159
7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 1/159 Quarenta e Cinco Dias em Angola Apontamentos de Viagem - 1862. Autor anônimo Nova Edição – Um Retrato Fiel do Brasil de Hoje: 150 anos de atraso (só neste livrinho).

Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 1/159

Quarenta e Cinco Dias em AngolaApontamentos de Viagem - 1862.

Autor anônimo

Nova Edição – Um Retrato Fiel do Brasil de Hoje:150 anos de atraso (só neste livrinho).

Page 2: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 2/159

Nota desta edição.or Fernando de Almeida Soarescom gáudio renovado que a KindleGarten Edições

presenta aos seus fiéis leitores mais esta obra-prima

a crônica dos nossos civilizadores, os portugueses.A narrativa que nos traz esta obra, foi escrita comm discernimento raro e permeada de observaçõesfídicas, feitas pelo autor, anônimo (até aqui).

Diz-nos o grande historiador e africanista, José C.

Curto, em Resistência à Escravidão na África – O Casoos Escravos Fugitivos Recapturados em Angola – 1846-876, que o autor de 45 Dias Em Angola é o Sr.

António A. de Lima, abastadíssimo latifundiário emortugal – e que se reservou o anonimato de modo aoder cumprimentar alguns amigos seus, semeceber o troco dos agradecimentos. Não importa:alou muitas verdades – e não menos asneiras.

Ótimo livro, boa leitura!

Reclamações: [email protected]

Page 3: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 3/159

Ao leitor.Decorreram uns poucos de meses depois deoncluída esta narração de viagem, que o autorestinara a um amigo de infância.

O único motivo que o decidiu a imprimi-la foi oesejo de satisfazer às instâncias dos seus amigos eonhecidos, a quem ouvia frequentemente dizer:Há já tanto tempo que regressou de Angola, e nadaos tem contado do que por lá viu.”

O leitor sabe perfeitamente que é tão aborrecidouvir contar a mesma história muitas vezes, comoer de a repetir a várias pessoas. Foi para evitar essencômodo que resolvi publicar esta obra sem

merecimento literário; ocultei de propósito o meuome, para que se não julgasse que a vaidade podia

er alguma parte em determinação tão temerária.ambém não me poderão arguir de especular comsta publicação, porque dos poucos exemplares que

mandei imprimir, mais de metade serão espalhadosraciosamente por todos aqueles que me honramom a sua amizade, e a quem com prazer a ofereço.

Page 4: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 4/159

O Governo geral de Angola compreende a parte daosta ocidental da África, que se acha pouco mais ou

menos entre 8 e 16 graus de latitude sul. Vem a terproximadamente 220 léguas de extensão, e talve

30 de largura. Digo talvez porque em muitosontos os nossos limites estão ainda maemarcados, e são essas dúvidas que por váriaezes tem dado causa aos ataques que temos sofridoa parte do gentio.

De todas as povoações de Angola, Luanda, como seode supor, é a mais importante; seguem-seenguela, Mossamedes e o Ambriz - na extremidadeo norte.

Os rios mais importantes que atravessam o nossoerritório de leste a oeste, são: o Ambriz, o Dande, oengo, o Coanza, o Longa, o Gitnza e o Catumbela.

Além destes há mais treze rios de segunda ordem.A nascente de alguns destes rios é ainda de nós

gnorada, ou pelo menos muito duvidosa,rincipalmente a do Coanza - a respeito da qualastante se tem escrito, sem que nada de positivo seenha colhido a tal respeito.

O defeito principal de muitos rios daquela nossa

ossessão, é de terem escavado pouco o seu leito nasroximidades da costa. As areias que eles arrastamão tão abundantes que o seu fundo, por falta de

Page 5: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 5/159

orrentes fortes, se conserva quase sempre na alturos terrenos confinantes. Há lugares tãoermeáveis, que as águas somem-se numa grandextensão - para reaparecerem a pequena distância

a foz.Daqui resultam dois grandes inconvenientes: emrimeiro lugar torna-se a navegação muitoificultosa, e até impossível em grandes extensões; em segundo, na época das chuvas - chamada “das

guas” - não podendo os leitos conter a grandeuantidade de água que a eles afluem, espalham-seelos terrenos marginais, onde se conservam porlguns tempos. A esta transbordação, chamadaheia, atribuem os indígenas a fertilidade daqueleserrenos - e não é raro ver os pretos irem fazendo asementeiras à proporção que as águas vãoecolhendo ao leito natural.

Há lugares mesmo onde praticam toscas comportas

ara inundar certos terrenos, que por muito tempoe conservam cobertos de água, até que sumindo-seevaporando-se pela ação do sol, dão lugar a que

eles se faça o plantio.sta é sem dúvida uma das principais causas das

ebres a que dão o nome de “carneiradas”, e queevoram por ano centenas de pessoas na Provínciae Angola. As folhas secas, o capim e mil vegetais

Page 6: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 6/159

ue brotam espontaneamente nas margens dos rios,epois de cobertas pelas cheias entram emecomposição e passam ao estado de putrefaçãopenas recebem os primeiros raios do. ardente so

ropical. Dali surge o desenvolvimento dos miasmasestilentos que os ventos chamados “terrais”spalham por toda a parte.ra talvez possível coibir tudo o que a este respeito éausado pela mão do homem, mas de que serviria

sso, e como remediar o mal causado pela naturezuma tão grande extensão e em tão variados

ugares?ensar em canalizar os rios seria uma loucura, queode porventura vir à mente de qualquer dosossos homens de estado, mas que o bom sensoeprova, e que não deixará de ser estigmatizada porodo aquele que tiver o mais pequeno conhecimentoo país e não ignorar o estado de penúria em que

os achamos.O que veio confirmar a minha asserção acerca dausa das epidemias, foi o seguinte fato que meontaram em Mossamedes, excelente terra, queantas recordações me trouxe do Minho, e da qual

alarei mais detidamente.Quando os primeiros colonos que se deram àultura nos terrenos de Mossamedes, foram em

Page 7: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 7/159

usca do local mais apropriado para fazerem os seusnsaios agrícolas. Depararam com uma extensalanura onde indubitavelmente tinham, em tempos

memoriais, corrido e talvez estagnado as águas que

mais tarde escavaram e se recolheram ao lugar ondeoje corre o rio Béro - a não mui grande distância dougar chamado “as Hortas”.

Os primeiros que tentaram revolver aquela terroram vítimas dos seus esforços, e não foi sem

eceio, sem muito perigo - e sem pagar um largoributo de vidas -, que aqueles infelizes conseguiramrrotear aquele terreno virgem e de umastraordinária riqueza. Depois disto, desaparecerams febres - e hoje Mossamedes é tanto ou maisaudável do que qualquer cidade do sul do reino.upondo mesmo que atualmente fosse possívelornarem-se a inundar aqueles lugares. É muitorovável que os efeitos não fossem os mesmos,

orque o solo acha-se limpo na maior parte, e muitoevolvido pela constante cultura. O aquecimento eecomposição das raras plantas parasitas que alinda se encontram, pouca ou nenhuma influênciaoderiam ter na pureza do ar.

O assoreamento dos rios é devido à natureza mesmo terreno, que na maior parte dos lugares que

Page 8: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 8/159

ercorri é composto de areias grossas e de argila deárias cores.

Conquanto tenhamos direitos inquestionáveis àosse do rio Zaire, não deve ele ser considerado

omo pertencente à Província de Angola. Direontudo algumas palavras a respeito deste rio, umos mais importantes da costa ocidental da África,fim de tornar mais intelegíveis alguns trechos que

mais adiante se hão de encontrar.

em o Zaire, de largura na sua foz, cerca de vez emeia a do Tejo. Apesar dos muitos obstáculos quele apresenta, pode-se considera-lo navegável numaxtensão de trinta e cinco milhas, em temposormais. Porém, na época das águas, a correntehega a ter dez e onze milhas de velocidade.

Nas margens deste rio, e em terreno sumamenteantanoso, acham-se estabelecidas sobre ilhotas dereia várias feitorias estrangeiras e nacionais, que o

Ambriz alimenta, e de onde se espalham asegociações e trocas para a Cabinda, para o Congo eara muitos outros pontos das margens do rio.

A contar do ponto onde o Zaire deixa de seravegável por navios de alto bordo, e para o lado de

este, divide-se o rio em vários afluentes - e aomeça a confusão acerca da sua origem.

Os esclarecimentos fornecidos pelos indígenas, tanto

Page 9: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 9/159

obre o curso dos rios ou sobre a situação deualquer povoação, merecem sempre muito poucorédito - porque ou seja por falta de inteligência, ouor ligarem pouca importância a estas coisas, raro é

ncontrar meia dúzia que concordem entre si.O modo como eles contam as distâncias, e aacilidade com que se contradizem, não sãoarantias para estabelecer fatos que a muitos

nteressam. Para ir de tal ponto a tal outro, dizem

les, é preciso que durante a jornada o sol apareçaantas vezes. É uma maneira bastante vaga de

marcar uma distância, e o erro pode ser tanto maioruanto ela o for.e se perguntar a um negro o rumo para ir-se a umugar - se para ir a tal lugar se toma pela direita -, eleesponde sem hesitar:

—Pela direita, sim senhor.Mas se lhe disserem, imediatamente, que pela

squerda também lá se deve ir ter, ele replica logo:—Também, sim senhor.Uma vez perguntei a um preto quantos dias seriam

recisos para ir ao Dande.—Sete, meu senhor — respondeu ele muito

epressa.

Page 10: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 10/159

Como esta resposta precipitada me fez acreditar quealvez nem ele soubesse onde era o Dande, disse-lheara o experimentar:

—Mas tem havido quem lá tenha ido em dois dias!

—Em dois dias, sim senhor — acrescentou ele muitoe pronto.á se vê que quem se fiar em tais mentores a muitoe arrisca.

nas margens do Zaire que atualmente mais se

rafica em escravatura, e muitas das feitorias, paraão dizer todas de que acima falei, não são mais doue capas que acobertam, ou dependem desseênero de comércio - que as convenções propostasela humana Inglaterra, e aceitas pelo ingênuoortugal tiveram a habilidade de tornar o mais

ucrativo de toda a costa.Apesar do aparato das estações navais, e dos

omeados cruzeiros, a escravatura continua, e há de

empre existir, já porque os lucros são enormes eonvidam, já porque o vapor empregado noransporte dos negros representa um carregamentoom menos despesa na Havana, fugindoapidamente a qualquer navio que por acaso

pareça na ocasião da saída.O negreiro, além de ser sempre atrevido e esperto, éumamente generoso. Sabe dar grandes jantares e

Page 11: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 11/159

autas ceias àqueles que lhe convém obsequiar.erde mesmo ao jogo alguns contos de réis, quandoquele de quem depende está em veia de ganhar, ee for preciso emprestar ou mandar entregar

ualquer quantia em Lisboa - à ordem dasutoridades civis e militares da terra onde se achar,u mesmo de algum oficial de marinha -, ninguém oaz com mais pontualidade.e as autoridades são de “antes quebrar que torcer”,

que é excessivamente raro de encontrar emAngola, sofrem muitos desgostos. Armam-se-lhesmensas intrigas, correm mil perigos, e sempre sãoudidas. Raro é aquele que não cansa muito brevee lutar com tanto inimigo, e até com a próprionsciência.

Page 12: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 12/159

A repressão da escravatura tem feito subir de ummaneira incrível o preço dos escravos. Ainda não hámuitos anos que um negro, na América, o mais queustava eram quinhentos mil réis, e hoje, na Havana,

ompram-se quantos aparecem pelo dobro.acilmente se compreende que é um negócio queeve tentar muita gente. O preço médio de umreto, ou preta, em qualquer parte da costa, é deuarenta a cinquenta mil réis; mas o negreiro, por

sse custo, já dá um grande lucro ao agente que obteve - a troco de alguma pólvora, de aguardente,u de miçanga.

A fiscalização por parte da estação naval, a maiorarte do tempo, é feita por um iate comandado porm segundo tenente ou por um guarda-marinha - e

ripulado por um patrão e dez a doze marinheiros.ercorrem as feitorias, visitam as barcas e naviosue saem dos portos suspeitos, e quando descobrem

lguns pretos retidos para embarcar, ou que tentamevar para fora escondidos entre lenha e outrosêneros, fazem a apreensão e conduzem-nos parauanda - onde são recolhidos no antigo Conventou Colégio dos Jesuítas, vulgarmente conhecido

elo pomposo titulo de “Obras Públicas”.A estes pretos, e aos que são apreendidos no altomar, é que dão o nome de “libertos”. Custa o

Page 13: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 13/159

Page 14: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 14/159

 nfelizmente, longe de proteger a cultura naquelashas, os nossos ministros que, por desgraça, tem

empre sido homens que não formam a maisequena ideia do que são as nossas possessões, temegislado de um modo que lhes tem sido bemunesto. Não quero de forma alguma contestar asoas intenções do Visconde de Sá, mas é inegável,

ue mal aconselhado, ou infelizmente inspirado, elee tem tornado prejudicial à Provincía de Angola.

Não é decerto num país onde há falta de braços ende o preto é, por natureza, o único ente próprioara o trabalho - porque só ele resiste às fadigas e à

nfluência de um clima que nos é tão prejudicial -,ue se lhe deveria ter concedido a liberdade de queão é digno. O abuso que eles fazem dessa liberdade

Page 15: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 15/159

eio criar não poucos embaraços e dificuldades aoomércio daquela província.

O preto geralmente é traiçoeiro, mentiroso, ladrão eêbado; há-os bem morigerados e afeiçoados aos

eus senhores, mas esses são tão raros como os bonsonetos. Todos são indolentes por hábito e sistema,mas as suas necessidades são mui limitadas e fáceis

e satisfazer. Três metros de fazenda de algodãostampada, um punhado de farinha de pau e um

inga de aguardente de cana [cachaça], são osnicos objetos de que necessita para se vestir eustentar. Uma cubata, ou barraca composta deamos de coqueiro e barro - que ele levanta comuma prontidão -, serve-lhe de abrigo e às suasompanheiras. Uma simples esteira estendida nohão é para ele um excelente leito - em que o braçoaz as vezes de travesseiro.

Page 16: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 16/159

Page 17: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 17/159

o porto. O escaler da Alfândega é tripulado poroze Cabindas, que se tornam insuportáveis com aborrecida cantilena com que acompanhamonstantemente o movimento dos remos. Esta raça

e pretos é, sem dúvida, a mais ativa e a mais útiue se encontra em Angola - onde prestamxcelentes serviços ao comércio.les têm um cônsul em Luanda, e são governadosa sua terra por um preto educado no Brasil,

alando várias línguas e que se apresenta muecentemente. Recebe, numa sofrível casa deabitação bem mobilada, e obsequia todos quantos orocuram. Mas, para não desmerecer das simpatiasos seus patrícios, habita numa cubata

modestamente construída.odos os navios nacionais e estrangeiros quehegam a Luanda costumam, para poupar asripulações, tomar para o serviço de bordo uma

quipagem de Cabindas, comandada pelo seuapitão. Muitas destas equipes conservam-se aordo dos navios - que têm de percorrer a costa -, elguns deles já têm vindo a Lisboa a bordo dosapores da União Mercantil. Consta-me até que um

estes para cá trouxe um filho, que tem a educarum colégio da capital.

Page 18: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 18/159

Os Cabindas são sumamente econômicos, e comoordo recebem a ração e uma macuta* por diacinquenta réis fracos), chegam a juntar dinheiro.ulgo-os sóbrios, mas não de delicado paladar -

orque a um deles vi, na força do verão, comer aolmoço pimentinhas com sal e bolacha, beber emeguida a sua ração de cachaça, e ficar tão satisfeitoomo se tivesse tomado um sorvete.Moeda corrente em Angola, na época.

Numa conversa que tive com um Cabinda foi queme dei conta do verdadeiro sentido que os pretos

gam à palavra “branco”, pela qual nosenominam. Perguntei-lhe se entendiam as línguasue se falavam enquando estavam a bordo deavios estrangeiros, e ele respondeu-me com certresunção:

— Me falia flancê, inglê, e língua de blanco.sta língua de branco é a portuguesa. Só nós somos

onsiderados brancos, porque assim designaram osescobridores e conquistadores daquelasossessões, e só a eles é que os negros julgamertencer esta denominação.

Os Cabindas, à semelhança de todos os demais

retos, são mui supersticiosos. Fazem uso deequenas manilhas de ferro para afugentar o feitiço,algumas vezes lhes vi pintar com barro certos

Page 19: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 19/159

Page 20: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 20/159

e má fé, sem educação, nem consciência, de muitosmilitares ambiciosos e pouco escrupulosos, não

ode civilizar-se, nem ser governado senão por umespotismo ilustrado.

Os Governadores gerais que tentarem fazer algumaseformas necessárias, cortando abusos inveterados eue se encontram a cada passo em todos os ramosa administração pública, têm de combater umposição terrível - porque aqueles que se julgarem

ssim feridos nos seus interesses não terão dúvidam recorrer aos meios mais infames para se desfazere um homem que lhes pode ser fatal.e o Governador não puder, pelo seu lado, recorreros meios rigorosos e repressivos, há de sucumbira luta irremediavelmente.

Page 21: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 21/159

preciso dar força suficiente a um só homem, paraoder lutar com milhares deles - ignorantes ouorruptos.ermitia Deus que os nossos governantes se

ompenetrem de todas estas considerações. A boscolha nos empregados a quem devem remunerare forma que compense as privações e sofrimentosue para ali vão suportar, sem que tenham deecorrer a meios ilícitos para adquirir fortuna, é a

rincipal base para fundamentar o progresso engrandecimento daquela província - e só assim eor meio da religião poderemos cumprir a nossa

missão, que é de civilizar e concorrer parandependência daquela terra.ei que esta ideia causa espanto a muita gente.orém, se todos conhecessem mais de perto asossas possessões, haviam de convir comigo que a

África civilizada e independente nos havia de

ferecer mil outras vantagens que hoje não oferece,elo estado selvático em que ainda se acha.Que perdemos nós com a independência do Brasil?Nada, absolutamente nada. Perderam sim os filhos

astardos da casa real; os filhos segundos das casas

tulares e os aventureiros es protegidos a quemorte dava os governos e os empregos dasrovíncias como benefícios simples.

Page 22: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 22/159

Nossas transações comerciais continuaram como dentes, e o Brasil, apesar da sua independência, nãoeixa de ser português, e não cessará nunca de o sernquanto ali se falar a nossa língua. Eles mesmos

anto o reconhecem, que já tentaram arranjar umangua brasileira, conseguindo apenas a pronúnciae um jocoso dialeto de preto.

Na atualidade, as transações comerciais com o Brasilarecem de menor importância - porque se achamspalhadas por muito maior número de negocianteso que antes da independência. Quando assim não

osse, o monopólio dos portos já não é possível,uma época em que nações fortes e fabrismpregam todos os meios para dar saída aos seusrodutos.

ntre nós, assim como nos países em que se temscrito e discutido sobre a escravatura, encara-sesta questão pelo lado humanitário, e é certo que o

Page 23: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 23/159

omércio de carne humana repugna a todo oomem de sentimentos nobres.

Vejamos, porém, se pela repressão conseguiram om que se propuseram - e examinemos as causas

ue dão lugar à escravatura.Os chefes das povoações do interior, a quem dão osomes de Sobas, Régulos, Príncipes - imitando osomanos da república -, educam os seus povos naça e na guerra, mas ignoram totalmente que

queles, terminadas as lutas, deponham a lança e oscudo para lançar mão da charrua e cultivarem aerra que os devia alimentar como boa mãe que é.

O seu estado de ignorância faz com que repetidasezes, faltando os meios de subsistência, se vejambrigados a pedir à força ao vizinho o que ele de boaontade não lhes concederia, atendendo a que o seustado de prosperidade de maravilha pouco maissonjeiro será.

ara se declarar a guerra é preciso que haja umretexto, mas quando não o há inventa-se, e elesssim fazem. Atravessar os estados sem licença,açar fora dos limites, são motivos mais queuficientes para lançar a discórdia entre dois

otentados. Se esses mesmos pretextos vem a faltar,onsulta-se então o adivinho, que depois deinvocar os deuses ocultos”, declara em tom

Page 24: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 24/159

rofético que o Soba do estado vizinho foi quemmatou por feitiço os últimos indivíduos quealeceram naquela povoação - e que pretendia aindazer o mesmo a muitos outros.

eiticeiro!! Guerra! Guerra! Grita a povoação emeso, e todos correm a vingar as vítimas de tãoefando crime.

O ataque é dado de improviso, e a vingança, queizem ser prazer dos deuses, mal pode saciar a sua

ra, roubando e saqueando tudo: bois, porcos,alinhas, mandioca e fruta. Só quando nada há maisue roubar, nem destruir, é que os valentesenturiões retiram ufanos, conduzindo os ricosespojos com que se hão de manter por algum

empo na ociosidade.Os prisioneiros pilhados com as armas na mão sãoevados na frente, assim como suas mulheres elhos - que os acompanham sempre. Estes infelizes

ão conduzidos ao mercado e vendidos aos agentesos negreiros a troco de aguardente, pólvora,miçanga e fazendas de algodão coloridas, a que nÁfrica chamam panos.Ora, como nem sempre há compradores, acontece

lgumas vezes que os vencedores se veem obrigadosconservar em seu poder e sustentar os

risioneiros, não lhes agradando este ônus. Se por

Page 25: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 25/159

Page 26: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 26/159

rosseiros, altivos e eminentemente desmoralizados.Mas, atendendo ao número considerável deriaturas subtraído por eles ao cutelo do algoz,avemos de concordar que contribuem com melhor

xito para o fim humanitário do que nósretendemos conseguir pela repressão do tráfico.scusado será também acrescentar, que estes

meliantes não fazem isto de maneira alguma poronsiderações de virtude, ou espírito de filantropia.

Nem eles se arriscariam por tão pouco.e seguirmos o escravo e o formos ver em poder doeu senhor, tanto nas Maurícias, como nos Estados

Unidos e na Havana, encontra-lo-emos vestido, bemlimentado, batizado e educado - o queeguramente não lhe acontecia na sua terra natal,nde só gozava da faculdade de poder passar a suxistência sem fazer coisa alguma, tornando-senútil a si e aos mais.

e o trabalho é uma desgraça, não somos nós todosem desgraçados? Quantos e quantos pretos existemoje na América, que depois de resgataremberdade com o fruto das suas economias,onseguiram estabelecer-se, tornando-se cidadãos

teis ao país que os acolheu? Se os exemplos não sãoantos quantos eram para desejar e podiam ser, ésso devido ao desmazelo e à vida desregrada da

Page 27: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 27/159

maior parte dos escravos - a quem o futuro nãoflige demasiadamente.

O tratamento que os pretos recebem dos seusrórios é infinitamente mais cruel do que o são os

astigos infligidos pelos brancos, e disto nosodemos certificar presenciando as cenas horrorosasraticadas pelos Régulos, nossos vizinhos, a quem astúpida superstição cega a ponto de sacrificar, emome de um macaco ridículo, vítimas inocentes,

brindo-lhes o ventre, arrancando-lhes as entranhasalpitantes e bebendo-lhes o sangue ainda quente e

umegante!ara mostrar até onde chega a crueldade destaanalha, citarei o seguinte caso, que me foi contadoor um oficial de marinha muito conhecedor daosta ocidental da África, onde permaneceu por

muito tempo.Há já bastantes anos, um dos Sobas do interior,

omem provavelmente tão velhaco como covarde,ez um contrato com o chefe da estação inglesa,omprometendo-se, mediante certa quantia porabeça, a denunciar-lhe quando e onde embarcavams escravos que ele próprio vendia. As denúncias

oram dadas com a maior exatidão, e pela sua partecomandante inglês não foi menos pontual no

Page 28: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 28/159

agamento em letras das quantias que, peloontrato, pertenciam ao Soba.

Como, porém, este contrato tinha sido feito semonsultar o governo inglês, este entendeu não o

ever sancionar, e as letras que o Soba tinhamandado para Inglaterra foram-lhe devolvidas.Algum tempo depois o comandante inglês, fazendo

ma excursão pelas margens do rio junto ao quamorava o tal Soba, saltou em terra com a sua gente e

ivertia-se caçando, quando o vieram convidar daarte do Soba para aceitar uma refeição e assistirma brilhante festa com que ele se propunhabsequiar o seu hóspede.

Movido pela curiosidade, o comandante aceitou oonvite, e seguiu com a sua gente o enviado até àubata do Soba, onde se achavavam preparadaslgumas iguarias - que os ingleses não recusaramor condescendência. Findo o banquete, durante o

ual reinou a melhor harmonia e cordialidade, ooba, depois de ter dado as suas ordens emarticular, convidou os ingleses para irem até araça pública, onde devia ter lugar a festarometida.

Quando lá chegaram, duzentos pretos prisioneiros,om as mãos atadas atrás das costas ecompanhados cada um do seu guardião armado de

Page 29: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 29/159

machado, rodeavam o local destinado para asanças e divertimentos públicos. A um sinal dadoelo Soba, duzentas cabeças rolaram no chão. Umrito de horror escapou aos espectadores atônitos.

O comandante quis saber porque motivo se praticouão inaudita crueldade, mas o Soba interrompendo-ohe disse: “Inglês, convidei-te para vires assistir ama grande festa e parece-me que cumpri a minharomessa; outro tanto, acrescentou ele, entregando-

he as letras que lhe tinham sido recambiadas denglaterra, outro tanto não fazem os da tua nação.eço-te que guardes esses papéis como lembrança

minha.”oi então que o inglês conheceu em que mãosstava, e não foi sem grande espanto seu e dos que ocompanhavam, que se viu a bordo da sua lanchem ter sofrido o menor insulto.

Destes atos brutais e ferinos é que os brancos,

mesmo os mais endurecidos no tráfico dascravatura, decerto não praticariam a sangue frio.Não tem, por exemplo, o Rei do Dahomey, assimdquirido tão monstruosa celebridade?

De vez em quando noticiam os jornais uma nova

ecatombe: sacrifícios ou massacres de centenas deítimas, que assombram a Europa inteira!

Page 30: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 30/159

Mas deixemos este assunto, e voltemos ao Zaire, aespeito do qual pouco resta que referir. Já disse, seem me recordo, que a natureza do terreno nas

margens do Zaire, e geralmente nas partes que

isitei na costa, é eminentemente friável e escavável;sso dá lugar a que repetidas vezes se destaquem,as partes pouco freqüentadas do rio, grandesorções de terra - que o capim e as raízes derbustos conservam por muito tempo sólidamente

gadas, até que a crosta superior se rompa e se vãoubmergindo os fragmentos que delas se separam.stas porções de terra, a que vulgarmente dão oome de ilhas flutuantes, descem pelo Zaire no

empo das cheias com tal velocidade, que se tornammuito perigozas para a navegação, e é vulgarncontrá-las no oceano, onde a corrente do rio asrrasta, e onde vagam por largo tempo.

Muito há decerto que dizer a respeito do Ambriz,

nde temos uma alfândega, porém não me julgouficientemente habilitado para acrescentar maisoisa alguma ao que já disse; por isso naveguemosara o sul, fazendo uma curta parada no Bengo.do rio Bengo que se leva para a capital a maior

arte da água que ali se bebe, e todos a preferemom razão à do Coanza, onde por vezes tambémecorrem, e à dos poços da Mayanga. É igualmente

Page 31: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 31/159

o Bengo, assim como do Dande, que vai parauanda a lenha, o carvão e o sal proveniente dasalinas que existem junto ao Zenza. O Bengo distauinze milhas aproximadamente de Luanda; é

alvez o rio de maior consideração de toda a costa,ão pelas suas dimensões, mas pelas transaçõesomerciais que facilita, e por se achar perto dapital e lhe fornecer diariamente a água, que apesare muito impura é preferível a qualquer outra da

ue ali se gasta.A água é transportada em pipas que os pretosonduzem numas barcas bastante mal construídas -que dão o nome de dongos -, e que fazem navegarforça de remos, quando a brisa, que é o vento que

eina de dia de oeste a leste, não é suficientementeorte para poderem usar de umas velas de esteiraabricadas por eles.

Há certas ocasiões em que o mar da costa perde a

ua tranquilidade e se torna agitado a ponto de nãooderem ir as barcas ao Bengo. Nessas épocas,hamadas “da calema”, sobe o preço da água emuanda - e muitos dos seus habitantes se veembrigados a gastar água do lugar da Mayanga, nos

ubúrbios da cidade, ou dos poços, a que chamamacimbas.

Page 32: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 32/159

enho dito que a água do Bengo é preferível aualquer outra de que se possa fazer uso na capital,ontudo isto não quer dizer que ela seja excelente.e os pretos que a vão buscar ligassem a devida

mportância à qualidade de uma bebida tãoecessária à vida, sobretudo naqueles climasbrasadores, é provável que a água fosse menosalobre; mas como os aguadeiros costumam fazer asrovisões em certas horas para se aproveitarem das

marés e das brisas, resulta daí que quase sempre seontentam em tomar a água a uma distância da foo Bengo onde eles julgam já não chegar a maré. Oaladar dos que se ocupam neste negócio, nãoendo muito apurado por causa dos seus alimentosxcessivamente salgados e apimentados, na ocasiãoas provas toda a água que não for do mar lhesarece doce, e é sem dúvida por esse motivo, queão sacia a sede. Além deste inconveniente, que a

mistura de aguardente ou genebra destrói em parte,água do Bengo tem mais o de conter sempre emuspensão grande quantidade de matérias lodosas,epositando-se estas substâncias ao cabo de algunsias; mas num país onde se faz grande consumo de

gua, e onde todos desejam tê-la fresca, ninguémspera que ela clarifique de per si, e todos preferemltrá-la.

Page 33: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 33/159

Page 34: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 34/159

randioso foi abandonado, e hoje ninguém tentariaxecutá-lo.tempo de fazer a descrição da Cidade de S. Paulo

e Luanda. A Capital da Província de Angola acha-

e situada a 8 graus de latitude sul, no fundo dema grande baía formada pelo continente e pelashas de Luanda e de Cazeange, grande orla de areie uns quatrocentos metros de largura, que correaralelamente à costa, desde as proximidades do

Coanza até ao morro das Lagostas, na extremidadeorte da cidade.nestas ilhas que moram os Muxi-Luandas, raça de

retos que se ocupam unicamente da pesca. Existemli modernas casas de campo, mandadas construiror alguns negociantes de Luanda, e um eleganteepósito para os mantimentos da estação americana.

Vista da baía, Luanda apresenta um lindoanorama, devido à configuração do terreno em que

stá edificada, e que muito se parece com Setúbal. Ospecto da vegetação é encantador, sobretudo paruropeus que não estejam afeitos a ver lugares onderotem plantas tropicais, e cujo tom verde é tãogradável à vista que apenas podemos compará-lo

o do nosso linho de prado. Os palmares, osoqueiros, os tamarindeiros, os cajueiros, asananeiras, as mangueiras, e muitas outras árvores

Page 35: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 35/159

Page 36: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 36/159

uporte, nos dois pontos mais acessíveiss da cidadelta.uanda deve ter hoje perto de onze mil almas,endo a maior parte de seus habitantes de raça pret

mestiça. A cidade baixa contém grande número deasas; algumas delas, ainda que construídas semlegância e sem gosto arquitetônico algum, denotamerem sido edificadas em tempos remotos, porlguns nobres descontentes da sua sorte, e que

quelas praias foram tentar fortuna nos azares duerra ou nos do negócio lícito daquele tempo*. As

modernas construções, apesar de muito maisegulares do que as antigas, deixam ainda muito aesejar.Tráfico de escravosno centro desta parte da cidade que se acha a

greja de Nossa Senhora dos Remédios, templo maonservado e de pobríssima aparência, mas que

oza das honras de Sé Nova, desde que a antigaassou a servir de curral!m qualquer aldeia do nosso Minho, se encontrama igreja com mais asseio e esplendor do que emuanda, e isso não é para estranhar, atendendo ao

ouco uso que dela se faz. Ainda não encontreerra, por mais desmoralizada que fosse, onde seumprissem menos os preceitos da nossa religião.

Page 37: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 37/159

As próprias mulheres, que por natureza são sempremais inclinadas às práticas religiosas, essas mesmas

ouco ou nada frequentam os templos! Geralmente,m toda a África, tratam mais do corpo do que da

lma. Há quem de manhã negaria uma libra para asbras da igreja, enquanto que de tarde perderia umonto de réis no baralho.

Não sei se a desmoralização das nossas possessões éevida à falta de bons párocos, se aos maus

xemplos que alguns têm dado; o que é certo, é queeralmente a gente branca tem os padres em pouconsideração - e talvez que também para issooncorra pertencerem muitos destes à raça mestiça.

Notei sempre nos pretos maior predileção pelosclesiásticos do que nos brancos, mesmo os maisústicos, e várias pessoas me afirmaram que orimeiro cuidado do preto do interior, quandoparece alguma expedição militar, é de perguntar se

em padre. Muitos pretos vivem e morrem sematismo, por não ter havido padres que seedicassem a percorrer o interior, a fim de instruirma infinidade de criaturas, das quais seonseguiria muito mais com a cruz do que com a

lavina.gnoro se o novo Bispo, que dentro em breve deveeguir viagem para Angola, terá força suficiente e

Page 38: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 38/159

oderá dispor dos meios necessários para reformars templos da sua diocese, entregá-los a párocosonestos e dedicados, e tratar seriamente daropaganda religiosa. Dizem-me que lhe não falta

alento e boa vontade: isto já não é pouco, mas terále ânimo bastante e saúde para resistir a um climão mau e tão desanimador? Deus o queira.ersuado-me que foi um erro enorme a abolição dosonventos no ultramar. Seria preferível terem dado

eles uma organização mais adequada ao país, e aom a que se deveriam propor - mas da suaonservação se colheria o maior proveito, tanto parProvíncia, como para o Estado.

Verdade é, que os frades mandados dos nossosonventos nem sempre eram de exemplar conduta,

mas isso mesmo seria fácil de remediar na ocasiãom que se aboliram as ordens religiosas, porque érovável que dentre tantos indivíduos que por a

caram ao desamparo, muitos aceitassem passarara o ultramar se lhes tivessem proposto.

Page 39: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 39/159

 Quando medito no passado, vejo que às ordenseligiosas se deve a maior parte de tudo quanto n

África há - ou houve - sofrível. Os Jesuítas

onstruíram em Luanda um belo templo e umrande convento, onde os pobres recebiamducação, e que hoje se acha transformado emalácio Episcopal. Foram eles que, pelas missões,

spalharam no seio de imensas povoações selváticasgérmen do catolicismo, que tão enraizado ficou nooração daquela gente, que apesar de teremecorrido cerca de trinta anos sem que os ministrose Cristo tornassem a aparecer entre eles, ainda hoje

edem padres, desejam ser batizados, e cederiam deoa vontade a algumas exigências nossas, seouvessem governadores de distrito bastante

Page 40: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 40/159

nteligentes e desinteressados para dispenderlguma quantia na reedificação dos primitivosemplos, que o tempo e o abandono reduziramuínas!

ara prova da fé viva e profundo respeito quequeles povos consagram à nossa religião, bastariaalvez lembrar que em vários lugares onde as igrejasesabaram, e onde há muito por falta de padres nãoe exerce o culto divino, tem os pretos, apesar do

rande apreço pelos objetos de prata, guardadoscrupulosamente todos os adornos e alfaias que osossos Bispos e Governadores para lá lhes

mandaram no tempo em que os seus rendimentosram mais avultados.

realmente para estranhar que o Colégio doombarral, destinado para as missões, não tenhnviado para Angola ministros da religião - quencalculáveis serviços prestariam à civilização e à

umanidade.No interior, grande número de povoações ondeunca chegaram a aparecer os nossos pregadores,onservam ainda as crenças bárbaras e fanáticas quee assemelham às dos gauleses: é o druidismo, com

equena diferença. Acreditam na metempsicose, ouransmissão da alma de uns para outros corpos; naida eterna, passada num mundo de delícias, para

Page 41: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 41/159

nde a alma voa deste que veio habitar como provau castigo. Há bastantes exemplos de pretostacados de nostalgia, que depois de transportadosara a América se tem suicidado, para escaparem

os castigos deste mundo e irem gozar a bem-venturança que no outro esperam encontrar.Como os Druidas, também têm os seus adivinhos -

angas -, que não devemos confundir com oseiticeiros, por serem estes objeto de especia

versão para o gentio. Têm igualmente curandeiros,u distribuidores de específicos milagrososompostos de sumos de certas plantas, queescobrem a moléstia e a sua origem pela magia,ecorrendo a certos sinais misteriosos e invocandonspirações de um ente sobrenatural que éulgarmente o ídolo, objeto das suas adorações.azem uso de talismãs - milongos - para combater oeitiço, e tal é a superstição que ainda hoje os

omina, que freqüentemente celebram horrendosacrifícios humanos, debaixo mesmo dos muros dosossos redutos.

Quando as missões não alcançassem outra coisamais do que pôr termo a esses horríveis espetáculos,

ão faríamos nós um grande serviço à humanidade?Quase todos os conventos que há em Luanda estãoá em completa ruína; existe contudo o de S. José,

Page 42: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 42/159

Page 43: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 43/159

mpregando-se até com alguns desgraçados o terroras ameaças! E tudo isso para que?ara lançar nas praias de um país inóspito, centenase criaturas, que vão partilhar da triste sorte que as

ossas leis reservam para os criminosos condenadospena última - e que a clemência real, ou a modernaivilização comutou em degredo perpétuo. Que belouadro de perversidade!

Não é possível que haja coração, por mais insensíveue seja, que se não constranja, sabendo a que

mísero estado ficaram em tão pouco tempoeduzidos aqueles belos corpos que daqui saíram há

m ano, e que a morte tem ceifado inexoravelmente.Aspecto cadavérico, cabelos arrepiados, olharspantado, ventre inchado e as pernas cobertas de

Page 44: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 44/159

Page 45: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 45/159

orque se não há de se organizar um exército coms indígenas, que são os únicos que podem resistir àerniciosa influência daquele clima?

Haja muito embora um corpo de europeus, gente de

onfiança do Governador Geral, mas que seja umorpo fixo, e não o obriguem a sair da capital e antranhar-se nos matos do interior - onde vãocabar de perder o garbo e energia que mal seodem conservar ainda assim em Luanda.

O preto depois de fardado e disciplinado é umxcelente soldado. O espírito de corpo domina-o do

mesmo modo que os brancos - e nas expedições quee têm feito nota-se que não é ele o que melhor trats gentios. Tive ocasião de ver que o soldado preto,lém de ser muito asseado, tem muita propensãoara a vida militar - porque só assim se pode verem vestido e calçado, o que lhe dá um subido graue superioridade sobre aqueles que só trajam panos

andam descalços. Depois de fardado e calçado, elemesmo se considera branco - e trata de negros os dua espécie, que não andam calçados.sta vaidade deveria até ser aproveitada, para delarar bom partido, o que seria facílimo dando à trop

reta um uniforme cômodo e de cores vistosas, poisbem sabido que eles se deixam fascinar pelos

nfeites abrilhantados.

Page 46: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 46/159

Page 47: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 47/159

erem mais conhecimentos práticos do que osmulatos, mas também por ser um fato de todos bemabido: que os pretos preferem ser comandadoselos brancos, que lhes inspiram maior confiança.

A superioridade do soldado preto sobre o brancoorna-se bem notável todas as vezes que há qualquermarcha para o interior: os brancos são os primeiros

ue cansam, os que mais sofrem com a falta de águae quando chegam a algum ponto em que o mato os

briga a parar, são sempre os soldados nativos queassam para a frente a abrir-lhes caminho. Não nosevemos admirar que a nossa gente dê precedênciatropa preta nessas dificultosas marchas, porque

aro é o branco, por mais robusto que seja, queossa aturar por muito tempo o terrível calor doerão e resistir às febres, fadigas e privações a que

muitos deles sucumbem desgraçadamente por falte remédios e de médicos. Para terminar sobre este

ssunto, farei ainda uma consideração.Causa espanto que se tivesse abolido no exército oastigo da chibata, único elemento de disciplina queestava - para o substituir por um castigo mil vezes

mais bárbaro e imoral!

Atualmente todos os soldados do nosso exército queometem três faltas de certa gravidade, que dantesxpiavam com umas tantas chibatadas, são

Page 48: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 48/159

ondenados a servir nas companhias disciplinariaso ultramar, onde morrem vítimas da febre - ounde vivem promiscuamente com fascínoras e

malvados de toda a espécie.

Aqueles que têm a fortuna de escapar, voltam de lámais desmoralizados, se não mais víciosos do queoram. Será isto de algum modo proveitoso para oxército e para o país?

As impressões de uma viagem, por mais sucinto que

e queira ser na sua narração, obrigam sempreertas reflexões que a importância do assuntougere: é o que nos tem acontecido, e é natural queinda torne a acontecer.or enquanto voltemos á descrição de Luanda.oi, como já dissemos, para a igreja de Nossaenhora dos Remédios que os modernos bisposransportaram a sua cadeira, e é neste templo que seelebram imensos ofícios de corpo presente. É

ambém ali, que os novos Governadores se dirigemepois do desembarque para assistirem ao Te-Deum, acompanhados pelo Governador que vãoubstituir. De lá seguem para o Palácio, onde seeúnem na sala do dossel as autoridades civis,

militares e eclesiásticas, e grande número dempregados públicos e comerciantes para assistiremo auto da posse. É costume trocarem os

Page 49: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 49/159

Page 50: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 50/159

mal se poderá formar ideia da impressão causada nospírito de um europeu - que pela primeira vezresencia tão delirante espetáculo. Se oesembarque tem lugar no verão - de meado de

ovembro a maio -, enxames de cigarras juntam oeu canto ruidoso ao imenso alarido da multidão.stas cenas de efusão devem ser presenciadas paroderem ser compreendidas. Suponho, mas não ofirmo, que aos bispos fazem iguais recepções.

Não é só na Nova Sé que se exerce o culto divino:ambém se diz missa, todos os dias santificados,uma igreja da cidade alta, cujo orago é S. Joãoaptista, e à qual assiste de ordinário o Governadorom seu estado maior e os destacamentos dauarnição com a música do 1.° de Linha, uma das

melhores coisas que encontrei em Luanda - e à quaa realidade não esperava.

Na cidade baixa há ainda a igreja do Corpo Santo e

mais duas capelas. Não é decerto por falta deemplos que em Luanda se não ouve missa; talveeja por falta de padres.á disse que a igreja dos Jesuítas está em completostado de ruína: apenas existem as quatro paredes,

s quais encostaram uns pequenos alojamentos ouarracas de feira, a que chamam “oficinas das obrasúblicas”, onde vi executar algumas obras de

Page 51: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 51/159

erreiro, espingardeiro, funileiro, correeiro, tanoeiro,orneiro e carpinteiro, parte delas feitas porperários degredados, e outras, por operários à

ornada.

arece que este estabelecimento, à testa do qual secha um capitão, deveria ser de grande proveitoum país onde tudo vai de fora por subido preço;

nfelizmente não acontece assim, visto que a mão debra e o valor dos materiais empregados importam

m muito mais do que a receita das oficinas.No mesmo edifício, mas na parte do antigoonvento, conhecido ainda hoje por “Colégio” é quee recolhem os pretos provenientes das apreensõeseitas pelos cruzeiros portugueses, chamados porsso libertos, e não porque eles gozem da suaberdade - porque não saem senão para fazer algumerviço no Palácio do Governo, ou nas repartiçõesúblicas, e sempre acompanhados por soldados.

Alguns vi também numa imunda enxovia que existeentro do próprio estabelecimento. É tão pouca aonfiança que o Diretor tem nesta gente, queuando os emprega no transporte de objetos delgum valor, costuma pôr-lhes umas gargalheiras de

erro que os prendem uns aos outros - e assimercorrem as ruas da capital comboios de pretos que

Page 52: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 52/159

muito se assemelham às tropas de mulas dos nossoslmocreves.xiste ainda a capela-mor, separada do resto dodifício por uma divisão de madeira e que serve de

epósito de água para os libertos e operários. Alm destes, escondido atrás do altar-mor, exerceuor algum tempo a honesta profissão de moedeiro

also, que já em Portugal tinha exercido com algumroveito, até que os nossos tribunais pouco

dmiradores das belas artes o expatriaram paronge da Izabelinha, terra da sua naturalidade. Oltar-mor é de mosaico, ido de Itália e muitoemelhante a um do Convento da Batalha. Apesare muito sujo e mal conservado, não me pareceueteriorado: apenas lhe faltam quatro belas colunas

orcidas, de mármore cor de rosa, que adornavam oetábulo - e que o Governador mandou tirar, paragurarem na construção de um monumento para

omemorar a aclamação d'El-Rei D. João VI, e o mauosto de que era dotado.O embelezamento da atual praça de D. Pedro V,

erto do Palácio do Governo, onde se achava tãopreciável monumento, exigiu a sua remoção par

ugar mais adequado; por isso o apearam - eepositaram em monte a um lado da praça os

materiais de que se compunha. Há anos que ali

Page 53: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 53/159

xistem, e naturalmente continuarão a existir, com oue nada se perde. Seria, no entanto, convenienteue as colunas voltassem para o seu primitivo lugarde onde nunca deveriam ter saído, removendo-se

quele altar-mor, a melhor obra de arte que existem Angola, para alguma igreja onde se lhe desse opreço que merece.ambém lá encontrei, meio enterrado no chão eoberto com pontas e aparas de madeira, um lindo

bus de bronze, notável pela sua grandentiguidade e belo desenho: é uma peça muitoigna de figurar num museu de artilharia.

A Sé Velha, que inculca ter sido um suntuosodifício, apenas tem hoje quatro paredesesmanteladas: depois de ter servido de curral, égora o depósito de lixos e imundícies.stas ruínas pertencem também à cidade alta, nual se acham os melhores edifícios públicos, e para

nde os primeiros Governadores tentaram chamarovoação. Porém, os interesses comerciais tiverammaior poder, e assentaram a cidade no lugar menos

róprio para esse fim.O convento de S. José, de que falei quando lembrei

nstituição de um seminário em Luanda, erambém um bom monumento, e nele esteve por

muito tempo o hospital militar, mas como se acha

Page 54: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 54/159

Page 55: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 55/159

aja exagero; porém o que posso afiançar é que,endo sido atacado da febre um dos meusompanheiros de viagem - e sendo obrigadoecolher-se ao hospital, por o não quererem

onservar na casa onde se achava hospedado -,epois de ter dado entrada no hospital, mandouedir ao Governador, pelo amor de Deus, que lhe

mandasse uma enxerga e lençóis, porque a camue lhe tinham dado se achava em tal estado que ele

referia morrer debaixo de uma árvore, a deitar-seela!

Nada posso dizer com fundamento do modo peloual ali são tratados os enfermos; sei que o sulfatoe quinino é a base de todos os tratamentos, e delee faz um consumo espantoso. As raras visitas dosico-mor ao hospital obrigam-me a acreditar quequele estabelecimento não é mais do que umecolhimento para as pessoas atacadas de moléstias -

que ninguém quer consentir em casa; um depósitoe moribundos: o ponto de transição da vida paramorte infalível.

eliz aquele que se pode tratar em sua casa, euem Deus deu mulher e filhas estremosas que lhe

rodigalizam os seus cuidados! O homem solteiro,ue vive só com escravos, é sempre vítima do

Page 56: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 56/159

bandono em que o deixam os seus servos, elgumas vezes os amigos com quem vivia.unto ao hospital está a igreja da Misericórdia, exteriormente não me pareceu mal conservada.

xistem ainda na cidade alta as ruínas do Conventoo Carmo e do Hospício de Santo Antonio, em parteabitado por alguns pobres, onde provavelmente sebrigam de graça: é um triste remédio de queodem um dia ser vítimas.

unto ao Colégio ou Repartição das Obras Públicas,ê-se o Paço do Bispo, que era o corpo principal dontigo Convento dos Jesuítas, edifício bastanteeteriorado, mas suscetível de melhoramento.

Numa parte dele está estabelecida a Secretaria doGoverno, que é uma das repartições que me pareceumais bem montada. No andar térreo acha-se amprensa da Província, onde se imprime o “Boletime Angola”, pequeno periódico semanal que public

s atos oficiais, e alguns anúncios. No mesmoavimento servem uns quartos de arrecadação àsompanhias expedicionárias que daqui foram.egado à Secretaria, e com comunicação interior,

emos o Palácio do Governo, que é a obra mais

ólida que vi em Luanda. As madeiras empregadasa sua construção vieram todas do Brasil: só assim éue puderam dar às salas dimensões que não seri

Page 57: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 57/159

ossível obter com as madeiras da Província, asuais, por falta de meios de transporte, sãoparelhadas em dimensões tão acanhadas que seornam impossíveis construções de grandes vãos.

No interior do país existem excelentes madeiras, tãooas como as da América, tais como a malanga,acarandá, paco, pau-ferro, pau-de-óleo, espinheiro,acula e imbondeiro, cujo tronco serve de cortiço àsbelhas, tão abundantes em África que, apesar do

árbaro e absurdo processo empregado pelosaturais do país para a colheita da cera, surodução não parece ter diminuído muito. Os pretos

ançam o fogo às tocas das abelhas, queimamnxames inteiros, perdem o mel e deterioram a ceraque poderia ser um dos mais belos e mais rendososrodutos das nossas colônias. Há também a graIha,ujos ramos, apenas tocam no chão, pegam raiz essim vão, com o decorrer dos anos, reproduzindo

m volta do tronco sucessivas galerias concêntricase uma beleza admirável.Os pretos, por não fazerem uso da serra e se verem

brigados a aparelhar tudo a machado emachadinha, escolhem sempre as madeiras menos

uras e de menor bitola. Não há nada mais curiosoo que vê-los chegar ao mercado com tábuas deuatro centímetros de espessura, e de oito a de

Page 58: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 58/159

metros de comprimento, desbastadas a machado empenadas em todos os sentidos. Não é menos paradmirar o modo extravagante que os indígenasmpregam para as confeccionar, pois que para obter

ma tábua, desperdiçam, reduzindo a cavacos, umarvore que lhes poderia dar seis ou sete boas tábuasse empregassem a serra braçal. Dir-se-ia que

raticaram no nosso arsenal de marinha!O Palácio do Governo tem uma bela escadaria de

ois lanços, dando para uma sala de espera. Segue-e um salão de reuniões, tais como a da Comissão

Mista (na qual a nossa fiel aliada deveria ter ummais digno representante), a que preside oGovernador Geral, mobilado ad hoc - e onde estão

s retratos de D. João VI, D. Maria II, e de dois ourês Governadores, sendo um deles o do Viscondeo Pinheiro, de tamanho natural, fazendo pendano da Rainha; e o do célebre general, restaurador de

Angola, Salvador Corrêa de Sá Benevides, que em648 expulsou os holandeses daquele território - queGovernador Pedro Cezar de Menezes não souber

onservar.A este salão segue-se o do dossel, ou de recepções

ficiais, que é o melhor de todos - mas estdornado com demasiada simplicidade.aralelamente a estas três salas, que ocupam toda a

Page 59: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 59/159

Page 60: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 60/159

rvas bravas e de plantas silvestres, entre as quaisbunda o carrapateiro - do qual se poderia tirar

maior proveito, extraindo o óleo de mamona, queão boa aceitação teria nos mercados da Europa, em

ez de venderem o carrapato a granel como agoraazem. Esta planta nasce espontaneamente em todoterritório da Província.

O anil, esse rico produto tão procurado pelosiferentes ramos da indústria, cresce

bundantemente mesmo nos subúrbios de Luanda.Os Jesuítas ocuparam-se muito da extração deste

roduto, mas depois ninguém mais cuidou nisto.unto ao Palácio do Governo está o Quartel do 1.° deinha, que é composto de degredados válidos, e oo Destacamento de Caçadores. Este edifício, como

odos os mais que pertencem ao Estado, ameaçesabar; parte dele já está abandonado.m frente depara-se com a casa da Junta da

azenda, obra sólida, mas pesada e pouco elegante:em cento e dez anos de existência. Foi mascolhido o local para a sua edificação, porque assimrivaram o Palácio do Governo da magnífica vistue tinha para a baía e cidade baixa.

Ao lado da casa da Junta da Fazenda existe aadeia, pequena contrução de um andar, que

Page 61: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 61/159

Page 62: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 62/159

Não tive ocasião de visitar a fortaleza, mas ouvizer que não está mal conservada, faltando-lhepenas artilharia sofrível, porque tanto a queuarnece, como a da fortaleza do Penedo, é tão

rdinária que mal serve para as salvas. Contudo,manda a justiça que se diga que as peças dertilharia, tanto em Luanda como em Benguela e

Mossamedes, tem cumprido o seu devermaravilhosamente, porque em parte alguma se

arão tantas salvas como por lá.A entrada e saída dos cruzeiros estrangeiros, e osmbarques e desembarques dos Governadores, sãoausa de se gastar muita pólvora - que apesar de serrdinária, fica à Província pelo preço da boa.alando com alguns sujeitos a este respeito,isseram-me que um polaco de olho azul,omandante de uma fortaleza - e que vive em

Angola há muitos anos, onde tem feito casa -

ostuma comprar quanta pólvora avariada aparece,ara substituir com ela a que o Estado lhe fornece -ual depois é vendida por bom preço, não só aosretos do interior, mas até a certos logistas da baixa.ão transferências que pode executar comodamente

por ser ele o depositário de toda a pólvora que osegociantes recebem para negócio, e que são

Page 63: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 63/159

brigados a arrecadar no paiol da fortaleza de quele é adminstrador.stas falcatruas - e muitas outras que tais -, sãoulgares em toda a costa da África: creio poder

izer, sem grande risco de me enganar, que o sãom todas as nossas possessões.Há em Portugal um funcionário público de quemme não declararam o nome, que goza de crédito - e

ue não deixou em Luanda a melhor reputação.

arece que este digno homem, quando teve a seuargo o depósito de mantimentos da nossa estaçãoaval, fazia ao vinho, à aguardente e ao azeite a

mesma operação que o outro faz à pólvora, isto é,misturando água e azeite de amendoim naqueles

êneros. Foi assim que se juntaram alguns contos deéis - e se fez jus a certas distinções, comoemuneração de serviços prestados ao país!

Desçamos agora à cidade baixa e vejamos de relance

uais são os principais edifícios do Estado.emos, em primeiro lugar, a Alfândega, construçãoe modesta aparência e de mui limitadasomodidades. As repartições ocupam o único andarao rés da rua existem os armazéns, que apesar de

onstruídos com solidez, não têm a capacidadeecessária para armazenar os objetos da estiva - oue causa transtorno aos negociantes que não têm

Page 64: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 64/159

m casa espaço suficiente para recolher asmercadorias.O atual Governador, para remediar estenconveniente e convencido de que será mais

roveitoso para o comércio e para os interesses darovíncia utilizar o Quartel de Cavalaria, que estróximo da Alfândega, ou o Edifício do Trem*,

enciona dar em breve princípio a uma obra de tãorgente necessidade. Luanda ficará então tendo

ma Alfândega com suficiente capacidade, e osireitos de armazenagem hão de aumentaronsideravelmente a verba de receita.Arsenal, estaleiro.

Defronte da porta principal da Alfândega é o cais deesembarque, com um guincho para as mercadoriasesadas, que são transportadas num carril de ferroté aos armazéns. O cais de desembarque, cobertoom um telheiro muito simples e assaz elegante, é

nde se reunem alguns negociantes: pode-seonsiderar o mirante de Luanda.unto a esse cais estão as antigas escadas, e ainda alixiste a célebre cadeira de pedra onde em outrosempos os bispos se iam sentar para batizar os

scravos que embarcavam aos magotes. Já se vê quesse sacramento se concedia com menos aparato doue se costuma em tais atos - porque aquele era o

Page 65: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 65/159

Page 66: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 66/159

nham dado - pelo que forçoso era batizá-los deovo quando chegavam ao Brasil.

Agora continuemos o nosso passeio pela cidadeaixa, e antes de mais nada entremos no Trem.ste nome a princípio faz cismar a gente, porque seupõe que em Luanda há um arsenal bem providoe máquinas e utensílios próprios para reparar com

revidade e economia qualquer avaria que umavio tenha sofrido. Enganam-se: no Trem não seonserta nada.

Houveram em tempo algumas oficinas que serviame capa a muitos roubos, até que um governador

ulgou mais acertado mudar aquele covil para a ilha,orque se não animou a acabar com ele por umaez, como deveria ter feito, já que não lhe era

Page 67: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 67/159

ossível dar-lhe uma organização em harmonia coms necessidades e conveniências da Província.

Atualmente o Trem não passa de uma depósitonde se recolhem vários objetos do Estado a cargo

o Almoxarife, espécie de cônego secular,ertencente à grande família dos improdutivos, tãoumerosa no ultramar.

Angola não pode prosperar enquanto não tiver emlgum dos seus portos um estaleiro de reparaçãoem montado - e material capaz de poder executar

ualquer conserto que seja exigido, tanto pelosossos navios, como pelos estrangeiros. Sem issomal se poderão conservar ali vapores para as

Page 68: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 68/159

Page 69: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 69/159

irige ao passeio público da Ponta da Isabel. O lugaraprazível: aqui temos a Quitanda pequena, lugar

e tristes recordações - onde o algoz por váriasezes tem exercido o seu odioso cargo - e que nos

erve igualmente de mercado. Seguem-se umasabitações assaz elegantes, a que chamam casas deampo.

Onde nos conduzirá esta estrada que vamoseguindo? Ah! Já sei: eis-nos na Fortaleza do

enedo, assim chamada por ter sido construídancima de um penedo batido pelo mar. A lindaivenda que avistamos é a do comandante, o talolaco de quem há pouco falei.

A fortaleza não está mal conservada; a artilharia jáisse como se achava, precisando toda de reforma,orque mesmos as peças menos deterioradas estãoem reparos. O excessivo calor, e o cupim, destroemm pouco tempo todas as obras de madeira, o que se

oderia evitar montando a artilharia sobre carretase ferro e havendo o cuidado de as conservarintadas ou envernizadas.

Mas quais são as atribuições do comandante daortaleza? Tem várias. Manda dar as salvas com

ólvora que nós sabemos. Para não deixar osoldados na ociosidade, manda-os trabalhar em casaele em diferentes arranjinhos, e cobra os direitos de

Page 70: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 70/159

ntrada que tem de pagar todos os gêneros que osretos introduzem na cidade, quando nela entramor aquele lado, seguindo a estrada de Cacuaco.

Na arrecadação dos direitos leva o rigor a tal ponto

ue, um dia pretendendo ficar com tudo o que osretos traziam, estes abandonaram *quibutos emucatas, bois e cabritos - e correram ao Paláciomplorar o auxílio do Governador Geral. Estexcesso de zêlo esteve para lhe ficar caro, porém o

om do homem é como os gatos, cai sempre de pé.Ainda ha uma terceira fortaleza para visitar: é a de

. Pedro da Barra, mas fica distante, e em Luandaã,o se podem dar grandes passeios a pé.Tropeiros e chefes de tropas de mulas.

Regressemos à cidade, de passagem lancemos umaista d'olhos sobre o Terreiro - construído em 1765elo Governador Souza Coutinho, onde os pretosepois de acharcados pelo comandante da fortaleza

o Penedo, vem expor à venda os restos que lheseixa da farinha, feijão e milho.Os gêneros que vi vender no mercado da Quitandão os seguintes: galinhas, carne de porco e toucinho

muito ordinário, farinha de mandioca e fuba (que é

utra farinha mais ordinária), bananas, mangas,eringelas, caju, laranjas verdes, massango, cocos,oiabas, peixe salgado e fresco, couves muito más

Page 71: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 71/159

Page 72: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 72/159

Morro da Fortaleza de S. Miguel, e o outro junto àraia do Bungo.uanda também tem o seu teatro particular, ondeepresenta uma sociedade de curiosos. Fu

onvidado para uma representação, mas preferrivar-me desse divertimento - que não compensa oncômodo que se sofre por causa do excessivo calor.

O divertimento favorito dos habitantes daquelaerra não me pareceu ser o teatro, por isso duvido

ue tão agradável recreio se possa sustentar:rofessam todos um grande culto pelo baralho elguns levam a veneração a ponto de lhe fazerem oacrifício dos seus haveres.

Como toda a ação má necessita ser encoberta porutra aparentemente louvável, imaginaram um

meio de atrair à banca muita gente que talvez lá nãoosse - se soubesse para o que ia. Esse meio é o dasifas de vários objetos, cujo produto é sempre

estinado a socorrer algum necessitado. Fazem-se osonvites, marca-se a hora, e no dia aprazadorocede-se à extração dos prêmios. O dono da casa éempre obsequiador, e muito mal lhe ficaria seeixasse sair os convidados sem os reunir à su

mesa - onde lhes oferece uma merenda ajantarada,onsistindo numa imensidade de pratos e deumerosas garrafas de vinho generoso.

Page 73: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 73/159

Concluída a merenda, e quando os convivas secham já suficientemente entusiasmados, aparecem baralho - para brincar um bocado e matar o

empo. Os curiosos agrupam-se em volta do

anqueiro, deixam-se tentar, e é então que os patosagam bem caro o Porto que beberam.

m Angola, principalmente no Ambriz, joga-se

muito. Há casas onde a banca é permanente; oanqueiro só se levanta para tomar algum alimento,mas fica substituído por um sócio. Este maldito

ício é causa da ruína de bastantes pessoas e da máonta que vários negociantes tem dado de si.

ulgo a propósito dizer algumas palavras,elativamente ao modo de negociar em Luanda, eeralmente em toda a Costa da África.

Page 74: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 74/159

Os gêneros importados pelos portugueses, para usoanto dos europeus, ingleses e americanos dosstados Unidos, além dos indígenas, são pouco maisu menos os seguintes: vinho, vinagre, aguardente

e cana, conhaque, genebra, licores, cerveja,manteiga de vaca, presuntos e carne ensacada,zeite de oliveira, farinha de trigo, frutas secas e deonserva, sardinhas de Nantes, açúcar de cana e deeterraba, cebolas, alhos, massas para sopa, chá

reto e verde, macela, queijo, conservas de legumes,oupa e fazendas brancas, roupa feita, chapéus deeda e de palha, luvas brancas, calçado, charutos eabaco, cartas de jogar, espingardas, pólvora,erragens ordinárias e ferramentas, louças, vidros,assas, chitas, sabão, estearina, louça de barro,elógios de bolso e de parede, drogas e tintas,

madeira de pinho americana, óleo de linhaça,azendas de algodão de cores, miçangas, lenços de

ores, chumbo, ferro, cobre, estanho, folha delandres, bezerro, vitela, carneiro, cabos, cordas,arbante, alcatrão, breu, pregaria e cutelaria, objetosara adorno de casa, papel de diferentes qualidades,alitos, fósforos, carvão de pedra, alguma mobília, e

iferentes artigos de toilette.Os gêneros de exportação são mais limitados, mas

ão menos importantes; resumem-se nos seguintes:

Page 75: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 75/159

rzela, marfim, corno de rinoceronte, mamona,zeite de ginguba e de palma, café de Cazengo e dencôge, cera, resina copal, chifres, couros secos,entes de cavalo marinho*, e algum algodão.

Morsas não existem na costa de Angola. Que ter uerido dizer este imbecil?ste último artigo dá-se perfeitamente na África. A

mportância que este rico produto deu aos EstadosUnidos, chegou a ponto de seus habitantes, apesar

e republicanos, o apelidarem “rei”, talvez porornar a Grã-Bretanha sua feudatária. Os ingleses,ara conjurar a crise industrial que parece querermeaçá-los, e que a desunião entre os yankees tendeapressar, tem aconselhado a cultura do algodão

m todos os países em que se dão as necessáriasondições atmosféricas para conseguir livrar-seaquela perigosa tutela.

As amostras de algodão vindas da costa da África

rovam a boa qualidade daquele gênero, e aindaue não possa competir, por enquanto, comlgumas das melhores qualidades dos Estados

Unidos, já é muito superior ao da Índia,rincipalmente na limpeza.

A costa da África pode, em poucos anos, criarmensos recursos com a cultura do algodão,

Page 76: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 76/159

oncorrendo para abastecer em grande parte osmercados da Europa.Desde que há a carreira de vapores estabeleceu-se

m novo ramo de comércio, que parecendo à

rimeira vista insignificante, deixa contudo no fimo ano bastante interesse em Luanda, erincipalmente em Benguela. Esse negócio é o dosássaros de variadas e lindas cores, que sencontram em grande quantidade na costa da

África, sendo os mais notáveis: os papagaiosinzentos, periquitos escarlates, viúvas, januárias,ardeais, bigodes, cospe-fogo, bicos de lacre, bicose prata, monsenhores, bengalinhas, maracachões,alanques, peitos celestes, tecelões, e canários.

Não falo nos produtos das famigeradas minas doembe, por ter ouvido dizer que a maior parte do

minério extraído é preto*, e impróprio para osmercados da Europa. Passemos ao modo usual de

azer as transações comerciais.Cobre.Os navios que carregam para Angola visitam

rdinariamente quase todos os nossos portos,orque nem sempre acham num só, saída para toda

carga. Apenas fundeados, apresentam-se logoordo os negociantes mais espertos para trataremarte do carregamento, ou qualquer dos artigos que

Page 77: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 77/159

hes faz mais conta. Nota-se que os maismpenhados na compra são quase sempre aquelesue menos dinheiro têm - e gozam de pioresréditos. A tática seguida é dizer mal ao capitão do

avio, ou consignatário que vier a bordo, dasessoas para quem trouxerem cartas - ou que secharem presentes para contratar. A ouví-los, nãoá um só que tenha dinheiro: este está empenhadoté as orelhas; aquele meteu-se em transações

rriscadas com um sócio do Brasil, do qual já se nãoeza bem; aquele outro tem perdido ao jogo quantoossuía e viu-se obrigado a reformar umas letras,ue não tardam a ser protestadas. Enfim, não há

nfâmia a que não recorram para desacreditarem osoncorrentes, e obterem por esse modo, por umreço favorável, os gêneros que pretendem.

Notei que em Angola, de ordinário, se mente muito:um hábito decerto devido à frequente convivência

om os americanos.Depois destas visitas, que são semprecompanhadas de convites para almoçar, ou para

antar - embora em casa não haja com que mandaromprar o pão ao padeiro -, e quando o espírito do

apitão se acha mais sossegado da má impressãoausada pelas terríveis notícias que acabam de lhear, dirige-se para terra e procura as pessoas a quem

Page 78: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 78/159

ai recomendado. Se oferece a fazenda; fazem-lheropostas inaceitáveis. Se a não aceita, e se queresfazer-se dela, como acontece a todos, tem dentrar em ajuste com os espertos. O vendedor não

eixa de conhecer o quanto é critica a sua posição,orém prefere o risco a um prejuízo certo.m Angola há pouco dinheiro: veem-se raras librasalguns dólares americanos. O resto é em papel

moeda, ou cédulas de mil, dois mil e quinhentos, e

inco mil réis, moeda imunda, que o Governoeveria há muito ter tirado da circulação, mesmoor ser tão fácil de falsificar – que até admira quelgum habilidoso não se dedicasse ainda a esserabalho.

O dinheiro em cobre são “macutas” e “quipacas”*,e que há uma imensidade de diferentes tamanhos e

eitios, com carimbo e sem ele.Moeda colonial.

ulgo que foi numa época em que o numerárioalhou, que o Governo decidiu dobrar o valor àmoeda de cobre, pondo-lhe um carimbo

essimamente executado e de tão fácil imitação queários sujeitos carimbaram em casa todo o dinheiro

ue puderam apanhar, dobrando o valor ao cobreue tinham, quando isto não devia ter lugar senãoepois de lançado em giro pela Junta da Fazenda.

Page 79: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 79/159

Como porém em Angola os artistas de merecimentoão ainda mais raros do que o dinheiro, aconteceuue os carimbos saíram de diversos feitios.ambém foi preciso, em tempo, para facilitar as

ransações, cortar as moedas de prata em quatro,ara aumentar os miúdos que faltavam no mercado.ois disto mesmo tiraram partido alguns matreiros,ortando as moedas em cinco ou seis partes,peração que não foi pouco lucrativa.

Antigamente era moeda corrente - e ainda se servemara o interior -, uns tecidos de palha muitoerfeitos, a que dão o nome de libongos, e já se fezrande uso de uma certa qualidade de búzios, quee achavam na ilha de Luanda, chamados zimbos;tualmente ainda se considera boa moeda o sa

mineral das magníficas minas da Quissama, que osndígenas extraem em palhetas de palmo deomprido, e de duas a três polegadas de diâmetro.

provavelmente por haver pouco dinheiro queodas as transações se efetuam em trocas, mas assimmesmo não se julgue que o pagamento seja menosmoroso.Quando o capitão do navio perdeu de todo

sperança de realizar a venda a pronto pagamento,ntra em ajustes a prazo, meio pelo qual sempre seonsegue vender seja que artigo for. Como os prazos

Page 80: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 80/159

ão longos, e quando Deus quer eternos, trata oendedor de dar às fazendas dobrado valor daqueleor que as cederia a dinheiro. O negociante o queede é tempo: o preço pouco lhe importa, e já se vê

ue este aumenta na proporção do prazo estipulado.sta indiferença pelo preço da fazenda explica-seem: alguns compram já com a firme tenção de nãoagarem, e apresentam-se falidos nas vésperas doencimento das letras.

A maioria dos negociantes, conquanto gozem daama de serem ricos e de girar com muitos contos deéis - frase usual - não passam de uns commissários,ue recebem fazendas para vender no interior e sóodem satisfazer os seus compromissos quando sãombolsados das vendas que igualmente fizeram arazo, que às vezes nestas transações são de dois,

rês, e mais anos. Aí é que vai o mal, porque oredor nem sempre se acha no país na época dos

agamentos, e os jantares e o jogo vão pouco aouco absorvendo os lucros - e o valor das fazendas.Não é raro também encontrar credores que seamentem na ocasião de saldar as suas contas; sóntão é que reconhecem ter comprado caro: não

ouve fazenda que se lhe não avariasse, e em queão perdessem.

Page 81: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 81/159

Page 82: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 82/159

Page 83: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 83/159

Page 84: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 84/159

e tabaco fumam todo o tipo de erva seca, e comarticularidade uma - que exala um cheiroauseabundo.

Houve antigamente um fabricante de charutos noGolungo, mas atualmente parece-me que ninguéme dedica a essa indústria, que só poderá prosperaruando o nosso Governo se convencer do quanto é

moral estar enriquecendo meia dúzia de homens à

usta da nação inteira.ntre muitas curiosidades dos usos e costumes deAngola, a que impressiona bastante os europeusogo ao desembarque, é o veículo de que se servems brancos e alguns pardos.

m Luanda não há, que eu saiba, senão uma calecheuxada por duas mulinhas, pertencente aoegociante Flores, uma das firmas mais acreditadas

Page 85: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 85/159

aquela praça. Apesar disto, pouca gente anda a péprincipalmente de dia. O fortíssimo calor do sol e oas areias da cidade baixa, são dois inimigos

erríveis, que convém evitar, assim como as

acimbas - ou orvalhos da noite.O meio de transporte de que se servem é o damachila”, espécie de palanquim suspenso, servidoor dois pretos. Farei a descrição deste traste, que

az parte de todas as mobílias, e que não deixa de

parecer em todos os leilões que freqüentemente seazem - tanto por motivo de retirada, como dealecimento.

A base que serve de assento pode comparar-se à dem canapé de palhinha, de metro e meio deomprido e setenta centímetros de largura. Numaas extremidades, mas de um só lado e no sentido

ongitudinal, tem um apoio tal qual o dos nossosanapés - para servir de encosto ao braço. De cada

ma das extremidades partem cinco cordões, quetravessam a grade de madeira e vão reunir-se naltura de pouco mais de um metro a umas argolasue se introduzem em dois ganchos fixados numronco de palmeira - a que chamam tunga -, e que é

igna de reparo pela sua solidez e notável leveza.ob ela pende um dossel, de dimensões pouco

maiores que as da base, guarnecido em volta de um

Page 86: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 86/159

ambolim - para esconder os arames em que corremuas cortinas de chita adamascada de cores muitoistosas. Os pretos põem aos ombros asxtremidades da tunga, e como então o assento fica

penas arredado do chão uns trinta centímetros, temgente de se baixar para entrar para a machila, ondee senta com as pernas estendidas, como quem estáum banho de tina.

Os pretos carregadores marcham um diante do

utro, mas nunca de modo que o de trás siga asisadas do que vai na frente. Quem estiver no meioe uma rua e veja ir uma machila diante de si,escobre perfeitamente os dois carregadores - e atéuem vai dentro dela.

Os pretos gostam muito de trazer na mão umahibatinha, ou um cacetinho curto, principalmentes carregadores, que parece ao andar equilibrarem-e com ele, levando-o de braço erguido como uma

spada. Alguns usam um pau curto com uma bolaa extremidade, e que nas suas mãos é uma armaerrível, atirando-a a grandes distâncias tãoerteiramente que chegam a matar caça.

A primeira vez que entrei numa machila sent

rande repugnância ao ver-me transportado porois homens alagados em suor, tremendo-lhes asernas, com o corpo exposto ao sol ardente apenas

Page 87: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 87/159

esguardado por uma tanga, e com os ombrosetalhados pelo varal. Saltei indignado fora dela, eegui a pé para a cidade alta.

O balanço que se sente ao andar é agradável como o

e uma cama a bordo de uma embarcação; contudoste meio de locomoção não deixa também de tereus inconvenientes. Se por ventura um pretoropeça e cai, ou se a tunga quebra, tem a gente deofrer não só a queda, mas também a pancada do

aral num ombro ou na cabeça. Já não falo noserríveis encontrões que se leva ao subir as fortesampas da cidade alta, devidos à pequena alturantre o chão e o assento da machila.

Não sei o motivo porque há tão poucasavalgaduras em Angola. Durante o tempo questive em Luanda, não vi mais de dois cavalosarticulares. É pena que a caudelaria do Estado, h

muito estabelecida no Lande, não tenha produzido

melhores resultados - porque poucas terras tenhoisto mais apropriadas à criação da raça cavalar.Os cavalos do Esquadrão de Luanda estão tão belos,ão nutridos e tão folgazões que os soldados mal osodem conter debaixo de forma.

Angola parece ter sido destinada para cavalgaduras,não para gente. É talvez por essa razão que certos

mpregados, cuja inteligência pouco difere da

Page 88: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 88/159

Page 89: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 89/159

nquanto se não abrirem alguns caminhos para onterior, que facilitem a passagem a qualquereículo puxado a mulas, os transportes das

mercadorias hão de sempre ser caros, e chegar

esfalcados aos seus destinos. As tropas continuarãoofrendo todas as privações durante essasterradoras marchas, que tantas vítimas temausado. Sei que é uma dificílima empresa, mas o

Governador Geral não recuará diante dela, se o

Governo da Metrópole lhe ministrar como deve osmeios necessários para levar a efeito tão proveitosorabalho.

A falta de comodidades nota-se também nasabitações, que achei mal construídas eessimamente distribuídas. A maior parte das casase Luanda assemelham-se às que em Portugal selugam no tempo de veraneio, nas terras do litoral.or falta de madeiras com boas dimensões, veem-se

brigados a distribuir as salas em pequenos vãos, oue é terrível num país de clima abrasador.Algumas casas tem o andar térreo ladrilhado, único

e que o prédio muitas vezes se compõe. Nãobstante isso, estabelecem ali os quartos de dormir,

nde se deitam transpirando e agitados por toda aasta de excessos, sem se lembrarem que essasabitações são anti-higiênicas, e que a demasiada

Page 90: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 90/159

Page 91: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 91/159

ecessidades daquele país, porque a habitação influie um modo notável sobre o temperamento e bem-star do indivíduo. Mas como é possível que estasasas, que na maior parte pertencem a órfãos,

enham os arranjos necessários ou nelas se façammelhoramentos, se os tutores não autorizam osimples consertos que a conservação do prédioxige!

Quando o Governador Franco passou o cargo ao

tual Governador, disse-lhe num breve discurso,ue proferiu nessa ocasião: “V.Ex.a encontraráecerto muitas faltas; só verá ruínas por todos os

ados”. E é verdade. Oxalá que esta declaração, dema excessiva sinceridade, sirva um dia para atestars serviços prestados pelo ativo e inteligenteavalheiro, que preside aos destinos daquelarovíncia.

Há porém duas coisas que concorrem

oderosamente para a ruína de todas asonstruções; uma é fácil de remediar - a outra quasempossível.

A cal que empregam na argamassa, à exceção daue vem do Dande, não é, como em Portugal, de

edra calcárea. Na ocasião das vazantes, e quandoma grande parte das areias que tem assoreado aarra da Corimba, do lado do sul da fortaleza de

Page 92: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 92/159

Page 93: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 93/159

Nas ruínas dos quartéis do Castelo de Palmelaxistem ainda vergas e umbrais de portas já muitoarcomidos, que em tudo se assemelham à pedra deue acabo de falar.

Não é difícil ajuizar do efeito que deve produzirma argamassa carregada de sal marinho, sobrema pedra tão atacável. Em poucos anos começabra a cair aos pedaços, e a desfazer-se em póxcessivamente fino, formando imensas cavidades

ue comprometem a segurança da construção.Nesse estado é que se acham quase todos osdifícios públicos, e bastantes prédios particulares,ue debalde tentam mascarar com novas camadase argamassa. Este mal tem um remédio facílimo,

avando bem as conchas e areia em água doce, eonseguindo fazer uma boa argamassa; abandonar aedra e empregar nas construções o tijolo, para oue tem excelentes barros.

Page 94: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 94/159

 À segunda causa de destruição só se obstaridotando o ferro nas armações e travejamentos,omo estão usando em França, visto que as

madeiras apresentam tão pouca duração.

O cupim em terra e o teredo no mar, atacam todass madeiras e destroem-nas com uma rapidez vinteezes maior do que o faria o caruncho. A bibliotecao bispo, que contém talvez cerca de dois milolumes, está quase destruída pelo cupim, o qual,epois de ter atacado as estantes e as encadernações,roseguiu devorando, com a avidez de umerdadeiro bibliofilo, os clássicos latinos e osoutores da igreja.

êm-se tentado todos os meios para afugentar essesnsetos daninhos, mas nada foi conseguido; talvezue se preparassem as madeiras pelo sistem

Page 95: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 95/159

Page 96: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 96/159

rdens dos comandantes dos presídios, homensuase sempre leigos nesta matéria -, não passam deurrais, compostos de tungas e bordões

mergulhados em barro e cobertos de ramos de

almeiras.e fosse possível coligir todos os ofícios dosovernadores dos distritos a respeito dessasonstruções, e de outras não menos caricatas a quehamam “fortes”, estou bem convencido de que a

eitura de todos esses belos relatórios faria acreditarquem tem tido a felicidade de nunca ir a Angola,

ue Paris e Londres não possuem monumentosguais àqueles - e feitos com maior economia.aratos ficam eles, disto tenho a certeza; e mesmoão vejo como pudessem ficar caros, masesgraçadamente a nação paga-os bem pagos.

Que querem? Para que se sujeita tanta gente a irara a costa da África? Não é para fazer fortuna?

Os ordenados são pequenos, e nem todos temoragem bastante para dizer que pelo preço lhes nãoerve tal ofício. Ora, quem se sacrifica assim pelarosperidade das nossas colônias, torna-se

merecedor não só dos maiores elogios, como

ambém de algumas recompensas honoríficas.ode ser que elas sejam bem merecidas, mas o que éerto é que as tais construções resistem

Page 97: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 97/159

erfeitamente... enquanto não caem, contanto queão lhes chegue água pela raiz (não empregoalavra alicerce, porque é coisa que lá não há),uando não acontece como aos monumentos do

Ambriz, que se derreteram um belo dia com taapidez que os empregados, para salvar os livros eemais papelada das repartições públicas, viram-sebrigados a andar a pescá-los e a estendê-los ao sol!

O Governo da Metrópole é o único culpado nestes

esvarios, pela má escolha que ordinariamente fazos empregados que manda para o ultramar.

Quando qualquer rapaz, desses que se dizem doom, depois de ter gasto em jantares, deboches eogatina a fortuna que seus pais lhe deixaram, se vêerseguido pelos credores que vêm substituir osmigos - que nestas ocasiões batem sempre emetirada -, a sua primeira ideia é dirigir-se a algumessoa influente e com quem tivera relações,

edindo-lhe um emprego. Como nem sempre os há,em é conveniente inventá-los para todos os diasatisfazer à espantosa quantidade de pretendentes, ondivíduo a quem é feito o pedido, para mostrar oseus bons desejos - e quem sabe, talvez para se ver

vre do importuno -, oferece-lhe um emprego parultramar. Fala-lhe em Angola, que é uma coisa que

stá muito em moda, em ordenados de contos de

Page 98: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 98/159

éis - sem lhe explicar se são fortes ou fracos -, faz-he uma pomposa descrição de Luanda, e concluiizendo-lhe:Eu, em seu lugar, aceitava já. Olhe que aquilo não é

ão mau como por aí se diz. Se o senhor se souberovernar, dentro de três ou quatro anos pode juntarma pequena fortuna, e tornar a levantar cabeça;

mas faça o que quiser, eu não lhe digo nem que vá,em que fique. Consulte fulano e sicrano

empregados quase sempre do Ministério daMarinha), que já lá estiveram, e veja o que lhe

izem.”As informações são sempre boas; o pobre diabo,pertado de dor na ilharga pelos credores, resolveceitar. Recebe na Pagadoria um adiantamento, aoual lhe descontam, incontinênti, os emolumentosa Secretaria, que absorvem grande parte dodiantamento, veste-se de novo num armazém de

oupa feita, despede-se dos amigos, e no primeiroapor com destino para Angola ele aí vai barra fora,evando o coração cheio de saudades, e um baúuase vazio.

Ninguém ignora que um grande número dos

hamados janotas recebem uma educação muitouperficial: sabem francês de cabeleireiro, citam

Racine e Voltaire, Victor Hugo e Alexandre Dumas;

Page 99: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 99/159

alam de música, de cavalos, de mulheres, e deouros. Mas raro é aquele que tenha préstimo paralguma coisa. São umas verdadeiras nulidades - maso Ministério da Marinha não se prendem nada com

sso, porque desde há muito que resolverammpregar nas alfândegas e nas legações da Junta dazenda toda a casta de patarata!

Não é decerto com semelhantes empregados que administração financeira pode andar bem

rganizada, e a prova tenho-a eu nasrregularidades e curioso sistema de escrituraçãoue o novo Escrivão Deputado foi encontrar emodas as repartições a seu cargo, e nas dificuldadesue tem tido em introduzir as necessárias reformas -fazer compreender aos empregados as operações

mais simples e claras.Mas como não há de acontecer assim, se o Governohes paga tão mal que só gente sem meios nem

modo de vida é que se tem sujeitado a ir para oltramar! É preciso que se convençam de que todo oomem de merecimento que se resolva a ir par

Angola, deve ser muito bem remunerado, e tudouanto se possa dar me parece pouco para

ecompensar os serviços de um funcionário honestozeloso, coisa hoje tão rara de encontrar nas nossasossessões.

Page 100: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 100/159

Page 101: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 101/159

Page 102: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 102/159

romovido desordens com os naturais, o que émuito vulgar, oficiou para Luanda descrevendo ostado precário em que se achava e pedindo comnsistência que lhe enviassem mantimentos e

munições para poder combater a rebelião, e sair dostado e da imobilidade em que se achava. Não foem alguns sacrifícios que lhe puderam mandararinha, bolacha, feijão, aguardente e munições deuerra.

Que uso julgam que ele fez de tudo isto?ratou logo de negociar o valor dos mantimentos, em seguida passou a vender aos sitiantes a pólvora,om que depois lhes fizeram fogo! Os soldados dauarnição, vendo que as armas se tornavam umbjeto de luxo, trocaram-nas por galinhas e leitões!

Page 103: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 103/159

Page 104: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 104/159

Page 105: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 105/159

Quando o comércio ou o governo precisa dearregadores para o interior e que em Luanda os nãoá em número suficiente, oficia-se ao governador doistrito para onde se quer carregar - ordenando-lhe

ue envie à capital a gente necessária para essaondução. Se a ordem é, por exemplo, parauatrocentos, o governador do distrito manda

ntimar mil, e vai dispensando do serviço todosqueles que alegam alguma razão convincente, até

ue apura os quatrocentos que lhe pediram - cujascolha recai sempre nos mais pobres. Daí resulta oescontentamento e grande indisposição que há

empos tem lavrado entre os indígenas e os brancos.Dando as autoridades exemplos destes, como é

ossível que os seus subordinados deixem de oseguir?

por esse motivo que as remessas de mantimentosmunições chegam sempre defraudadas ao seu

estino. Não há muitos anos que um oficial da nossmarinha, que pela sua coragem se tornou célebre noCongo, teve de andar no Ambriz por casas

articulares, e de alguns empregados, fazendoestituir uma enorme quantidade de fardos de peixe

de balaios de farinha, que tinham sido roubadosa ocasião do desembarque, e chegou a juntar duasarradas!

Page 106: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 106/159

Destes desvios da Fazenda do Estado, praticam-seulgarmente e são prova da pouca confiança que seeve depositar em grande número de empregados.obre este assunto poder-se-iam encher volumes,

orém como o meu fim não é de escrever osmistérios de Angola, mas dar uma pequena ideiaaquela nossa possessão, vou falar da polícia deonda, que me pareceu ser uma das instituições

mais proveitosas pelos bons resultados que dela se

olhem.O policiamento é feito por um corpo de pretos a quehamam “empacaceiros” ou “pacaças”. Se meerguntarem porque, não o saberei dizer, e notaree passagem que em todas as nossas possessões semprega uma infinidade de termos que, conquantoão sejam portugueses, parece que o uso os têmulgarizado bastante para que devessem figurar noosso dicionário, não só para enriquecer a língua,

mas também para que as pessoas pouco versadasessa fraseologia tenham onde recorrer para achar oerdadeiro significado de um termo estranho.

Os empacaceiros fazem as vezes da nossa guardamunicipal: têm, como ela, diferentes corpos de

uarda, fazem o policiamento de dia e de noite, e noue mais diferem dos nossos soldados é normamento e no calçado. O seu chefe é um antigo

Page 107: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 107/159

Page 108: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 108/159

Page 109: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 109/159

Page 110: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 110/159

Page 111: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 111/159

Page 112: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 112/159

armários há em casa, tem de andar tudo fechado.e os pretos dão no doce e no vinho, fazem ainda

maiores estragos do que o cupim na biblioteca doispo. Roubam tudo quanto podem, e vão vender

ora a certos taberneiros - quase sempre degredadosque lhes pagam com aguardente.ara eles todos os objetos tem o mesmo valor; tantoedem por um lenço de algodão como por umaolher de prata. As casas dos homens solteiros estão

onstantemente expostas a esta pilhagem.

Observa-se nos trajes usuais das senhoras grandeesalinho, quando não estão preparadas paraeceber visitas de cerimônia. Consta-me que a parte

Page 113: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 113/159

Page 114: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 114/159

estado em que elas ficariam. Além destesnconvenientes, sempre falta alguma peça de roupa,orque as escravas roubam a que podem - e se sãoescobertas dizem que a acharam.

stranhei o costume de estarem os escravos deitadosm esteiras nos portais das casas, e não me admiremenos de ver essas entradas bastante sujas -onhecendo-se até em algumas um rasto demundície, que os pretos descalços e escorrendo em

uor deixam por toda a parte onde passamrequentemente.

Mencionarei agora um fato característico deostumes, e que é notável.

A simpatia que os europeus tem para com seuslhos havidos das escravas, de preferência aos deuas próprias mulheres, é constante - e não harinhos e cuidados que não prodigalizem a umlho mulato.

As crioulas imperam no coração de muitos brancos,isso pode explicar-se porque as mulheres dauropa perdem, em pouco tempo, a beleza e a

rescura da mocidade, naquele clima tão contrário àua delicada compleição.

Rematarei este pequeno quadro de usos e costumes,escrevendo o modo original e engraçado como v

Page 115: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 115/159

Page 116: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 116/159

Não queria deixar a capital sem dizer alguma coisa Justiça. Mas, que direi eu? Ela é a mesma por

oda a parte. Lá, como cá, é ministrada pelosomens - e como eles não são infalíveis, ela também

não pode ser. Demais, querer que a justiça deuanda seja menos digna de censura do que a deualquer terra de Portugal, não seria isso exceder osmites razoáveis da exigência?m Luanda há Desembargadores da Relação, Juízes

e Direito, Escrivães, Advogados formados, e outrosue o não são; escreventes e beleguins, enfim, tudoal qual como cá.

Conheci dois empregados subalternos, dos quaisencionava colher algumas informações sobre oamo a que pertenciam, mas como principiaramogo dizendo mal um do outro, dei-me poratisfeito. Ouvi geralmente elogiar um juiz, queertence a uma família muito conhecida em

ortugal, e casado recentemente com a filha do ex-Governador Amaral. Este juiz é digno de todaonsideração, pelas suas boas qualidades e pelandependência e retidão com que temesempenhado os deveres de tão melindroso cargo.

O Presidente da Relação, em Angola, é consideradoomo a primeira personagem abaixo do Governador

Geral, e faz parte do conselho do governo. Às vezes

Page 117: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 117/159

Page 118: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 118/159

Os governos das nossas possessões são, como amaior parte dos das francesas e inglesas,ssencialmente militares. A crise naqueles estados é,or assim dizer, permanente, o que nos obriga

star constantemente alerta para resistir a qualquergressão dos vizinhos, que tanto nos incomodam.Governos destes só é possível desempenhá-los bem,

uando as pessoas a quem são confiados podembrar desassombradamente - e sem receio de

oalizões que lhes façam perder o prestígio de queanto carecem.

A Relação de Luanda não preencheu o fim para queoi criada: o pensamento era bom, mas falharam nrática os resultados. A distância que separa o reinoaquela possessão, e a falta que de antes havia deomunicações regulares, davam causa a muitosmbaraços e enormíssimas despesas, quandoualquer pleito tinha de vir à Relação de Lisboa.

Organizou-se portanto para remediar esses males aRelação de Luanda, com um aparato digno demelhor terra. A ideia foi excelente, mas ninguém seembrou que a febre não respeita mais a beca do que

farda - e que a Relação, por falta de membros, se

avia de ver a cada passo impossibilitada deuncionar.

Page 119: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 119/159

ois é justamente o que está acontecendo, tornando-e este tribunal um corpo inútil, que deve seruprimido, visto haver agora um serviço regular deapores para a África, que por conta do Governo ou

e particulares, não deixará mais de existir.Como falei da justiça, não devo esquecer o grotescoapel selado da Província: é uma folha de papelmaço, que em vez da marca - do crédito público -,em duas nódoas, ou borrões pretos de formato

blongo, que quem quer pode facilmente imitar.Digamos adeus, e adeus para sempre a essa fornalhardente chamada Luanda, e à sua corte de

mosquitos, aranhões, lagartixas e baratas - flagelonfernal que, de dia e de noite, atormenta os infelizes

quem a má sorte lança naquelas praias derocodilos. Saí com o estômago nauseado do cheiroepugnante das baratas, que durante mês e meioenti em toda a roupa que vesti, e em tudo quanto

omi e bebi.Naveguemos para o sul, onde nos prometem umlima mais ameno. Ali temos a foz do Coanza, cujasguas barrentas vamos sulcando; eis o Cabo Ledo,ão conhecido dos navegantes, e que há pouco

arecia estar na nossa frente; acolá está o Longa, eli foi Benguela velha. Estamos nas alturas doresídio de Novo Redondo, assente num elevado

Page 120: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 120/159

Page 121: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 121/159

essoas. Os pretos entram na água e aproximam-seo barco de modo que o passageiro possa saltarara a cadeira - mas algumas vezes tem acontecidoscorregarem e mergulharem os viajantes.

Forte agitação do mar.ste acidente, que à primeira vista provoca o riso,em quase sempre funestos resultados num paísnde se anda transpirando constantemente: a febre,ara vez deixa de accometer a pessoa a quem sucede

ste transtorno.Na praia há um grande barracão que pertence àAlfândega, que o mar no tempo da calema temhegado a invadir; também já ali houve uma pontee desembarque, que o cupim promtamenterruinou.argos arruamentos, boas construções - ainda queemasiadamente baixas -, mas por toda a parte nãoe vê senão desolação. Apenas se encontram alguns

retos, e esses mesmos bisonhos. O viajante nãoode perceber qual seja o motivo de tanta tristeza,uma terra tão verdejante e tão linda. Parece que osabitantes ao avistar o vapor, abandonaram as suasivendas e fugiram para a serra! Com efeito alguns

s abandonaram ainda há pouco, para sempre, e osutros jazem no leito de dor, esperando que lhesoque a sua vez.

Page 122: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 122/159

enguela, com o seu ar risonho e sedutor, com o seumanto de verdura e de aspecto tão atraente, é a maisemível das nossas possessões.

Ai daquele que se deixar iludir pela sua formosa

parência, e que não evitar esse laço que a cruel lherepara para o aniquilar no meio do mortíferombiente que ali se respira!

Governador, Secretário, Diretor da Alfândega, chefea Delegação, Capitão do porto, e muitos outros,

odos estão doentes. Apenas encontro três pessoasas muitas que procurava, mas em que lástima!urdas, coxas, inchadas, cobertas de escrófulas etacadas de escorbuto. Os infelizes nem conhecem o

mísero estado em que se acham, porqueerguntando a cada um deles como iam de saúde,esponderam-me: “Agora, graças a Deus, sinto-meom; estive muito mal, há coisa de um mês, masaleu-me uma boa dose de quinino, e estou ótimo.”

Coitados! Estais todos ótimos mas é para conservarm álcool, e figurar como curiosidades em algummuseu.

e Luanda é má terra, Benguela é trinta vezes pior.ois é pena, porque tem uma aparência agradável e

muito farta. O gado que aqui se vende é de boualidade, e baratíssimo, por ser em grande parteoubado pelo gentio do Nano. Vendem dois

Page 123: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 123/159

rráteis* de carne, que é o menor peso que lá fazem,or 35 réis.Um arrátel tem 459g.enguela é um ponto comercial de grande

mportância, e sem dúvida o primeiro depois deuanda. Existem ali grandes depósitos de cera,esina copal, urzela, marfim, enxofre e azeite dealma. Numa só casa, vi uma porção de marfim,ue me disseram importar em mais de sessent

ontos de réis. O negócio de couros também éastante considerável; notei que juntamente com osoros de boi, vendiam muitos de zebra. Estesnimais percorrem o interior em grandes manadas,os pretos conseguem matar grande número com

rechas e azagaias, ou armando-lhes laços. Tambéme encontram muitas peles de leão e de leopardo,

mas rara é aquela que esteja bem tirada: a quaseodas falta alguma garra e até a cabeça.

Os pássaros, de lindas e brilhantes cores e que tãopreciados são na Europa, abundam aqui.Há corças e veados apanhados no interior, onde

arece que a caça existe em muito maior quantidadeo que para o norte, talvez por ser um clima mais

resco e ter melhores pastos.enguela também se ressente da falta de águaotável. Em consequência disto, paga o seu tributo

Page 124: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 124/159

Page 125: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 125/159

audades que de mim se apoderam só posso darlivio vertendo lágrimas de arrependimento.atria, família e amigos - que eu nunca devera tereixado -, tornar-vos-ei a ver ainda?

Quanto é extensa esta costa! Há vinte horas queavegamos e contudo apenas tenho descoberto duasu três feitorias. Ah! Lá se avista a Ponta Grossa;stamos na baía a que os ingleses deram o nome deequena Baía dos Peixes - e de um só lançar de

lhos pode o viajante abarcar toda a povoação deMossamedes, hoje vila, e a qual os habitantes dão o

ome de Praia.Mossamedes, ao inverso de Benguela, apresenta umspecto triste porque as suas casas baixas e pornquanto pouco numerosas, estão como perdidas no

meio de um extenso areal. Em frente de nós e sobrem morro alcantilado, temos a fortaleza; à direita,

mais para o interior, descobre-se a igreja. Mais

onge, algumas habitações e o hospital. À esquerda,a baixa e em arruamentos regulares, está aovoação. No fundo, a extensa e longínqua serra de

Chela, um dos mais admiráveis caprichos daatureza, limita este quadro de um colorido pouco

ariado.À distância talvez de três quartos de légua, avista-servoredo e bela vegetação: é o lugar das Hortas,

Page 126: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 126/159

Page 127: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 127/159

equenos navios do Estado, em que se viambrigados a aturar as demoras e caprichos que osomandantes pudessem ter, nos diversos pontos daosta.

Não há ainda vinte anos que naquele extenso areaem uma só cabana se avistava. Aagora possui trêselas ruas, bem alinhadas, cortadas por outrasantas que dão acesso à praia, com lindas casasérreas no estilo americano: bem construídas e

omodamente repartidas.Os colonos estrangeiros, mais avisados, levaramonsigo operários inteligentes, que introduziramnovações desusadas em outros lugares darovíncia, sabendo tirar todo o partido dosaríssimos recursos que o país lhes oferecia.ucessivos comboios de colonos têm ido estabelecer-e em Mossamedes, contando atualmente a vila eubúrbios para mais de dois mil habitantes - sendo

eiscentos e tantos brancos, mil escravos eompondo-se o resto de pardos, pretos livres ebertos.

As três tribos circunvizinhas de Croc, Giraúl eQuipola, tem para cima de setecentos habitantes.

Os concelhos da Huilla, do Bumbo e dos Gambos,eunidos, apresentam uma população muito maisumerosa, mas os brancos não excedem talvez a

Page 128: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 128/159

Page 129: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 129/159

ompletamente os do distrito. É verdade que estestado de coisas convêm a certos indivíduos, porquem Mossamedes, se a terra é boa, a gente nem toda o. Há muito quem pesque em águas turvas, e a

uem convenha a desordem e o desleixo.sta é, infelizmente, a grande úlcera das nossasossessões. As ambições, a inveja e o ascendenteue muitas vezes certos empregados subalternosomam sobre outros mais graduados - mas de

menos inteligência -, são causa de muitos devaneios,e muita injustiça, de muita intriga, e acabamempre pela completa desorganização do sistemadministrativo que se tenha tentado seguir.

Mas ainda esta não é a maior dificuldade que autoridade tem de combater, porque havendouficiente energia, com pouco custo faz entrar noeu dever os seus subordinados, e facilmente podefastar para longe aqueles que lhe forem hostis. O

ue é mais para recear, são certos habitantes que,epois de se pilharem senhores de uma casacareta, de um chapéu de copa alta e de um par de

uvas brancas, esquecem o que foram e o queerdadeiramente ainda são, pretendendo como o

aio da fábula, revestido das penas do pavão, quehes deem uma importância que eles não merecem eté de que não são dignos.

Page 130: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 130/159

Page 131: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 131/159

Page 132: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 132/159

Page 133: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 133/159

Page 134: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 134/159

Page 135: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 135/159

Page 136: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 136/159

isitantes que não se acharem preparados paraomar um banho de choque.

Um cais bem construído, que nivele a praia pelaltura aproximadamente das construções regulares

ue ali existem, com escadarias para osesembarques e uma ponte de descarga para oerviço da Alfândega, são as obras mais urgentes.

A Alfândega precisa também ser reformada. A atuaum barracão impróprio e sem acomodações. Uma

Alfândega deve ser um edifício isolado, próximo aoesembarque e com as condições necessárias, não sóara os empregados, mas principalmente pararmazenar as fazendas - que muitas vezes osompradores não podem recolher nas suasabitações.

Na praia presencia-se uma cena assaz desagradávea qual deveriam pôr termo, se os camaristas

uisessem mais tratar dos interesses da terra e

menos de certas intriguinhas e questões pessoais -om que ninguém aproveita e eles muito perdem.Quero falar da escalação do peixe, que convinha se

zesse em lugar retirado e mais apropriado parsse fim, onde o vento da barra não cobrisse de areia

na, como agora acontece, o peixe preparado deresco - o que o torna impróprio para quem não

Page 137: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 137/159

stiver ainda afeito, como os negros, a trincar areiaem se lhe arripiar os cabelos.ambém é costume, quando chegam os pescadorespraia, os pretos comprar o peixe para os seus

enhores e levá-los para casa, já aberto e escamado,ara o que vem sempre munidos de uma faca. Osães atraídos pela esperança de pilharem algumambugem, rodeiam os pretos na ocasião domanho. Alguns, mais atrevidos - ou mais famintos

levam a ousadia a ponto de querer partilharmelhor quinhão do que aquele que lhes destinam.Mas pagam caro o atrevimento, porque o preto,stúpido e cruel, dá-lhes desapiedadamente com oume da faca nas patas, e continua tranquillamente

seu trabalho. Contei num dia em que fui verhegar o peixe, vinte e seis cães deitados à sombre uns barcos que se estavam concertando; vi-os

evantar de vez em quando a cabeça e olhar para o

ado de onde deviam vir os barcos, e como nadavistassem, recostar-se, fechar os olhos e dormir.Repetiu-se esta cena muitas vezes, até que chegando

nalmente os pescadores, eles aí se levantam todos,a passo lento se dirigem ao lugar onde os barcos

portaram.

Page 138: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 138/159

Page 139: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 139/159

Page 140: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 140/159

As Hortas distam três quartos de légua da Praia. Ém terreno muito bem cultivado, e de um

ertilidade espantosa. Veem-se ali excelentesmelancias e melões, romãs, figos, várias hortaliças,

milho, feijão, mandioca e algum algodão. As nossasrvores frutíferas, plantadas há pouco eromiscuamente com as africanas, principiam jando mostras do que hão de vir a ser. As videiras

oram também vítimas do flagelo.

odos os dias se estende a cultura naquelemagnífico solo; as edificações principiam a levantar-e, e já entre tão luxuriante vegetação se descobrequi e além a granja, o curral e a casa de habitação.ste lugar sem horizonte, e pouco pitoresco, temontudo uma certa poesia que nos prende. A uns fasquecer a Europa, e a outros lhes aviva asaudades. Todos ambicionam possuir um bocado deerra nas Hortas para construírem o seu arrimo,

ome que dão aos pequenos prédios com o seuercado.Mossamedes possui o paraíso africano; oxalá que oaiba conservar e aumentar, e que nova serpenteraidora não venha originar a desventura de seus

abitantes. Em todo o caso não será ela provenientea causa da queda de nosso primeiro pai, quando j

Page 141: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 141/159

Page 142: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 142/159

nos na escola do Porto, frequentou o quinto emisboa, entrou para o serviço da Armada, e acha-se,ão sei como, estabelecido em Mossamedes, ondeoza dos melhores créditos. Dotado de um gênio

ndependente, obsequia a todos, mas não se tornmportuno com pedidos. Qual outro Robinson,oderia o acaso lançá-lo em alguma ilha deserta,ue pouco se afligiria com isso: habilidoso em todoss ofícios, é ele que se veste, se calça e faz os seus

hapéus - mas tudo parece mais obra de um hábimestre, que de um simples curioso. Para maisomodamente visitar os seus doentes, construiu umarro de novo gênero, tendo por motor um boi-avalo guiado por um moleque.

Não me era possível vê-lo metido no seu carro, dehicote na mão, sem se me figurar que ia dentro dem andor dos que se usam nas aldeias do Minho.referindo viver no campo, construiu, perto das

Hortas, uma casa apalaçada de gosto esquisito, masue produz magnífico efeito vista a certa distância.No interior tem uma sala triangular, e conservou nala de jantar uma grande árvore, que existiaquele lugar. Apesar de casado em Portugal,

arece estar no firme propósito de trocar Vizeu, suaerra natal, por Mossamedes, onde tenciona ocupar-

Page 143: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 143/159

Page 144: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 144/159

Page 145: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 145/159

ue só vivem de pilhagem. Quando a fome osperta, fazem as suas correrias pelos povos que seizem nossos vassalos, e a pretexto de cobrarem os

ributos, a que não têm direito, roubam o gado aos

astores, devastam tudo por onde passam, eecolhem ao Nano, levando os prisioneiros queoderam fazer - para serem vendidos nasroximidades de Benguela, ou resgatados porrandes quantias.

Cinco mil destes gentios tentaram uma invasão emMossamedes, onde já não faltava medo, porque nãostavam então preparados para lhes poderemesistir. Entraram pelo lado do norte, que é o mais

mal guarnecido, conquanto fosse fácil formar umeduto a quatro léguas de distância da vila, paraonter em respeito estes bárbaros. Chegaramuinta, onde umas dezoito pessoas mal armadas osontiveram durante umas poucas horas; lançaram o

ogo e talaram todas as plantações, incendiaram ongenho e a habitação, e retiraram afinal, levandorisioneiros o fazendeiro e parte dos seus escravos.

Aquele recolheu daí a dias a Mossamedes, com osrajes que trazia quando veio ao mundo, e alguns

scravos que depois conseguiram fugir vierampresentar-se-lhe.

Page 146: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 146/159

Assim ficou em poucas horas este homem laborioso,eduzido quase à miséria; mas graças aos esforços eábil administração da pessoa a quem o proprietárioeixou entregue a sua quinta, a não ser as ruínas do

ngenho, nada nos poderia fazer acreditar numaemelhante devastação.ode-se dizer que a quinta já se acha talvez em

melhor estado do que antes da invasão, mas muitomais se teria conseguido se o fazendeiro contasse

om o número de escravos precisos para o serviço.Com muitos sacrifícios tem comprado alguns, mas oeu número ainda está longe de chegar ao que dentes era, e esse mesmo, na atualidade, serinsuficiente.

O Governador Geral deveria animar este homemrioso, pondo ao seu serviço durante quatro ouinco anos, um número avultado de libertos;uando não, continuará, por falta de braços, a

erder-se a colheita da cana e do algodão.oi por ocasião desta invasão que o Governador deMossamedes deu a mais evidente prova da sunépcia. Apenas teve notícia que os Munanos seproximavam, o seu primeiro cuidado fo

eflanquear uma loja em que vende manteiga, comuatro peças de artilharia, e convidar os habitantesara o coadjuvarem. Para o resolver a enviar

Page 147: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 147/159

ocorros à quinta, foi preciso descompô-lo; mandountão, a muito custo, uma peça - mas com balas quehe não serviam!u não quis regressar à Praia sem ver uma das

oisas talvez mais curiosas das nossas possessões:ão diferentes famílias de pretos gentios, que seeixaram ficar nas proximidades de Mossamedesuando os portugueses ali se estabeleceram. Estasamílias de pastores, a quem dão o nome de

Mimdombes, vivem em cubatas de ramos secos, doeitio dos fornos que há na província do Minho, emertos bosques onde costumam fazer arraiais, e pars quais eles entram de rasto.

Cada família compõe-se de um homem com três ouuatro mulheres, e um avultado número derianças. Estas criaturas, apesar de viverem já hnos perto dos europeus, e de estarem todos os diasm contato com eles, em nada tem modificado os

eus hábitos primitivos.Os homens usam de um traje que se compõe de umano de algodão amarrado em volta do corpo, eutro lançado aos ombros, como um manto Trazemempre um cajado na mão. São de legante estatura, e

s suas posições e movimentos muito diferentes dasos pretos das outras tribos, que andam com

Page 148: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 148/159

canhamento e não perdem uma ocasião em queossam estar de cócoras ou sentados.

As posições dos Mundombes são nobres e altivas.Nas mulheres é que existe toda a originalidade dest

aça. Trazem sobre a cabeça um bocado de pele deoi por curtir, levantam-lhe as pontas de trás e deiante para cima da cabeça, de forma que aqueledorno imundo e de cor escura, assemelha-se a umequeno chapéu, como o de Napoleão. Por

estuário apenas dois bocados de pele, penduradosa cinta para baixo, um por diante e outro por trás, eor cima deles, cobrindo- lhes as nádegas e o ventre,ma quantidade enorme de miçangas brancas, azuisencarnadas. Nisto consiste todo o seu luxo. Aquelue tem o maior peso de miçangas é a mais feliz.

Nas pernas e nos braços trazem grande quantidadee manilhas de ferro, que é o distintivo das casadas;m volta do corpo uma correia lhes aperta os peitos.

Os achata e estende, às vezes ao comprimento dealmo e meio - o que dá a estas fêmeas o aspectomais repugnante, mas passa entre elas por uma dasmaiores belezas. Não se lavam nunca, e aumentam amundície em que vivem, untando o corpo e o

abelo com manteiga de vaca fabricada por elas.Às casadas só é permitido divertirem-se, ou por

utra, dançarem, porque nisto se resumem todos os

Page 149: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 149/159

eus divertimentos. As suas danças podemomparar-se aos passos desenfreados que os antigosos descrevem quando falam das famosas Saturnais.

Assisti às danças dos Mundombes executadas por

iversos grupos; eram cópia fiel umas das outras.Reunem-se sete ou oito mulheres e formam umírculo, entoando uma cantiga de uma monotoniaapaz de fazer morrer de spleen todos osolaboradores do berreiro; acompanham este canto

atendo as mãos, e levantando ora um pé, ora outro. Ao cabo de cinco minutos, pouco mais ou

menos, e quando começam a eletrizar-se, entra umaelas para o centro, e desata a saltar comondemoniada, fazendo passos e gestos incríveis, queão crescendo conforme a approvação dosssistentes. As mais velhas são as que mais searacoteiam; não é difícil acreditar que são elasambém as que apresentam contrações de

sionomia mais horrendas no delírio a que sentregam.O que deduzi de tudo quanto presenciei, foi que ontento principal daquelas mulheres é tornarem-seeias e imundas, porque as raparigas são quase

odas limpas, e bastante engraçadas. Estas usam emolta do corpo um pano de algodão, como as demaisretas da costa, com a diferença que lhes não passa

Page 150: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 150/159

baixo dos joelhos; nas pernas trazem manilhas deime, que é o sinal de virgindade. Fácil é deompreender quanto anseiam trocar estas manilhaselas de ferro, que além de outros gozos, lhes

acilita o da dança, que elas tanto apetecem.Na ocasião das danças, as raparigas conservam-sem grupos a certa distância, vendo-as com inveja.

Os rapazes chegam-se para os velhos, e sempreuma posição acadêmica, contemplam com

eriedade todas aquelas desenvolturas.As crianças andam inteiramente nuas até aos oito ou

ez anos, mas já antes dessa idade as raparigasrazem as manilhas de vime.

O sustento de toda aquela gente compõe-se demilho pisado com uma pedra, cozido em água eeite: é uma comida insípida, que qualquer umesdenharia sem ser gastrônomo, mas a que dãorande apreço.

Os Mundombes pagam os tributos em gêneros,omo nos demais distritos da Província; sãoleitores, e não sei se elegíveis. Note-se que nenhumabe ler, e que raros são os que falam ou entendem oortuguês.

As mulheres, não tendo nada mais em que se ocuparo que em cozinhar a catchupa, sobrava-lhes tempo,e prezassem à limpeza para destruir a imensa

Page 151: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 151/159

uantidade de bichos que trazem por entre asmiçangas; mas preferem dormir, fumar e dançar.

ste viver, que parece mais próprio de animais doue de criaturas humanas, tem tais atrativos para

uem foi criado naqueles hábitos, que ainda não hámuito que uma rapariga que estava a servir umaamília da Praia, teve de a acompanhar à Europa,nde se demorou bastante tempo - parecendo terdotado os nossos costumes. Regressou

Mossamedes bem vestida e calçada, e de luvaranca. Não tardou, porém, muito tempo que a

mucamba não trocasse esses belos atavios pormanilhas de ferro, e por miçangas!

á a vi entregue ao frenesi da dança, trazendoscarranchado na anca uma criança - a quem faziaofrer decerto grande martírio, por causa dosolavancos ocasionados pelas posturasesordenadas. Era curioso ver as caretas que o

moleque fazia, agarrando-se à mãe com medo deair. Esta maneira de trazer as crianças, a quemhamam crias, é usada pelas negras em toda arovíncia, com a diferença que as escravas e libertas

razem-nas envolvidas numa segunda saia, que

rregaçam e prendem em volta do corpo, de modoue só a cabeça da criança fica de fora.

Page 152: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 152/159

Gomo ouvisse falar muito nas senzalas, quis ver oue era: achei uma certa quantidade de cubatas emue vivem os negros, compostas só de ramos equei desapontado, voltando para a Praia.

Uma das coisas mais desagradáveis que encontrem Mossamedes, e que sempre me causouepugnância, foi o gosto do fumaça - muitoronunciado em todas as comidas que vão ao fogo.

Como não há carvão vegetal, cozinham com lenh

erde, e rara é a comida que não fique estragada.Visitei a Torre do Tombo, lugar junto da baía quessim apelidam, e onde os visitantes e os colonosão inscrever os nomes num grés mole de que éomposta parte da costa. A lista é numerosa; lá secham alguns nomes de certas notabilidadesortuguesas, esculpidos por filhos, irmãos ourimos - que o mau fado ou a ambição levaramquelas praias. Há outros, desconhecidos mas talvez

ão menos ilustres, com datas de quase dois séculos.Quis ver as obras do forte, porém ao aproximar-mexaram-me a atenção uns gritos compassados, quee lá saíam; entrei para descobrir a causa daqueles

amentos e fiquei horrorizado quando vi, amarrada

o reparo de uma peça de artilharia, uma pretscrava, com o pano arregaçado na parte posterior,oltando um berro rouco cada vez que um soldado

Page 153: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 153/159

e Caçadores, em mangas de camisa, com a mãosquerda assente na ilharga, lhe descarregava sobre

traseiro o golpe de uma disciplina composta deuatro correias.

Achavam-se presenciando esta cena mais doisretos, para quem estava reservada igual sorte, e ummpregado da polícia, encarregado de levar osegros à correcção - e de contar o número de surrasue tinham de receber.

Desataram a preta, que foi substituída por um dosretos, que a princípio parecia querer usar deerimônia com o seu companheiro - pretendendoeder-lhe a vez. Apenas sentiu a primeira pancadarincipiou gritando com desesperação: “Ah morra

meu sior! morra meu sior”!* e assim continuou atéevar os cem açoites a que tinha sido condenado porer roubado o amo e tentar assassiná-lo, convidandoutros para o coadjuvarem e fugirem depois para o

nterior.O verdadeiro sentido desta frase é: “acuda-me,meu amo, senão eu morro - e você perde quanto euhe custei.”

Não quis continuar a presenciar estes atos, que

epugnam a quem não estiver acostumado a eles,inda que reconheça, como eu reconheço, que semastigo nada se consegue do preto.

Page 154: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 154/159

Conquanto entenda que um viajante deve ver tudo,onfesso que saí do forte bastante arrependido .deer satisfeito à minha curiosidade, e desci pararaia refletindo que cem açoites, dados com um

isciplina de quatro pontas, correspondem auatrocentos. Será isto uso, ou abuso?oi bom que proibissem aos senhores de castigarems escravos, porque alguns o faziamesalmadamente. Mas não me parece conveniente

ue o papel de algoz seja desempenhado por umranco, e sobretudo por um soldado - o que éegradante para a classe. Nesse ofício era melhormpregar um negro a quem se pagasse, e que haviae cumprir o seu dever com dedicação e zelo,orque toda a vez que se trata de ganhar dinheiro,

azendo mal, pode-se contar com eles.

Page 155: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 155/159

Quando cheguei à praia, notei certa animação: asortas e janelas das casas estavam ocupadas comente que olhava para a baía. Era causa desse

movimento a chegada de um dos três navios

osteiros de que já falei. São de pequena lotação empregam-se no transporte de munições emantimentos para os diferentes pontos da costa;stão todos em mau estado, e por isso mesmo foue os cederam à Província. O comando desses

avios está confiado a segundos tenentes daArmada, que de fato são os senhores daquelasmbarcações, pois que a Província só tem a seuargo a despesa que com elas faz - enquanto que osucros são para os comandantes. Carregam a bordo,or sua conta ou da de particulares; recebemassageiros com quem ajustam a passagem;emoram-se o tempo que lhes parece nos portosnde vão negociar - e regressam a Luanda quando

hes faz conta, sem dar satisfação a ninguém.Costumam, alguns dias depois da chegada, enviar àunta da Fazenda um quarto de papel - escrito

muitas vezes a lápis -, mostrando laconicamente oendimento da viagem, que raras vezes atinge a

uantia de quarenta mil réis.A companhia “União Mercantil” veio fazer grandeoncorrência a este proveitoso negócio, que é um

Page 156: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 156/159

Page 157: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 157/159

rofundamente o europeu que ouvr aqueles cantosmelancólicos, num país onde o coração está sempre

isposto para a tristeza.No que Mossamedes excede muito a todas as outras

erras de Angola, é na bondade do seu clima; parali tem de ser mudada a capital, numa época quealvez não esteja distante, e então poderá gozar os

melhoramentos de que é suscetível. A essaransferência será devido o desenvolvimento em

arga escala da agricultura, que tão proveitososesultados deve dar a quem dela se ocupar, e ao

Governo que a animar e proteger.A cultura do algodão, da cana do açúcar e doabaco, há de necessáriamente produzir umonsiderável riqueza, mas para isso cumpre que seê àquela colônia a importância que ela merece, eue por uma eficaz coadjuvação possa atingir talrau de prosperidade que seus habitantes cheguem

esquecer que vivem em Angola. Só então é queortugal terá uma possessão que lhe sejaerdadeiramente proveitosa.

Mossamedes e os terrenos que lhe ficam contíguosum raio de trinta léguas, valem quase tanto como

odo o resto da Província. É um país virgem, de umertilidade estraordinária, e de uma temperatura

Page 158: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 158/159

rópria para ali habitarem europeus; enfim, é umerra destinada a um brilhante futuro.

Quanto mais proveitoso não seria, tanto para o paísomo para os próprios emigrados, se em vez de se

ncaminharem para o Brasil, fossem estabelecer-seom o auxílio do Governo no distrito deMossamedes!A ideia em que todos estão de que só na América se

ode fazer fortuna, é causa da indiferença com que

eralmente se olha para as nossas possessões. Asortunas consideráveis que têm vindo do Brasil,limentam a deplorável e irresistível fascinação de

muitos desgraçados, que nem sequer pensam noisco dessa loteria em que tão raros são os prêmios -m proporção da imensidade de gente que assim vaemerariamente tentar a sorte. Depois que naquelempério se tornou endêmica a febre amarela, podele ser tido, com justa razão, como um vasto

emitério de portugueses.nfelizmente em Portugal pouco ou nada se conheceesta parte da nossa África, que ofereceria aosolonos uma vantajosa concorrência. Os nossos

Governos não apreciam bem o alcance desta questão

ital, e entretêm-se numa política ridícula - e hárocos que em vez de esclarecerem o povo, não se

Page 159: Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

7/30/2019 Quarenta e Cinco Dias em Angola - Nova Edição - Revisado

http://slidepdf.com/reader/full/quarenta-e-cinco-dias-em-angola-nova-edicao-revisado 159/159

nvergonham de exercer sordidamente o odioso eil papel de engajadores da escravatura branca!

Concluo esta singela narração, fazendo umabservação que talvez fosse desnecessária, mas que

u tenho a peito aqui registar.ncontrei em Angola, em todas as classes daociedade, algumas pessoas de muito fino trato e desmerada educação. Na classe comercial, que é a

mais numerosa, é onde são mais raras - e portanto

mais apreciáveis. Conheci militares de probidade ee maneiras mui delicadas; oficiais de marinha emomissão, alguns deles meus companheiros deiagem no regresso, sobre quem não pesa a mais

eve suspeita