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Quarta-feira, 16 de Outubro de 1996 II Série-RC Número 39 VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997) IV REVISÃO CONSTITUCIONAL COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL Reunião do dia 15 de Outubro de 1996 S U M Á R I O O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos. Procedeu-se à conclusão da apreciação do artigo 116.º e à discussão dos artigos 117.º a 122.º e 124.º dos projectos de revisão constitucional apresentados. Intervieram, a diverso título, para além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Pedro Passos Coelho e Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), António Filipe (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP), Cláudio Monteiro (PS), Barbosa de Melo e Francisco José Martins (PSD) e Carlos Luís (PS). Entretanto, a Comissão procedeu à audição do Professor Jorge Miranda, autor da petição que integra propostas ou sugestões de revisão constitucional. Durante o debate, usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Barbosa de Melo (PSD), José Magalhães (PS), António Filipe (PCP) e Cláudio Monteiro (PS). Após a audição, prosseguiu a discussão dos artigos em debate. O Sr. Presidente encerrou a reunião às 19 horas e 50 minutos.

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Quarta-feira, 16 de Outubro de 1996 II Série-RC — Número 39

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião do dia 15 de Outubro de 1996

S U M Á R I O

O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10

horas e 30 minutos.

Procedeu-se à conclusão da apreciação do artigo 116.º e à

discussão dos artigos 117.º a 122.º e 124.º dos projectos de

revisão constitucional apresentados.

Intervieram, a diverso título, para além do Sr. Presidente, os

Srs. Deputados Pedro Passos Coelho e Luís Marques

Guedes (PSD), José Magalhães (PS), António Filipe (PCP),

Jorge Ferreira (CDS-PP), Cláudio Monteiro (PS), Barbosa de

Melo e Francisco José Martins (PSD) e Carlos Luís (PS).

Entretanto, a Comissão procedeu à audição do Professor

Jorge Miranda, autor da petição que integra propostas ou

sugestões de revisão constitucional. Durante o debate,

usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente

(Vital Moreira), os Srs. Deputados Barbosa de Melo (PSD),

José Magalhães (PS), António Filipe (PCP) e Cláudio

Monteiro (PS).

Após a audição, prosseguiu a discussão dos artigos em

debate.

O Sr. Presidente encerrou a reunião às 19 horas e 50

minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, terminamos a reunião anterior com o n.º 5 do artigo 116.º. Assim, vamos dar início aos

nossos trabalhos com a continuação da discussão do artigo 116.º, começando com o n.º 6, relativamente ao

qual há uma proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, no sentido de se reduzir de 90 para 60 dias o

prazo de realização de eleições em caso de dissolução de órgãos colegiais.

Está em discussão a proposta se alguém a adoptar para esse efeito, dado não se encontrar presente o

proponente.

Pausa.

Visto não haver a adopção da proposta para efeito de discussão, passamos ao n.º 7, para o qual existe

uma proposta do Deputado Cláudio Monteiro. A actual redacção é «O julgamento da regularidade e da

validade dos actos de processo eleitoral compete aos tribunais.» e a proposta é no sentido de substituir

«compete aos tribunais» por «compete ao Tribunal Constitucional».

Em relação a esta proposta aplica-se a mesma metodologia, isto é, visto não se encontrar presente o

proponente, se ninguém a adoptar para discussão, passamos às propostas de aditamento.

Pausa.

Portanto, como ninguém a adoptou, temos para discussão uma proposta de aditamento dos n.os

2 e 3,

apresentada pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.

Srs. Deputados, a proposta relativa ao n.º 2 é sobre a admissão de candidaturas independentes, e é

equivalente às propostas do PS e dos Deputados do PS António Trindade e outros para o n.º 5.

O n.º 5 apresentado pelo PS é do seguinte teor: «É reconhecido aos cidadãos eleitores recenseados nos

respectivos círculos o direito de proporem listas às eleições para a Assembleia da República, para as

assembleias legislativas regionais e para os órgãos de poder local, nos ternos da lei.».

Neste momento, dá entrada na sala o Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Acaba de chegar o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho…

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, peço desculpa pelo meu atraso, por não ter

chegado antes para apresentar a minha proposta.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, muito rapidamente, para o pôr ao corrente da situação dos nossos

trabalhos, devo dizer que, dado não se encontrar presente, não se discutiu a proposta que apresentou para o

n.º 7 do artigo 116.º, onde propõe reduzir de 90 para 60 dias o prazo de realização de eleições, na

eventualidade de dissolução de órgãos colegiais.

Se quiser, dou-lhe a possibilidade de voltarmos atrás para, num minuto ou dois, apresentar essa sua

proposta.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): O Sr. Presidente disse que tinha havido consenso relativamente a

essa matéria?

O Sr. Presidente: Não, Sr. Deputado. Essa proposta não foi discutida por o proponente não estar

presente e ninguém a ter adoptado para efeito de discussão.

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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Nesse caso, Sr. Presidente, aproveitaria para fazer uma

apresentação, muito rápida…

O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.

A proposta para o n.º 7 do artigo 116.º é do seguinte teor: «No acto de dissolução de órgãos colegiais

baseados no sufrágio directo tem de ser marcada a data das novas eleições, que se realizarão nos 60 dias

seguintes e pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução, sob pena da inexistência jurídica daquele acto.».

Segundo o actual texto da Constituição, o prazo é de 90 dias;…

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Exactamente.

O Sr. Presidente: — … portanto, a alteração é no sentido de reduzir o prazo de 90 para 60 dias.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a razão de ser desta disposição

inscreve-se na preocupação geral de, tanto quanto possível, evitar situações prolongadas de órgãos que

estejam em vigência quando está à vista um período eleitoral que visa substituir justamente esse órgão.

Portanto, a preocupação, que se reflecte em outros artigos, nomeadamente no encurtamento, que também

é defendido, dos períodos de campanha eleitoral, tem a ver não apenas com a preocupação de evitar gastos

supérfluos e tensão política desnecessária por demasiado tempo no País mas também para permitir uma

celeridade maior na reconstituição da legitimidade para governar.

Neste sentido, parece-nos que o prazo de 60 dias, que praticamente corresponde a dois meses, é o tempo

suficiente para desenvolver todo o processo eleitoral de apresentação de candidaturas e até, tendo em conta

que depois isto se deve compaginar com um encurtamento do período eleitoral, para salvaguardar todos os

aspectos de direito eleitoral, proporcionando, ao mesmo tempo, ao país soluções mais rápidas de governação.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está em discussão a proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, feita a apresentação pelo Sr. Deputado

proponente, ao PSD parece que a motivação, agora explicitada, é altamente meritória, fora de causa. Neste

sentido, o PSD acolhe com receptividade a proposta, apenas com uma reserva, nesta fase de primeira leitura,

que é a da necessidade de uma análise técnica cuidada para aferir da exequibilidade prática, porque a pior

coisa que poderia acontecer, embora movidos por uma motivação claramente nobre, seria criarmos uma

situação de falta de rigor e de capacidade executiva por parte da administração eleitoral.

Ora, como já temos, salvo erro, prevista uma audição com o STAPE, e por alguma razão a vamos ter,

penso que talvez não fosse despiciendo aproveitar essa oportunidade para perguntar ao STAPE até que ponto

lhes parece, no actual estádio da máquina eleitoral — e, provavelmente, quando a Constituição foi feita, esse

prazo de 90 dias foi o mais curto possível, e foi com certeza esta também a motivação do legislador

constituinte na altura —, com a informatização, ser possível fazer uma redução dos prazos.

Portanto, se o Sr. Presidente concordar, a sugestão do PSD é no sentido de se incluir nessa consulta ao

STAPE esta questão, em termos genéricos, porque, depois, pode ser que ela também venha a ser suscitada

em outras partes da Constituição.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, temos exactamente a mesma posição.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo quanto à necessidade de ser

ouvido o STAPE nesta matéria, mas, ainda assim, gostaria de lembrar dois aspectos.

Não é a primeira vez que se discute o encurtamento dos prazos para convocação de eleições após

dissolução. Creio que, em 1989, a questão foi exaustivamente debatida e não se conseguiu explicar que

prazos se encurtariam. Isto é, o calendário eleitoral, tal como está estabelecido, tem a duração de

aproximadamente 80 dias, creio eu, e, quando se propõe uma redução destes prazos, importa ter-se uma ideia

sobre onde se vai reduzir, se é no prazo para a campanha eleitoral, se é no prazo para apresentação das

listas, se é nos prazos para os processos mais ou menos burocráticos, embora naturalmente importantes, de

organização do processo eleitoral. E isto nunca foi explicado até à data pelos proponentes.

Por outro lado, importa não perder de vista que a organização de um processo eleitoral não é apenas o

funcionamento da máquina burocrática e uma contagem de prazos formais; há também um processo, que é o

da elaboração das listas, que tem de ter um tempo mínimo, que não é automático e que merece, naturalmente,

toda a consideração. Creio que não é possível estabelecer constitucionalmente um prazo tão apertado entre

um acto de dissolução e um acto de realização de novas eleições que inviabilize na prática, ou prejudique

muito, um processo natural de elaboração de listas, de formação de candidaturas.

Portanto, creio que um eventual encurtamento deste prazo não pode deixar de ter esta matéria em

consideração.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, para que fique clara a nossa posição, somos favoráveis

à redução do prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 116.º, razão por que vemos com simpatia a proposta que

estamos a discutir, e estamos de acordo com a consulta ao STAPE, conforme foi sugerido, sendo certo que

continuo a pensar que, se porventura em sede de revisão constitucional, se alterasse este prazo isso deveria

determinar um ajustamento dos serviços ao cumprimento do novo prazo constitucional, o que, em minha

opinião, com a assessoria do Sr. Deputado José Magalhães em matéria de informática nomeadamente, isso

seria feito rapidamente. No entanto, sem prejuízo da consulta ao STAPE, temo que a resposta deste seja um

longo rosário de justificações a demonstrar por que é que, burocraticamente, não é exequível ou é perigoso a

Constituição diminuir o prazo.

De qualquer forma, gostaria de deixar registada a nossa posição de princípio, de que, em situações de

crise que determinem a dissolução da Assembleia da República, em Portugal, demora-se demasiado tempo a

repor a normalidade da representação eleitoral, e por isso, por princípio, somos favoráveis à diminuição do

prazo.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, se me permitem, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro

Passos Coelho, também para exprimir a minha opinião, devo dizer que também dou a minha adesão pessoal a

esta proposta, que, creio, é altamente virtuosa.

Não é razoável que, em Portugal, se demore três meses a repor a representação eleitoral, quando em

outros países este processo se faz, por vezes, num mês, no máximo em dois meses, ou mesmo em 45 dias.

É claro que temos um processo eleitoral em que todos os actos são submetidos a fiscalização judicial, onde

há a ideia de não dar um passo enquanto o anterior não estiver dirimido e como caso julgado. Mas, mesmo

assim, penso que, sem prejuízo das garantias deste nosso típico processo, é possível encurtar prazo. É útil

ouvir o STAPE sobre esta matéria, para que possamos tomar uma decisão com toda a informação, mas, em

minha opinião, não é tecnicamente impossível encurtar os prazos de modo a fazer caber o processo eleitoral

em 60 dias.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, quero só acrescentar que na altura em que esta

matéria foi discutida, nomeadamente aquando da elaboração desta proposta, há dois anos atrás, tivemos o

cuidado de consultar o Ministério da Administração Interna justamente para ver da razoabilidade técnica,

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digamos, da proposta, e, embora algumas dificuldades tivessem sido suscitadas, a verdade é que era

perfeitamente possível encurtar o prazo, quer no da campanha eleitoral — o que, entretanto, já ocorreu neste

período de tempo, embora não tanto quanto seria desejável —, quer quanto à celeridade processual da

apresentação das candidaturas, para cerca de dois meses para a realização das eleições. Mas, naturalmente,

isto não dispensará uma auscultação aos serviços técnicos do STAPE, com a nossa análise crítica, que

decorre daquilo que disse o Deputado Jorge Ferreira, que é natural que a Administração tenha sempre mais

alguns entraves do que desejaríamos.

De qualquer modo, penso que a proposta é perfeitamente praticável, mesmo que ela obrigue a mais algum

trabalho por parte do STAPE. Mas é um bom princípio ouvir os serviços, para ficarmos devidamente

informados.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, há acolhimento político do princípio desta proposta, sob reserva de

a decisão definitiva ser tomada depois de ouvido o STAPE. Juntarei este pedido àquele que já tínhamos

decidido a outro propósito.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, o que direi seguidamente não tem relação imediata com

esta norma, mas gostaria tão-só de lembrar que decidimos não propor em sede de artigo 116.º, o que seria

tecnicamente incorrecto, uma norma na qual temos bastante empenhamento e que diz respeito ao regime do

acto eleitoral que dará origem à próxima legislatura. É uma norma que inserimos como artigo 3.º do nosso

projecto de revisão constitucional, que, tanto quanto me apercebi, não consta do articulado comparativo que

temos entre mãos e que reza o seguinte: «A última sessão legislativa da VII Legislatura poderá ter duração

encurtada, nos termos da lei, por forma a que o acto eleitoral possa ter lugar no decurso do mês de Junho».

É mais uma das matérias que, neste caso, está tão-só sujeita, tanto quanto tenhamos consciência, a um

processo de avaliação política e que não gostaria de deixar de registar apenas para que tenhamos uma

imagem global do que está em cima da mesa para decisão.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, será discutido na altura própria a propósito das disposições

transitórias relativas à Assembleia da República. No entanto, fica feito o memorando.

Ainda no artigo 116.º, vamos passar à proposta de um novo n.º 2, apresentada pelos Deputados do PSD

Pedro Passos Coelho e outros, sobre as candidaturas para os órgãos de tipo assembleia de cidadãos

eleitores, que tem correspondência, embora não coincidente, com o n.º 5 das propostas apresentadas pelo PS

e pelos Deputados do PS António Trindade e outros.

Nesta norma prevê-se a candidatura pelos partidos políticos — esta é a regra constitucional — e também

(esta é a inovação) por grupos de cidadãos eleitores em todas as eleições, no caso da proposta dos

Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, e em todas as eleições menos para o Parlamento Europeu,

no caso das propostas do PS e dos Deputados do PS António Trindade e outros.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, esta é, a par da questão do sistema proporcional

ou não proporcional de eleição, uma das duas matérias mais inovadoras de facto relativamente ao sistema

constitucional vigente.

Como todos sabemos, as candidaturas de cidadãos independentes são hoje permitidas para as eleições

locais, ao nível das freguesias, e parece haver já um consenso bastante desenvolvido entre os vários partidos

no sentido de alargar essa candidatura, que rompe com o monopólio de apresentação de candidaturas pelos

partidos, ao nível dos executivos das câmaras municipais.

A proposta que subscrevo vai um tanto mais longe e propõe, para todos os órgãos de tipo assembleia, a

possibilidade de cidadãos eleitores não filiados em partidos políticos poderem candidatar-se,

independentemente das candidaturas partidárias.

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Temos a noção precisa das implicações de uma inovação desta natureza quer no que respeita a um dos

«cimentos» do nosso sistema político, que são os partidos, quer no que respeita às consequências, em termos

nacionais, para a governabilidade e estabilidade do sistema constitucional, e é nesta medida que me permito

suscitar algumas questões que serão discutidas mais à frente mas que formam um todo coerente.

É neste sentido, por exemplo, que, em termos de Assembleia da República, defendemos a introdução do

mecanismo da moção de censura construtiva e fazemo-lo justamente para obviar a um cenário em que não

são estritamente os partidos a exercer o seu papel na Assembleia da República, que possam ser também

cidadãos eleitores, como representantes dos seus círculos eleitorais, no caso de haver uma conjugação,

digamos até ocasional, por mais espúria que seja, que coloque problemas de governabilidade, estes sejam

dirimidos através de um mecanismo da moção de censura construtiva. Pensamos que deste modo se

resolverá, mas isto será para uma discussão que se fará mais à frente, o problema da governabilidade, que

poderia decorrer do facto de abrirmos a cidadãos independentes as candidaturas para a Assembleia da

República, nomeadamente.

Quanto à questão do Parlamento Europeu, julgo que por maioria de razão não faria sentido que, na nossa

proposta, abríssemos a possibilidade de cidadãos independentes se candidatarem à Assembleia da República

e que não o pudessem fazer para o Parlamento Europeu.

Para terminar a apresentação da proposta, quero dizer que, findo todos estes anos de vivência

democrática, parece-nos indispensável criar alguns factores, em primeiro lugar, de competitividade aos

próprios partidos, porque pode resultar num mais saudável comportamento dos próprios partidos políticos — e

estou a lembrar-me, por exemplo, da inclusão que ciclicamente quase todos os partidos fazem, nas suas

listas, de supostos cidadãos independentes, que só supostamente são independentes —, o que permitiria não

apenas purificar o próximo sistema partidário como torná-lo mais competitivo, e, em segundo lugar, ir, de

algum modo, ao encontro de um sentimento, que esperamos não seja estrutural mas que ciclicamente vem

aparecendo, de distanciamento dos cidadãos relativamente aos próprios partidos políticos. Julgamos que

manter, ao fim de todos estes anos, o monopólio dos partidos na maior parte destes actos eleitorais provoca

um maior afastamento dos cidadãos em relação aos partidos.

Portanto, a nossa postura aqui é a de abrir o mais possível, curando de garantir que com isto não se criam

problemas ou de ingovernabilidade ou de instabilidade política adicional, por forma a que os próprios partidos

se possam rejuvenescer e adequar às novas circunstâncias nacionais e por forma também a corresponder a

um maior desejo que os próprios cidadãos têm de se iniciarem numa participação política mais aprofundada

ou mais desenvolvida, sem que para isso tenham de aderir a um partido político, bastando-lhe para tal o

exercício dos seus direitos de cidadania.

Posto isto, direi que isto nem é uma machadada final nos partidos políticos, bem pelo contrário, nem é, com

certeza, o reino da anarquia, pelo menos está nos antípodas daquilo que é a intenção da proposta, e,

compaginada com outras soluções que serão defendidas mais adiante, julgamos que não virá mal ao mundo

fazer esta inovação, antes, pelo contrário, ela pode ser extremamente importante e oportuna para o nosso

sistema de partidos e para o nosso sistema constitucional.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a abertura a grupos de cidadãos independentes da

possibilidade de apresentação de listas concorrentes a todos os órgãos de poder político, o que quebra o

monopólio actualmente em vigor, é um dos tais princípios que enforma o sistema político que está no centro

do projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, pelo qual nos vimos debatendo e que tive, de resto,

ocasião de introduzir na tentativa de revisão constitucional ocorrida na passada Legislatura. Entre esse

momento e o momento actual verificou-se, em relação a esta como a tantas outras questões, uma alteração

da atitude política reinante, e, hoje, algumas das preocupações que então se verificaram não são

especialmente notórias. E não são notórias porque, por um lado, a proposta é feita com cautelas e

contrapartidas em diversos pontos do nosso articulado, que examinaremos uma a uma na altura própria, e, por

outro, tomámos, em relação à sua própria redacção, algumas cautelas. Noto, desde logo, uma diferença em

relação à proposta adiantada pelo Deputado Pedro Passos Coelho: no nosso caso, na redacção proposta pelo

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Partido Socialista, prevê-se que os cidadãos eleitores recenseados nos respectivos círculos possam

apresentar listas e esta barreira ou este limite, digamos, esta ligação não é pressuposta nem tornada

obrigatória na proposta do Deputado Pedro Passos Coelho. Não é, digamos, uma vantagem acrescentada da

proposta.

Não cremos, Sr. Presidente, que deste princípio de abertura, que importa regular de forma desenvolvida

em sede de lei ordinária, resulte qualquer ameaça às prerrogativas legítimas dos partidos, mas não temos

qualquer dúvida de que está aqui um desafio e a abertura de uma dinâmica de renovação, que exigirá dos

partidos esforços acrescidos e uma competição acrescida e em alguns casos significativa, pelo que não se

trata de, à ligeira, considerar a proposta um mero retoque. Não é um retoque, é uma reforma crucial, e é nosso

compromisso perante o povo português impulsioná-la e fazer tudo o que seja possível para que ela venha a ter

consideração. E faremos isto, Sr. Presidente, escrupulosamente.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, tenho algum receio que, metodologicamente, esta

discussão a propósito do artigo 116.º seja a mais produtiva, visto que estamos a discutir dentro de um princípio

geral que é o da admissão de candidatura de cidadãos eleitores — naturalmente, aqui o princípio está aberto,

na medida em que, a nível de poder local, essa possibilidade já está constitucionalmente aberta —, mas o que

ficar no artigo 116.º é um pouco o que resultar daquilo que for apurado relativamente ao poder local, às

assembleias legislativas regionais, à Assembleia da República e, eventualmente, ao Parlamento Europeu,

dado que há também uma proposta neste sentido. Creio que este é um artigo de resultado e, portanto, não sei

se não seria mais produtivo que as candidaturas à Assembleia da República fossem discutidas no artigo 154.º,

que é o artigo que se lhe refere, e caso aí fossem consagradas teriam de ser, naturalmente, inscritas no artigo

116.º, por uma questão de coerência sistemática.

Não sei se é preferível estar já aqui a dirimir esta questão em definitivo, com algum prejuízo da discussão

do artigo 154.º, ou se é preferível discutir, em relação a cada um dos órgãos, quem pode candidatar-se,

porque há de facto questões diferentes. É muito diferente equacionar os termos em que há-de processar-se e

as consequências concretas da possibilidade de candidatura de cidadãos eleitores num órgão de poder local

ou na Assembleia da República ou, eventualmente, no Parlamento Europeu. Creio que são questões que

obedecem a lógicas distintas e que justificam discussões separadas.

Mas, enfim, os Srs. Deputados entenderão.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, não é essa a minha opinião. De resto, as propostas feitas em princípio

geral é em sede de princípio geral que devemos discuti-las, e exactamente por isso foi feita a proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, no nosso projecto de revisão constitucional, em termos

de articulado, seguimos a metodologia que o Sr. Deputado António Filipe acaba de enunciar, e é por essa

razão que, relativamente a este ponto, não existe qualquer proposta de alteração no nosso projecto. É que

nós, órgão a órgão, fomos enunciando, no local relativo às candidaturas, a possibilidade de as abrir a grupos

de eleitores que não estejam inscritos em partidos políticos, e é por isto que não apresentamos qualquer

proposta de alteração ao artigo 116.º sobre esta matéria; elas estão espraiadas pelo projecto de revisão

constitucional, à medida em que os vários órgãos vêm sendo regulamentados.

De qualquer modo, não temos nada a opor, uma vez que perfilhamos a posição da abertura de todas as

eleições à participação de grupos de eleitores não filiados em partidos políticos, apesar de seguirmos uma

metodologia inversa, quanto a inscrever um princípio de direito eleitoral geral prevendo precisamente essa

ideia.

Pensamos que um dos bloqueios principais do sistema político português é precisamente o monopólio de

representação dos partidos políticos, e, independentemente dos graus e da intensidade com que a ideia tem

feito o seu caminho, existe hoje, a nosso ver, uma sensibilidade geral dos partidos políticos para essa

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necessidade. Apesar de termos presente, como é óbvio, um dos aspectos referido pelo Sr. Deputado José

Magalhães, o de que isso trará uma maior exigência da capacidade dos partidos políticos, quer parecer-nos

que hoje existe a sensação generalizada de que o monopólio partidário das candidaturas a eleições bloqueia o

sistema e de que é necessário, de alguma forma, fomentar uma maior participação política dos eleitores de

várias maneiras, sendo uma delas, das mais importantes, das mais nobres, das mais dignas e até das mais

necessárias, através da possibilidade de se candidatarem com listas próprias aos vários tipos de eleição.

Por isso não temos oposição de princípio à consagração de uma norma geral, apesar de termos seguido a

metodologia inversa, uma vez que, independentemente de pensarmos que os problemas que levanta esta

ideia são diferentes de órgão para órgão, perfilhamos a tese de que em relação a todos eles deve ser possível

a apresentação destas candidaturas para grupos de eleitores.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, o Sr. Deputado Jorge Ferreira tem razão. O CDS-PP, para cada um

dos artigos referentes a cada uma das eleições dos órgãos políticos previstos na Constituição — para a

Assembleia da República no artigo 154.º, para as assembleias legislativas regionais no n.º 2 do artigo 233.º,

para as assembleias das autarquias locais no n.º 3 do artigo 241.º —, prevê o mesmo princípio, que assim se

torna geral, de forma explícita, para o Parlamento Europeu, uma vez que não há qualquer norma específica

relativamente a esta instituição. Portanto, o CDS-PP entra também nesta discussão geral sobre a admissão de

um princípio geral de candidatura de cidadãos eleitores.

Estas propostas estão em discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, eu não quis interromper esta primeira ronda de

intervenções, embora pense que seria importante o Partido Socialista, numa segunda intervenção, poder

explicitar a questão, já ressaltada por V. Ex.ª, da não contemplação do sufrágio para o Parlamento Europeu na

proposta do PS. Como, pelo menos para mim, não ficou totalmente clara a razão de ser dessa solução,

gostaria que, numa segunda ronda de intervenções, isso fosse explicitado.

De qualquer maneira, quanto à questão em termos gerais, gostava de dizer que o PSD também tem, no

nosso projecto de revisão constitucional, uma norma no sentido de permitir a candidatura de cidadãos

independentes não a todos mas a alguns órgãos colegiais. A saber, o PSD propõe concretamente que possam

ser apresentadas listas por cidadãos eleitores aos órgãos do poder local.

Como o Sr. Presidente já referiu, em termos de sistematização faz todo o sentido que quem propõe esta

solução o faça para todos os órgãos e que ela seja incluída no artigo 116.º, que é dos princípios gerais. O PSD

não o faz, fá-lo apenas no artigo 241.º, que é aquele que tem a ver com os órgãos do poder local — é a parte

genérica, digamos assim, da Constituição no que se refere ao poder local. Mas desde já avançaria com

algumas razões que presidem a esta formulação por parte do Partido Social Democrata.

É evidente que o Partido Social Democrata, como todos os outros partidos, é e tem sido sensível nos

últimos anos a um crescendo de anseios por parte de alguns sectores da nossa sociedade, normalmente dos

sectores mais liderantes em termos políticos das nossas comunidades, no sentido de se permitir aquilo que,

do meu ponto de vista erradamente, tem vindo a ser denominado de reforma do sistema eleitoral para permitir

uma maior aproximação dos eleitores aos eleitos. Como disse, embora não concorde muito com esta

terminologia, utilizo-a apenas para nos situarmos no âmbito daquilo a que me estou a referir.

O PSD também tem sido perfeitamente sensível a esses anseios surgidos em vários sectores da opinião

política e da nossa sociedade, e pretende transpor esta solução para a actual Constituição. De resto, quero

recordar aos Srs. Deputados que já na altura da Assembleia Constituinte, em 1975, o Partido Social

Democrata, na época Partido Popular Democrático, teve algumas intervenções no sentido de defender, a nível

do poder local, a possibilidade, um pouco mais alargada, de grupos de cidadãos poderem apresentar, para

órgãos autárquicos, candidaturas independentes.

Na altura estava em causa a estabilização do sistema democrático, a estabilização fundamental do papel

dos partidos políticos na estruturação desse mesmo sistema, e acabou por entender-se politicamente que o

mais correcto era a Constituição não abrir essa possibilidade, a não ser no caso das freguesias. O grande

argumento, na altura, foi, fundamentalmente, a necessidade de estruturação e estabilização dos partidos

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políticos como agentes fundamentais da organização do novo Estado democrático, saído da Revolução do 25

de Abril, mas parece-nos, obviamente, que essa etapa hoje em dia está cumprida; a estruturação e a

estabilização do sistema democrático não se coloca hoje em dia. Mas, se já na altura havia algum pensamento

claro da parte do Partido Social Democrata neste sentido, embora tenha acabado por ceder perante este tipo

de argumentação, que, na época, lhe pareceu válida, não a mim pessoalmente, mas aos dirigentes do partido

da altura, hoje em dia o PSD considera esse problema fundamental ultrapassado — graças a Deus! — e,

portanto, não lhe parece haver qualquer óbice estruturante do sistema, ou outro, que deva inibir isto.

No entanto, há uma questão que me parece fundamental, e é, aliás, esta a nota que, em termos políticos,

quero deixar aos Srs. Deputados nesta primeira leitura, que é a seguinte: na altura em que se deve fazer esta

reforma do sistema, o que nos parece, em qualquer circunstância, extraordinariamente errado é, em vez de se

optar exactamente pela via reformista, tentar dar-se um salto que é quase uma ruptura com a situação

actualmente existente.

Propostas como aquelas que genericamente acabaram de ser explicitadas, com, enfim, as nuances que

cada um dos partidos sublinhou quanto às respectivas propostas, e que vão no sentido de abrir a possibilidade

de candidaturas independentes — utilizemos esta terminologia, que é entendível por todos — para todos os

órgãos políticos, em todos os sufrágios directos e universais, parece-nos um salto no escuro demasiado

inconsciente (inconsciente por não se ter perfeita consciência dos resultados e do impacto que isto pode ter na

própria estruturação e funcionamento do nosso sistema democrático — mais no funcionamento do que na

estruturação), que o PSD não aprova. Nesta perspectiva, não aprovamos esta solução.

Logo, no nosso entendimento, pelas razões que acabei de explicitar, esta reforma tem de começar a ser

empreendida, e deve começar exactamente pelo plano mais perto dos cidadãos. Onde exactamente se pode

aferir com um maior conhecimento de causa, onde se pode dar expressão aos verdadeiros anseios e

ambições das populações é precisamente nos órgãos que lhes estão mais próximos, que são, obviamente, os

órgãos do poder local, que é por onde, do ponto de vista do PSD, se deve começar.

Neste sentido, a proposta do PSD aponta apenas para a abertura, nesta revisão constitucional, em 1996, a

candidaturas de cidadãos independentes aos órgãos do poder local, parecendo-nos que a sua extensão

imediata, sem qualquer conhecimento, por um lado, da real expressão que isto pode ter a nível da nossa

sociedade e, por outro, do impacto que pode ter a nível da actual estruturação dos partidos políticos… Como

estamos numa Comissão que pondera as decisões e as intervenções feitas aqui por todos os Deputados

relembro que os partidos políticos democráticos são um pilar estruturante e fundamental da estabilidade do

nosso sistema democrático. Independentemente dos problemas que os partidos possam ter, problemas

inclusive de alguma representatividade numa ou noutra fase da nossa história, parece-nos perfeitamente

irresponsável pôr em causa de uma só penada, sem medir as consequências e sem conhecer com algum

gradualismo o impacto que este tipo de reformas, profundas e estruturantes, podem ter, exactamente esse

papel fundamental que os partidos políticos têm no nosso sistema democrático, apesar de, do ponto de vista

do PSD, estar longe de ter sido cumprido ou esgotado, mas isto acontece não só na nossa sociedade como,

de resto, na esmagadora maioria das sociedades ocidentais com que nos relacionamos e com que temos

afinidades em termos de sistema democrático. E assim parece-nos que uma reforma deste tipo tem de ser

feita com algum gradualismo e com a necessária prudência no sentido da sua adequação à realidade das

coisas. Isto é, parece-nos errado avançar desde já para um salto tão alargado, como aquele que estamos a

discutir aqui, que, no fundo, resultaria praticamente numa ruptura de consequências desconhecidas neste

momento para a estabilidade do sistema e nomeadamente para os partidos políticos existentes, enquanto

estruturantes desse sistema, e que consta da proposta dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros,

que foi a primeira que o Sr. Presidente pôs à discussão, mas também, genericamente, como referi, das outras

propostas com as diferenças específicas, como resultou mais ou menos claro das intervenções quer do

Partido Socialista, quer do Partido Comunista Português, quer do Partido Popular.

Sendo assim, para já, Sr. Presidente, nesta primeira ronda de intervenções, parece-nos haver, de facto, um

denominador comum a todos, o de se avançar no sentido de abrir, no texto constitucional, a possibilidade às

candidaturas de cidadãos independentes, para percorrer o tal caminho de ir ao encontro dos anseios

manifestados nos últimos anos, de formas mais ou menos inorgânicas, mas expressivas, por largos sectores

da nossa sociedade e opinion makers, com relevância, do ponto de vista de Partido Social Democrata,

indiscutível. Mas, ir além deste denominador comum, parece-nos, nesta actual fase, algo perigoso.

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No entanto, gostaríamos de ouvir um pouco melhor as opiniões dos outros partidos, o que eles têm a dizer

sobre esta reflexão.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, antes de continuarmos a discussão, gostaria de saber se o PS e o

CDS-PP, que também apresentaram propostas genéricas de alargamento das candidaturas extrapartidárias,

subscrevem o alargamento geral, inclusive às listas para o Parlamento Europeu, que consta da proposta dos

Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, que, neste aspecto, é a mais abrangente.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, não adiantámos essa proposta por algumas razões que

enuncio muito sumariamente: por um lado, o número limitado de lugares que decorre, como sabemos, de

compromissos internacionais e, por outro, a maximização da personalidade que isso proporciona e ainda, por

outro lado, a correspondente restrição que isso representa ou pode acarretar na representação partidária,

sobretudo em cenários de polarização que decorram de situações que convertam as eleições numa espécie

de referendo pró ou contra a construção europeia por exemplo, o que aconselha alguma prudência.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, sou tentado, pelo negativo dos argumentos atrás

expostos, a subscrever a proposta dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, e aproveito para

manifestar a minha surpresa pelo facto de o Partido Socialista ser tão selectivo na antecipação dos potenciais

perigos de uma solução deste tipo relativamente a uma eleição especial.

O Sr. José Magalhães (PS): — O CDS-PP, aliás, revelando uma extraordinária falta de argúcia, não

propôs isso a uma.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Não precisa, porque o CDS-PP concorda com as boas ideias, mesmo

que não as proponha. Não temos pretensão a ter esse tipo de monopólio; não temos essa pretensão! E por

isso, espontaneamente, acabo de manifestar a nossa concordância, concordância essa que reforcei depois de

ouvir os argumentos em contrário do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a questão não é despicienda, mas apesar de tudo apelo para o

nosso sentido de economia na discussão.

Disciplinando a discussão, há, na verdade, quatro posições de partida, e esperemos que se obtenha uma

de chegada (é claro que se não se obtiver nenhuma ficará o que consta actualmente da Constituição, portanto,

haverá sempre uma posição de chegada).

No princípio geral de abertura de candidaturas extrapartidárias há duas versões, uma maior, geral, sem

excepções, dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, que obtém agora a concordância do PP, e

outra, com uma excepção ao Parlamento Europeu, do PS.

Quanto a esta abertura apenas às eleições locais, o PSD não apresenta aqui qualquer proposta, estamos,

portanto, só a discutir o princípio geral, e o PCP não propõe qualquer alteração.

Logo, o que está em causa são apenas as duas propostas que mencionei inicialmente, para as quais, Srs.

Deputados, quero tomadas de posição.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, começo por referir a nossa posição em termos gerais sobre

esta matéria.

Em primeiro lugar, não quero deixar passar em claro uma afirmação, feita já há algum tempo, do Sr.

Deputado Pedro Passos Coelho, na medida em que arrasta um labéu de suspeição relativamente aos

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cidadãos que, sendo independentes, se candidatam nas listas de partidos políticos ou de coligações aos

vários níveis de poder.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, eu e o Sr. Deputado José Magalhães, como outros Deputados eleitos,

integrámos as listas como independentes e não nos sentimos atingidos!

O Sr. José Magalhães (PS): É uma defesa oficiosa!

Risos.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): O Sr. Deputado José Magalhães ainda é independente?

O Sr. José Magalhães (PS): Isso é público e notório!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): É extraordinário!

O Sr. António Filipe (PCP): Creio que, pelo menos, não é generalizável…

O Sr. Presidente: Como está à vista!

O Sr. António Filipe (PCP): … a ideia do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho de que, quando os

partidos políticos integram candidatos independentes nas suas listas, trata-se de candidatos independentes

mais ou menos encapotados e destinados, enfim, a enganar os eleitores com essa suposta condição. Creio

que esta ideia não é generalizável e que é saudável os partidos políticos terem a preocupação de apresentar

nas suas listas candidaturas de cidadãos independentes — não creio que venha qualquer mal ao mundo por

este facto! Aliás, creio haver cidadãos que se candidatam nestas condições e que são de facto independentes.

Relativamente a esta questão, forçosamente nesta fase, na medida em que foram apresentadas propostas,

que iremos, mais adiante, analisar e onde será possível discutir mais detalhadamente cada um dos problemas

que suscitarão, gostaria de dizer que, pela nossa parte, sempre vimos com muito bons olhos o acréscimo da

participação de cidadãos independentes na vida política, embora nos pareça que algumas propostas,

sobretudo as que têm maior latitude, podem colocar de facto alguns problemas.

Esta é uma matéria cuja reflexão está naturalmente em aberto, e não tomarei já uma posição definitiva

relativamente a todos os aspectos. Devo dizer que temos uma abertura maior quanto à consideração das

candidaturas independentes a nível local e que vemos algumas dificuldades na sua consagração em eleições

de âmbito nacional, designadamente à Assembleia da República.

Assim, sem excluir liminarmente a consideração desta possibilidade, creio que vale a pena chamar a

atenção para o facto de constitucionalmente os Deputados representarem todo o País e não apenas os

círculos por que são eleitos; a Assembleia da República é eleita tendo como uma das suas funções

fundamentais a formação da vontade política que há-se conduzir à formação de governos e de políticas de

âmbito nacional.

O facto de o País estar dividido em círculos eleitorais não significa que os candidatos a Deputados se

candidatem obedecendo a lógicas, sobretudo a lógicas regionais. Creio que a restrição à apresentação de

candidaturas por cidadãos eleitores num único círculo, tendo em consideração a natureza destas eleições,

pode oferecer algumas dificuldades, para além de não ser facilmente discernível que soluções governativas

possam vir a ser propostas ou viabilizadas por cidadãos que apresentem uma candidatura num dos círculos

eleitorais à Assembleia da República.

Portanto, como disse há pouco, sem recusar liminarmente esta possibilidade, parece-nos que há aqui

aspectos não despiciendos que devem ser ponderamente reflectidos até que se chegue a uma decisão final.

Parece-nos que há mecanismos de participação dos eleitores na vida política, com carácter permanente, que

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devem ser estudados e aprofundados e que não passam necessariamente pela possibilidade de apresentação

de candidaturas com, enfim, esta latitude, até porque, como é sabido, as possibilidades já existentes a este

nível no nosso sistema político são muito pouco aproveitadas, digamos que há uma apetência maior dos

cidadãos para outros tipos de participação que não necessariamente o da apresentação de candidaturas.

De qualquer forma, esta é apenas uma breve reflexão que aqui deixo nesta fase.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, aproveito já para responder àquilo que disse o Sr.

Deputado António Filipe a propósito quer dos candidatos independentes, que é, digamos, mais um fait divers

da discussão, quer da formação de governos, que é uma questão talvez mais pertinente.

Quanto aos candidatos independentes, se não me expressei bem aproveito agora para o fazer melhor,

penso que a razão por que a maior parte dos partidos políticos «deita mão» a cidadãos independentes nas

suas listas é justamente para colmatar a insuficiência de ligação, muitas vezes, ou de identificação com a

sociedade civil que os próprios partidos já hoje têm.

O facto de os partidos sentirem necessidade de ir buscar cidadãos independentes com um prestígio e uma

credibilidade própria, de que por vezes os partidos carecem, significa que é necessário introduzir algo inovador

que aumente quer a competitividade dos partidos quer a sua busca por melhores quadros políticos. E,

portanto, o facto de se permitir que um cidadão independente possa candidatar-se de per si e não num partido

fará com que os partidos, se quiserem ter alguns quadros mais qualificados, tenham — passe a expressão —

de «cuspir nas unhas» e de trabalhar para isso.

O meu aparte, o qual julgo que a generalidade das pessoas compreende, relativamente aos falsos

independentes, deriva do espectáculo que muitas vezes está à vista de todos em eleições locais — e

esperamos que as próximas não tenham tão extensamente a repetição deste fenómeno —, e que é mau, que

é o de cidadãos independentes andarem a saltar de partido em partido para ganharem as câmaras municipais

ou as juntas de freguesia, sabendo nós que, muitas vezes, os próprios partidos que os acolhem são

penalizados eleitoralmente por isso; isto acontece muitas vezes, mas não quer dizer que não haja, de facto,

alguém que só por si justifique a confiança directa do eleitorado. Ora, se assim é, não se percebe por que é

que esse alguém tem de candidatar-se por um partido e não o pode fazer de forma autónoma. Se é, de facto,

aquele cidadão que ganha a câmara municipal, porquê estar então a mascarar esse facto e a insuficiência dos

partidos de gerarem alternativas mais credíveis?!

Portanto, o sentido da minha observação foi este e não vejo razão para provocar tanta indignação.

Passemos agora à formação de governo. A formação de governo deverá competir, em primeira linha, a

grupos mais organizados do ponto de vista político, portanto, a partidos políticos; mas já hoje os partidos

políticos, quando não têm maiorias absolutas, têm de encetar esse esforço com outras formações ou outros

cidadãos, desde que estes tenham a legitimidade do voto. E, portanto, isto não me assusta particularmente.

Sr. Deputado António Filipe, do meu ponto de vista, é mais difícil estabelecer às vezes, por dois ou três

Deputados que seja, acordos com partidos políticos para a formação de governo do que, se calhar, com dois

ou três Deputados individualmente considerados! Não vejo que seja mais difícil gerar soluções de governo

desse modo do que de outro!

O importante seria não se criarem aleatoriamente dificuldades quanto à substituição de um Executivo —

isto, sim —, porque, como é evidente, Deputados individualmente considerados podem, circunstancialmente,

criar uma situação de dificuldade na governação e podemos até ficar perante a queda do Executivo, sem que

isto tenha uma componente de alternativa gerada. E esta é a razão por que mais à frente se defende a moção

de censura construtiva.

Esta solução é ou não, como dizia o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, um salto no escuro, um salto

inconsciente? Penso que todos temos a noção — eu próprio o admiti quando fiz a apresentação da proposta

— de que esta é, com certeza, uma das duas matérias mais inovadoras do sistema político. Logo, em bom

rigor, não estou em condições de aplacar todas as dúvidas do Sr. Deputado Luís Marques Guedes e de lhe

dizer «não, isto não é nenhum salto no escuro; isto é uma coisa perfeitamente conhecida e vai funcionar

perfeitamente bem»! Com certeza que tem algumas implicações que hoje não estamos em condições de

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medir, mas, apesar de tudo, estamos em condições, penso eu, de prevenir aquelas dificuldades que poderiam

ser as mais graves.

Se estivermos de acordo com o princípio, penso que valeria a pena, mesmo com outras cautelas para

diminuir, digamos, o salto no escuro, ponderar a vantagem de aproveitar esta circunstância excepcional de

revisão, que é eminentemente política, para criar condições para se proceder a uma mudança qualitativa do

sistema político. Esta é a razão por que, a meu ver, a proposta é de facto meritória.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, uso da palavra tão-só para aditar uma consideração, que é

a resposta, sobretudo, às observações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, já agora, se o Sr. Deputado José Magalhães me

permitir, gostaria de dizer, porque me esqueci de referir, que, relativamente ao Parlamento Europeu, não estou

muito certo da valia dos argumentos que o Sr. Deputado José Magalhães aqui trouxe. De resto, penso que se

houver alguma norma do ponto de vista comunitário relativamente a isto ela não poderá deixar de acolher

aquela que resultar do nosso sistema eleitoral.

O Sr. Presidente: Não existe!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Então, peço desculpa! Pareceu-me ter ouvido isso…

O Sr. Presidente: Não existe legislação comunitária quanto a esse ponto.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Muito bem.

Quanto à possibilidade de se restringir aos cidadãos de determinado círculo a propositura de candidaturas,

também me parece ser uma versão mais correcta do que aquela que avancei.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, faça favor de continuar.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a consideração adicional que quero fazer é tão-só a

seguinte: partilhamos das preocupações de gradualismo, mas há uma diferença entre o gradualismo e a

afirmação clara de uma vontade política no sentido da reforma, e, de duas, uma, ou se apura essa vontade

política ou não se apura. Pela nossa parte, tudo faremos para que se apure.

No entanto, em relação aos gradualistas de boa vontade, gostaria de lembrar que teremos de regular todas

estas matérias em sede de lei ordinária e que, nessa sede, é possível estabelecer algumas garantias e

cautelas para que demos, em conjunto, saltos medidos e não, digamos, o estrepitoso exercício de que o Sr.

Deputado Luís Marques Guedes, aparentemente, dava mostras de ter receios. Ou seja, por um lado, teremos

de regular em que condições é que as listas podem ser apresentadas — quais são as garantias e os requisitos

em relação a alguma conexão de carácter territorial, que exclusões será necessário assegurar, uma vez que

não se pretende que as listas «vendam gatos por lebres» — e, por outro, a realidade partidária continuará a

existir e é constitucional e legalmente tutelada e meritória.

Logo, não se trata de estabelecer aqui um juízo de mérito ou partilhar anátemas contra o livre

funcionamento do sistema partidário ou de ver nesta abertura um elemento inquinante mas, sim, de permitir

que ela se faça de maneira prudente e medida, em que o legislador ordinário terá um papel absolutamente

crucial.

Portanto, não cuidemos de estabelecer ou de nos preocuparmos tão-só com as normas constitucionais,

uma vez que teremos de ocupar-nos também com as de valor infraconstitucional, e para aí irão, em grande

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medida, todas as cautelas que pressupunha, suponho eu, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Mas o

princípio tem de ser claro e, obviamente, quanto ao conteúdo essencial do mesmo, consagrada essa

«principiologia» da Constituição, não pode haver restrição desvitalizadora por parte do legislador ordinário.

E, portanto, Sr. Presidente, é este o nosso espírito. Não acreditamos em argumentos do tipo «cuidado com

a ruptura» ou «é necessário adequarmo-nos à realidade das coisas», estas expressões tendem a ser

manifestações, as mais das vezes, excessivamente conformistas e, depois, a realidade das coisas desfaz ou

opera distorções, que nenhum de nós deseja, e desvitaliza sistemas, o que seguramente não é desejável.

Portanto, transformemos as coisas antes que a realidade das mesmas nos transforme a nós.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, gostaria de fazer duas observações.

Primeiro, parece-nos que o pior sistema é aquele que vigora hoje em Portugal, não só pelas razões que o

Sr. Deputado Pedro Passos Coelho já referiu quando aludiu ao mau exemplo dos pseudo-independentes

autárquicos — e, obviamente, essa observação trazia implícita uma crítica aos partidos políticos, e julgo até

que ficaria bem que todos assumissem as respectivas quotas-partes — como também pela proliferação de um

sem número de fenómenos de outro tipo de falsos independentes, relativamente aos quais, uma vez

submetidos à «peneira» eleitoral, se verifica rapidamente, apesar de terem lugar institucional a reboque das

listas dos partidos, não terem qualquer tradução eleitoral concreta em termos de voto dos eleitores.

Portanto, há aqui dois tipos de fenómenos que actualmente corroem por dentro a credibilidade do sistema

político no que toca à relação entre os agentes políticos e a sociedade: um, ao nível autárquico, no qual todos

os partidos têm as suas responsabilidades, e o nosso seguramente também as terá, referido pelo Sr.

Deputado Pedro Passos Coelho, e, outro, ao nível até de órgãos de soberania, em que a imagem do sistema é

corroída, face à opinião pública, pelo surgimento de falsos fenómenos de independentes, que, uma vez

submetidos a sufrágio, aberta a possibilidade de concorrerem — e vamos imaginar que a Constituição já

previa a possibilidade de grupos de cidadãos eleitores independentes concorrerem a sufrágio em competição

com partidos políticos —, se calhar, não correspondem a nenhum fenómeno eleitoral e que adquirem um

suplemento de representação e de força institucional por estarem incluídos em listas partidárias, sem que,

depois, na sociedade, se verifique um nexo de representatividade. Penso que todos os partidos políticos já

passaram por isto, e também terão as suas culpas, obviamente. Neste caso, coloca-se mais a questão da

perspicácia desses cidadãos independentes, que aproveitam o mecanismo de representação partidária, mas,

para nós, isto não deixa de constituir um sintoma de degradação do próprio sistema e de adulteração da

representatividade dos eleitos face aos eleitores.

Por outro lado, a propósito de um argumento utilizado pelo Sr. Deputado António Filipe, gostaria de

recordar que já hoje se coloca o problema que ele levantou relativamente aos governos — basta recordar os

governos de iniciativa presidencial, em que num sistema puramente de representação partidária…

O Sr. António Filipe (PCP): — Há quantos anos isso se passou?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Há muitos anos felizmente, mas nada impede que, em situações

idênticas, a história se repita. Recordo, aliás, que, há bem pouco tempo, na Legislatura anterior, por várias

vezes foi colocada, em termos de análise política, por vários analistas, face a uma dissolução da Assembleia

da República, a possibilidade de o Presidente da República vir a formar um governo de iniciativa presidencial.

Pelo menos ao nível da análise esta situação foi colocada, e é constitucional!

O Sr. Presidente: — Foi ideia de algum independente, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Porventura! Mas a verdade é que esta possibilidade foi colocada.

Hoje em dia, é possível existir a situação inversa à que o Sr. Deputado António Filipe colocou e que

também deve estar presente na nossa reflexão, que é a de, num sistema de monopólio de representação dos

partidos nas eleições, por exemplo para a Assembleia da República, haver a possibilidade de existirem

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governos que não partam desses partidos políticos. Surpreendeu-me, aliás, bastante, o argumento utilizado,

porque penso que na altura em que as experiências foram feitas o PCP deu o seu assentimento.

O Sr. António Filipe (PCP): — Está enganado!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — De qualquer forma, é preciso ter presente que também existe este

problema, e, portanto, quando estamos a analisar esta alteração profunda no sistema político, não vale a pena

termos presente as situações que podem comprometer a alteração, também temos de ter presentes as

perversões que o actual sistema consente, para que, da comparação entre uns e outros, se possa encontrar

um sistema melhor do que aquele que hoje existe.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, a minha intenção inicial ao intervir era a de pedir

esclarecimentos ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, mas já lá irei, dado que foram feitas considerações

que, a meu ver, exigem alguma resposta.

Começo já pela questão de governos de iniciativa presidencial porque entendo que ela não é relevante

para o que estamos a discutir, para além de considerar que o Sr. Deputado Jorge Ferreira cometeu um erro de

facto, que é o do suposto apoio do PCP a governos de iniciativa presidencial. O Sr. Deputado está enganado!

Tanto quanto me lembro, existiram em Portugal três governos de iniciativa presidencial: um não sobreviveu

precisamente por não ter tido apoio parlamentar, que foi o do Engenheiro Nobre da Costa; um ou dois (não me

recordo bem), chefiados pelo Professor Mota Pinto, tiveram o apoio parlamentar, mas não do PCP, e por isso

sobreviveram durante algum tempo; e o governo da Engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo, que foi uma

situação muito transitória, pois foi um governo de 100 dias,…

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — E não teve o apoio do PCP?

O Sr. António Filipe (PCP): … foi tipicamente um governo de gestão.

Creio que o que importa reter é que, no nosso sistema constitucional, não há governos de iniciativa

presidencial que possam subsistir sem terem o apoio parlamentar, pelo que esta é uma falsa questão, e pouco

nos adianta para a discussão que estávamos a ter.

Registo também o tom autoflagelante e autocrítico do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e do Sr.

Deputado Jorge Ferreira relativamente às candidaturas de independentes a órgãos de poder local, a qual

também creio ser uma falsa questão. É evidente que não é pelo facto de se permitir a candidatura de cidadãos

independentes a esses órgãos que os cidadãos independentes que hoje se candidatam por partidos políticos

são lançados pela borda fora das listas que têm integrado; e também não é pelo facto de se admitirem

candidaturas de cidadãos independentes que os partidos políticos são proibidos de integrar cidadãos

independentes nas suas listas. Portanto, as questões são completamente diferentes e creio que não vale a

pena estar a misturá-las.

A questão que quero colocar ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho é esta: creio que quando se fazem

propostas em sede de revisão constitucional deve-se cuidar de lhes dar alguma coerência ou de, pelo menos,

fazer com que aquilo que se propõe seja exequível.

Por exemplo, quando se propõe, por um lado, que, no caso de dissolução da Assembleia da República, as

eleições seguintes ocorram no prazo de 60 dias e, por outro, a possibilidade de apresentação de candidaturas

de cidadãos independentes, pergunto-me se isto é inexequível, ou se se não está a criar uma situação que

pode levar à criação de mecanismos constitucionais que acabam por retirar com uma mão aquilo que se deu

com a outra.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, mas as eleições por dissolução da Assembleia da República são

raríssimas, são uma excepção. O normal é…

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O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, sei que é anormal, mas, na medida em que essa

possibilidade está constitucionalmente prevista (embora nos últimos anos não tenha acontecido, mas houve

situações em que aconteceu), creio que abrir a possibilidade aos cidadãos independentes de se candidatarem,

que o farão naturalmente, numa situação de enorme desvantagem, como é óbvio, inultrapassável,

relativamente aos partidos políticos, já que por se candidatarem a um círculo eleitoral não têm direito, enfim,

aos tempos de antena de âmbito nacional, aos quais os partidos que concorram a um número mínimo de

círculos têm — e os cidadãos independentes, por definição, nos termos em que é proposto, só se candidatam

a um círculo, o que faz com que tenham já uma desvantagem enorme quanto à igualdade de possibilidades

em termos de difusão da sua própria mensagem, na medida em que concorrem contra, evidentemente,

estruturas de âmbito nacional poderosas —, criam-se situações que os colocam numa situação ainda mais

desfavorável, como, por exemplo, no caso em que as eleições resultem de uma dissolução.

Assim, Srs. Deputados, perante estes factos, peço que reflictam a fim de saber se não se está a propor

algo que acabe por ser praticamente inaceitável para os cidadãos que eventualmente poderiam vir a beneficiar

desta proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): Ah! Está bem, é demais e não chega!

Se bem percebi a síntese do raciocínio do Sr. Deputado António Filipe, é demais, mas não chega.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Deputado, então, faço a pergunta de forma mais concreta.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, argumente, por favor, em vez de fazer perguntas. Exponha os seus

problemas, porque, se vai fazer perguntas a uns e a outros, nunca mais saímos daqui.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, eu creio que é perfeitamente regimental fazer pedidos de

esclarecimento.

O Sr. Presidente: — É óbvio que é, mas também é perfeitamente regimental que eu apele aos Srs.

Deputados para não recorrerem a essa figura…

O Sr. António Filipe (PCP): Mas, Sr. Presidente, se quer que eu argumente, eu faço-o.

Creio que para as soluções propostas para, por exemplo, a consagração da possibilidade de candidaturas

de cidadãos independentes à Assembleia da República, ainda que não as rejeitemos liminarmente — e é

importante dizer isto —, não está suficientemente demonstrada pelos proponentes a exequibilidade prática

dessa possibilidade.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, chamo a

vossa atenção para o facto de a manhã se estar a «esvair», e penso que seria mau estarmos a gastá-la

apenas com uma proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mas esta questão é nuclear, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Eu sei, Sr. Deputado. Mas como todas as questões são importantes, por este andar

não chegaremos ao fim dentro de um ano.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, gostaria de fazer algumas considerações.

Não tenho propostas a este respeito para o artigo 116.º, porque as desdobrei nos capítulos respectivos às

eleições para a Assembleia da República e para os órgãos das autarquias locais. Admito que, do ponto de

vista técnico, não seja esta a melhor solução, mas, como base de trabalho para uma discussão que é

eminentemente política, tendo em conta que, tal como, aliás, já se depreendeu, poder-se-ia sempre levantar

reservas a que o princípio fosse estabelecido genericamente, embora podendo ser aceite ao nível das eleições

x ou y, pareceu-me que, nesta medida, a proposta poderia ser feita nos termos em que o foi.

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Julgo que, apesar de tudo, há aqui também alguns equívocos, nomeadamente quanto à questão dos

designados falsos independentes, equívocos no sentido de que tudo depende, obviamente, do conceito que se

tem de independente. Os independentes não são independentes das suas convicções filosóficas e ideológicas

e muito menos da sua adesão a programas de governo ou de gestão autárquica ou da lealdade que

eventualmente tenham assumido ou com os quais se tenham comprometido em determinado momento. O

termo independente significa, pura e simplesmente, independente de filiação partidária, o que não é sequer

garantia suficiente de que não haja adesão entusiástica aos princípios programáticos e ao programa do partido

em questão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Nós registamos!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Eu é que registo, com surpresa, ter descoberto que o Sr. Deputado Luís

Marques Guedes era independente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Fui candidato como independente.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Tendo em conta a postura e a substância do que o Sr. Deputado disse,

não o julgava independente,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Fui candidato como independente!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): … porque o vejo, porventura, mais identificado com alguns dos princípios

programáticos recentes do seu partido do que outros que ostentam a condição de militante, não obstante

ficarem porventura melhor na pele de independentes. Mas, em qualquer circunstância, não é o meu caso o da

adesão entusiástica aos princípios programáticos do partido em causa, o que não significa adesão ao

programa e compromisso e lealdade em função dos termos em que a candidatura se estabeleceu. No entanto,

penso que, desse ponto de vista, essa é uma falsa questão, porque tanto é falso o independente que afinal

não o é, como é falso o independente que o é em demasia, nomeadamente na medida em que o Sr. Deputado

Jorge Ferreira, agora ausente, invocava a experiência de situações em que, porventura, há um fenómeno de

sobrerrepresentação dos independentes, dado que têm um peso político ou parlamentar até superior àquele

que têm na sociedade civil. O inverso também é verdadeiro! Isto é, também há os «carteiros do Corvo» que

valem por si só e que seguramente não…

Risos.

E é verdade! É tão verdade uma coisa como a outra, valem por si só e seguramente não necessitariam de

qualquer sigla partidária para obter a votação que obtiveram, bastar-lhes-ia apresentarem-se, nos termos em

que se apresentaram às eleições, como independentes, e, porventura, teriam chegado ao mesmo resultado.

Portanto, tanto há sobrerrepresentação dos independentes, como há sobrerrepresentação dos partidos em

função dos independentes que candidatam e daquilo que esses mesmos independentes representam na

respectiva sociedade.

A questão fundamental é saber se é lícito exigir sempre como condição de apresentação de uma

determinada candidatura o vínculo, ainda que mais ténue ou mais fraco, a um qualquer partido político. Isto é,

se há quem esteja disposto a candidatar-se, apesar da sua não filiação e da sua não total identificação com os

princípios programáticos de um determinado partido, porquê exigir-lhe sempre como condição a negociação

e/ou a aceitação de um qualquer compromisso com uma estrutura partidária, por maior que seja a sua

liberdade, e essa liberdade resulta, em grande medida, do seu peso político próprio e dos termos em que essa

associação é feita em cada eleição.

Não tenho qualquer profissão de fé contra partidos; pelo contrário, já militei num partido e penso que os

partidos são essenciais à democracia, que o papel deles é insubstituível num sentido global e que a abertura

das candidaturas independentes, em todas as eleições e não apenas nas autárquicas, em nada irá afectar o

estatuto dos partidos e o seu peso próprio. Provavelmente, chegaremos à conclusão de que levará algum

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tempo até que essas candidaturas sejam assimiladas pelos eleitores e tenham verdadeiramente a

representatividade que se imagina que possam vir a ter no futuro.

Sou mesmo daqueles que entendem que, muito provavelmente, numa primeira fase, o fenómeno será

muito localizado, predominantemente verificado nas eleições autárquicas e com pouca repercussão ao nível

das eleições nacionais, designadamente nas eleições para a Assembleia da República. E é por esta razão que

há de facto uma maior premência em abrir candidaturas independentes nas eleições para as autarquias locais,

mas não é menos verdade que esta proposta de abertura de candidaturas independentes às eleições para a

Assembleia da República terá tanto maior significado consoante as mais-valias ou as benfeitorias que possam

ser introduzidas no sistema eleitoral, designadamente no que diz respeito à sua maior aproximação aos

cidadãos eleitores. Vejo, por exemplo, como possível, num esquema como aquele que o PS propõe, de círculo

de candidaturas uninominais, sem prejuízo de a conversão dos votos em mandatos continuar a ser

proporcional, que o fenómeno das candidaturas independentes possa ter um significado muito maior do que

teria noutras circunstâncias, designadamente no actual quadro.

Aliás, a crítica que faço à generalidade das propostas nesta matéria, incluindo a proposta do Partido

Socialista, é a de fazerem sempre referência a grupos de cidadãos e a listas, exigindo que os independentes

assumam uma estrutura e tenham uma organização própria de um partido político, defraudando, de alguma

maneira, a mais-valia que se obteria com a abertura das candidaturas de cidadãos independentes, o que,

nomeadamente, impede que um cidadão se apresente isoladamente, ainda que num sistema cujo princípio

seja o da conversão de votos em mandatos de acordo com o sistema proporcional por lista.

Nesta perspectiva, se assim for de facto, não haverá candidaturas independentes ou, pelo menos, não

haverá verdadeiras candidaturas independentes no sentido em que a expressão foi utilizada, porque exigir que

um grupo de cidadãos se organize para apresentar candidaturas nos termos em que hoje é exigido aos

partidos — em x círculos eleitorais, com x candidatos em cada círculo, obrigando-os a fazer campanha por

todos os círculos — requer, obviamente, uma estrutura que só um partido pode ter ou que só uma organização

política estruturada em termos semelhantes à do partido político pode ter, e isto frustraria, de certa maneira, o

resultado que se pretende alcançar. E é por esta razão que, a meu ver, esta é uma questão que não pode ser

dissociada da do sistema eleitoral.

A Constituição não serve para resolver todos os problemas — a generalidade dos problemas terá de ser

resolvida numa lei ordinária — e isso obriga a pensar, nomeadamente, na circunstância de que só faz sentido

haver candidaturas independentes, designadamente a órgãos do tipo assembleia, se se permitir que alguém

seja proposto isoladamente, ainda que por um número x de cidadãos, como candidato a um determinado lugar

sem ser obrigado a ter a mesma estrutura que tem um partido político e a apresentar tantos candidatos

quantos os lugares em discussão, sob pena de não haver candidaturas independentes.

Estes fenómenos localizados, são isso mesmo, localizados, mas justificam a nossa atenção, porque, já que

se fala da síndrome do carteiro do Corvo, em função dos resultados eleitorais nos Açores — e não se trata,

como é evidente, de menor desconsideração pela pessoa em causa —, o que é facto é que aquele senhor

teve de se candidatar por um partido, e, porventura, quereria candidatar-se pelo partido em qualquer

circunstância, e nunca estaria impedido de o fazer. De qualquer modo, se tivesse de se apresentar sozinho às

eleições não poderia ser obrigado a apresentar uma lista no Corvo, outra nas Flores, outra na Graciosa, outra

em São Jorge, sob pena de isso ser um obstáculo inultrapassável à sua própria vontade de se candidatar e de

ser eleito para o órgão em questão. É por isto que eu julgo que esta questão deve ser ponderada,

nomeadamente naquilo que isso significa em termos de adaptação do sistema eleitoral.

Há esta possibilidade nobre que espero que a Constituição venha a consagrar. E é isto, por exemplo, que

justifica que no nosso projecto sejam eliminadas as referências ao método de Hondt, porque é preciso garantir

a proporcionalidade mas também é preciso introduzir correctivos ao sistema eleitoral que permitam,

designadamente, esta possibilidade de haver candidaturas isoladas. É isto que justifica, em última análise,

esta abertura de participação política que se pretende consagrar neste texto constitucional.

Tem-se dito que esta revisão não é tão importante como foram as de 1982 e de 1989, e é verdade que não

é, mas também não é menos verdade que, se aquelas revisões constitucionais tiveram como tópicos

essenciais, nomeadamente, as reformas da organização do poder político e do poder económico, esta revisão

constitucional, se alguma coisa tem de particular, é o facto de ser a revisão constitucional com o maior número

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de proposta em termos de abertura do sistema político à participação individual dos cidadãos, às candidaturas

independentes — e este é de facto o tema nuclear, conforme disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

Nesta perspectiva, apelo a que haja ponderação para que, mesmo que haja um consenso sobre esta

matéria, a alteração constitucional não seja um flop, para que não seja uma mera fachada para consumo

externo e não impeça verdadeiros fenómenos de candidaturas independentes, os quais irão surgir, porventura,

com maior incidência nas autarquias locais, mas, a curto ou a médio prazos, poderão começar a surgir

também a outros níveis, designadamente nas eleições para a Assembleia da República.

Quanto ao resto, julgo que são críticas, e, neste caso, concordo com o Deputado Jorge Ferreira, que tanto

se fazem relativamente a um sistema em que é possível a existência de candidaturas independentes como se

podem fazer em relação ao actual sistema em que as candidaturas independentes «existem», sem prejuízo da

maior ou menor representatividade que têm, e, em qualquer caso, em que a estrutura interna dos partidos e

dos respectivos grupos parlamentares permite fenómenos tão ou mais nocivos, tão ou mais perversos,

sobretudo porque não são transparentes, do que aqueles que se apontam às candidaturas independentes.

São, por exemplo, os votos dos Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira para viabilizar o

Orçamento; são os votos do Deputado x ou y para viabilizar o totonegócio… Isto é, são fenómenos que se

geram no interior do actual sistema e que também poderiam gerar-se mesmo existindo Deputados

verdadeiramente independentes, mas teriam a vantagem de existirem enquadrados num regime jurídico

próprio, designadamente num regime jurídico que consagrasse os seus direitos de intervenção parlamentar

em moldes semelhantes ou próximos àqueles que, actualmente, existem para os partidos políticos. E este é,

designadamente, um dos obstáculos ou um dos principais bloqueios do nosso actual sistema parlamentar.

De nada serve haver candidatos independentes nas listas dos partidos se esses candidatos, de duas, uma:

ou exercem um mandato como independentes, e, pura e simplesmente, não exercem o mandato porque não

têm direitos nenhuns, ou exercem o mandato integrados em grupos parlamentares, e, nesta medida, estão

mais condicionados, por assim dizer, pela lógica própria dos partidos que enformam esses mesmos grupos

parlamentares. E por esta razão julgo que haveria toda a vantagem em ponderar esta questão com alguma

seriedade e profundidade, para que, ainda que se chegue a um consenso, isto não seja um flop, não seja um

produto para consumo externo dos cidadãos e não venha a ter qualquer repercussão prática, que é, em

princípio, aquilo que está na origem da vontade dos diversos proponentes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, e peço-lhe que seja breve.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Serei célere, Sr. Presidente.

Em resposta ao Deputado António Filipe, para que fique registado, devo dizer que não há qualquer má fé

na apresentação da proposta.

O Sr. António Filipe (PCP): — Não fui tão longe!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Mas foi aquilo que indiciou. Disse que vamos abrir a possibilidade

aos candidatos independentes, mas, depois, encurtamos o prazo para que eles não se possam candidatar.

Não, não é isso que está em questão, Sr. Deputado.

O que está em questão são coisas distintas. E não vou retornar à primeira questão, porque já fiz a defesa

do princípio da abertura a cidadãos independentes, e penso que é o momento próprio para consagrar

constitucionalmente esta abertura. Relativamente ao prazo, já tínhamos falado sobre o assunto. Na altura em

que esta proposta foi elaborada houve o cuidado de, junto do Ministério da Administração Interna, averiguar da

sua viabilidade, e pareceu-nos que, apesar de haver dificuldades, ela era viável, mas vamos ouvir os técnicos

do STAPE para ficarmos melhor informados, e, se assim for, não há razão alguma para que não

ultrapassemos um período que é excessivamente longo se pudermos apontar para um período mais curto de

nova legitimação para os órgãos de soberania. Portanto, não vale a pena voltarmos atrás nesta discussão.

Quanto aos candidatos independentes, confesso que estava muito longe de supor que, a propósito dos

falsos independentes, se geraria tanta discussão por causa do meu comentário, embora ele não constitua

qualquer autoflagelação, Sr. Deputado António Filipe. Penso é que as pessoas que estão nos partidos políticos

têm o dever de terem alguma consciência crítica e de verem a realidade tal como ela é.

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Sem nenhuma intenção de estar a criar uma situação difícil, digamos, para os independentes nos partidos,

que são muito bem-vindos, a verdade é que há abusos dos próprios partidos que não se resolvem em sede

constitucional, resolvem-se dentro de cada partido. Agora, quanto ao facto de um cidadão independente, com

credibilidade, com reconhecimento, no seu círculo eleitoral, para se candidatar, ter necessidade de se

«travestir» num partido, ou de se adequar à estrutura de um partido, é que me parece que estamos em tempo

de pôr um ponto final.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, nesta minha intervenção, gostaria de focar apenas

uma ou duas questões que foram suscitadas pelos outros Srs. Deputados.

Em primeiro lugar, quanto à questão que o Sr. Deputado José Magalhães fez o favor de explicitar,

conforme eu tinha solicitado, devo dizer que há aqui um dado novo, que não introduzi na minha primeira

intervenção, o qual, como é óbvio, todos, responsavelmente, devemos de ter presente quando equacionamos

o alargamento das candidaturas dos independentes para além dos órgãos do poder local, e que tem a ver com

algo que consta genericamente — e, nas segundas intervenções, acabou por vir à baila, nomeadamente pelo

Sr. Deputado Cláudio Monteiro — da alteração, também significativa, proposta pelo PS e pelo PSD, embora

em termos ligeiramente diferentes, no respeitante ao sistema eleitoral para os órgãos nacionais,

nomeadamente para a Assembleia da República. Ou seja, há também nos projectos de revisão constitucional,

na tal ideia fundamental de aproximação àquelas que são legítimas manifestações de alteração do sistema e

de anseios políticos por parte de alguns sectores da nossa sociedade, alterações, reformas importantes e

estruturantes, do próprio sistema de eleição. E a questão que não se pode deixar de equacionar, quando

estamos aqui a olhar apenas para o problema de formulação de candidaturas é a adequação necessária que

tem de ser feita em termos, nomeadamente, da redução dos círculos e dos círculos uninominais com a

inclusão, em simultâneo, sem o mínimo de conhecimento até de como é que o sistema ficará consolidado com

essa alteração ao nível dos círculos, também na possibilidade das candidaturas ditas independentes. Há,

portanto, aqui um outro factor, e lembro-o ao Sr. Deputado José Magalhães, que tem a ver com tudo isto. O tal

princípio, a tal preocupação legítima — e o Sr. Deputado utilizou uma expressão curiosa, que foi «a restrição

desvitalizadora dos legítimos anseios» — com os legítimos anseios não obtém resposta só com as

candidaturas independentes, como constam do nosso e do vosso projecto.

Portanto, se ao nível do poder local não estão previstas alterações no sistema eleitoral em termos dos

círculos eleitorais e das circunscrições de voto, isto é de apuramento de resultado para conversão em

mandatos, há já reformas profundas, que ainda não discutimos, mas temos de o fazer, que se intercruzam

necessariamente com o que estamos a discutir em matéria de candidaturas a nível dos órgãos políticos

nacionais, nomeadamente da Assembleia da República. Logo, o problema também tem de ser equacionado

necessariamente se, dentro do tal gradualismo que referi, o passo a dar for a nível do poder local, que pode

ser um, ou a nível do poder nacional (se quisermos utilizar esta expressão por ser mais prático), que, neste

momento, se calhar, é outro e que será também extraordinariamente profundo e estruturante do próprio

sistema. Todos temos um pouco a noção de que não podemos antecipar totalmente as dimensões exactas

deste passo, mas há, aparentemente, disponibilidade, pelos projectos dos partidos, para se dar um passo

neste sentido. Cumular isto com as candidaturas independentes, ao mesmo nível, é claramente, do meu ponto

de vista, um «caldo» de onde ressaltará a tal ideia do «salto no escuro», de que falei na minha primeira

intervenção.

Por outro lado, não me parece que fazer uma coisa sem fazer a outra seja uma restrição desvitalizadora

dos tais legítimos anseios e das necessidades de reforma do sistema; pelo contrário, penso até que esta é a

forma mais adequada para se caminhar na reforma do sistema, sob pena de estarmos a criar condições

objectivas para desvirtuar totalmente a necessidade de uma reforma que, a médio ou a longo prazos, acabará

por ser claramente necessária para o desenvolvimento do nosso sistema democrático. No entanto, se a

reforma for feita de uma forma errada, à pressa e sem cumprir as necessárias etapas, é capaz de ser, isso

sim, desvirtuadora de um mecanismo que visaria claramente aprofundar a participação dos cidadãos no

sistema democrático, ao nível da representatividade, e pode acabar por resultar num «virar de costas» desses

mesmos cidadãos por se depararem com alguns dos exemplos que foram colocados pelo Sr. Deputado

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Cláudio Monteiro, ou seja, com dificuldades tão grandes na integração num sistema que, de repente, em vez

de estar a ser reformado, começa a ser revolucionado. No caso de haver uma ruptura demasiada no sistema

para o desconhecido, os próprios cidadãos acabarão por lhe virar as costas, e aquilo que, aparentemente,

seria uma função vitalizadora do sistema acabaria por ser algo desvitalizador de uma reforma que nos parece

desejável.

Sr. Presidente, termino dizendo que, do nosso ponto de vista, dos argumentos que foram expendidos nesta

interessante troca de impressões de todos os partidos sobre as propostas —…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): E de alguns Deputados independentes!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): … exactamente! —, numa questão tão nuclear como esta, não

foram aduzidos argumentos sólidos, concretos, que, politicamente, nos levem, para já, a alterar a nossa

posição.

Neste sentido, não damos apoio a uma alteração deste alcance e desta profundidade sem que haja a

adequada ponderação de todos os outros factores que referi.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, também não quero deixar de tomar uma posição pessoal.

O monopólio partidário das candidaturas eleitorais tem historicamente duas motivações: uma, a ideia de

favorecer a formação do sistema partidário, de garantir-lhe um espaço não concorrencial em matéria eleitoral;

e, outra, a ideia de defender o sistema partidário de movimentos estruturados parapartidários, tipo MDP,

obrigando-os, portanto, a assumirem a sua dimensão partidária. Estas duas motivações, a meu ver, estão

superadas, pelo que as razões que levaram à consideração do monopólio partidário das candidaturas não

subsistem. Portanto, corre-se o risco de, ao mantê-lo fora das razões que o motivaram, ele só poder ser

justificado com uma ideia de manutenção do monopólio à outrance.

A meu ver, há duas razões para alterar esta situação: uma, é o claro crescendo, na última década, em

Portugal, de um sentido de maior participação dos cidadãos na vida política, inclusive na participação

extrapartidária nas eleições (isto é notório, e penso que só quem não quer ver é que não vê este crescendo,

que se nota na opinião pública, nos órgãos de comunicação social, no momento das candidaturas, etc.); e,

outra, é o facto de esse monopólio servir de «pasto», de grande argumento, aos adversários da democracia

partidária. Se virmos os editoriais de alguns opinion makers, constatamos que o grande argumento contra o

actual sistema de partidos é o monopólio partidário das candidaturas eleitorais.

Penso que a abertura de candidaturas eleitorais extrapartidárias, a cidadãos, portanto, na prática, não iria

alterar muito as coisas, não haveriam muitas candidaturas. Basta ver o que acontece, hoje, nas assembleias

de freguesia, onde, sendo já possível essas candidaturas, elas são relativamente reduzidas e habitualmente

ocorrem através de dissidentes de partidos, que assim garantem a candidatura.

Mas a «válvula de escape», sendo rara, é, no entanto, importante, e, em minha opinião, seria uma

frustração se ela não existisse. E penso que com isto retiraríamos, sobretudo, um argumento que está a servir

de elemento de envenenamento e de corrosão da credibilidade dos partidos. A meu ver, os partidos nada

ganham, só perdem, em manter o monopólio, que nada lhes traz de valor acrescentado e que só dá

argumentos fáceis aos adversários da representação partidária.

Por isso mesmo, penso que esta alteração constitucional seria uma boa obra e que quem a inviabilizar vai

ter de pagar custos políticos — um castigo merecido para a oposição a uma alteração que, a meu ver, não

traria qualquer prejuízo aos partidos políticos e que só traria vantagens à credibilização do sistema.

Srs. Deputados, em termos de discussão, o ponto da situação é o seguinte: a proposta dos Deputados do

PSD Pedro Passos Coelho e outros, que é comum, com mais ou menos nuances, às dos Deputados do PS

António Trindade e outros e do PS, tem a oposição do PSD, as reservas do PCP e a concordância do CDS-

PP.

Srs. Deputados, assim sendo, ainda no âmbito do artigo 116.º, vamos passar à discussão de duas

propostas de aditamento, que visam a constitucionalização da Comissão Nacional de Eleições, que são

comuns, embora com formulações diversas, do PS, que é o n.º 4 da sua proposta, e do PCP, que é o n.º 8 da

sua proposta.

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Tem a palavra, para a apresentação da proposta do PS, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta nesta matéria

representa, da nossa parte, uma evolução em relação a atitudes assumidas em momentos anteriores, e é uma

evolução tomada com conta, peso e medida.

Por um lado, parece positivo que esta entidade independente que se formou entre nós, e de cuja

imprescindibilidade não há hoje dúvidas por parte de nenhuma entidade, sendo, provavelmente, uma

excepção a nível nacional, ou, melhor ainda, a nível regional, e que terá sempre um papel crucial para garantir

a legalidade e regularidade dos processos eleitorais, tenha uma expressa e concreta consagração no próprio

quadro constitucional.

Poderíamos ter utilizado outra formulação. Pareceu-nos importante, por exemplo, qualificá-la expressis

verbis como entidade pública independente, ao lado de outras. Fomos cuidadosos na delimitação material das

funções e remetemos, obviamente, para a lei a concreta elencagem das atribuições e competências da

Comissão Nacional de Eleições (CNE).

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em termos de princípio, a nossa proposta

vai no mesmo sentido. De facto, parece-nos importante que haja uma constitucionalização da Comissão

Nacional de Eleições, naturalmente enquanto entidade pública independente.

Contudo, a nossa proposta vai mais longe, na medida em que propõe desde logo a constitucionalização de

uma série de aspectos, designadamente, a composição desta entidade, que é actualmente regulada por lei, e

não haverá problema de maior se continuar a ser regulado apenas por lei. Isto é, nós fizemos esta proposta,

mas o fundamental, para nós, é a consagração do princípio, que é a constitucionalização da CNE.

Quanto à maior ou menor latitude dessa consagração, maior ou menor pormenorização, naturalmente

estamos inteiramente abertos à discussão; enfim, não fazemos disso questão de maior.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, distinguirei claramente as duas propostas, a do PS

e do PCP.

Começando pela proposta do PS, eu diria que aquilo que acabou de ser explicitado pelo Sr. Deputado José

Magalhães é um bocadinho, perdoem-me, um wishful thinking, porque todos nós sabemos que a intervenção

da Comissão Nacional Eleições, na nossa história eleitoral, não tem sido desprovida de conflitualidade — e é

normal, do meu ponto de vista, que assim seja numa questão tão crucial para a democracia como é a dos

actos eleitorais —, de questões, de dúvidas, enfim, para não utilizar mais qualificativos. Portanto, aquilo que foi

expresso pelo Sr. Deputado José Magalhães, do meu ponto de vista, é um mero wishful thinking e não

corresponde minimamente à realidade, sem que com isto se deva daqui inferir minimamente que o PSD

questiona a questão de fundo, a da existência ou não da Comissão Nacional de eleições. Porém, o que é

evidente é que a Comissão Nacional de Eleições é uma instituição, cuja motivação da sua criação é

exactamente essa, a de dirimir uma certa conflitualidade latente nos actos eleitorais, que é normal em

democracia, penso que até é salutar, no sentido de se poder, de uma forma transparente, tentar prevenir

desvios, excessos ou abusos.

Contudo, não vale a pena estar aqui a fazer uma profissão de fé quanto à grande independência e à

grande qualidade de intervenção nos processos eleitorais por parte de um órgão, que é um órgão polémico e

conflitual e que, do nosso ponto de vista, não corresponde à ideia — pelo menos foi o que interpretei, mas, se

calhar, interpretei mal — que decorreu das palavras que ouvi do Sr. Deputado José Magalhães.

Quanto à questão genérica colocada pela proposta do PS, direi apenas que, do ponto de vista do PSD, a

existência da Comissão Nacional de Eleições está legitimada na lei, existe por força da lei, e assim deve

continuar, pois não vemos qualquer razão para alterar este estado de coisas.

Com toda a franqueza e frontalidade, também não discernirmos minimamente qualquer alteração

qualitativa decorrente desta proposta do PS, num ou noutro sentido — quando digo «num ou noutro sentido»

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leia-se no sentido de alterar o estado de coisas e as competências e atribuições próprias da Comissão

Nacional de Eleições, tal qual a conhecemos hoje em dia.

Já quanto à proposta do PCP, penso que, politicamente, é preciso ser dito algo mais.

Parece-nos evidente que a proposta do PCP aponta politicamente em dois sentidos. Pelo conteúdo

discursivo do novo número que propõe para o artigo 116.º, ressalta claramente que a proposta visa proceder,

por um lado, a um acrescentar manifesto das competências e atribuições deste órgão, a uma alteração clara

da sua capacidade de intervenção na gestão dos actuais momentos eleitorais, e, por outro, a um aprofundar,

que, do nosso ponto de vista, é profundamente antidemocrático, no sentido de não representativo da realidade

democrática, com esta proposta de inclusão de cinco cidadãos…

O Sr. Presidente: É a actual composição do órgão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, deixe-me…

O Sr. Presidente: É constitucionalizar a composição actual!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente! Deixe-me só terminar…

O Sr. Presidente: Se quer com isso qualificar a actual composição…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, deixe-me terminar, por favor.

Trata-se da tentativa de constitucionalizar uma situação paritária para um órgão que teria competências

claramente diferenciadas daquelas que tem actualmente. E, neste sentido, tem, do nosso ponto de vista, uma

leitura política completamente diferente.

Em nossa opinião, o que o PCP pretende com esta proposta é agarrar num órgão que funciona como

funciona, como comecei por referir, com polémicas, que têm atravessado historicamente a vida deste órgão,

com conflitos e tudo o mais, o que nos parece natural e normal, e tentar instituí-lo numa entidade de

superintendência da administração eleitoral.

A leitura que faço — não sei se o Sr. Deputado depois poderá acrescentar alguma coisa ao que eu digo —,

pelo conteúdo discursivo da vossa proposta, é a de que a vossa intenção é consolidar, aumentar, aprofundar a

capacidade de intervenção e de gestão do momento eleitoral por parte deste órgão, o que nunca poderemos

aceitar com uma composição paritária deste tipo, porque ela não reflecte a realidade democrática da

composição eleitoral, como aquela que resulta, nomeadamente, dos órgãos típicos e normais e da Assembleia

da República. Do meu ponto de vista, essa representatividade não fica acautelada neste sentido, e, se isso é

aceitável nas actuais circunstâncias de existência da Comissão Nacional de Eleições — e que o PSD não

pretende alterar —, já a proposta do PCP parece-nos algo inaceitável e uma tentação de dar um poder

fundamental, num sistema democrático, como é o da gestão dos actos eleitorais, a uma entidade que não teria

uma representatividade democraticamente aceitável, do nosso ponto de vista, no sentido da representação

daquilo que é a Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): — Nem nos «picos» do cavaquismo se ouviram tais coisas, quanto mais nos

«despicos»!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Ingénuos não, Sr. Deputado! Não vale a pena, porque ingénuos

não!

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, foi com alguma perplexidade que ouvi esta intervenção do

Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que retoma, surpreendentemente para mim, os discursos mais

radicalmente adversos à Comissão Nacional de Eleições, de que tivemos exemplos recentes.

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Efectivamente, aquilo que o PCP propõe nesta sua proposta de aditamento, para além da

constitucionalização da CNE, que é comum à proposta do Partido Socialista, é a constitucionalização de uma

composição que é a que já está assim legalmente estabelecida e o reconhecimento de competências que já

hoje lhe são legalmente reconhecidas. Portanto, não há nela qualquer acréscimo de competências

relativamente às que são hoje reconhecidas e que não foram contestadas até à data.

Quanto à composição, independentemente do juízo que se faça no que toca à necessidade de

constitucionalizar a composição — e, isto, enfim, é outra discussão —, creio que não foi por acaso que se

estabeleceu para a Comissão Nacional de Eleições, quando ela foi criada, uma composição que permite que

ela, e bem, não seja uma emanação de uma maioria parlamentar, qualquer que ela seja. Portanto, parece-nos

justificado a constitucionalização, tanto mais que a questão só pontualmente tem sido objecto de discussão,

designadamente em algumas mentes mais exaltadas, e creio que tem sido pacífica a actual composição da

Comissão Nacional de Eleições, como sendo, enfim, equilibrada e adequada.

Assim, creio que o que aqui está em causa não é essa alteração, não é uma alteração de competências,

não é uma alteração de composição, mas apenas a constitucionalização daquilo que actualmente existe e cuja

revisão não está em causa. Claro que a discussão que é útil para aqui é a de saber se vale a pena

constitucionalizar isto. Então, faça-se essa discussão.

Nós propusemo-la por entendermos que seria útil. No entanto, como eu há pouco disse, não fazemos

questão absoluta nisto, mas, de facto, a discussão aqui trazida pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes é

outra, é completamente alheia à revisão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Deputado, parto do princípio de que todas as propostas têm

conteúdo político.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, eu gostaria de fazer uma pergunta aos proponentes,

que é a seguinte: por que razão pretendem constitucionalizar a Comissão Nacional de Eleições? Gostaria de

saber em que é que as funções, a importância e a relevância que a Comissão Nacional de Eleições hoje tem,

uma vez que não é proposto qualquer alteração radical ao seu actual Estatuto por nenhum dos proponentes, a

não ser eventualmente pelo PS, cuja redacção — e penso que não terá sido esta a intenção — acaba por, de

alguma maneira, aparentemente subtrair algumas das competências contenciosas que hoje a CME tem, já que

aponta apenas para as funções de administração eleitoral. Não sei se teria sido esta a intenção, mas presumo

que não.

De qualquer forma, e dando por adquirido que não foi esta a intenção, não vejo qualquer alteração

substantiva ao actual Estatuto da CNE nem qualquer vantagem adicional relativamente às funções que ela

desempenha, já, a meu ver, não passará a desempenhá-las melhor por estar constitucionalizada. E é por isto

que pergunto: qual foi o objectivo da proposta?

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, o objectivo é estabilizar a

existência do órgão, uma vez que ao prevermos a sua existência a título constitucional limitamos, o legislador

constitucional, a margem de manobra do legislador ordinário e damos ao órgão um estatuto, uma estrutura e

uma estabilidade similar à de outros órgãos que obtiveram a constitucionalização em revisões constitucionais

anteriores ou que nasceram com o texto originário da própria Constituição. A finalidade é esta e não outra.

Devo dizer que não vamos cristalizar, nem tomar como juízo absoluto do PSD aquilo que, muitíssimo

injusto, aqui foi trazido pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

Felizmente, a CNE tem a composição que tem por consenso multipartidário, gerado e depois alterado e

gerido ao longo de vários ciclos políticos. Nunca passou pela cabeça de qualquer partido político que faça

parte do nosso sistema político-partidário alterar essa regra de equanimidade, que leva a que a representação

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seja multipartidária e não sujeita a combinações dos dois principais pólos do sistema político-partidário

português. É bom que assim seja! É muito importante para a estabilidade e fidedignidade do sistema que

assim seja!

As dúvidas colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira em relação à formulação da nossa proposta,

quanto às funções da CNE, merecem uma explicação.

Assim, devo dizer que não está no horizonte da nossa proposta alterar as funções de administração

eleitoral que actualmente a CNE desempenha. Caberá à lei matizar essas funções, em nada será prejudicado

o conspecto actual de atribuições e competências. A forma tecnicamente correcta, julgamos nós, de aludir a

essa mancha de atribuições e competências é aludir às funções de administração eleitoral, no sentido próprio,

que a CNE tem tido e deve continuar a ter.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, inscrevi-me para apoiar a proposta e vou dizer porquê que a apoio.

A Comissão Nacional de Eleições é, hoje, um órgão de administração eleitoral e de controlo da

administração eleitoral. Neste aspecto, faz parte da chamada administração independente, e a verdade é que

os demais órgãos desta natureza têm «lugar» constitucional. E de facto esta existência de um órgão de

administração eleitoral, de superintendência eleitoral, à margem da orgânica geral da administração, que é a

administração ministerial, ou departamental, ou governamental, é até certo ponto uma excepção aos princípios

constitucionais normais e é conveniente que ela esteja na Constituição. Porquê? Desde logo, porque isto é

doutrinariamente contestável. Ainda há pouco tempo, o Dr. Paulo Antero, aquando do seu doutoramento, em

Lisboa, contestou veementemente a possibilidade de existir administração independente fora da Constituição,

isto é, à margem da Constituição.

O princípio geral — artigo 185.º — é o de que o Governo superintende a administração; e, portanto, a

administração independente, se não estiver prevista na Constituição, é, pura e simplesmente, inconstitucional.

Aliás, esta discussão é comum na Alemanha, em França e em Itália.

Portanto, deste modo resolveríamos um problema, uma dúvida constitucional — a dúvida não é minha,

devo dizer, mas existe, e tenho de reconhecer que «tem bons pés para andar» —, que é o da licitude

constitucional de espaços de administração independente, Ministerialfreieverwaltung, de administração não

governamental, como será esta.

É claro que, para quem seja partidário de que toda a administração deve ser governamental, uma espécie

daquilo que agora estou a descobrir como um dos princípios fundamentais do cavaquismo constitucional, que

é «nada contra o Governo, tudo pelo Governo», estas coisas são um bocado censuráveis e, portanto,

inadmissíveis. Mas, para quem compartilha a ideia de que hoje já há crescendos passos de administração que

não devem estar à mão de semear do ministro e do chefe do departamento ministerial, como acontece com a

administração da comunicação social, com a administração dos…

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Das empresas de capitais públicos!

O Sr. Presidente: — … dados informáticos, com a administração eleitoral, penso que faríamos prova de

modernidade e de alguma desgovernamentalização ao dar guarida constitucional à Comissão Nacional de

Eleições, porque isso corresponderia a dar estatuto constitucional a uma instituição que provou, ao longo de

20 anos, ter dignidade de facto, e só ganharia em estar na Constituição. E não basta dizer que ela é polémica

ou que tem decisões polémicas — decisões polémicas têm também o Tribunal Constitucional, o Supremo

Tribunal de Justiça, o Provedor de Justiça, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, e só por isso não

vamos retirá-los da Constituição, se calhar, acabaríamos com tudo aquilo que fosse Governo e Assembleia da

República. Como esta não pode ser uma atitude sensata, creio que é mais razoável pensar em incluir na

Constituição aquilo que até agora ninguém pôs em causa, que é a existência de uma autoridade administrativa

independente na área eleitoral, e que tem isentado o Governo de algumas «batatas quentes», porque, se

tivesse sido o Governo a decidi-las, teriam sido dramáticas para efeitos do sistema político.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Vimos agora o caso da TAP!

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O Sr. Presidente: Sr. Deputado, se levanta o caso da TAP, devo dizer-lhe que, se a Comissão

Nacional de Eleições tivesse sido chamada a pronunciar-se sobre alguns procedimentos da administração e

do Governo nas últimas eleições legislativas, provavelmente, alguns grados cidadãos deste país estariam na

prisão. Isto, para dizer tudo de uma vez, basta citar a questão da ponte do Freixo…

Se a questão vai por aí, creio que teríamos muita coisa a «escavar»!

Não estão em causa as decisões da Comissão Nacional de Eleições mas, sim, a existência de uma

autoridade administrativa que toma decisões polémicas num ou noutro caso. O Provedor de Justiça também

as toma! A Alta Autoridade para a Comunicação Social toma-as todos os dias! O Tribunal Constitucional toma-

as todos os dias! E não vamos pôr em causa a existência destes órgãos só porque tomam decisões

polémicas!

Portanto, não evoquemos a «polemicidade» de uma decisão da Comissão Nacional de Eleições — aliás,

não foi a única a ser posta em causa até agora, muitas outras o têm sido — para pôr em causa a virtude desta

instituição!

O que está em causa é saber, primeiro, se deve, ou não, existir, na área da administração eleitoral, uma

autoridade não governamental capaz de livrar o Governo de se «meter» nestas áreas, de dar um estatuto de

isenção a este elemento básico da democracia eleitoral, que é a administração eleitoral, e, segundo, existindo,

se deve estar prevista não na lei mas na Constituição. Este é, para mim, o problema, nada mais!

Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de referir que o Dr. Paulo Antero

questionou, de facto, a validade de autoridades públicas fora da Constituição, mas, como também questionou

a Constituição, isso não é de estranhar.

Risos.

E digo isto com todo o respeito e simpatia que tenho por alguém por quem tenho amizade pessoal.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação a este assunto, julgo que há uma questão que vai perpassar

toda a discussão e começo por colocá-la desde já.

Vivemos 10 anos de prática constitucional parlamentar maioritária sem que a Constituição contivesse os

mecanismos de controlo próprio dos sistemas parlamentares maioritários, porque é uma Constituição

compromissória e foi feita a pensar no funcionamento de um sistema consensual. Bom, o facto é que esta

prática parlamentar, embora tenha permitido a formação global de uma alternativa de Governo, não permitiu a

formação de uma alternativa de cariz maioritário e, de certa forma, o formato do sistema partidário regressou

um pouco às origens com as últimas eleições legislativas. A circunstância da revisão constitucional se fazer

neste quadro significará, provavelmente, que o modelo de funcionamento consensual do poder político não se

alterará substancialmente com esta revisão constitucional, e, porventura, até o modelo do sistema partidário se

manterá em moldes mais ou menos próximos àqueles em que existe actualmente.

Ora, isto levanta a questão de saber até que ponto é que, permitindo o sistema experiências políticas

parlamentares maioritárias e estando ele concebido para funcionar de acordo com uma lógica consensual, não

é perigosa a circunstância de algumas das garantias fundamentais não estarem previstas na Constituição; e é

por esta razão, com o devido respeito, que a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes legitimou a

maior preocupação que a partir de agora deve existir em relação a esta matéria. Isto porque, se já existia esta

preocupação antes de se saber que o PSD, para além do mais, contestava a própria legitimidade da actual

composição da Comissão Nacional de Eleições, sabendo-se agora que contesta a legitimidade da actual

composição da CNE, que está em vigor na lei, e, porventura, até a sua própria existência, isto gera,

obviamente, uma maior preocupação e reforça a necessidade de se consagrar constitucionalmente a

Comissão, sem prejuízo de os seus aspectos de regulamento e de funcionamento poderem ser remetidos para

a lei. E por uma razão muito simples: o PSD não teve, porventura, a coragem para o fazer no tempo em que

foi maioria absoluta, mas nada garante que o PSD ou qualquer outro partido, que, no futuro, venha a ter

maioria, não queira, por exemplo, extinguir, pura e simplesmente, a Comissão Nacional de Eleições ou alterar

a sua composição, designadamente em função de um suposto pseudo princípio de proporcionalidade, que me

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pareceu estar subjacente à ideia da crítica do Deputado Luís Marques Guedes, e que levaria a que a

Comissão Nacional de Eleições fosse afinal uma mera caixa de ressonância da Assembleia da República,

razão pela qual, de facto, deixaria de ter qualquer importância prática, pois bastaria sujeitar ao voto de protesto

ou ao voto de louvor os diversos actos e incidentes do processo eleitoral no Parlamento, para que se obtivesse

o mesmo efeito útil que se obtém da estrutura da Comissão Nacional de Eleições.

Sr. Deputado, é evidente que conflitualidade existe e nem podia deixar de existir! É que a CNE,

supostamente, representa o todo e cada partido representa uma parte e, na medida em que a vontade da

parte não coincida com a vontade do todo, isso é, obviamente, motivo de conflitualidade. E isto tanto se aplica

ao PSD, como ao PS, ao PP e à CDU; e, portanto, este problema, julgo eu, não se coloca. Era bom que as

decisões de Comissão Nacional de Eleições tivessem sempre a concordância e a receptividade unânime de

todos os seus destinatários, quando eles, que têm por função controlar o exercício das actividades do sorteio

eleitoral, entre outros, por exemplo, na medida em que fazem juízos de valor negativo sobre o acto x ou o

incidente y, geram conflitualidade — seria estranho que não gerassem.

Portanto, em minha opinião, é de facto relevante pensar nesta questão, a propósito não só do problema da

Comissão Nacional de Eleições mas também de vários outros problemas com que nos vamos defrontar, que

tem a ver com a circunstância de, apesar de tudo, não termos garantias suficientes, tendo em contra a nossa

história constitucional e o poder de competição em que vivemos, de que a possibilidade de novas experiências

parlamentares maioritárias no futuro não venha pôr em causa alguns dos consensos estabelecidos e obtidos

na Constituição e alguns daqueles que teriam sido obtidos e estabelecidos fora da Constituição, que, por esta

mesma razão, teriam de ter consagração constitucional.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, a conclusão a tirar é a existência da

oposição do PSD. No entanto, não cheguei a perceber qual é a posição do PP.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, não vemos…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não é obrigado a tomá-la agora, é óbvio.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Mas posso esclarecer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, não vemos necessidade de constitucionalizar a

existência da Comissão Nacional de Eleições, porque, apesar da corrente doutrinal que o Sr. Presidente citou,

não há contestação visível, a não ser agora, pelos vistos, do Deputado Luís Marques Guedes, a qual, julgo, o

PSD não subscreverá. Mas não há contestação visível da sociedade portuguesa ao problema, ao recorte, à

existência, às competências, à legitimidade, à autoridade da Comissão Nacional de Eleições.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Jorge Ferreira, não o preocupa a possibilidade de uma maioria liderada

pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes eliminar a Comissão Nacional de Eleições?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Eu ainda não terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Portanto, a priori não vemos grande necessidade de constitucionalizar

a Comissão Nacional de Eleições. Mas, pela amostra da maioria relativa existente — e, tendo nós memória,

não esquecemos a maioria absoluta passada — e pelo mau prenúncio que constituíram as eleições regionais

dos Açores e da Madeira em matéria eleitoral, sou capaz de tender à constitucionalização da Comissão

Nacional de Eleições, até para nos defendermos de uma eventual e indesejável transformação da actual

maioria relativa numa maioria absoluta.

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O Sr. Presidente: — Essa maioria absoluta manteria a Comissão Nacional de Eleições, como está a ver.

Srs. Deputados, terminada a apreciação do artigo 116.º, vamos passar ao artigo 117.º.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, o n.º 7 do artigo 116.º proposto pelo Sr. Deputado Cláudio

Monteiro já foi discutido?

O Sr. Presidente: O Sr. Deputado não estava cá na altura.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, porventura, por eu ter chegado atrasado, não se

discutiu a nossa proposta de alteração ao n.º 5 do artigo 116.º, que, aliás, é de fácil justificação.

O Sr. Presidente: A saber, Sr. Deputado…

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): A proposta de alteração ao n.º 5 é do seguinte teor: «A conversão dos

votos…».

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, foi discutida na reunião anterior. De qualquer modo, o Sr. Deputado

tem todo o direito em voltar a ela na reunião seguinte, faz parte das regras que defini.

Assim, tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, presumo que a Comissão tenha entendido que esta

alteração tem por inspiração as alterações de sistema eleitoral que propomos, que passam pelo fim do sistema

de representação proporcional como sistema único. Assim, haverá que, em sede dos princípios gerais de

direito eleitoral, permitir a conversão de votos em mandatos de acordo com os sistemas por que optamos mais

à frente.

É esta a razão da nossa proposta de alteração ao n.º 5 do artigo 116.º.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Jorge Ferreira, a razão por que também se passou pela proposta sem

problemas foi a de se entender que a discussão de fundo seria feita aquando dos artigos que hoje fixam o

sistema eleitoral se, porventura, ele viesse a sofrer alterações, caso em que voltaríamos aqui para esse efeito.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Muito bem!

O Sr. Presidente: Já agora, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, como há pouco não estava presente, devo

dizer-lhe que também passámos por cima da sua proposta de alteração ao n.º 7 do artigo 116.º.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, relativamente a essa proposta, entendo que, tendo

encontrado especializações crescentes nas actividades da sociedade civil e na própria administração pública e

que isso não corresponde a alguma especialização na máquina judiciária, hoje em dia o sistema actual é

desajustado, dado que os tribunais comuns não têm, por norma, e é fundamentalmente junto destes que

funciona, contencioso eleitoral ou a generalidade do contencioso eleitoral; nesta matéria, penso que os

tribunais comuns não estão especialmente aptos para tratar destas questões.

Assim, por razões de especialização e até por razões que têm a ver com a dignidade que envolve os actos

eleitorais, seria preferível que esta competência fosse exclusiva do Tribunal Constitucional.

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O Sr. Presidente: O Sr. Deputado Cláudio Monteiro quer acabar com o Tribunal Constitucional, está a

visto!

Risos.

Srs. Deputados, está em discussão o n.º 7 do artigo 116.º proposto pelos Deputados do PS Cláudio

Monteiro e outros.

Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a verdade é que o actual sistema é muito diversificado. Há

processos em que o Tribunal Constitucional tem uma intervenção determinante em relação a determinado tipo

de eleições; tem sempre um papel relevante em relação a um dos ângulos, no plano específico, de

consideração das coisas quanto aos actos eleitorais. E esta é uma proposta de enxurrada, porque são todos

os actos de todos os processos eleitorais em relação a todos os órgãos em que esses processos eleitorais

ocorrem em Portugal, o que significaria…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Também não são tantos assim!

O Sr. José Magalhães (PS): São, são! São, Sr. Deputado!

Por outro lado, o sistema concentrado tem algumas dificuldades operacionais em relação a actos que, ao

contrário da eleição presidencial, por exemplo, decorrem com carácter hiperdifuso, o que poderia acarretar,

além das dificuldades de carácter operacional na óptica do tribunal, dificuldades na óptica dos cidadãos.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas fazer uma pergunta ao autor da proposta.

Na verdade, o Tribunal Constitucional já, do meu ponto de vista, mal, intervém, por via de recurso, em

todos os processos eleitorais, e já isto lhe traz complicações de maior. Temos um Tribunal Constitucional

muitas vezes amarrado a pequenas questões jurídicas, o que, evidentemente, em matéria de eleições é

relevante, mas nesta matéria há minudências e grandes problemas. O Tribunal Constitucional não tem aqui

qualquer capacidade de opção e perde um tempão enorme a julgar minudências.

Pergunto: a sua proposta visa ou não arredar do processo eleitoral os juízes comuns? É este o objectivo?

Não acrescenta nada, a não ser transformar um tribunal constitucional em estância única… Como é que é? Eu

não percebo!

O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): Pensei que o argumento fosse a celeridade.

O Sr. Presidente: Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, as respostas, obviamente, no realismo que devem ter,

nomeadamente quanto aos efeitos que podem gerar relativamente à sua justificação e ao método intrínseco,

também valem independentemente dessas questões. Bom, é evidente que, perante o actual quadro, poderia

levantar problemas. Mas, se me perguntarem a minha opinião, até vou mais no sentido da criação de uma

jurisdição eleitoral autónoma especializada no Tribunal Constitucional do que propriamente para esta solução.

Esta solução só é apresentada numa lógica de não reescrever e de não inventar todo o actual sistema jurídico

e o actual sistema político que a Constituição consagra, o que não impede, designadamente no quadro de

uma reorganização do Tribunal Constitucional, a criação de uma secção específica para julgar o contencioso

eleitoral, para obviar a alguns dos obstáculos que são apontados à proposta, mas isto dependeria,

obviamente, não só da eventual revisão das normas relativas à composição do Tribunal Constitucional, que

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constam no próprio texto constitucional, como, sobretudo, das próprias leis de organização e funcionamento

deste mesmo Tribunal — revisão esta que, provavelmente, se seguirá a esta revisão constitucional.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, quem mais se quer pronunciar sobre esta proposta?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, considerando que já hoje o n.º 2 do artigo 225.º estabelece

que o Tribunal Constitucional julga esta matéria em última instância, o que se sabe não ser tarefa pequena,

perante esta proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro questiono-me se será razoável e exequível fazer do

Tribunal Constitucional instância única em matéria de acto de processo eleitoral. Temos de pensar nas 4000

freguesias e nos 305 municípios que de quatro em quatro anos têm eleições! Portanto, creio que esta é uma

tarefa desproporcionada para o Tribunal Constitucional e que, provavelmente, o que o afogaria.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, agora que ficou mais clara a intenção, quero dizer

apenas que, de facto, não é possível, penso eu, mesmo com uma nova lei orgânica do Tribunal Constitucional,

dimensioná-lo, numa sua futura secção, para abarcar e acompanhar todos os actos eleitorais, porque, tendo

em conta os milhares de freguesias que existem, bastava haver umas eleições autárquicas para haver

necessidade não apenas de uma simples secção do Tribunal Constitucional mas, sim, de 18 secções, pelo

menos, e todas elas sobrecarregadíssimas de trabalho. Portanto, não penso que seja viável esta solução,

mesmo com a reconversão do Tribunal Constitucional, e não vejo, com sinceridade, numa malha tão extensa

como aquela que é exigida pelos actos eleitorais em todo o País, uma alternativa ao juiz comum.

Já agora, Sr. Presidente, aproveito esta «boleia» para dizer, para que fique registado, que eu também

apresentei uma proposta de supressão do actual n.º 5 do artigo 116.º justamente pelas mesmas razões aqui

apresentadas pelo Deputado Jorge Ferreira para justificar a proposta do CDS-PP e que, recordo, tem apenas

a ver com o facto de haver na nossa proposta abertura não apenas ao método proporcional mas também ao

método maioritário.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, essa proposta foi registada no momento próprio e o entendimento foi

esse.

Srs. Deputados, continua em discussão a proposta para o n.º 7 do artigo 116.º, dos Deputados do PS

Cláudio Monteiro e outros.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, reconhecendo a validade do argumento da

necessidade de uma certa especialização no contencioso eleitoral por parte do poder judicial, penso que a

proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro é, pura e simplesmente, inviável, tendo em conta o Tribunal

Constitucional que temos. E não vejo que seja possível proceder-se a tempo às alterações que esta proposta

exigiria na própria orgânica do Tribunal para que ela pudesse operar validamente.

Portanto, sem prejuízo da boa intenção que lhe está subjacente, penso que não é de acolher.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Presidente, como declaração final, registo com agrado que nenhuma

das críticas feitas à proposta questionou as insuficiências actuais do sistema de atribuição do contencioso

eleitoral aos tribunais comuns. Todas elas se centraram apenas na impraticabilidade da proposta

apresentada,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD) Era pior a emenda do que o soneto!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — … o que revela, apesar de tudo, alguma concordância, quanto mais não

seja pelo silêncio, com a crítica implícita que está dirigida na proposta à atribuição aos tribunais comuns do

contencioso eleitoral.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Peço a palavra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, após esta explicação, se me dá licença, impõe-se uma

outra.

Suponho que a leitura desapaixonada da jurisprudência feita pelos tribunais comuns em matéria eleitoral

não é negativa. Há um ou outro caso, mas há sempre! Todas as decisões judiciais são passíveis de críticas!

Agora, em geral, a jurisprudência nos tribunais comuns em matéria eleitoral tem uma experiência sólida, não

justifica preocupações.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, é para sustentar exactamente o mesmo.

A nossa atitude negativa em relação à proposta decorre de deméritos absolutos e comparativos; ou seja,

não foi feita a prova de que a solução não fosse catastrófica do ponto de vista operacional e limitadora de

direito dos cidadãos. Por outro lado, mesmo em relação ao caso das eleições locais é, pura e simplesmente,

incomportável e inimaginável, além de ser, provável e seriamente, lesiva da possibilidade de cumprimento dos

prazos legais.

Em relação à avaliação do papel e do funcionamento do nosso sistema, creio que, num olhar objectivo e

desapaixonado sobre o seu funcionamento, que é razoavelmente original, só ressaltará a forma como

conseguimos, nestes 20 anos, desincumbir-nos bem da resolução harmoniosa das tarefas eleitorais, com o

benefício para a regularidade dos actos eleitorais e com bom envolvimento dos magistrados, em alguns casos

com razoável sacrifício e um bom esforço para a cooperação que é necessária ao cumprimento de prazos,

que, por vezes, são apertados. Isto também não suscitou especiais protesto por parte dos cidadãos e dos

partidos políticos; pelo contrário, a imagem que flui para o exterior de Portugal é a de um país onde as

eleições são honestas, eficazes e controladas democraticamente.

Risos.

O Sr. Presidente: Esta provocatio ad argumentum por parte do Sr. Deputado Cláudio Monteiro exige,

de facto, resposta.

Na verdade, a minha ideia é a seguinte: se há algo de censurável no actual sistema é o excesso de papel

do Tribunal Constitucional, sobretudo em matéria de contencioso das eleições locais. Penso que seria de todo

em todo censurável a concentração, não apenas pelos efeitos perversos que ela sempre tem. É que essa

concentração do contencioso implicaria uma concentração administrativa, já que todas as candidaturas,

mesmo as das assembleia de freguesia, teriam de ser feitas junto do Tribunal Constitucional!

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O Sr. José Magalhães (PS): — E todos os actos eleitorais!

O Sr. Presidente: — Mantendo-se o sistema de fiscalização preventiva da regularidade das candidaturas,

todos os actos eleitorais, as candidaturas, etc., teriam que ser todas feitas no Tribunal Constitucional.

De facto, penso que esta concentração administrativa de obrigar os cidadãos a virem a Lisboa, ao Tribunal

Constitucional, para apresentarem as candidaturas não é, pura e simplesmente, admissível.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Mas não é isso o que cá está!

O Sr. Presidente: Não é o que cá está, mas implicaria uma alteração. Ou se mantém o actual sistema

de fiscalização prévia e oficiosa da regularidade das candidaturas, ou, então, de facto, esta concentração

implicaria a apresentação das candidaturas ao Tribunal Constitucional.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, não quero prolongar o debate, mas o julgamento da

regularidade e da validade não vai ao ponto de abarcar todo o processo burocrático…

O Sr. Presidente: Não é processo burocrático!

O Sr. José Magalhães (PS): Não se diz «de actos» mas «dos actos»!

O Sr. Presidente: É que, hoje, a fiscalização preventiva é feita pelo juiz da comarca!

O Sr. José Magalhães (PS): Claro!

O Sr. Presidente: — Por isso é que as candidaturas são apresentadas perante o juiz da comarca!

Substituir isto por um único órgão, para além da praticabilidade, não é de facto possível. Sinceramente, não é

possível! Quem conhece o Tribunal Constitucional em época eleitoral sabe que isto não seria possível. O

número de recursos que sobe ao Tribunal Constitucional é relativamente reduzido em relação às decisões

tomadas pelos juízes.

O Sr. José Magalhães (PS): E mesmo assim é enorme.

O Sr. Presidente: Admitir que o Tribunal Constitucional tivesse de tomar todas as decisões, que, hoje,

são tomadas pelos juízes, de admissão de candidaturas, por exemplo, seria absolutamente impensável e

impraticável. Não é possível!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Isso não cabe naquilo que era o conceito dos proponentes do julgamento

da regularidade e da validade dos actos.

O Sr. Presidente: Mas é hoje o nosso sistema… Hoje, o nosso sistema de justiça eleitoral é a ideia de

que não se passa à 2.ª fase sem a verificação da regularidade da anterior; ou seja, não se inicia antes da

verificação da regularidade das candidaturas, dos candidatos, etc.

Portanto, ou alteraremos o sistema, a meu ver, mal, ou, então, esta norma implicaria necessariamente

concentrar no Tribunal Constitucional todos os actos que hoje são praticados junto de outros juízes.

Srs. Deputados, terminada a discussão do artigo 116.º e antes de interromper a reunião, que recomeçará

às 15 horas, lembro que está marcada para as 17 horas e 30 minutos a audiência com o Sr. Professor Jorge

Miranda, para apreciarmos o projecto de revisão constitucional por ele apresentado.

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Srs. Deputados, está interrompida a reunião.

Eram 12 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, declaro reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, passamos ao artigo 117.º. O PSD apresentou uma proposta de substituição ao n.º 1.

Para a justificar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, a proposta do Partido Social Democrata é apenas

de alteração da redacção do n.º 1, no sentido de, à semelhança do que aconteceu já relativamente a artigos

que analisámos nesta Comissão, dar ao actual texto constitucional uma vertente que nos parece, por um lado,

mais clara e, por outro, consagrar um direito. Actualmente o texto constitucional apenas refere que «Os

partidos políticos participam nos órgãos baseados num sufrágio universal e directo de acordo com a sua

representatividade eleitoral.», tendo, em nossa opinião, algumas insuficiências manifestas, porque,

nomeadamente, não são todos os órgãos baseados no sufrágio universal e directo, há órgãos em que o

sistema eleitoral é também o sufrágio universal e directo e onde os partidos políticos não participam.

Por outro lado, o que está aqui em causa é, em qualquer circunstância, para além de algumas observações

relativas à actual correcção do texto, como a própria epígrafe do artigo aponta, situar os direitos que os

partidos políticos têm em matéria do nosso sistema político, nomeadamente de participação nos actos

eleitorais.

Neste sentido, parece-nos mais correcto uma formulação como a que sugerimos, e que diz exactamente

que «Os partidos políticos têm o direito, nos termos da lei, de apresentar candidatos nas eleições para os

órgãos colegiais…» — é evidente que a tal insuficiência, a que me referi, no actual texto constitucional,

decorre do facto de haver sufrágio universal e directo para órgãos não colegiais, e, neste caso, a participação

e a representação dos partidos políticos não se colocam obviamente, como, de resto, a Constituição também

diz mais à frente — «… baseados no sufrágio directo e universal.».

Portanto, eu diria que, em termos de conteúdo, há apenas uma precisão daquilo que é o actual texto

constitucional; fundamentalmente, em termos de substância, pretende-se utilizar uma terminologia que tem a

ver com um direito dos partidos políticos, à semelhança do direito de oposição, que, n.º 2 deste mesmo artigo,

também é reconhecido aos partidos minoritários, neste caso. Assim, o que no n.º 1 deveria estar era o direito

dos partidos a apresentarem candidatos nas eleições para órgãos colegiais.

É apenas esta a explicação da proposta do PSD.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 117.º, do PSD, está em

discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, como resulta claramente da própria apresentação, não há

aqui um valor acrescentado e um alcance de precisão especialmente relevante e útil. Aliás, pode, em certo

sentido até, ser «preciosístico» substituir a actual proclamação de uma participação, que, obviamente, só se

aplica aos órgãos de extracção partidária, seguramente não ao Presidente da República e a outras formas

de…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É um órgão de soberania, onde não há representação dos

partidos!

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O Sr. José Magalhães (PS): Claro! Ou seja, a participação é, obviamente, em relação aos órgãos de

extracção partidária, como resulta do contexto deste e dos demais preceitos, imprescindível que seja objecto

de interpretação sistemática. Não há aqui qualquer grave questão de hermenêutica a resolver; é mais

importante, na nossa leitura, dedicarmo-nos a aperfeiçoamentos, que, de resto, propomos em outras sedes, de

direitos concretos para enriquecermos a mancha, digamos assim, de protecção constitucional dos partidos

políticos em sentidos que não são incompatíveis com os princípios de reforma política, que nós adiantámos e

que, pelo contrário, se harmonizam com eles.

Sr. Presidente, não vemos com especial entusiasmo, mas também não com anátema, esta proposta que

nos parece algo «preciosística».

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, é também para dizer que não vemos vantagem nesta

proposta, para além de considerarmos até que o seu texto é um tanto redutor relativamente ao alcance do

actual n.º 1 do artigo 117.º.

O n.º 1, tal como está redigido actualmente, não pressupõe apenas o direito de apresentar candidaturas às

eleições para os órgãos colegiais baseados no sufrágio directo e universal, consagra também o direito de

participação nesses órgãos — isto é, os partidos políticos não concorrem apenas para a formação da vontade

popular mas também para a formação da vontade dos próprios órgãos — e implica a sua participação de

acordo com a representatividade eleitoral, o que tem como corolário a consagração, noutro local, do princípio

da representação proporcional. Daí eu crer que uma redacção como a que o PSD propõe reduz um tanto o

alcance da actual disposição, e, portanto, não ver vantagem nisso.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, na sequência das intervenções que aqui ouvi fico

mais convencido ainda da bondade ou da necessidade da proposta do Partido Social Democrata.

Sejamos claros: o que está em causa exclusivamente neste artigo são os direitos que os partidos políticos

têm, em termos do nosso sistema eleitoral; e o direito que os partidos têm, no nosso sistema, é o de

apresentação de candidatos nas eleições para órgãos colegiais, uma vez que, por exemplo, para o órgão

unipessoal Presidente da República está expressamente vedado pela Constituição a apresentação de

candidatos pelos partidos.

O Sr. José Magalhães (PS): Há alguma dúvida sobre esse aspecto?

O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): Mas é dessa clarificação que eu, obviamente, sinto necessidade.

Face à divagação das intervenções que me antecederam, sobre o que seria ou deixaria de ser o conteúdo do

n.º 1, fico, de facto, mais convencido de que, para além de uma correcção ao actual texto, há de facto a

necessidade de precisar exactamente quais são os direitos que os partidos políticos têm. E os direitos são de

facto e exclusivamente o direito de apresentar-se a eleições e, obviamente, o da participação nos órgãos de

acordo com os resultados dessas eleições, mas isto é já uma decorrência do próprio direito a apresentar

candidatos, como é evidente. E se estas candidaturas forem vencedoras, é evidente que, de acordo com o

sistema já anteriormente disposto, a conversão dos votos em mandatos fár-se-á nos termos do artigo 116.º.

Agora, o direito que os partidos políticos têm é este e não o de uma simples afirmação de que ele participa

nos órgãos baseados em sufrágio universal e directo, porque isto não é verdade, ou, melhor, não é totalmente

verdade. E, portanto, há necessidade de fazer esta correcção.

Por outro lado, não me parece que a representatividade eleitoral, enquanto tal, seja propriamente um

direito; o direito que existe de facto para os partidos políticos é o de apresentar candidatos aos órgãos

colegiais, baseados no sufrágio universal e directo.

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Portanto, independentemente de reiterar que não creio que seja obviamente uma alteração essencial ou

fundamental na Constituição — e, no fundo, o Deputado José Magalhães começou por aqui na sua

intervenção, e, obviamente, não posso deixar de estar de acordo com ele —, não me parece, com franqueza,

que, pelo facto de não ser fundamental, não seja uma correcção apropriada e azada, porque, deste modo,

penso que fica claro para todos que o actual texto tem algumas incorrecções, e, neste sentido,

independentemente de ser ou de deixar de ser fundamental, não me parece que o critério possa ser apenas

esse.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, o n.º 1 do artigo 117.º tem um alcance, aliás, indisputado

hermeneuticamente, na definição do papel dos partidos políticos e das suas garantias de intervenção na

formação dos órgãos de poder que têm essa extracção, porque os que não têm, obviamente, não têm; e isto

não tem suscitado qualquer dificuldade.

Esse direito de participação, por um lado, é proclamado e é institucionalmente garantido, com todo o

alcance que isso tem, e, por outro, soma-se-lhe a proibição de mecanismos de distorção da

representatividade, designadamente, e suponho que é legítimo ver aqui uma cláusula de salvaguarda, contra

mecanismos do tipo prémios de mais-valia a somar-se às outras salvaguardas constantes noutros preceitos

constitucionais, ou seja, a proibição e prescrição de quaisquer mecanismos que distorçam a forma de medir o

que cada um vale. E cada um vale o que vale em função de representação eleitoral, em função do sufrágio

livre garantido pela Constituição e fiscalizado pelos órgãos respectivos.

O direito à candidatura é, obviamente, um acto instrumental, é um acto procedimental, é um acto sem o

qual não há participação nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo. Mas é isto e não mais do que

isto, e também não menos do que isto.

O princípio ou a regra constitucional aqui proclamada é definida pelo resultado, garantida

procedimentalmente e nos diversos actos, que são instrumentais, para o acesso aos órgãos em causa e não

vale a pena reduzir a um dos momentos da cadeia processual aquilo que é um resultado global. Obviamente,

também nenhum partido está representado senão em função da legitimidade eleitoral que granjeou através de

mecanismos que a Constituição muito bem define.

Portanto, a não ser preciosismo, é redução.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, quero só deixar uma nota.

Não creio que esta proposta vise apenas uma correcção literária do texto. É óbvio que o artigo actual visa

garantir uma participação côngrua dos partidos nos órgãos colegiais eleitos directamente e o PSD propõe

reduzir isso à garantia de candidatura, que, de resto, está já instrumentalmente previsto no actual n.º 1, tal

como nos artigos 10.º e 51.º.

Portanto, há uma clara redução do normativo do preceito, não vale a pena escamoteá-lo.

Por outro lado, a proposta do PSD está claramente ligada à sua intenção de, pelo menos em relação aos

órgãos colegiais directamente eleitos, afastar a fórmula da representação dos partidos de acordo com a sua

representatividade eleitoral. É o que tem a ver…

O Sr. José Magalhães (PS): Com o prémio de mais-valia!

O Sr. Presidente: … com a eleição directa da câmara municipal, com o prémio da maioria da câmara

municipal.

Portanto, não vale a pena escamotear nem esconder essas ligações, e trata-se é de saber, quando lá

chegarmos. Mais à frente, se vamos ou não considerar estas propostas. Se elas forem consideradas,

obviamente valerá a pena voltar aqui; se não forem, não creio que valha a pena fazê-lo, porque o que aqui

está é o direito de participação, que implica, obviamente, o direito de candidatura como condição mínima, que,

de resto, já consta dos artigos 10.º e 51.º.

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Em suma, na proposta do PSD há uma redução da actual normativa, do n.º 1, o que não tem o acolhimento

nem do PCP nem do PS.

Srs. Deputados, vamos passar ao n.º 2 do artigo 117.º, para o qual existem propostas do PS, do PCP e dos

Deputados do PS António Trindade e outros.

O actual n.º 2 é do seguinte teor: «É reconhecido às minorias o direito de oposição democrática, nos

termos da Constituição.», e os citados proponentes propõem o aditamento «e da lei», ficando «(…) nos termos

da Constituição e da lei.».

Pergunto aos proponentes se desejam acrescentar alguma coisa àquilo que resulta da letra das propostas.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, esse aditamento é inequívoco e, provavelmente, não

estritamente necessário.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, também não tenho muito mais a acrescentar ao que já foi

dito pelo proponente anterior.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, é necessário acrescentar «nos termos da Constituição e da lei» para

constitucionalizar o estatuto da oposição? Há alguma vantagem que daí deriva?

Srs. Deputados, a proposta de alteração ao n.º 2 está em discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, penso que não vale a pena prolongar a discussão

desta proposta, já que, pela nossa parte, não vemos necessidade, mas também não temos qualquer óbice ao

acrescento.

O Sr. Presidente: Mas há vantagem?

O Sr. José Magalhães (PS): É vantajoso!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, para alterar a Constituição é necessário haver vantagem e não só

não haver desvantagem. Há alguma vantagem, há o estatuto de oposição, que é legal e que acrescenta algo à

Constituição. De modo que, neste sentido, talvez haja alguma vantagem, alguma mais-valia na alteração.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sempre houve!

O Sr. Presidente: Sempre houve, é verdade. Mas, em relação a algumas propostas que temos…

O Sr. José Magalhães (PS): Não se pode dizer o mesmo de certas propostas!

O Sr. Presidente: … analisado, temos considerado isso exactamente. Chega sempre o momento em

que se chega à conclusão que teria sido vantajoso formular as coisas de outra maneira.

Visto ninguém mais querer pronunciar-se, está, em princípio, aceite esta pequena benfeitoria literária.

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Srs. Deputados, em relação ao n.º 3 do artigo 117.º, existe uma proposta dos Deputados do PS António

Trindade e outros.

Alguém adopta esta proposta para efeitos de discussão, visto nenhum dos proponentes se encontrar

presente?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, não quero propriamente adoptar a proposta mas apenas

pronunciar-me, em geral, sobre a alteração apresentada para o n.º 3.

O Sr. Presidente: Claro, Sr. Deputado! Aliás, pode aproveitar o facto de haver uma proposta para

apresentar uma outra.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Não, Sr. Presidente, reservo a possibilidade de apresentar uma outra

proposta para um momento futuro.

A minha intervenção tem a ver com a circunstância de, neste momento, estar em discussão na respectiva

Comissão — discussão essa que tem estado suspensa pela revisão constitucional precisamente pelos

problemas que a actual redacção e alguma alteração que venha a ser feita podem suscitar — a revisão do

Estatuto do Direito de Oposição, designadamente, porque um dos problemas que aí se encontrou prende-se

com o facto de uma eventual alteração do sistema eleitoral para as autarquias locais poder implicar uma

alteração da garantia constitucional e, por consequência, uma alteração do próprio regime estabelecido pelo

Estatuto do Direito de Oposição, sobretudo na medida em que a existência de executivos pluripartidários,

como sucede hoje, de acordo com o princípio da representação proporcional, tornam inócuo e inoperante a

garantia do direito de oposição tal qual ela se encontra actualmente, dado que, em regra, os partidos que

estão representados na Assembleia e que não estão representados no Executivo são marginais ou

ultraminoritários, e não são aqueles que são verdadeiramente os titulares primeiros do direito de oposição,

designadamente aqueles que constituem uma alternativa do governo autárquico, por assim dizer. E, portanto,

aquilo que vier a ser acordado em matéria de alteração do estatuto eleitoral das autarquias locais poderá ou

não implicar uma alteração consequente deste preceito, designadamente se não for acordado nada de novo,

se se mantiver o sistema actual, segundo o qual a representação do Executivo é proporcional.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, como a questão está em suspenso, voltaremos a

ela; o memorando fica feito.

O Sr. José Magalhães (PS): Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, permita-me que diga que temos uma proposta atinente a

esta matéria no n.º 3 do artigo 234.º, por forma a reforçar, a nível das assembleia legislativas regionais, a

garantia dos direitos de oposição. Proposta que, obviamente, mantemos.

O Sr. Presidente: Muito bem, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, vamos passar à proposta de aditamento de um novo artigo, o artigo 117.º-A, apresentada

pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, cuja epígrafe é «Eleições para o Parlamento

Europeu».

Visto não se encontrar presente nenhum dos proponentes, alguém adopta a proposta para discussão?

Pausa.

Srs. Deputados, visto ninguém a adoptar, vamos passar ao artigo 118.º, que foi todo discutido, excepto

quanto à instituição do referendo a nível das regiões autónomas e à eventual regulação desta área do

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referendo local. As alterações a estes pontos foram apresentadas pelo PSD, pelo PS, no artigo 235.º-A, pelos

Deputados do PS António Trindade e outros, no artigo 234.º-A, pelos Deputados do PSD Guilherme Silva e

outros, no artigo 236.º-C, pelos Deputados do PSD Arménio Santos e outros, no n.º 5 do artigo 229.º, e por Os

Verdes.

Proponho que não discutamos agora esta matéria acoplada ao artigo 118.º, porque, se for caso disso,

voltaremos cá, e que façamos a sua discussão na altura própria, isto é, a propósito dos governos locais e

regionais, portanto, a propósito do capítulo das regiões autónomas.

Srs. Deputados, tendo em conta que em relação ao artigo 119.º não foram apresentadas propostas,

passamos ao artigo 120.º — Estatuto dos titulares de cargos políticos.

Para o n.º 1 deste artigo, temos uma proposta dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, que propõe

a substituição da expressão «pelos actos e omissões» por «pelas acções e omissões».

Sr. Deputado Cláudio Monteiro, vale a pena alterar a Constituição por causa disto?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, trata-se de uma correcção técnico-jurídica que decorre da

circunstância, designadamente, de o artigo 22.º usar a expressão «acções» e não «actos», sendo de salutar

que haja uma harmonização da terminologia para evitar que a interpretação possa ser diversa, até porque

em…

O Sr. Presidente: Até agora a interpretação foi alguma vez diversa?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, o facto de não ter sido não significa que não venha a ser!

O facto é que, segundo a boa doutrina, o conceito de acto é bastante mais restrito que o de acção; aliás, é

uma categoria específica de acções e, em rigor, isso poderia aplicar-se só àqueles que revestem uma

determinada forma, o que não me parece ser sensato. Não se perderá, porventura, muito se a alteração não

se fizer, mas ganhar-se-á alguma coisa, embora pouco, se se harmonizar a terminologia utilizada.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, por razões destas podemos mexer em todos os artigos da

Constituição! Não haveria um que se salvasse de uma meritória obra de rigor técnico-jurídico!

A minha tese, desde sempre, é a de que as revisões constitucionais não servem para isto, mas, enfim, não

é por mim que a alteração deixará de se fazer, se for caso disso.

Srs. Deputados, está à consideração a proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 120.º.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, eu diria exactamente o mesmo: não vemos estrita

necessidade de tal «cirurgia» em matéria que não suscita qualquer dúvida interpretativa.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, quero tão-somente dizer que pessoalmente

compreendo a fundamentação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Entendo que o espírito do preceito, mas a

expressão «acções e omissões» é muito mais ampla e será mais adequada em termos técnico-jurídicos. De

qualquer modo, em boa verdade, não me parece que tenhamos de partir deste princípio, aliás, tem sido o

espírito desta Comissão não pegar em palavras. E, portanto, não se justificará, penso eu, por uma palavra,

alterar o preceito.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, tenho posição idêntica às já expressas, porque, de facto,

não vejo grande vantagem na alteração.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, ficamos assim, salvo se a Comissão e a Assembleia optarem por

uma diferente filosofia em matéria de revisão constitucional.

Passamos agora ao n.º 2 do artigo 120.º, para o qual existem propostas do Partido Socialista e dos

Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Verdadeiramente, Sr. Presidente, trata-se apenas do aditamento de um

inciso no actual n.º 2, cuja redacção não é perturbada em tudo o mais, e que visa acrescentar a expressão «as

consequências do respectivo incumprimento», interpolada entre «cargos políticos» e «bem como».

O que é que se pretende? Pretende-se manifestamente criar uma cláusula constitucional que legitime a

previsão, pela lei ordinária, de consequências sancionatórias em relação à violação de deveres,

responsabilidades e incompatibilidades estatuídas legalmente para titulares de cargos políticos.

Verdadeiramente, a previsão deste tipo de sanções não existe, excepto na parte em que isto constitua

crime de responsabilidade, o que já está acautelado pelo n.º 3. É, portanto, de uma benfeitoria absolutamente

indispensável para evitar zonas cinzentas numa área em que, além de transparência plena, é preciso que haja

sanções com cobertura constitucional e adequadas, ou seja, adequadas e proporcionadas à gravidade dos

ilícitos, que podem ser de diversos tipos.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à consideração esta proposta do Partido Socialista.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, quero colocar uma questão ao Sr. Deputado José

Magalhães.

Sr. Deputado, ouvi o que acabou de explicitar, mas, em concreto, quais são os tipos de consequências que

actualmente se impõem, que fazem falta, e que, eventualmente, pelo quadro constitucional vigente, não são

possíveis? É que, verdadeiramente, não estou a conseguir visualizar qual é o…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se permite, cito-lhe a perda de mandato a

Deputado por incompatibilidades.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Mas isso já existe!

O Sr. José Magalhães (PS): Um verdadeiro elefante…!

O Sr. Presidente: Já existe, aliás, o problema é já ter…

O Sr. José Magalhães (PS): Já existe sem cobertura constitucional!

O Sr. Presidente: Está na lei! Mas penso que pode existir sem admissão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, mas já existe de facto! Quer dizer, não…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, é óbvio que existe na lei! O problema não é esse. O problema é saber

se essa sanção não carece de cobertura constitucional.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Acha que é inconstitucional?!

Sr. Presidente, com franqueza, é exactamente essa a questão que estou a colocar! Entende o PS que há

uma situação de inconstitucionalidade actual, que quando a Constituição diz «A lei dispõe sobre deveres,

responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, (…)», remetendo para o legislador

este tipo de situações, está a prever que sejam criadas normas sem cominação?!

O Sr. Presidente: O problema não é serem sem cominação…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não tenho esse entendimento.

O Sr. Presidente: — … mas, sim, quando a cominação se traduz na perda de mandato!

Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pergunto-lhe: no caso de perder o mandato por não ter, por exemplo,

entregue a declaração de rendimentos, a primeira coisa que V. Ex.ª fará não é invocar a inconstitucionalidade

da lei? Se o não fizer, devo dizer que…

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): Seria de uma ingenuidade política confrangedora!

O Sr. Presidente: … seria de uma grande ingenuidade!

Estamos a falar de forma transparente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, estamos a fazer futurologia, porque…

O Sr. José Magalhães (PS): Não estamos, não!

O Sr. Presidente: — Isto está na lei!

O Sr. José Magalhães (PS): Isto é «presentologia»!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Estamos a falar de situações que nunca se colocaram.

O Sr. Presidente: Ah, sim, nunca se colocaram, é óbvio!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Então isso é futurologia!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, até agora nunca houve nenhum crime de responsabilidade contra

titulares de cargos políticos, e, no entanto, eles estão previstos na Constituição por alguma coisa, e bem!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Os problemas de constitucionalidade referem-se a actos normativos e

não a situações concretas!

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, verdadeiramente a questão coloca-se, e o exemplo que

deu é, enfim, irrefutável e claríssimo.

Muita da legislação que hoje existe e que foi aprovada com largo consenso — noutra parte é polémica —

tem um sistema sancionatório que se distingue da criação de ilícitos criminais, o que é positivo, naturalmente,

para evitar uma hipercriminalização da actividade política e para evitar que, cada vez que é necessário

inventar uma sanção que eventualmente acarrete perda de mandato, o legislador tenha de criar um ilícito

criminal, estabelecendo essa sanção em articulação com a erecção do ilícito.

Se desejamos não hipercriminalizar a actividade dos responsáveis dos titulares de cargos políticos, então,

é preciso prever que, fora desse campo, o legislador possa estabelecer uma sanção para a violação de um

determinado ilícito, podendo a maior delas ser, teoricamente, a perda do mandato.

Sabemos que há actualmente várias peças legislativas que prevêem este tipo de sanção; corrigimos, de

resto, alguns aspectos da aplicação dessa sanção aquando da última revisão desta matéria. É chegada a hora

de, a nível da revisão constitucional, suprimir a lacuna que neste ponto existe no n.º 2. E, se não o fizermos,

seremos ou empurrados, fatalmente, para o n.º 3, hipercriminalizando, ou, então, levados a criar ilícitos, os

chamados ilícitos postiços, porque, se alguma vez se colocar a questão da aplicação prática de sanções, os

visados sempre podem vir alegar, pelos meios próprios, que não há cobertura constitucional para as ditas

sanções, o que, aplicado a quente, seria seguramente muito desprestigiante.

Importa, portanto, dar cobertura constitucional plena e inequívoca a sanções fora do quadro da política

criminal e eliminar uma zona cinzenta, bastante perigosa, permitindo ao legislador ordinário mover-se com

mais liberdade na criação de sanções, algumas das quais podem implicar restrições do exercício de direitos

políticos.

O Sr. Presidente: Só em relação a esses, suponho.

Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, quero só deixar uma nota, porque, com toda a

sinceridade, também me custa perceber o alcance desta necessidade.

Já foi discutido, aquando dos direitos dos trabalhadores, por exemplo, o Estatuto do Trabalhador-

Estudante, que também está consagrado em lei e que não tem no texto constitucional correspondência.

Pergunto: se o trabalhador invocar esse Estatuto para justificar as faltas estabelecidas na lei e se a entidade

empregadora entender que não existe cobertura legal, em termos constitucionais, para esse direito

consubstanciado na lei… Ou seja, o Estatuto do Trabalhador-Estudante está regulamentado por uma lei, a lei

que está em vigor…

O Sr. José Magalhães (PS): Está a falar do Deputado trabalhador-estudante?

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Não, estou a falar numa situação equiparada.

Comecei por dizer, Sr. Deputado José Magalhães, que gostaria de compreender melhor o alcance desta

proposta do Partido Socialista. Procurei uma situação análoga, para que me pudesse ajudar a perceber…

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Deputado, a Constituição é um espaço de liberdades. O legislador é

infinitamente livre de lhe acrescentar quaisquer direitos que, em sede de ordenação infraconstitucional, deseje.

Esse espaço alarga-se e acrescenta-se por força do direito interno, por força do direito internacional e todas as

normas convergem para criar direitos subjectivos invocáveis perante o patronato, a Administração Pública, as

entidades internas ou externas, perante as quais sejam invocáveis. Isso não tem literalmente nada a ver com a

restrição de direitos, matéria em relação à qual a Constituição prevê habilitação legal obrigatória e uma série

de regras, sem as quais não há, pura e simplesmente, cobertura para a actividade sancionatória do legislador

ordinário! É disto, e só disto, que se trata aqui!

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Ou seja, o legislador ordinário, em relação a si, Deputado, não pode, pura e simplesmente, dizer que o

Deputado Fulano de tal, porque não se apresenta em determinadas condições, no sítio tal, na altura tal, perde

o mandato, ponto final parágrafo! Não pode fazer isto, pura e simplesmente!

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sob pena de se suscitar a inconstitucionalidade!

O Sr. José Magalhães (PS): Não pode! É preciso uma cláusula constitucional expressa!

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Deputado, o que quis dizer é que, aquando da discussão

dessa matéria, se entendeu que não havia a necessidade de estabelecer no texto constitucional…

O Sr. José Magalhães (PS): Não! Isso é em relação ao acrescentamento de direitos! Em relação à

privação de direitos é que o Sr. Deputado precisa de uma cláusula constitucional expressa. Quanto ao mais, o

legislador é infinitamente livre de lhe acrescentar os direitos que quiser, não pode é privá-lo de direitos, nem

pode decapitar-lhe dimensões do seu estatuto constitucional.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Eu só queria tentar perceber a questão, e disse-o desde logo.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Francisco José Martins, a questão é muito simples: as leis actuais,

quer a das incompatibilidades, quer a da declaração de rendimentos, prevêem a perda de mandato para os

Deputados que não as cumpram. O problema é saber se Deputados eleitos, cujo mandato é

constitucionalmente garantido, podem ser privados do mandato, por via de lei, por ilícitos não criminais, uma

vez que isto não é considerado crime, sem habilitação constitucional. É este o problema que se coloca.

Desde já lhe digo que esta é uma questão muito séria, porque o legislador, sob pena de hipocrisia, não

pode considerar na lei sanções que sabe de antemão poderem vir a ser questionadas do ponto de vista

constitucional. Devo dizer-lhe que a primeira coisa que faria, se essa lei me fosse aplicada, era, obviamente,

invocar a inconstitucionalidade. Onde está a credencial constitucional para esta norma da lei da transparência

que diz que, se eu não apresentar o rendimento, fico sem mandato por decisão da Assembleia da República?

Onde está a base constitucional para isto? É provável que o Tribunal Constitucional responda que há, mas não

sei onde!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Mas isso também não está aqui! Isso também não resulta desta

norma!

O Sr. Presidente: — Não resulta desta norma?!

O Sr. José Magalhães (PS): — Não resulta?!

O Sr. Presidente: Então, se a Constituição der ao legislador exactamente a liberdade de definir as

consequências, como é que não está?! É óbvio que passa a estar!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, utilizando a mesma argumentação utilizada pelo

Partido Socialista e pelo Sr. Presidente agora para dizer que actualmente a lei não prevê, a meu ver, também

não é por aqui que passa a prever.

O Sr. José Magalhães (PS): Então não?!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Essa é boa! Pode impugnar a…

O Sr. José Magalhães (PS): Quer mais claro do que prever as consequências?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente, consequências de natureza política ou outras!

Agora, não se diz aqui que pode perder-se o mandato. Pode utilizar-se a mesma argumentação que utilizou.

Por que não?!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, por favor! Haja moderação nos argumentos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Com certeza, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, se a Constituição passa a dizer que a lei tem liberdade de estabelecer

as consequências, obviamente que a lei passa a ter liberdade sobre o estabelecimento das consequências!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, comecei por dizer que parto do princípio da

interpretação que nunca passou pela cabeça (enfim, é a tal futurologia, porque a questão nunca se colocou de

facto, os tribunais nunca foram chamados a pronunciar-se sobre a matéria) que o actual n.º 2 seja uma norma

sem cominação!

O Sr. Presidente: Não, Sr. Deputado! Não é essa a cominação! Pode cominar multas e outras coisas

que não passem pela privação do mandato.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Então, por que é que as consequências do respectivo

incumprimento não devem ser interpretadas exactamente como isso?! As consequências podem ser multas e

outras, que não passam pela perda do mandato!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, primeiro, porque, literalmente, cabem lá todas; segundo, porque os

proponentes e todos nós estamos a dizer que é isso que se quer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Ah!…

O Sr. Presidente: — São as regras normais da hermenêutica da Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Mas o que estou a dizer, Sr. Presidente, é que não é isso o que cá

está!

O Sr. Presidente: — Mas é isso que se quer!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, enquanto, por exemplo, no plano das autarquias,

como também no dos órgãos colegiais, na Assembleia da República, temos artigos que falam expressamente

na dissolução dos órgãos, indirectamente…

O Sr. Presidente: Mas aqui não há dissolução nenhuma!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Com certeza, Sr. Presidente! Mas é…

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O Sr. Presidente: É a perda de um direito individual, do mandato.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, sinceramente, perante a argumentação utilizada

para falar na imprescindibilidade de se prever aqui perda de mandato, então, que se diga que há direito,

inclusive, à perda de mandato. Agora, falar só em consequências do respectivo incumprimento também não se

vai lá!

O Sr. Presidente: Por mim, arremato já!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Isto porque a argumentação é exactamente a mesma!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, por mim, arremato já esta proposta! Não sei se o PS tem alguma

objecção a isso.

O Sr. José Magalhães (PS): Não, Sr. Presidente. Obviamente, arrematamo-la entusiasticamente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, em boa verdade, custa-me muito admitir que o n.º 2 diga

que «A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidade e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos

(…)» e que inclua a capacidade para a definição do regime sancionatório por incumprimento. Pelo contrário,

estava a dizer-se que o legislador legislou sobre estas matérias mas…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Para inglês ver!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado António Filipe, vou, mais uma vez, fazer uma distinção: eu não disse

que a Constituição não admite sanções, o que eu disse é que há certas sanções — certas —, como a perda

de mandato, que, por serem relativas a normas de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente

consagrados, carecem de uma habilitação constitucional expressa. Portanto, não se trata de uma norma sem

sanção. Por favor, não utilize esse argumento.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, de qualquer forma, concluindo, nada temos a obstar a que

se inclua no preceito a expressão «as consequências do respectivo incumprimento» para evitar que possam

subsistir dúvidas a esse respeito. Mas, neste caso, dado que o n.º 3 se refere aos tipos de responsabilidade e

prevê expressamente a possibilidade de destituição do cargo ou a perda de mandato, também considero que,

com esta redacção, podem subsistir dúvidas quanto a esta possibilidade nos casos do n.º 2, e, portanto, talvez

houvesse vantagem em uniformizar.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, sobre isso estamos de acordo. Se a solução alternativa é explicitar

exactamente uma forma semelhante à constante na parte final do n.º 3, penso que ela satisfaz plenamente os

objectivos do PS. Não é verdade, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): Pode-se mesmo transformar o n.º 3 numa norma de carácter geral para

toda a espécie de ilícitos, não apenas para os crimes, verdadeiros e próprios, de responsabilidade.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, essa hipótese já não teria o meu apoio. Creio que

deve distinguir-se os crimes de responsabilidade dos restantes ilícitos.

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O Sr. José Magalhães (PS): Como é óbvio, Sr. Presidente, ter-se-á de fazer legislação redundante e

transpor ponto por ponto aquilo que está no n.º 3 do artigo 120.º aplicado aos crimes de responsabilidade.

Em suma, Sr. Presidente, não temos qualquer objecção quanto à solução técnica.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, assim, relativamente ao n.º 2 do artigo 120.º, ficamos de remissa

quanto à fórmula a encontrar, desde que haja convergência na vantagem em explicitar que a violação dos

deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos podem envolver a perda de

mandato. Penso que neste ponto todos estão de acordo, que não se quer nem mais nem menos do que isto.

Quanto à fórmula, ficamos por enquanto de remissa.

Srs. Deputados, visto não haver propostas de alteração ao n.º 3 do artigo 120.º, vamos passar às

propostas de novos números. O PS apresentou uma proposta para um novo n.º 3, que é igual ou convergente

com a apresentada pelo PCP, para a constitucionalização da lei da transparência.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a proposta que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista

apresenta é, de acordo com o seu programa de reforma política, consubstanciado na documentação pública

dos Estados Gerais e nos documentos com que nos apresentámos ao eleitorado e no Programa do Governo,

uma proposta que visa, pura e simplesmente, inserir na Constituição uma cláusula que aluda àquilo que, hoje,

é uma obrigação legal, consagrada através de diploma próprio, e revista e renovada na última sessão

legislativa da passada Legislatura.

Deixando de lado a polémica que rodeou essa revisão da lei, a nossa proposta é limitada; ou seja,

consagra-se, por um lado, a obrigatoriedade de declaração não apenas do património como dos rendimentos e

dos interesses (é esta, de resto, a solução legal que, neste momento, está em «rodagem» e aplicação), mas

nada se adianta materialmente quanto às formas e às consequências, remetendo-se para lei a determinação

destes aspectos. É nisto que a nossa proposta se distingue da do PCP, a qual é específica quanto ao

momento da declaração, ou seja, cria uma obrigação de declaração no início e no termo — actualmente, a lei

também prevê uma obrigação de renovação anual desta declaração, no caso de haver alterações — e prevê

uma norma de publicidade a todo o tempo, o que suponho ser uma demarcação em relação a um risco que

houve em determinado momento da elaboração desta lei, uma vez que, como nos lembramos, o PSD teve o

intuito, um pouco rebarbativo, de limitar o acesso às declarações, tendo criado uns mecanismos um pouco

bizarros para permitir aos Deputados em especial, o que, de resto, afunilou para estes, objectarem ao

conhecimento do conteúdo das suas declarações em determinadas circunstâncias, etc. São episódios que,

francamente, não gostaríamos de cristalizar na letra da Constituição, e não nos parece que valha a pena

pormenorizar o regime. A nós, bastar-nos-ía uma norma que fosse similar ou inspirada naquela que

adiantámos.

O Sr. Presidente: O PCP tem uma proposta convergente com a do PS, embora com algumas

diferenças, explicitando nomeadamente que a declaração tem de ser feita no início e no termo do mandato e

que é pública a todo o tempo.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, a lei em vigor é um tanto mais rigorosa quanto ao momento

da apresentação e prevê exactamente, no caso de alteração, a obrigação de renovação anual, mas pareceu-

nos que seria importante estabelecer alguns parâmetros no que toca a esta obrigação, embora esta não seja a

questão essencial.

Do nosso ponto de vista, o importante é que seja constitucionalizada a obrigatoriedade de publicidade das

declarações de rendimentos, de património e de interesses. O facto de termos previsto a sua publicidade a

todo o tempo tem a ver com os termos em que este debate foi realizado, aquando das diversas ocasiões em

que foi debatida a legislação referente a esta matéria, na medida em que foi defendida por diversos partidos a

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possibilidade de as declarações de rendimentos não serem públicas a todo o tempo, mas apenas durante um

período limitado, e só nesse período é que as declarações seriam consultáveis. Esta foi uma solução que

sempre rejeitamos.

A nossa posição é a de que as declarações devem ser públicas e devem poder ser consultadas a todo o

momento. Daí a necessidade que sentimos de o explicitar na nossa proposta de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estão em discussão as propostas de um novo n.º 3 do artigo 120.º,

do PS e do PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, entendemos o espírito e a fundamentação deste

preceito, no sentido de consagrar no texto constitucional aquilo que encontra, neste momento,

correspondência na legislação sobre a transparência.

A pergunta que gostaria de formular, tanto ao Partido Socialista como ao Partido Comunista Português, é a

seguinte: porventura, o teor destas propostas não encontra já expressão, e de uma forma muito mais ampla,

no que já está estabelecido no actual n.º 2 do artigo 120.º?

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, se me permitem, respondo à pergunta do Sr. Deputado Francisco

José Martins.

É obvio que tem, Sr. Deputado, e, por isso, a lei que impôs esse dever não é inconstitucional. O problema é

que é uma faculdade constitucional e não uma imposição, e passaria a ser uma imposição. Ou seja, o

legislador poderia alterar a actual lei, mas não a poderia revogar. Isto é, aquilo que é hoje uma faculdade

constitucional passaria a ser uma imposição constitucional.

Srs. Deputados, as propostas continuam em discussão.

Pausa.

O CDS-PP e o PSD não tomam posição quanto a esta matéria?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, àquilo que disse o Sr. Deputado Francisco José

Martins acrescento apenas uma pequena precisão: há uma diferença entre as propostas do Partido Comunista

Português e do Partido Socialista.

Quanto à proposta do PCP, o PSD claramente não concorda com ela, porque considera que matéria deste

tipo tem de ser sempre remetida para a lei, e o texto formulado pelo PCP não prevê esta situação. Logo, sob

este ponto de vista, a proposta do PCP sobre uma matéria tão delicada como esta, em que estão em causa os

direitos e garantias fundamentais de cidadãos — e convém não esquecer que os titulares de cargos políticos

também são cidadãos —, não tem o nosso acordo.

Por outro lado, parece-me que é correcto, em qualquer circunstância, aquilo que a proposta do PS faz, que

é remeter para o legislador ordinário a determinação deste tipo de situações, porque haverá sempre algumas

garantias a ter em atenção, e tem de haver, portanto, uma legislação própria sobre a matéria. Em suma, do

nosso ponto de vista, parece-nos mais correcta a formulação do PS.

Agora, a questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Francisco José Martins é aquela que neste momento

condiciona a posição do Partido Social Democrata. Se é verdade aquilo que o Sr. Presidente disse em

resposta à questão formulada pelo Deputado Francisco José Martins, que é diferente transformar uma

faculdade numa obrigação constitucional, não me parece que para já essa diferença seja decisiva, em termos

da apreciação que o Partido Social Democrata faz da questão. É evidente que o actual n.º 2 já o permite,

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porque, como o Sr. Presidente disse, e muito bem, existe uma lei sobre essa matéria, lei essa que é

perfeitamente constitucional, já que decorre exactamente do que está no n.º 2. Agora, quanto a saber se é ou

não necessário transformar isso numa obrigação constitucional, é algo sobre o qual iremos reflectir, embora

não nos pareça existir grande ganho com isso. De qualquer modo, podemos reflectir sobre o assunto.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, permite-me que peça um pequeno esclarecimento ao Sr.

Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não percebi um ponto

e por isso peço-lhe que precise.

O Sr. Deputado, quando discordou da proposta do PCP, estava a referir-se à parte da proposta que refere

a obrigatoriedade de declaração no início e termo do mandato, isto é, o momento da declaração, ou estava a

referir-se à publicidade a todo o tempo?

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não estava a referir-

me a nenhuma parte em concreto da norma, Sr. Deputado, estava a referir-me ao facto de nos parecer mais

correcto, à semelhança do que faz o actual n.º 2 do artigo 120.º e do que faz a proposta do novo n.º 3

apresentada pelo Partido Socialista, matéria como esta ser sempre remetida para lei própria. E por isso

parece-nos mais correcta a formulação que remete expressamente para lei própria, como acontece com o

actual n.º 2 e com a proposta do Partido Socialista, o que não acontece na proposta do Partido Comunista

Português.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Deputado, faço-lhe esta pergunta porque a proposta do Partido

Socialista também inclui a publicidade na medida em que se refere à obrigatoriedade de tornar público.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É verdade, Sr. Deputado, mas eu não questionei o conteúdo da

proposta mas, sim, a forma como o preceito constitucional está formulado. Parece-nos mais correcto que se

remeta isto, em qualquer circunstância, para lei ordinária.

O Sr. António Filipe (PCP): Incluindo ou excluindo a questão da publicidade, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Incluindo tudo! Incluindo o regime dos deveres que aqui estão em

causa!

O actual n.º 2 remete, genericamente, para a lei a disposição sobre deveres, responsabilidades e

incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos. O Partido Socialista e o Partido Comunista Português

propõem uma precisão ao texto constitucional no sentido de se dizer que dentro desses deveres há uma

obrigação que estará sempre presente, que, como diz o Sr. Presidente, deixa de ser uma faculdade do

legislador ordinário e passa a ser uma imposição constitucional, que é a que tem a ver com o património. Mas,

independentemente de ainda não termos uma posição definitiva sobre se isto é ou não necessário

constitucionalizar, parece-nos que, matéria com esta delicadeza, deve ser sempre remetida para a lei

ordinária, como faz já o actual n.º 2 do artigo 120.º.

E, portanto, neste sentido, a formulação proposta pelo PCP, independentemente do seu conteúdo, não nos

parece adequada.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a norma que adiantamos subtrai à regra da maioria a livre

disponibilidade da existência do quadro legal, mas não exclui a iniciativa e a actuação do legislador ordinário.

Parece-nos ser, neste sentido, uma norma equilibrada, que dá projecção constitucional àquilo que foi um

desiderato proclamado pela generalidade dos partidos com assento na Assembleia da República.

Portanto, aguardaremos serenamente que o PSD se decida nesta matéria, e que se decida bem, uma vez

que não vale a pena transpor para o terreno constitucional uma guerrilha que o PSD teve no seu seio, num

determinado momento, entre, digamos, os opositores a uma regra de transparência, decentemente assumida,

e aqueles que levaram a cabo a reforma parlamentar na última sessão legislativa da última Legislatura.

Suponho que isto está ultrapassado, pois é cada vez mais um fantasma no túnel e na distância do tempo, e

não vale a pena transpor fumos desse conflito pretérito para uma coisa que é uma norma curta, económica e

que dá dignidade constitucional àquilo que não passa pela cabeça de ninguém expurgar da ordem jurídica,

embora passe pela cabeça de toda a gente aperfeiçoar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, depois desta intervenção do Sr. Deputado José

Magalhães, quero tão-somente dizer que ouvi atentamente a intervenção do Sr. Deputado e verifiquei que a

resposta não foi dada, e, por conseguinte, fiquei sem saber se, de facto, esta proposta integra ou não aquilo

que já está disposto no actual n.º 2.

O Sr. Presidente: Creio que essa questão já está ultrapassada, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): Nessa matéria, o problema é de percepção; isto é, já foi dito e redito que

se transforma aquilo que é uma faculdade num comando.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, consideram necessário continuarmos nesta discussão?

O Sr. José Magalhães (PS): Agora, o significado desta distinção jurídica está ao alcance de todos nós.

O Sr. António Filipe (PCP): Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, as posições estão definidas, não creio que haja vantagem em

repisar.

De qualquer modo, tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, quero apenas fazer um apelo aos Srs. Deputados José

Magalhães e Luís Marques Guedes, porque me pareceu que a posição do Sr. Deputado Luís Marques Guedes

poderia indiciar um regresso à velha questão da publicidade das declarações de rendimentos que se

verificou…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes apenas disse que o PSD

reservava posição quanto a esta matéria.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, regressar à posição de que deve ser a lei ordinária a

resolver quando e em que termos é que são processadas as declarações de rendimentos poder-nos-á fazer

voltar à estaca zero, na medida em que, até há poucos anos, o problema não era a inexistência de

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declarações de rendimentos, porque elas existiam, mas, sim, o facto de estarem em mero depósito,

inacessível à consulta.

Ora, se o PSD regressar a uma posição que possa conduzir a um retorno a uma situação como esta, creio

que é reeditar uma velha polémica um tanto ingloriamente. Portanto, apelo à reflexão por parte dos Deputados

do PSD para esta situação.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, o PSD reservou a sua posição, não aderiu a ela mas também não a

obstaculizou para já liminarmente, e, por isso, manifesto a esperança de que o PSD venha a aderir a esta

proposta. Creio que seria tranquilizador para a opinião pública saber que o PSD, se voltasse a ser maioria, não

estaria em condições de pôr em causa a lei que está aqui em questão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Essa é boa!

O Sr. José Magalhães (PS): Claro que não aderir também tem vantagens para impedir que volte a ser

maioria, mas, enfim, essa é outra questão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Isso é um fantasma político. A prova é de que quando foram

abertos os registos estavam cheios de curiosidade, durante 48 horas!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, quando as candidaturas de independentes existirem verá que

existirão uma ou duas da primeira vez, na primeira eleição, e nenhuma na segunda. Como está a ver, o peso

não é tanto.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Dado que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa não pôde fazer raids

para além dos Passos Perdidos, ao contrário do Dr. Nogueira que podia fazer raids ao Plenário, com ideias

novas o problema não se coloca.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos passar à proposta de aditamento de um novo n.º 2, dos

Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, sobre a responsabilidade civil dos titulares de cargos políticos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, esta proposta resulta daquela que foi apresentada para o

artigo 22.º, a qual foi parcialmente derrotada, só parcialmente, dado que houve alguma coisa adquirida. Mas,

curiosamente, até por ter sido parcialmente derrotada, esta passa a fazer mais sentido do que fazia

anteriormente, isto é, não perde actualidade pela circunstância de se manter intacto o princípio da

solidariedade que actualmente está consagrado no artigo 22.º, pela simples razão de que o n.º 1 do artigo

120.º dispõe sobre a responsabilidade civil dos titulares de cargos políticos, uma vez que também a abrange,

e, não fazendo qualquer menção à sua forma solidária, permite — embora admita que um pouco forçadamente

— a interpretação de que o regime da responsabilidade civil dos titulares de cargos políticos é especial quanto

ao regime geral estabelecido no artigo 22.º e que em relação a ele não se aplica a regra da solidariedade.

Como eu disse aquando da discussão do artigo 22.º, entendo que a regra da solidariedade deve existir,

mas não deve ser tão extensa que sirva de condicionamento à acção dos titulares de cargos de órgãos

políticos, sobretudo nos tempos actuais, em que, designadamente para aqueles que exercem cargos

executivos, há uma objectiva dificuldade em controlar todos os actos que dependem objectivamente da sua

esfera de poder. Daí, tal como existe, actualmente, na lei ordinária, em relação às autarquias locais, um

regime de responsabilidade solidária restrito aos casos em que a actuação é dolosa, pareceu-me útil que esta

regra fosse estabelecida no texto constitucional para clarificar não só o que resulta confuso da conjugação do

artigo 22.º com o actual artigo 120.º mas também aquilo que resulta confuso pelo menos na mente de alguns

intérpretes, que é o facto de o regime de responsabilidade solidária só se aplicar às autarquias locais e não

aos titulares de outros cargos políticos, designadamente aos membros do Governo, que de certa forma

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parecem estar privilegiados nesta matéria em relação aos das autarquias locais, talvez também pela

circunstância de menos frequentemente serem movidas contra eles quaisquer acções de responsabilidade,

como acontece com mais frequência com os das autarquias locais.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à consideração a proposta, cujo sentido acaba de ser

explicitado.

A proposta tem dois pontos: por um lado, explicita aquilo que, a meu ver, já era obrigatório, isto é, que o

princípio da solidariedade do artigo 22.º se aplicava também aos titulares de cargos políticos, e, por outro,

restringe esse princípio, já que estabelece que essa responsabilidade solidária só tem lugar no caso de actos

dolosos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, quero introduzir mais um dado que não foi referido

pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

No artigo 22.º, quando discutimos a questão do inciso da solidariedade, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro

apresentou uma proposta que, para além de operar um desdobramento, a qual nos pareceu tecnicamente de

ponderar, como na altura dissemos, também tinha o afastamento da solidariedade do artigo 22.º.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Como princípio geral!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente.

Na altura da discussão — penso até, se a memória não me falha, que foi o Sr. Presidente que colocou a

questão —, ficou acertado que o eventual afastamento da menção à solidariedade no artigo 22.º tinha de ser

equacionado em conjunto com os artigos 120.º e 271.º, uma vez que são as outras duas sedes (uma, para os

cargos políticos e, a outra, para os titulares de órgãos funcionários e agentes da administração) aonde se

coloca o problema da responsabilidade, sendo certo que no artigo 271.º só se fala em direito de regresso e

não em responsabilidade solidária.

Portanto, do meu ponto de vista, a questão tem de ser vista em conjunto. E a primeira dúvida que se me

coloca quanto a essa matéria, é saber se faz sentido colocarmos a expressão «solidariedade» apenas para os

titulares de cargos políticos sem a colocar no artigo 271.º, ou se a intenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro

é a de se vir a colocar, tanto no artigo 120.º como no artigo 271.º, o problema da solidariedade, porque, se

assim é, então, não vejo grande vantagem na referência genérica apenas no artigo 22.º, poupando, entre

aspas obviamente, a necessidade da alteração da redacção no artigos 120.º e 271.º.

Quanto à outra questão, à da restrição para as situações de prática dolosa, de acções ou omissões ilícitas,

ela é diferente, é uma questão nova que não decorre do actual texto constitucional em termos do artigo 22.º.

Ora, relativamente a este ponto, como o Sr. Deputado sabe, foi recentemente aprovado na Assembleia da

República um diploma relativo à tutela administrativa sobre as autarquias e, salvo erro, o artigo que acabou

por ser estabelecido, em termos dos ilícitos, não apontava apenas para situações de dolo.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): O regime da responsabilidade, salvo erro, não é tratado nesse tipo

diploma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É, é!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Só são tratadas nesse diploma as consequências que advêm para o

mandato da eventual condenação…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É evidente! Mas o que é isso senão a responsabilidade dos

titulares dos órgãos?

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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Mas aqui é responsabilidade política…

O Sr. Presidente: Só estamos a falar de responsabilidade civil.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, de qualquer forma, se permite, esclareço a dúvida do Sr.

Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, lendo as três

propostas em conjunto, de acordo com o projecto que subscrevo, o resultado seria este: a solidariedade é

afastada como princípio geral e só é estabelecida no regime especial da responsabilidade de titulares de

cargos políticos com esta restrição, em tudo o mais se manteria aquilo que hoje se dispõe no artigo 271.º, que,

de certa forma, já afasta o princípio da solidariedade estabelecido no artigo 22.º de forma mais clara do que

acontece no 120.º, onde se poderia levantar a dúvida, embora não me pareça ser esse o sentido da norma,

como, aliás, sublinhou o Sr. Presidente. Mas, o artigo 271.º, aparentemente, afasta o princípio da

solidariedade, porque ao falar no direito de regresso não está manifestamente a falar em situações de

responsabilidade solidária. Logo, quanto a este, julgo que é de se manter o regime actual.

Na altura, salvo erro, tive oportunidade de explicar que entendia que a solidariedade na responsabilidade

do Estado e das demais entidades públicas tem servido fundamentalmente como um condicionamento da

actuação dos titulares dos órgãos e dos cargos políticos em geral; isto é, funciona como uma espécie de

espada sobre a cabeça desses titulares, na medida em que, sendo hoje possível, designadamente a título de

mera culpa, de negligência ou por omissão, gerar responsabilidade — e, hoje, é tão fácil que isto aconteça —,

de alguma maneira se inibe a actuação dos titulares dos órgãos, nomeadamente os titulares de cargos

políticos, em virtude da ameaça de uma responsabilidade solidária em qualquer circunstância, já que essa

responsabilidade solidária, sendo responsabilidade civil, tem normalmente como função a sanção política,

porque diz respeito aos titulares de cargos políticos contra os quais se ameaça a propositura de uma acção de

responsabilidade com o único e exclusivo fundamento de condicionar a sua actuação, designadamente, em

campanha eleitoral ou em qualquer outra circunstância.

Em relação às autarquias locais, tem sido frequente verificar-se que uma das formas de condicionar a

liberdade de candidatura de alguns actuais autarcas é propor acções de responsabilidade solidária, as quais

não têm desfecho prévio às eleições, embora nessa acção o desfecho possa ser favorável ao réu, seja ele um

presidente de câmara ou um vereador, mas, como a acção está pendente e sobre ele pesa a suspeita de ter

cometido uma grave ilegalidade durante o processo ou a campanha eleitoral, frequentemente isso conduz a

que ele não se candidate pura e simplesmente ou que perca as eleições. E como, por norma, é muito difícil de

obter uma condenação, infelizmente, por partes dos nossos tribunais administrativos, ou, pelo menos, isso

leva muitos anos, são raros aqueles que, se sentindo lesados, recorrem a esta acção como um meio de se

ressarcirem verdadeiramente, recorrerem a ela frequentemente como meio de pressionar a administração

pública, pelos efeitos políticos que a acção pode ter, para obter um qualquer outro resultado que não

propriamente o do ressarcimento do dano.

Então, o que eu digo é, sim senhor, a responsabilidade solidária deve existir, porque apesar de tudo é

preciso condicionar a acção dos titulares de cargos políticos em certa medida, mas ela só deve existir nos

casos em que possa ser imputada ao titular do cargo político a título doloso, para evitar que, a qualquer

pretexto, se possa propor uma acção de responsabilidade, que terá consequência muito para além do próprio

âmbito do processo em questão.

É por esta razão que, a meu ver, essa restrição é importante, é isto que vigora na lei das autarquias locais

para os titulares dos órgãos autárquicos, com a dúvida sobre a constitucionalidade do preceito, tendo em

conta a redacção do artigo 22.º — conheço sentenças dos tribunais administrativos que afastam a aplicação

do artigo 100.º, salvo erro, das autarquias locais em virtude da sua inconstitucionalidade, dado que os regime

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do artigo 22.º é mais abrangente, porque exige a solidariedade, sempre e em qualquer circunstância e não

apenas nos casos em que a acção é dolosa.

Portanto, julgo que seria importante que isto ficasse expresso na Constituição e que ficasse expresso no

artigo 120.º, até para que se perceba, quanto mais não seja do ponto de vista político, que isto não é dirigido

apenas a autarcas mas a todos os titulares de cargos políticos, inclusive aos membros do Governo, deste ou

de outro, como é evidente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, permite-me que faça uma pergunta?

O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Deputado Cláudio Monteiro, aparentemente, face à explicação

que deu e tendo em conta que o n.º 1 se refere à responsabilidade política, civil e criminal pelas acções, talvez

faça mais sentido a especificação no n.º 2 ser ao contrário, que é a de chamar a solidariedade do Estado no

caso em que haja responsabilidade dolosa.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Deputado, isso será assim desde que faça vencimento a minha

proposta para o artigo 22.º, segundo a qual é eliminado o princípio geral da solidariedade,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Exactamente!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): … porque, se ele se mantiver, eu aqui tenho de considerar uma

excepção nos termos em que ele está consagrado. Isto é, tudo depende do que diz o artigo 22.º: se

estabelece como princípio geral a solidariedade, tenho de afastar a solidariedade; se estabelece como

princípio geral a responsabilidade não solidária —…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Só a responsabilidade do Estado!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): … não é responsabilidade exclusiva, porque ela existe em qualquer

caso…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Com certeza. Mas isso decorre do n.º 1.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Está bem, mas a redacção pode ser alterada, não é esse o problema. A

questão é que o n.º 1 refere, como sabe, a responsabilidade, para além da civil, disciplinar e criminal, e esta

não é solidária em qualquer circunstância, porque não se estende a terceiros. E o que o n.º 2 faz é especificar

o regime da responsabilidade civil, e é só por esta razão que há um desdobramento, porque não se pode tratar

esta matéria no n.º 1 dado que ele também trata da responsabilidade criminal e disciplinar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Exactamente!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, deixamos a questão da formulação e assentemos a do regime.

É ou não boa doutrina a ideia de que os titulares de cargos políticos só devem ser chamados a responder a

título solidário com o Estado no caso de acções ou omissões dolosas? É sobre este ponto que eu gostaria de

ouvir a posição de todos os partidos, visto ainda não terem tomado qualquer posição.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, em bom rigor, fomos tomando posição, designadamente

quando discutimos a matéria no artigo 22.º. Mas a verdade é que estamos ainda a ponderar uma posição

definitiva, porque aclarar, nos termos em o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe, este regime, uma matéria

em que temos a necessidade de, por um lado, não reduzir garantias dos cidadãos, por outro, de não

estabelecer mecanismos discriminatórios das várias categorias de titulares de cargos políticos — e neste

sentido a proposta é meritória, porque visa estabelecer um regime igual para todos — e, simultaneamente, de

não guarnecer a frente da responsabilidade por actos lícitos e ilícitos não dolosos, é preciso lograr um

equilíbrio bastante delicado para que o processo de revisão não seja a algum título acusado de visar criar

situações de privilégio ou de desresponsabilização parcelar de titulares de cargos políticos. É, portanto, uma

matéria extremamente sensível e ponderaremos tudo, os artigos 22.º, 120.º e 271.º.

Estamos dispostos a colaborar nesse esforço de triagem, mas não estamos em condições de um veredicto

definitivo neste momento.

O Sr. Presidente: Está assumida a posição do PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, face às explicações do Sr. Deputado Cláudio

Monteiro sobre o alcance integrado — passo a expressão — das suas propostas relativamente a esta matéria,

sintetizo a posição do PSD.

Parece-nos adequado retirar do princípio geral, no artigo 22.º, a referência à forma solidária da

responsabilidade exactamente pelas razões que foram enunciadas e pelas explicações dadas pelo Sr.

Deputado Cláudio Monteiro. De facto, parece-nos que, hoje em dia, da formulação do artigo 22.º pode retirar-

se interpretações estranhas, no mínimo, para não dizer perversas em alguns casos. É evidente que a retirada

desse princípio do artigo 22.º pressupõe, necessariamente, que aqui, no artigo 120.º, se venha a dispor sobre

esta matéria. E, neste sentido, para já, embora gostássemos de reflectir sobre o assunto, manifesto alguma

receptividade da parte do PSD ao alcance da norma conforme o proponente a explicitou agora.

Ou seja, ao se retirar do artigo 22.º esse princípio, por, de facto, em termos genéricos, ele poder dar

resultados menos adequados, é evidente que teremos de inserir aqui, no artigo 120.º, um novo número relativo

à responsabilidade dos titulares de cargos políticos. E, aparentemente, o que faz mais sentido de facto — mas

é a tal reflexão que gostaríamos de fazer — é restringir isto à situação de a responsabilidade solidária dos

titulares de cargos políticos ocorrer quando existe a prática dolosa, quando existe dolo da parte desses

mesmos titulares, uma vez que o princípio geral da responsabilidade já consta no n.º 1 do artigo 120.º.

Portanto, em qualquer circunstância, que isto fique perfeitamente claro, os titulares de cargos políticos

terão sempre de responder política, civil e criminalmente pelos seus actos e omissões, pelas suas acções e

omissões, enfim, de acordo com a formulação que acabar por ficar.

Para além disto, o PSD, nesta fase, manifesta desde já a sua receptividade, embora gostasse de ponderar

melhor, a uma formulação, que, no seu entender, é a mais adequada, no sentido de retirar o princípio geral no

artigo 22.º, porque de facto pode levar a interpretações perversas, e transpor para aqui, para o artigo 120.º,

além da responsabilidade geral, em termos políticos, civil e criminal, a responsabilidade solidária, porque

também existe, com o Estado e as entidades públicas nos casos em que os titulares ajam com dolo.

Em suma, o princípio, em si, parece-nos adequado, mas é evidente que só faz sentido, eu diria, com a sua

retirada do artigo 22.º. De qualquer modo, nesta primeira leitura, encaramos com receptividade esta proposta,

embora gostássemos de reflectir melhor sobre ela. Logo, a nossa posição é de abertura, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, apenas quero dizer que ainda não temos uma reflexão

fechada sobre esta matéria, e, portanto, tendo em conta os vários argumentos que já foram aduzidos, também

gostaríamos de reflectir sobre os mesmos.

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O Sr. Presidente: Srs. Deputados, voltaremos a esta questão a propósito do artigo 271.º e, nessa

altura, ao fecharmos o arco, talvez seja de tomar posição definitiva sobre cada um dos temas, ou seja sobre a

responsabilidade de princípio e geral do Estado — de acordo com as propostas dos Deputados do PS Cláudio

Monteiro e outros, que se articulam todas —, a responsabilidade dos titulares de cargos políticos, solidária em

caso de actos ou omissões dolosas e o direito de regresso do Estado contra os funcionários públicos e

agentes.

Portanto, fica registada a reserva de posição do PS e do PCP, com a inerente abertura a considerar a

proposta, e a receptividade do PSD, também sob reserva de formulação global das questões.

Srs. Deputados, vamos agora passar ao artigo 121.º, com a epígrafe é «Princípio da renovação», para o

qual foi apresentada uma proposta de alteração pelo PSD.

A proposta do PSD tem a seguinte redacção: «Os cargos políticos e os altos cargos públicos de âmbito

nacional, regional e local são exercidos pelo tempo que a Constituição e a lei determinarem.».

Já agora, ponho também em discussão a proposta do ex-Deputado Jorge Miranda, que é, aliás, mais

ampla e que é do seguinte teor: «Ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político ou de

designação de órgãos políticos, estabelecendo a Constituição ou a lei a duração dos mandatos e limites à sua

renovação sucessiva.».

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, para já, vou apenas explicitar a proposta do PSD.

É conhecida a polémica política que se trava em torno desta matéria nos últimos anos. A proposta que o

PSD faz, e que, depois, tem tradução em alguns outros aspectos da Constituição, nomeadamente a nível das

situações mais conhecidas e mais discutidas (não vale a pena estar com palavrinhas mansas), como sejam os

relativos ao Provedor de Justiça, ao Procurador-Geral da República, ao Tribunal de Contas, pois isto surge

articulado com…

O Sr. Presidente: Provedor de Justiça?! Esse não, Sr. Deputado, porque o Provedor de Justiça tem

tempo marcado, tem uma duração definida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, aquando do artigo relativo ao Provedor de Justiça

e a propósito de uma proposta neste sentido, já tínhamos aqui falado nisto, e foi por isso que eu agora o citei.

O Sr. Presidente: Não, Sr. Deputado, o que foi proposto foi o aumento da duração e a proibição da

renovação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente, Sr. Presidente, tinha a ver com a questão da

renovação.

O Sr. Presidente: Sim, mas a vossa proposta nada fala…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não, Sr. Presidente. O que eu estava a citar eram os casos que

têm suscitado polémica em torno do problema da renovação nos últimos anos, e citei três: o Tribunal de

Contas, o Provedor de Justiça e o Procurador-Geral da República.

Já tivemos, aqui, a propósito da discussão do artigo 23.º, alguma troca de impressões sobre a questão do

Provedor de Justiça, e colocar-se-á, mais à frente, o problema do Procurador-Geral da República.

Portanto, com toda a clareza, não há que escamotear as questões, a proposta do PSD vai no sentido de

deixar claro, em termos constitucionais, que a lei está perfeitamente habilitada, mais do que isso, fica com a

obrigação de determinar um tempo finito para o exercício dos mandatos que têm a ver com o exercício de

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cargos políticos e de altos cargos públicos. É no sentido de obrigar a uma delimitação temporal a formular pela

própria lei que o PSD propõe a alteração da redacção do artigo 121.º.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, por que razão não é

alterada a epígrafe do artigo, dado que o princípio em si mesmo é esvaziado, porque, ao remeter para a lei,

permite inclusive que a lei estabeleça que o cargo é exercido a título vitalício.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não!

O Sr. José Magalhães (PS): — É, é! O preceito está muito mal redigido, Sr. Deputado Luís Marques

Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Deputado José Magalhães, escusa de secundar, de fazer

claque, porque isto não vai com claques, nem com pateadas, nem o Sr. Presidente o permitiria.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): Por uma pateada! Que coisa imprópria!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Deputado, o que eu disse é que isto não vai com claques nem

com pateadas! Não é assim que isto lá vai!

Sr. Deputado Cláudio Monteiro, é evidente que não, porque o contrário de vitalício é temporalidade, e o que

a nossa proposta faz claramente é estabelecer que os cargos políticos «são exercidos pelo tempo que a

Constituição e a lei determinarem». Haverá casos em que o problema do título vitalício…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Pelo tempo que durar o titular!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): … é substituído pela obrigação de a lei, na ausência de uma

disposição constitucional expressa, ter de determinar esse tempo, e a renovação é exactamente uma

consequência da lógica da imposição de um termo certo para o exercício dos mandatos.

De facto, e nisto o Sr. Deputado tem razão, não falamos aqui se a lei permitirá ou não o exercício sucessivo

de mais de um mandato, mas o actual texto também não o faz. O actual texto constitucional, recordo-lhe este

pormenor, também não dirime essa questão; independentemente de não permitir o título vitalício, de apontar

sempre para alguma temporalidade, embora, depois, isto tenha sido discutível, como sabemos, em casos

concretos, também não toca no aspecto da possibilidade de exercício sucessivo de mais do que um mandato.

E, de facto, a proposta do PSD também não «entra» por aí, a proposta do PSD, neste aspecto, não altera

nada relativamente ao actual texto constitucional. Aonde a proposta do PSD inova é exactamente ao remeter

para competência do legislador ordinário a determinação do tempo de exercício de mandatos, nos casos em

que não seja a própria Constituição a fazê-lo.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, já agora, para clarificar o alcance da proposta,

diga-me o que entende por altos cargos públicos. Por que não se aplica a todos os cargos públicos?

O Sr. José Magalhães (PS): Por causa do carácter vitalício dos «baixos», Sr. Presidente!

Risos.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, com toda a clareza, acabei de citar três situações

típicas, que, do nosso ponto de vista, são caracterizáveis como altos cargos públicos e não como cargos

políticos propriamente ditos.

Não temos um entendimento estrito, ou pelo menos aceitamos claramente um entendimento diferente, de

que situações como as que há pouco descrevi não são propriamente cargos políticos, são altos cargos

públicos, e isto são-no indiscutivelmente. E é com o alcance exacto, como explicitei com toda a frontalidade na

minha intervenção, de prever situações como essas que se insere a nossa proposta.

Sr. Presidente, a definição de altos cargos públicos, como sabe, actualmente já tem uma densificação em

termos da legislação ordinária. Existe legislação, nomeadamente a da transparência, a das incompatibilidades,

onde é utilizada essa terminologia e com uma elencagem taxativa daquilo que se entende por altos cargos

públicos.

E, portanto, utilizamos esta terminologia…

O Sr. Presidente: Mas o problema não é esse, Sr. Deputado. Independentemente de haver ou não um

conceito de altos cargos públicos, o que pergunto é por que razão é que o princípio da duração limitada se

aplica só aos altos cargos públicos e não a todos os cargos públicos. Isto é, se este princípio republicano não

deve ser geral, para aos altos e baixos cargos públicos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O Sr. Presidente refere-se aos cargos dirigentes normais?

O Sr. Presidente: Por que é que o director de uma escola secundária há-de ser nomeado a título

vitalício?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não, Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente: É um alto cargo público? Não é!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, posta a questão nesses termos, o PSD não se

afasta desse entendimento.

A razão de ser da nossa proposta é a que expressei, porque é relativamente a esses altos cargos públicos

e, em concreto, àqueles que mencionei que o problema se tem colocado. Mas, obviamente, em resposta à sua

questão, estamos completamente de acordo. De resto, já assim é, como sabe, a legislação sobre os cargos

dirigentes na Administração, a qual prevê sempre a determinação de um mandato com um termo

perfeitamente certo. Portanto, quanto a isto, o problema não se coloca.

O Sr. Presidente tem razão, constitucionalmente não deve haver diferença absolutamente nenhuma. E,

nesse sentido, obviamente, concordamos.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estão em discussão as propostas do PSD, que prevê apenas a

duração limitada do mandato, e a do Professor Jorge Miranda, que acrescenta a ideia da renovação, proposta

esta que lanço pessoalmente para debate.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, já se viu, abundantemente, que a proposta do PSD é em

grande parte uma proposta mental. Ou seja, aquilo que o texto exprime não é aquilo que os proponentes

desejam, e aquilo que os proponentes desejam é, numa parte, razoavelmente indesejável e, na outra parte,

distorce a proclamação constitucional da proibição de exercício a título vitalício de cargos políticos, nos níveis

que estão referidos no artigo 121.º.

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A formulação não é, de facto, brilhante e, como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro demonstrou, arriscava-se,

a ser tomada à letra, a acarretar exactamente o princípio contrário, ou seja, a derribar o limite constitucional,

permitindo que o legislador ordinário estabelecesse cargos vitalícios. Pura e simplesmente, é isto que a

proposta faria numa determinada leitura, que seria, todavia, verdadeiramente violenta, mas a culpa é dos

proponentes, naturalmente.

Descontado isto, a proposta tem vários inconvenientes. O primeiro, o qual, suponho, o Sr. Presidente não

aplaudiu, é precisamente o de a mistura no mesmo preceito da regulamentação do regime de cargos políticos

e do regime de cargos públicos não ser benfazeja, nem correcta.

A narrativa constitucional é razoavelmente harmoniosa: equaciona-se, no artigo 119.º, o regime dos órgãos

colegiais; no artigo 120.º, o estatuto dos titulares de cargos políticos; no artigo 121.º, pormenoriza-se um

aspecto do estatuto dos titulares de cargos políticos.

Não faz grande sentido, a não ser por alguma tese para o «contrabando» e por uma tentativa para descair,

que o PSD sempre transportou ao longo do pretérito ciclo político, regular aqui, no artigo 121.º, aquilo que a

Constituição regula no artigo 50.º, na parte em que proclama que «Todos os cidadãos têm o direito de acesso,

em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.», no n.º 2 do artigo 47.º, na parte em que

estabelece que «Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e

liberdade, em regra por via de concurso.», e em outras disposições. Francamente, não favorecemos, nem

favoreceremos, essa mistura. Isto quanto aos altos, médios e baixos cargos públicos, ou seja, quanto a todos

os cargos públicos.

Portanto, quanto a essa primeira contaminação, francamente, não.

No que toca à carga política que o PSD quer transpor para aqui, também, francamente, não. Demos o que

tínhamos a dar para esse «peditório», quando se discutiu a questão da presidência do Tribunal de Contas e da

Procuradoria-Geral da República, não transportaremos para o terreno da revisão constitucional essas guerras,

nem nos parece que valha a pena fazê-lo. Esses regimes têm uma origem constitucional conhecida, têm tido

uma prática igualmente conhecida, que, pela nossa parte, não gerou qualquer conflito, nem vai gerar.

Outra coisa totalmente diferente, que não tem solução constitucional provavelmente, nem é desejável que o

tenha, é aquilo que no debate de outros sistemas políticos, designadamente no sistema político norte-

americano, vem dando origem a grande polémica, que é a questão dos term limits, da limitação dos mandatos

e da cessação forçada de funções findo um determinado período de mandato. É uma solução que pode ter

consequências de renovação, sem dúvida, mas também pode ter consequências de interrupção de

participação política, que, no nosso sistema, provavelmente, não estaríamos preparados para aceitar,

designadamente quanto a membros do Governo e a Deputados.

Em relação a autarcas, bem sei que houve um momento na vida histórica do então partido da maioria em

que isso foi encarado como uma solução para certos problemas internos, suponho que isso também estará

ultrapassado, pois os autarcas reforçaram-se muito no último congresso e deixámos de ouvir quaisquer brados

nessa matéria. E, portanto, creio que a situação por aí também se resolveu ou está em curso a sua resolução.

Não sei se está ou se não está resolvida, o que sei, de certeza, é que muitas das guerras que levaram a que

este preceito aparecesse no projecto de revisão constitucional do PSD já se extinguiram ou estão em processo

de extinção, pelo que não vale a pena «chorar as dores da perna perdida e amputada, ou da perna que está

saudável», consoante as visões.

Em suma, Sr. Presidente, não vemos grande razão para subscrever, a qualquer título, a proposta do PSD

e, mais ainda, as suas raízes políticas.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, não estamos a discutir raízes políticas mas, sim,

projectos de revisão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Bem observado, Sr. Presidente.

O Sr. José Magalhães (PS): É bem verdade. Mas, às vezes, tal como as cáries, têm juntas as raízes.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, relativamente à proposta do Professor Jorge Miranda, creio

que ela tem um lapso de redacção, na medida em que se refere a «qualquer cargo político ou de designação

de órgãos políticos»…

O Sr. Presidente: Ou cargos de designação de órgãos políticos.

O Sr. António Filipe (PCP): Mas, Sr. Presidente, teremos oportunidade de esclarecer com ele, daqui a

pouco, o exacto alcance desta disposição e de saber se não haverá um lapso qualquer de redacção nesta

proposta.

Relativamente à proposta do PSD, creio que há aqui vários problemas, desde logo o de se referir a altos

cargos públicos. Esta tem sido uma definição cujos limites têm causado graves perturbações em vários

processos legislativos; e creio que não há uma densificação, nesta matéria, que seja unívoca. Tem-se

utilizado, em diversos diplomas legislativos, a fórmula «para os efeitos da presente lei, entende-se por» —…

O Sr. José Magalhães (PS): Com várias acepções, em função das leis.

O Sr. António Filipe (PCP): … exactamente! —, o que faz com que não haja de facto uma definição

clara, havendo situações limites e situações em que se discute mesmo, perante um determinado diploma, se

são ou não altos cargos públicos, e estou a lembrar-me de uma situação um pouco difícil de qualificar, que é,

por exemplo, a dos presidentes dos conselhos de administração de sociedades anónimas de capitais públicos.

Enfim, poderia dar outros exemplos de situações de qualificação duvidosa sobre as quais tem havido

discordância pública nos últimos anos; mas creio que é difícil estabelecer com alguma segurança esta

precisão.

Por outro lado, não sei se deveríamos adoptar a «latitude» máxima de considerar que a proibição do

exercício a título vitalício de qualquer cargo poderia ser extensível a todos os cargos públicos. Imagino que

possam haver cargos públicos de exercício vitalício sem que daí venha muito mal ao mundo e poder não haver

grande justificação para que…

O Sr. Presidente: Como por exemplo, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): Por exemplo, a nível da magistratura…

O Sr. Presidente: Claro! É óbvio!

O Sr. António Filipe (PCP): … poderá falar-se em cargos que são exercidos a título vitalício…

O Sr. Presidente: São-no, obviamente!

O Sr. José Magalhães (PS): São mesmo inamovíveis.

O Sr. António Filipe (PCP): … e não creio que haja vantagem em proibir constitucionalmente tal

possibilidade.

Por outro lado, quanto à obrigatoriedade de determinação de um período de mandato — é para isto que

aponta a proposta do PSD —, embora esta possa ser a regra, não creio que nos estejamos a dar mal com

outras experiências, e estou a referir-me concretamente ao caso do Procurador-Geral da República.

Aliás, a origem desta proposta do PSD tem um pouco a ver…,

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não tem um pouco, tem mesmo a ver! Não só… mas também…!

O Sr. António Filipe (PCP): … aliás, corrijo, tem mesmo a ver com a contestação do PSD ao facto de o

Procurador-Geral da República não ter um mandato concretamente definido, embora ele possa ser nomeado e

exonerado, sob proposta do Governo, pelo Presidente da República a todo o tempo. E, portanto, como isto

não entra em conflito com o princípio constitucionalmente estabelecido, que apenas proíbe que alguém seja

designado para toda a vida, a título vitalício, para o exercício de um cargo, não vislumbramos a necessidade

de se proceder a esta alteração, como o PSD propõe.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, eu estou inscrito, mas, se quiser, dou-lhe a palavra antes de mim.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Se me permite, eu gostaria de intervir antes, Sr. Presidente.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, para concluir, devo dizer que também não vemos com

grande simpatia o estabelecimento de limites à recandidatura ou à reeleição, para além da excepção que está

constitucionalmente estabelecida para o Presidente da República.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, só quero fazer dois comentários relativamente

àquilo que foi dito pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista Português.

No que respeita àquilo que o Partido Socialista disse, deixemo-nos de rodeios e diga-se claramente que o

problema existe, está colocado, e a atitude que o Partido Socialista aqui expressa, nesta primeira ronda de

posições políticas, é a de que pretende manter a situação perfeitamente indefinida e o impasse real em que a

legislação actual pode colocar.

O Sr. José Magalhães (PS): Qual impasse real?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sem perder muito tempo, o actual…

O Sr. José Magalhães (PS): Agora, que não há um Primeiro-Ministro interessado em dar «empurrões»

ao Presidente do Tribunal de Contas?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sem perder muito tempo, o actual texto constitucional não

estabelece a obrigatoriedade da fixação de um mandato temporal, de um termo certo ao mandato. Ora, o que

a nossa história constitucional demonstrou — não vale a pena tentar fulanizar as questões, o que interessa é

olhar a experiência política existente, pois, a meu ver, todos nós devemos tirar aconselhamentos dela — é que

em determinado tipo de circunstâncias conjunturais, em termos políticos, podem criar-se situações em que, na

prática, por falta de sintonia entre o Governo e o Presidente da República, certo tipo de cargos podem acabar

por se tornar quase permanentes, exactamente porque desse facto, não existindo a tal sintonia para um

entendimento face às competências que são repartidas por um e outro órgão de soberania quanto à escolha e

nomeação de determinados cargos, acaba por resultar uma situação claramente perversa. Isto é um dado

adquirido, já aconteceu na nossa democracia, e a atitude do Partido Socialista é a de «enterrar a cabeça na

areia», qual avestruz, e fingir que o problema não existe!

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Posto isto, também acrescento algo àquilo que foi dito…

O Sr. José Magalhães (PS): Mas o problema está aqui, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): … pelo Sr. Deputado António Filipe e que tem a ver com o

seguinte: para nós, é evidente que só haverá ganho — tal como respondi à questão colocada pelo Sr.

Presidente — em deixar claro que isto não é uma prerrogativa explícita de determinados cargos públicos mas,

sim, um princípio genérico que deve ocorrer em todas as situações. Haverá, de facto, algumas excepções,

como aquelas que também aqui foram referidas.

No entanto, para não permitir a argumentação claramente sectária, parcial, mas eventualmente esgrimível,

de que a nossa proposta retira algum conteúdo ao actual texto constitucional, não tenho qualquer pejo —

respondendo também ao desafio que foi colocado pelo Sr. Presidente quanto à discussão deste artigo — em

recolher no essencial a proposta formulada pelo Professor Jorge Miranda, apenas com uma nota, excluindo a

parte final, quando se refere aos limites. Isto porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão da renovação

não tem a ver necessariamente com a questão da possibilidade de preenchimento de mandatos sucessivos

mas, sim, com a necessidade de esses mandatos serem renovados, por forma a não se prolongarem no

tempo indefinidamente, sem um termo certo. O problema da renovação não tem a ver exclusivamente com as

pessoas mas, sim, com a necessidade de os mandatos terem de ser renovados no tempo! Mas podem, ou

não, ser renovados com as mesmas pessoas!

Neste sentido, o PSD não acompanha a proposta do Professor Jorge Miranda nos termos em que ela é

formulada, genericamente, para todo e qualquer tipo de cargos políticos, porque não entende o princípio da

renovação como inibidor da nomeação para mandatos sucessivos! A renovação é muito mais do que isso e, às

vezes, até pode nem ser isso! A renovação é os mandatos terem de ser renovados — isto é que é a

renovação —, e os mandatos, para serem renovados, têm de ter um princípio e um termo!

Ora, o que acontece actualmente é que há mandatos do sistema que resulta da Constituição que não têm

um termo certo, a sua temporalidade não está definida nem na Constituição nem na lei, e daí, do nosso ponto

de vista, ocorre uma situação prática que perverte o princípio da renovação. Isto, para nós, é claro! A história

recente demonstra que não o é só para nós, que é um dado real existente no nosso sistema. Portanto, do

nosso ponto de vista, a atitude aqui revelada nesta primeira leitura, por parte do Partido Socialista, é a de fingir

que o problema não existe, é a de «enterrar a cabeça na areia» e não é mais do que isso.

Termino, Sr. Presidente, dizendo que não temos qualquer problema em subscrever a proposta do

Professor Jorge Miranda, no sentido de manter a questão da proibição do exercício a título vitalício, de alargar,

face à previsão da proposta do PSD, não só a altos cargos públicos mas genericamente a cargos de

designação de órgãos políticos, e a única questão a que não damos a nossa adesão é à necessidade de a lei

estabelecer, para além da duração, porque esta, obviamente, faz parte integrante da nossa proposta, os

limites à sua renovação, porque, como isto parece-nos ser algo que não decorre actualmente do princípio da

renovação, temos as mais sérias reservas a que eles sejam constitucionalizados em termos genéricos, como

aqui o é.

O PSD propõe especificamente, como à frente veremos, este princípio da não renovação sucessiva, à

semelhança do que já existe na Constituição da República para o Presidente da República, para as eleições

dos presidentes de câmara, porque, em nosso entender, há uma personalização no actual sistema português

dos presidentes de câmara, e, neste sentido, entendemos que o princípio da renovação deve estender-se à

renovação de mandatos, aí sim, em concreto, e na altura acrescentarei mais alguma coisa, se for necessário,

à correcta explicitação do pensamento do PSD sobre esta matéria. Agora, em termos genéricos, como

resultaria deste inciso no artigo 121.º, para todo e qualquer tipo de cargo político, para todo e qualquer tipo de

cargos de designação de órgãos políticos, já nos parece que a obrigatoriedade do limite à renovação

sucessiva de mandatos é um princípio excessivo, que não subscrevemos nesta altura.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, há que distinguir posições. Primeiro, quanto à questão do

Presidente do Tribunal de Contas, a meu ver, a Constituição deve aí ser alterada, porque o Presidente do

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Tribunal de Contas é um cargo jurisdicional e, de duas, uma: ou tem um mandato temporário estabelecido na

lei ou na Constituição ou deve ser vitalício, como os outros cargos.

Portanto, «meter» o Presidente do Tribunal de Contas junto com o Procurador-Geral da República ou o

Ministro da República para os Açores ou para a Madeira não me parece bem, porque, a meu ver, as coisas

não são equiparáveis.

Quanto aos titulares de cargos políticos e a todos os cargos públicos em geral, a minha posição de

princípio é a de que devem ter duração limitada, exceptuando os juízes, por razões óbvias. Logo, em minha

opinião, não há que excepcionar com situações especiais. Penso que não é razoável que se mantenha a

possibilidade de duração indefinida de titulares de cargos públicos. É um princípio republicano, e penso que as

situações particulares que envenenaram a discussão não devem servir nem para um lado nem para o outro.

Devo dizer que, pessoalmente, não acho salutar que o Ministro da República se mantenha 20 anos, como o

Procurador-Geral da República se mantenha 30 anos! É uma situação que, a meu ver, não tem lógica, e quem

diz estes dois casos diz qualquer outro caso.

Portanto, repito, não me parece razoável. Creio que a Constituição não deveria admitir essas situações, e

com a interpretação que o Tribunal Constitucional deu à Constituição, no sentido de não admitir limitação

temporal de cargos políticos e de a Constituição não estabelecer a duração temporária — interpretação esta

que, aliás, acho altamente discutível quando aplicada a outros cargos, como, por exemplo, aos chefes

militares ou até a outros cargos que a Constituição prevê mas que não estabelece limitação —, teríamos a

possibilidade de admitir, por inércia, a duração indefinida, não estabelecendo um prazo temporal de

caducidade para os respectivos cargos. E, então, teríamos de declarar inconstitucionalidade também das

normas que actualmente estabelecem a limitação para o cargo de Chefe de Estado-Maior-General das Forças

Armadas e para uma série de outros cargos que a Constituição prevê, que são cargos políticos de nomeação

de órgãos políticos, e que a falta de menção constitucional de duração dos cargos implicaria a impossibilidade

legal de estabelecer limitações.

A verdade é que o problema se colocou e, com a interpretação do Tribunal Constitucional, ele existe; e,

existindo esse problema, funciona o princípio republicano, de os cargos políticos e equiparados deverem ter

duração limitada.

Portanto, pegando na proposta do Professor Jorge Miranda, devo dizer que eu não teria qualquer dúvida

em subscrever uma norma que dissesse, além daquilo que a actual Constituição diz, algo como isto:

«Ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local,

estabelecendo a Constituição ou a lei a duração dos mandatos».

Posto isto, deixaria a questão dos cargos públicos propriamente ditos fora desta norma, aqui apenas

trataria dos cargos políticos; quanto aos cargos que porventura não sejam estritamente políticos mas aos

quais se deve adicionar o mesmo princípio, então, no local próprio, acrescentaria o princípio da duração dos

mandatos.

Penso que não basta, para atacar esta proposta, a ideia de que as propostas vêm inquinadas por uma

discussão de um caso concreto. Infelizmente vêm, mas isso não altera a razoabilidade dos princípios, que

poderão ser bons ou não, independentemente de estar em causa o titular do cargo de Procurador-Geral da

República, de Ministro da República para a Madeira ou para os Açores ou qualquer outro dos cargos a

propósito dos quais o problema do mandato se colocou. E se qualquer Governo quer manter num cargo,

sucessivamente, um determinado titular, pura e simplesmente, renova-lhe o mandato — não sei qual é o

problema de o fazer —, em vez de invocar as normas constitucionais para não lhe pôr fim ao mandato.

Penso que a posição dos titulares em causa seria bastante mais sólida se fosse periodicamente renovado o

seu mandato, em vez de se manter apenas pela inércia de ninguém propor a sua exoneração, e o titular do

poder de exoneração não tem o poder de o exonerar directamente e independentemente.

Tudo isto para dizer que, pessoalmente, penso que o princípio geral da delimitação de duração dos

mandatos é bom e deveria, face aos problemas constitucionais que se colocaram, ser consagrado ou como

princípio geral ou nos sítios concretos, sucessivamente, em relação a cada um dos cargos em que esse

problema se pode colocar. O problema colocou-se apenas em relação a dois cargos, mas pode pôr-se em

relação a mais uma série deles, com a mesma legitimidade com que se colocou em relação a estes.

O Sr. José Magalhães (PS): Dá-me licença, Sr. Presidente?

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O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, temos uma consciência aguda do que disse e também da

inquinação relativa do debate. É óbvio que podemos fazer um esforço para desinquiná-lo, desde logo, e para

ajudar outros a fazerem exactamente o mesmo. O approach adoptado é que é diferente, e creio que há

algumas virtudes na perspectiva que adoptámos no nosso projecto de revisão constitucional.

Como muito bem sabe, no n.º 5 do artigo 232.º do nosso projecto de revisão constitucional, o PS não deixa

de, por exemplo, quanto às funções do Ministro da República, aclarar que elas devem cessar em

determinadas condições e que o mandato deve ter uma determinada duração, em termos que me dispenso

agora de referir. Ou seja, provavelmente, é melhor ter uma aproximação cirúrgica e precisa do que procurar

fazer uma «normação» geral, quer nos termos do PSD, que são confusos, como se provou…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não se provou nada!

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Deputado, seguramente, não se provou o contrário, ou seja, que haja

uma virtude na alteração proposta e na supressão, designadamente, da linguagem constitucional e dos

conceitos constitucionais quando alude ao exercício a título vitalício de cargos políticos, e, por outro lado, a

confusão em relação ao chamados altos cargos públicos é total e indesejável.

Portanto, esta nossa preocupação, Sr. Presidente, de tratar distintamente coisas distintas, é, para nós,

digamos, a estrela polar na orientação deste debate. Aliás, o debate é em si mesmo útil, porque, por exemplo,

aclarou que o PSD largou pelo caminho — o que é bom — a perspectiva de proibição de renovação de

mandato…

O Sr. Presidente: Não estava na proposta deles.

O Sr. José Magalhães (PS): Não! Mas, Sr. Presidente, na proposta do PSD está tudo e não está nada!

Ou seja…

O Sr. Presidente: Mas essa não está!

O Sr. José Magalhães (PS): Nem está sequer aquilo que o PSD dizia que estava.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Essa é boa!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, ataquemos as propostas com todos os argumentos,

não com o que elas lá não têm!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O Sr. Deputado José Magalhães hoje deve ter almoçado mal…!

Caiu-lhe qualquer coisa mal…!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe a mesma contenção que pedi ao Sr.

Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): E, portanto, Sr. Presidente, a nossa aproximação nesta matéria é: a)

repito, o mais desinquinante que seja possível; b) destrinçante; c) cirúrgica e de preferência não nesta sede,

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ou, a ser nesta sede, em condições que não agrave os equívocos e os debates, nem precipitem, em Portugal,

debates muito inquinados, a que se assiste noutros países, o que seria, provavelmente, extremamente

perverso que se verificasse em Portugal.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, permita-me uma pergunta um tanto perversa: não lhe

parece merecedor de reflexão o facto de personalidades, digamos assim, à falta de um termo melhor, como o

Professor Jorge Miranda e eu mesmo, que não participámos nem estamos inquinados por essa discussão

partidária, invocando o simples princípio republicano, acharmos que seria vantajoso propor como princípio

geral o princípio da limitação de mandatos?! No seu entender, não basta o facto de estes dois proponentes

não estarem inquinados por essa discussão e não terem reserva mental para que a proposta mereça uma

reflexão desapaixonada?

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a pergunta é de facto perversa,…

Risos.

… porque é óbvio que a resposta tem de ser favorável; todavia, mantenho integralmente o que disse antes.

Risos.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, se me permite, em jeito de aparte, creio que a inquinação

teve alguns efeitos traumáticos, difíceis de ultrapassar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente! Subscrevo isso!

O Sr. José Magalhães (PS): Mas talvez possamos ser persuadidos, naturalmente, sobretudo pelas

boas destrinças e pelas boas contribuições!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta, neste momento, não se mostra viável, tem objecções do

PCP e do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a nossa objecção é, no entanto, superável se… — um

«se» escrito com corpo 27.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O que é isso de «corpo 27»? Isso deve ser lá da Internet.

O Sr. José Magalhães (PS): Não! É mais banal!

O Sr. Presidente: É desde o Gutenberg!

O Sr. José Magalhães (PS): É uma composição tipográfica desde o Gutenberg, para não dizer mesmo

de antes!

Risos.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Qual é o tamanho do corpo 27?

O Sr. José Magalhães (PS): É grande, grande! É mesmo grande!

O Sr. Presidente: — É enorme! É enorme! Sabendo-se que a escrita normal, aquela que usamos

habitualmente, é corpo 10 ou 12, já pode imaginar…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Já imagino!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 122.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, face à intervenção de V. Ex.ª, gostaria de fazer

uma última declaração, para constar em acta.

Há pouco abusei da bondade de V. Ex.ª, ao pedir para usar da palavra antes do Sr. Presidente, e, de certa

forma, acabei por me antecipar à posição definitiva que o Sr. Presidente acabou por expressar pessoalmente,

que é manifestar a adesão, da parte do PSD, à proposta do Professor Jorge Miranda, apenas com a exclusão

da questão dos limites.

Neste sentido, devo dizer que o PSD concorda com a intervenção do Sr. Presidente, já que vem corroborar

aquela que tive a oportunidade de fazer antes de V. Ex.ª.

Há apenas uma questão, que o Sr. Presidente citou na sua intervenção, a que não posso deixar de dar

uma resposta, porque, em minha opinião, merece uma, que é a que tem a ver com a distinção que o Sr.

Presidente fez, na explicitação do seu pensamento, relativamente ao presidente do Tribunal de Contas. Assim,

a explicação que quero dar em nome do PSD é esta: não é neste projecto de revisão constitucional do PSD

que se coloca o presidente do Tribunal de Contas a par do Procurador-Geral da República e de outros cargos

políticos; é a própria Constituição, a actual, que, na alínea das competências do Presidente da República para

a nomeação de outros órgãos, coloca claramente a par, de resto até na mesma alínea, o Procurador-Geral da

República e o Presidente do Tribunal de Contas!

Portanto, a argumentação que o Sr. Presidente despendeu aí, genericamente,…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, já iremos a essa proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, gostaria só deixar esta nota…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, desde 1977 que o comentário à Constituição estranha essa solução

constitucional…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Ah!

O Sr. Presidente: … e acha que o juiz não pode ser exonerado…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Ó Sr. Presidente, o problema é esse! É que actualmente — e é

neste contexto que as propostas do PSD têm de ser interpretadas — o presidente do Tribunal de Contas é

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nomeado por um órgão político, como é o Presidente da República, claramente fora do princípio genérico que

o Sr. Presidente enunciou, com o qual — são as tais situações que também referi — estamos genericamente

de acordo, fora do contexto geral dos presidentes dos órgãos jurisdicionais, onde o tal regime não existe.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, uma parte dos juízes do Tribunal Constitucional

também são eleitos…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Uma parte, mas não o presidente.

O Sr. José Magalhães (PS): São competências do Presidente da República.

O Sr. Presidente: Pode ser. Aliás, o actual presidente foi eleito pela Assembleia da República,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não, Sr. Deputado José Magalhães! Não é nomeado pelo

Presidente da República!

O Sr. Presidente: … não como presidente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Exactamente!

O Sr. Presidente: — O facto de o presidente do Tribunal de Contas ser nomeado pelo Presidente da

República não lhe tira essa qualidade. O que há de errado na legislação é o facto de admitir que ele, além de

ser nomeado, pode ser exonerado — isto é que é altamente discutível —, em vez de ser nomeado por um

tempo certo ou vitaliciamente, conforme a Constituição ou a lei optem. Agora, admitir que o presidente de um

tribunal, que é juiz, possa ser exonerado por quem o nomeia, é que me parece uma solução que, desde 1977,

está, em toda a letra de forma, expressamente criticada. Mas chegaremos lá, não vale a pena anteciparmos a

questão.

Srs. Deputados, vamos ao 122.º, para cuja alínea c)…

O Sr. José Magalhães (PS): Mas o PSD não altera esse aspecto!

O Sr. Presidente: Pois não.

O Sr. José Magalhães (PS): Permite a exoneração.

O Sr. Presidente: Não, permitirá a exoneração…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): A que acrescentamos…

O Sr. José Magalhães (PS): O PSD propõe, no artigo 136.º, «Nomear, pelo tempo que a lei

determinar,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente!

O Sr. José Magalhães (PS): … e exonerar,…» a qualquer tempo «… sob proposta do Governo, o

presidente do Tribunal de Contas (…)».

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Exactamente!

O Sr. Presidente: Já lá chegaremos, Srs. Deputados! E, na altura, farei uma proposta alternativa à do

PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente, Sr. Deputado José Magalhães! Foi isso o que eu

disse!

O Sr. José Magalhães (PS): «Exactamente», não! E nem «exactamente»!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, não antecipemos o debate. Chegaremos lá!

Relativamente ao artigo 122.º, há uma proposta para a alínea c), apresentada pelo CDS-PP, que é do

seguinte teor: «As leis orgânicas, as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais;», aditando,

portanto, no início, «As leis orgânicas».

Se algum dos proponentes quiser usar da palavra, faça favor.

Pausa.

Como ninguém deseja acrescentar nada, uso eu da palavra para dizer que não aprovo esta ideia. Para já,

as leis orgânicas, a meu ver são equívocas, se me permitem, na Constituição, e, do meu ponto de vista,

deveria ser, pura e simplesmente, eliminada tal categoria abstrusa de leis, mas quando lá chegarmos direi

porquê.

Agora, autonomizá-las como tipo autónomo de leis para efeitos, desde logo, de qualificação, ou seja de

designação, de numeração autónoma, como Lei Orgânica n.º 1/86, ao lado das leis normais, não pode ter o

meu acordo, Srs. Deputados, e espero que não tenha o acordo das demais bancadas.

Srs. Deputados, a proposta está em discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, nem estamos de acordo com o Sr. Presidente nem

estamos de acordo com o CDS-PP,…

Risos.

… o que significa que manteríamos o actual estatuto — e, aliás, o nosso projecto mantém-no — das

chamadas leis orgânicas, cuja história é de todos conhecida.

O Sr. Presidente: Bom, não é aqui que as leis orgânicas estão garantidas mas mais à frente,…

O Sr. José Magalhães (PS): Exacto.

O Sr. Presidente: … pelo que discutiremos isso na altura própria. Aqui só se trata de saber se serão

publicadas autonomamente, com uma categoria própria, uma numeração própria, etc.

Srs. Deputados, o PS já se manifestou contra, aguardo mais intervenções.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o PSD também não vê interesse na alteração,

sendo certo que não nos parece que as leis orgânicas sejam um tipo de leis autónomo, como poderia resultar

desta proposta do CDS-PP, relativamente às leis. Quer dizer, o carácter orgânico das leis, do nosso ponto de

vista, é um place, digamos, é algo a mais que se coloca à categoria das leis, mas não as distingue das leis

propriamente ditas, pelo menos para o conteúdo útil de um artigo como este.

Portanto, não só não nos parece necessário como até nos parece ser uma fonte de equívocos complicados

promover essa alteração. Assim, optaremos por manter o actual texto, tal como está.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, sem pôr em dúvida que as leis orgânicas devem ser

publicadas em Diário da República,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Porque são leis.

O Sr. António Filipe (PCP): … também não concordamos com a autonomização. Aliás, já na altura, não

nos pareceu boa ideia a criação, nestes termos, desta categoria de leis,…

O Sr. Presidente: Um caso típico de uma nefasta influência espanhola!

O Sr. António Filipe (PCP): … além de também não vermos bem esta autonomização para efeitos de

publicação.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, ainda em relação ao artigo 122.º, vamos passar às alíneas e) e f),

para as quais foram apresentadas propostas pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros e do

PSD, que são iguais, pois visam substituir a expressão «Assembleias Regionais» por «Assembleias

Legislativas Regionais», que, de resto, é o seu verdadeiro nome constitucional, pelo que, obviamente, assim

sempre teria de ser.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, explicitando a proposta do PSD, permito-me só

acrescentar que, independentemente daquilo que o Sr. Presidente agora disse, o facto é que «assembleias

regionais» também é uma categoria de órgãos expressamente prevista na Constituição.

O Sr. Presidente: Não as dos Açores e da Madeira!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente, Sr. Presidente! Mas «assembleias regionais» é um

órgão cuja denominação está explicitada no texto constitucional.

Portanto, como nestas coisas a Constituição não pode ser fonte de dúvidas ou do que quer que seja,

parece-nos que isto é claramente um lapso do actual texto e que, como lapso que é, deve ser corrigido. Não

se trata de uma questão de preciosismo mas, sim, da correcção de um erro.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitindo-me ser provocatório, eu diria

aquilo que ouvi a propósito da minha proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 120.º…

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O Sr. Presidente: E acho pertinente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O que é que tinha o artigo 120.º?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Foi a propósito da substituição de «actos» por «acções». E eu reproduzo

o que ouvi sobre esta matéria!

O Sr. Presidente: E acho que por maioria de razão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Essa é boa! «Actos» e «acções»…?! Assembleia regional é uma

coisa e assembleia legislativa regional é outra!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está em causa substituir «Assembleias Regionais dos Açores e da

Madeira» por «Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira», que, aliás, é o nome próprio

delas.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, aquando da segunda revisão constitucional, quando se fez

a correcção das menções aos órgãos representativos com carácter de órgãos colegiais, que são as

assembleias regionais, foram então rebaptizados, e esta mudança não foi feita por lapso.

O Sr. Presidente: — Esqueceram-se.

O Sr. José Magalhães (PS): Exacto.

O outro lapso traduziu-se em escrever assembleias regionais com maiúsculas.

Risos.

Aliás, se tiverem o cuidado de reparar, é uma coisa que, tanto no artigo 228.º como em outras sedes, não

acontece mais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Exacto. Está bem escrito nos outros lados.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, harmonizamos a redacção destas duas alíneas com o nome

constitucional, «assembleias legislativas regionais», sem capital letter.

Está adquirido, suponho que os proponentes não se importam…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — São umas assembleiazinhas!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): Não! A questão foi encarada com grande compostura institucional.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, em relação à alínea h) do artigo 122.º, os Srs. Deputados do PSD

Pedro Passos Coelho e outros apresentaram uma proposta de eliminação da expressão «bem como os

decretos dos Ministros da República para as regiões autónomas», mas não vamos discutir isto agora, porque

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tem a ver com a eliminação da figura, deixando, obviamente, de existir os tais decretos. Portanto, proponho

que discutamos este ponto na altura própria.

Assim, esta proposta para a alínea h) do artigo 122.º, dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e

outros, fica de remissa.

Passamos agora às propostas de novas alíneas ao artigo 122.º, que foram apresentadas pelos Deputados

do PS Cláudio Monteiro e outros e por Os Verdes, e já agora trago à colação as do ex-Deputado Jorge

Miranda.

Os Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros propõem uma nova alínea c), que é igual à proposta de Os

Verdes e do ex-Deputado Jorge Miranda para a alínea j), que é do seguinte teor: «As decisões de

organizações internacionais vinculativas do Estado português;».

Os Verdes propõem ainda uma alteração à alínea i), que, por sua vez, é idêntica à proposta do ex-

Deputado Jorge Miranda, com a seguinte redacção: «Os resultados de eleições para os órgãos de soberania,

das Regiões Autónomas e do Poder Local e para o Parlamento Europeu, bem como os resultados de

referendos;».

Em suma, as propostas são no sentido de acrescentarem à publicação obrigatória no Diário da República,

além do elenco dos diplomas constantes no artigo 122.º, de mais estes dois.

O Diário da República vai aumentar uns milhares de páginas por ano…!

O Sr. José Magalhães (PS): Além de se tornar émulo do Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

O Sr. Presidente: Por favor!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Homessa! É o dinheiro do contribuinte!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, as propostas estão em discussão.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a preocupação…

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para apresentar a sua proposta para

a alínea c).

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, já estou a ser torpedeado e ainda não tive a oportunidade

de apresentar a proposta!

Risos.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem toda a razão.

O Sr. José Magalhães (PS): — Tudo indica que será uma chacina…!

Risos.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, a proposta não é inovadora, no sentido de que o seu

autor intelectual é o Professor Jorge Miranda. Se reparar, foi no projecto dele…

O Sr. Presidente: Exacto!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): … que se foi beber, foi a fonte desta proposta.

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Agora, quanto à circunstância de esta proposta vir ou não a encarecer o Diário da República, não me

parece, apesar de tudo, o argumento mais relevante, até porque, em contrapartida, também se poderia colocar

a questão de saber quanto custa a assinatura do Jornal Oficial das Comunidades Europeias e se ele é

verdadeiramente acessível aos cidadãos portugueses, os quais são destinatários de muitas das normas que

ali constam. E, quanto a este facto, eu diria que não é acessível, porque a assinatura do dito jornal oficial custa

cinco, seis ou sete vezes mais do que a assinatura do Diário da República.

Portanto, o argumento de que isto aumentaria o número de páginas e que, por essa via, encareceria o

Diário da República, não me parece especialmente relevante. O que me parece especialmente relevante é o

facto de o local próprio para a publicidade dos actos jurídicos em geral e em particular dos actos normativos

ser o Diário da República; e, se esse actos, em particular aqueles que têm aplicação directa, ainda que a

norma não os distinga, vinculam os cidadãos portugueses, parecer-me-ia correcto, apesar de tudo, que essa

publicação também se fizesse no Diário da República. Para além de que, salvo o devido respeito, estou

convencido, tal como o Sr. Deputado José Magalhães, de que muito em breve essa assinatura deixará de ter o

problema do peso do papel, porque passará a ser electrónica, não se colocando, portanto, o problema do

custo nem do peso.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, pergunto: esta publicação é in extenso? Publica-se

tudo? Ou é uma notícia?

Antigamente, o Diário do Governo, no tempo da monarquia, começava por dizer que Suas Majestades se

encontravam de boa saúde…

Risos.

Dito isto, tudo se pode aí colar… Quer dizer, saiu uma directiva, cujo conteúdo é um estado… uma

notícia… Agora, publicar, no Diário da República, in extenso tudo o que sai no Jornal Oficial das Comunidades

Europeias?!

Ao fim e ao cabo, todas as deliberações dos órgãos comunitários são, em princípio, aplicadas ao cidadão

português! Portanto, isso significa que vamos duplicar a publicação.

Agora, uma ideia diferente é dar notícia das coisas mais relevantes, algo deste género. Publicar outra

brochura é que me parece não ser praticável.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quer ainda usar da palavra?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sim, Sr. Presidente, se for possível.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, embora o Professor Barbosa de Melo já tenha

manifestado as nossas reservas quanto ao resultado prático de tudo isto, acrescento apenas que o PSD não

vê com simpatia uma proposta deste género, porque, para além das considerações que já foram feitas pelo

Professor Barbosa de Melo, a nosso ver, na situação actual, a verdade é esta: genericamente, como o

Professor Barbosa de Melo já disse, todas as deliberações da União Europeia, por força do Tratado da União

Europeia, da qual Portugal faz parte — pode considerar-se todos os actos, todas as deliberações de

organizações como a União Europeia ou outras —, são vinculativas para o Estado português em certa medida

e sobre certa forma. O problema está exactamente em saber qual é essa medida e essa forma, e,

actualmente, como todos sabemos, existe uma prática — e não interessa agora ver se juridicamente é ou não

a mais azada, a mais correcta, a mais pura ou a menos discutível — de decretos-leis de transposição de

directivas comunitárias. Pode questionar-se se essa prática é ou não necessária, mas a verdade é que existe!

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E parece-nos saudável que haja, por parte dos cidadãos — para nós, isto é fundamental —, uma certeza, que

é a de, ao lerem o Diário da República, encontrarem lá as matérias que, inequivocamente e sem sombra de

qualquer contestação, independentemente da prática de cada momento dos poderes instituídos, são aquelas

que vinculam os comportamentos dos cidadãos, no seu dia-a-dia, no seu quotidiano, na comunidade nacional.

Ora, passar a transpor para o Diário da República, ainda que genericamente, como o Professor Barbosa de

Melo referiu, o que, obviamente, desde logo seria mais racional, tendo em conta princípios até de uma certa

economia — economia não necessariamente financeira mas de espaço e de capacidade de leitura por parte

dos cidadãos, porque, enfim, não podemos passar a imprimir tratados diários, sob pena de a utilidade prática

da leitura, por parte dos cidadãos, e de estes se reverem na ordem jurídica acabar por ser prejudicada —…

O problema da certeza jurídica parece-nos fundamental. E, bem ou mal, a verdade é que, na prática, hoje

em dia, de uma certa forma, se pode entender que, genericamente, todas a normas de organizações

internacionais a que Portugal aderiu e às quais se encontra vinculado vinculam o Estado português, desde

logo pelos artigos iniciais da Constituição, onde essas regras estão colocadas. O problema está em reservar

para o Diário da República matérias que permitam uma segurança jurídica inequívoca por parte dos cidadãos

leitores — isto parece-me fundamental! Assim, parece-me que uma proposta deste tipo iria necessariamente

criar alguns equívocos e alguma incerteza jurídica sobre aquele que é o direito vigente em cada momento e a

forma pela qual o Estado português transpõe para a sua ordem jurídica interna normas internacionais, sejam

elas da União Europeia, que são as mais comummente colocadas nesta matéria, sejam, amanhã, de uma

outra qualquer organização internacional.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, olhando para a norma proposta, devo dizer que não pensei

propriamente nas decisões emanadas dos órgãos da União Europeia, embora reconheça que o fiz sem razão

literal para esta presunção, apenas por uma questão de senso comum. Isto porque, havendo, de facto, uma

publicação oficial em língua portuguesa, que é o Jornal Oficial das Comunidades Europeias, onde estão

publicadas todas as normas daí emanadas e que nos vinculam, não creio que haja grande razão para haver

uma duplicação na sua publicação, ao publicá-las também no Diário da República. Creio que o valor

acrescentado que daí poderia decorrer não é muito razoável para impor ao País esse custo.

Excluindo estas situações, estava a tentar ver qual é o sentido útil desta proposta e pareceu-me que

poderia haver algum, e pensei, designadamente, em decisões, por exemplo, da Assembleia Geral das Nações

Unidas que, de alguma forma, nos vinculem. Neste sentido, demonstrado o sentido útil, estamos disponíveis

para poder considerar favoravelmente esta proposta. Porém, não temos em mente uma publicação no Diário

da República de documentos já publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, porque isso não faz

de facto muito sentido.

O Sr. Presidente: Mas é esse claramente o propósito dos proponentes, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, há alguns problemas mal resolvidos na nossa prática de

gestão dos instrumentos de publicitação de actos normativos e não normativos e talvez sejam essas

anomalias ou deficiências que estão na origem, e estão seguramente, da proposta do Deputado Cláudio

Monteiro e dos demais signatários do projecto de revisão constitucional n.º 8/VII.

A proposta, como já foi sublinhado, é excessiva por abranger todas as decisões de todas as organizações,

desde que vinculativas (mas, como se sabe, há diversos níveis de vinculação, e, deste modo, estariam todas

incluídos) do Estado português.

Verdadeiramente, o que nesta proposta é excessivo é o carácter magmático e indelimitado.

Em primeiro lugar, havendo uma pluralidade enorme de organizações internacionais, com natureza, de

resto, extremamente diversa e gerando decisões de natureza, ela própria, distinta, o primeiro bloco de

questões que se coloca está, de facto, resolvido — mal resolvido, mas resolvido. Assumamos que, na

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realidade, temos dois jornais oficiais, o Diário da República e o Jornal Oficial das Comunidades Europeias,

onde, de resto, passaram a ser publicados actos que, no passado, eram privilégio do Diário da República e

que, hoje, são da competência exclusiva dos órgãos comunitários.

Em segundo lugar, há um défice de circulação e de divulgação do Jornal Oficial das Comunidades

Europeias. É um facto! A União Europeia não revela excessiva imaginação tanto na difusão do dito jornal

como no uso de meios que o coloquem ao alcance, em condições fáceis, em todo o território da União,

utilizando, designadamente, novos meios. Desde já devo dizer que isto está, hoje em dia, a ser considerado e

vai ser, obviamente, cada vez mais considerado. Estão a ser reconsiderados os dispêndios que temos nesta

matéria, o uso de meios normais na nossa sociedade de informação e não tenho qualquer dúvida de que será

este o futuro para termos informação mais rápida e um bom tratamento da informação, e também estou a

pensar, designadamente, nas formas secundárias de tratamento. Não basta ter um gigantesco jornal oficial, é

preciso que o seu conteúdo dê origem a segmentos tratáveis e alcançáveis para diversos fins; não servem

para outra coisa as bases de dados que a União Europeia tem, de geração antiquada, com interfaces

horríveis, de utilização mais do que tormentosa, e, portanto, inacessíveis e desprezadas pelos cidadãos e em

grande parte ignoradas ou restritas a uma pequena elite.

Portanto, não é esta a boa sede para resolver esse problema, a sede é outra, situa-se, enfim, no domínio

das instituições comunitárias, da acção interna do Estado português, através de meios legais ou outros.

O segundo problema diz respeito às organizações internacionais, de cuja existência não nos apercebemos,

os cidadãos como nós, Deputados. E, nesta matéria, nem sequer há em muitos casos obrigação de tradução,

porque, como sabem, nem todas as organizações internacionais utilizam o português como língua oficial de

trabalho — na verdade, são bem poucas as organizações que o fazem. Assim, os documentos oficiais dessas

organizações circulam, muitas vezes, entre nós por iniciativa esforçada de alguns docentes, que, seguramente

sem uma preocupação de provento pessoal, editam esses textos e os divulgam, prefaciados ou não; noutros

casos, há algumas iniciativas manifestamente usurárias e mercantilistas, que dificultam em muito o acesso dos

cidadãos, porque colocam a fasquia dos preços a um nível elevado.

Tem isto solução em sede constitucional? Francamente, duvido. E suponho que a solução traduzida na

imposição de publicação nestes termos seria incomportável — é a expressão —, para um problema que é

sério. O problema é, sem dúvida, sério, tendo em conta a tendência para a adopção de resoluções relevantes,

com graus diversos de vinculação.

Pensemos apenas em organizações, não só futuras como as já existentes, como a Organização Mundial

de Comércio, que ainda por cima é objecto de negociação por blocos de países (a Europa como tal, a União

Europeia como tal, os Estados Unidos da América enquanto Estado federal, o Japão, etc.), e na relativa

incognoscibilidade, em termos gerais, das suas decisões e logo mediremos que o artigo 122.º, com o seu

princípio, meritoríssimo, de publicidade e transparência dos actos oficiais, está longe de ter concretização

adequada e similar à que o n.º 1, alínea b), dá às convenções internacionais e respectivos avisos de

ratificação. Mas não é esta a solução!

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, para sintetizar, quero dizer que, no fundo, a

argumentação utilizada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e agora no exemplo dado pelo Sr. Deputado

José Magalhães não procede, porque esse problema existe em relação às convenções internacionais e aos

respectivos avisos de ratificação, uma vez que já hoje constituem uma massa de texto normalmente

imperceptível para a generalidade dos cidadãos, sendo que o seu grau de vinculação directa e imediata dos

cidadãos é provavelmente muito menor do que o de muitos dos actos abrangidos pela alínea c).

Em segundo lugar, mais uma vez contesto o argumento do peso e do custo, porque, em meu entender, ele

não pode ser o mais relevante aqui, sobretudo quando está em causa assegurar a publicidade de

determinados actos e quando nada impede que, no futuro, como sucede a propósito de outras distinções que

a própria Constituição estabelece, esses actos sejam publicados numa série à parte e que só circulem

estritamente pelos seus assinantes, não tendo que engrossar aquele que é o conteúdo essencial do Diário da

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República, que hoje se traduz na Série I-A e que é aquilo que mais, directa e imediatamente, interessa à

generalidade dos operadores de Direito.

Por outro lado, foi já salientado em duas intervenções que o problema não se esgota na União Europeia,

que vai para além dela, designadamente no que diz respeito às decisões dos órgãos próprios da Organização

das Nações Unidas e de outras organizações internacionais de que Portugal faz parte.

O Sr. José Magalhães (PS): Incluindo a obrigação de tradução, que não existe!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Incluindo a obrigação de tradução, que não existe e que, salvo o devido

respeito…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Dá-me licença que interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Com certeza.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mantinha-se na vossa proposta o actual

n.º 2 do artigo 122.º? Isto é, a falta de publicidade dos actos previstos neste preceito implica a sua ineficácia

jurídica?

O Sr. José Magalhães (PS): É esse o problema!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Deputado Barbosa de Melo, não julgo que a interpretação pudesse

ser essa, tendo em conta que os requisitos de validade e de eficácia dos actos em causa não são os definidos

pela nossa Constituição mas, sim, os definidos pelos tratados que determinam a adesão de Portugal a essas

instituições. E, portanto, admito que o problema se pudesse, em abstracto, colocar, mas, salvo o devido

respeito, creio que seria forçado chegar à conclusão de que essa é a consequência nesses casos. Em

qualquer circunstância, esse problema poderia ser resolvido se houvesse adesão à proposta, o que parece

não existir.

De qualquer modo, devo dizer que sou mais pessimista do que alguns dos intervenientes quanto ao futuro

do Jornal Oficial das Comunidades Europeias e à manutenção da língua portuguesa como sua língua oficial,

não por aquilo que é o meu desejo e a minha vontade mas por aquilo que temo que possa vir a ser a

consequência necessária do alargamento da União Europeia a um conjunto de países e a uma multiplicidade

de línguas, acabando por determinar, de forma mais ou menos consensual, que essa publicação obrigatória

em língua portuguesa, que hoje existe, desapareça.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, acabo de ser informado de que o Sr. Professor Jorge Miranda já

chegou à Assembleia e se dirige para aqui, para a audição que tínhamos marcado.

Assim, pergunto se algum dos Srs. Deputados ainda deseja usar da palavra sobre as propostas

apresentadas para a alínea c).

Pausa.

Visto ninguém mais desejar intervir, a conclusão a retirar é a da inviabilidade, neste momento, de uma

norma com este conteúdo.

Srs. Deputados, antes de interromper os trabalhos, lembro que, em relação ao artigo 122.º, ainda nos falta

analisar a norma sobre a publicação dos resultados eleitorais e dos referendos, proposta por Os Verdes, que

também tem equivalência no projecto apresentado pelo Professor Jorge Miranda, mas discuti-la-emos depois

da audição.

Está interrompida a reunião.

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Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente (Vital Moreira): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que vamos dar início à nossa

reunião.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, temos connosco o Sr. Prof. Jorge Miranda, que foi um dos autores de projectos de revisão

constitucional apresentados à Assembleia da República e submetidos a esta Comissão para consideração.

Não tendo podido estar na audiência conjunta que realizámos na altura própria, é de todo em todo justo que

tenhamos decidido organizar esta audiência exclusivamente para ele.

O Sr. Prof. Jorge Miranda não carece de apresentação, uma vez que é um grande constitucionalista,

Deputado eminente da Assembleia Constituinte, participou na primeira revisão constitucional, de 1982, e,

mesmo depois de deixar de ser Deputado, nunca deixou de se interessar por todas as reformas

constitucionais, tendo participado, perante a opinião pública, em variadas tomadas de posição aquando dos

momentos de reforma constitucional, nomeadamente, se bem recordo, participou em audiências a propósito

da terceira revisão constitucional. É, pois, com todo o gosto que o temos aqui e que agradecemos a sua

disponibilidade.

Para esta audiência, o esquema será o mesmo que temos adoptado em situações semelhantes: haverá um

período de intervenção inicial para apresentar os fundamentos das alterações propostas, que durará entre 10

a 15 minutos; abriremos um segundo período para perguntas, esclarecimentos, contestações, se for caso

disso; e, no final, o Sr. Prof. Jorge Miranda encerrará os trabalhos com os comentários que se lhe oferecer às

perguntas e comentários que lhe tiverem sido feitos.

Tem, então, a palavra o Sr. Prof. Jorge Miranda.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Deputado Vital Moreira, Presidente da Comissão Eventual para a

Revisão Constitucional e meu ilustre amigo, agradeço as palavras que me dirigiu. Agradeço também aos

membros da Comissão o facto de terem aceite que eu viesse hoje fazer o meu depoimento, uma vez que, em

Setembro, não tive oportunidade porque me encontrava no estrangeiro.

Assim, vou tentar aproveitar, o mais rapidamente possível, o tempo que me foi dado, até porque penso que

mais importante do que a exposição inicial que eu faça, é o período de pedidos de esclarecimento e de

perguntas que, porventura, os Srs. Deputados queiram formular.

Começarei por dizer ou, melhor, por repetir que, a meu ver, esta revisão constitucional é inconstitucional

mas não vale a pena insistir nisso, uma vez que o processo está em curso e que outros, que não eu,

entenderam que assim não se verificava. Relativamente à revisão constitucional, a minha ideia tem sido a de

que uma Constituição só ganha em ter estabilidade, em evitar muitas modificações.

Assim, para além, de resto, das alterações formais ou textuais, aquilo que sobretudo conta, é a vida, é a

prática, é a interpretação feita através, designadamente, do Tribunal Constitucional.

Julgo, pois, que a nossa Constituição, depois das revisões de 1982, de 1989 e mesmo, de certa maneira,

da de 1992, adquiriu uma consensualidade que, eventualmente, não teria em 1976. Há um acordo, no

essencial, entre as forças políticas portuguesas e os cidadãos, a respeito das grandes linhas em que a

Constituição assenta: a liberdade política, a democracia representativa e pluralista, o Estado unitário, regional,

uma organização económica com intervencionismo estatal mas sem colectivização ou estatização, uma

diversidade de sectores de propriedade de meios de produção, a relevância dada a certas organizações e

associações surgidas na vida social, a descentralização local, a descentralização em geral da Administração

Pública, o princípio da independência dos tribunais, o princípio do controlo dos jurisdicional, da

constitucionalidade, através de um sistema misto, com tribunais comuns e Tribunal Constitucional.

A nossa Constituição, de resto, tem sido modelo para muitas outras Constituições — aliás, hoje, a nossa

Constituição é considerada, em Direito Comparado, como uma referência nos países de língua portuguesa,

nomeadamente na América Latina e mesmo na Europa.

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Naturalmente que uma Constituição pode ser sempre aperfeiçoada mas julgo que há outros problemas,

muito mais graves do que os problemas constitucionais, que devem merecer a atenção dos portugueses,

sendo o primeiro dos quais (talvez só para «puxar a brasa à minha sardinha») o problema da educação, que

se encontra em Portugal numa situação extremamente difícil.

De todo o modo, já que foi aberta uma revisão constitucional, já que se entendeu que era conveniente

proceder a alterações de fundo na Constituição, eu também aqui me encontro e diria aquilo que julgo que

talvez valesse a pena, nessa perspectiva de aperfeiçoamento sem descaracterização da Constituição.

Apresentei uma petição à Assembleia da República em que distinguia alterações que considerava

importantes, que, a haver revisão, entendia que deveriam ser feitas; e outras alterações que, a haver revisão,

talvez se justificasse também que viessem a ser feitas, embora de menor importância, de menor relevo, no

contexto da Constituição.

De entre as primeiras alterações, sublinharia três: as respeitantes à participação da Assembleia da

República nos trabalhos e nas decisões referentes à integração europeia; a seguir, e em conexão com isto, as

respeitantes ao referendo, de maneira a ser possível a realização de referendo ou a ser tornado menos

impossível (se assim se pode dizer) a realização de referendo sobre matérias europeias ou sobre questões

relativas à problemática europeia; e as respeitantes ao Tribunal Constitucional, com vista a reforçar a

independência do Tribunal Constitucional e a imagem que ele deve ter junto da opinião pública.

Ainda neste âmbito de alterações, a que chamei alterações necessárias, contam-se: a modificação ou a

substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por um Conselho de Comunicação Social muito

próximo daquele que tinha sido aprovado ou consagrado na revisão de 1982; no artigo 121.º, a explicitação do

princípio da renovação dos titulares de cargos políticos com vista a impedir o anquilosamento e a perpetuação

de titulares dos cargos políticos, que se tem verificado em todos os níveis, muito particularmente a nível

regional e local; o esclarecimento, pelo menos, de algumas incompatibilidades dos Deputados; a prescrição de

uma maioria qualificada relativamente à aprovação de tratados respeitantes à União Europeia; uma pequena

modificação referente ao Ministro da República, estabelecendo um prazo para o exercício das suas funções;

em relação às regiões administrativas, duas alterações de certa monta — a eliminação do princípio da

simultaneidade da criação, em concreto, das regiões administrativas e a prescrição de que a Assembleia

Regional é eleita na base das Assembleias Municipais e não por sufrágio directo, ou não com uma parte por

sufrágio directo (como hoje acontece); a atribuição às Forças Armadas de uma tarefa nova, que, aliás, já vêm

exercendo mas que, porventura, face ao artigo 275.º, deveria aí ser elencada, que é a participação em

operações de manutenção da paz; relativamente aos tratados, a criação de uma fiscalização preventiva

obrigatória de certas categorias de tratados, no artigo 278.º; no artigo 280.º, a criação de um recurso directo

para o Tribunal Constitucional de decisões de outros tribunais quando arguidas de violação de direitos,

liberdades e garantias — algo aproximável, mas sem ser rigorosamente, do recurso de amparo; e também,

finalmente, em relação à inconstitucionalidade por omissão, a possibilidade de uma fiscalização concreta, ou

de um princípio de fiscalização concreta da inconstitucionalidade por omissão, dizendo-se assim no artigo

283.º que «se, em qualquer feito submetido a julgamento, o tribunal não puder conferir tutela a qualquer direito

fundamental por omissão de lei que torne exequível a correspondente norma constitucional, o tribunal

suscitará a questão perante o Tribunal Constitucional».

Estas eram as alterações que eu consideraria mais importantes. Para além das três mais importantes — as

mais importantes das mais importantes — que seriam as respeitantes ao reforço do papel da Assembleia da

República, ao referendo e ao Tribunal Constitucional, ainda haveria estas.

Depois, haveria alterações que corresponderiam, talvez, a benfeitorias úteis mas que, uma vez que a

revisão constitucional é tão extensa como parece que vai ser, também poderiam ser realizadas, que seriam:

uma modificação do preâmbulo da Constituição; uma racionalização ou uma melhor técnica legislativa

relativamente à suspensão do exercício de direitos (artigo 19.º); relativamente ao acesso ao direito e aos

tribunais (artigo 20.º); ao direito de antena (artigo 40.º); no artigo 46.º, a substituição de «organizações de

carácter fascista» por «organizações de carácter racista», esperando que, desta vez, esta norma tivesse

exequibilidade ou execução; a consagração e explicitação do direito de acção popular em sentido próprio,

dizendo-se, no artigo 52.º, n.º 3 novo (que seria agora proposto), que «o direito de acção popular serviria para

defesa do cumprimento do estatuto dos titulares dos cargos políticos, e do património do Estado e das demais

entidades públicas»; a consagração do princípio da participação dos cidadãos ou das associações de

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interessados relativamente aos planos urbanísticos; o estabelecimento (no fundo, seria uma clarificação)

quanto ao ensino, à semelhança do que acontece com a saúde, de que a gratuitidade seria tendo em conta as

condições económicas e sociais dos cidadãos; uma melhoria das regras sobre planificação; a eliminação da

categoria esdrúxula das leis orgânicas, que não se sabe o que são, no direito português; uma racionalização

de regime dos partidos políticos; um pequeno alargamento da reserva de competência absoluta e relativa da

Assembleia da República em matéria legislativa; modificações sensíveis relativamente aos tribunais e aos

juízes, de maneira a reforçar-se a sua independência e as condições de isenção em que exercem ou devem

exercer as suas funções; o aparecimento de certas matérias como sendo de interesse específico das Regiões

Autónomas, um conteúdo mínimo das matérias de interesse específico das Regiões Autónomas, no artigo

229.º; e, por último, a integração do serviço militar no âmbito do serviço cívico — este seria obrigatório e o

serviço militar seria uma modalidade de serviço cívico, entendendo-se que estas matérias, de serviço militar e

serviço cívico (ou, pelo menos, as de serviço militar), são essencialmente constitucionais, pelo que não

deveria, pura e simplesmente, a Constituição remeter o seu tratamento para a lei ordinária.

Eram estas, em suma, as alterações que eu sugeriria. O sentido essencial volto a dizer, é o de

aperfeiçoamento, de reforço, se é possível, da consensualização do texto e de melhoria da qualidade técnica

desse mesmo texto.

Devo dizer — seja-me permitido — que a nossa Constituição, tecnicamente, é bastante boa mas a revisão

constitucional de 1989 não contribuiu para a melhoria da qualidade técnica do texto. Portanto, para lá dos

aspectos políticos da revisão, se fosse possível agora, tendo em conta, até, os eminentes especialistas que

integram esta Comissão, fazer-se um pequeno esforço de racionalização, de aperfeiçoamento e de clarificação

de técnica legislativa, sem dúvida que isso seria extremamente bom para o nosso direito constitucional e, em

geral, para o nosso ordenamento jurídico.

O Sr. Presidente: — Estão, então, à vossa consideração as propostas, tal como foram explicitadas, que

constam da petição que foi dirigida à Assembleia da República, e que foram agora, algumas delas,

seleccionadas e particularmente sublinhadas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): — Sr. Presidente, a minha primeira palavra é para cumprimentar, cordial e

efusivamente, o Sr. Prof. Jorge Miranda e saudá-lo porque, ao vir aqui, não só veio à sua Casa — Casa a que

pertenceu longa e proficientemente — mas veio também falar de uma matéria na qual a sua passagem, por

aqui e pelo direito público, fica marcada na história constitucional portuguesa. É, pois, para nós, uma honra ter

querido vir cá e, em nome da minha bancada, apresento-lhe os meus efusivos cumprimentos.

Em segundo lugar, gostava de explicar a razão pela qual o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não se

encontra aqui, dado que é o representante normal do partido nesta Comissão: ele teve uma reunião da

direcção do grupo parlamentar, pelo que teve de se ausentar, mas pediu-me, expressamente, que dissesse

isto ao Prof. Jorge Miranda.

Queria dizer que a sua exposição está à altura dos textos que nos enviou sobre esta matéria — foi clara,

rápida e incisiva. Realmente, contribui, com tudo isto — a exposição oral que fez e os textos que escreveu —,

seguramente, para nos dar motivo para melhorarmos o texto constitucional vigente. Não sei se a revisão que

V. Ex.ª augurou que seria muito profunda, apesar destes tempos todos e destas discussões todas, será assim

tão profunda como isso, mas, em todo o caso, alguns pontos da estrutura constitucional estão problematizados

na comunidade portuguesa, na comunidade política, desde logo, embora não tanto na comunidade jurídica.

Há um ponto sobre o qual V. Ex.ª se pronuncia e há um outro que julgo guardar prudente silêncio sobre

essa matéria. A minha pergunta é porque é que, num, se pronuncia num certo sentido e noutro porque é que

se calou.

A questão de que falou trata da designação dos juízes do Tribunal Constitucional. Além de ser um

eminente mestre e professor de Direito, de ter sido um Deputado constituinte brilhantíssimo, Jorge Miranda

também foi, como todos sabem, juiz da Comissão Constitucional — aliás, tal como o nosso presidente também

ainda esteve na Comissão Constitucional. Portanto, também conhece este outro lado das coisas e propõe uma

espécie de retorno a uma designação plúrima dos juízes do Tribunal Constitucional.

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Uma das coisas que vejo, quando olho para o Tribunal Constitucional (poderei estar enganado) e oiço as

pessoas dele falar, são duas categorias de juízes — eventualmente, noutro tempo, haveria mais do que duas:

os directamente eleitos pela Assembleia e os cooptados, sendo estes, geralmente, uma categoria menorizada

num certo sentido.

Pergunto-lhe: uma vez que falou nisso, mas por outra via, não seria ou não será mais adequado, a

preservar a independência do Tribunal e a igualdade entre os seus membros, que eles sejam todos

designados pela mesma instituição, uno acto, quer seja a Assembleia, como é normal, quer seja o Presidente

da República? Esta era uma das coisas sobre a qual queria ouvi-lo falar.

Outro ponto, a respeito do qual guardou um prudente silêncio, é uma questão aguda. Tenho sobre ela uma

ideia pessoal, mas não são bem as minhas preocupações que estão aqui em causa. Trata-se de um problema

do sistema eleitoral. Julgo não ter feito nenhuma proposta de modificação do sistema proporcional — aceita as

obras, um pouco enigmáticas, num certo sentido, que foram feitas ainda em 1989 —, pelo que gostava de

saber, se é verdade, como julgo, que continua a ser defensor do sistema proporcional, porque é que o é.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Prof. Jorge Miranda.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Presidente, começaria por dizer que o Sr. Deputado Barbosa de Melo me

dirigiu palavras só ditadas pela amizade de há muitos anos — sabe que a amizade é retribuída e a admiração

é também muito grande, mas não vale a pena estarmos aqui a perder tempo com a saudade de há vinte anos,

precisamente! Já passaram vinte anos!… São os tempos em que nós três aqui nos encontrámos — eu, o Sr.

Presidente e o Sr. Deputado Barbosa de Melo. Bons tempos! Mas a roda girou, como se costuma dizer, e

voltámos a encontrar-nos — e ainda bem — em tarefas constitucionais. Todavia, devo dizer que guardo muita

saudade da Assembleia da República, mas o dia só tem 24 horas e ainda agora, para chegar aqui, foi

terrível…

Respondendo às perguntas: em relação ao Tribunal Constitucional, a ideia que tenho é a de que o Tribunal

Constitucional deve ter uma composição pluralista, tendo em conta a sua função, que é diferente da função

dos demais tribunais, e deve traduzir as grandes correntes de opinião jurídica, as grandes correntes

jurisprudenciais e não tanto as grandes correntes políticas como as grandes correntes de opinião jurídica, ou

jurisprudenciais, ou até jurídico-políticas ou jurídico-constitucionais existentes na sociedade.

Nessa medida, compreende-se perfeitamente que haja uma prevalência da Assembleia da República, mas

esta, que é formada e deve continuar a sê-lo na base de partidos, não esgota a representação dessas

correntes de opinião jurídicas, ou jurisprudenciais, ou jurídico-políticas. Não esgota! Independentemente da

questão da maior ou menor adequação ao próprio sistema de governo semi-presidencial, que também foi

posta em 1982, há esta outra, que nem sempre tenho visto ser referida, que é a da adequação à pluralidade

de correntes de opinião jurídicas ou jurisprudenciais na nossa sociedade.

Sem dúvida que a Assembleia da República, através dos partidos, tem aí, e deve continuar a ter, um papel

decisivo — deve haver uma maioria clara de juízes designados pela Assembleia da República. Noutros

tempos, pensei em cinco, cinco, cinco — cabendo apenas à Assembleia da República cinco, cabendo três ao

Presidente da República e três aos tribunais, como acontece na Itália; mas hoje reconheço que uma maioria

de juízes de proveniência parlamentar está mais de acordo com esta ideia de representação das correntes

jurídicas ou jurisprudenciais. Mas não as esgota! Penso que não as esgota! Há outras correntes e, para dar

expressão a essas outras correntes, julgo que deveria haver uma intervenção do Presidente da República na

designação de alguns juízes.

Depois perguntar-se-ia: e quanto aos tribunais? Não deveriam eles ter uma participação? Aí, apesar de eu,

durante muito tempo, ter pensado que se justificaria, hoje tendo a pensar que não. Penso que seria complexo,

que seria difícil, que seria, de certa maneira, extremamente aleatório dar aos Tribunais Supremos, ou ao

Conselho Superior da Magistratura, ou ao Conselho Superior Judiciário, como quer que fosse, um poder de

designação, até porque talvez não se compreendesse muito bem a adjunção de juízes de designação

judiciária ao lado de juízes de designação parlamentar ou presidencial.

De maneira que o sistema que aqui sugiro é um sistema em que há oito juízes de proveniência parlamentar

e, ao lado deles, juízes de carreira mas designados uns pelo Presidente da República e outros cooptados

pelos dez primeiros. Seria algo semelhante àquilo que acontece já em relação ao Conselho Superior da

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Magistratura, em que o Presidente da República designa um juiz. Portanto, não seria o presidente da

República a designar um jurista político, digamos assim, à margem dos partidos, mas o Presidente da

República, em seu critério, numa perspectiva suprapartidária (como tem sido a perspectiva dos Presidentes da

República que temos tido desde 1976), a designar juízes que aproximassem mais a composição do Tribunal

Constitucional da diversidade real de correntes jurídicas e jurisprudenciais existentes entre nós. Nesta

perspectiva, não me choca que haja juízes cooptados.

De resto, a prática tem mostrado, tanto quanto tenho visto reconhecido na opinião pública e na opinião

jurídica, que não há diferença entre o juiz eleito directamente pela Assembleia da República e o juiz que é

cooptado. Não tem havido diferença de estatuto! Não há uma capitis deminutio do juiz cooptado!

Na minha perspectiva ainda (e esse é um ponto de grande importância), a Assembleia da República não

deveria eleger nenhum juiz de carreira, porque isso é introduzir um factor de partidarização na magistratura. O

juiz de carreira deve ser isento — não só deve ser como deve aparentar ser — e estar à margem dos partidos.

O juiz de carreira que deve integrar o Tribunal Constitucional, também na perspectiva de pluralismo, deve

então vir ou do Presidente da República ou da cooptação — não directamente da Assembleia da República.

Aliás, um dos vícios mais graves que entendo que tem hoje o Tribunal Constitucional é o de haver juízes de

carreira eleitos pela Assembleia da República, ou seja, eleitos a partir de propostas partidárias. Isso é

extremamente mau para a magistratura.

Isso liga-se a uma outra ideia que também tenho no meu texto que é a de considerar que nenhum juiz de

carreira pode ir exercer funções políticas e, depois, voltar à magistratura como se nada acontecesse —

certamente que, como cidadão, terá esse direito mas, então, deixa a magistratura. Juízes de carreira que

entram e saem da carreira para exercerem funções políticas não é algo compatível com o Estado de direito

democrático, na minha maneira de ver. Esta é a resposta à primeira pergunta.

Quanto ao sistema eleitoral, continuo favorável — empenhadamente favorável — ao princípio da

representação proporcional. Penso que é aquele que traduz melhor a realidade de uma sociedade, que

permite mais facilmente a integração política, que, como se tem verificado entre nós, mais tem contribuído

para uma comunicação entre o Parlamento e as correntes de opinião existentes na sociedade.

Reconheço que tem inconvenientes, que pode ter inconvenientes, e reconheço que particularmente o

sistema adoptado entre nós na eleição da Assembleia da República, tal como tem funcionado, tem tido alguns

vícios, mas o princípio da representação proporcional não impede modificações no sentido do

aperfeiçoamento: já em 1989 se permitiu a criação de um círculo único nacional, a compatibilização de um

círculo único nacional com círculos locais; nada impediria que fosse adoptado com o princípio da

representação proporcional um sistema de tipo alemão, à semelhança do que foi agora adoptado e praticado

na Nova Zelândia e que eu próprio tinha proposto em 1982 e consta do projecto de Código Eleitoral de 1987. E

há outros métodos, há muitos métodos de aperfeiçoamento do sistema de representação proporcional,

inclusive no sentido de uma aproximação dos Deputados aos eleitores.

Aquilo que me parece essencial é evitar um sistema de círculos uninominais, pura e simplesmente, como

alguns defendem, ou evitar a ideia das candidaturas independentes na eleição parlamentar, o que é

puramente ilusória (com o devido respeito) — não se compreende uma Assembleia da República, perante a

qual responde o governo que, por hipótese, fosse formada só por independentes! É absolutamente contrário

ao que deveria ser. A prática, de resto, tem demonstrado que, na Europa, onde há independentes, eles não

chegam ao Parlamento.

Portanto, na eleição parlamentar, têm de estar os partidos, mas pode haver formas de personalizalização,

de maior responsabilização. Há muitos estudos de sistemas eleitorais nesse sentido e julgo que os Srs.

Deputados os conhecem bem melhor do eu.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, em nome da bancada do PS, gostaria de saudar o Sr. Prof.

Jorge Miranda. A contribuição que deu, pesou em muitos projectos de revisão constitucional, seguramente no

nosso, em muitos aspectos. Tivemos todo o prazer e teríamos o dever político e de aproveitamento de boas

contribuições constitucionais, de sopesar cada uma das iniciativas que nos apresentou. Portanto, é com

redobrado prazer que o reencontramos no sítio que, por definição, lhe pertence também.

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Sr. Presidente, nós adoptámos, como critério metodológico, dar alguma imagem e alguma expressão aos

resultados do debate que fomos travando ao longo do tempo. Não estamos como há meses, na altura em que

esta contribuição original para o processo de revisão constitucional foi apresentada; no interim, chegámos a

algumas soluções ou estamos a aproximar-nos de consensos em relação a questões que, no passado, eram

polémicas.

Isso acontece em relação a questões como o referendo, que já foi objecto de discussão que nos aproximou

e que contribuirá, seguramente, para soluções que vão bastante no sentido proposto pelo Prof. Jorge Miranda,

o que é positivo, seguramente.

Por outro lado, em relação à regionalização, logrou-se uma solução referendária sobre a qual gostaria de

ter uma opinião do Prof. Jorge Miranda, porque se prevê um referendo nacional, ou seja, tudo indica que

alteraremos o processo da instituição em concreto das Regiões Administrativas, fazendo intervir um referendo

nacional no momento da formação da vontade política da Assembleia da República sobre a matéria. Noutras

matérias, ainda não pudemos trocar impressões nesta primeira leitura.

O Sr. Deputado Barbosa de Melo teve ocasião de o interrogar sobre uma das questões acerca da qual a

sua contribuição de revisão constitucional é omissa — a questão da reforma eleitoral — pelas razões que já

deixou exaradas. Não insistirei nesse ponto, mas há alguns problemas de reforma do sistema político, que são

pontos cruciais do projecto de revisão constitucional do PS, sobre os quais o Sr. Prof. Jorge Miranda ainda não

se pronunciou e eu gostava que o fizesse.

Por um lado, em relação à questão da abertura à participação de cidadãos portugueses residentes no

estrangeiro na eleição presidencial, em condições determinadas e limitadas que, na nossa óptica, visam

assegurar a genuinidade e segurança do sufrágio.

Por outro lado, em relação à abertura aos cidadãos da iniciativa legislativa: fazemo-lo em termos limitados

e medidos, mas creio que seria interessante que ponderássemos as virtudes e os deméritos dessa proposta.

Em terceiro lugar, em relação à possibilidade de iniciativa popular para fiscalização da constitucionalidade

— é um traço que consta do nosso projecto de revisão constitucional e que, quanto a nós, poderia ter

vantagens ao alargar o espaço de intervenção cívica em relação a diplomas que sejam polémicos quanto à

sua constitucionalidade.

Em relação a algumas das propostas do Prof. Jorge Miranda, gostaria que pudesse esclarecer um pouco

em que termos e porquê propõe a depuração do direito de acção popular, a decantação daquilo que, hoje em

dia, está um pouco amalgamado na disposição constitucional que o regula.

Finalmente, em relação aos poderes legislativos das Regiões Autónomas, creio que seria interessante que

pudéssemos aprofundar um pouco a solução que adianta, porque ela é, em si mesma, polémica mas a

solução de partida, que é a que está em vigor, é igualmente polémica e tem muitos inconvenientes. Todavia,

ainda não abordámos esse aspecto e creio que seria importante que pudéssemos fazê-lo com a sua

contribuição qualificada.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Prof. Jorge Miranda.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Deputado José Magalhães, agradeço muito as suas palavras — é

sempre também com muito gosto que o encontro.

Espero que, apesar da sua intensíssima vida parlamentar, também algum dia avance nos seus trabalhos

académicos, aliás, aproveitando justamente esta riquíssima experiência que aqui tem tido.

Vou tentar responder às suas perguntas, dizendo que, em primeiro lugar, em relação ao referendo a

respeito da regionalização, confesso que não sei muito bem qual foi a solução à volta da qual se fez o princípio

do consenso, portanto, não me pronunciaria neste momento.

Quanto às três propostas que constam do projecto do PS — abertura da possibilidade de cidadãos

residentes no estrangeiro, em certas condições, votarem na eleição presidencial, iniciativa legislativa popular e

iniciativa popular de fiscalização da constitucionalidade — devo dizer que não sou favorável a nenhuma

dessas propostas, Nenhuma!

Não sou favorável, desde logo, a essa possibilidade de participação de cidadãos portugueses residentes no

estrangeiro na eleição presidencial. Tive sempre muitas dúvidas e, neste momento, tenho cada vez mais

certezas (se assim posso dizer) a respeito dessa intervenção. Tendo em conta a natureza da eleição

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presidencial, tendo em conta o elevado número de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, tendo em

conta a enorme dificuldade de criação de critérios de distinção e tendo em conta, depois, também um pouco a

experiência — se se abre hoje para uns tantos, amanhã acabará por se abrir para todos — creio que é

preferível uma posição mais firme.

Devo dizer que tenho o maior respeito pelos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, mas tenho

dificuldade em ver esses cidadãos — se se lhes der, autenticamente, direito de voto e se se insistir em que,

efectivamente, votem — e em admitir que a eleição do Presidente da República (que não é uma mera figura

simbólica — é um órgão político de soberania que, não só em situações de crise mas também em situações

de normalidade constitucional, tem poderes, e deve continuar a tê-los, de grande importância), possa ser

decidida por cidadãos residentes no estrangeiro, que se sentem portugueses mas que não têm conhecimento

dos candidatos, não sentem directamente os problemas, não são atingidos pelas campanhas eleitorais, não

têm, portanto, um verdadeiro sentido de participação semelhante àqueles que têm os cidadãos residentes em

território nacional. Além de ser muito difícil assegurar a liberdade e a igualdade das candidaturas fora do

território nacional.

É certo que já hoje temos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro a votar na eleição parlamentar,

mas apenas elegendo quatro Deputados. Todavia, em relação ao Presidente da República, não é possível

fazer nada de semelhante para filtrar, ou eliminar, ou diminuir o peso real dos cidadãos portugueses residentes

no estrangeiro.

Assim, julgo que ninguém defenderia uma solução como aquela que consta da Constituição de Cabo

Verde, em que o voto de cada cidadão cabo-verdiano residente no estrangeiro na eleição presidencial vale um

quinto do voto do cidadão cabo-verdiano residente em Cabo Verde — aliás, acho que esta seria uma situação

extremamente esdrúxula.

Portanto, acho que é preferível, pura e simplesmente, não dar direito de voto aos cidadãos portugueses

residentes no estrangeiro, e dizer porquê. Isto nada tem a ver com o interesse que temos, que a comunidade

portuguesa tem, relativamente a esses seus membros de pleno direito. Além de que também há outro

problema que é bem conhecido: o problema da dupla nacionalidade, o problema de também distinguir aqueles

que, eventualmente, nem sequer iriam votar numa perspectiva exclusivamente portuguesa. Assim, não sou

favorável a essa primeira proposta.

Tão-pouco sou favorável à proposta da iniciativa legislativa popular. Aquilo que se verifica — e os Srs.

Deputados têm essa experiência muito melhor do que eu — é que a Assembleia da República já se encontra

atulhada de projectos e propostas de lei, dado não tem havido nenhuma racionalidade a esse propósito.

Também compreendo que os partidos, os grupos parlamentares, os Deputados, queiram apresentar

projectos, até por uma questão de opinião pública, mas verifica-se que a Assembleia da República não dá

vazão às iniciativas legislativas que vêm dos Deputados, dos grupos parlamentares, das Assembleias

Legislativas Regionais e até do Governo. Não dá vazão!

Assim, aumentar o trabalho parlamentar (ou melhor, o não trabalho parlamentar, porque seria assim que a

opinião pública sentiria o problema) com iniciativas vindas de fora, de grupos de cidadãos — iniciativas no

sentido de um direito a obter uma decisão, no sentido próprio de iniciativa — parece-me que seria

inconveniente. Julgo que seria vantajoso…

O Sr. José Magalhães (PS): — Permite-me que o interrompa?

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): — O Sr. Professor tem uma solução que, aliás, é bastante original e que nos

pareceu, na altura, bastante interessante, que é a de, no artigo 52.º, alvitrar que as petições apresentadas à

Assembleia da República sejam apreciadas inclusivamente com os projectos e propostas de lei.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Deputado, eu ia precisamente aludir agora a esse ponto.

Em vez de iniciativa legislativa, aquilo que eu julgo que seria preferível e económico e daria aos cidadãos,

certamente, um sentido de participação, era fazer aquilo que agora já estamos a fazer quando VV. Ex.as

aqui

me recebem: sempre que a Assembleia da República tivesse de se ocupar de determinada matéria, através de

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um projecto ou proposta de lei, e sempre que, sobre a mesma matéria, tivesse havido uma petição de

cidadãos, então essa petição seria considerada, seria anexada ao processo legislativo, àquele procedimento

legislativo em concreto.

Portanto, não era uma iniciativa legislativa autónoma; era considerar que a petição seria apreciada, os

termos da petição seriam considerados aquando da apreciação e da discussão parlamentar de projectos e

propostas de lei. Julgo que seria algo de bastante económico e aí não haveria nenhum problema. Dar aos

cidadãos o direito de apresentarem projectos de lei ou propostas de lei (não sei como é que se chamariam) à

Assembleia da República para, eventualmente, nem sequer serem apreciados ou discutidos, e muito menos

votados, julgo que seria até contraproducente.

Coisa diversa é aquilo que eu sugiro a respeito do referendo: é a ideia do veto popular, à semelhança do

que acontece na Itália — seria a possibilidade, um pouco ao contrário, de grupos de cidadãos, relativamente a

leis ou decretos-lei já em vigor, pedir a sua revogação.

O veto popular, julgo que seria mais exequível e daria certamente aos cidadãos maior sentido de

participação. Mas iniciativa legislativa originária, autónoma, com vista à aprovação de uma lei na Assembleia

da República, não me parece que tenha qualquer virtualidade.

Em termos de democracia pura seria o ideal. Em relação a autarquias locais, admito que possa ser

considerada a iniciativa popular em matéria de autarquias locais. Porque não? A nível municipal, a nível de

freguesia, admito perfeitamente que aí seja exequível, mas em relação a questões concretas, a nível da

Assembleia da República, entendo que não.

Também não concordo com a iniciativa popular de fiscalização abstracta da constitucionalidade. Não me

parece por razões, de certa maneira, parecidas: o Tribunal Constitucional também já se encontra

extremamente assoberbado de trabalho. Haveria o risco de este tipo de iniciativa ser, no fundo, uma retomada

de problemas por forças políticas derrotadas no Parlamento — poderia acontecer. No Parlamento, um partido

é derrotado, não consegue fazer prevalecer a sua opinião, o projecto ou a proposta de lei a favor ou contra o

qual se pronuncia é aprovado e, então, reúne um certo número de assinaturas para obter do Parlamento ou do

Tribunal Constitucional aquilo que não obteve do Parlamento.

O Sr. Presidente: — Sr. Prof. Jorge Miranda, mas isso já pode fazê-lo hoje, através dos respectivos

Deputados que têm acesso directo ao Tribunal Constitucional.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Pode, mas é diferente.

De resto, e curiosamente (ainda bem!), tem havido uma certa contenção dos Deputados em relação a isso,

mas, mesmo assim, é diferente através dos Deputados. É um mecanismo mais importante do que essa

participação a nível de fiscalização abstracta, a participação a nível de fiscalização concreta, como eu defendo

— quer a fiscalização concreta quanto à inconstitucionalidade por acção, no tocante a direitos, liberdades e

garantias, quer a fiscalização concreta quanto à inconstitucionalidade por omissão.

Confesso que não conheço — não estou a ver, agora (a ignorância é minha, não fiz essa pesquisa), um

país em que haja uma iniciativa popular de fiscalização abstracta da constitucionalidade das leis. E se há a

dos Deputados, pois então deixemos os Deputados e não vamos agora complicar mais as coisas.

Quanto à acção popular, aquilo que procuro é, no fundo, distinguir duas figuras que são realmente distintas:

a acção para defesa de interesses difusos, em que estão em causa interesses comunitários; e a acção popular

que tem em vista interesses públicos.

A que se refere à defesa de interesses difusos, está bem, está muito bem. Sem dúvida, é um dos

progressos maiores que foi feito com a revisão constitucional de 1989. O lugar próprio para essa matéria (mas

isso é uma questão de somenos) seria não o artigo 52.º mas, sim, o artigo 20.º, defesa de direitos e

interesses, acesso ao direito e à justiça, até porque isto não é uma questão de direitos políticos e está antes

dos direitos políticos.

Em contrapartida, a acção popular verdadeira e própria, hoje, quase não existe, tirando os limitadíssimos

casos de acção popular a nível de autarquias quase que não existe. Penso que foi o Sr. Presidente, já muitos

anos, há cerca de vinte anos, que subscreveu um projecto de lei em matéria de acção popular verdadeira e

própria, em que havia algo de parecido com aquilo que eu agora preconizo. Seria bom que constasse da

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Constituição a acção popular para defesa da legalidade em matéria de estatuto dos titulares dos cargos

políticos e para defesa do património, e essa é que entra no campo dos direitos políticos.

Finalmente (e vou tentar abreviar, para não vos tomar mais tempo), quanto aos poderes legislativos das

Regiões Autónomas, aquilo que eu sugeriria, seria, de certa maneira ainda, uma clarificação considerado que

haveria certas matérias, a título enunciativo e não taxativo, a respeito das quais se reconheceria que haveria

interesse específico das Regiões Autónomas — que seriam a agricultura e pescas, transportes terrestres, e

marítimos e aéreos entre as ilhas, política de solos, habitação, urbanismo, ordenamento do território, equilíbrio

ecológico, recursos hídricos, minerais e termais e energia de produção local, património cultural e artesanato,

turismo e desenvolvimento industrial. É uma lista de matérias bem menor do que aquelas que constam dos

estatutos das duas Regiões Autónomas, que, aliás, têm listas também a título enunciativo, onde há linhas

manifestamente inconstitucionais.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Professor, coloquei-lhe esta questão porque, por um lado, vamos ter de

discutir esta matéria cuidadosamente mas, por outro lado, porque talvez seja possível uma outra aproximação

que utilize a démarche contrária àquela que consta da sua contribuição para a revisão constitucional.

A solução que adiantámos para debate, e está submetida a escrutínio público, no projecto de revisão

constitucional do PS, adopta a seguinte técnica e elenca e especifica aquilo que seriam matérias de

competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo: as constantes do artigo 167.º, 168.º, n.º 2

do 201.º, 272.º, 273.º; e, depois, especificamente, em várias alíneas (não as enumero todas), a legislação

geral do direito privado, a legislação processual civil, o regime de administração judicial penitenciária, política

externa e relações diplomáticas — mas com carácter taxativo. Ou seja, uma tentativa de delimitação

simultaneamente pela positiva, pelo ângulo das competências dos órgãos de soberania, o que deixa ou

deixaria aos órgãos de governo próprios das Regiões Autónomas, a contrario, todas as demais áreas.

Parece-lhe isso excessivamente arriscado ou uma démarche com inconvenientes?

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — É capaz de ser excessivamente arriscado. Julgo que, quanto às matérias

reservadas aos órgãos de soberania, isso não é posto em causa na minha proposta.

Naturalmente que tudo aquilo que é reserva de competência da Assembleia da República, isso continua a

ser vedado às Assembleias Legislativas Regionais. No resto, relativamente ao qual tem havido muitas dúvidas,

muitas hesitações e uma jurisprudência do Tribunal Constitucional que tende a ser restritiva, aí é que eu

começaria por garantir às Regiões Autónomas uma área relativamente sólida de matérias de interesse

específico.

Quanto a essas não haveria mais dúvida de que as Assembleias Legislativas Regionais poderiam… não

haveria dúvidas nem quanto às matérias reservadas à Assembleia da República nem quanto a estas matérias

que aqui aparecem enunciadas. No resto, as matérias de interesse específico poderiam constar dos estatutos

ou então resultar da própria dinâmico político-constitucional. Uma solução no sentido de o Estado pode fazer

isto e só isto e as Regiões Autónomas podem fazer tudo o mais.

Não sei se era isso o que se poderia depreender da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Isto

poderia aproximar a solução portuguesa de um solução tipo federal, em que o princípio é o de que tudo aquilo

que não é federal, é deixado à livre decisão dos órgãos dos Estados federados. Julgo que um princípio de

autonomia regional não é o mesmo que um princípio de Estado federado.

Por outro lado, também poderia acontecer, e poderia dizer-se, que esse elenco de matérias reservadas aos

órgãos de soberania seria tão vasto que, na prática, também bem pouca coisa ficaria para os órgãos regionais.

Essa proposta corre o risco ou de ser excessivamente liberal ou de alguém dizer que é hipócrita

(desculpem a expressão) por, afinal, tudo o que é importante ficar já à partida fechado aos órgãos regionais e

eles ficarem apenas com as bagatelas de regulamentação.

Eu preferiria um pouco esta solução, que é uma solução talvez mais tímida, que não pretende ser definitiva

mas que talvez fosse mais prudente, porque também temos de contar muito com a experiência.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero saudar, quer em nome do PCP

quer a título pessoal, a presença do Prof. Jorge Miranda nesta nossa reunião, dizendo da estima que sabe que

tenho por si. Queria também saudar a contribuição que, em termos gerais, tem dado à reflexão sobre matérias

constitucionais e, em concreto, este valioso projecto que nos enviou.

Algumas das questões que queria colocar-lhe estão já, de alguma forma, respondidas: as que dizem

respeito ao sistema eleitoral, ao universo eleitoral para as eleições presidenciais e a questão difícil da

definição do interesse específico das Regiões Autónomas.

Todavia, gostaria, ainda assim, de colocar duas questões e de salientar um aspecto que me parece

particularmente significativo do projecto que apresentou e que nos suscitou uma reflexão particular aquando

da elaboração do nosso próprio projecto de revisão constitucional, que é a forma sugestiva como aborda a

salvaguarda das competências da Assembleia da República perante a União Europeia — creio que inova,

neste domínio, e procura, creio que de uma forma bastante positiva, responder a uma questão fundamental

que é a de como salvaguardar a esfera própria de competências de um órgão de soberania como a

Assembleia da República perante o funcionamento regular das instituições da União Europeia.

Assim, creio que a solução que propõe tem algumas virtualidades e deveria, do nosso ponto de vista,

merecer uma reflexão e uma ponderação por parte desta Comissão.

Das duas questões que gostaria de colocar-lhe, a primeira tem a ver com algo que já há pouco abordou na

sua exposição inicial, que são as leis orgânicas. O Sr. Prof. Jorge Miranda propõe a supressão desta figura

constitucional, pelo que lhe coloco a seguinte questão: como é que vê este problema da existência de leis de

valor reforçado? Não prevê a possibilidade de leis orgânicas mas, assim, como é que encara a existência ou

não de diplomas legislativos que possam ter algum valor reforçado relativamente aos demais e,

concretamente, qual a relação que se deverá ou não estabelecer entre leis de bases, por exemplo, ou leis de

enquadramento — estou a lembrar-me da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado — e se deverá

haver alguma relação de hierarquia entre este tipo de diplomas e as leis ou decretos-lei que os desenvolvem?

A outra questão é mais um comentário à existência ou não — presumo que defende a sua existência na

medida em que não propõe a sua supressão — da fiscalização preventiva da constitucionalidade. Foi algo

contra o que algumas vozes se levantaram e levantam e é uma questão que estará presente ainda neste

debate, ou seja a da eventual supressão da possibilidade de fiscalização preventiva, pelo que gostaria de ouvir

o seu comentário a este respeito.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Prof. Jorge Miranda.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Deputado António Filipe, também sabe que a estima é recíproca — já

nos conhecemos há muitos anos e recordo também os velhos da Faculdade em que nos encontrámos.

Referiu-se a três questões: quanto à participação da Assembleia da República nas decisões no domínio

europeu, julgo que é um ponto nevrálgico de equilíbrio do sistema político. Aliás, é um problema que não se

tem posto só no nosso país — também tem surgido noutros países. É um pouco a coerência do sistema

político democrático representativo que, a meu ver, levará a que se procurem soluções no sentido de a tomada

de decisões em matéria europeia — decisões essas cada vez mais importantes, cada vez mais numerosas —

seja feita com uma intervenção da Assembleia.

A solução que proponho, é uma entre as possíveis — não pretende ser a única possível, noutros países

têm sido experimentadas várias soluções. Aqui, a Assembleia, através da sua Comissão de Assuntos

Europeus, já se debruçou sobre esse assunto; também tem havido vários colóquios, inclusive a nível

universitário, sobre esta matéria. Julgo que a Assembleia da República, nesta revisão constitucional, seja qual

for a solução que adopte, não pode deixar de tomar uma posição clara no sentido do reforço da sua

intervenção em matéria europeia.

Segunda questão: leis orgânicas e leis de valor reforçado — a meu ver, as leis orgânicas não são leis de

valor reforçado. Aquilo que caracteriza as leis de valor reforçado é uma relação de supra-ordenação dessas

leis relativamente a outras leis — não é bem uma questão de hierarquia, é mais uma questão de função ou de

papel dentro do sistema jurídico. E as leis orgânicas não têm essa característica: são essencialmente — e,

nesse aspecto, devem continuar a ser — leis relativamente às quais se pretende uma maioria mais qualificada.

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Aquilo que se pretende é uma maioria qualificada, ou mais qualificada, a respeito da sua aprovação, mas

não se pode dizer que elas sejam superiores a outras leis. Não há uma relação de força jurídica superior

àquela que se verifica entre as leis que referiu: a lei de bases e o decreto-lei de desenvolvimento, a lei de

autorização legislativa quanto ao seu sentido e o decreto-lei autorizado, a Lei de Enquadramento do

Orçamento do Estado e o próprio Orçamento do Estado, a Lei-Quadro das Privatizações e as leis em concreto

da privatização, a Lei-Quadro de Criação das Regiões Administrativas, ou a Lei-Quadro da Criação de

Municípios, etc. E não há esse tipo de relação; o que existe, e bem, e deve continuar a existir, é uma regra de

mais do que a maioria relativa para a aprovação dessas leis e, eventualmente, também uma regra de veto

qualificado.

Aquilo que acontece, na petição que apresentei, relativamente a essas matérias em que deve haver

maioria qualificada, é que alargo o elenco dessas matérias. Julgo que as cinco primeiras alíneas do artigo

167.º não esgotam, de modo algum, as matérias relativamente às quais deveria prescrever-se uma maioria

qualificada. Claro que isto tem de ser feito com conta peso e medida para não paralisar a vida legislativa, para

não impedir que a maioria de governo, a maioria conjuntural de governo, legitimada pelo voto popular, possa

manifestar as suas opções. mas julgo que aí poderia haver um alargamento.

Daí a dizer que as leis orgânicas são leis de valor reforçado, quanto a mim, não há nenhuma razão para

isso. As leis de valor reforçado existem, são essas que eu disse e ainda há outras. Tanto é assim que —

permitam-me que o diga — eu, neste momento, estou a preparar a arguição de uma dissertação de

doutoramento sobre leis de valor reforçado com 1800 páginas!… Onde as leis orgânicas só ocupam um lugar

entre vários.

Portanto, as leis orgânicas, mesmo para quem as considere leis de valor reforçado, não esgotam este tipo

de leis. Elas existem — não ponho em causa que existam — mas isso tem sido uma construção mais doutrinal

e jurisprudencial e não sei se convirá que a Constituição enuncie quais as leis de valor reforçado.

Até agora, tem havido uma construção doutrinal e jurisprudencial. A revisão constitucional de 1989, noutro

aspecto também muito positivo, veio consagrar expressamente a competência do Tribunal Constitucional no

tocante à garantia da constitucionalidade das leis comuns com as leis de valor reforçado. Quais sejam as leis

de valor reforçado? Isso resulta do sistema constitucional. As leis orgânicas, a meu ver, é que não o são. De

resto, ter leis orgânicas nunca foi da minha simpatia.

Quanto à fiscalização preventiva, sou e continuo a ser um adepto da fiscalização preventiva. Acho que tem

provado extraordinariamente bem, nunca paralisou a vida legislativa, evitou muitos problemas — muitas vezes,

o não se ter recorrido à fiscalização preventiva é que criou problemas, pelo que não há nenhuma razão para

desaparecer. Mais: até prevejo fiscalização preventiva obrigatória quanto aos tratados mais importantes.

Pessoalmente, nenhuma razão vejo para mudar o sistema — aliás, também há estatísticas quanto à prática

dos Presidentes da República e dos Ministros da República, de iniciativa de fiscalização preventiva e não há

razão nenhuma para mudar. É uma válvula de segurança que julgo que não se deveria perder.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): — Sr. Professor, se não se importa, gostaria de ouvi-lo sobre uma questão

que é a seguinte: falou, há pouco, numa proposta que fez que, aproximando-se do recurso de amparo, não é

ainda o recurso de amparo e tem a ver com as competências de fiscalização da constitucionalidade,

designadamente de outros actos como sejam os do poder judicial, que possam ser arguidos de

inconstitucionalidade de forma autónoma — julgo é essa a expressão que utiliza. Aliás, nessa medida, o

projecto de revisão constitucional que eu próprio subscrevo, e que, como sabe, não é o projecto do grupo

parlamentar a que pertenço, também aceita essa ideia com essa restrição e até com a inserção sistemática

que o Sr. Professor propõe, ao contrário de outros projectos que tentam tratar o problema noutra sede.

Mas, já agora, gostaria de conhecer a sua fundamentação própria para a circunstância de ser restritivo e de

não aceitar aquilo que muitos propõem, que é um direito de acção popular plena em matéria constitucional.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Prof. Jorge Miranda.

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O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Deputado, julgo que o nosso sistema de fiscalização concreta, sobretudo

depois das aberturas feitas em 1982, dá resposta à maior parte dos problemas que estão ligados ao recurso

de amparo e dá resposta em termos que têm sido satisfatórios.

Trata-se de um sistema de fiscalização concreta como aquele que temos, em que há logo uma decisão dos

tribunais relativamente à questão de inconstitucionalidade. Hoje, os cidadãos portugueses, como se vê pela

prática do Tribunal Constitucional, têm um acesso muito grande, muito vasto, quase ilimitado ao Tribunal

Constitucional — ainda há dias vi, no jornal, que o Tribunal Constitucional tinha emitido o seu milésimo

acórdão no ano de 1996, e, basicamente, a fiscalização abstracta tem estado quase paralisada. Portanto, não

há, entre nós, uma grande urgência em se abrir outra via ao lado da via da fiscalização concreta.

No entanto, tem havido alguns problemas, de que tive conhecimento, a respeito de certas decisões dos

tribunais que põem em causa direitos, liberdades e garantias e, às vezes, até, decisões dos tribunais, de certa

maneira, numa perspectiva quase de conflito com o Tribunal Constitucional. E devo dizer que aquilo que me

convenceu, durante muitos anos — até contra, pura e simplesmente, qualquer coisa como isto — no sentido

de uma necessidade de abertura, foi um estudo sobre o caso julgado inconstitucional em que apreciam várias

hipóteses em que, a meu ver, se não houvesse uma qualquer forma de recurso directo para o Tribunal

Constitucional, os direitos fundamentais dos cidadãos poderiam ficar muito lesados.

A par disto, também devo dizer — e há pouco não me referi a esse ponto — que, na minha petição,

aparece também outro recurso para o Tribunal Constitucional: recurso relativamente a actos políticos que

podem atingir titulares de órgãos políticos e relativamente aos quais, hoje, não há nenhuma garantia, nenhum

remédio jurisdicional. Não se trata só de abrir, quanto a decisões jurisdicionais, embora limitadamente, com

muita prudência, porque o recurso de amparo, por exemplo, em Espanha, todos sabem que teve uma

explosão de tal maneira que houve que o filtrar e os resultados não são muito famosos — mas é de abrir, com

prudência, ver aquilo que será a experiência. E, ao mesmo tempo, a titulares de órgãos políticos, em certas

circunstâncias, taxativamente aqui enunciadas e igualmente um acesso ao Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: — Sr. Prof. Jorge Miranda, da minha parte, gostaria também de colocar algumas

questões que ainda o não foram — a maior parte das que eu tinha elencadas, já o foram et pour cause, não há

nada de admirar nisso.

Gostaria apenas de abordar duas: as propostas que nos adiantou, passam, conspicuamente, por cima da

chamada Constituição social e da Constituição económica; assim, a pergunta é: porquê? Acha que não há

necessidade de nenhumas obras ou acha que essas normas da Constituição económica e da Constituição

social são demasiado fracas para suportarem qualquer formulação? Este o primeiro ponto.

O segundo ponto é a Constituição judiciária: pessoalmente, penso que esta é uma das vertentes do nosso

sistema de estado que carecem de franca reformulação. O actual sistema em que as leis e a prática

transformou o acesso aos tribunais, sobretudo aos tribunais superiores, em puro produto da antiguidade numa

carreira, parece-me que é uma das maiores perversões do sistema que temos perante nós. E as propostas

que nos apresenta de, de uma vez por todas, tornar claro que, em particular o Supremo Tribunal de Justiça e o

Supremo Tribunal Administrativo, não são terminais de uma carreira por antiguidade dos magistrados judiciais,

parece-me das propostas mais dignas de consideração que nos foram apresentadas nesta petição.

Assim, gostaria de ter, da parte do autor, uma particular consideração sobre a motivação deste tipo de

soluções que nos são apresentadas.

O Sr. Prof. Jorge Miranda: — Sr. Presidente, quanto à primeira pergunta, Constituição social e económica,

diria que a Constituição social, tal como está, está muito bem, mesmo muito bem — é um dos pontos mais

positivos da nossa Constituição desde 1976; as revisões de 1982 e de 1989 não truncaram a Constituição

social, aperfeiçoaram-na e julgo que está francamente bem.

Portanto, entre as alterações necessárias que eu sugeriria, não haveria nenhuma; entre as alterações

convenientes, só apareciam duas: uma a respeito da habitação e outra a respeito do ensino — já me referi a

elas. De resto, acho que está bastante bem.

Quanto à Constituição económica, foi a parte mais controversa da Constituição entre 1976 e 1989; chegou-

se a um certo consenso, pelo menos entre os dois partidos centrais do espectro político, a esse respeito. Em

larga medida, ela perdeu muita da sua perceptividade ou até mesmo normatividade — ficou bastante vazia em

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muitos aspectos; de todo o modo, há esse consenso. Tal como está, de resto, permite políticas económicas

bastante diferentes e, ao mesmo tempo, garante dois pontos que considero característicos do sistema

económico português desde 1976: a diversidade de sectores de propriedade de meios de produção, um certo

pluralismo económico, a par do pluralismo político, e a iniciativa cooperativa, um certo favor á iniciativa

cooperativa. São duas notas características da Constituição económica — mantêm-se e não vejo razão para

se fazer agora nenhuma outra modificação nem vejo que, na sociedade, agora, se pretenda resolver por via

constitucional qualquer problema económico.

Quanto à Constituição judiciária, estou inteiramente de acordo com aquilo que diz o Sr. Presidente Vital

Moreira — julgo que é um ponto que merece uma grande reflexão. É necessário, sem com isto se abrir

qualquer guerra relativamente aos tribunais ou aos juízes, reponderar todo o sistema de recrutamento e de

acesso dos juízes, tornando o sistema mais claro e susceptível de se valorizar a qualidade e também de se

quebrarem certos resquícios de corporativismo que, de quando em vez, se manifestam.

Nesse sentido, para além de certas obras mais formais, eu proponho que, no artigo 218.º, se estabeleça o

princípio do concurso no acesso aos tribunais de segunda instância e também no acesso ao Supremo Tribunal

de Justiça, ao Supremo Tribunal Administrativo, ao Tribunal de Contas e a metade dos lugares do Supremo

Tribunal Militar. Parece-me que a consagração do princípio do concurso é essencial — não o princípio da

antiguidade mas o princípio do concurso, ainda que reservando vagas a juízes de carreira, juízes togados,

mas sobretudo estabelecendo a necessidade de concurso.

Não se compreende que haja concursos nas grandes profissões, nas grandes carreiras, nos grandes

corpos do Estado, há nas Universidades, há na diplomacia, mesmo nas Forças Armadas há também a

necessidade de frequência de cursos para promoção a oficial superior e a oficial general — e, na magistratura,

nada disto se verifica. Isto não é, de modo algum, querer entrar em luta com a magistratura mas, pelo

contrário, querer valorizar a magistratura, querer dar-lhe um papel mais digno dentro da nossa sociedade, e

fazer com que os melhores juristas vão mesmo para a magistratura. Isso parece-me que só se consegue

através da via do concurso, incentivando a qualidade e não simplesmente a antiguidade.

Também tenho outras propostas em matéria de Constituição judiciária, reordenando melhor os tribunais,

reordenando melhor as relações do juízes, garantindo a independência dos juízes.

Gostaria de acentuar muito aquela nota que já há pouco mencionei: o princípio de que um juiz, depois de

entrar numa carreira política, aceitar ser Ministro, Secretário de Estado ou qualquer outro lugar de nomeação

política, não possa voltar à magistratura, não possa voltar a ser juiz.

Comprometeu a sua isenção política, fez uma opção perfeitamente legítima como cidadão mas não pode

voltar à magistratura — para evitarmos aquilo que todos sabem que se verifica muitas vezes: pessoas que são

juízes, depois, durante anos e anos, são Ministros, Secretários de Estado, Provedores de Justiça, Adjuntos ou

não, etc., etc., e, de repente, aparecem como juízes desembargadores ou juízes conselheiros, sem terem feito

a carreira. Isso parece-me que tem de acabar. Não só é mau em termos de isenção política como também é

mau — volto a dizer — em termos de qualidade e de igualdade entre juízes. Penso que este é um ponto da

máxima importância.

Já agora, permitam-me também, embora isto não tenha a ver com a magistratura, referir um ponto que

considero igualmente de grande importância em relação ao Parlamento: é que nenhum Deputado deve poder

aceitar nenhum lugar de nomeação governamental, mesmo a título gratuito — põe em causa a sua

independência se aceita esse lugar. Se aceita, sai do Parlamento e não pode voltar. Isto tem-se verificado ao

longo dos tempos — mesmo lugares puramente gratuitos, compromete-se a independência do Parlamento. É

necessário garantir a independência quer de juízes quer de Deputados relativamente ao Governo.

O Sr. Presidente: — Sr. Prof. Jorge Miranda, traduzo, sem dúvida, o parecer da Comissão se lhe disser

que este foi um dos momentos mais relevantes das nossas audiências com cidadãos que apresentaram

projectos de revisão constitucional e um momento alto da participação cívica nas tarefas públicas e na mais

eminente delas, que é a tarefa de formulação da Lei Fundamental.

Agradeço-lhe, pois, em nome de nós todos. Saiba que as suas propostas são frequente objecto de

consideração nesta Comissão, continuarão a sê-lo e, certamente, a argumentação que hoje nos trouxe,

renovada e sublinhada, será levada em conta.

Srs. Deputados, está encerrada esta audição.

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Eram 19 horas.

Srs. Deputados, declaro reaberta a reunião.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, antes deste excelente período de dialéctica constitucional, estávamos a tratar do artigo

122.º, e, para ultimar a sua discussão restava apenas debater uma proposta para a alínea i) do n.º 1, de Os

Verdes, cujos proponentes não se encontram neste momento presentes, a qual é coincidente com a

apresentada pelo Professor Jorge Miranda, no sentido de incluir de entre a publicação obrigatória no Diário da

República «Os resultados das eleições para os órgãos de soberania, das Regiões Autónomas e do Poder

Local e para o Parlamento Europeu, bem como os resultados de referendos;».

Visto não se encontrar presente nenhum dos proponentes, alguém quer pegar nesta proposta para efeitos

de discussão?

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, peço a palavra não para intervir sobre a proposta em causa

mas, sim, para dizer que, segundo creio, não chegamos a concluir muito bem, ou, pelo menos, fizemo-lo de

uma forma um pouco precipitada, a discussão da proposta relativa à publicação das decisões de organizações

internacionais.

Creio que tinha ficado mais ou menos assente que não haveria concordância, se isto significasse a

publicação de decisões já publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias…

O Sr. Presidente: Mas isso, ao que parece, é exactamente o que os proponentes querem.

O Sr. António Filipe (PCP): Mas creio que, depois, houve algumas tentativas para encontrar outras

soluções, a fim de dar um sentido útil a esta norma…

O Sr. Presidente: — Não me pareceu! Não tirei essa conclusão!

O Sr. António Filipe (PCP): Não fiquei com a certeza de…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, quem, por exemplo, levantou esse problema foi o Sr. Deputado José

Magalhães, mas para dizer que, mesmo para isso, não era necessário dizê-lo.

O Sr. António Filipe (PCP): Muito bem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Portanto, pelo apontamento que aqui tenho, não há acolhimento da proposta por

parte de nenhum dos partidos, nem do PS, nem do PSD, nem do PCP.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, peço desculpa, mas parece-me que o proponente não

esclareceu que volta dava ao n.º 2 do artigo 122.º.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Barbosa de Melo, o proponente disse que, logicamente, não se

aplicaria a questão da ineficácia jurídica, embora não tenha justificado como.

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Srs. Deputados, salvo uma nova discussão, que a todo tempo pode ser reaberta, a proposta para a alínea

c) do n.º 1 do artigo 122.º, apresentada pelos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, não tem

acolhimento.

Voltando à proposta para a alínea i) do n.º 1, que há pouco enunciei, de Os Verdes, não estando este

partido presente e não sendo, para efeitos de discussão, adoptada, passamos ao artigo 124.º, que se refere,

nem mais nem menos, à questão do alargamento do colégio eleitoral para o Presidente da República.

Srs. Deputados, relativamente a este artigo, foram apresentadas proposta pelo CDS-PP, pelos Deputados

do PSD Pedro Passos Coelho e outros, pelo PSD e pelos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, todas

no sentido do alargamento puro e simples do universo eleitoral para todos os cidadãos portugueses, residam

ou não em território nacional, tenham ou não outra cidadania além da portuguesa.

Há também uma proposta do PS que alarga, em termos restritos, o colégio eleitoral, de modo a abranger

os cidadãos recenseados no estrangeiro, desde que também não sejam havidos como cidadãos do Estado

onde residam e tenham tido residência habitual no território nacional durante, pelo menos, cinco dos últimos

quinze anos.

A apresentação das propostas está feita, e os Srs. Deputados proponentes podem justificá-las se

considerarem necessário.

Uma vez que não se encontra presente nenhum dos proponentes das propostas apresentadas pelo CDS-

PP e pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães

para justificar a apresentada pelo PS.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, esta proposta corresponde ao que chamámos de

princípios para a reforma do sistema político, e que estão no centro do projecto de revisão constitucional do

Partido Socialista.

Trata-se disso mesmo que o Sr. Presidente referiu há segundos, de uma abertura. O contrário foi a posição

de princípio que, sobre esta matéria, mantivemos durante muitos anos e, de resto, as razões subjacentes a

essa posição foram enunciadas há pouco, por mera coincidência, pelo Professor Jorge Miranda na troca de

impressões que tivemos e que foi devidamente registada. Muitas destas razões são tão relevantes que levam

às características da nossa proposta.

Propomos uma abertura medida, ou seja, uma abertura condicional e condicionada àquilo que julgamos ser

as condições essenciais para assegurar dois valores básicos: a genuinidade, por um lado, e a segurança

deste tipo de sufrágio, por outro.

As razões pelas quais deve ser genuíno dispensam reforço, são inteiramente óbvias, são comuns a todos

os actos eleitorais e, neste caso, ainda mais decisivas, uma vez que as eleições podem ser ganhas ou

perdidas por um voto.

As razões relacionadas com a segurança do sufrágio são as que correspondem às linhas de interrogação e

de crítica há pouco sintetizadas pelo Professor Jorge Miranda.

Onde fazemos assentar os requisitos necessários à realização destes dois princípios? À regra que não

permite a admissão ao sufrágio indistintamente de quaisquer cidadãos, independentemente do facto de terem

uma ligação dual ao Estado português e a outro; à regra que leva a tornar indistinta a natureza da residência,

ou seja, da ligação que tenham tido ao território nacional durante um determinado período de tempo, e,

evidentemente, há outras garantias, que são as que decorrerão do facto de não poderem ser, nesta matéria,

adoptadas regras diferentes das comuns a todos os sufrágios, como sejam a igualdade de oportunidades, a

igualdade de campanha, a liberdade de expressão, a igualdade de tratamento e as demais regras aplicadas a

todas as campanhas e que também devem ser a estas, embora não tenhamos tido, nesta sede, porque isso

seria sobreabundante e preciosista, o cuidado ou sentido a necessidade de vazar isso na circunstância em

que estávamos a regular uma, e uma única questão, a saber: quem era admitido a sufrágio.

Podemos ser persuadidos de que existem melhores condições do que estas? Seguramente! De que haja

nenhumas condições? Dubiamente, porque o acesso indistinto acarreta um conjunto de riscos, que são, no

fundo, os que decorrem da diversidade de situações. À diversidade de situações é normal e lógico que

correspondam diversidades de regimes, e é isso que procurámos aqui reflectir.

Estamos abertos, naturalmente, à discussão e a ser persuadidos de que há propostas melhores.

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O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, há propostas melhores, desde logo a do PSD.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): Essa era a que eu qualificava de pior, mas enfim!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): A proposta do PSD retoma a posição que o partido sempre tem

defendido quanto a este ponto.

Somos um povo com características peculiares, boa parte dos portugueses sai para o exterior e, depois,

boa parte deles regressa, mas estão sempre ligados à sua terra, ao seu País. Temos sempre defendido que

os portugueses residentes no estrangeiro, desde que sejam portugueses, desde que mantenham a

nacionalidade, devem participar na eleição do Presidente da República. Têm um direito próprio ligado à

cidadania, que é o de votar para o Presidente da República nos termos gerais.

Há, no entanto, problemas específicos que só a lei, como a lei eleitoral, a lei do recenseamento, a lei do

exercício do direito de voto, etc., pode resolver, criando as categorias, os modos de recenseamento e os

modos de exercício do voto, por forma a conciliar e a resolver as dificuldades práticas e naturais num voto à

distância. Daí a nossa proposta para o n.º 2.

No n.º 1 temos o princípio geral, onde todos os cidadãos portugueses eleitores também são eleitores do

Presidente da República, e o n.º 2 reserva à lei a fixação do modo de recenseamento e o exercício do direito

de voto daqueles que residam no estrangeiro. Portanto, por um lado, faz-se uma afirmação mais ampla, total,

mas, depois, reserva-se à lei esta possibilidade e necessidade de modelar as situações típicas, que há que ter

em conta.

De qualquer modo — e este é um cumprimento especial que dirijo ao PS —, finalmente, o PS saiu da sua

posição fechada em torno da abertura ao voto dos emigrantes na eleição presidencial, o que é de saudar.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estão em discussão as duas propostas.

Pausa.

Visto não haver inscrições, vou usar da palavra.

Por princípio, penso que o Presidente da República deve ser eleito por quem é afectado e tem a ver com as

decisões da República. Assim, não aplaudo a ideia de abertura do colégio eleitoral do Presidente da República

a residentes no estrangeiro.

Fala-se normalmente em emigrantes. Bom, residentes no estrangeiro não são necessariamente emigrantes

no sentido tradicional da palavra, são residentes no estrangeiro, por motivos de emigração ou outros, no

sentido técnico em que a palavra «emigração» é normalmente utilizada.

A verdade é que a nossa lei da nacionalidade, que não está constitucionalmente fixada, admite que são

portugueses todos aqueles que sejam filhos de pai ou de mãe português, em primeira, segunda, terceira,

quarta, quinta, décima geração, mesmo que nunca tenham residido em Portugal, mesmo que não falem

português, mesmo que nada tenham a ver com Portugal, mesmo que tenham outra nacionalidade e pela qual

são cidadãos activos, isto é votantes — eleitores de presidentes de câmaras, de presidentes das regiões, de

presidentes da república, de deputados — do país onde residem, do qual também têm nacionalidade, de cuja

língua falam, em suma, do país cujos interesses lhes dizem respeito!

Admitir a extensão do colégio eleitoral com uma lei da nacionalidade destas é, a meu ver, uma receita para

o desastre conceptual. É admitir que um português, em décima geração, que já só tem um nome, aliás,

afrancesado, porque outrora teve um pai ou uma mãe português, pode por isso, se lhe der na real discrição,

candidatar-se a eleger o Presidente da República Portuguesa, mesmo que no dia anterior tenha contribuído

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para a eleição do Presidente da República Francesa, ou do Presidente da República Americana, ou do

Presidente da República Venezuelana, ou do Presidente da República Brasileira!

Esta situação, sinceramente, não me cabe na cabeça!

Portanto, admitir que alguém que elege um outro Presidente da República a título muito mais directo por

ser o do país onde ele vive, do qual também tem nacionalidade e cujos interesses também são cobrados por

esse mesmo Presidente da República, possa eleger e decidir, só porque é formalmente um eleitor para o

Presidente da República Portuguesa, nos termos lábeis da nossa lei da nacionalidade, quem é o Presidente da

República de Portugal — ao contrário da eleição para a Assembleia da República, cuja maioria não é

determinada por um voto, o Presidente da República pode ou não ser eleito por um voto — é lógica que,

sinceramente, não posso subscrever.

Portanto, se posso dizer alguma coisa sobre estas duas propostas, para mim, a melhor proposta é a que

consta da Constituição. Agora, como second best, obviamente, das propostas de alteração, a menos má é

seguramente a do Partido Socialista, que garante dois princípios essenciais: a ideia de não terem capacidade

eleitoral, de não serem chamados a votar, os cidadãos com nacionalidade do país onde residem, que também

elegem o Presidente da República desse mesmo país, e os cidadãos que não tenham com o País o mínimo de

relação relevante, nomeadamente em termos de residência em território nacional. Mas já veria com enorme

preocupação que os proponentes desta ideia admitissem além daquilo que já foram.

De resto, chamo a atenção dos dois proponentes, do PS e do PSD, para algo que nenhum deles teve o

cuidado de fazer. Srs. Deputados, se se admite que cidadãos residentes no estrangeiro, mesmo com outra

nacionalidade, possam participar na eleição do Presidente da República portuguesa (e mesmo a proposta do

PS não o exclui) — por exemplo, um cidadão português residente na Venezuela e com nacionalidade norte-

americana pode eleger o Presidente da República português, aliás, pode não só eleger como ser candidato,

esta é a verdade, porque, segundo o artigo 125.º, «São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de

origem, maiores de 35 anos.» —, pergunto aos proponentes se o facto de não proporem qualquer alteração ao

artigo 125.º, depois de ter alargado o âmbito do artigo 124.º, foi apenas um lapso ou uma opção deliberada

para alargar também a capacidade eleitoral activa e admitir que um cidadão americano, que também pode ser

português, possa ser candidato à presidência da república em Portugal, ainda por cima residente no

estrangeiro.

São estas as questões que coloco.

O Sr. José Magalhães (PS): Tem de ser português de origem.

O Sr. Presidente: Pode ser português de origem e ter outra nacionalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): É um problema que já se coloca hoje.

O Sr. Presidente: Mas só se aplica aos residentes em Portugal.

O Sr. José Magalhães (PS): É um problema que já se coloca hoje.

O Sr. Presidente: Só aos residentes em Portugal.

O Sr. José Magalhães (PS): Hoje, são elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, com

mais de 35 anos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, sem que isto seja interpretado como qualquer

reivindicação pessoal, que não é, aliás, não houve a tentação de, no projecto que subscrevo, introduzir

qualquer norma que alterasse o regime vigente e até saliento o que o Sr. Presidente acabou de afirmar como

uma eventual contradição com o meu caso pessoal, gostaria de dizer que não posso ser candidato a

Presidente da República porque não sou português de origem, nasci brasileiro e, no entanto, estou,

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porventura, em melhores condições do ponto de vista dos laços de pertença à comunidade do que estaria a

generalidade dos cidadãos que, sendo abrangidos por este regime, passariam a poder ser candidatos. Neste

sentido, sou um caso particular, porque sou uma espécie de filho de emigrante ao contrário, não de um

emigrante português no estrangeiro mas de um emigrante estrangeiro em Portugal.

Confesso que consigo perceber a argumentação que foi aduzida pelo Professor Jorge Miranda e, em parte,

também pelo Sr. Presidente, pela circunstância de eu próprio, sendo de origem estrangeira ou tendo nascido

com outra nacionalidade, já que sou filho e neto de estrangeiros — e o facto de ser brasileiro não afasta a

natureza ou a diferença que existe —, ter a sensação, o que provavelmente acontece com grande parte dos

filhos de emigrantes portugueses residentes no estrangeiro, de que os laços de pertença à comunidade

desaparecem à medida que o tempo vai passando. E eu, embora tenha vindo para Portugal muito novo,

também muito cedo me fui ligando muito mais à terra onde resido, sentindo os seus problemas, e cada vez

mais me fui distanciando dos problemas da terra onde nasci, relativamente à qual, obviamente, ainda

conservava, e conservo necessariamente, alguns laços, ao ponto de ter mantido a nacionalidade brasileira

durante muitos anos e de nunca ter tido a vontade ou a curiosidade de votar, não obstante ter a curiosidade

intelectual de acompanhar a política do Brasil pelas revistas ou pelos jornais, o que não é, apesar de tudo, a

mesma coisa que ter a vontade de intervir, de decidir e de contribuir decididamente para uma solução, quanto

mais não seja porque a distância implica um desfasamento no que toca aos problemas e às alternativas que

se colocam, o que, na prática, impede que se faça uma escolha conscienciosa e, às vezes, até de bom senso.

Por esta razão tenho, de facto, alguma facilidade em perceber, a contrario, a argumentação que é aduzida,

se não à proibição absoluta de voto dos emigrantes, às restrições que lhe poderão ser impostas. Confesso,

para além do mais, que, nesta matéria, fico sempre com a sensação de que esta é uma discussão deturpada,

porque (e é preciso dizê-lo, apesar de tudo) nasce de uma querela ideológica de finais dos anos 70 e princípio

dos anos 80, a qual tem a ver com a circunstância de, em função dos resultados eleitorais verificados até à

data, se ter convencionado que a emigração votava predominantemente à direita e não à esquerda, o que

tinha ou poderia ter repercussões decisivas em determinados actos eleitorais. Aliás, o acto eleitoral em que

esta questão mais se colocou e em que o argumento foi mais usado — e estou à vontade para o afirmar — foi

o das presidenciais de 1985, em que o Professor Freitas do Amaral foi derrotado por uma margem que,

embora fosse maior do que a que poderia ter sido obtida com os votos dos emigrantes, era, apesar de tudo,

muito reduzida. Porque participei na estrutura da campanha do Professor Freitas do Amaral, apoiei-o nessas

eleições, estou à vontade para dizer que, provavelmente, já não me lembro, também terei em algum momento

utilizado esse argumento, quanto mais não fosse pela sensibilidade dessas questões. E exactamente por isso,

a meu ver, esta discussão tem esse vício histórico, que impede, de alguma maneira, que as coisas se vejam e

se discutam com alguma serenidade, e é a razão pela qual ela tem sido bandeira de alguns partidos e não tem

sido de outros, e penso que isso cria algum prejuízo à serenidade da discussão.

Reconheço que haja casos de injustiça, como também reconheço que há emigrantes que mantêm laços de

pertença muito fortes à comunidade, que se mantêm informados e mantêm a sua vontade de participar,

nomeadamente porque fazem a sua vida fora na perspectiva do regresso, e, portanto, têm desejo de

participação no sentido de garantir o seu próprio futuro. Reconheço que essa distância vai diminuindo à

medida que as tecnologias vão evoluindo e que a sociedade de informação se vai desenvolvendo, em que o

mundo se vai reduzindo em termos de espaço real, e até admito que se possa evoluir um pouco em relação ao

regime de proibição absoluta. No entanto, penso que, nesta matéria, tal como em outras, invocando aquilo que

o PSD invoca frequentemente a propósito de outras questões constitucionais, é preciso avançar gradualmente

e com prudência. Isto é, mesmo que se conceda uma qualquer abertura nesta revisão constitucional, é preciso

evitar a tentação de passar de 8 para 80 e de, com isto, porventura, criar problemas que causarão prejuízos

irreversíveis, o que pode não suceder, mas também pode suceder, em futuros actos eleitorais.

Por isso, nesta perspectiva, embora não tenha subscrito qualquer proposta específica sobre esta matéria e

não tenha uma opinião definitiva sobre as virtudes da proposta do PS, que, a meu ver, tem alguns

inconvenientes, que foram apontados pelo Sr. Presidente, penso que se deve ter a ponderação necessária

para, mesmo que se admita alguma abertura, que ela seja feita gradualmente e para evitar a tentação de

passar de 8 para 80, a fim de não se criarem algumas situações, em certa medida, incómodas no futuro.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, creio que quer a intervenção de há pouco do Professor

Jorge Miranda quer a intervenção do Sr. Presidente foram de grande importância para este debate e considero

particularmente impressivo o depoimento do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Em minha opinião, esta questão foi das armas de arremesso político mais utilizadas na última década, e

foi-o com a maior violência — estou a lembrar-me particularmente do discurso do então Primeiro-Ministro,

aquando da inauguração das emissões da RTP Internacional, e até de fases dos trabalhos desta Assembleia

na anterior Legislatura, onde esta questão era arremessada com grande violência por parte da maioria de

então. E não vemos razão para alterar a posição que exprimimos aquando da revisão constitucional de 1989;

isto é, estamos conscientes da natureza distinta das eleições legislativas e presidenciais.

Efectivamente, não vemos que a possibilidade, justamente conferida aos cidadãos portugueses residentes

no estrangeiro, de eleger alguns Deputados representativos dos círculos de emigração, digamos assim, possa

ser extrapolável por forma a ser-lhes atribuído um direito de voto numa eleição como a presidencial, onde,

como muito bem foi dito, por um voto se ganha e por um voto se perde. Portanto, custa-nos a admitir que um

cidadão, embora de nacionalidade portuguesa, residente algures na Pensilvânia e que há várias gerações,

nem ele nem a sua família, não têm uma relação relevante com o território nacional, possa decidir da eleição

do Presidente da República em Portugal ou até vir a ser candidato.

Portanto, não vemos que haja razões para abandonar a posição de reserva que já exprimimos noutras

ocasiões relativamente a esta matéria. Não é o facto de ter havido uma enorme pressão política para trazer

esta questão para a ribalta que nos faz mudar de posição e ter uma posição menos serena nesta matéria.

Por outro lado, parece-me que a tentativa feita pelo Partido Socialista, de abrir a porta à consagração da

possibilidade de cidadãos residentes no estrangeiro votarem nas eleições presidenciais, também traz algumas

dificuldades quanto à sua exequibilidade prática, na medida em que iria complexificar de facto o

recenseamento eleitoral no estrangeiro e colocar exigências que, à partida, não estou a ver como poderiam

ser facilmente ultrapassadas, designadamente a nível do ónus da prova quanto à residência habitual no

território nacional durante pelo menos 5 dos últimos 15 anos ou quanto à cidadania de outro Estado.

Portanto, creio que a solução, embora seja engenhosa, oferece dificuldades.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, gostaria apenas de produzir uma nota relativamente

àquilo que disse há pouco e tendo em conta o que foi produzido entretanto nesta reunião.

É verdade que muitos portugueses que vivem no estrangeiro se sentem humilhados e ofendidos por não

terem direito de voto nas eleições presidenciais. Quando falamos de um português que se perdeu na

Amazónia, na Índia, de um Fernão Mendes Pinto, que anda pelas terras da Tartária, é verdade que esses se

desligaram, mas há muitos que querem voltar, que estão interessados e que se sentem discriminados pelo

facto de não poderem ser «ouvidos» numa eleição presidencial.

Como, aliás, já foi dito, e bem, pelo Professor Jorge Miranda, o Presidente da República (e agora dou um

argumento ao contrário), em Portugal, não é um verbo de encher, é uma figura representativa real, com

densidade real, política, e um português que se preza de o ser, mesmo que viva no estrangeiro, que tenha

ligações afectivas à sua terra e a ela queira voltar, gosta ter a possibilidade de participar no acto de

designação do líder da sua comunidade. Negá-lo é negar uma evidência.

É certo que tem havido dramatizações políticas (há sempre em todas as coisas) por parte dos partidos que

têm defendido sempre o voto dos emigrantes, mas isto não implica que estas dramatizações não

correspondam a um sentimento das pessoas que aqui também representamos, que são os nossos

concidadãos que vivem no estrangeiro.

Deixo esta nota, dizendo que não é só mise en scène política que está por detrás disto mas também o facto

de se dar expressão e guarida a um sentimento forte de que partilham muitíssimos portugueses que vivem no

estrangeiro, que é o de terem a possibilidade, o direito, de dizer quem querem para líder da comunidade

nacional na função do Presidente da República.

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O Sr. Presidente: Srs. Deputados, antes de dar palavra ao Deputado Carlos Luís, gostaria de saber em

que termos é que o Partido Socialista, nas declarações do Deputado José Magalhães, manifestou uma

oposição à proposta do PSD?

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, a nossa objecção é a uma solução que, indistintamente,

de forma incondicional e sem qualquer garantia de genuinidade e segurança, tal como adianta o PSD, permita

a intervenção dos residentes no estrangeiro no sufrágio, apontando nós para uma solução que a admita em

condições que garantam precisamente esses dois valores: a genuinidade e a segurança.

A nossa solução não é, portanto, a nossa última palavra, a não ser quanto à filosofia, pois essa é

inequívoca.

Já agora, Sr. Presidente, o meu colega Carlos Luís vai, sobre esta matéria, emitir uma opinião, após o que

eu gostaria de fazer um pequeno comentário às observações feitas, mas prezaria muito que ele tivesse a

possibilidade de intervir agora.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, é para mim, particularmente grato estar nesta

Comissão, neste momento, e tecer algumas considerações sobre esta matéria, porque sou não só Deputado

eleito pelo círculo eleitoral da Europa, pelas comunidades portuguesas, como sobretudo um ex-emigrante, filho

de ex-emigrantes.

Em primeiro lugar, quero congratular-me com a possibilidade de os residentes portugueses no estrangeiro,

que são uma parte de um universo muito vasto, poderem vir a exercer o seu direito de cidadania.

Não sou jurista, mas, tendo conta a experiência e os contactos com as comunidades portuguesas e a

participação de fóruns internacionais, debrucei-me um pouco sobre esta matéria e fui ver como é que os

emigrantes dos países membros da União Europeia votam para a eleição do Presidente da República, como é

que os emigrantes franceses, espanhóis, etc., exercem o seu direito de voto.

Na altura, aquando deste pequeno estudo, eram 12 os países da União Europeia, dos quais 6 eram

monarquias e os outros 6 eram repúblicas, e continuam a sê-lo. Claro que para o rei ou para a rainha não se

vota, e, portanto, o problema está resolvido.

O Sr. Presidente: — Aí está uma violação grave no direito de os cidadãos escolherem o seu chefe.

Risos.

O Sr. Carlos Luís (PS): — Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — É um direito que se deve consagrar imediatamente.

O Sr. Carlos Luís (PS): — Estou perfeitamente de acordo.

Risos.

Em relação às 6 repúblicas, quando eram 12 os países da União Europeia, também não havia um sistema

uniforme quer quanto à eleição quer quanto ao modo como ela se processa. Mas posso dizer e afirmar que a

média, em termos de saída do país de origem, corresponde à média, digamos assim, dos países membros da

União Europeia.

Neste sentido, eu, como ex-emigrante e filho de ex-emigrantes — e agora falo em termos pessoais, não

comprometendo o meu grupo parlamentar —, entendo que o tempo ainda deveria ser mais dilatado, para que

um universo mais vasto de portugueses que trabalha e reside no estrangeiro pudesse exercer o seu direito de

cidadania…

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O Sr. Presidente: Está a referir-se à alínea b) do n.º 1 do artigo 124.º da proposta do PS?

O Sr. Carlos Luís (PS): Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Está a referir-se a «(…) tenham tido residência (…) durante, pelo menos, cinco dos

últimos quinze anos»?

O Sr. Carlos Luís (PS): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — No seu entender isto é pouco?

O Sr. Carlos Luís (PS): No meu entendimento, é, mas é um entendimento pessoal e que só a mim,

como Deputado, compromete.

No que diz respeito ainda ao estudo que fiz, verifiquei que há recomendações sobre a dupla nacionalidade

da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, organismo do qual Portugal é membro, e que Portugal

tem uma flexibilidade bastante vasta no que diz respeito à concessão da dupla nacionalidade. Como membros

efectivos deste organismo, devemos ter em atenção as recomendações do Conselho da Europa sobre direitos

e liberdades dos cidadãos, mas também as do direito comparado europeu sobre esta matéria.

Poderia tecer um rol de argumentações sobre esta matéria, que nos levaria, num estudo muito sumário, a

sermos, relativamente à minha ambição pessoal, digamos, bastante redutores.

Por outro lado, Portugal tem uma emigração globalizada; desde a Ásia do Pacífico, à América do Norte e

do Sul e a África, há portugueses por todos os países do mundo, e o problema que se coloca tem a ver com o

modo e onde é exercido o direito do voto.

Ao abrigo da Convenção de Viena, há certos países que não permitem o exercício de direito de voto de

outros cidadãos nos países de acolhimento — estou a lembrar-me, por exemplo, dos países do Magreb, do

Médio Oriente, da Ásia do Pacífico e da forma como esses cidadãos exercem o seu voto nas chancelarias ou

nos consulados, por correspondência ou por procuração, mesmo que residam nos países de acolhimento.

Sabemos que a Suíça permite o voto por correspondência há cerca de cinco ou seis anos, e daí o facto de ser

muito restrito o universo de portugueses, que trabalham e residem na Suíça, recenseados para exercerem

esse direito nas eleições legislativas. E não é claro que muitos dos países onde existe uma forte comunidade

portuguesa permitam o exercício do direito de voto, nomeadamente nas chancelarias.

Se bem entendi, um Sr. Deputado do PCP foi pertinente na observação que fez, quando perguntou como

seria possível realizar uma segunda volta das presidenciais, nos países em que não for permitido o direito de

voto nas chancelarias ou nos consulados, por correspondência, admitindo-se que esses países de

acolhimento permitem este tipo de voto, porque nem todos os países o permitem.

Assim, pergunto: como é possível, em termos técnicos, em termos práticos e executivos, esses

portugueses exercerem o direito de voto por correspondência numa segunda volta das presidenciais? Ou se

está dependente da Comissão Nacional de Eleições, de esta proceder novamente ao envio de novos boletins

para os destinatários, para os recenseados, e sabemos que o correio não é uniforme — para a Europa será,

porventura, mais rápido, mas para a Ásia e outros países, como África, será necessário mais tempo, um tempo

mais dilatado —, ou, então,… E, portanto, penso que não há um sistema eficaz, não há um sistema modelado.

Para terminar, Sr. Presidente, e fala um ex-emigrante e filho de ex-emigrantes, devo dizer que, em minha

opinião pessoal, o tempo previsto nesta alínea b) do n.º 1 do artigo 124.º, citada pelo meu camarada José

Magalhães e também pelo Sr. Presidente, deveria ser mais dilatado, porque Portugal tem uma forte expressão

de luso-descendentes em todas as zonas do globo, e esta alteração seria também um sinal, digamos assim,

dos órgãos de soberania direccionados para essas comunidades.

Por outro lado, também é preciso ter em atenção as recomendações de alguns organismos internacionais,

que já citei, sobre esta matéria, porque Portugal é o único país que se encontra nesta situação. A Irlanda, por

exemplo, teve fortes surtos migratórios a partir do século XVIII, século XIX, e tem descendentes com dupla

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nacionalidade, mas a sua emigração está direccionada para dois países, o Canadá e os Estados Unidos, e

através de relações bilaterais, estabelecidas entre a Irlanda e estes dois países, é possível celebrar protocolos

especiais, o que não é possível a Portugal, porque teria de os celebrar à escala global ou mesmo regional.

Assim sendo, eu, como Deputado eleito pelo círculo eleitoral da Europa, pelas comunidades portuguesas,

e, sobretudo, como ex-emigrante, entendo, é a minha opinião pessoal, que o espaço deveria ser dilatado. No

entanto, também compreendo esta «armadilha» jurídica dos organismos internacionais que tecem

considerações sobre esta matéria.

De momento é tudo, Sr. Presidente, e muito obrigado.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, creio que o debate está a provar, de maneira bastante

inequívoca, que a posição que procurámos adoptar nesta matéria tem bem em conta a natureza e as

dificuldades congénitas que ficaram equacionadas e, do ponto de vista estratégico, reflecte um sinal que

gostaríamos de sublinhar.

Queremos e vamos seguramente dar um sinal inequívoco aos portugueses residentes no estrangeiro, em

termos e em condições, que, em grande medida, estamos hoje a construir e que assentam em princípios, não

no acaso, e são inteiramente imunes a pressões que não assentem nos factores que há pouco enunciei.

Primeiro, temos de fechar um ciclo — e isto resulta muito da intervenção do Deputado Carlos Luís, que

corresponde a um sentimento que vemos largamente partilhado —, um ciclo em que se jogou, por vezes,

sentimental e emotivamente, com o equívoco de que a prova suprema de amor aos residentes no estrangeiro

estaria na consagração indistinta e indiferenciada de propostas que o PSD trouxe à colação. Hoje, sabemos

que não era assim, que se tratava de um alibi, com o qual, de resto, se disfarçaram mal, perante os residentes

no estrangeiro, políticas de outros desamores, como, por exemplo, as que ignorava grosseiramente as

necessidades de recenseamento, que não processava e não geria devidamente interesses legítimos dos

residentes no estrangeiro.

Não queremos misturar as coisas, não queremos que isso seja usado como alibi, quer interna, quer

externamente.

Em segundo lugar, queremos abrir um ciclo novo, diferente e positivo de participação, e para tal — e isto

resulta deste debate bastante claramente — é preciso ir devagar e com prudência, tendo em conta a nossa

realidade interna e, como, aliás, o Deputado Carlos Luís sublinhou, a experiência de outros países com

sistemas semelhantes aos nossos e que estão envolvidos no mesmo processo de construção europeia.

Em terceiro lugar, não podemos ignorar as dificuldades. O Sr. Presidente apontou, com assinalada

proficiência, que a proposta do Partido Socialista deixava aberta uma zona que tínhamos querido fechar, ao

referir um cenário em que alguém seja havido como cidadão do Estado onde reside, mas com dupla

nacionalidade, como o de um português, com nacionalidade norte-americana a residir na Venezuela, poderia,

nos termos da nossa proposta, participar na eleição presidencial. É algo que verdadeiramente…

O Sr. Presidente: Não é só poder participar, também pode ser candidato!

O Sr. José Magalhães (PS): … não queremos equacionar como sendo a situação típica, suponho

mesmo que será uma situação altamente invulgar, quase, diria, de almanaque.

O nosso princípio é claro: consiste em estabelecer um nexo de incompatibilidade, se se quiser, entre a

nacionalidade portuguesa e a acumulação com outra cidadania para este efeito.

Um segundo princípio claro da filosofia orientadora da nossa proposta é o nexo de ligação ao território

nacional, medido pelo tempo de residência nos últimos anos, com o limite temporal que consta do nosso texto,

ou com outro que venha a ser tido como melhor do que o nosso.

Em quarto lugar, não subestimamos, nem queremos fazê-lo, as dificuldades e menos ainda queremos fazer

uma qualquer démarche ilusionista contra a realidade das coisas, porque, como muito bem evidencia a análise

fria, a que todos estamos vinculados, das circunstâncias do sufrágio, tanto do primeiro como do segundo, mas

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do segundo de maneira muito notória, não se pode igualar aquilo que, por razões geográficas e de natureza,

mesmo na sociedade de informação, mesmo com redes electrónicas, mesmo com toda a comunicabilidade

resultante dos aviões, quaisquer que eles sejam, não é igualável. Portanto, isto deve ser encarado

realisticamente.

Temos consciência plena e perfeita de que uma solução deste tipo implica, primeiro, ter em conta as

distinções entre as regras de direito internacional aplicáveis aos diversos tipos de comunidades — mistificá-lo

é o mais errado que é possível imaginar. É preciso ter em conta estas diferenças para se ser sábio na gestão

dos diferentes regimes que permitam assegurar os votos, em consulados, onde é possível, e, onde não é

possível, inventar meios alternativos igualmente genuínos e seguros, etc. Portanto, é preciso aceitar a

diversidade e não mistificá-la.

Segundo, sabemos que implica haver exigências de prova — e estas soluções, no terreno da lei ordinária,

têm de ser encontradas e têm de ser seguras, como é exigível de todos nós.

Terceiro, sabemos que têm exigências complexas e que complexificam o processo de recenseamento, sem

dúvida alguma, mas isto não é uma dificuldade insuperável.

Quarto, e finalmente, sabemos que isto altera o mecanismo de voto, obriga a alterá-lo o mais possível, à

luz dos tais princípios, que, para nós, são sagrados: genuinidade/segurança; segurança/genuinidade.

Se formos capazes de gerir com cuidado, por um lado, estes princípios e, por outro, as enormes exigências

de carácter prático que uma solução deste tipo implica, teremos, sem dúvida, da parte desses portugueses,

maior participação, maior proximidade em relação à realidade nacional e mais um estímulo para que esse elo

se mantenha. É este o nosso objectivo máximo, para uma participação esclarecida, livre, plenamente

democrática em igualdade, em plenitude e em semelhança de condições com todos os outros portugueses e

quaisquer outros portugueses, sem discriminações e sem diferenças, que são as que resultam da natureza

das coisas.

Portanto, congratulamo-nos com o resultado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, a proposta do PS tem um n.º 1 sem que se siga um

n.º 2.

Tendo em conta a sua intervenção, questionei-me sobre se a proposta do PS não deveria ter um n.º 2 igual

ao da do PSD, que é do seguinte teor: «A lei determina o modo de recenseamento e o exercício do direito de

voto dos portugueses residentes no estrangeiro.».

O Sr. José Magalhães (PS): Em bom rigor, Sr. Presidente, deveria.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, só quero fazer uma conclusão final.

Repito o que disse há pouco para que fique bem claro, apesar de, a meu ver, eu ter sido claro, o PSD

saúda a abertura do PS em seguir o caminho de reconhecer o direito de voto aos residentes no estrangeiro,

embora lamente que o passo seja tímido e rodeado de tantos temores. Gostaria que houvesse mais ousio da

parte do PS, mas, enfim, saúdo a abertura.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, concluindo, a proposta do PSD tem a oposição do PCP e do PS e a

proposta do PS tem a oposição do PCP e a abertura do PSD, que, contudo, lamenta que o passo de abertura

não seja mais largo, mas, se não poder ser maior, este, obviamente, será «arrematado».

Risos.

Em princípio, a convergência para a proposta do PS, salvaguardando a abertura do próprio partido aos

contornos exactos em que a mesma se fará, fica relativamente adquirida.

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Também fica registada a adopção, por parte do PS, de um n.º 2, com o teor das propostas apresentadas

pelo PSD e pelos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, com uma pequena alteração: «A lei determina

o modo de recenseamento e de exercício do direito de voto».

Srs. Deputados, por hoje é tudo, continuaremos os nossos trabalhos amanhã, às 10 horas, insisto, mais

uma vez, às 10 horas, com o limite das 10 horas e 15 minutos.

Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 50 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.