Queiroz Fraga, Regina Coele |Furtado de Sousa, José Ribamar: Pedagogia Da Alternância E Prática Educativa Na Educação Do Campo: Experiência Da Escola Família Agrícola Dom Fragoso

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    QUEIROZ FRAGA,  REGINA COELE;  FURTADO DE SOUSA,   JOSÉRIBAMAR  (2015) “Pedagogia da alternância e prática educativana educação do campo: experiência da escola família agrícoladom fragoso em ceará, Brasil”, CISMA. Revista del CentroTelúrico de Investigaciones Teóricas. (6). 3º año. 1-22.

    PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E PRÁTICA EDUCATIVA NAEDUCAÇÃO DO CAMPO: EXPERIÊNCIA DA ESCOLA FAMÍLIA

    AGRÍCOLA DOM FRAGOSO EM CEARÁ , BRASIL 

    EDUCATION AND FROM ALTERNÂNCIA EDUCATIONAL PRACTICE NA EDUCAÇÃO DOCAMPO: EXPERIENCIA DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DOM FRAGOSO EM CEARÁ , 

    BRASIL 

    REGINA COELE QUEIROZ FRAGA  JOSÉ RIBAMAR FURTADO DE SOUSA

     

    Resumo:  A Pedagogia da Alternância é proposta escolar nos sertões de Crateús, Ceará, Brasildesde 2001com a criação da Escola Família Agrícola Dom Fragoso (EFA Dom Fragoso). É dessaexperiência pedagógica que falamos. Iniciamos por fazer explanação sobre a História da EducaçãoBrasileira no tocante à Educação Popular que por sua vez, produz a gênese da Educação do Campo.Os movimentos sociais em geral, e em seguida, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)alteram a realidade nos sertões cearenses no que diz respeito à luta pela terra e pelas escolas rurais,hoje escolas do Campo. A EFA Dom Fragoso é herdeira das lutas sociais organizadas por agricultoresvinculados ao MST e à Comissão Pastoral da Terra (CPT). As articulações desses movimentos sociaiscom os sindicatos dos trabalhadores da agricultura, em meados de 1980, somam um todo orgânico e

     fazem florescer as primeiras idéias de Educação do Campo. Dentre várias experiências, como asescolas populares e as escolas do MST a EFA Dom Fragoso nasce nesse contexto e edifica

     particularidade. Apresentamos parte dos resultados de pesquisa realizada a partir deacompanhamento de educandos matriculados ou egressos com domicílios no ‘Assentamento Monte

     Alegre’, Ceará, Brasil, e que praticam a Pedagogia da Alternância comorientação dos monitores daEFA Dom Fragoso. 

    Palavras Chave: Pedagogia da Alternância, Escola Família Agrícola Dom Fragoso,Prática educativa, Educação do Campo. 

    Abstract:The Alternation Pedagogy is a scholar proposal on the countryside city of Crateús,

    Ceará, Brazil, since 2001, with the creation of the School Família Agrícola Dom Fragoso (EFA DomFragoso). It's about this pedagogical experience that we talk. We begin by doing an explanation aboutthe History of the Brazilian Education concerning the Popular Education that, in its turn, producesthe genesis of the Country Education. The social movements in general and, consecutively, theLandless Workers Movement (MST) changed the reality of the countryside in Ceará regarding the

      Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educação Brasileira da UniversidadeFederal do Ceará e professora assistente na Faculdade de Educação de Crateús, Ceará,Brasil. E-mail: [email protected].   Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em educação da Universidade

    Federal do Ceará e Professor Visitante Senior na Universidade da Integração Internacional daLusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected].

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    "fight for land" and for the rural schools, nowadays called Country Schools. The EFA Dom Fragosois inheritor of the social movements organised by farmers linked to MST and to the Land's PastoralComission. The articulations of these movements with the farmers' sindicate, in the middle of the1980s, sum an organic whole and spring the first ideas of the Country Education. Among variousexperiences, such as popular schools and the MST schools, EFA Dom Fragoso was born and builds

     peculiarity. We present part of the results from the research made from following enrolled students or graduated students with residence in Assentamento Monte Alegre, Ceará, Brazil, and that practicethe Alternation Pedagogy with orientation of the tutors from EFA Dom Fragoso.

    Keywords: Alternation Pedagogy, School Família Agrícola Dom Fragoso, EducationalPractice, Country Education.

    1. Introdução

    Realizamos estudo sobre a Pedagogia da Alternância apartir do trabalho da Escola Família Agrícola Dom Fragosolocalizada nos sertões de Crateús/Inhamuns1, Ceará, no NordesteBrasileiro. Esse artigo é parte da pesquisa2 Pedagogia da Alternânciana Prática Educativa de Famílias do Campo: o caso do AssentamentoMonte Alegre em Tamboril, Ceará, vinculada ao eixo temático:Educação de jovens e adultos, dinâmicas sociais no campo e nacidade da linha de pesquisa Movimentos Sociais, Educação Populare Escola do Curso da Pós-Graduação em Educação na UniversidadeFederal do Ceará.

    A partir da prática educativa observada nos dois lugares,EFA Dom Fragoso e Assentamento Monte Alegre, temos intençõesde colaborarmos com os debates na Educação do Campo no queconcerne a aspectos pedagógicos inovadores utilizados pela escolapesquisada, e que entendemos, por experiência adquirida naconvivência com a mesma em alguns eventos e discussões públicas,tem provocado novas práticas em assentamentos e comunidadesrurais do Ceará.

    Ao compreendermos tais práticas teceremos críticas paraelucidar questões inerentes a causas sociais de homens e mulheres do

    1Localizados na região Centro-Oeste do território cearense no Nordeste Brasileirocaracterizado pelo bioma Caatinga típico dos sertões semi-áridos. Segundo censodo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2005, o território temárea total de 24.523,796 km2, com população de 384.377 habitantes e é composto de15 municípios.2A pesquisa contou com apoio de bolsa da Fundação Cearense de Amparo aPesquisa (FUNCAP, Ceará).

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    Campo que, organizados, precisam fortalecer as demandas própriasà sua existência como família assentada.

    Na sociedade com causalidades capitalistas, entendemosque a produção dos residentes no campo mesmo subordinada àlógica mercadológica remete a uma compreensão do processohistórico vivido que constituiu e mantém os assentamentos rurais e asua contraordem, ou seja, revela grandes contradições que indicam apresença da luta de classes.

    Para entendermos como a prática educativa se realizanesse contexto fizemos intervenções com observações, grupos focaise entrevistas tanto na escola como no assentamento. Na escola comeducandos, monitores e membros da Associação Escola FamíliaAgrícola de Independência (AEFAI)3. No assentamento com asfamílias de um modo geral, com observações e visitas domiciliares eem especial, entrevistamos membros das famílias que seconsideravam diretamente envolvidas com a escola e outros que julgamos importantes para ampliar nossa visão sobre a realidade.

    O assentamento Monte Alegre e a prática educativa dassuas famílias são campo fértil para a identificação das característicasda formação promovida pela Pedagogia da Alternância.Pretendemos transformar os achados em síntese crítica cada vez maisconsciente a fim de argumentar sobre a situação histórica e acondição social em que vivem os residentes do campo.

    Os dados apresentados pelo Projeto Político Pedagógicoda EFA Dom Fragoso são componentes de pesquisa importante paranós. Utilizaremos as informações para visualizarmos, na práticadocente, os possíveis mediadores de análise entre as informações queestão postas no papel e o que se realiza de fato no assentamento e navida das famílias que se querem camponesas.

    Entendemos que se as ações pedagógicas por si só nãosuperam o dualismo histórico e estrutural próprio à sociedade declasses, avançam na demonstração do que já é possível ser feito noplano imediato e que pode criar mediações importantes para novas

    formas de educar no Campo com os camponeses.Discorremos sobre a contextualização histórica da

    3A Associação Escola Família Agrícola de Independência (AEFAI) é a figura jurídica que ampara legalmente o trabalho da escola junto aos órgãos de governo eque também lutam por sua manutenção financeira, mas, mais importante que isso,é o grupo de pais, mães, professores, monitores, estudantes e outras pessoasengajadas que assumem a escola na teoria e na prática: administração geral epedagógica. Eles se reúnem como assembleia e decidem juntos com aqueles queficam na escola com mais constância - professores, monitores, estudantes - sobre ostrabalhos da EFA Dom Fragoso.

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    educação brasileira com destaque para o dualismo classista,elemento provocador do modo como a Educação do Campo se

    organiza e ganha atual forma, e, nesse ambiente, como a primeiraescola família agrícola brasileira, e, anos depois, a EFA Dom Fragososurgem.

    Contamos sobre o modo de ser da EFA Dom Fragoso apartir da nossa experiência pessoal para em seguida explicar comosomos instigadas a optar pela pesquisa nesse locus, e então,apresentamos algumas estratégias de intervenção com descrição dealgumas falas dos sujeitos da pesquisa para assim, discutirmosteoricamente nossos achados.

    2. A História denuncia o Dualismo e as reações na EducaçãoPopular: a Educação do Campo desabrocha.

    No Brasil, ainda colônia de Portugal, a educaçãoconfundia-se com catequização e colonização dos povos nativos.Quando no Império a preocupação residia em educar os filhos dePortugal e as elites que surgiam no Brasil, não o povo brasileiro. NaRepública muitas campanhas educativas utilizaram projetos eprogramas que propagandeavam a educação com interesses para a

    modernidade e a erradicação do analfabetismo adulto, escolaassociada à formação da mão de obra que seria explorada emtrabalhos manuais.

    Compreendemos tais campanhas como alternativascompensatórias que além de não alcançarem a maioria do povo,ainda findavam sendo pontuais e pouco eficazes em relação às suasparcas presunções. Total descaso com uma formação humanista paraa classe trabalhadora.

    Os políticos e administradores do sistema educacional,afinados à lógica hegemônica classista, criavam mecanismos políticos

    que mantinham um divórcio entre educação oferecida nas escolas eeducação com interesses populares. Aparatos desatentos ourepressores criadores de um “medo histórico” que só demonstraramuma intencionalidade dualista e injusta.

    Florestan Fernandes (1991:11) argumenta sobre essaquestão:

    “Desde os mais remotos vestígios do passado colonial eescravocrata, as elites dos estamentos e das classes dominantescultivaram um terrível medo histórico [...] Dentro desse contexto,

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    qualquer incentivo à educação popular não encontrava solo históricopara florescer. Não se buscava uma hegemonia ideológica, quetornasse paralelas e interdependentes a sociedade civil e asociedade política”.

    Esse medo histórico apontou, por outro lado, contradiçõese, na contraordem fez com que muitos educadores, como FlorestanFernandes e Paulo Freire, em esteiras diferentes, se mantivessemfirmes na denúncia das atitudes promovidas por projetos duais eantidialógicos ao edificarem debates nacionais e internacionais quefortaleceram a organização dos movimentos sociais, de modoparticular o movimento camponês (MST, 2005) e não deixaramsucumbir esperanças de uma Educação para Todos e, de fato,

    Popular. Florestan Fernandes atuou mais junto às Universidades,que se concentravam nas cidades, e junto à direção do Movimentodos Trabalhadores Sem Terra (MST) (Morissawa 2001), enquantoPaulo Freire trabalhou mais diretamente com a alfabetização deadultos, tanto nas áreas rurais como nas periferias das cidades, com aforma que depois foi definida como Pedagogia do Oprimido.

    Mesmo com esforços desses intelectuais quecompreendiam o dualismo educacional brasileiro e tentavamtransformar tal realidade, predominava, na pauta primeira do

    governo, a educação classista boa para as elites.Restava, para filhos de trabalhadores urbanos, a educaçãoprimária, e para os filhos dos trabalhadores rurais, salas isoladas emultisseriadas4. Afirmamos que, a educação do povo brasileiro, nascidades e nos campos, não era escolha vossa, uma vez que eles nãoforam escutados pelos administradores dos governos. Os gritos deseus movimentos não foram suficientes para tornar séria everdadeira a intervenção educativa para com eles.

    A bandeira da Educação para Todos que a modernidadetrouxe, avançada em seu discurso, foi apropriada à lógica do capitale manteve, na prática, o caráter dual de sempre. Em época maisrecente, oficialmente, adicionaram-se críticas e argumentaçõestransgressoras àquela bandeira. O discurso ampliou-se para o que sechamou de Educação Diferenciada5, esse, pelos mesmos motivos

    4  Salas de aula que funcionam para estudantes que têm idades e necessidadesdiferentes, são várias séries no mesmo ambiente, onde o professor trabalha comdiversos conteúdos de forma simultânea, prática comum na área rural ou noCampo do Brasil.5  A proposta oficial para Educação Diferenciada nas escolas do Campo pode sermais bem compreendida com a leitura dos Cadernos SECAD 2: Educação doCampo: diferenças mudando paradigmas, publicação do MEC, Brasil.

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    capitalistas, não ganhou força de transformação e, em nosso modo dever, apresenta-se frágil, pois, em si, não carrega a marca conceitual

    que a bandeira da Educação para Todos ainda detém.Tais bandeiras e seus discursos não vêm acompanhadosde ações eficazes por parte do Estado, ou seja, não são postas emprática políticas de qualidade. Essas deixam sim, idéias e ações reaisde educadores comprometidos com a educação de qualidade paratodos, proclamadas e vividas de forma teimosa na intimidade dasvidas de muitas comunidades com as quais os educadores serelacionam.

    A Educação Popular que aos poucos e com iniciativaspermanentes e constantes foi ganhando espaço junto a pautas degovernos é resultante do trabalho dos educadores comprometidos.Ponderamos. Essa se dá de forma diferente a depender da região dopaís. E assim sucedeu com a educação que acontecia no campo e quenem sempre foi de fato dirigida para os camponeses.

    A Educação do Campo, inserida na EducaçãoDiferenciada, é exemplo dessa teimosia (Romanelli 2006, Ribeiro2010). Educadores e famílias organizadas fizeram valer umamudança, que se não é radical, pois não são dadas condiçõesobjetivas para sua realização de forma plena, é significativa.

    “Em 1998, foi criada a Articulação Nacional Por Uma Educação do

    Campo, entidade supra-organizacional que passou a promover egerir as ações conjuntas pela escolarização dos povos do campoem nível nacional. Dentre as conquistas alcançadas por essaArticulação estão: a realização de duas Conferências Nacionais PorUma Educação Básica do Campo – em 1998 e 2004; a instituiçãopelo CNE – Conselho Nacional de Educação; as DiretrizesOperacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, em2002 e a instituição do Grupo Permanente de Trabalho deEducação do Campo (GPT), em 2003” (Secad 2004 apud Santos,2012: 7).

    Na ampliação de objetivos e perspectivas dentre tantasconquistas importantes e considerados os limites postos pelo modelode sociedade, pomos em relevo o recente Decreto Nº 7.352, DE 4 DENOVEMBRO DE 2010 que ordena a política de educação do campo,o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERAe ainda, a Resolução CNE/CEB N.1, de 03 de abril de 2002, queinstitui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica no Campo.

    Da Resolução de 2002, destacamos o parágrafo único queapresenta reflexão sobre a escola do campo “dever ser”, definida a

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    partir de questões inerentes à vida dos sujeitos do campo com vistas“à qualidade da vida social” (Brasil, 2002: 297). Mas asseveramos

    com acréscimo crítico: para o Programa Nacional de Educação naReforma Agrária (PRONERA) tornar-se pauta política e organizar-secomo projeto realizável, a mobilização e organização dos militantesdos movimentos sociais no Campo foram prementes.

    A discussão da nomenclatura Educação no Campo ouEducação do Campo (ARAUJO & SILVA, 2011) nesses documentos,está revestida de componentes ideológicos tradutores de anseios,razões e sensibilidades de homens e mulheres edificadas na luta dopovo da “roça” ou da “área rural”. Esses homens e mulheres com ospassos da história começam a se compreender como sujeitos quenacionalmente possuem uma identidade fincada na “terra” comonecessidade de existência concreta.

    A negação do termo “rural” e a afirmação do termo“campo” são ricas de significados históricos e epistemológicos paraessa identidade, bem como a definição de agricultura familiar ecamponesa se transveste de novos significados.

    A experiência ganha na participação em movimentossociais concretizou a Educação do Campo em contraposição a outra:Educação no Campo. Essa, mesmo acontecendo formalmente noCampo não compreende muito menos se compromete com ossujeitos do campo. É projetada para transformar esses sujeitos em

    urbanos com vistas ao desenvolvimento das riquezas dos donos daterra, dos latifundiários.

    Essa forma de fazer educação sem crítica ao modo de vidaque ela projeta é uma força ao silenciar da crítica e aos “opressores”(FREIRE, 2005). O poderio da União Democrática Ruralista (UDR)6 que se perpetua não apenas na esfera empresarial, mas também napolítica e que se infiltra nas discussões e decisões sobre a educaçãobrasileira precisa ser elemento de análise nas salas de aula, do campoe da cidade, para que possamos compreender a força reprodutiva edestrutiva do capital. É importante saber sobre a conjuntura nacional

    para que nos apropriemos da nossa história local com visão crítica.

    6  Essa informação pode ser compreendida com a leitura dos documentos ediscussões encontradas no site: www.udr.org.br. 

    http://www.udr.org.br./http://www.udr.org.br./

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    3. Movimentos de agricultores produzem criatividade e iniciativanos Sertões de Crateús/Inhamuns do Ceará, Brasil.

    Nos sertões Crateús/Inhamuns, os movimentos sociais,quando da sua organização apoiada pela Comissão Pastoral da Terra(CPT) e em seguida, com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra(MST) alteram a realidade desses sertões, tanto no que concerne àluta pela terra quanto em relação às escolas rurais. O MST surge apartir de organizações como a CPT e os sindicatos dos trabalhadoresda agricultura que em meados de 1980 somam um todo orgânico efazem florescer as primeiras idéias que iriam inspirar a Educação doCampo.

    Essa história se inicia na década de 1960 (Castro, 2010)quando o bispo Dom Antonio Batista Fragoso funda a Diocese deCrateús e inaugura os trabalhos com a Pastoral da Terra com ideáriospostos pela Teologia da Libertação. Os encontros e reuniões ajudamos lavradores a refletirem sobre sua vida e trabalho no campo e apensar e efetivar a organização sindical: começavam a serem criadosos sindicatos dos trabalhadores rurais da região.

    Os anos de 1980 marcam um período de luta por terra epela Reforma Agrária. Por meio de ocupações de terras defazendeiros que exploravam e chegavam a escravizar lavradores ou

    agricultores, os trabalhadores Sem Terra desses sertões começam aentender que têm que conquistar terras pra morar e trabalhar porqueo latifúndio é necessariamente usurpador de vida digna para quemtrabalha na terra.

    E aí, então,essas ocupações, muitas vezes como áreas delitígio, resistiram com os acampamentos formados por homens emulheres que também organizavam seus sindicatos e conseguiramserem reconhecidos em seu direito de posse sobre as terras nas quaismoravam e produziam. A organização e a luta os levaram aobjetivação dos assentamentos e os transformaram em assentados.

    O assentamento Monte Alegre tornou-se realidadetambém a partir de disputas de terra entre proprietário e agricultoresque viviam a mercê do proprietário, muitos desses sofriamcotidianamente com relações de trabalho que se assemelhavam àescravidão ou à servidão. A superação dessas relações os fez agoralivres para pensarem como queriam viver. Eles queriam decidirsobre o que produzir e o que estudar e entendiam que não seria fácil,a luta tinha que continuar.

    Dentre várias experiências de educação vividas por eles,como as escolas populares da CPT e as experiências adquiridas com

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    a alfabetização de adultos em projetos e programas desenvolvidospelo MST em seus acampamentos e assentamentos, a experiência das

    escolas famílias agrícolas7

     que fazia parte do contexto nas discussõesganhou força por conta do somatório de condições objetivas: adoação de um terreno por parte de um admirador da luta e oengajamento dos membros da CPT que decidiram assumir o trabalhocom a escola.

    A Escola Família Agrícola Dom Fragoso (EFA DomFragoso) foi se constituindo realidade. Era a primeira experiência deescola formal para filhos de agricultores nesses sertões.

    As reuniões do sindicato, segundo uma das participantesà época e que hoje compõe o quadro da Associação Família Agrícolade Independência (AEFAI), junto com o MST e o apoio da CPT eraum fórum de discussões que sempre trazia à tona o sonho dosagricultores por uma escola apropriada para seus filhos. Então, pais emães agricultores participaram da criação da escola, não só no queconcerne às ideias, mas também trabalharam na edificação material:o prédio e as áreas de produção vegetal e animal têm as marcas deseu trabalho.

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      A Pedagogia da Alternância é elemento que, em sua gênese apresenta umcompromisso histórico com a Educação do Campo e, portanto ilustra e dinamizaesse contexto. Como fenômeno educativo nascente da criatividade de moradoresda aldeia Serignac-Péboudou (GARCIA- MARIRRODRIGA & PUIG-CALVÓ, 2010)que se transforma em realidade escolar nos anos 1935, na Maison Familiale Rurale(MFR), em Lot-et-Garone, região sudoeste da França (RIBEIRO, 2010), que marcaum período entre guerras quando a França passa por forte instabilidade no queconcerne aos investimentos em educação. Anos depois, após a Segunda GuerraMundial, a ideia se expande por toda Europa, e, também, África, América, Ásia eOceania, o que instiga a criação da Union Nacionale de las Maisons Familiales Rurales (UNMFRs). A experiência das Casas Familiares Rurais da França e a práticaeducativa da Pedagogia da Alternância são marcadas pela organização dasfamílias com vida rural organizada pelo catolicismo social e pela ação dos leigos

    com apoio de membros da Igreja. Na Itália a Pedagogia da Alternância torna-sepolítica de estado e funda-se, na década de 1960, com as Escolas Famílias Agrícolas(EFAs). Segundo Nosella apud Ribeiro(2010, p. 295): “aquelas adaptam ao ambienteitaliano a metodologia da alternância, porém diferenciam-se quanto aorelacionamento com os poderes públicos dos quais recebem pleno apoio”. NoBrasil, a Pedagogia da Alternância, segundo Janinha Gerke de Jesus (2008, p. 56) foiiniciativa do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). AEFA do Ceará, batizada como Escola Família Agrícola Dom Fragoso, mesmo sendocriada como escola, ideia da Itália, não como casa, como na França, temparticularidades que não podem ser tomadas como integralmente ligadas a umaou outra experiência.

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    4. Escola Família Agrícola Dom Fragoso: experiência com aAlternância.

    A EFA Dom Fragoso iniciou seus trabalhos no ano de2001, em 2015, portanto completa 14 anos, porém teve seureconhecimento junto ao Conselho Estadual de Educação do Cearáno ano de 20128. A gravura apresentada é emblema da instituição.Está pintada em parede principal que recepciona aos que trabalhame estudam nela e aos que a visitam.

    Conhecemos a proposta da EFADom Fragoso como professora daFaculdade de Educação deCrateús (FAEC)9quando fomosconvidadas a ministrar palestrapara o primeiro grupo deprofessores e monitores. Nessaépoca as instalações da escolaainda estavam sendo edificadas,não tinha a estrutura que temhoje. A partir daí, quando emvez, éramos solicitadas a realizar

    intervenções de formação para monitores e educandos, sem vínculo

    empregatício, atuávamos como colaboradora.Nessas ocasiões, soubemos que a rotina da escola se

    organizava a partir do tempo de estadia dos alunos, chamadoseducandos ou “alternantes‟. Os mesmos permaneciam 15 dias naescola (sessão escolar) e 15 dias em casa (sessão familiar). Essaalternância era dos educandos, desta feita e por essa razão:alternantes. As turmas de educandos, pois, composta por duas séries:7ª e 8ª, ao sair da sessão escola para a sessão família ou comunidade,dava vez a outra turma, com 1º e 2º anos que voltava da sessãofamília ou comunidade e chegava para sua sessão escola.

    Portanto, em 2005 a escola trabalhava com 7ª e 8ª séries doEnsino Fundamental e 1º e 2º anos do Ensino Médio. Atualmente a

    8 Estávamos presente à Assembleia da AEFAI, em 28 de fevereiro de 2012 quando acomunidade recebeu a notícia do reconhecimento do curso de nível médioprofissionalizante em Agropecuária. A notícia foi comemorada por pais,monitores, educandos e entidades presentes.9  A FAEC funciona em campus acadêmico vinculado à Fundação UniversidadeEstadual do Ceará, instituição pública. Está localizada na cidade que recebe onome Crateús e que também dá nome aos sertões onde fica a escola e oassentamento que são focos da pesquisa.

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    EFA Dom Fragoso tem o ensino médio, do 1º ao 3º anos. Ocalendário escolar, ainda hoje, continua organizado em sessões

    quinzenais, durante todo o ano letivo.Na sessão escola ou tempo escola, como é comumentechamado, os educandos participam de aulas com conteúdosescolares formais, próprios ao currículo exigido para o ensino médioem todo Brasil, além de conteúdos teóricos e práticos, seja em sala deaula ou em atividades nas unidades de produção para a formaçãotécnica em Agropecuária. Junto com professores e monitoreselaboram Plano de Estudo (PE) que é o provocador das atividades nasessão família/comunidade.

    Na sessão família/comunidade, também chamada detempo comunidade os alunos trabalham com atividadesinterventivas a partir de orientações recebidas e acompanhamentopersonalizado dos seus professores e monitores. Essa tem comoobjetivo por em prática e ampliar os conhecimentos adquiridos deforma real e concreta em suas comunidades, desta feita, não apenaspara cumprir tarefas, mas, para, de fato, colaborar para práticas quepossam ser incorporadas à realidade das comunidades eassentamentos.

    Os conhecimentos aprendidos, testados e avaliadoscriticamente nessa dinâmica de alternância torna-se práticaprofissional e social para os educandos/alternantes. Muitas vezes, tal

    prática altera a forma de trabalho e atividades as mais diversas emassentamentos e comunidades. Os assentamentos e comunidades,por sua vez, quando encontram nos PE’s não só um dever escolar,mas uma possibilidade de descobrir novas formas de desenvolversuas atividades inova em seu modo de trabalhar e de organizar avida.

    É nesse diálogo constante provocado pelo PE que oseducandos, com acompanhamento personalizado dos monitores,definem qual será o Projeto Profissional do Jovem (PPJ), hojedenominado Projeto de Vida da Família Camponesa (PVFC)10  que

    10Geralmente as escolas famílias agrícolas são profissionalizantes em Agropecuáriae em seus currículos está prevista como avaliação acadêmica do jovem educandoum projeto profissional ao final do curso. Na EFA Dom Fragoso em 2013 o Projetode Vida da Família Camponesa (PVFC) substituiu o Projeto Profissional do Jovem(PPJ). Essa alteração tanto foi de forma como de conteúdo. É um texto escrito sobreo trabalho prático que ele desenvolveu com sua família ou comunidade. Pode serum projeto no âmbito do grupo familiar ou um projeto coletivo, ou seja, queenvolva demais famílias do assentamento, ou até o assentamento como um todo. Otexto é composto com uma apresentação sobre o assentamento ou comunidade, umcapítulo que trata da Pedagogia da Alternância na perspectiva do educando ecomo essa o levou a desenvolver o projeto prático das unidades de produção. No

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    será desenvolvido e apresentado para bancada de professores comotrabalho final exigido para conclusão do ensino médio em

    Agropecuária.O Projeto de Vida da Família Camponesa tem, para alémde uma atividade de valor acadêmico, a intenção de possibilitar queo jovem educando termine seus estudos na escola com umaatividade concreta que venha a se tornar viável para si e para seuassentamento ou comunidade.

    Observamos que a EFA Dom Fragoso organiza-se comouma comunidade rural. Respeita os melhores lugares pararesidências, dormitórios e refeitório e unidades de trabalho, além de jardins e espaços de convivência e lazer. Todos mantidos comcuidados nas condições possíveis, em sua maioria traduzemintenções de fortalecer a ideia de simplicidade com trabalho coletivoe reflexão que traduz o grande objetivo da escola:

    “Promover uma formação contextualizada e integral de jovensagricultores/as camponeses/as, buscando desenvolver oprotagonismo juvenil e tecnologias apropriadas para a convivênciacom o semiárido do território Inhamuns/Crateús, na perspectivado bem viver no sertão cearense” (EFA Dom Fragoso, 2010).

    Para tanto utilizam os recursos disponíveis na própriacomunidade e ilustram seus espaços de trabalho com pinturas etabuletas que atuam como uma lembrança constante da sua filosofia.

    PVFC deve constar proposta de três unidades de produção articuladas entre si:descrições de como elas foram desenvolvidas e orçamento com previsão de trêsanos.

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    Entendemos que essa forma presta informação significativa para oseducandos, pois, pratica o que ensina, alimenta o PVFC.

    As experiências que os educandos/alternantes praticamna escola são levadas para seus lugares de moradia e cotidianoscomunitários. Para compreendermos bem o movimento e a práticada alternância acompanhamos dois educandos residentes noAssentamento Monte Alegre e convivemos com sua rotina. Podemosdizer que nos tornamos pesquisadores alternantes.

    Antes da pesquisa não conhecíamos o assentamento.Havíamos convivido com assentadas do Monte Alegre em formaçãodada em cursos gerados pelo Programa Nacional de Educação paraReforma Agrária (PRONERA/MST): Magistério da Terra queformou professores em nível médio para atuar junto a crianças de 1ºao 4º ano do Ensino Fundamental, nesse havia cinco alunas doreferido assentamento.

    Como assessora em Curso de Educação Contextualizadano Semiárido11 promovido pela Cáritas Diocesana de Crateús (CDC)que transcorreu na cidade de Tamboril, assentados, educadoras ecrianças do Monte Alegre chamavam nossa atenção quandoexpunham suas apresentações grupais e discursos individuais, poispossuíam uma riqueza dialógica que instigava uma maiorcuriosidade sobre suas práticas.

    A experiência no projeto de Educação Contextualizada noSemiárido também nos fez sabedora de que esse assentamento faziaesforços significativos para programar suas atividades e ações combase nas aprendizagens propostas pela Pedagogia da Alternância. Otrabalho de campo acompanhado pela EFA Dom Fragoso era usadocomo alternativa viável na formação que era levada para a escola doassentamento e que se articulava com os demais trabalhos noassentamento.

    11De 2007 a 2009 assessoramos o Projeto de Educação Contextualizada no Semi-Árido em Comunidades e Assentamentos Rurais em Tamboril, Ceará. O projeto éde formação de educadores para elaboração de uma proposta de Projeto PolíticoPedagógico (PPP) nas escolas das comunidades e assentamentos que toma comoobjetivo maior a Educação Contextualizada no Semiárido. Fomos contratadas pelaCDC, Crateús para assessorar os estudos referentes à elaboração do PPP. Destafeita, a Pedagogia da Alternância é praticada na formação de educadores eeducadoras que são convocados como população do Campo no Semiárido abuscarem atividades educativas que resgatem as origens e tradições dascomunidades e possam analisar criticamente a lógica da sociedade capitalista emsua opressão social, econômica e cultural.

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    Com o propósito de conhecer a Pedagogia da Alternânciaem sua prática consequente para o Assentamento Monte Alegre

    optamos por realizar um estudo de caso no referido assentamento.A fim de edificar uma relação adequada com os doislugares, realizamos pesquisa exploratória durante dois meses. Essapesquisa inicial ajudou-nos a compreender, de imediato, rotinas eexigências cotidianas apropriadas pela Pedagogia da Alternânciatanto na EFA Dom Fragoso como no Assentamento Monte Alegre.

    Estabelecemos período significativo de convivência tantocom a Escola Família Agrícola Dom Fragoso, agente da Pedagogia daAlternância, quanto com o assentamento, que no sentido pedagógico,recebe a ação da EFA Dom Fragoso. Foram oito meses deconvivência como pesquisadora. Pudemos verificar como asatividades e ações da EFA Dom Fragoso se concretizavam.

    Na prática, como explicamos antes, essa iniciativa noslevou a acompanhar dois educandos em suas atividades comoalternantes e o trabalho desenvolvido por monitores, professores epela família desses educandos, bem como nos proporcionou acompreensão do modo de vida dos que vivem da agricultura emárea de assentamento.

    O assentamento Monte Alegre e a EFA Dom Fragoso, cadaqual com sua função aparecem no cenário local como fortes aliadasdos agricultores e agricultoras familiares dos Sertões

    Crateús/Inhamuns, o assentamento pela sua trajetória política esindical e como representante de lutas para enfretamento de conflitosde terra.

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    A EFA Dom Fragoso como um dos poucos espaços de

    educação escolar de muitos filhos desses sertões e por ter nascido nocontexto desses mesmos conflitos de terra, e, como consequência,parceira de conquista e nascimento, não só do Monte alegre, mas deoutros assentamentos.

    O assentamento Monte Alegre, indo pela CE 176, estádistante da EFA Dom Fragoso que se localiza no município deIndependência, Ceará, Brasil, cerca de 70 quilômetros e, por sua vez,fica cerca de 35 quilômetros de distância da cidade sede domunicípio, Tamboril, Ceará.

    As características geológicas no entorno das cidadesassemelham-se. Tamboril, município no qual está localizado oreferido assentamento tem a presença da Serra Branca, e em seu ladooposto, a Leste, situa-se o município de Monsenhor Tabosa tambémno Estado do Ceará.

    Formado por 29 unidades familiares, boa parte comparentesco entre si, o assentamento Monte Alegre originou-se damobilização de 07 famílias vindas do Assentamento São Manoeltambém no município de Tamboril. Essa decisão foi tomada a partirdas mobilizações políticas dentro do próprio assentamento deorigem e por conta da população apresentar número de pessoasmaior que a aceitável diante do que suportaria a convivência por

    tempo maior nas terras.Os assentados entendiam que em pouco tempo haveria o

    esgotamento do espaço territorial para o que eles pretendiamproduzir e então buscaram novas terras, o que os fez localizarem eocuparem a área que hoje é conhecida como Assentamento MonteAlegre.

    Em entrevistas com os assentados, fossem esses: pais deeducandos da EFA Dom Fragoso, matriculados, egressos oudesistentes, os próprios educandos e outros assentados que sedispuseram a dialogar com a pesquisa, todos revelaram a forte

    influência que o trabalho da EFA Dom Fragoso tem para oassentamento Monte Alegre e para outros que se localizam em seuentorno. Destacamos a compreensão de alguns:

    Sujeito 09: “a partir do momento que os alunos daqui foramestudar na EFA, isso para nós tanto como família comocomunidade foi um fortalecimento muito grande. A gente nãotinha conhecimento nessa área, isso veio fortalecer tanto dentrodos trabalhos do campo, dos quintais produtivos, a forma decultivar, a forma dos cuidados com o meio ambiente (...) não sódentro da comunidade, mas também fora da comunidade. Foram

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    se alargando as informações (...) os meninos eram chamados parafalar dessa experiência, e nós também como família (...)”.

    Sujeito 10: “aproveitamos todo o adubo orgânico, aproveitamos aágua que temos, diversificamos uma série de plantas quealimentam a gente, desde frutas, hortaliças, plantas caseiras quefazem remédios caseiros (...) você cria galinha, você cria porco,você cria umas quatro vaquinhas que dá pra sustentá-las, e essetrabalho vem fazendo com que a gente levante a cabeça e levante avoz e chegue até o poder público reivindicando apoio para essaforma de produção”.

    Sujeito 12: “e essa pedagogia que a escola trabalha, ela não preparao aluno simplesmente para o mercado de trabalho, prepara para a

    formação da consciência (...) um ser humano consciente diante dasociedade que nós vivemos hoje, diante do processo político eorganizativo”.

    A presença de educandos/alternantes assentados noAssentamento Monte Alegre demarca a história e o contexto atual daEFA Dom Fragoso desde suas primeiras turmas. Os educandos desseassentamento hoje, além de desenvolverem atividades agrícolas noMonte Alegre, exercem atividades de Assistência Técnica (ATER) junto ao MST, à CDC,Crateús e conservam uma vida camponesa

    mesmo tendo também vida e trabalho nos centros urbanos maispróximos.O assentamento preserva marcas significativas dos

    ensinamentos dessa escola, um deles é buscar sempre a autonomiapossível diante das agencias e ONG’s que os empregam. Manter otrabalho com a agricultura com vistas ao seu melhor desempenho e aserviço da qualidade dos alimentos em suas próprias mesas, antes desubmeterem-se ao mercado, é um ideário.

    5. Análise da Pedagogia da Alternância

    Na literatura acadêmica foram identificadas e publicadasaté então, três tipos de alternância pedagógica, segundo Gimonet(2007:190): (...) “a falsa alternância ou alternância justaposta, (...) aalternância aproximativa e a (...) alternância real ou integrativa”. Oelemento da crítica utilizado à forma como cada uma se apresenta é otipo de relação estabelecida entre as atividades realizadas nos

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    tempos de formação teórica e prática e a autonomia posta para ohorizonte dos sujeitos alternantes.

    A Pedagogia da Alternância, herança francesa e italiana,torna-se reinvenção metodológica (Gimonet 2007) importante na epara a EFA Dom Fragoso de Independência, Ceará, Brasil, possibilitaum movimento diferente na relação entre a escola e a comunidade,não que ela em si carregue a marca da crítica, afinal como afirmou,entrevista, um dos membros da Associação Família Agrícola deIndependência (AEFAI) há diferentes comportamentos a partir dessaproposta: 

    “Onde as pessoas já morderam essa proposta, acho que a coisaavançou mais, ao passo que aqueles que ficaram pensando no

    projeto profissional, uma coisa pró-forma, porque faz parte docurrículo, pra prestar contas, essa coisa não faz avançar, acho que àmedida que a família entra, a comunidade participa e começa adiscutir não no processo em relação ao jovem, mas em relação a simesma, a intervir, a modificar, a questionar, a repensar, aí oprocesso se torna mais rico, e também mais exigente pra EFA”(sujeito 15: membro da AEFAI).

    A prática da alternância na EFA Dom Fragoso ganhagrande sentido para a prática educativa do educador e do educandoe faz-nos rememorar os ensinamentos de Freire (2004:96) quando

    afirma que “no fundo, o essencial nas relações entre educador eeducando, entre autoridade e liberdade, entre pais, mães, filhos efilhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de suaautonomia”.

    E, então concordamos com Santos (2012) que a Pedagogiada Alternância como objetivação metodológica posta no cotidiano daeducação do campo e praticada pelos sujeitos envolvidos de formareal crítica e, ainda, comprometida com o saber dos camponeses,promove um diálogo entre o saber cotidiano e o saber escolarizadoque faz avançar práticas que articulam trabalho e conhecimento de

    forma mais orgânica.

    “Esta metodologia estabelece um currículo flexível para atenderaos objetivos de que, em tempos e espaços alternados – TempoEscola (TE) e Tempo Comunidade (TC) – os jovens do campotenham condições de acesso à escolarização, os conhecimentoscientíficos, os valores produzidos em família, os comunitários e ossaberes da terra. (...) Segundo Pinho (2008) ao alternar períodos naescola e na vivência de sua comunidade, o jovem constróiconhecimento no diálogo entre o saber cotidiano, fomentado na

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    prática e no trabalho passado de gerações a gerações e o saberescolarizado” (Santos, 2012:5).

    Quando o saber cotidiano eleva-se a escolarizado, sejapela mediação da ciência, da arte, da filosofia, por exemplo, articulasala de aula, docência e gera uma prática educativa familiar, esse seeleva do plano imediato para o comprometimento histórico eenriquece-se enormemente, pois enfrenta os condicionamentos darealidade com maior efeito crítico.

    “Práticas educativas são aqui entendidas como expressão dasolicitude nas ações contínuas e habituais realizadas pela famíliaao longo das trocas intersubjetivas, com sentido de possibilitar aos

    membros mais jovens a construção e apropriação de saberes,práticas e hábitos sociais, trazendo em se interior, umacompreensão e uma proposta de ser-no-mundo com o outro. Issoinclui o processo reflexivo de desenvolvimento pessoal de todos osmembros da família” (Szymanski, 2004:12).

    O saber cotidiano se baseia no reino das necessidades e, seora ele pode ser pragmático e utilitário, ora, a depender do nível decoletividade e organicidade, ele pode transformar-se em práxisrevolucionária.

    No contexto da Educação do Campo, se os sujeitos que afazem entendem as práticas educativas edificadas fortemente para aconstrução dessa autonomia, compreendem os limites que acondicionam e agem para a superação de tais limites no seio da vidacotidiana.

    A possibilidade do diálogo produzido pela Pedagogia daAlternância, de modo especial, na dinâmica das famílias queconstituem as comunidades é gérmen prático no saber cotidiano.

    “Cuando Marx escribe que los hombres “no lo saben, pero lo

    hacen”, no quiere decir que actúan sin saber “qué” hacen, sino queno possen un saber adecuado, genérico, para si (científico,filosófico) sobre lo que hacen, o dicho em otras palabras, queactuán com un saber cotidiano” (Heller 1987: 319).

    Desta feita, se o educador, o educando e as famílias doCampo entendem esse saber cotidiano e realizam crítica radical àrealidade, ganham poder para transformá-la, pois constrói aautonomia desse saber por sobre a lógica do mercado, seja no plano

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    imediato quanto no mediato. Ou seja, para a manutenção da suarotina de existência e para deixar legado à história.

    6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O trabalho educativo e produtivo das famílias ao estarem juntas para engrandecer seus assentamentos, suas organizações erealizarem no processo de convivência cotidiana, uma práticaeducativa comprometida com a relação entre vida humana, social enatureza natural, pode forjar a cada dia a prática educativalibertadora, e então, a Pedagogia da Alternância, posta como objetona ciência da educação, incorpora desafios na contraordem docapital.

    No processo de estudo que estamos, elevamos, em grandemedida, o papel social de monitores e alternantes diante dessacontraordem, sejam esses alunos matriculados ou egressos, porentendermos o quão a relação entre esses é importante para que aprática educativa familiar, em sentido específico ou geral,desenvolva-se.

    O Projeto Político Pedagógico da Escola Família AgrícolaDom Fragoso (EFA Dom Fragoso, 2010) traz conteúdos que ajudam

    em uma prática educativa dialógica como propõe Paulo Freire emsua Pedagogia do Oprimido. O Plano de Estudo (PE) que oeducando alternante elabora com o monitor na escola é um elementointegrador do tempo-escola com o tempo-comunidade.

    Essa atividade pedagógica que desencadeia o processo naPedagogia da alternância aproxima-se do fundamento dialógico pararealização da investigação do “universo temático do povo ou oconjunto de seus temas geradores” (FREIRE, 2005, p.101). Com o Planode Estudo bem elaborado, ou seja, que considere a realidade mesmae seus desafios para a Agricultura Familiar Camponesa, o Projeto

    Profissional do Jovem (PPJ) e o Projeto de Vida da FamíliaCamponesa (PVFC), trabalho obrigatório ao final do curso técnicoem Agropecuária, torna-se ação dialógica entre a escola e a famíliaou assentamento ou comunidade onde o aluno alternante reside ourealiza estágio.

    Entendemos que se monitores e alunos alternantesencaminham suas pesquisas de modo a estabelecer um diálogocrítico libertador com as famílias e comunidades, o diagnóstico darealidade tornará possível o que compreendemos por educação

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    dialógica na vida e trabalho de agricultores familiares que seautodenominam camponeses.

    A educação dialógica deve considerar as contingências deum sistema socioeconômico que segrega homens e mulheres detodas as idades e enfrentá-lo na luta e labuta cotidianas. Acreditamosque a escola quando debate com a comunidade em busca decondições de compreender e viver o cotidiano adverso que o sistemaos impõe é fonte rica de discussões e ações essenciais, não apenasformais.

    Postas as ações contínuas e habituais como alienadas,confiamos que o debate entre escola e comunidade construa crítica àprática educativa, pois a elevação dessas ações ganha uma novacondição, se feita com o suporte do saber escolarizado ou científicoao lado dos interesses da classe trabalhadora, nesse caso campesina,e da superação das formas atuais de trabalho na agricultura.

    Para finalizarmos, em tempo, defendemos que ciência daeducação, comprometida com a transformação da realidade, precisamunir-se de elementos do cotidiano que a ponha em constanteretorno crítico. Confiamos, o movimento provocado na Pedagogia daAlternância é capaz de providenciar mediações para esse retorno,desde que, como já afirmamos, estiver rigorosamente articulado aosvalores e princípios da tradição campesina.

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