2A 2A 2 – Percentuais de crianças sem necessidade de tratamento nos anos de 1984, 1987,1991, 1994 e 1996, em todas as idades, Paulínia

Ano1984 1987 1991 1994 1996

Percentual 3,6 6,8 12,9 27,2 27,7

AnoProcedimento 1984 1987 1991 1994 1996Restaurações 6250 5805 3306 879 606Extrações 84 46 46 14 9

TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4TABELA 4 – Número de Restaurações e Extrações de dentes permanentes, nos anos de 1984,1987, 1991, 1994 e 1996, PIESE-Paulínia

* Crianças das EMEIS (Escolas Municipais de Educação Infantil).** Percentual de crianças com necessidade de tratamento.

Ano1993 1994 1995 1996

ceo 03,07 02,60 02,24 02,10** CNT (%) 55,22 35,61 28,39 25,63

TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3TABELA 3 – Índice ceo médio e percentual com necessidade de tratamento, em relação a criançasentre 3 e 5 anos,***** nos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996

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PEREIRA, A. C. et al.

66 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999

tiva serem semelhantes, no período

compreendido entre 1984 e 1996.

DISCUSSÃO

A mudança no perfil epidemioló-

gico pode ser constatada se verifi-

carmos, na Tabela 1, que o índice

CPOD diminuiu cerca de 74%, vari-

ando de 8,2 a 2,1 (12 anos de ida-

de), entre 1980 e 1996, respectiva-

mente. Importante salientar que a

cidade de Paulínia já atingiu a meta

da Organização Mundial da Saúde

(OMS) para o ano 2000, ou seja,

CPOD menor ou igual a 3,0, aos 12

anos de idade e caminha a passos

largos para atingir a meta para o

ano 2010, que recomenda um CPOD

menor que 1,0, para a idade citada.

Analisou-se os componentes,

onde, em 1980, cerca de 67,1% do

índice era composto pelo componen-

te cariado e, em 1996, este percentu-

al situava-se em 23,8%, enquanto o

inverso ocorria com o componente

obturado, passando de 21,9% (1980)

para 76,2% (1996). Os componentes

extração indicada e extraído que jun-

tos somavam 11% do índice CPOD,

em 1980, praticamente são nulos nos

anos de 1994 e 1996.

Podemos citar, também, o au-

mento no número de crianças sem

nenhuma necessidade de tratamen-

to no PIESE, passando de 3,6% para

27,7%, entre 1984 e 1996, além da

diminuição do índice ceo nas crian-

ças das EMEIS (Escolas Municipais de

Educação Infantil), e o aumento no

percentual de crianças sem necessi-

dade de tratamento, passando de

45% para 75%, em apenas quatro anos

(1993 a 1996) (Tabela 3).

A queda nos índices de cárie

dentária, verificados na cidade de

Paulínia, está vinculada, principal-

mente, aos métodos preventivos

implementados em Paulínia, onde

destacamos a fluoretação das

águas de abastecimento, o aumen-

to na utilização de dentifrícios flu-

oretados e os programas preventi-

vos nas EMEIS e nas Escolas Muni-

cipais de 1o Grau. Vale destacar que

o PIESE foi o primeiro programa

odontológico estruturado, desen-

volvido nesta cidade, e as ativida-

des preventivas desenvolvidas pelo

programa são: ensino de escova-

ção; profilaxia e aplicação tópica

de flúor; selantes de fissuras; e

palestras sobre educação para a

saúde em odontologia.

Porém, essa mudança do perfil

epidemiológico tem uma estreita

relação com o planejamento de ser-

viços odontológicos. Isto é facilmen-

te observado na Tabela 4, onde o

número de restaurações dentárias

e extrações de dentes permanentes,

realizadas no PIESE, foi considera-

velmente reduzido, entre os anos

de 1984 e 1996; no ano de 1980

foram realizadas 6.250 restaura-

ções (incluindo amálgama, resina

fotopolimerizável e resina compos-

ta) e 84 extrações dentárias; e no

ano de 1996 houve uma diminui-

ção para 606 restaurações (amál-

gama de prata, restauração de re-

sina fotopolimerizável e ionômero

de vidro) e somente nove extrações.

A diminuição do número de extra-

ções de dentes permanentes, veri-

ficada principalmente a partir de

1991, ocorreu em razão da implan-

tação do serviço de endodontia ane-

xo ao PIESE.

Interessante esclarecer que a po-

pulação-alvo do PIESE foi a mesma

no período estudado, crianças de 1a

e 3a séries, atendidas em sistema

incremental, além do que o número

de tratamentos completados foi li-

geiramente aumentado, passando de

1.326 em 1984 para 1.429 em 1996.

Constata-se, também, através da

Tabela 5, que a relação Tratamento

Iniciado/Tratamento Completado

AnoTratamentos 1984 1987 1991 1994 1996Iniciado 1452 1529 1280 1397 1543Completado 1326 1459 1106 1223 1439TI/TC (%) * 91,3 95,4 86,5 87,5 93,2

TI/TC=Tratamento Iniciado/Tratamento completado

TABELA 5TABELA 5TABELA 5TABELA 5TABELA 5 – Número de tratamentos iniciados e completados e relação TI/TC, nos anos de 1984,1987, 1991, 1994 e 1996, PIESE-Paulínia

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 63-67, set./dez. 1999 67

(TI/TC) foi bastante linear, havendo

pequenas variações no período.

Diante dessa situação, começou a

ocorrer um aumento do tempo ocio-

so, sem contudo diminuir o número

de tratamentos completados, visto

haver um menor número de procedi-

mentos a serem executados, o que nos

encorajou a aumentar a população-

alvo para todas as séries do primei-

ro grau. Desse modo, duas classes

de 1a ou 3a séries são encaminhadas

por período (manhã e tarde), e estas

são atendidas de segunda à quarta-

feira, e às quintas e sextas-feiras são

encaminhadas somente crianças com

necessidade de tratamento, oriundas

das 2a ou 4a séries, acompanhadas

por uma professora da escola. Esse

foi o primeiro passo para um aumento

ainda maior da cobertura populacio-

nal do programa, baseado nas carac-

terísticas epidemiológicas vigentes na

comunidade pesquisada.

CONCLUSÃO

Baseado nos dados deste estudo,

é lícito afirmar que o perfil epidemi-

ológico é estreitamente relacionado

com o planejamento de serviços

odontológicos. Portanto, graças a

uma diminuição dos índices de cárie

(ceo e CPOD), bem como a mudança

do perfil epidemiológico, demonstra-

do principalmente pela diminuição

dos percentuais dos componentes dos

índices de cárie, surge a possibili-

dade de um aumento da cobertura

populacional, principalmente em ra-

zão de uma diminuição da demanda

operacional do PIESE-Paulínia.

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lidade. Avaliação do estágio ex-

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1(2);16-20.

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TAVEIRA, M.

68 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

ARTIGO

Controle de custos em saúde: redução a qualquer preço ouracionalização na busca da eficácia? – elementos para discussão

Health cost control: reduction at any price or rationalizing toward

efficiency? – elements for discussion

Maura Taveira1

1 Docente de Planejamento e Programação

de Serviços, Daps/Ensp/Fiocruz.

RESUMO

O texto convida à discussão sobre aspectos metodológicos e práticos relativos

à aferição dos custos nos serviços públicos de saúde.

A relevância do debate deve-se ao momento de crise que atravessamos, em que

se convive com a tendência de crescimento dos gastos na área da saúde, aliada

às restrições orçamentárias do setor público.

PALAVRAS-CHAVE: custos; racionalidade; eficiência; eficácia; gerência dos serviços

públicos de saúde.

ABSTRACT

This article proposes a discussion on the cost of Brazilian public health servi-

ces, both in its methodological and practical aspects.

The author focuses specially on one of today’s major contradictions: health

cost going up and government budgets going down.

KEY WORDS: cost; rationalization; efficiency; efficacy; management.

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Controle de Custos em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 69

A LÓGICA QUE DEVE NORTEAR

O SISTEMA É A DA SAÚDE ENÃO A LÓGICA CONTÁBIL.

1 Neste trabalho adotaremos a convenção de entender a ‘eficiência’ enquanto indicador que informa sobre a relação entre produto final/recursos

e a ‘eficácia’ como indicador que busca aferir o grau com que se atinge objetivos pré-definidos.

2 MARIO ROVERE, médico argentino, planejador em saúde.

INTRODUÇÃO

O ajuste estrutural, exigência da

nova ordem econômica e social dos

anos 90, vem provocando os mais

diversos tipos de repercussões, segun-

do a história e trajetória dos países

envolvidos. O privilegiamento de cor-

tes nas áreas de interesse social tem-

se mostrado como o lado mais polê-

mico do modelo, especialmente no

caso dos países em transição para o

desenvolvimento. A meta de redução

de custos a qualquer preço tem colo-

cado os condutores do Sistema de

Saúde diante de alternativas, às ve-

zes confusas, às vezes equivocadas

mesmo. A nova ordem nos traz o

imperativo da ‘eficientização’ dos

meios, sem no entanto responder

(pelo menos claramente) a uma ques-

tão que lhe tem óbvia anterioridade:

para atingir que fins? Considerando

que a racionalização econômica dos

meios com vistas aos fins só tem con-

sistência ‘se’ e ‘quando’ os fins per-

seguidos estão claramente definidos,

determinando os meios necessários,

pode-se dizer que a distorção hoje

observada na área da saúde é o fruto

natural da lógica contábil que vem-

se implantando e que tem orientado

algumas tentativas desastradas de

reorganização setorial. Segundo esta

lógica, ao melhor gestor de serviços

públicos de saúde deveriam ser atri-

buídos, massivamente, conhecimen-

tos próprios da contabilidade, já que

os de interesse da saúde pública se

tornariam supérfluos, desnecessári-

os mesmo. A avaliação econômico-

contábil não deve, nem pode substi-

tuir a avaliação de saúde. É consen-

so o aceite quanto ao imperativo da

racionalidade dos meios, instrumen-

talizando a gerência dos serviços pú-

blicos, mas não como tradução si-

multânea de racionamento. A expec-

tativa de êxito, em termos da me-

lhoria dos níveis de saúde pública,

JUSTIFICATIVA

O ‘modelo produtivista’ que tem

norteado as ações no setor saúde

tem-nos desafiado a tratar os servi-

ços como verdadeiras fábricas de

consultas, exames e altas hospita-

lares. Se ouvíssemos os usuários,

talvez chegássemos à conclusão de

que ao setor falta menos quantida-

de de serviços que capacidade reso-

lutiva dos mesmos. Quanto a esse

aspecto, Rovere2 constrói uma ima-

gem interessante, quando diz que o

setor saúde o faz recordar a defini-

ção de fanático (“fanática é a pessoa

que quando perde seus objetivos,

redobra os esforços”). O setor pare-

ce fanático porque, de forma prece-

dente à definição dos objetivos a

atingir, convoca à aceleração da

marcha. Em conseqüência, o que

parecia ser o paradigma da raciona-

lidade, talvez tenha-nos levado à ir-

racionalidade burocrática.

Acreditamos que na busca pela

racionalidade setorial (em que a efi-

ciência – ótica dos meios – esteja

subordinada à eficácia – ótica dos

fins), seja preciso recuperar o ‘sen-

tido do projeto setorial’. Quando se

tem um projeto é possível estabele-

cer, mais facilmente, articulações e

negociações intra-setoriais. E vale

lembrar que a negociação entre as

partes que compõem um processo

requer um novo tratamento aos pro-

blemas enfrentados, na perspectiva

de uma abordagem em que a ‘efici-

ência1 esteja subordinada à eficácia’,

rompendo, portanto, com a velha

lógica da sobreposição dos meios

em relação aos fins e ratificando, de

uma vez por todas, que a lógica que

deve nortear o Sistema é a da saúde

e não a lógica contábil.

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TAVEIRA, M.

70 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

produtivo (componentes esses que,

às vezes, estão fora de uma orga-

nização), pode provocar variações,

positivas ou negativas, quanto ao

valor final dos produtos.

Uma abordagem mais moderna

de custos (Shank & Govindarajan,

1996) pode nos trazer elementos im-

portantes para a análise da racio-

nalidade setorial. Nessa perspecti-

va de trabalho, a gestão estratégi-

ca de uma organização supõe a

combinação de algumas categorias

de análise:

1 .1 .1 .1 .1 . do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-do ‘posicionamento estra-

tégicotégicotégicotégicotégico’ no mercado:’ no mercado:’ no mercado:’ no mercado:’ no mercado: do ponto de

vista empresarial, ao fazer sua op-

ção estratégica, o gestor conside-

ra, no mínimo, duas variáveis: o

custo do produto e sua diferencia-

ção no mercado.

Aparentemente, este modelo pro-

dutivista tem-nos levado, em mai-

oria, a tentar competir pelo baixo

custo; esquecendo que, em saúde, o

barato costuma sair muito caro. Ver

tabela abaixo:

2 .2 .2 .2 .2 . da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’:da ‘cadeia de valor’: a

gestão estratégica de custos exige

um enfoque amplo, abarcando, ne-

cessariamente, o âmbito externo à

organização. Porter chamou esta

abordagem de ‘análise da cadeia de

valor’. A cadeia de valor é constitu-

ída por um conjunto de atividades

criadoras de valor, desde as fontes

de matéria-prima até a conclusão

do produto final. Essa abordagem

enfatiza a necessidade de conside-

rar o âmbito externo a uma organi-

zação: cada organização é tratada

no contexto da cadeia global de ati-

vidades geradoras de valor, da qual

uma delas é apenas parte do todo.

Esse enfoque supõe o conhecimento

de todo o processo produtivo, para

estabelecer uma avaliação criterio-

sa quanto à adequação dos seus

componentes (já que é preciso iden-

tificar a possibilidade que eles têm

de agregar ou retirar valor do pro-

duto final),ou seja, o objetivo é es-

tabelecer uma caracterização, de

caráter qualitativo e quantitativo,

3 O processo produtivo de uma organização se traduz nas funções de produção desenvolvidas e sua determinação é útil para quantificar o efeito

econômico das diretrizes políticas implementadas e analisar as possíveis alternativas.

quanto à adequação dos componen-

tes, para saber ‘quando’ e ‘quanto’

é possível alterar o valor do produ-

to final.3

A transposição deste nível de aná-

lise para o campo da saúde traz ele-

mentos relevantes, que devem servir

como eixos norteadores na conforma-

ção setorial. Aceitando que ninguém

pode fazer tudo sozinho, que é preci-

so empreender um esforço conjunto,

o conceito de ‘rede de serviços’ passa

a constituir-se em desafio estratégi-

co. Se a administração tradicional tem

trabalhado a ‘rede’ como modelo or-

ganizacional, a partir da idéia de que

as grandes empresas precisam ma-

nejar produtos relativamente unifor-

mes em lugares totalmente heterogê-

neos (exemplo, rede Mac Donalds),

Rovere nos convida a construir uma

outra possibilidade para a área da

saúde, sob o argumento de que, nes-

te caso, a homogeneização é neces-

sariamente autoritária. É uma com-

pactação autoritária da diversidade;

portanto, é preciso tentar articular he-

terogeneidades.

A ‘rede’ deve ser trabalhada como

elemento interno da concepção de

‘sistema’. O ‘sistema’ como aparato

homogeneizador e a ‘rede’, ao con-

trário, parte da assunção da hetero-

geneidade: ‘rede’ não homogeniza,

assume a heterogeneidade e permi-

te imaginar heterogeneidades orga-

nizadas (Rovere, 1998).

CUSTO

DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO ALTA BAIXA

ALTO Pode competir

(ênfase na diferenciação)

Inviável

BAIXO Ideal Pode competir

(ênfase no baixo custo)

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Controle de Custos em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 71

A idéia de ‘rede’ não é nova nas

organizações de saúde, no sentido

de que é a forma natural como já nos

articulamos. Partimos de um nível de

‘rede’ existente, ainda que não a con-

sideremos suficiente e que precisemos

incrementar suas conexões. Se o po-

der das organizações está nos seus

vínculos, é necessário enriquecer a

densidade de suas interconexões ou

vínculos setoriais.

3 .3 .3 .3 .3 . dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-dos direcionadores de cus-

to:to:to:to:to: são constituídos por aqueles ele-

mentos capazes de influir, positiva ou

negativamente, na determinação do

custo final do produto.

Sabe-se que, até certo limite, três

fatores têm relação determinante no

custo dos produtos:

o volume de produção;

o aprendizado do processo pro-

dutivo (pela redução das falhas hu-

manas);

o nível de qualidade do produto.

O aprofundamento da análise na

gestão estratégica dos custos de

uma organização pode ser feita a

partir da seleção de alguns ‘direci-

onadores estruturais’, ou seja, aque-

les que refletem ‘escolhas instituci-

onais’, tais como:

3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:3.1. a escala de produção:

este direcionador informa sobre o

grau de ‘integração horizontal’ de

uma organização. Transpondo para

a área da saúde, pode-se imaginar

que para maximizar o investimento

na instalação de um certo número de

leitos hospitalares, é preciso consi-

derar que a operacionalização dos

mesmos implicará determinado cus-

to fixo; e que este custo deverá ser

compatível com uma certa produção

potencial, de modo a justificar aque-

la aplicação de recursos. Em suma, o

nível mínimo de complexidade neces-

sário à instalação dos leitos precisa

manter uma adequada relação com a

produtividade esperada, sob pena de

incorrer em ociosidade dos recursos.

Como efeito desta análise, pode-

se perceber o sentido racionalizador

que vem orientando as organizações

e que tem-se manifestado como uma

tendência generalizada em fracionar

o escopo, estabelecendo ‘redes inte-

gradas’. Na área da saúde, é possí-

vel ver esse efeito traduzido em três

linhas de tendências:

redução no tamanho dos hos-

pitais;

integração ambulatorial-hos-

pitalar;

criação de centros de exames-

diagnóstico, conformando redes in-

tegradas de atenção à saúde.

3.2 a complexidade:3.2 a complexidade:3.2 a complexidade:3.2 a complexidade:3.2 a complexidade: este é um

direcionador de custo que propicia a

análise quanto à variedade de pro-

dutos realizados pela organização.

Em princípio, é possível dizer que

quanto maior a variedade de produ-

tos, maiores serão os custos. Isto

significa que, do ponto de vista dos

custos, é melhor reduzir a complexi-

dade. Esta diretriz complementa a

anterior e confirma o sentido racio-

nal na tendência observada em fra-

cionar escopo e reduzir a complexi-

dade nas organizações. Na área da

saúde, este aspecto só vem reforçar

a necessidade urgente de integração

e articulação entre os serviços, para

torná-los mais custo-efetivos.

SISTEMA DE CUSTOS EM SAÚDE

Diz-se que a definição do melhor

Sistema de Informações Gerenciais

3.2. o escopo3.2. o escopo3.2. o escopo3.2. o escopo3.2. o escopo: o objetivo neste

caso é aferir o grau de ‘integração

vertical’ da organização.

Seguindo com o exemplo anteri-

or, pode-se supor que na operacio-

nalização daqueles leitos serão de-

mandados vários serviços comple-

mentares (exames de raios X, pato-

logia clínica, ultra-som etc.). É pre-

ciso considerar que esses serviços,

por suas vezes, também precisam

atingir certo nível de produtividade

considerado aceitável.

SABE-SE QUE, ATÉ CERTO LIMITE,TRÊS FATORES TÊM RELAÇÃO

DETERMINANTE NO CUSTO DOS PRODUTOS:O VOLUME DE PRODUÇÃO; O APRENDIZADO

DO PROCESSO PRODUTIVO (PELA REDUÇÃO

DAS FALHAS HUMANAS) E O NÍVEL DE

QUALIDADE DO PRODUTO.

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TAVEIRA, M.

72 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

(SIG) constitui-se em parte inerente

e intrínseca ao processo de planeja-

mento, já que a função precípua do

monitoramento da intervenção pla-

nejada é a de oferecer informações

que subsidiem a gestão, identifican-

do ora os fatores que a facilitam, ora

aqueles que a restringem. Para cum-

prir adequadamente esta função, a

tarefa de acompanhamento e contro-

le, própria do planejamento, pressu-

põe a análise de uma série de variá-

veis que se articulam e complemen-

tam. Portanto, o processo de identi-

ficação e seleção daquelas informa-

ções que se fazem necessárias ao

monitoramento da ação deve ser

norteado por um ‘objetivo muito cla-

ro’, qual seja, o de ‘instrumentali-

zar a ação gerencial’.

O gestor precisa dispor de infor-

mações que lhe permitam responder

a qualquer instante sobre, no míni-

mo, dois aspectos básicos do seu

processo de condução: com que efi-

ciência os serviços vêm sendo ope-

racionalizados em seu estabeleci-

mento e qual o nível de eficácia atin-

gido pelos mesmos?

O avanço tecnológico, os custos

crescentes dos serviços de atenção

à saúde e a situação de escassez

aguda de recursos a que estão sub-

metidos os serviços públicos im-

põem aos seus dirigentes (principais

responsáveis pela condução de suas

organizações) procurar assegurar

que a utilização dos recursos exis-

tentes ocorra da forma mais racio-

nal possível, aceitando que a efici-

ência deva constituir-se em um dos

objetivos destas organizações. Isso

tem motivado uma importante de-

manda pela implantação de Siste-

ma de Apuração de Custos (SAC) nas

Unidades de Saúde, com a clara

perspectiva de complementar um

determinado elenco de informações

gerenciais necessárias ao processo

de tomada de decisões.

O SAC constitui-se em ferramenta

básica para o conhecimento, acom-

posta orçamentária do estabelecimen-

to. Em síntese, constitui-se em instru-

mento gerencial ‘facilitador’ para o

alcance da eficiência nas organizações.

METODOLOGIAS PARA APURAÇÃODE CUSTOS EM SAÚDE

Independentemente da metodolo-

gia escolhida, a implantação de qual-

quer sistema de informação sobre

custos requer o cumprimento de al-

guns pré-requisitos básicos:

1. É necessário estabelecer um

diagnóstico minucioso a respeito das

rotinas administrativas, dos insu-

mos consumidos, da mão-de-obra

utilizada, bem como dos produtos

intermediários e finais realizados

pela Unidade de Saúde. A correla-

ção entre as rotinas de trabalho, os

insumos e mão-de-obra utilizados

permitirá identificar as ‘funções de

produção’ relacionadas a cada um

dos produtos definidos.

2. É preciso identificar os ‘cen-

tros de custo’ que compõem o esta-

belecimento, entendendo como tal

um determinado espaço físico, onde

atua uma equipe de trabalho com

tarefas complementares, que conso-

mem recursos diversos para gerar

um ou mais produtos com caracte-

rísticas afins.

Do ponto de vista gerencial, pode

ser de interesse tratar a definição dos

centros de custo a partir da idéia de

estabelecer o ‘custeamento por respon-

sabilidade’. Para tal, é necessário que

panhamento e avaliação sistemática

das despesas e custos das diversas

atividades desenvolvidas pelas Uni-

dades de Saúde, representando, por-

tanto, uma significativa fonte de in-

formações para a tomada de decisão

na prática gerencial. Possibilita, por

um lado, a identificação de distorções

na estrutura das despesas e custos da

Unidade (propiciando, assim, a intro-

dução de medidas corretivas), e, por

outro, subsidia a elaboração da pro-

O GESTOR PRECISA DISPOR DE INFORMAÇÕES

QUE LHE PERMITAM RESPONDER A QUALQUER

INSTANTE SOBRE, NO MÍNIMO, DOIS

ASPECTOS BÁSICOS DO SEU PROCESSO DE

CONDUÇÃO: COM QUE EFICIÊNCIA OS

SERVIÇOS VÊM SENDO OPERACIONALIZADOS

EM SEU ESTABELECIMENTO E QUAL O NÍVEL

DE EFICÁCIA ATINGIDO PELOS MESMOS?

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Controle de Custos em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 73

se estabeleça um grupamento das ati-

vidades da organização em centros

específicos, para melhor identificar as

responsabilidades, a autoridade, as

despesas e os objetivos e metas defi-

nidos. Neste caso, a Unidade de Saú-

de deverá ser desagregada em tantos

componentes quantos sejam necessá-

rios ao cumprimento dos objetivos e

a cada componente corresponderá um

responsável pela sua gerência. A res-

ponsabilidade deverá significar tanto

a delegação de autoridade para tomar

decisões, quanto a autonomia para

realizar os gastos necessários. Portan-

to, os centros de responsabilidade de-

vem ter duas características básicas,

relacionadas com:

o plano das decisões e execu-

ção do processo produtivo;

o plano das decisões e execu-

ção das despesas necessárias.

Desta forma, o desempenho indi-

vidual poderá ser aferido tanto em

termos da produção realizada, quan-

to em relação aos gastos efetuados.

Uma vez definidos os centros de

custo da Unidade de Saúde, estes se-

rão classificados em função das ca-

racterísticas dos seus produtos finais.

Assim, os centros de custo podem ser

grupados em três grandes blocos:

centros de custo final:centros de custo final:centros de custo final:centros de custo final:centros de custo final: en-

tendendo como tal, todos aqueles se-

tores que desenvolvem atividades di-

retamente relacionadas com a conse-

cução dos objetivos finais da organi-

zação. No caso da saúde, aqui se con-

centram todos os serviços que pres-

tam atenção direta aos pacientes; tais

como os ambulatórios e enfermarias

das várias especialidades médicas.

centros de custo interme-centros de custo interme-centros de custo interme-centros de custo interme-centros de custo interme-

diário:diário:diário:diário:diário: são aqueles que executam

atividades complementares às ativi-

dades desenvolvidas nos centros de

custo final, tais como os serviços de

apoio diagnóstico e terapêutico. Em

outras situações, essas atividades po-

deriam ser consideradas como finais.

centros de custo de ativi- centros de custo de ativi- centros de custo de ativi- centros de custo de ativi- centros de custo de ativi-

dades gerais:dades gerais:dades gerais:dades gerais:dades gerais: estes são setores cu-

modo tal que se possa dispor de re-

gistros confiáveis e atualizados roti-

neiramente sobre a área física, a mão-

de-obra utilizada, a área financeira

associada aos insumos consumidos,

bem como sobre os produtos realiza-

dos, o que permitirá identificar o va-

lor acrescido em cada etapa do fluxo

de produção dos serviços de saúde.

Com a finalidade de determinar

custos a contabilidade, tradicional-

mente, tem-se utilizado de dois sis-

temas básicos de custeamento de

produtos ou serviços:

• custeamento por ordem de

produção;

• custeamento por processo.

O ‘custeamento por ordem de pro-

dução’ é um sistema no qual cada ele-

mento do custo é acumulado separa-

damente, segundo ordens específicas

de produção. Enquanto o sistema de

‘custos por processo’ trata de acumu-

lar os custos, considerando uma pro-

dução padronizada, portanto, será

aplicável àquelas situações em que

não há interesse em individualizar o

custo por unidade de produção, mas

sim o custo médio dos produtos. O

custo unitário será, assim, determi-

nado a partir da divisão do total das

despesas acumuladas num dado pro-

cesso, durante certo período de tem-

po, pelo número de unidades produ-

zidas (resultantes desse processo pro-

dutivo), no mesmo período.

Considerando a complexidade do

processo produtivo das organizações

de saúde, a opção por um sistema de

jas atividades, caracteristicamente,

nem sempre são específicas da área

da saúde, tais como almoxarifado,

lavanderia, nutrição e dietética, ad-

ministração etc. Sua principal função

é a de oferecer uma estrutura de apoio

que possibilite o adequado desenvol-

vimento das atividades dos centros

de custo final e intermediário.

3. O terceiro pressuposto básico

para a implantação de um sistema

de custos refere-se à implementação

de alguns ajustes no sistema de in-

formações da Unidade de Saúde, de

A RESPONSABILIDADE DEVERÁ

SIGNIFICAR TANTO A DELEGAÇÃO

DE AUTORIDADE PARA TOMAR DECISÕES,QUANTO A AUTONOMIA PARA REALIZAR

OS GASTOS NECESSÁRIOS.

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TAVEIRA, M.

74 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

custeamento deve ser norteada pela

idéia de que os custos serão determi-

nados para atender a um uso final

específico. Dessa forma, classicamen-

te os sistemas de custeamento utili-

zados em saúde podem ser classifi-

cados em três grandes grupos (Medi-

ci & Marques, 1996). Vale, aqui, uma

breve síntese e alguns comentários:

• sistema de custeamento por

absorção;

• sistema de custeamento por

procedimento;

• sistema de custeamento por

patologia.

Sistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorçãoSistema de custeamento por absorção

O sistema de custos por absor-

ção objetiva identificar centros de cus-

to, aos quais correspondem unidades

independentes de produção em um

estabelecimento de saúde. Para que a

produção seja realizada, cada um des-

ses centros de custo recebe insumos

vários: alguns que lhes podem ser di-

retamente atribuíveis, outros oriundos

de diferentes centros de custo da pró-

pria Unidade de Saúde e, até mesmo,

aqueles provenientes de fora do esta-

belecimento. Nesse sistema, o que se

busca identificar é quanto cada centro

de custo absorve, em valor, de outros

centros de custo, ou mesmo da área

externa à organização, para cumprir

seu processo produtivo. Desse modo,

o produto final gerado em cada centro

de custo poderá ser expresso por dois

componentes distintos: um valor que

é atribuído ao esforço produtivo do

próprio centro de custo (custo direto) e

um outro valor que será identificado

a partir do processo de absorção, con-

forme sua demanda de trabalho ex-

terno, seja de outros centros de custo

da Unidade de Saúde, seja da área

externa à organização (custo indire-

to). O somatório do valor absorvido

(custo indireto) com o que é gerado

pelo próprio centro de custo (custo di-

reto) corresponderá ao valor total

(custo final) do produto do centro de

custo em questão.

sistema de custeio por absorção uma

função básica de precedência para a

implantação de outros sistemas de

custeamento, seja para a identifica-

ção do custo por procedimento, ou

mesmo para a determinação do cus-

to por patologia.

O custo por procedimento é as-

sim chamado porque permite esta-

belecer uma associação direta com

um determinado tipo de interven-

ção em saúde, seja ela de caráter

clínico ou cirúrgico. Em algumas

situações, esses procedimentos po-

dem ser reconhecidos como produ-

tos finais dos centros de custo de-

finidos. Nesses casos, a apuração

dos seus custos torna-se relativa-

mente simples.

Esta concepção tem como pré-re-

quisito óbvio a necessária identifi-

cação e seleção daqueles procedi-

mentos com os quais se vai traba-

lhar. Uma vez estabelecida esta clas-

sificação, dever-se-á identificar a

‘função de produção’ própria a cada

procedimento definido, através do le-

vantamento de todos os seus com-

ponentes, com os respectivos insu-

mos necessários à realização dos

produtos finais.

Como característica particular,

pode-se dizer que esta linha de tra-

balho traz a possibilidade do de-

senvolvimento de linhas de inves-

tigação a respeito das tecnologias

consideradas mais ‘custo-efetivas’

nas intervenções em saúde frente

a um problema, dano ou enfermi-

dade pré-definidos.

A partir desta lógica de trabalho,

pode-se compreender um estabeleci-

mento de saúde enquanto um con-

junto de centros de custo que se arti-

culam, correlacionam e complemen-

tam em função da necessidade de

conformar um determinado proces-

so de produção para a realização dos

serviços de saúde.

Sistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimentoSistema de custeamento por procedimento

As experiências de apuração de

custos em saúde têm conferido ao

CLASSICAMENTE OS SISTEMAS

DE CUSTEAMENTO UTILIZADOS EM SAÚDE

PODEM SER CLASSIFICADOS EM TRÊS

GRANDES GRUPOS: SISTEMA DE

CUSTEAMENTO POR ABSORÇÃO; SISTEMA

DE CUSTEAMENTO POR PROCEDIMENTO; ESISTEMA DE CUSTEAMENTO POR PATOLOGIA.

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Controle de Custos em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 75

Sistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologiaSistema de custeamento por patologia

Normalmente, a cada patologia di-

agnosticada corresponde um conjunto

de procedimentos necessários ao seu

tratamento. Portanto, o sistema de

custos por patologia, além de pressu-

por o conhecimento dos custos por

procedimento, requer o correlaciona-

mento de outras informações. Na ver-

dade, é preciso contar com a disponi-

bilidade e a integração das informa-

ções geradas pelo sistema de custea-

mento por absorção e por procedimen-

to, uma vez que, ao final, as informa-

ções serão consolidadas a partir de có-

digos atribuídos às diversas patolo-

gias selecionadas. Portanto, o ponto

de partida, neste caso, será a identifi-

cação e seleção das patologias, enfer-

midades ou diagnósticos com os quais

se vai trabalhar. Tradicionalmente tem

sido utilizado o Código Internacional

de Doenças (CID) como base para es-

tabelecer este grupamento.

O sistema de custos por patolo-

gia traz, de forma inerente à sua

própria concepção, uma série de di-

ficuldades de difícil enfrentamento.

Sabe-se que uma mesma patologia

pode ter uma infinidade de cursos

diversos, em função de característi-

cas intrínsecas a cada paciente por-

tador do problema. Assim, pode-se

atribuir a grande variação dos custos

para o tratamento de uma mesma

patologia a fatores como a idade, a

situação nutricional e imunológica, a

possibilidade de co-morbidades pré-

vias dos pacientes, entre outros. Por

esta razão, pode-se dizer que, como

tendência geral, as experiências de le-

vantamento de custos por patologia

têm sido reorientadas, no sentido de

priorizar a aferição do custo por paci-

ente, em detrimento do custo por di-

agnóstico ou enfermidade.

A identificação do custo por paci-

ente é feita através do acompanhamen-

to do seu trajeto no Sistema de Saúde.

Portanto, este sistema de custeamen-

to só poderá ser implantado ‘se’ e

nizações públicas de saúde foi desen-

cadeada no início da década de 80,

através de um projeto, sob coordena-

ção técnica do Prof. Adolfo Chorny,4

que objetivava a determinação de

custos nos hospitais do Ministério da

Saúde (do qual resultou a elaboração

do Manual de Apuração de Custos Hos-

pitalares do MS/1984). Este trabalho

foi potencializado com a implantação,

quase concomitante, de sistema de

custos nas Unidades Assistenciais da

Secretaria Municipal de Saúde do Rio

de Janeiro, contando com a mesma

coordenação e seguindo, portanto,

idêntica metodologia. Este fato tor-

nou-se particularmente interessante

porque inaugurou, naquele momen-

to, a chance de comparar custos das

atividades realizadas em diversas

Unidades Assistenciais públicas.

Atualmente, duas razões princi-

pais têm recolocado o tema na pauta

de debates. Por um lado, o apelo ge-

neralizado à eficientização no uso dos

recursos na área da saúde pública, e,

por outro, a necessidade de desenvol-

ver instrumentos de auxílio à ação

gerencial, criando, assim, uma enor-

me demanda pela implantação de

Sistema de Apuração de Custos (SAC)

nas Unidades Assistenciais.

O êxito quanto à efetiva imple-

mentação do SAC nas Unidades de

Saúde, talvez possa ser atribuído

a uma dinâmica de trabalho que

estabelece a aplicação, concomitan-

4 Professor-Titular de Planejamento em Saúde, ENSP/FIOCRUZ.

‘quando’ houver a disponibilidade de

um sistema de informações padroni-

zado, com a devida consolidação de

dados pré-definidos, para todas as

Unidades Assistenciais que compõem

o Sistema de Saúde, com seus dife-

rentes escalões de complexidade.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Nossa experiência com a implan-

tação de sistema de custos em orga-

O SISTEMA DE CUSTOS POR

PATOLOGIA TRAZ, DE FORMA INERENTE

À SUA PRÓPRIA CONCEPÇÃO, UMA SÉRIE

DE DIFICULDADES DE DIFÍCIL

ENFRENTAMENTO.

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TAVEIRA, M.

76 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

te, de conteúdos teóricos e práticos

ao interior daquelas organizações.

Muitos desses hospitais já dispõem

do Sistema informatizado (através

da utilização de planilhas Excel),

o que, naturalmente, tem contribu-

ído, em muito, para conferir agili-

dade e precisão ao processo de apu-

ração de custos.

O caráter público das organiza-

ções em questão e o uso gerencial

atribuído ao Sistema, direcionaram

à seleção de uma metodologia que

suprime a adoção de modelos rigi-

damente contábeis, que objetivam a

identificação dos custos para poste-

rior determinação de margens de

lucro e/ou preços de mercado para

os respectivos produtos.

O método aplicado pressupõe

uma terminologia e procedimentos

que lhe são próprios. Certamente,

existem muitos outros termos e

conceitos relativos aos diversos

métodos conhecidos para apuração

de custos; portanto, vale advertir

que a terminologia e os respecti-

vos conceitos aqui empregados

podem ser modificados quando re-

lacionados a outros métodos. Por

fim, cabe ressaltar que, em função

de todo o exposto, a metodologia

aplicada objetiva a determinação

de ‘custo por processo’, a partir da

utilização do ‘sistema de custea-

mento por absorção’.

Desse modo, pode-se resumir as

atividades cumpridas para a implan-

tação do Sistema de Apuração de

Custos em oito etapas básicas:

• definição da lista dos ‘centros

de custo’ que compõem a Unidade

Assistencial;

• identificação da ‘mão-de-obra’

por ‘centro de custo’ e alocação das

respectivas despesas;

• levantamento do ‘material de

consumo’ utilizado por ‘centro de

custo e alocação’ das despesas cor-

respondentes;

• identificação e alocação das ‘ou-

tras despesas correntes’ (serviços

O processo de implantação do SAC

em uma organização requer, neces-

sariamente, um certo ‘saneamento’

administrativo que lhe tem precedên-

cia, uma vez que são utilizadas in-

formações geradas nos diferentes se-

tores do estabelecimento. Nas diver-

sas experiências referidas, este ‘sub-

produto’ gerado pelo SAC, tem-se re-

velado como uma das facetas enri-

quecedoras do trabalho. Deste proces-

so tem resultado, não apenas o co-

nhecimento a respeito dos ‘reais me-

canismos de funcionamento’ das or-

ganizações, por parte dos responsá-

veis pelas mesmas, como também a

conseqüente identificação, mais pon-

tual, dos problemas observados. Por-

tanto, este ‘pré-diagnóstico’ adminis-

trativo da organização tem-se mos-

trado de grande auxílio aos dirigen-

tes, no sentido de corrigir as distor-

ções, inevitavelmente, detectadas.

Pode-se depreender a potenciali-

dade deste instrumento na prática

gerencial, através da apresentação,

a título de exemplo, de uma breve

síntese de alguns consolidados ge-

rados pelo Sistema.

1. Estrutura da despesa, segundo

o tipo de gasto (pessoal, material de

consumo e outras despesas correntes).

Nos serviços públicos de saúde,

a despesa com ‘pessoal’ tem mereci-

do uma atenção muito particular, por

duas razões principais:

• a primeira, porque ‘pessoal’

constitui-se em ‘custo fixo’ (independe

do volume de produção de serviços);

contratados, taxas, impostos etc.)

que são atribuíveis aos ‘centros de

custo’ definidos;

• determinação e quantificação

da(s) ‘unidade(s) de produção por

centro de custo’;

• cálculo dos ‘custos diretos’ por

‘centro de custo’;

• cálculo dos ‘custos totais’ por

‘centro de custo’ (apropriação dos

‘custos indiretos’ por absorção);

• ‘análise dos resultados’.

O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO

SAC EM UMA ORGANIZAÇÃO REQUER,NECESSARIAMENTE, UM CERTO

‘SANEAMENTO’ ADMINISTRATIVO QUE

LHE TEM PRECEDÊNCIA, UMA VEZ QUE

SÃO UTILIZADAS INFORMAÇÕES GERADAS

NOS DIFERENTES SETORES DO

ESTABELECIMENTO.

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Controle de Custos em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 77

• e depois, porque o montante

deste tipo de despesa, habitualmen-

te, é o maior nestas Unidades Assis-

tenciais. Há cerca de dez anos atrás,

a segunda maior despesa referia-se

a ‘material de consumo’; no entanto,

hoje esta ordem foi invertida, graças

ao ‘fenômeno das terceirizações’.

2. Estrutura da despesa, segun-

do o tipo de centro de custo.

Embora existam lamentáveis ex-

ceções, normalmente são os ‘centros

de custo final’ aqueles que congregam

o maior volume de recursos nas Uni-

dades de Saúde. Isto é compreensível

e esperável mesmo, uma vez que ali

concentram-se todos os serviços res-

ponsáveis pelo cumprimento do ‘ob-

jetivo-fim’ do estabelecimento, qual

seja, a atenção direta aos pacientes.

3. Relação entre custo unitário di-

reto (CUD) e custo unitário total (CUT)

dos produtos.

No limite, pode-se dizer que o me-

lhor custo apurado é aquele em que

o custo direto representa o principal

percentual em relação ao custo to-

tal, ou seja, os custos indiretos de-

vem compor a menor parte do custo

final. Isto se torna fácil de compre-

ender se imaginarmos que um pro-

cedimento simplificado, quando re-

alizado em Unidade Assistencial

complexa, absorverá custos indire-

tos próprios da infra-estrutura de

apoio daquele porte de organização

(como a administração, a portaria,

a vigilância etc.). Por esta razão, fica

muito claro que, do ponto de vista

da eficiência, não se justifica reali-

zar atividades simplificadas em hos-

pitais complexos.

4. Análise da composição dos

custos indiretos dos produtos.

Uma vez que a lógica de repasse

dos custos indiretos tem como base

a definição de critérios de aproxima-

ção a respeito da apropriação de tra-

balho que uns ‘centros de custo’ fi-

zeram dos outros, este tipo de aná-

lise é interessante, como forma de

verificar a compatibilidade (qualita-

sada’ nas Unidades Assistenciais

públicas.

No caso dos ‘centros de custo in-

termediário’ e sua representação atra-

vés de custos indiretos, o peso relati-

vo varia um pouco conforme a espe-

cialidade do hospital, mas, no geral,

o Laboratório de Análises Clínicas tem

apresentado um peso significativo.

5. Correlação entre o custo unitá-

rio total de cada tipo de produto e

os respectivos indicadores de produ-

tividade observados.

Classicamente, o custo é um indi-

cador da eficiência; na verdade é a sim-

ples tradução da produtividade obser-

vada, através da sua mensuração em

valores monetários. Assim, até um

determinado limite, existe uma rela-

ção de inversa proporcionalidade en-

tre a produtividade e o custo unitário

do produto, ou seja, quanto maior a

produtividade atingida, menor será o

custo unitário do produto, até um de-

terminado ponto. No caso dos servi-

ços públicos de saúde, isto adquire

especial importância pelas caracterís-

ticas acima referidas de que ‘pessoal’

constitui-se em ‘custo fixo’ e é o mai-

or nas Unidades Assistenciais.

6. Análise da série histórica dos

custos unitários diretos e custos uni-

tários totais dos produtos.

A importância deste tipo de aná-

lise pode ser atribuída a três razões

principais:

• a primeira, porque possibilita

avaliar a consistência do próprio

tiva e quantitativa) na articulação

entre os ‘centros de custo’.

Normalmente, os ‘centros de

custo’ da área de internação têm no

serviço de ‘nutrição e dietética’ o

principal responsável por custos

indiretos repassados, dentre os

‘centros de custo de atividades ge-

rais’. A ‘administração’ também

tem sido responsável por parcelas

importantes de custo indireto; em

muitos casos, isto se deve a uma

estrutura administrativa muito ‘pe-

OS ‘CENTROS DE CUSTO’ DA ÁREA

DE INTERNAÇÃO TÊM NO SERVIÇO DE

‘NUTRIÇÃO E DIETÉTICA’ O PRINCIPAL

RESPONSÁVEL POR CUSTOS INDIRETOS

REPASSADOS, DENTRE OS ‘CENTROS DE

CUSTO DE ATIVIDADES GERAIS’.

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TAVEIRA, M.

78 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

processo de apuração: com inflação

relativamente estável, grandes osci-

lações observadas no custo sugerem

problemas no processo, seja por con-

ta de indevidas alocações de despe-

sas por ‘centro de custo’, seja pelo

inadequado levantamento da sua

produção de serviços;

• a segunda, é porque permite ti-

rar conclusões mais consistentes so-

bre o real ‘processo de produção (fun-

ções de produção)’ dos serviços no

hospital e, conseqüentemente, pos-

sibilita os respectivos ajustes;

• a terceira, porque através da

avaliação de uma série histórica,

podem ser definidos parâmetros de

referência (normas e/ou metas) con-

siderados mais adequados.

CONCLUSÃO

Os gestores das instituições pú-

blicas, há algum tempo, vêm iden-

tificando dois tipos principais de

obstáculos, de difícil superação,

para o aperfeiçoamento gerencial

nas organizações. O primeiro, re-

fere-se ao desafio de gerir institui-

ções qualificadas como de ‘baixa

responsabilidade’. Quanto a este as-

pecto, o Professor Carlos Matus5 nos

alerta para um risco importante e

que se pode configurar como obs-

táculo potencialmente crítico ao

aperfeiçoamento gerencial no ser-

viço público. Dizia o professor que

as instituições públicas, em gran-

de parte, são dotadas de um ‘sis-

tema de mediocridade ultra-está-

vel’ (é ultra-estável porque as ins-

tituições estão satisfeitas com ele

e continuamente o reforçam atra-

vés do estabelecimento de um ‘pac-

to de mediocridade’ implícito). Esta

‘ultra-estabilidade’ seria atribuída

a um ‘sistema imunológico’ muito

competente, gerador de ‘anticor-

pos’ ferozes, que reagem às mu-

mais, se aceitamos que a realidade é

caracteristicamente instável (no nos-

so caso, talvez ultra-instável), coeren-

temente, temos que concluir que a pro-

moção das adequações necessárias só

terá chance de aplicabilidade, enquanto

fruto natural de um processo dialético

de avaliações e reavaliações das ações

desenvolvidas. Assim entendida, a

‘responsabilização’ constitui-se em

condição sine qua non à prática da ge-

rência, quando se pretende algum ní-

vel de efetividade.

Se aceitamos que problemas com-

plexos demandam respostas comple-

xas, a crise atribuída à gestão dos

serviços públicos não seria o caso da

exceção que confirmaria a regra. En-

tão, para além da necessária ‘insti-

tucionalização’ de um processo de

‘responsabilização’ nas instituições

públicas (que contribuiria como ‘imu-

nossupressor’ ao referido ‘sistema de

mediocridade’), acreditamos ser fun-

damental o resgate, tanto ética quan-

to moralmente, do próprio ‘papel

atribuído a este serviço público na

nova ordem econômica e social’. Esta

parece ser uma questão relevante, na

medida em que é determinada e de-

terminante (ou pelo menos, condicio-

nada e condicionante) das práticas de

trabalho que se estabelecem.

O segundo obstáculo a ser supe-

rado estaria ligado ao melhor apro-

veitamento da atenção gerencial, ou

seja, à identificação do ‘valor dos

5 Economista chileno, formulador do método de Planejamento Estratégico Situacional (PES), em palestra no Seminário sobre Planejamento:

Tendências e Perspectivas, realizado na Ensp/Fiocruz, em outubro/94.

danças das práticas de trabalho já

instituídas. Em suma, é um siste-

ma medíocre, porém coerente, à

medida que evita contradições com

a gerência de rotina.

É certo que quando se pretende

imprimir alguma linha racionalizado-

ra ao nosso cotidiano tendencialmen-

te caótico, o aspecto da responsabili-

zação constitui-se em pré-requisito ine-

rente e intrínseco ao processo. Tanto

A ‘RESPONSABILIZAÇÃO’CONSTITUI-SE EM CONDIÇÃO

SINE QUA NON

À PRÁTICA DA GERÊNCIA,QUANDO SE PRETENDE

ALGUM NÍVEL DE EFETIVIDADE.

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Controle de Custos em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999 79

problemas’ que devem constar da

‘agenda’ de quem decide. A esta

questão, o professor Matus respon-

deu com dois postulados:

i. “Todo problema deve ser enfren-

tado em seu próprio nível de solução”

(pressupondo-se para tanto, a atribui-

ção da necessária competência) e

ii. “Ninguém deve tomar decisões

de baixo valor para si” (já que es-

tas, tendencialmente, implicariam

decisões de baixa qualidade).

Estes postulados nos remetem a

dois pressupostos básicos para a

eficácia gerencial, quais sejam: um

Sistema de Saúde configurado como

de ‘alta responsabilidade e des-

centralizado’, entendendo aqui a

‘centralização versus descentraliza-

ção’ enquanto um binômio dialéti-

co que não ‘pulveriza’ o Sistema,

mas sim o agiliza, conferindo-lhe

transparência, responsabilidade,

acessibilidade, eqüidade nas ações

desenvolvidas e, principalmente, a

possibilidade concreta do efetivo

controle social das referidas ações.

Por tudo isso, a experiência tem

mostrado que, ao gestor, não basta

simplesmente dispor de instrumen-

tos para facilitar a condução da sua

organização. No caso específico dos

custos, é preciso saber utilizá-lo atra-

vés, não só da adequada interpreta-

ção das informações oferecidas,

como também pela promoção de ses-

sões de apresentação e discussão,

sistemáticas, a respeito dos resulta-

dos encontrados. É recomendável que

a democratização destas informações

tenha um amplo espectro, alcançan-

do até os próprios executores dos

serviços prestados. A qualidade das

informações geradas pelo Sistema

tem uma relação de direta proporci-

onalidade à sua utilização: quanto

mais difundidas e analisadas, tanto

mais fidedignas tenderão a ser.

A tarefa de implantação do SAC

nos estabelecimentos públicos é im-

portante, mas não é suficiente para

o adequado desempenho gerencial.

Para tanto, é fundamental que o Sis-

de ‘petição e prestação de contas’ no

cotidiano dos serviços públicos, jul-

gamos que pode ser de grande valia

empreender esforços no sentido de

buscar estabelecer a coincidência

entre os ‘centros de custo’ definidos

e os ‘centros de responsabilidade’

observados na Unidade Assistenci-

al. A idéia norteadora é a de envol-

ver, compartilhar e co-responsabili-

zar, desde os gestores até os execu-

tores das ações produzidas nos ser-

viços, objetivando, assim, assegurar

a prática do monitoramento perma-

nente das atividades ali realizadas.

2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-2. Quanto ao ‘monitoramen-

to dos custos’to dos custos’to dos custos’to dos custos’to dos custos’: para monitorar o SAC,

a partir da análise dos resultados ob-

tidos, atribuímos à aplicação dos prin-

cípios da ‘curva ABC’ um papel de

grande potencialidade. Considerando

que a ‘curva ABC’ é uma ferramenta

útil na promoção do ordenamento de

produtos, segundo sua importância

relativa e que pode ser aplicada nos

casos em que se observa uma gran-

de diversidade de produtos, julgamos

que a utilização desta técnica no acom-

panhamento e controle dos custos

pode contribuir, racionalizando a aten-

ção gerencial. Neste caso, a idéia que

orienta a proposta é a recomendação

aos gestores de que devam dedicar

atenção concentrada a poucas ativi-

dades, consideradas ‘críticas’ (portan-

to, merecedoras de tratamento dife-

renciado), uma vez que se acredita

que o ajuste das mesmas acarretaria

maior impacto na melhoria do desem-

penho da organização.

tema seja alvo de ajustes e reajus-

tes constantes, fruto da necessida-

de óbvia de adaptações diante das

mudanças, cotidianamente, promo-

vidas nas organizações.

Por causa desta necessidade per-

manente de imprimir aperfeiçoamen-

tos ao SAC, sugerimos ao debate

quatro grandes linhas de proposi-

ções, em virtude das demandas ge-

renciais hoje colocadas.

1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos1. Quanto à definição dos

‘centros de custo‘centros de custo‘centros de custo‘centros de custo‘centros de custo’’’’’::::: na perspectiva

de ‘institucionalizar’ procedimentos

A EXPERIÊNCIA TEM MOSTRADO

QUE, AO GESTOR, NÃO BASTA

SIMPLESMENTE DISPOR DE

INSTRUMENTOS PARA FACILITAR

A CONDUÇÃO DA SUA ORGANIZAÇÃO.

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TAVEIRA, M.

80 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 68-80, set./dez. 1999

Seguindo este princípio, os custos

de uma Unidade Assistencial poderi-

am ser grupados em três classes:

• Classe A:Classe A:Classe A:Classe A:Classe A: congregando os cus-

tos mais significativos da Unidade

e que, por esta razão, devem ser alvo

de tratamento privilegiado, motivan-

do procedimentos meticulosos em

função da atenção concentrada por

parte da gerência.

• Classe B:Classe B:Classe B:Classe B:Classe B: concentrando os cus-

tos considerados de média importân-

cia e que, portanto, justificam vigi-

lância gerencial moderada.

• Classe C:Classe C:Classe C:Classe C:Classe C: correspondendo a

aqueles custos considerados de me-

nor importância e que, por isto mes-

mo, são alvo de pouca atenção ge-

rencial, fazendo jus a procedimentos,

os mais expeditos possíveis.

3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘3. Quanto à ‘reorganizaçãoreorganizaçãoreorganizaçãoreorganizaçãoreorganização

dos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem osdos recursos’ que compõem os

custos:custos:custos:custos:custos: Pode-se dizer, trivialmente,

que um sistema de custeamento de

produtos pressupõe a identificação do

‘processo de produção’ que os origina

e faz a sua tradução simultânea, atra-

vés de valores monetários. Isto signi-

fica dizer que o custo final, seja ele

muito alto ou muito baixo, represen-

ta na verdade, a inadequada organi-

zação de recursos no ‘processo de pro-

dução’ em questão. Por esta razão, jul-

gamos que a aplicação de metodolo-

gias como a ‘instrumentalização’ (que

objetiva organizar os recursos, da for-

ma mais racional possível, para o

cumprimento de atividades pré-de-

terminadas) podem ser de grande au-

xílio. Esta concepção prevê não ape-

nas a identificação de uma composi-

ção de recursos considerada mais ade-

quada para cumprir um determinado

fim, mas enfatiza a importância de de-

terminar os custos a que corresponde-

ria a referida ‘função de produção’. Nes-

te sentido, esta questão está fortemen-

te articulada à que vem a seguir.

4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos4. Quanto à determinação dos

‘custos padronizados’‘custos padronizados’‘custos padronizados’‘custos padronizados’‘custos padronizados’: a estima-

tiva do ‘custo padronizado’ ou ‘nor-

malizado’ pode ser estabelecida a par-

tir da análise de dados observados

em uma série histórica, que deve ser

submetida ao crivo de experts no as-

sunto, no sentido de se buscar uma

avaliação mais precisa e judiciosa

quanto à composição de recursos con-

siderada mais ‘custo-efetiva’ ante

cada problema de saúde pré-defini-

do. Naturalmente, estas estimativas

só têm valor por um determinado

espaço de tempo, uma vez que a com-

posição dos recursos (que determina

o custo final de cada produto) muda

constantemente, seja qualitativamen-

te (pelo rápido avanço tecnológico na

área da saúde), seja quantitativamen-

te (pela variação de preço dos insu-

mos que compõem o custo). Portan-

to, este procedimento precisa ser re-

feito periodicamente.

Julgamos que os ajustes propos-

tos podem contribuir para a supera-

ção de obstáculos, já cronicamente

apontados, ao adequado desempe-

nho gerencial: a ‘responsabilização

no trato da coisa pública’, a neces-

sária ‘eficientização dos meios, ar-

ticulando-os com os fins e a deter-

minação de parâmetros de desem-

penho’, fundamentais à prática do

planejamento, programação e ava-

liação dos serviços de saúde.

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que administrativo. vol. I, 7.ed. Rio

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Avaliação da Qualidade em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 81

ARTIGO

Avaliação da qualidade em saúde: a contribuição da sociologiada saúde para a superação da polarização entre a visão dosusuários e a perspectiva dos profissionais de saúde

Quality assessment in health – the contribution of sociology of health to

overcome the duality between users and health professionals’ perspectives

Mauro Serapioni1

1 Coordenação do Curso de Especialização

em Gestão de Sistemas Locais de Saúde

Escola de Saúde Pública do Ceará

Av. Antonio Justa, 3161 – Meireles

CEP 60165-090 – Fortaleza

Tel.: (85) 242-1900

Fax: (85) 242-1890

E-mail: [email protected]

RESUMO

A avaliação dos serviços de saúde deve dotar-se de um enfoque conceitual

peculiar, diferente do utilizado para avaliar outros produtos e serviços. Nesse

contexto, é necessário relacionar diferentes atores com critérios próprios de juízo,

porque não é possível basear-se somente na avaliação exclusiva dos profissio-

nais ou dos usuários. Muitos estudiosos concordam que não se pode pôr em

dúvida a opinião do paciente, embora seja discutível a sua condição de distin-

guir a boa ou a má qualidade dos aspectos técnicos do tratamento. Concluindo,

recomenda uma abordagem ‘multidimensional’ da avaliação com a participação

dos diversos atores sociais envolvidos no sistema dos serviços de saúde e a

construção de espaços institucionais apropriados para desenvolver atividades

de controle da qualidade.

PALAVRAS-CHAVE: sociologia da saúde; avaliação da qualidade em saúde; satisfação

dos usuários; auto-avaliação dos profissionais.

ABSTRACT

The assessment of health services should adopt a specific conceptual focus,

different from the one used to evaluate other products and services. In this context,

it is necessary to relate different actors with specific judgement criteria, because

it is not possible to rely exclusively on the assessment of professionals or users.

Many experts agree that the patient’s opinion cannot be doubted, although his

capacity to distinguish the quality of technical issues of care may be argued. In

the conclusion, this study recommends a ‘multidimensional’ approach to

assessment, with the participation of all the social actors involved in the health

service system as well as the creation of appropriate institutional forums to

develop quality control activities.

KEY WORDS: sociology of health; quality assessment in health; consumer’s satisfaction;

professional self-evaluation.

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SERAPIONI, M.

82 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999

E FINALMENTE, A EXIGÊNCIA DE

RECUPERAR A UNIDADE DO

PACIENTE – DEPOIS DE SUA DIVISÃO

MENTE-CORPO, PRODUZIDA PELO GRANDE

AVANÇO DA MEDICINA ESPECIALISTA ETÉCNICO-CIENTÍFICA – TEM CONTRIBUÍDO

IGUALMENTE PARA O RECONHECIMENTO DO

PONTO DE VISTA DOS USUÁRIOS.

INTRODUÇÃO

O interesse pela qualidade, cer-

tamente, não é um fenômeno novo

no âmbito dos serviços de saúde.

Procedimentos e mecanismos para

garantir e manter a qualidade exis-

tem, já há muito tempo, também

nesse setor. A novidade do movimen-

to contemporâneo, segundo Noguei-

ra (1994), é de colocar em primeiro

plano a opinião do usuário como um

aspecto determinante no julgamento

da qualidade. Nos últimos anos, di-

ferentes fatores e tendências contri-

buíram para aumentar o interesse

pela qualidade dos serviços de saú-

de. Em primeiro lugar, a crise fiscal

do estado social e a necessidade de

reduzir as despesas públicas têm es-

timulado, sem dúvida, um maior in-

teresse pela busca de modalidades

mais eficientes de uso dos recursos.

A redução da despesa pública tem,

também, aumentado a necessidade

de pedir a participação dos cidadãos

na contribuição do pagamento, par-

cial ou total, das prestações de saú-

de. Dessa forma, começou-se a reco-

nhecer a voz dos usuários, financei-

ramente mais envolvidos no siste-

ma de saúde pública. A necessidade

de reduzir as queixas e os procedi-

mentos judiciais encaminhados pe-

los pacientes insatisfeitos contribuiu,

também, para o crescimento da aten-

ção a respeito da satisfação dos usu-

ários. E finalmente, a exigência de

recuperar a unidade do paciente –

depois de sua divisão mente-corpo,

produzida pelo grande avanço da

medicina especialista e técnico-cien-

tífica – tem contribuído igualmente

para o reconhecimento do ponto de

vista dos usuários. Daí surgiram e

se multiplicaram, em contraposição

às avaliações da qualidade realiza-

das pelos profissionais de saúde, nu-

merosas pesquisas e experiências,

visando conhecer a satisfação dos pa-

cientes (‘consumer satisfaction’).

Este texto visa contribuir, na pers-

pectiva da sociologia da saúde (‘soci-

favorecer o diálogo e a responsabili-

zação de todas as partes em causa.

OS PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE AQUALIDADE: O INTERESSE PELOS USUÁRIOS

A atenção pelo cliente é um fenô-

meno bastante novo no âmbito dos

serviços sociais. O movimento de

idéias e investigação sobre esse

tema pode ser considerado a primei-

ra etapa dos estudos sobre a quali-

dade dos serviços públicos. Esse

movimento surgiu nos anos 60, prin-

cipalmente nos Estados Unidos e na

Grã-Bretanha. Goffman (1969) foi o

primeiro a introduzir a categoria de

‘não-pessoa’ em relação aos pacien-

tes das ‘instituições totais de saú-

de’, ou seja, aqueles sujeitos que são

“tratados em sua presença como se

não estivessem presentes” (Ardigó

apud Goffman, 1996). Goffman cita-

va, como exemplo mais comum, os

doentes e os velhos dentro das insti-

tuições hospitalares. De fato, nos

hospitais, muitas vezes, os pacien-

tes sofrem um processo de desper-

sonalização, quando são identifica-

dos somente pelo número do leito

ou por suas patologias.

Os trabalhos de Etzioni represen-

tam, sem dúvida, estudos pioneiros

nesse setor. Etzioni (1967), depois de

haver constatado que “a idéia de ser-

viço público deriva diretamente do

ideal de que seja justo proporcionar

a máxima felicidade ao maior núme-

ro possível de pessoas”, pergunta se

as instituições públicas são realmen-

ology of health’), ao debate em curso

sobre a avaliação da qualidade dos

serviços de saúde, objetivando foca-

lizar a inadequação e improdutivida-

de da polarização hoje existente en-

tre as duas lógicas parciais: a auto-

referência do sistema sanitário e a

subjetividade dos usuários. De fato,

a abordagem sociológica a respeito

da qualidade visa estabelecer uma

‘ponte’ em grau de desenvolver in-

tercâmbio de comunicação e maior

‘controle de baixo’, de maneira a

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Avaliação da Qualidade em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 83

te sensíveis às necessidades dos usu-

ários que são os principais beneficiá-

rios de suas atividades. Mas, na prá-

tica diária, continua Etzioni: “existem

algumas características intrínsecas às

organizações” que dificultam o ideal

do serviço público e, algumas vezes,

“tendem a favorecer a insensibilida-

de frente aos usuários”. Muitos em-

pregados, de fato, são orientados

“mais para a organização do que

para os usuários”.

É interessante, ainda, mencionar

as pesquisas de Blau (1965), reali-

zadas em um serviço social nos Es-

tados Unidos, quando identifica duas

categorias de assistente social, de

acordo com a maneira de atuar em

relação aos pacientes. Alguns deles,

preocupavam-se mais em resolver o

problema do usuário, enquanto que

outros eram mais atentos em respei-

tar os requisitos e os procedimentos

necessários para receber a assistên-

cia. Esta segunda categoria estava

mais integrada aos colegas e com a

organização geral.

A preocupação de Etzioni (1967)

sobre esses estudos era a constata-

ção de que os funcionários promo-

vidos no âmbito da organização

eram aqueles que negligenciavam

os interesses dos usuários: “ter

uma atitude excessivamente favo-

rável aos clientes e transmitir suas

reivindicações às esferas hierárqui-

cas superiores, pode constituir um

elemento negativo e uma experiên-

cia desagradável em muitas orga-

nizações públicas” (Etzioni, 1967).

A sensibilidade da organização pelo

usuário, segundo Etzioni, é maior

quando há uma relação paritária e

quando o cliente pode expressar sua

preferência pessoal: “a relação en-

tre empregado e cliente num correio

é muito impessoal, mas a relação

entre o alfaiate e seu cliente é mui-

to mais estreita” (Etzioni, 1967).

Em relação a esse aspecto, Hirsch-

man (1982) afirma que, nas orga-

gência, é difícil para o usuário uti-

lizar a arma da saída (Zani & Sera-

pioni, 1989).

O INTERESSE PELA QUALIDADE DOS SERVIÇOS

A partir dos anos 80, começa a

desenvolver-se um novo setor de es-

tudos e investigação que já não se

limita à análise dos custos das ativi-

dades no campo da saúde, mas pres-

ta muita atenção, também, ao con-

trole de qualidade e à satisfação dos

usuários. Depois dos trabalhos de

Donabedian (1980), considerado o

pioneiro dos estudos da qualidade,

no âmbito dos serviços de saúde,

sobre a qualidade do cuidado médi-

co, é importante mencionar o Relató-

rio Griffith de 1983 (durante o pro-

cesso de revisão do Serviço de Saúde

Nacional da Grã-Bretanha), que intro-

duziu pela primeira vez a práxis da

avaliação da qualidade dos serviços

como nova tarefa para os gerentes

do National Health Service (Relató-

rio Griffith apud Ardigó, 1997 a):

Averiguar como o serviço é desem-

penhado em nível local, obtendo expe-

riências e percepções dos pacientes e

das comunidades através do Conselho

de Saúde da Comunidade (Community

Health Council) e de outros métodos,

incluídas as pesquisas de mercado e as

experiências dos médicos de família e

serviços de saúde comunitária.

Assim, o interesse pela qualida-

de cresceu muito, sobretudo nos úl-

timos dez anos. Sem dúvida, a crise

nizações privadas, os usuários po-

dem controlar, através do poder de

exigência, a qualidade dos serviços,

e, em caso de insatisfação, podem

dirigir-se a outro serviço. “Essa

saída (‘exit’) poderia ser praticada

também pelos usuários dos servi-

ços públicos, mas somente se exis-

tissem outras opções e a capacida-

de individual de alcançá-las.” Cer-

tamente, no caso dos serviços de

atenção básica de saúde ou de emer-

A PARTIR DOS ANOS 80, COMEÇA

A DESENVOLVER-SE UM NOVO SETOR

DE ESTUDOS E INVESTIGAÇÃO QUE

JÁ NÃO SE LIMITA À ANÁLISE DOS

CUSTOS DAS ATIVIDADES NO CAMPO

DA SAÚDE, MAS PRESTA MUITA ATENÇÃO,TAMBÉM, AO CONTROLE DE QUALIDADE E À

SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS.

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SERAPIONI, M.

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fiscal do Estado Social e a necessi-

dade de diminuir as despesas públi-

cas têm estimulado um maior inte-

resse sobre a investigação de moda-

lidades mais eficientes e eficazes na

utilização dos recursos.

Entre outros fatores, que certa-

mente contribuíram para o desen-

volvimento da avaliação da quali-

dade dos serviços de saúde, temos

que mencionar o crescimento das

queixas e dos procedimentos judici-

ais encaminhados pelos pacientes

insatisfeitos. Na Grã-Bretanha, Ale-

manha e Itália fizeram sensação

alguns erros graves, como as trans-

fusões sanguíneas infectadas pelo

vírus da AIDS ou grandes erros de

diagnóstico. A revista The Economist

divulgou um inquérito sobre um

patologista de Birmingham que di-

agnosticou para quarenta e dois

pacientes de câncer o tratamento

desnecessário de quimioterapia, re-

sultando de tal erro mortes prema-

turas. Segundo o Sindicato de Defe-

sa dos Médicos Britânicos (Medical

Defense Union), as denúncias con-

tra as autoridades médicas por ne-

gligência redobraram em somente

dois anos: 1991–1993.

AS DIFICULDADES DE DEFINIR O CONCEITODE QUALIDADE EM SAÚDE

A qualidade, segundo Eiglier &

Langeard (1988), é constituída por

dois elementos: um objetivo, relaci-

onado aos componentes físicos do

produto, e outro subjetivo, relacio-

nado à satisfação do usuário, do

ponto de vista da sua percepção e

das suas expectativas. No caso dos

serviços, não existe, segundo esses

autores, separação entre o momen-

to da produção e da distribuição. A

qualidade, portanto, se reduz à sa-

tisfação do cliente em uma determi-

nada situação. Essa conclusão não é

compartilhada por outros estudiosos

da qualidade que operam nos servi-

ços de saúde; segundo eles, no âm-

rapidez na resposta ao requerimen-

to de tratamento etc.

Para Donabedian (1980), “a bus-

ca de uma definição de qualidade

nas prestações de serviço em saúde,

requer a divisão operativa do con-

ceito de prestação em dois aspectos:

técnico e interpessoal”. O primeiro,

está relacionado à aplicação dos co-

nhecimentos e das tecnologias mé-

dicas e de outras disciplinas; o se-

gundo, está baseado na maneira de

gerir a interação social e psicológi-

ca entre o paciente e os profissionais.

Segundo outros estudos (Movimen-

to Federativo Democrático, 1992),

para a definição do cuidado, é pos-

sível considerar, além das categori-

as mencionadas por Donabedian, um

terceiro aspecto, que poderia ser de-

nominado como ‘nível de conforto’,

ou seja, todos os elementos que ca-

racterizam o ambiente de vida, onde

se desenvolvem as atividades de

saúde: leitos, higiene, refeições, ser-

viços acessórios, telefone etc.

Os conceitos de eficácia, eficiência,

aceitabilidade, eqüidade, adequação,

assim como a qualidade da relação

interpessoal e o nível de conforto dos

serviços, estão baseados também so-

bre juízo de valor. Em face dessa rea-

lidade, perguntar-se-ia: que atributos

da qualidade desejamos priorizar e

quem definirá a qualidade de um ser-

viço? Há diferentes grupos interessa-

dos nesse problema. Existem diferen-

ças, ainda, entre profissionais de saú-

de de áreas geográficas diferentes, no

desempenho das práticas médicas,

ENTRE OUTROS FATORES, QUE

CERTAMENTE CONTRIBUÍRAM PARA

O DESENVOLVIMENTO DA AVALIAÇÃO

DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE,TEMOS QUE MENCIONAR O CRESCIMENTO

DAS QUEIXAS E DOS PROCEDIMENTOS

JUDICIAIS ENCAMINHADOS PELOS

PACIENTES INSATISFEITOS.

bito da avaliação da qualidade, a

satisfação do usuário, sem dúvida,

tem que ser considerada, mas junto

a outros elementos, como: a satisfa-

ção dos profissionais e a eficácia do

cuidado médico. Para esse fim é pre-

ciso considerar também outros fato-

res objetivos, como a aceitabilida-

de, a adequação do processo de di-

agnóstico e da terapia, o comporta-

mento dos médicos e dos outros pro-

fissionais diante dos pacientes, a

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Avaliação da Qualidade em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 85

porque há também diferentes estilos

de prática (Robertson, 1995), e não se

pode desconhecer, segundo Akerman

(1996), “as especificidades de cidades,

serviços e pacientes”. De fato, ele des-

taca a importância dos fatores cultu-

rais na determinação do conceito de

qualidade. Para Vuori (1991),

a noção de qualidade varia com o inte-

resse de grupos diferentes (politíco de

saúde, administradores, prestadores de

serviço e os consumidores) que podem

ter diferentes pontos de vista sobre o

que constitui alta qualidade ou, pelo

menos, podem enfatizar aspectos da

qualidade da atenção, diferentemente.

Donabedian (1989) sugere que a

qualidade pode ser definida como o

grau de conformidade das ativida-

des terapêuticas em relação ao com-

portamento normativo. Mas, como

pode ser definido o conceito norma-

tivo nesse contexto?

A questão ainda a ser solucio-

nada, então, é a definição de méto-

dos apropriados para a avaliação

da qualidade dos serviços em saú-

de, a padronização e a construção

de indicadores específicos que pos-

sam traduzir todas as dimensões e

os aspectos da qualidade, anterior-

mente mencionados.

AVALIAÇÃO DOS USUÁRIOS VERSUSAUTO-AVALIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS

Descobrir a importância da par-

ticipação dos pacientes no sucesso

das terapias foi o mérito do soció-

logo Parsons (1965), nos anos 50,

que, estudando a relação médico-

paciente, deu muita relevância à

aderência (‘compliance’) do pacien-

te durante o tratamento prescrito

pelo médico. De fato: “um paciente

insatisfeito” – escreve Williams

(1994) – “poderia não seguir as

prescrições médicas e até não ade-

rir ao tratamento”. Por essa razão

aumentou o interesse pela opinião

dos pacientes.

fissionais e o ambiente físico das

estruturas sanitárias.

Todos concordam que não se

pode pôr em dúvida as opiniões ex-

pressadas pelos pacientes. Para Vu-

ori (1991), de fato, mesmo haven-

do algumas limitações na percep-

ção da técnica dos procedimentos,

a satisfação dos pacientes com a

prestação recebida é um fator im-

portante no resultado final do tra-

tamento. Mas, segundo Hopkins

(1990), é discutível se os usuários

estão sempre em condição de dis-

tinguir a boa ou a má qualidade dos

aspectos técnicos do tratamento.

Pode ocorrer o risco dos pacientes

serem desviados, na avaliação, pela

quantidade de intervenções técnicas

recebidas (Hopkins, 1990).

A qualidade é o resultado de um

conjunto de fatores que o usuário,

nem sempre, está em condições de

julgar. Podemos ter uma intervenção

absolutamente ineficaz, mas que

satisfaz ao usuário porque a rela-

ção entre profissionais e pacientes

tem sido positiva, baseada no res-

peito e na cordialidade. Wan & Fer-

rero (1991) afirmam que os indica-

dores de satisfação “nem sempre

asseguram que o programa seja ca-

paz de melhorar a qualidade da vida

dos pacientes...”. Um estudo reali-

zado na Itália (Uderzo & Cipolla,

1990), por exemplo, evidenciou que

a opinião dos pacientes deve ser cor-

retamente avaliada, porque “em ge-

ral as respostas satisfatórias são

elevadas (80%–85%), até mesmo

Os resultados das pesquisas re-

alizadas nos últimos dez anos so-

bre a satisfação dos usuários mos-

tram que quem utiliza os serviços

valoriza muito a comunicação, as

informações recebidas, a qualidade

da relação médico-paciente (Calnan

et al., 1994), a maneira de ser do

médico e do enfermeiro, a capaci-

dade resolutiva do serviço (Halal et

al., 1994), a continuidade do trata-

mento por parte dos mesmos pro-

A QUESTÃO AINDA A SER SOLUCIONADA,ENTÃO, É A DEFINIÇÃO DE MÉTODOS

APROPRIADOS PARA A AVALIAÇÃO DA

QUALIDADE DOS SERVIÇOS EM SAÚDE,A PADRONIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE

INDICADORES ESPECÍFICOS QUE POSSAM

TRADUZIR TODAS AS DIMENSÕES E OS

ASPECTOS DA QUALIDADE.

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SERAPIONI, M.

86 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999

quando as expectativas são negati-

vas”. É importante, sugerem estes

autores, “avaliar, além do juízo glo-

bal, também as opiniões sobre as-

pectos específicos, onde a porcenta-

gem freqüentemente se reduz”. Na

mesma direção se colocam as consi-

derações de Katoka et al. (1997),

quando apresentando os resultados

de uma pesquisa realizada nos hos-

pitais de São Paulo, recomendam da

importância de comparar as respos-

tas abertas e fechadas do questioná-

rio, pois “é comum o usuário atri-

buir uma avaliação alta, na respos-

ta fechada e, na aberta, fazer obser-

vações, com restrições e recomenda-

ções sobre o mesmo item” (Katoka,

1997). É por essas dificuldades que

Atkinsons (1993) questiona o tipo de

pesquisa geralmente utilizada na

avaliação da satisfação dos usuári-

os, pois “as opiniões positivas e

negativas sobre os serviços de saú-

de, raramente, são expressas em ter-

mo de satisfação ou insatisfação”

(Atkinson, 1993).

A satisfação dos usuários, em-

bora determinante, é insuficiente

para a avaliação da qualidade dos

serviços, por diferentes razões: a

relação ímpar entre pacientes e pro-

fissionais, a desigualdade de infor-

mação entre eles e a constante pre-

sença de estereótipos e preconceitos

(Bertin, 1995). Nessa linha, Willia-

ms (1994) afirma que a realização

da satisfação pode significar tam-

bém a inexistência de opinião ou a

aceitação do paternalismo médico.

É por essa razão que Donabedian,

já em seus trabalhos publicados em

1980, recomendava que a avaliação

da qualidade fosse baseada, não só

na satisfação dos usuários, mas

também na satisfação dos profissi-

onais e em fatores objetivos. O juí-

zo da qualidade, portanto, implica

o confronto entre diferentes atores.

Um papel importante, por exemplo,

tem que ser atribuído aos profissi-

onais que através de suas experi-

ências podem representar um ins-

trumento útil para avaliar a quali-

melhor qualidade da relação com o

paciente...”.

Nessa mesma linha, Schraiber &

Nemes (1996) destacam que a avali-

ação de serviços de saúde deve “di-

alogar diretamente com a dimensão

interna do trabalho, buscando cons-

tituir-se em prática administrativo-

gerencial capaz de reinserir os pro-

fissionais nas questões de qualida-

de dos serviços...”.

A primeira fase da pesquisa ava-

liativa, porém, caracterizou-se pela

rígida divisão entre profissionais de

saúde e avaliadores externos, limi-

tando dessa maneira qualquer for-

ma de interação entre os dois papéis

e, por isso, a escassa utilização dos

resultados de pesquisas avaliativas

no âmbito dos serviços. Atualmen-

te, segundo Robertson (1995), exis-

tem algumas pistas para desenvol-

ver possíveis processos de auto-ava-

liação na prática profissional dos tra-

balhadores dos serviços sociais e de

saúde. Existe, por exemplo, o ‘dese-

nho do caso particular’ (‘single case

design’), que tem como objetivo ve-

rificar a incidência do tratamento

realizado sobre o caso examinado,

buscando através de observação so-

bre o ‘caso’, a relação entre o resul-

tado obtido e a intervenção realiza-

da. Existe também uma ‘auto-avali-

ação’, realizada através do confron-

to entre a maneira de trabalhar dos

profissionais e os ‘padrões’ estabe-

lecidos pela corporação desses pro-

fissionais ou pelos especialistas

(‘peer review’).

dade. De fato, como apontam Jun-

queira & Auge (1996), a qualidade

depende de diversos fatores, sobre-

tudo do reconhecimento das neces-

sidades dos funcionários no desem-

penho de suas funções. A mesma sa-

tisfação dos funcionários, enquan-

to clientes internos, é determinante

para a qualidade dos serviços. Por

outra parte, a satisfação do profis-

sional, como evidenciou a pesquisa

de Halal et al. (1994), realizada nos

serviços de assistência primária,

está “diretamente associada com a

A SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS,EMBORA DETERMINANTE,

É INSUFICIENTE PARA A AVALIAÇÃO

DA QUALIDADE DOS SERVIÇOS.

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Avaliação da Qualidade em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 87

ALGUMAS ESTRATÉGIAS PARA MELHORARA COMUNICAÇÃO ENTRE USUÁRIOS

E SISTEMA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Pode-se dizer, resumindo, que o

controle da qualidade do atendimen-

to em saúde tem passado por dife-

rentes fases nos últimos vinte anos.

A) Na primeira fase, quando a

avaliação da qualidade levava em

consideração somente o lado da

oferta dos serviços, baseada nos co-

nhecimentos dos profissionais de

saúde, ela era de conhecimento auto-

referencial. Esta avaliação, realiza-

da através de indicadores como os

‘Diagnósticos por Grupo Afim’ (Di-

agnosis Related Group), visava ao

estabelecimento de padrão por cada

diagnóstico e, portanto, à racionali-

zação econômica das atividades dos

serviços. Entretanto, tratava-se de

uma racionalização somente do lado

da oferta, sem levar em conta a sa-

tisfação dos usuários.

B) A essas experiências técnico-

científicas de controle da qualidade

(segundo a visão dos profissionais),

com vistas à otimização da oferta

dos serviços, há seguido uma segun-

da fase, a partir da metade dos anos

80, caracterizada por ações de de-

núncia e reivindicações dos usuári-

os e de suas organizações represen-

tativas. As associações de defesa dos

direitos dos doentes começaram tam-

bém a conduzir, embora de forma

muito empírica, experiências de ava-

liação do desempenho dos serviços

de saúde. Essa mudança de enfoque

foi favorecida, também, pela crise

fiscal dos serviços e pelo envolvi-

mento dos usuários no financiamento

das prestações em saúde. Assim, os

usuários, chamados a participarem

diretamente das despesas em saúde

e dos objetivos de racionalização da

mesma, começaram a expressar seus

juízos e a exigirem mudanças das

estruturas e da práxis dos serviços.

Nessa nova perspectiva, através

do controle da qualidade por parte

dos usuários, espera-se poder redi-

a atual fraqueza do sistema sanitá-

rio, que é forçado a redefinir sua fron-

teira e a restituir aos sujeitos soci-

ais (mundo da vida cotidiana) o es-

paço anteriormente invadido (Porcu

& Barbieri, 1997).

Entretanto, atualmente, ainda se

observa a tendência de dar ênfase à

qualidade na visão dos usuários,

mais do que desenvolver uma teo-

ria e uma prática da qualidade mais

abrangente. A produção, nos últimos

anos, de um número significativo de

estudos e pesquisas sobre a avalia-

ção da satisfação dos clientes, na

área da saúde, demonstra como é

ainda vigente uma lógica de contra-

posição entre ‘consumer satisfation’

e a qualidade na visão dos profissi-

onais. Embora esta contraposição

tenha sido produtiva para focalizar

as duas polaridades e para identifi-

car os respectivos limites e potenci-

alidades, no entanto, ela aponta tam-

bém para problemas e dificuldades

operacionais, à medida que continua

acentuando as diferenças entre as

‘duas qualidades’ e propõe nova-

mente a divisão entre diferentes

‘auto-referências’ que, pelo contrá-

rio, teriam que ser recompostas.

C) A terceira fase do controle da

qualidade visa, portanto, à acentua-

ção da práxis da comunicação entre

os representantes da oferta e da de-

manda, para superar a contraposição

entre as duas ‘auto-referências’. Em-

bora existam alguns problemas me-

todológicos, para integrar a avalia-

ção ‘objetiva’ dos médicos e dos en-

ATUALMENTE, AINDA SE OBSERVA

A TENDÊNCIA DE DAR ÊNFASE ÀQUALIDADE NA VISÃO DOS USUÁRIOS,

MAIS DO QUE DESENVOLVER UMA

TEORIA E UMA PRÁTICA DA QUALIDADE

MAIS ABRANGENTE

recionar a oferta de serviços segun-

do as necessidades da demanda e

relançar a participação dos cidadãos

nos processos de atendimento à saú-

de. Essa nova abordagem poderia

também contribuir, segundo Ardigó

(1997a), para recompor a fratura

dialógica entre o sistema sanitário

e os atores sociais, fratura causada

pela tradicional assimetria da rela-

ção entre médico e paciente. Em ou-

tras palavras, o reconhecimento do

ponto de vista do usuário evidencia

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SERAPIONI, M.

88 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999

fermeiros com a avalição ‘subjetiva’

dos usuários, é necessário aproximar

gradualmente as distâncias entre os

dois pontos de observação da quali-

dade. É importante, por exemplo, que

do lado dos usuários e/ou de seus re-

presentantes, sejam avaliados, tam-

bém, os resultados do cuidado médi-

co no sentido profissional e científi-

co. É igualmente importante que a

avaliação realizada pelos profissio-

nais de saúde inclua a compreensão

da satisfação dos usuários, enquan-

to titulares de direitos de cidadania

(civis, políticos e sociais). Isso signi-

fica introduzir, no sistema de avalia-

ção dos serviços, indicadores que

possam medir os aspectos que defi-

nem a qualidade do cuidado do pon-

to de vista dos usuários.

INDICADORES DE QUALIDADE DO PONTODE VISTA DO USUÁRIO

A este respeito, é interessante

mencionar a recente reforma do Sis-

tema Sanitário Italiano (1992) que,

com o fim de garantir a constante

adequação dos serviços de saúde às

necessidades dos cidadãos, obrigou

a todos os gerentes dos sistemas lo-

cais de saúde e dos hospitais, a cri-

ação de um sistema de indicadores

para avaliar os seguintes aspectos

que, segundo o próprio Ministério de

Saúde, determinam a qualidade da

prestação de serviços em saúde (Ar-

digó, 1997a): 1) ‘personalização do

cuidado’, 2) ‘humanização da pres-

tação’ e 3) ‘direito à informação’.

Em relação à ‘personalização do

cuidado’, devem ser considerados

desqualificantes os serviços e presta-

ções que, embora válidos em termo

de qualidade técnico-científica, depri-

mem ou humilham a personalidade

do doente. Os indicadores de perso-

nalização/despersonalização deverão

portanto medir: i) o direito do doente

à privacidade, ou seja, ao máximo

de intimidade possível; ii) a qualida-

de das relações interpessoais entre

profissionais de saúde e pacientes; iii)

a possibilidade para o doente hospi-

de espaços físicos adequados, nível

de acesso para os familiares, presen-

ça de serviços, lanchonete, jornais,

telefone etc.), seja o sistema social

onde atuem os diferentes atores: ní-

vel de integração dos diferentes per-

fis profissionais, presença de pesso-

al qualificado para orientar os paci-

entes e seus familiares, tempo de es-

pera dos pacientes para aceder ao ser-

viço, presença de alguns métodos de

busca de insatisfação e de queixas dos

usuários etc.

O direito à informação é a base

para a formação de um autêntico

consenso do paciente a respeito das

intervenções diagnósticas, terapêu-

ticas ou cirúrgicas. Por isso, o aces-

so às informações representa um

importante aspecto da qualidade da

prestação de serviços em saúde. Os

indicadores do direito à informação

deveriam medir: i) a acessibilidade

do paciente às informações úteis

para resolver suas necessidades; ii)

a presença de recepcionistas qualifi-

cados nos diferentes serviços de saú-

de; iii) existência ou não de folhetos

informativos sobre as diferentes

prestações fornecidas pelos diversos

serviços, com localização, horários

e número telefônico para reservar ou

pedir informações; iv) a presença de

informações acerca dos custos das

principais prestações de serviço.

Nessa perspectiva de intercone-

xão entre os atores sociais e o siste-

ma de saúde, é interessante também

mencionar alguns trabalhos que já

tomaram essa direção: : : : : a pesquisa

talizado de manter os contatos com

pessoas de seu mundo vital.

“A humanização está relacionada

com os aspectos mais ‘soft’ ou ‘rela-

cionais’ do tratamento” (Ruta, 1993),

tais como o senso de confiança, cre-

dibilidade, confiabilidade a respeito

do serviços e de suas práticas sanitá-

rias. Os indicadores de humanização

deveriam medir se o ambiente dos

serviços de saúde é vivível, conside-

rando, seja o ambiente físico (presen-

ça de meios de transportes para paci-

entes dentro da estrutura, presença

O DIREITO À INFORMAÇÃO É A BASE

PARA A FORMAÇÃO DE UM AUTÊNTICO

CONSENSO DO PACIENTE A RESPEITO

DAS INTERVENÇÕES DIAGNÓSTICAS,TERAPÊUTICAS OU CIRÚRGICAS.

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Avaliação da Qualidade em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 89

realizada por Atkinson (1993) no

Ceará (Brasil), com vistas a identifi-

car, “áreas de consenso e de possí-

vel mediação” entre a perspectiva dos

usuários dos serviços de saúde (‘lay

perspective’) e a perspectiva dos pro-

fissionais; o estudo de Newton (1996)

demonstra como o processo de au-

ditoria médica pode ampliar o “atu-

al modelo médico” para “incluir os

pontos de vista dos pacientes e de

seus principais problemas sociopsi-

cológicos”. Igualmente, Mark Avis

(1997) destaca a importância de con-

siderar a experiência terapêutica do

paciente como parte integral do pro-

cesso da auditoria médica.

RUMO À CONSTITUIÇÃO DE COMISSÕESMISTAS PARA A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE

A fase mais avançada do proces-

so de integração entre os diferentes

sujeitos que operam dentro do siste-

ma de saúde é representada pela cri-

ação de ‘comissões mistas’, constitu-

ídas por usuários, profissionais e

outros atores sociais, nas diferentes

estruturas de saúde (hospitais, con-

sultórios, equipe de Saúde da Famí-

lia etc.) e nos diversos distritos. Es-

sas comissões poderiam trabalhar,

nos diferentes serviços, a identifica-

ção e a aferição de indicadores de

qualidade de ambos os lados e de-

senvolver uma abordagem de integra-

ção dos distintos pontos de vista dos

profissionais e dos usuários. Esta

perspectiva integracionista poderia

constituir uma estratégia fundamen-

tal para a superação seja da ‘auto-

referencialidade’ dos profissionais de

saúde e seja da tendência predomi-

nantemente remissiva ou reivindica-

tiva dos clientes e de seus represen-

tantes. Dentro desses grupos mistos

de trabalho, os usuários e seus re-

presentantes poderiam pressionar os

dirigentes para reorganizar os servi-

ços em função das necessidades dos

pacientes. Poderiam, por exemplo,

negociar com os profissionais de saú-

de produção-aquisição de prestação

de serviços fortalecerá, sem dúvida,

a comunicação e a interação e, em

última análise, contribuirá ainda para

remover as insatisfações dos usuári-

os e dos trabalhadores.

Interessantes experiências desse

tipo começaram a ser desenvolvidas,

nos últimos anos, em algumas cida-

des italianas. Em um grande Centro

Ortopédico de Bolonha, um centro

especializado de relevância nacional,

por exemplo, foi instituída a partir

do 1993, um “comitê misto”, compos-

to de dirigentes, organizações de tu-

tela dos direitos dos doentes e exper-

tos universitários, que começou a sua

atividade realizando uma ampla in-

vestigação sobre a qualidade, envol-

vendo profissionais do Instituto e

mais de 2.000 pacientes egressos do

hospital (Ardigó, 1997 b). Em outras

cidades italianas, as autoridades lo-

cais de saúde constituíram “grupos

de qualidade” formados por funcio-

nários, representantes dos usuários

e especialistas externos, com o fim

de “humanizar” o sistema dos servi-

ços hospitalares e distritais. Essas

experiências pioneiras de controle da

qualidade foram multiplicando-se nos

últimos três anos (Hanau C., 1996).

A atual organização do Sistema

Único de Saúde no Brasil apresenta

a grande vantagem de dispor já de

um órgão colegiado integrado por

representantes do governo, dos pres-

tadores de serviço, dos profissionais

de saúde e dos usuários. Trata-se dos

Conselhos de Saúde, instituídos para

de a melhoria do acesso dos serviços

ou tentar controlar as listas de espe-

ra, que geralmente representam uma

das mais prementes demandas de

qualidade por parte dos pacientes. As

comissões mistas certamente não aca-

barão com todos os conflitos e situa-

ções de não consenso entre os porta-

dores de diferentes interesses e direi-

tos, mas a existência de momentos

periódicos de confronto entre os dife-

rentes atores envolvidos no processo

A ATUAL ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA

ÚNICO DE SAÚDE NO BRASIL APRESENTA

A GRANDE VANTAGEM DE DISPOR JÁDE UM ÓRGÃO COLEGIADO INTEGRADO

POR REPRESENTANTES DO GOVERNO,DOS PRESTADORES DE SERVIÇO, DOS

PROFISSIONAIS DE SAÚDE E DOS USUÁRIOS.

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SERAPIONI, M.

90 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999

assegurar a participação da popula-

ção no controle do Sistema Único de

Saúde (SUS). Os conselhos municipais

e distritais representam uma grande

potencialidade para a experimenta-

ção e implantação de ‘comitês’ mis-

tos de avaliação da qualidade do aten-

dimento à saúde. A criação desses fo-

ros da ‘qualidade’ representaria, tam-

bém, uma estratégia para realizar

uma das principais funções dos Con-

selhos, prevista pela Lei Orgânica da

Saúde: “controlar e fiscalizar a exe-

cução da política de saúde”.

Entretanto, para evitar que esses

espaços de discussão e de confronto

sobre a qualidade se transformem

em ritualismos burocráticos ou em

reuniões exageradamente técnicas e,

ainda pior, em práticas mistificató-

rias de cobertura das tradicionais as-

simetrias de poder de negociação en-

tre os diferentes atores (Porcu & Bar-

bieri, 1997), é importante favorecer

a mudança das modalidades de re-

lações interpessoais, de maneira a

incentivar a comunicação e a empa-

tia entre profissionais e clientes. Para

este fim, a criação de comissão mis-

ta de avaliação deveria ser acompa-

nhada do desenvolvimento de ativi-

dades de auto-reflexão, atualização

e capacitação, tanto dos profissio-

nais, como dos usuários e seus re-

presentantes .

A experiência dos Conselhos Mu-

nicipais de Saúde, de fato, como de-

monstram os resultados de algumas

pesquisas (Ministério da Saúde,

1994; Secretaria de Saúde do Esta-

do de Bahia, 1996; Escola de Saúde

Pública do Ceará, 1997), ainda não

alcança superar a rotina burocráti-

ca e administrativa. Sobre os con-

selheiros estas pesquisas evidenci-

am: i) a não suficiente informação

para desempenhar seu papel, pois

as informações são concentradas

nos técnicos e não nos representan-

tes dos usuários; ii) a falta de co-

nhecimento de suas atribuições. Por

isso, é importante assumir como

prioridade a capacitação dos conse-

deve dotar-se de um enfoque con-

ceitual peculiar, diferente do utili-

zado para a avaliação de outros

produtos e serviços comerciais.

Nesse contexto, é necessário rela-

cionar diferentes atores com crité-

rios próprios de juízo, porque não

é possível basear-se somente na

avaliação exclusiva dos usuários

ou dos profissionais.

A avaliação da qualidade de um

serviço requer um processo de mul-

ticritérios, que implica o envolvi-

mento de diferentes atores (pacien-

tes, representantes dos usuários,

profissionais, administradores e es-

pecialistas), todos dotados de pers-

pectivas próprias de avaliação. Tam-

bém as organizações que represen-

tam os usuários de serviços devem

ocupar o centro do processo da ava-

liação, pois nem sempre os usuári-

os têm a capacidade de exigir os

seus direitos ou de julgar a quali-

dade dos serviços.

Essa abordagem, que Robertson

(1994) define como “democrática”,

recupera elementos próprios da

abordagem científica (que define a

qualidade de uma intervenção em

função de sua correspondência com

os padrões estabelecidos pela comu-

nidade científica dos profissionais),

e da abordagem dos usuários. Em

outras palavras, define-se que a ava-

liação da qualidade, sobretudo nos

serviços de saúde, deve basear-se

em um enfoque multidimensional,

que compreende: a) a avaliação da

satisfação dos usuários; b) a avali-

lheiros de saúde de forma a tornar

efetiva as suas atuações e a permi-

tir aos conselhos municipais e dis-

tritais exercerem as funções insti-

tucionais no âmbito dos Sistemas

Locais de Saúde.

CONCLUSÃO

Esta revisão das diferentes

abordagens e experiência sobre a

qualidade nos permite afirmar que

a avaliação dos serviços de saúde

TAMBÉM AS ORGANIZAÇÕES QUE

REPRESENTAM OS USUÁRIOS DE

SERVIÇOS DEVEM OCUPAR O CENTRO

DO PROCESSO DA AVALIAÇÃO, POIS NEM

SEMPRE OS USUÁRIOS TÊM A CAPACIDADE

DE EXIGIR OS SEUS DIREITOS OU DE

JULGAR A QUALIDADE DOS SERVIÇOS.

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Avaliação da Qualidade em Saúde

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 81-92, set./dez. 1999 91

ação técnica do processo de traba-

lho, pois não é possível pensar em

uma ‘qualidade’ desacompanhada

dos processos que determinam o

cuidado e a satisfação dos profissi-

onais diretamente envolvidos na

relação terapêutica; c) a avaliação

dos resultados realmente produzi-

dos na população beneficiária pela

intervenção.....

A constituição de ‘grupos de

qualidade’ dentro dos serviços de

saúde representam um espaço

apropriado onde usuários, profis-

sionais e outros atores sociais po-

dem confrontar-se, trabalhar para

melhorar a organização do siste-

ma de atendimento em saúde e, em

última análise, remover as insatis-

fações dos cidadãos.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece o apoio recebi-

do pela equipe de Escola de Saúde

Pública (ESP) do Ceará e, em especi-

al modo, a colaboração de Zacharía

Bezerra da Área de Comunicação da

ESP e a disponibilidade de Cassia

Alencar, Paula Pinheiro, Heléna Car-

valhêdo, Santiago Martins e Nelson

Chaar do Centro de Documentação da

ESP. O autor agradece, também, ao

Professor Marcelo Gurgel da Univer-

sidade do Ceará (UECE), por suas pre-

ciosas sugestões, e à Professora Lú-

cia Freitas da Universidade Federal

do Ceará, por sua colaboração à edi-

ção do texto português.

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 93-94, set./dez. 1999 93

ENSAIO

Como pensar ‘custo’ de forma mais abrangente no setor saúde

How to think more comprehensively about costs

Leyla Gomes Sancho1

1 Médica-Sanitarista – SMSA-BH/MG

Considerando o ‘trabalho em saú-

de’ enquanto um conjunto de ações,

as quais não guardam homogenei-

dade no seu modo de produção, seja

entre elas ou a uma especificamen-

te, torna-se difícil pensar a constru-

ção do denominado ‘Custo Padrão’.

Conseqüentemente, para avaliarmos

qual seria o valor mais adequado a

este custo, deve ser considerado, con-

comitantemente, outras variáveis.

Pontuaria, especialmente, a qualida-

de da ação prestada e a mensuração

quantitativa (produtividade).

A avaliação de qualidade ainda

é de difícil percepção pelo conjunto da

sociedade, ou seja, o balizamento do

nível de satisfação da população em

relação à prestação de serviços de

saúde. Isso ocorre muitas vezes, in-

clusive, pelo fato dessas ações não

apresentarem uma certa normaliza-

ção na sua execução. Nesse sentido,

e até parafraseando Donabedian,

um critério de qualidade do trabalho

em serviços de saúde seria a não su-

pressão da individualidade e da espe-

cificidade da situação de um ‘caso’ em

favor da norma rígida; nem, inversa-

mente, atribuída uma tal importância

às particularidades que as condições

normais previstas não as realizem.

Já a avaliação da produtividade,

estando atrelada a uma programa-

ção de metas e esta, elaborada a

partir de parâmetros diversificada-

mente consagrados nos diversos ser-

viços, inferirá um superávit ou défi-

cit na produção, independente do

produtivo e fragmentado modo de

produção taylorista comum nos ser-

viços de saúde. Esse ponto é de suma

importância, isto porque o superá-

vit, que tem como óbvia conseqüên-

cia a diminuição dos custos, poderá

sugerir, até paradoxalmente, uma

possível deterioração da qualidade

da prestação da ação. Já o déficit

ocasionará a ociosidade do serviço,

com um conseqüente aumento de

custo, que a bem da verdade não é

determinante de qualidade.

Como pode ser observado, existe

um paradoxo nessas colocações.

Entretanto, essas variáveis não po-

dem ser desprezadas, devendo, sim,

ser balizada a outras formas de apro-

ximação do melhor custo.

Tendo-se a possibilidade de

acesso às informações da compo-

sição dos custos das ações (ex: di-

ária, hora-cirurgia, consulta médi-

ca etc.) dos estabelecimentos que

compõem a rede de prestadores de

serviço ao atendimento dessa po-

pulação, de alguma maneira pode-

se, mesmo que de maneira rudi-

mentar e pouco específica, perceber

o processo de produção das mes-

mas. Vale ressaltar que existem

metodologias de apuração e não

propriamente de apropriação dos

custos, que despersonalizadas não

são indicativas do processo.

Cientificamente, em relação às me-

todologias de apropriação de custos,

pode-se construir os chamados ‘custos

por procedimentos’ (Accounting Basic

Costs) – clínicos ou cirúrgicos –, e

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94 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 93-94, set./dez. 1999

ENSAIO

estes nos possibilitará um passo

maior no conhecimento de como o

processo de produção vem-se reali-

zando nos diversos estabelecimen-

tos prestadores de serviço, inclusive

subsidiando uma efetiva discussão

gerencial. Esta, certamente, é uma

metodologia que pressupõe uma re-

lação de causa e efeito.

Portanto, quando pensarmos na

utilização desse importante instru-

mento de planejamento para os pro-

cessos licitatórios de compra de

ações (serviço), deveremos ter cla-

reza da possibilidade da apresen-

tação de distintos valores pelos pos-

síveis fornecedores, posto que es-

ses estarão atrelados ao processo

de trabalho. Nesse sentido, não po-

deremos nos ater somente no crité-

rio do menor valor apresentado,

mas nos ater e pensar, não em um

custo padrão, mas em uma padro-

nização do custo, ou seja, uma ten-

tativa de formalização de protoco-

los flexíveis assistenciais, que as-

sociada à avaliação da qualidade e

da produtividade, nos indicará o

melhor custo e este, sim, ser o efe-

tivo balizador da contratação des-

ses serviços.

Esse processo será fundamental,

também, não só para o balizamento

dos atuais valores dos procedimen-

tos da tabela SIA/SIH/SUS, como tam-

bém nos auxiliará enquanto mais

um indicador na avaliação da quali-

dade da prestação do serviço. Se fi-

zermos uma avaliação, grosso

modo, dos atuais valores da tabela,

até mesmo pelo comportamento his-

tórico dos ajustes e pela não utiliza-

ção da ferramenta custo na sua con-

secução, nos indica possíveis distor-

ções. Pela nossa pequena experiên-

cia, o setor público, responsável pela

maioria da prestação das ações am-

bulatoriais, está percebendo receita

inadequada ao seu custeio.

Até mesmo pela demonstrada

vontade política de continuidade no

processo de descentralização finan-

ceira, através da gestão semiplena

aos municípios, há indubitavelmen-

te uma premente necessidade neste

processo do efetivo conhecimento do

real custo das ações e, nesse senti-

do, faz-se mister pensarmos como

alcançaremos este objetivo. Essa co-

locação pauta-se na percepção de que

este será um trabalho que deman-

dará um razoável tempo e que ne-

cessitará de uma equipe multidisci-

plinar à sua consecução.

O tempo expresso como neces-

sário à realização deste trabalho, de-

corre ao fato da significativa falta

de dados nas instituições para o sub-

sidiar. Quando este existe, o mesmo

não contém a necessária especifici-

dade. Outras vezes, o dado para ser

gerado depara com concretos empe-

cilhos, tais como: a questão da cul-

tura institucional e seus vícios.

A justificativa para a necessida-

de de uma equipe multidisciplinar

está reforçada pela observação de

que a diversidade de dados a ser tra-

balhada necessita de um grupo com

formação tanto na área administra-

tiva como na área assistencial, isto

é, pressupondo uma discussão de

gerência de custos.

CONCLUSÃO

Se é verdade, então, que existirá

uma necessidade de um trabalho co-

operado para uma maior agilização

na obtenção deste resultado, dever-

se-á ter em mente a existência de uma

efetiva diferença nos valores de cus-

to das ações de saúde nas diversas

regiões macroeconômicas em que es-

sas são produzidas. Nesta medida,

seria natural, no mínimo, pensarmos

em tabelas macrorregionais.

A bem da verdade, a produção

desse documento prende-se à idéia

de contribuir no concreto momento

de dificuldade orçamentária-financei-

ra do financiamento do setor saúde

que estamos vivenciando.

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999 95

RESENHA

Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios?Fim de Século: ainda manicômios? Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.) Maria Inês Assumpção Fernandes, Ianni Régia Scarcelli & Eliane Silvia Costa (Orgs.)

São PSão PSão PSão PSão Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Psicologia da Universidade de São Paulo (aulo (aulo (aulo (aulo ( IIIIIPUSPPUSPPUSPPUSPPUSP), 1999, 208p.), 1999, 208p.), 1999, 208p.), 1999, 208p.), 1999, 208p.

ISBN: 85-86736-02-3

Essa é uma indagação que se impõe no momento de mudança para uma nova era.

Se a história da psiquiatria é de um processo de asilamento, de medicalização do social, de exclusão, de segrega-

ção e de normalização do fenômeno do diferente, o Movimento da Luta Antimanicomial surge em contrapartida como

uma construção ativa da utopia ‘Por uma Sociedade Sem Manicômios’, na qual a desinstitucionalização do outro, do

desviante aparece como a possibilidade da produção de uma sociedade fundamentada no exercício pleno da cidada-

nia, na liberdade, na justiça social, na convivência dos diferentes. Essa concepção nos permite abordar o processo de

produção do sofrimento mental a partir dos processos desiguais de condições de existência.

O sentido do manicômio é amplo e pode ser pensado como o núcleo da questão. Esse termo é utilizado como uma

metáfora da violência contida em todas as relações de desigualdade e exclusão.

É nesse contexto que se insere o lançamento do livro Fim de Século: ainda manicômios?, resultado do simpósio

realizado durante a Semana de Luta Antimanicomial no ano de 1997, organizado pelo Laboratório de Estudos em

Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Centro Acadêmi-

co Iara Iavelberg, Coral Cênico de Saúde Mental com o apoio do Fórum Paulistano de Saúde Mental.

Livro instigante que nos remete a inúmeras questões e que apontam para algumas preocupações de estudiosos e

pesquisadores que pensam a subjetividade, a exclusão, neste contexto de fim de século. É um convite à reflexão da

nossa realidade atual sob o prisma da questão antimanicomial.

Os textos, nele reunidos, reivindicam cada um, à sua maneira, uma forma a enriquecer o que há de essencial no

tema; inscrevem-se sob o mesmo pano de fundo – a intolerância com os diferentes, a exclusão e a segregação – ora

explícito, ora implícito. Representam uma importante e consistente contribuição para o Movimento da Luta Antimani-

comial e proporcionam o questionamento de relações sociais e políticas e da subjetividade produzida neste fim de

século. Todavia vão além, questionam valores e práticas de saber e de poder, produzindo, como nos diz Adorno,

perspectivas “nas quais o mundo analogamente se desloque, se estranhe, revelando suas fissuras e fendas, tal como

um dia, indigente e deformado(....)”

Dividido em quatro partes, o livro inicia com uma bela homenagem, proferida pelo professor do Instituto de

Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), João A. Frayse-Pereira, à precursora no Brasil de práticas inovadoras

no tratamento dos pacientes psiquiátricos: Nise da Silveira. O autor define de forma bastante significativa o Museu de

Imagens do Inconsciente como “museu vivo”, como “lugar onde criadores e criaturas podem realizar, sem que saibam

como, o mistério da criação”.

Na primeira parte, o livro discute a relação entre exclusão e cidadania na modernidade, as formas de subjetivação

produzidas nesse contexto e o lugar da Luta Antimanicomial. A professora Maria Inês Assumpção Fernades, do IPUSP,

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96 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999

RESENHA

faz uma profunda reflexão sobre a complexidade da questão. Revela uma situação de vulnerabilidade dos protago-

nistas desse movimento, ao indicar a ambivalência entre os discursos e práticas: “a incorporação de um discurso e

a criação de novas modalidades de ação em saúde não garantem a extinção dos mecanismos de exclusão e segre-

gação”. Afirma, também, que a tarefa de pensar a subjetividade no contexto atual de fim de século é complexa, pois

a luta, hoje, é: “contra um modelo de desenvolvimento que transformou a subjetividade num processo de individu-

ação ... burocrática e subordinou a vida às exigências de uma razão tecnológica que converte na realidade o sujeito

em objeto de si próprio”.

A importância do processo da Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica Brasileira no enfrentamento do

parque asilar, vem sendo objeto de sistemático estudo do Professor Paulo Amarante, do Laboratório de Estudos e

Pesquisas em Saúde Mental da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). No seu artigo, procura desvendar o

feixe de relações existentes nesse fenômeno e nos chama a atenção para a complexidade dessa luta, ao destacar

quatro campos para a aproximação desse processo: teórico-conceitual, técnico assistencial, jurídico-político e sociocul-

tural. Reafirma a importância de combater a hegemonia hospitalocêntrica, e negar a sua legitimação como local de

cura ou de tratamento, “mas principalmente os poderes e saberes que o legitimam, desde o paradigma clínico até a

cultura manicomial, tendo como princípio básico a ruptura com a tradição científica positivista”.

Esta questão perpassa o texto da professora Olgária Matos, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

da USP. Questiona a tradição científica positivista ao relativisar o conceito de progresso tecnológico e suas

conseqüências: “a idéia de progresso faz coincidir avanços tecnológicos e científicos com os da humanidade enquanto

tal, esquecendo as regressões da sociedade. Estas são consideradas acidentes de percursos no rumo a futuro glorioso.

Fala-se do progresso obliterando suas vítimas”.

Também é merecedora de destaque a segunda parte do livro em que os artigos apresentam uma discussão sobre

políticas públicas, neoliberalismo e movimento antimanicomial na América Latina. Os artigos apresentam temas que,

se pudermos generalizar, estão presentes na maioria dos textos deste livro. Os autores apontam para a relação entre

a realidade sociopolítica e a construção das subjetividades. Este trecho do Dr. Nacile Daud Júnior, médico psiquiatra,

apresenta de forma exemplar as questões discutidas: “O modelo perverso diz respeito a introjeção de componentes

ideológicos da tecnoburocracia e cria uma racionalidade que elimina o senso ético e os sentimentos.”

Na terceira parte, os autores discutem a formação acadêmica e procuram demonstrar e ilustrar que os mecanis-

mos de segregação, produtores de relações e práticas manicomiais, ocorrem em vários tipos de instituições. A

Professora Maria Helena Souza Patto, do Instituto de Psicologia da USP, faz um exame dos textos que estão na base

do movimento antimanicomial, entendendo que esses “autores operam uma ruptura radical, que tem no cerne o

desvelamento do arbítrio e do compromisso com o disciplinamento instalado no coração das instituições de preven-

ção e cura, a serviço de uma ordem social que vai ao encontro dos interesses do capital”. Patto, numa leitura crítica

da Universidade, coloca-a em um lugar de resistência, “uma resistência que assuma sobretudo a foram de insistên-

cia em pensar, de reflexão teimosa, que rejeite a burocratização do espaço universitário e sua administração

segundo critérios universais”.

Na quarta parte são abordados temas relacionados à saúde, em uma concepção que tem a cidadania como eixo

norteador. Saúde entendida de forma ampla, determinada socialmente e, portanto, fruto de políticas de governo que

promovam condições adequadas de vida ao conjunto da população, contrapondo-se à orientação neoliberal na qual

esta questão é pretensamente resolvida pelo mercado – “um neodarwinismo social que exalta, sem nenhum condici-

onamento, a sobrevivência do mais apto e a supremacia do egoísmo sobre o bem comum” (Berlinguer, 1993:162).

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999 97

RESENHA

É sob este eixo que a proposta antimanicomial, dentro do pressuposto do Sistema Único de Saúde (SUS), aparece

nos artigos de Isabel Cristina Lopes, Júlio Cézar Giúdice Maluf e Ianni Regia Scarcelli. Os artigos vão alinhavando uma

experiência, em que prática e teoria constituem-se dialeticamente.

Lopes faz uma breve consideração histórica da psiquiatria brasileira, e através da experiência dos Centros de

Convivência e Cooperativas (CECCO) aponta para a importância da experiência na produção da saúde e na construção das

subjetividades, “a produção de sentido requer inscrição subjetiva nesses corpos, requer apropriação da experiência,

pressuposto causal do pertencimento”. A autora aponta para a importância da garantir aos portadores de necessidades

especiais a retomada da cidadania. Demonstra uma experiência, onde articula arte e trabalho nesta perspectiva.

Sob a ótica do Estado público, o trabalhador passa a ser o agente, um elemento estratégico para a implantação e

manutenção do SUS, que preconiza como imprescindível o estabelecimento do vínculo entre os trabalhadores e a

população, propiciando a cidadania de todos os lados e a necessidade das equipes multiprofissionais para a susten-

tação do trabalho específico do setor, com a proposta de construir um conhecimento transdisciplinar que possibilite

uma maior aproximação da realidade social.

Essas questões nos remetem ao artigo em que Ianni Régia Scarcelli faz uma reflexão sobre as formas de

inserção dos trabalhadores em saúde mental na implantação da rede substitutiva paulistana. Busca desvendar a

grande diversidade de conflitos entre os trabalhadores decorrentes da prática, tema de sua dissertação de mestra-

do, apresentada na USP, no ano de 1998. É a partir desta busca que a autora aponta que a “circulação social das

idéias que justificam a exclusão é determinante na constituição da subjetividade e imprime na relação com o outro,

o medo do ‘diferente’, da loucura.” Discute a importância de lançarmos um olhar cuidadoso nas relações interpes-

soais, trazendo o quanto a exclusão, “se reproduz, cristaliza-se e realimenta a ideologia da normalidade no âmbito

das relações interpessoais”.

É este o movimento da maioria dos textos, esta relação do macro e do micro que se retroalimentam. Esta preocu-

pação com os detalhes, com as fissuras, que produzem o todo, e são parte constitutivas do mesmo.

Os artigos descrevem uma realidade que, por um lado, é resultante de uma atividade humana – de movimentos

populares, trabalhadores, usuários e familiares dos serviços de saúde mental –, todavia, por outro, pelas condições

adversas impostas pela política ‘neoliberal’, essa realidade pode aparecer como uma resultante que se autonomizou,

que muitas vezes escapa ao controle dos sujeitos desta atividade, considerando a universalização do princípio da

lógica da mercadoria na dimensão objetiva e subjetiva.

O livro aponta para a inquietação de revelar os mecanismos segregadores e a conseqüente violência decorrente

disso. Os artigos caminham na direção de “estabelecer estratégias de pensamento” para inserção social dos indivídu-

os como afirma Fernandes. Sempre na perspectiva de que estas questões – exclusão, diversidade, divergência – não

são naturais, mas histórica e socialmente produzidas, possuindo raízes profundas nas relações de poder constitutivas

das relações humanas e institucionais.

A relevância de debruçar-se sobre este tema, hoje é dada, considerando o advento das políticas neoliberais, que

produzem um processo de aprofundamento nas condições de pobreza e exclusão vividas pelas maiorias, em nome e

benefícios do mercado, o que resulta na mercantilização da vida social e na restrição do acesso da grande maioria da

população aos direitos básicos, gerando, desta forma, um quadro de exclusão social. Assim este fim de milênio produz

várias formas de exclusão: a desigualdade social, a injustiça e o sofrimento subjetivo proveniente desta realidade. Uma

realidade onde dimensão da cidadania é atrofiada e o único aspecto da subjetividade que passa, cada vez mais, a ser

considerado é o de consumidor. Homogeneizando-se os desejos e desqualificando-se qualquer diferença.

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98 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 95-98, set./dez. 1999

RESENHA

Nessa medida, parece-me que estes princípios de exclusão, de opressão podem ser resumidos no conceito de

violência de Marilena Chauí (1985), quando a define “como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa

relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e de opressão, isto é, a conversão dos

diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como uma ação que

trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. (...) Quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou

anuladas há violência”.

Desta forma, a violência nas sociedades capitalistas se explicita por meio de relações assimétricas e conflitantes,

geradoras de tensões e antagonismos. Na medida em que os grupos dominantes legitimam as desigualdades, através

de coerções físicas e psicológicas, instituem um não lugar social, onde os não cidadãos disputam fragmentos de um

espaço de expressão inclusive através da delinqüência. O custo no plano social, decorrentes deste modelo assistencial

iatrogênico e segregador, são elevados.

Enfim, os textos deste livro nos remetem para a utopia de uma sociedade sem manicômios, com uma ordem social

mais justa, todavia destacam um obstáculo: o quadro das políticas públicas no neoliberalismo e na globalização.

É importante ressaltar que a importância deste livro está numa abordagem que desloca os termos como o portador

de sofrimento mental é percebido, colocando em foco o sentido histórico e político do desmanche dos direitos sociais

que vem ocorrendo nos tempos atuais.

Em todas essas questões há um conjunto de aspectos que desafiam, sem dúvida, o interesse de muitos. Estabelece-

se um novo nível de análise, baseado em grande medida na busca da superação da exclusão e na construção de um

outro lugar social para a loucura, para a diferença, para a diversidade, e para a divergência.

Estes textos podem servir de fonte para todos que se interessam em refletir estas questões, para se aprofundar

num pensamento, enfim pode tornar-se referência no debate contemporâneo.

Marisa Fefferman

Doutoranda em Psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Pesquisadora do Instituto de Saúde

Secretária Estadual de Saúde de São Paulo

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. 99, set./dez. 1999 99

SINOPSE DE TESES

SSSSSOUZAOUZAOUZAOUZAOUZA, Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. , Waldir da Silva, 1999. Associações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no MunicípioAssociações de Usuários e Familiares Frente à Implantação da Política de Saúde Mental no Municípiodo Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) do Rio de Janeiro (1991–1997) (José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro(José Mendes Ribeiro & & & & & P P P P Paulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoraulo Duarte de Carvalho Amarante, orientadoreseseseses). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,). Dissertação de Mestrado,Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. 179p.

A presente dissertação analisa a ação política de três associações de usuários e familiares, do município do Rio de

Janeiro, a Sociedade de Serviços Gerais para a Integração pelo Trabalho (SOSINTRA), a Associação de Amigos, Familia-

res e Doentes Mentais do Brasil (AFDM), e a Associação dos Parentes e Amigos da Colônia Juliano Moreira (APACOJUM),

interpretadas enquanto grupo de interesses em uma arena específica, o Conselho Municipal de Saúde (CMS) do Rio de

Janeiro. As associações apresentam, como essência central, uma ação política na qual difundem a construção de

identidades democráticas no marco das instituições representativas, com a constituição de formas coletivas de solida-

riedade e de ajuda mútuas. Representam segmentos sociais que até então encontravam-se excluídos do debate, ou da

possibilidade de participar diretamente no processo decisório sobre a formulação e implementação das políticas

públicas de saúde/saúde mental, campo este largamente dominado pelo discurso técnico. Assim, em sua ação política,

tais grupos buscam influenciar na implementação e execução das políticas via a participação nas instâncias colegia-

das definidoras do rumo daquelas. Para isso apresentam propostas e defendem seus interesses, funcionando como

inputs para os formuladores das políticas.

SSSSSILVAILVAILVAILVAILVA, Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. , Ana Lúcia Abrahão da, 1999. Reforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de BetimReforma dos Serviços de Saúde: um olhar sobre o Hospital Público Regional de Betim(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,(Gastão Wagner de Souza Campos, orientador). Dissertação de Mestrado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas,Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.Universidade Estadual de Campinas. 182p.

Esta pesquisa tem por objetivo identificar as inovações no campo gerencial e assistencial ocorridas no Hospital

Público Regional de Betim, a partir da implantação da proposta de “gestão democrática do trabalho em equipe”. Foi

desenvolvida na forma de estudo de caso, sendo analisada a experiência e as estratégias utilizadas para a implantação

do modelo. O modelo de gestão democrática do trabalho em equipe apresenta importantes contribuições para a gestão de

unidades de saúde, embora não dê conta de situações críticas relativas às especificidades dessas organizações. As

principais contribuições do modelo proposto por Gastão Wagner são: introdução de uma dinâmica de gestão colegiada;

ênfase na descentralização interna, com incentivo à comunicação lateral; organograma horizontalizado; ênfase na articu-

lação do modo de assistir e gerenciar; modo de trabalho centrado em equipe, com a participação da supervisão matricial.

Os resultados levantados revelam que a implantação do modelo gerencial, alicerçado no colegiado, consegue imprimir

importantes mudanças na dinâmica organizacional, tanto no âmbito da assistência, como na forma de gerir a unidade,

dentre as quais destacamos: descentralização e autonomia das unidades de produção; gestão colegiada, possibilitando

a explicitação dos conflitos internos à organização; aumento da integração entre os diversos setores do hospital.

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SAÚDE EM DEBATE – Revista do

Centro Brasileiro de Estudos de

Saúde (CEBES), publicada quadri-

mestralmente em abril, agosto e

dezembro, é distribuída a todos os

associados em situação regular

com a tesouraria do CEBES. Aceita

trabalhos sob forma de artigos, si-

nopse de teses, eventos e resenhas

de livros na área da saúde coleti-

va que apresentam interesse aca-

dêmico, político e social.

Os textos enviados para pu-

blicação são de total e exclusiva res-

ponsabilidade dos autores.

É permitida a reprodução to-

tal ou parcial dos artigos desde que

se identifique a fonte e a autoria.

A publicação dos trabalhos

será condicionada a pareceres dos

Membros do Conselho Editorial e

do quadro de Conselheiros Ad Hoc.

Eventuais sugestões de modifica-

ções da estrutura ou do conteúdo,

por parte da Editoria, serão previ-

amente acordadas com os autores.

Não serão admitidos acréscimos ou

modificações depois que os traba-

lhos forem entregues para a com-

posição.

ARTIGOS

Seqüência de Apresentação do

Texto

1. Título em português e tí-

tulo em inglês.

2. Folha de apresentação com

nome completo do(s) autor(es), en-

dereço, e-mail e no rodapé as refe-

rências profissionais.

3. Resumo em português e in-

glês (abstract), em que fique clara

INININININSSSSSTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESTRUÇÕES PARA COLABORADORESATENÇÃO: NÃO SERÃO ACEITOS TRABALHOS QUE NÃO ESTEJAM DE ACORDO COM AS INSTRUÇÕES PARA COLABORADORES!!

uma síntese dos propósitos, dos

métodos empregados e das princi-

pais conclusões do trabalho; pala-

vras-chave e key words, mínimo de

três e máximo de cinco palavras,

não ultrapassando o total de 700

caracteres (aproximadamente 120

palavras).

4. Artigo propriamente dito.

a) as marcações de notas de

rodapé e/ou de referências bibli-

ográficas no corpo do texto, de-

verão ser sobrescritas. Ex.:

municípios1.

b) para as palavras ou tre-

chos do texto que são destacados

a critério do autor, utilizar aspas

simples. Ex.: ‘estar gerente’.

c) os autores citados no cor-

po do texto deverão estar todos

em caixa alta e baixa (só a pri-

meira letra maiúscula). Ex.:

Motta, Dussault & Nogueira

(1996:87).

d) quadros e gráficos deve-

rão ser apresentados, tam-

bém, em folhas separadas do

texto, numerados e titulados

corretamente com indicações

das unidades em que se ex-

pressem os valores e fontes

correspondentes.

e) Fotos para ilustração do

artigo deverão ser em papel bri-

lhante e em preto e branco, con-

tendo no verso o nome do autor

da mesma.

5. Referências Bibliográficas

deverão ser apresentadas no final

do artigo observando-se as nor-nor-nor-nor-nor-

mas da ABNTmas da ABNTmas da ABNTmas da ABNTmas da ABNT (Edif. Central, sala

401 SCS – Brasília – DF – CEP:

70304-900. Fone: (61) 233-5590

Fax.: (61) 233-5710). A exatidão

das referências bibliográficas é de

responsabilidade dos autores.

As Referências deverão ser ci-

tadas sempre em ordem alfabé-ordem alfabé-ordem alfabé-ordem alfabé-ordem alfabé-

tica crescentetica crescentetica crescentetica crescentetica crescente. No caso de várias

obras do mesmo autor, ordená-las

em ordem crescente de acordo com

o ano da publicação (do mais anti-

go para o mais recente).

No texto, citar sobrenome do

autor e ano da publicação, como em

Lutz (1919) ou em Guimarães &

Pereira (1934).

Não devem ser abreviados tí-

tulos de periódicos, livros, edito-

ras ou outros.

Quando a obra tiver até três

autores – separar com ponto e vír-

gula. O penúltimo liga-se ao últi-

mo pelo símbolo &&&&&. Ex.: PEREIRA,

Luís Carlos; TESTA, Mario & MEN-

DES, Eugênio Vilaça.

Com mais de três autores – per-

manece o nome do primeiro e logo

após acrescenta-se et al.

Ex.: BERMAN, Silvia; VALLA, Vic-

tor; TESTA, Mario; MATUS, Carlos. [al-[al-[al-[al-[al-

tera-se para]tera-se para]tera-se para]tera-se para]tera-se para] BERMAN, Silvia et al.

Autor citado, com mais de uma

obra própria, do mesmo ano, se-

guir o exemplo: (Piaget, 1990:174),

(Piaget, 1990a:235), (Piaget,

1990b:43) – proceder igualmente

tanto no texto quanto nas Referên-

cias Bibliográficas.

No texto, quando citadas duas

ou mais obras distintas do autor,

simultaneamente:

(Piaget, 1980, 1991), (Berhinng,

1976, 1979, 1985)

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SIGLAS: SIGLAS: SIGLAS: SIGLAS: SIGLAS: deverão ser esten-

didas sempre que surgirem pela pri-

meira vez no texto; depois, pode-

se continuar usando somente a si-

gla correspondente.

EX.: A Organização Mundial da

Saúde... (1a vez que aparecer)

A OMS... (2a vez que aparecer)

PPPPPara livro:ara livro:ara livro:ara livro:ara livro:

a) nome do autor por extenso;

b) data da publicação;

c) título da obra em itálico;

d) número da edição (se não for a

primeira);

e) local da publicação;

f) nome da editora;

g) páginas utilizadas.

Ex.: BELTRÃO, Luiz & QUIRINO,

Newton de Oliveira, 1986. Subsídios

para uma Teoria da Comunicação de

Massa. São Paulo: Summus. p.214.

Ex.: DA MATTA, Roberto, 1991. A

Casa e a Rua. Espaço, Cidadania,

Mulher e Morte no Brasil. 4.ed. Rio

de Janeiro: Guanabara Koogan.

P P P P Para capítulo de livro:ara capítulo de livro:ara capítulo de livro:ara capítulo de livro:ara capítulo de livro:

Ex.: CAMPOS, Gastão Wagner, 1994.

Considerações sobre a arte e a ciência

da mudança: revolução das coisas e

reformas das pessoas o caso da saú-

de. In: CECÍLIO, Luis Carlos de Oliveira

(Org.) Inventando a Mudança na Saú-

de. São Paulo: Hucitec. p.29-88.

Onde:

– Considerações sobre a arte e

a ciência... (é o capítulo do livro); e

– Inventando a Mudança na Saú-

de (é o nome do livro).

P P P P Para artigo:ara artigo:ara artigo:ara artigo:ara artigo:

a) nome do autor por extenso;

b) data da publicação

c) título do artigo;

d) nome do periódico em itálico;

e) número do volume;

f) número do fascículo;

g) páginas utilizadas.

Ex.: Minayo, Maria Cecília de

Souza, 1991. Abordagem antropo-

lógica para avaliação de políticas

sociais. Revista de Saúde Pública,

25(3):233-238.

P P P P Para tese:ara tese:ara tese:ara tese:ara tese:

Ex.: URIBE RIVERA, Francisco Ja-

vier, 1991. O Agir Comunicativo e

a Planificação Estratégica no Se-

tor Social (e Sanitário): um contra-

ponto teórico. Tese de Doutorado,

Rio de Janeiro: Escola Nacional de

Saúde Pública, Fundação Oswal-

do Cruz.

Onde:

– O Agir Comunicativo e a Plani-

ficação... (é o nome da tese).

EXTENSÃO DO TEXTO

O artigo propriamente dito deve

conter até 15 laudas.

Obs.: 1 lauda tem 1400 caracte-

res, portanto a cada 20 linhas de

70 caracteres resulta em 1 lauda.

Na carta de apresentação do arti-

go, o(s) autor(es) deve mencionar

o no de laudas do referido.

ENVIO DO ARTIGO

1. Os trabalhos para aprecia-

ção do Conselho Editorial devem

ser enviados à Secretaria Executi-

va do CEBES – Av. Brasil, 4036 –

sala 1010 – Fundação Oswaldo

Cruz – CEP: 21040-361 – Mangui-

nhos – Rio de Janeiro – RJ – Tel.:

(21) 590-9122 ramais 240/241 –

Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21)

590-9122 ramal 241.

2. Deverão ser apresentados

em três vias.

3. Devem ser enviados com uma

página de rosto, onde constará tí-

tulo completo, nome do(s) autor(es)

com endereço completo, telefone,

fax e e-mail de todos os autores.

4. O disquete será solicitado pela

Secretaria Executiva após a apro-

vação para publicação do artigo

encaminhado. Aceitaremos textos

no programa Word for Windows 7.0

em disquete 3.5.

5. Os gráficos e/ou tabelas de-

verão ser apresentadas em arqui-

vo separado, no mesmo disquete.

TESES

Dissertações e teses defendidas

nas principais instituições de pós-

graduação na área da Saúde Públi-

ca/Coletiva, informando título, autor

e endereço completo da instituição

que examinou o trabalho (observar

Revista Saúde em Debate no 49/50).

RESENHAS

Serão aceitas resenhas de livros

de interesse da área da Saúde Coleti-

va e Saúde Pública, a critério da Co-

missão Editorial. Devem conter até

três laudas (1 página de revista).

Devem dar uma noção do conteúdo

da obra, de seus pressupostos teóri-

cos e do público a que se dirige.

OBS.:OBS.:OBS.:OBS.:OBS.: para outras seções que

não constem nestas instruções, fa-

vor considerar as páginas 04-06 da

Revista Saúde em Debate, no 52.

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ASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AOASSOCIE-SE AO C C C C CEBESEBESEBESEBESEBES E RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTASE RECEBA AS NOSSAS REVISTAS

PREZADO (A) SENHOR (A),

O CEBES tem duas linhas editoriais: revista Saúde em Debate, que o associado recebe periodicamente, e Divulgaçãoem Saúde para Debate, cuja edição é feita sob encomenda.

QUEM SOMOS

Desde a sua criação, em 1976, o CEBES tem como centro de seu projeto a luta pela democratização da saúde e dasociedade. Nesses 23 anos, como centro de estudos que se organiza em núcleos, aglutinando profissionais e estudantes,seu espaço esteve assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta, seja em nível demovimento social, das instituições ou do parlamento.

Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado em fortalecer seu modelo democrático epluralista de organizações; em orientar sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir naspolíticas e práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e a formulação teórica sobre as questões desaúde; e em contribuir para a consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma nova sociedade.

A produção editorial do CEBES tem sido fruto do trabalho coletivo de centenas. Estamos certos que continuará assim,graças ao seu apoio e participação.

A ficha abaixo é para você tornar-se sócio ou oferecer a um amigo! Basta enviar a taxa de associação (anui-dade) de R$ 50,00 (cinqüenta reais) em cheque nominal e cruzado, junto com a ficha devidamente preenchida, emcarta registrada.

CORRESPONDÊNCIAS E VALORES DEVEM SER ENVIADOS PARA:

CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de SaúdeCGC 48.113.732/0001-14 – Inscrição Estadual: isentoDiretoria Nacional Av. Brasil, 4036 – Sala 1010 – Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 21040-361Fone: (21) 9695-7663/590-9122 ramais 240/241 – Fax.: (21) 590-9122 ramal 24home-page – http://www.ensp.fiocruz.br/cebes/cebes.html, e-mail: [email protected]

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