QUESTÃO AGRÁRIA E SAUDE DO TRABALHADOR

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  • Questo Agrria, Sade do Trabalhador e os Desafios Para o Sculo XXI 1

    RAQUEL SANTOS SANT ANAONILDA ALVES DO CARMO

    EDVNIA NGELA DE SOUZA LOURENO

    QUESTO AGRRIA, SADE DO TRABALHADOR E OSDESAFIOS PARA O SCULO XXI

    UNESP/CULTURA ACADMICAFRANCA

    2011

  • 2 Questo Agrria, Sade do Trabalhador e os Desafios Para o Sculo XXI

    UNESP Universidade Estadual PaulistaUNESP So Paulo State University

    Reitor - Vice-reitor no exerccio da ReitoriaProf. Dr. Julio Cezar Durigan

    Vice-Reitor no exerccio da reitoriaProf. Dr. Julio Cezar Durigan

    Pr-Reitor de Ps-GraduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

    Pr-Reitora de PesquisaProfa. Dra. Maria Jos Soares Mendes Giannini

    Faculdade de Cincias Humanas e Sociais

    DiretorProf. Dr. Fernando Andrade Fernandes

    Vice-DiretoraProf. Dr. Clia Maria David

    Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Servio SocialPe. Mrio Jos Filho (in memria)

  • Questo Agrria, Sade do Trabalhador e os Desafios Para o Sculo XXI 3

    Conselho Editorial

    Anita Pereira Ferraz Programa de Ps-Graduao em Servio Social UNESP-Franca/SP

    Antonio Thomaz Junior Professor dos Cursos de Graduao e de Ps-graduaoem Geografia/FCT/UNESP/Presidente Prudente; coordenador do CEGeT;pesquisador PQ/CNPq

    Antonio Lzaro SantAna Prof. Dr. Unesp- Campus de Ilha Solteira

    Francisco Alves

    Claudia Mazzei Nogueira Departamento e Programa de Ps-graduao emServio Social da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC.

    Iris Fenner Bertani - Departamento e Programa de Ps-graduao em ServioSocial UNESP- Franca/SP

    Jos Fernando Siqueira - Departamento e Programa de Ps-graduao emServio Social UNESP- Franca/SP

    Lvia Hernandes Carvalho - Programa de Ps-graduao em Servio Social UNESP- Franca/SP

    Maria Izabel da Silva - Programa de Ps-graduao em Servio Social UNESP- Franca/SP

    Nathalia Brant - Programa de Ps-graduao em Servio Social UNESP-Franca/SP

    Patrcia Soraya Mustafa - Departamento e Programa de Ps-graduao emServio Social UNESP - Franca/SP

    Priscila de Souza Oliveira - Programa de Ps-graduao em Servio Social UNESP- Franca/SP

    Ricardo Lara Departamento e Programa de Ps-graduao em Servio Socialda Universidade Federal de Santa Catarina UFSC.

    Vera Lcia Navarro Profa Livre Docente do Departamento de Psicologia eEducao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto USP. Credenciada aos Programas de Ps-graduao em Sade na Comunidadeda Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP e Programa de Ps-graduao em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de RibeiroPreto USP.

    Vinicius Barbosa de Arajo Programa de Ps Graduao em Direito -Franca/SP

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    Endereo para correspondncia:UNESP - Faculdade de Cincias Humanas e Sociais

    Av. Eufrzia Monteiro Petrglia, 900 - C. Postal 211; CEP. l4.409 -160-Franca-SP. Brasil

    [email protected]

    ndices para catlogo sistemtico:1. Questo Agrria..............................................................2. Mundo do Trabalho.... ..........................................................3. Sade do Trabalhador................................................4. Gnero......................................................................4. Polticas Sociais Publicas..................................................................5. Servio Social..............................................................................

    EQUIPE DE REALIZAO

    Editorao Eletrnica...Ficha Catalogrfica...Reviso ABNT...Reviso Final...Capa: Criao Artstica

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    S223q Santana, Raquel SantosQuesto agrria e sade do trabalhador : desafios para o sculo XXI /Raquel Santos Santana, Onilda Alves do Carmo, Edvnia ngela deSouza Loureno ; prefcio Prof. Dr. Francisco Alves - So Paulo :Cultura Acadmica, 2011.400p. : il.Inclui bibliografiaAnexos ISBN 978-85-7983-236-91. Reforma agrria - Brasil. 2. Agricultura e Estado - Brasil. 3.Trabalhadores rurais - Brasil. I. Carmo, Onilda Alves do. II.Loureno, Edvnia ngela de Souza III. Ttulo.

    11-8380. CDD: 333.3181 CDU: 332.2.021.8

    13.12.11 22.12.11 032134

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    ...O sol banha seus corposComo quem banha as floresBanha queima e ardeEsse sol invade os corpos;Retiram as energias;Cansa;Causa fadiga;Desmaia;Irrita;Encanta, pois prova do sonhoDo renascer...A cada dia uma nova missoA cada dia uma nova metaPerdoaremos aqueles que exploram?Que querem lucroQue querem beber do sucoExtrado nesses eitos...REESTRUTURAO PRODUTIVAMais valia!MENOS VIDAS...Eito, direitos trabalhistas e suorSuor, eito e direitos trabalhistasDireitos Trabalhistas, suor e eitoSo eitos das prprias histriasSo sujeitos da histria!Podo, que poda os sonhosLaminas afiadas como os movimentos que executamLutam! So trabalhadores que lutamSorriem! So trabalhadores que apesar de tudo SORRIEMAmam! So trabalhadores,Que mesmo mergulhados no capitalismo sem corao,Se atrEvem amar!A vida dos trabalhadores da cana possui brilhoPossui solPossui produo eETANOL!Energia renovvel, que no renovaCansa, brutaliza;Explora...Tira as energias dos filhos do sol.

    FragmentosMarcos Paulo Rocha Fernandes

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    SUMRIO

    Apresentao..............................................................................................11Prfacio. Francisco Alves............................................................................15

    PARTE 1CAPITALISMO E MODELO DE DESENVOLVIMENTO AGRRIO

    CAPTULO 1 CONTRADIES DO DESENVOLVIMENTOCAPITALISTA NO BRASIL: limites ambientais e degradao do trabalhono complexo agroindustrial canavieiro.Adriano Pereira Santos................................................................................21

    CAPITULO 2 DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NOCAMPO: as transformaes do trabalhador rural em proletariado agrcola.Marize Rauber Engelbrecht...........................................................................39

    CAPITULO 3 ENTRE A TERRA E O PRATO: a geografia alimentar emquesto.Valmir Jos de Oliveira Valrio; Antnio Thomaz Jnior............................49

    CAPITULO 4 O PADRO DE DESENVOLVIMENTO DOSAGRONEGCIOS E A DEVASTAO DA VIDA.Frederico Daia Firmiano............................................................................61

    CAPITULO 5 A CONTRIBUIO DAS INDUSTRIAS DEAGROTOXICOS DESTRUTIVIDADE DO CAPITALISMO.Everson de Alcntara Tardeli; Heliton Moreno Mendona.........................75

    CAPITULO 6 PRTICAS AGROECOLGICAS NO MUNICPIO DECRISTALINA/GO: desafios no territrio do agrohidronegcio.Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonalves; Santiago Henrique Cruz;Marcelo Rodrigues Mendona....................................................................85

    CAPITULO 7 CONTRADIES DO DESENVOLVIMENTOCAPITALISTA BRASILEIRO: Agronegcio versus Sade dosTrabalhadores nos frigorficos de carnes.Alcides Pontes Remijo; Ricardo Lara.........................................................101

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    PARTE 2A LUTA PELA TERRA, MOVIMENTOS SOCIAIS, REFORMAAGRRIA E ASSENTAMENTOS RURAIS

    CAPITULO 8 EXPANSO DO AGROHIDRONEGCIO NO SEMI-RIDO NORDESTINO E OS CONFLITOS POR TERRA E GUA:revisitando a questo campo-cidade.Jos Aparecido Lima Dourado...................................................................115

    CAPITULO 9 REFORMA AGRRIA: sonho ou realidade?Jnia Marise Matos de Sousa; Bruno Gomes Cunha; Celso Donizete Locatel;Maria das Dores Saraiva de Loreto..........................................................127

    CAPITULO 10 NEM TUDO QUE SE PLANTA D! Um esboo histrico-social sobre a situao camponesa e agrria no Brasil.Fbio Fraga dos Santos; Giszelda Khenia de Oliveira; Jaqueline de MeloBarros; Luana Braga; Reginaldo Pereira Frana Junior...........................141

    CAPITULO 11 POLTICA PUBLICA E SEUS EFEITOS NAAGRICULTURA FAMILIAR NA REGIO DE GENERAL SALGADO-SP.Sara Dias da Silva Lisboa e SantAna, Antonio Lzaro............................155

    CAPITULO 12 O CINEMA COMO INSTRUMENTO POLTICO DEFORMAO DA CONSCINCIA.Onilda Alves do Carmo, Isabela Campos; Jacqueline Ferreira; Letcia Gomes;Nicole Araujo, Luiza Villarquide Firmino, Wellington Renan Teles de Ataide;Diego Ungari, Larissa Zambelli Caputo, Natasha Cristine da Silva, ViniciusAmericano Paron, Raquel Santos SantaAna................................169

    PARTE 3SADE DO TRABALHADOR E AGROINDSTRIA CANAVIEIRA

    CAPITULO 13 ENERGIA PARA QUEM? O discurso do combustvelrenovvel e os rebatimentos para a trabalhadores da agroindstria canavieira.Marcos Paulo Rocha Fernandes; Edvnia ngela de Souza Loureno......181

    CAPITULO 14 EXPANSO DO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO ECONDIES DE TRABALHO E EMPREGO NO PERODO 2000/2006Guilherme C. Delgado, Raquel S. SantAna................................................201

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    CAPTULO 15 A EXPANSO DAS AGROINDSTRIASCANAVIEIRAS NA REGIO DO PONTAL DO PARANAPANEMA E ODISCURSO DO EMPREGO.Maria Joseli Barreto; Antonio Thomaz Jnior............................................219

    CAPITULO 16 O MAL ESTAR DO TRABALHO NO CORTE DACANA-DE-ACAR: superexplorao dos trabalhadores migrantes nopontal do paranapanema-SP.Grson de Souza Oliveira...........................................................................235

    CAPTULO 17 PARTICULARIDADES DA AGROINDSTRIACANAVIEIRA DE ALAGOAS E AS SEQUELAS DASUPEREXPLORAO DA FORA DE TRABALHOLcio Vasconcellos de Veroza.....................................................................249

    CAPTULO 18 O PAGAMENTO POR PRODUO E ADEGENERAO FSICA DOS CORTADORES DE CANA: uma ntimaconexo.Juliana Biondi Guanais..............................................................................265

    CAPITULO 19 MODERNIZAO PERVERSA E DEGRADAOAMBIENTAL ATRAVS DA PROIBIO GRADATIVA DA QUEIMA DACANA-DE-ACAR.Jos Roberto Porto de Andrade Jnior; Elisabete Maniglia.............................281

    CAPITULO 20 AGRAVOS SADE DOS TRABALHADORES DAAGROINDSTRIA CANAVIEIRA: o fel da cana de acar.Edvnia ngela de Souza Loureno..........................................................297

    PARTE 4QUESTO AGRRIA, GNERO E POLTICAS PBLICAS SOCIAIS

    CAPITULO 21 LINHAS DE TRAJETRIAS: experincias laboraisfemininas no campo e na cidade.Juliana Dourado Bueno. Maria Aparecida de Moraes Silva......................321

    CAPITULO 22 AS CONDIES DE VIDA E TRABALHO DASTRABALHADORAS RURAIS USURIAS DA POLTICAMUNICIPAL DE ASSISTNCIA SOCIAL DE ALTINPOLIS/SP.Cassiana Arajo Cutdio.........................................................................335

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    CAPITULO 23 TRABALHO ESCRAVO E POLTICAS PBLICAS:condies de vida e trabalho dos cortadores de cana no Norte Fluminense.Ana Paula Procopio da Silva; Coutinho, Isis; Marilda Villela Iamamoto; PriscilaJesus do Nascimento Fonseca; Thalita Thom dos Santos...........................349

    CAPITULO 24 PROCESSO DE PRODUO CAPITALISTA E SUAPARTICULARIDADE HISTRICA BRASILEIRA.Clia Maria David; Mireille Alves Gazotto..............................................363

    CAPITULO 25 QUESTO AGRRIA E REESTRUTURAOPRODUTIVA: Reconfiguraes e Tendncias no Brasil Contemporneo.Maria das Graas Osrio P. Lustosa........................................................377

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    Apresentao

    O livro que ora apresentamos resultado do VI Simpsio deQuesto Agrria da UNESP e 1 Frum de Sade do Trabalhador daAgroindstria Canavieira, realizado pelo Ncleo Agrrio Terra e Raiz(NATRA) e o Grupo Teoria Social de Marx e Servio Social,particularmente sua linha de pesquisa Mundo do Trabalho, Servio Sociale Sade do Trabalhador GEMTSSS da UNESP/Franca.

    O NATRA um grupo de extenso universitria da Faculdade deCincias Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Jlio deMesquita Filho, campus de Franca, o qual j conta 13 anos de existncia.Suas aes esto voltadas, sobretudo, ao apoio luta pela terra na regioe ao incentivo do desenvolvimento da identidade rural. Considerafundamental uma postura acadmica crtica e criativa, noo consolidadaa partir de uma concepo terica e de uma percepo cultural atentas perspectiva de totalidade e s transformaes ocorridas no mundo dotrabalho.

    A contribuio da atividade extensionista para a formao dosdiscentes que compem o NATRA se d, tanto no campo terico quantono prtico, pela tentativa de construo cotidiana de um conceito deextenso universitria diferenciado, identificado ao pensamentopaulofreireano e sua proposta de comunicao e mtuo enriquecimento evalorizao dos diversos ambientes de produo de saber e cultura, seja omeio acadmico, sejam os diversos espaos sociais e comunitrios, dotadosde um saber dito popular, com que o Grupo entra em contato.

    O Grupo tambm se preocupa em estabelecer espaos de reflexosobre as questes referentes ao modo de organizao e direcionamento dasociedade capitalista, que fetichiza as relaes sociais em favor dasexigncias do capital e busca refrear qualquer possibilidade emancipatria.Assim, desde sua fundao o NATRA vem realizando edies de seuSimpsio, que em sua VI edio teve como parceiro o Grupo Teoria Socialde Marx de Servio Social da UNESP/Franca, em sua linha de pesquisaMundo do Trabalho, Servio Social e Sade do Trabalhador, o que

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    oportunizou a realizao de nosso evento: o VI Simpsio de QuestoAgrria da UNESP e 1 Frum de Sade do Trabalhador da AgroindstriaCanavieira.

    importante destacar que a realizao do 1 Frum de Sade doTrabalhador da Agroindstria Canavieira, especialmente com aparticipao do GEMTSSS, enriqueceu de maneira singular as discussesque ocorreram entre os dias 26 e 28 de abril de 2011 na UNESP/Franca.Com absoluta certeza, o VI Simpsio mostrou a relevncia do NATRA nocenrio acadmico, com significativo destaque na discusso da QuestoAgrria, ocupando e legitimando cada vez mais o seu espao com militnciae amadurecimento terico. Foram dias de intensas e profundas discussesque possibilitaram a reflexo sobre as aes desenvolvidas pelosmovimentos sociais que tm como bandeira de lutas a concretizao dareforma agrria, firmando-se um espao profcuo em relao aocompartilhamento de ideias e ao fortalecimento de um projeto societrioque aponte para a emancipao humana.

    O VI Simpsio alcanou projeo nacional, uma vez que contouno apenas com participantes de diversas regies do Estado de So Paulo,mas tambm de outros estados, como Cear, Gois, Mato Grosso, MinasGerais, Rio de Janeiro, entre outros. Entre inscritos e ouvintes, participaramem torno de 400 pessoas, o que possibilitou o envolvimento da comunidadeacadmica, dos movimentos sociais, dos organismos governamentais edemais interessados com o intuito de dar visibilidade aos problemasrelacionados ao modelo nacional de desenvolvimento agrrio e sadedos trabalhadores que atuam na agroindstria canavieira.

    Recebemos mais de 90 trabalhos, entre completos e resumos. Osselecionados pela comisso cientfica foram publicados nos Anais do VISimpsio e dentre estes fizemos a difcil escolha para a composio destelivro que ora apresentamos. A qualidade dos trabalhos, que trouxeramsignificativa densidade para as mesas temticas, representa, sem dvidas,a grande responsabilidade que a Comisso Editorial deste livro teve paraque fosse possvel sua publicao impressa.

    No buscando ser uma publicao a mais nos nossos currculosacadmicos, este livro tem a pretenso de contribuir para a socializaode pesquisas, teses, crticas e anseios e, mais do que isso, procurar instigara criticidade e a possibilidade de se conhecer de modo cada vez mais

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    competente a realidade que se coloca diante de ns: realidade complexa eem muito desumanizante, porm passvel de ser transformada a partir desua captao terica.

    Os trabalhos apresentados foram divididos em sete eixos, sendoeles: 1. Questo Agrria e Gnero; 2. A Luta pela Terra e os MovimentosSociais; 3. Reforma Agrria e Assentamentos Rurais; 4. PolticasPblicas Sociais e a Questo Agrria; 5. Trabalho, Questo Agrria eServio Social; 6. Trabalho Rural, Agroindstria Canavieira e Sadedo Trabalhador; 7. Capitalismo e Modelo de Desenvolvimento Agrrio.

    Tendo isso em vista, a Comisso Editorial teve em suas mos aincumbncia de escolher artigos que condensam a rica e profunda discussorealizada durante o Simpsio. Assim, o livro foi estruturado em torno dequatro eixos temticos: 1. Capitalismo e Modelo de DesenvolvimentoAgrrio, 2. A Luta pela Terra, Movimentos Sociais, Reforma Agrria eAssentamentos Rurais, 3. Sade do Trabalhador e AgroindstriaCanavieira, 4. Questo Agrria, Gnero e Polticas Pblicas Sociais;

    Na Parte 1. Capitalismo e Modelo de Desenvolvimento Agrrioapresenta-se a discusso acerca das contradies da sociedade capitalistae do reflexo, sobretudo no campo, do uso excessivo de agrotxicos naproduo de alimentos. A Parte 2. A Luta pela Terra, MovimentosSociais, Reforma Agrria e Assentamentos Rurais est concentrada emtorno da discusso sobre a situao camponesa no Brasil, a socializaode experincia de resistncia e militncia na luta pela terra, os desafiosencontrados para comercializao dos produtos cultivados, o impacto daspolticas pblicas no campo e a grande tarefa de contribuir para a formaode conscincia que deslumbra o ser social, coletivo, na luta pelaemancipao. A Parte 3. Sade do Trabalhador e AgroindstriaCanavieira prope o incisivo debate sobre o carter predatrio dosinteresses do capital, que levam ao dilaceramento da classe trabalhadora e reificao das relaes sociais no processo de expanso do modo deproduo capitalista, o que gera intenso e degradante impacto para ostrabalhadores da agroindstria canavieira no contexto do capitalismodependente brasileiro. Por fim, na Parte 4: Questo Agrria, Gnero ePolticas Pblicas Sociais, aborda-se a questo de gnero no campo,com destaque para as condies de trabalho da mulher e para os impactosdas polticas pblicas nas condies sociais de existncia no meio rural.

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    O livro conta ainda com a contribuio de grandes tericos,acadmicos e militantes, comprometidos com a qualidade e profundidadedo debate sobre a questo agrria. Temos como significativa a participaodo Prof. Dr. Francisco Alves no Prefcio e do Prof. Dr. Antnio ThomazJnior no Posfcio, o que enriqueceu ainda mais nosso livro. Destaca-seainda a participao precpua das organizadoras do livro e coordenadorasdos grupos supracitados, ponderando seu compromisso, empenho ecaminhar verdadeiro e engajado em prol da extenso universitria, doensino universitrio pblico e critico e do compromisso com a classe quevive do trabalho.

    Franca, outubro de 2011.

    Anita Pereira Ferraz; Graziela Aparecida Lima Chinali e NathaliaLopes Caldeira Brant

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    Prefcio

    Fiquei muito contente quando fui convidado pelas Profas. Edvnia,Raquel e Onilda para prefaciar o livro que elas estavam lanando. O meucontentamento e o meu aceite empreitada se devem a dois problemasque tenho: o primeiro problema que quando eu admiro o trabalho depessoas, eu tento fazer o mximo para que o trabalho dessas pessoas, queem geral, tm os mesmos valores que eu admiro e vo na direo dascoisas que ainda acredito, frutifique. O meu segundo problema, decorrentee imbricado com o primeiro (isso porque problema assim mesmo, nuncaest sozinho e isolado ele sempre se mistura a outros , o que o torna maisdifcil de resolver), que tenho uma enorme dificuldade de dizer no spessoas que gosto e s pessoas que fazem trabalhos que admiro. A junodesses dois problemas, que tenho e os confesso, foi que aceitei fazer oprefcio do livro antes de ver o livro todo, isto , antes de tomar contatocom os captulos e os artigos neles contidos e antes de me dar conta queestamos no fim do ano no famoso sol de quase dezembro, quando o meureloginho biolgico comea a apitar, pedindo: frias, frias, frias e eugrito baixo: eu vou, porque no?

    Quando me dei conta de tudo isso, j era tarde: eu j havia aceito eo prazo j estava correndo e era tambm, como sempre, curto. Da, notive alternativa a no ser arregaar as mangas; no sentido figurado, claro,porque quase nunca uso camisas de mangas compridas e digitar nonecessita da liberao das mangas e nem dos brao, basta dedos. Esselivro tem muito a ver com isso tudo: mangas, braos, suor, dedos, sade,resistncia fsica, sol etc., porque um livro que trata do trabalho, trata dotrabalho em atividade e qualquer que seja o trabalho em atividade ele tema ver com braos, mos, dedos, suor e crebros, que tambm tudo o queeu preciso para fazer esse prefcio, mas que nesse momento: fim de ano;fim de semestre; no sol e na chuva de quase dezembro, esto escassos,mas, lendo os trabalhos nele contido e vendo e percebendo a gana e agarra dessa rapaziada, o cansao vai embora, o nimo volta e a gente forado a adiar o descanso para depois do Natal.

  • 16 Questo Agrria, Sade do Trabalhador e os Desafios Para o Sculo XXI

    O trao comum do livro, alm de tratar do trabalho em atividade, que todos os trabalhos, embora divididos em 4 partes e 25 captulos, outextos, tm a ver direta, ou indiretamente com o Rural, ou questesatinentes ao mundo do trabalho Rural. Nessa medida, um livro que tem aver com o trabalho em atividade e com o mundo do trabalho, tem a vercom as questes que penso, que trabalho, que escrevo e que falo, h muitosanos.

    Quando falo que o livro trata da categoria trabalho na perspectivado mundo do trabalho, estou me referindo a uma viso, que ainda considerao trabalho categoria fundamental para o entendimento do capitalismo emplena segunda dcada do sculo XXI e esse conjunto de pessoas ,atualmente, infelizmente, pequeno. Isso porque uma parte da academiabandeou para o lado escuro da fora, comprada que foi pelos projetosmilionrios e pela perspectiva de uma carreira tranqila como profissionaisorgnicos do agronegcio, que paga muito mais do que os nossos cadavez mais minguados salrios de professores em dedicao exclusiva emuniversidades pblicas. Vale lembrar, que tambm aps o fim do socialismoreal, com o final da ex-unio sovitica, tambm muita gente deixou deacreditar no trabalho e nos trabalhadores e comeou acreditar que ocapitalismo criou uma nova forma de riqueza, que vem da financeirizaoda economia, do cassino internacional e essa nova forma de produo deriqueza prescinde do trabalho. Ao contrrio dessa mar, esse livro sustentaque ainda o trabalho de trabalhadores e trabalhadoras, que garantem areproduo do capital e que s h produo de riqueza com a apropriaodo trabalho excedente.

    Nesse sentido, o livro deixa claro que o que concebe como mundodo trabalho um mundo no qual est presente uma luta cotidiana, umaluta entre classes sociais: onde uma produz riqueza e outra se apropriadessa riqueza produzida. Essa compreenso bsica no livro. Nele noresta dvida que existe luta no chamado mundo do trabalho e essa existe,quer nos demos conta dela, quer no, e melhor que a percebamos rpidopara no cairmos no dilema que Millr Fernandes detestava e dizia, aocontrrio: melhor entrar logo na briga do que ser baleado como umtranseunte inocente que passava. Porque morrer muito ruim, acredito,porm, morrer como um transeunte inocente de bala perdida, , segundo

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    Millor e eu concordo, pior do que morrer numa luta que voc no ignoraque existe e que nela tomou partido e por conta disso foi baleado.

    Esse livro isso: mostra que h uma luta na sociedade brasileira,ou mais especificamente, no rural brasileiro, entre os trabalhadores e oagronegcio e nela toma partido ao lado dos trabalhadores, dostrabalhadores rurais, dos pequenos produtores familiares, dos camponeses,dos quilombolas, dos ndios, da populao ribeirinha, desse conjunto deatores sociais, que esto presentes no livro. Esses atores se defrontamcom o agronegcio: dos grandes proprietrios de terra, que antigamenteousvamos chamar de latifundirios, mas que hoje a grande imprensaprefere cham-los de empreendedores; do grande capital agroindustrial;dos produtores de bens de capital para agricultura; do sistema financeironacional e internacional.

    Na concepo adotada no livro, os primeiros, os atores sociais,esto do lado do BEM, no porque so mocinhos, na velha tradioholliwoodiana do mocinho contra os bandidos, do bem contra o mal, masna tradio Glauberiana do Drago da Maldade contra o santo guerreiro.Onde os que esto do lado do bem so os que querem transformar asociedade numa outra mais justa, mais humana, com a terra justamentedistribuda entre os trabalhadores, com a implementao de uma reformaagrria na direo dos trabalhadores. Os outros, do lado do agronegcio,so mostrados como os MAUS, e assim o so porque fazem na terra econtra os trabalhadores rurais o que querem todos aqueles que desejamque a sociedade brasileira continue exatamente como e foi: um dos pasesde renda mais concentrada do mundo, apesar de caminhar aceleradamentepara ocupar o lugar da sexta economia do mundo. Portanto h, como mostrado no livro, uma luta em curso e lados bem definidos e o livromostra de que lado est, de que lado esto seus organizadores e autores,cabe aos leitores decidirem de que lado ficaro nessa luta em curso, queno terminou e que est longe de terminar, mesmo com os soluos docapitalismo contemporneo aps 2008.

    Outra coisa boa do livro que rene uma rapaziada jovem, isto ,grande parte dos trabalhos de jovens pesquisadores, que mostram naforma de artigos as suas dissertaes e teses. O fato de o livro apresentargente jovem discutindo questes sociais importantes do trabalho, do mundodo trabalho, do rural brasileiro esperanoso. O livro mostra que apesar

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    da presso do agronegcio sobre os rumos da produo acadmica, hresistncia, que se d no apenas de ns, mais velhos, o que j lugarcomum, mas de uma rapaziada que est surgindo agora dos bancosescolares e est mostrando a sua cara e mostrando que tomou partido dolado dos trabalhadores.

    Os trabalhos esto apresentados em quatro partes, como dissemos,na primeira discute o Capitalismo e Modelo de DesenvolvimentoAgrrio; na segunda discute A Luta pela Terra, Movimentos Sociais,Reforma Agrria e Assentamentos Rurais, na terceira discutida aSade do Trabalhador e Agroindstria Canavieira e na quarta entraem cena a Questo Agrria, Gnero e Polticas Pblicas Sociais. Nessacomposio das partes do livro as questes colocadas antes, tais como:concepo adotada no livro, a postura, o compromisso e a militncia ficamescanacarados. Espero que faam uma boa leitura, porque os textos aquiapresentados tm muito a ensinar e a, fundamentalmente, discutir.

    Novembro/2011.

    Francisco Alves

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    PARTE 1CAPITALISMO E MODELO DE DESENVOLVIMENTO AGRRIO

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    CONTRADIES DO DESENVOLVIMENTOCAPITALISTA NO BRASIL: limites ambientais edegradao do trabalho no complexo agroindustrial canavieiro

    Adriano Pereira Santos1

    IntroduoNas ltimas dcadas possvel observar que o modo de produo

    capitalista sofreu inmeras mudanas em seu metabolismo social a partir dareestruturao produtiva, que vem se processando com a implantao de novosmodelos produtivos, novas formas de organizao do trabalho e inovaestcnico-cientficas. O objetivo dessas mudanas, alm de buscar conter ascontradies sociais inerentes crise estrutural do capital (MESZROS,2002), que se manifestou no interior do sistema desde meados dos anos 1970,visa a garantir tambm novas bases de produo e reproduo econmica enovas formas de controle sobre o trabalho e sobre a natureza para repor omovimento incessante de expanso e acumulao do capital.

    O fato preocupante dessas transformaes que alm de gerar mais umpadro de acumulao capitalista, um novo processo de controle e domniosobre a natureza tambm se instaura, ou seja, novas formas de capitalizaodos recursos naturais e minerais necessrios reproduo do capital se impem.Nesse sentido, a explorao intensiva e destrutiva da natureza pela ordem socialdo capital engendra no apenas uma forma degradante de existncia social eeconmica, mas tambm coloca em risco a permanncia e reproduo da prpriahumanidade no planeta Terra.

    No que se refere a essa problemtica ambiental, que define atualmentea crise ecolgica, enquanto comprometimento dos mecanismos e ciclosnaturais que possibilitam a produo e reproduo da vida (inclusive a vidahumana) na Terra (COGGIOLA, 2009), um conjunto de fenmenos, tais como o crescimento exponencial da poluio do ar nas grandes cidades, da guapotvel e do meio ambiente em geral; o aquecimento global, a multiplicaodas catstrofes naturais, a destruio das florestas tropicais, o desmatamento ea reduo da biodiversidade pela extino de milhares de espcies, etc; podemser considerados fatores que revelam o esgotamento do padro civilizatrio,institudo a partir da racionalidade econmica (instrumental), caracterstica damodernidade capitalista.

    Portanto, a crise ecolgica de profundidade estrutural que vivemosatualmente sob a gide da lgica permanentemente destrutiva do capital reflexoda busca incessante pela maximizao do lucro, isto , resultado da prpriaforma de ser da produo e do mercado capitalista. Em outras palavras, os eventos1 Prof. Assistente do Instituto de Cincias Humanas e Letras, UNIFAL-MG Doutorando em Sociologia IFCH/UNICAMP. e-mail: [email protected]

    CAPITULO 1

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    e catstrofes naturais que se intensificaram nas ltimas dcadas decorrem deum desastre ecolgico de propores incalculveis surgido na ordem do capitale que, por essa razo, constitui uma ameaa da destruio total dos fundamentosnaturais da existncia humana.

    Diante dessa problemtica, busca-se compreender o modo de produocapitalista no apenas como formao social na qual os homens se reproduzemeconomicamente de forma determinada, mas tambm como formao social dedominao poltica e econmica. Nesse sentido, destaca-se que as formas dedominao poltica do capital so intrinsecamente ligadas maneira pela qualo homem domina a natureza. impossvel dissociar a destruio ecolgica dadegradao das condies de vida dos proletrios urbanos, rurais e de suasfamlias. Isto quer dizer que, to logo o capital instaura uma forma de dominaoe explorao da natureza, certamente se desenvolver uma forma de domnio eexplorao da fora de trabalho, colocada em movimento para a reproduo docapital.

    Tendo em vista essas consideraes mais gerais da lgica destrutiva docapital e de suas formas de dominao e explorao no mundo contemporneo,o presente texto como parte de uma pesquisa ainda em andamento tem porobjetivo discutir as principais contradies sociais e ambientais que esse modode produo impe reproduo da sociedade e da natureza, na medida em queo desenvolvimento econmico, associado sua lgica de expanso e acumulao,tem sido defendido, no Brasil, como a finalidade do progresso econmico esocial. Assim, busca-se desvelar tais contradies e os limites ambientais de taldesenvolvimento capitalista a partir da anlise de um determinado setor produtivoque vem sendo apresentado como modelo sustentvel do desenvolvimentoeconmico capitalista.

    Trata-se, evidentemente, do agronegcio canavieiro que, nos ltimosanos (2001-2008), vem se expandindo, sobretudo na regio Centro-Sul do Brasil,em decorrncia de algumas razes conjunturais e estratgicas referentes ao setor.Dentre elas destacam-se: 1) o crescente aumento do comrcio de acar e lcoolno mercado interno e externo; 2) crise e elevao do preo do barril de petrleono mercado internacional, bem como sua escassez e alto nvel de poluio(emisso de CO2 na atmosfera); 3) aumento da demanda interna por lcoolhidratado, devido ao aparecimento dos novos modelos de carros flex-fuel(bicombustvel); 4) devido s alteraes climticas e ao aquecimento globalprovocado pela intensa emisso de CO2, o protocolo de Kyoto defende a reduoda emisso de gs carbnico, o que tem contribudo para gerar uma demandainternacional por lcool anidro de outros pases da Europa, sia e Amrica.

    Com isso, parece que a retomada de crescimento do setor sucroalcooleirosurgiu como uma alternativa energtica ao petrleo, isto , uma alternativa dedesenvolvimento limpo e sustentvel. o que se pode analisar a partir da posio

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    ideolgica e apologtica de diversos setores sociais que defendem o modelo deagronegcio brasileiro, como modelo de desenvolvimento a ser estendido a todo opas. No entanto, o que se verifica exatamente o contrrio, pois atrs das cortinasdo presente cenrio revelam-se algumas mazelas sociais e ambientais que degradamno apenas a vida de milhares de trabalhadores (migrantes) canavieiros ecomunidades rurais, mas tambm o meio ambiente e diversos ecossistemas, quecorrem o risco de desaparecerem devido expanso dos canaviais.

    Contradies sociais do desenvolvimento econmico na lgica do capitalNo alvorecer do sculo XXI, a realidade social regida pela ordem do

    capital encontra-se, indelevelmente, marcada pelo paradoxo e pela contradio.O que parece intensificar-se a cada dia, na medida em que o avano das forasprodutivas, geradas pela aplicao tecnolgica da cincia e pela ideologia doprogresso produz, inevitavelmente, um conjunto de contradies sociais que seevidenciam por meio da ampliao da desigualdade social, da pobreza,concentrao fundiria, alta concentrao de renda, subdesenvolvimento edegradao ambiental.

    Tais contradies reveladas por essa problemtica manifestam-se no fatode que tanto o progresso quanto o desenvolvimento econmico se constituem emmitos construdos no interior da sociedade capitalista, pois j no traduzem maiso bem-estar social outrora possvel apenas para uma parte da populao dospases centrais durante a Era de Ouro do Capitalismo (HOBSBAWM, 1995).

    Celso Furtado (1981) enfatizava nos anos 1960 a caracterstica mticado desenvolvimento econmico. Mas desmistificava a falcia e os equvocosde muitos economistas (tericos do crescimento econmico) ao no perceberemas suas conseqncias, quanto ao crescimento desordenado das grandesmetrpoles com seu ar irrespirvel, a crescente desigualdade social e intensadegradao ambiental.

    Assim, o autor assinalava que o desenvolvimento econmico comoprocesso civilizatrio do capitalismo era intrinsecamente predatrio e que asociedade burguesa, orientada para a criao de valor econmico (valor de troca),provocava necessariamente a degradao da natureza e do meio fsico. Dessaforma, verifica-se que Celso Furtado revelou a lgica destrutiva e excludentena qual se funda a sociedade regida pelo capital ao afirmar que impossvel ageneralizao dos mesmos padres de consumo para o conjunto do sistemacapitalista, tal como os que so praticados nos pases ditos desenvolvidos. Seisso fosse possvel,

    [...] o custo, em termos de depredao e degradao do mundofsico, desse estilo de vida, de tal forma elevado que todatentativa de generaliz-lo levaria inexoralmente ao colapso detoda a civilizao, pondo em risco as possibilidades de sobre-

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    vivncia da espcie humana. Temos assim a prova definitivade que o desenvolvimento econmico a idia de que os po-vos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dosatuais povos ricos simplesmente irrealizvel (FURTADO,1981, p. 75).

    Disso decorrem duas questes relevantes para os objetivos aquiperseguidos: qual o significado do subdesenvolvimento nesse contexto? Quaisos impactos da lgica da produo capitalista sobre a natureza e sobre otrabalhador?

    A propsito do subdesenvolvimento, pode-se afirmar que se trata deum estado produzido pela Diviso Internacional do Trabalho (DIT) em que seestrutura uma relao de dependncia dos pases perifricos em relao aoprocesso de acumulao global do capital. Ou seja, ele resultado de um processode explorao e espoliao que rompe os mecanismos ecolgicos e culturais deuma nao (LEFF, 2000). Em outras palavras, significa que a deterioraoambiental, a devastao dos recursos naturais e seus efeitos nos problemasambientais globais so, em grande parte, consequncias dos padres deindustrializao, centralizao econmica, concentrao urbana e capitalizaoda natureza, impostos pela racionalidade econmica do capital. Isto , aomaximizar excedentes e benefcios econmicos em curto prazo ela impe sobrea questo social e a sustentabilidade ecolgica um amplo processo dedesestruturao dos ecossistemas produtivos e das culturas dos povos dos pasesperifricos (LEFF, 2000).

    O caso do desenvolvimento capitalista no Brasil e sua posio nointerior do sistema, subordinada historicamente aos pases centrais,apresentam algumas particularidades e especificidades. Segundo Franciscode Oliveira (2006), o subdesenvolvimento do Brasil no se funda apenas naoposio entre o atrasado e o moderno. Ao contrrio, [...] o processoreal mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrrios,em que o chamado moderno cresce e se alimenta da existncia doatrasado (OLIVEIRA, 2006, p. 33). Isto , o subdesenvolvimento precisamente uma produo da expanso capitalista, conforme suanecessidade de reproduo ampliada.

    Alis, desde a dcada de 1940 Caio Prado Jnior. j enfatizava o carterdo desenvolvimento brasileiro e sua processualidade contraditria, quandoassinalou

    O passado, aquele passado colonial [...] a ainda est, e bemsaliente; em parte modificado, certo, mas presente em traosque no se deixam iludir. Observando-se o Brasil de hoje, oque salta vista um organismo em franca e ativa transforma-o e que no se sedimentou ainda em linhas definidas, que no

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    tomou forma. verdade que em alguns setores aquela trans-formao j profunda e diante de elementos prpria e positi-vamente novos que nos encontramos. Mas isto, apesar de tudo, excepcional. Na maior parte dos exemplos, e no conjunto, emtodo caso, atrs daquelas transformaes que s vezes nos po-dem iludir, sente-se a presena de uma realidade j muito antigaque at nos admira de a achar e que no seno aquele passadocolonial. (PRADO JNIOR, 2000, p. 3).

    Nesse sentido, e analisando os processos contnuos e descontnuos dodesenvolvimento assinalado tanto por Caio Prado Jnior. (2000) como por Oliveira(2006), Giovanni Arrighi (1997), de outra perspectiva, mas a partir de umareconceituao sobre a estratificao da economia mundial, auxilia-nos a definirqual seria o lugar do Brasil no contexto da diviso internacional do trabalho.

    Considerado como um pas emergente, na nova definio desse autor, oBrasil faria parte do que ele denomina de semiperiferia, ou seja, posio queenvolve a combinao mais ou menos igual de atividades de ncleo orgnico eatividades perifricas. Isto , Estados com essas caractersticas teriam o poderde resistir periferizao, mas no teriam poder suficiente para super-lacompletamente e passar a fazer parte do ncleo orgnico do capital (ARRIGHI,1997, p. 140). Afinal, as relaes entre os pases centrais, ditos desenvolvidos,e os pases perifricos, ditos subdesenvolvidos, so relaes determinadas nopor combinaes especficas de atividades, mas pela posio que ocupam nointerior da diviso mundial do trabalho. Da o desenvolvimento ser uma iluso,pois, conforme Arrighi (1997, p. 217) a riqueza dos Estados do ncleo orgnico[...] no pode ser generalizada porque se baseia em processos relacionais deexplorao e processos relacionais de excluso que pressupem a reproduocontnua da pobreza da maioria da populao mundial.

    Por essa razo, o trao essencial da economia capitalista mundial adesigualdade, ou seja, a insero de pases perifricos sempre subordinada stendncias excludoras e exploradoras, atravs das quais os pases centrais sereproduzem como ncleo orgnico do sistema.

    Entretanto, o subdesenvolvimento, de acordo com essa tica, no seinscreve numa cadeia evolutiva que vai do mais simples ao mais complexo, isto, no se sucede por meio de estgios e etapas ao pleno desenvolvimento.Conforme Francisco de Oliveira (2006, p. 127), como singularidade, o [...]subdesenvolvimento no era, exatamente, uma evoluo truncada, mas umaproduo da dependncia pela conjuno de lugar na diviso internacional dotrabalho capitalista e articulao dos interesses internos. Por isso,subdesenvolvimento a forma da exceo permanente do sistema.

    Assim, a expanso capitalista no Brasil se d de acordo com a expansodo modo de acumulao global do capital, mas sendo caracterizada por alguns

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    traos que lhes so intrnsecos, pois conforme as condies concretas derealizao da acumulao, a expanso capitalista no Brasil caminhainexoravelmente para uma concentrao da renda, da propriedade e do poder(OLIVEIRA, 2006). A originalidade desse processo que criou o que Franciscode Oliveira (2006, p. 60) denominou de Ornitorrinco consiste, segundo oautor, numa expanso que se desenvolve,

    [...] introduzindo relaes novas no arcaico e reproduzindorelaes arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acu-mulao global, em que a introduo das relaes novas noarcaico libera fora de trabalho que suporta a acumulao ur-bano-industrial e em que a reproduo de relaes arcaicas nonovo preserva o potencial de acumulao liberado exclusiva-mente para os fins de expanso do prprio novo.

    Ora, no seria essa a lgica da atual expanso da agroindstriacanavieira, ao combinar amplo desenvolvimento tecnolgico e cientfico comdegradao social do trabalho e destruio ambiental? A colheita mecnica dacana-de-acar, associada superexplorao do corte manual realizado portrabalhadores migrantes, submetidos s condies degradantes de trabalhoanlogas ao escravo, no seriam exemplos dessa contradio do desenvolvimentoeconmico?

    Diante do exposto anteriormente sugere-se que no s h umaintensificao do processo de destruio da natureza e superexplorao dotrabalho, apesar do desenvolvimento tecnolgico, mas tambm a reproduocaracterstica de um modelo que nos remete ao perodo colonial da formaosocial, poltica e econmica brasileira, que se define historicamente pormeio da grande propriedade, da monocultura e do trabalho escravo.

    Limites ambientais da expanso agroindustrial canavieiraDurante muito tempo se defendeu no Brasil a idia de que aeconomia nacional, baseada no latifndio e no monocultivoda produo agrcola, era sinnimo de um atraso caractersti-co de pases do chamado Terceiro Mundo, subdesenvolvidos.No entanto, recentemente, o presidente da Repblica afirmouque os usineiros cuja riqueza nasce justamente da grandepropriedade e da explorao do trabalho na monoculturacanavieira podem ser considerados os heris nacionais,pois seriam os verdadeiros representantes do que h de maismoderno no agronegcio mundial.2

    Nessa perspectiva e diante do quadro recente de expanso daagroindstria canavieira percebe-se um conjunto de estratgias que vem sendo

    2 Ver reportagem de Chico Gis em O Globo, 20/03/2007 (apud SANTOS, 2009, online).

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    desenvolvido tanto pelo setor privado, ligado ao agronegcio, quanto pelo Estadoque, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social(BNDES) atua como principal credor da expanso canavieira e dos novosprojetos industriais de usinas e destilarias. Assim, para aumentar a oferta delcool, uma vez que este vem despertando o interesse de outros pases, comoEUA, Alemanha e Japo, um conjunto de medidas est sendo elaborado pelosetor sucroalcooleiro, como: novas variedades de cana geneticamentemodificadas; expanso da rea agrcola; e inovaes na linha de produo dasusinas.

    Portanto, para viabilizar as estratgias que vem sendo adotadas pelosetor cujo interesse atender prioritariamente as demandas internacionais estprevista at 2010 a construo e inaugurao de novas unidades produtivas, denovas usinas de acar e lcool em algumas reas no Brasil que esto no centroda expanso da cultura canavieira. So elas: Araatuba, no Estado de So Paulo,a regio do Tringulo Mineiro e os Estados de Gois, Mato Grosso e MatoGrosso do Sul (principalmente as regies de Cerrado).

    Dessa forma, o que se verifica em relao aos interesses econmicosde ampliao do setor por meio da expanso e ocupao de terras para a culturacanavieira, e da capacidade produtiva, um risco anunciado de degradaoambiental em algumas regies, especialmente a regio Centro-Oeste, em MatoGrosso, Mato Grosso do Sul e Gois, onde se localizam biomas com prioridadede preservao: trata-se do Cerrado e do Pantanal brasileiros3.

    No obstante o cenrio econmico ser de grande vantagem para a recenteexpanso da agroindstria canavieira, em que pese o fato de que o Brasil reneboas condies tecnolgicas, territoriais, climticas, econmicas e naturais paraa produo extensiva de cana, no se pode afirmar que a panacia dosagrocombustveis, notadamente a cana-de-acar, seja sinnimo de modernidadeou modelo de desenvolvimento econmico e sustentvel. Pois, como j seafirmou anteriormente a agroindstria canavieira reproduz em escala ampliada,as contradies, mazelas e consequncias inerentes lgica de expanso eacumulao do capital que intensificam a nossa vocao agrcola ,geralmente ocultadas por representantes, idelogos e empresrios do setor.

    Assim, por um lado, o lcool considerado uma alternativa, umcombustvel vegetal, renovvel e limpo, que pode ser obtido a partir da energiasolar por meio da fotossntese das plantas. Por outro, as condies nas quais3 A esse respeito vale assinalar, conforme Fuser (2007), que o Cerrado mantinha, em 1985, cerca de75% de sua vegetao original, mas nas duas dcadas seguintes o avano do agronegcio provocouuma devastao implacvel, a tal ponto que, em 2004, restavam apenas 43%. Essa lgica to perversaque num primeiro momento ela foi marcada por forte concentrao da propriedade num processo demonopolizao. Agora, a recente expanso tem como caracterstica principal a exigncia de terras deboa qualidade, pois sua lgica est voltada, como em qualquer lugar do planeta, para o retorno rpidodo capital, com um mnimo de riscos.

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    sua produo se desenvolve so a expresso de um modelo essencialmentedestrutivo, exploratrio e amplamente marcado pela degradao no s dapaisagem ambiental, transformada pelo verde monocromtico da cana-de-acar, mas tambm da situao social de milhares de trabalhadores canavieirose operrios metalrgicos que atuam na cadeia produtiva do referido setor.

    No que se referem questo ambiental, alguns fatores so apontadoscomo conseqncias nefastas desse modelo de desenvolvimento econmicofundado na expanso da agroindstria canavieira. Dentre eles, destacam-se: a) apoluio dos recursos hdricos com agrotxicos e resduos (vinhaa) derivadosdo processo produtivo e que so utilizados como fertilizantes, mas que em intensaconcentrao no solo podem atingir os lenis freticos, contaminando mananciaisde gua subterrnea, como o risco que corre a regio de Ribeiro Preto-SP, localde recarga do Aqfero Guarani; b) poluio do ar com a emisso de partculas deCO2 e oznio, que em grande concentrao a uma baixa altitude na atmosferapode causar danos sade humana4; c) e, por fim, o fato de que, alm de causar asubstituio de culturas produtivas, a expanso da cana pode provocar a reduodas reas de preservao, com reduo das reas de mata nativa.5

    Ademais, uma decorrncia da atual expanso da cana-de-acar para asreas onde sua produo se desenvolve a intensificao de alguns problemasambientais, como a peridica destruio e degradao de ecossistemas inteiros,por meio da prtica habitual das queimadas. Segundo Tams Szmrecsnyi (1994,p. 73),

    [...] as queimadas provocam periodicamente a destruio edegradao de ecossistemas inteiros, tanto dentro como juntos lavouras canavieiras, alm de dar origem a uma intensa po-luio atmosfrica, prejudicial sade, e que afeta no apenasas reas rurais adjacentes, mas tambm os centros urbanos maisprximos.

    Cabe assinalar ainda, que, alm de sua ao biocida em relao fauna, flora e aos microorganismos, as queimadas provocam um aumento datemperatura do solo, bem como a perda considervel de seus nutrientes,4 A respeito dessa problemtica que envolve as contradies da produo de etanol no Brasil verreportagem especial: (BIO..., 2007).5 O caso que mais chama a ateno a ameaa que sofre o Pantanal e as reas de Cerrado em MatoGrosso e Mato Grosso do Sul. Nestas regies onde se localiza a maior parte do Pantanal brasileiro jexistem 14 usinas de acar e lcool, segundo os dados da ONG WWF-Brasil (Anlise da expansodo complexo agroindustrial canavieiro no Brasil). H uma estimativa que nos prximos 10 anos,esse nmero suba para 28 usinas, gerando diversos problemas ambientais. A grande preocupao,entre outras, que, alm da dificuldade dos rgos estatais fiscalizarem o setor caso a expansoocorra de maneira abrupta, surge tambm a questo referente interligao do bioma com outros deseu entorno. O Pantanal, longe de se constituir um sistema isolado, guarda uma forte relao deinterdependncia com os demais biomas que o cercam, e sua pujana vital, sua sobrevivncia, dependeda conservao dos demais biomas locais.

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    demonstrando, portanto, os limites ambientais dessa prtica agrcola amplamentedestrutiva.

    No que tange a emisso de CO2 causada pelas queimadas, muitosdefendem que o prprio desenvolvimento e crescimento do canavial amenizaessa emisso, visto que a cana consumidora de CO2 e geradora de O2, porquerealiza a fotossntese. No entanto, no se pode dizer o mesmo em relao aoOznio (O3), um gs poluente que tambm formado a partir de reaesfotoqumicas e que, alm de no dispersar facilmente, em grande concentraona atmosfera prejudica o crescimento das plantas e o sistema respiratrio dosseres vivos em geral (SZMRECSNYI, 1994).

    Portanto, no so poucos os prejuzos e danos ambientais que compema produo agroindustrial canavieira. Alm da poluio provocada pela queimada cana antes do corte, a queima do bagao para a gerao de energia durante oprocesso de fabricao do acar e etanol gera o material particulado (MP),isto , monxido e dixido de carbono e xido nitrognio, toxinas residuais decinzas, fuligens e outros materiais que so inalados tanto pelos trabalhadorescanavieiros durante o corte manual da cana, quanto pelos moradores das reasurbanas, cercadas pelo mar de cana. A respirao dessas toxinas, aopenetrarem nos pulmes gera uma diminuio da capacidade respiratria6(SILVA, 2008, p. 12).

    Os prejuzos para a natureza no cessam diante da expanso canavieira.No que se refere fauna e flora, as queimadas provocam a morte de vriasespcies de animais, como cobras, tatus, lagartos, capivaras, lobos, seriemas,onas, dentre outros que habitam essas reas ou que se encontra em extino.As reservas e florestas tambm so afetadas, na medida em que at mesmo asmatas ciliares so destrudas para o plantio de cana, havendo, portanto, odesrespeito s reas de Preservao Permanente (APPs) (SILVA, 2008). Assim,pode-se observar que a contradio entre capital e natureza se manifesta tologo as mazelas sociais e ambientais comeam a aparecer a partir do momentoem que as cortinas que escondiam a poluio, morte e sangue dos canaviaisforam erguidas.

    Condies de vida e trabalho degradante nos canaviaisAs anlises feitas acerca das conseqncias da produo agroindustrial

    desconstroem os mitos tanto do desenvolvimento quanto da sustentabilidade daproduo de etanol, pois a forma de produo e colheita da cana, associada aoimpulso incessante de expandir e acumular capital causa danos no apenas ao6 Alguns estudos demonstram que as queimadas de biomassa resultam na formao de substnciaspotencialmente txicas, tais como monxido de carbono, amnia e metano. Dentre as substnciaspresentes nos materiais particulados finos liberados durante a queima de biomassa (vegetao), oshidrocarbonetos policclicos aromticos (HPAs) so os mais danosos sade, apresentando atividadesmutagnicas, carcinognicas e como desregulamentares do sistema endcrino (HESS, 2008).

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    meio ambiente, mas tambm afeta diretamente a sade e vida dos milhares detrabalhadores que atuam no setor, sobretudo aqueles que trabalham com acolheita manual da cana.

    o que se pode constatar com o caso dos trabalhadores canavieirosque realizam a colheita manual da cana-de-acar. Submetidos a uma jornadade trabalho extenuante de 12 a 14 horas de trabalho dirio, os cortadores decana, especialmente os migrantes, trabalhadores temporrios que se deslocamde suas terras de origem, principalmente da regio nordeste do Brasil, paratrabalhar no corte da cana das usinas de acar e lcool do interior do Estado deSo Paulo, sobretudo na regio de Ribeiro Preto-SP, so obrigados a cortardiariamente uma mdia de 10 a 12 toneladas de cana, o que os levam a umesforo extenuante, podendo colocar em risco sua prpria vida.

    Essa situao imposta a milhares de trabalhadores migrantes de algumasregies do nordeste brasileiro, que deixam suas famlias em seus lugares de origempara trabalhar em diversas culturas do agronegcio, especialmente a da cana, degradante em virtude das condies de trabalho e vida a que esto submetidos.

    A migrao desses trabalhadores (homens jovens) forada peloobjetivo de ganhar dinheiro para sustentar suas famlias, que ficaram distantes.As razes que explicam sua migrao so inmeras, porm, destaca-se que umdos fatores decisivos se deve expulso desses trabalhadores, quando ascondies de reproduo social e econmica em seus locais de origemencontram-se comprometidas. Nesse sentido, Francisco Alves, assinala que noMaranho e no Piau o processo de expulso ocasionado pela [...]impossibilidade de os trabalhadores conseguirem boas terras para o plantio desubsistncia e pela impossibilidade de acesso a outras formas de renda, pormeio da venda de sua fora de trabalho (ALVES, 2007, p. 47). Em outraspalavras, o que leva esses trabalhadores a deixarem suas terras de origem e sesubmeterem a uma viagem difcil, a um trabalho penoso e degradante, deixandosuas famlias (mulheres e filhos) a falta de trabalho.

    Assim, ao chegar em So Paulo, lugar de destino de parte dos migrantesque vem para o corte da cana, sua situao, nas usinas e fazendas paulistas, desujeio por dvida e de imobilizao, coero fsica e moral, alm das exignciasem torno da alta produtividade. Alis, no que tange s condies de trabalho, preciso destacar seus efeitos deletrios sobre o trabalhador que, conformedenncias feitas tanto pela Pastoral do Migrante de Guariba-SP, quanto peloMinistrio Pblico do Trabalho, revelam uma superexplorao do trabalho7, que7 Vale dizer que essa superexplorao do trabalho envolve, segundo Dal Rosso (2008) mais trabalho,pois consiste num dispndio maior das capacidades fsicas, cognitivas e emotivas do trabalhador como objetivo de elevar quantitativamente ou melhorar qualitativamente os resultados e a produo. Essenefasto aumento do dispndio de energia fsica e mental do trabalhador canavieiro pode colocar suavida em risco, levando-o a uma morte silenciosa, com o surgimento de doenas crnico-degenerativas,ou at mesmo a morte e invalidez absoluta.

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    no perodo de 2004 at 2007 gerou 23 mortes registradas pela Pastoral do Migrante.Tais mortes foram supostamente provocadas pelo excesso de esforo,

    isto , uma verdadeira overdose de trabalho, denominada birola pelostrabalhadores. Assim,

    Alm das condies alimentares insuficientes causadas pe-los baixos salrios, do calor excessivo, do elevado consumode energia, em virtude de ser um trabalho extremamente exte-nuante , a imposio da mdia, ou seja, da quantidade diriade cana cortada, cada vez mais crescente, tem sido o definidordo aumento da produtividade do trabalho, principalmente apartir da dcada de 1990, quando as mquinas colhedeiras decana passaram a ser empregadas em nmero crescente (SIL-VA, 2006, p. 15).

    As condies de trabalho e produo, alm de provocarem mortes devidoao excesso de esforo no desempenho do trabalho, provocam tambm oadoecimento de muitos trabalhadores que so acometidos por Leses porEsforos Repetitivos e Doenas Osteomusculares (LER/DORT), cncerprovocado pelo uso de veneno, doenas respiratrias alrgicas provocadas pelafuligem da cana que, aliadas a inexistncia de recursos financeiros, conduzemo sujeito a uma morte fsica e social (SILVA, 2006), j que, lesionado e acometidopor alguma doena, pode ser excludo do mercado de trabalho ao ficar inapto aqualquer outra atividade que lhe garanta condies mnimas de sobrevivncia.

    Mas qual seria a natureza do processo de trabalho no corte manual dacana que tem provocado esses efeitos deletrios sobre os trabalhadores?

    Segundo algumas pesquisas (ALVES, 2007; NOVAES, 2007; SILVA,2008), h a hiptese de que um dos fatores determinantes desses efeitos deletriosproduzidos pelo corte da cana sobre a vida e corpo do trabalhador a forma depagamento por produo, que aliada s condies degradantes de trabalho e snovas exigncias de produtividades das usinas tem provocado mortes, mutilaoe degradao do trabalhador canavieiro.

    Pode-se dizer, com isso, que a imposio do pagamento por produoimplica em maior controle sobre o tempo de trabalho do cortador de cana emaior disciplina de seu corpo para uma atividade que se exige, em funo de umatendncia da mecanizao, uma maior produtividade. De acordo comE.P.Thompson (1998), significa usar e gastar o tempo da fora de trabalho e cuidarpara que no seja desperdiado. o que se pode verificar quando analisamos,especificamente, o prprio processo de trabalho de corte manual da cana. Este,segundo Alves (2007), consiste num processo que no se limita ao exerccio daatividade de cortar cana, retir-la do cho, usando um instrumento de corte, ofaco ou podo. O trabalho no corte de cana envolve, alm da atividade do cortede base, um conjunto de outras atividades, isto , limpeza da cana, transporte e

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    arrumao da cana, que no so remuneradas (ALVES, 2007, p. 31).Essas atividades interferem, portanto, no prprio rendimento e capacidade

    de produo do trabalhador, pois so essas novas exigncias das usinas que aumentame intensificam o ritmo de trabalho, o que significa um maior dispndio de forafsica, que se no reposta de maneira adequada, poder acarretar perda de capacidadedo trabalho, comprometimento da sade do trabalhador, ou at mesmo podendolevar a morte, por exausto fsica.

    evidente, portanto, que o aumento da produtividade8 do corte da cananos ltimos anos pode ser levantado como um dos fatores responsveis por essasuperexplorao do trabalho que tem provocado morte e adoecimento. Para seter uma idia da expanso da produo canavieira nos ltimos anos, na dcadade 1980, a mdia (produtividade) exigida pelas usinas era de 5 a 8 toneladas decana cortada por dia; em 1990 aumentou para 8 a 9; de 2000 a 2004 foi para 10toneladas; e a partir de 2004 passou de 10 a 12 e 15 toneladas de cana cortadapor dia (ALVES, 2008; SILVA, 2008). No por acaso que muitos trabalhadoresreclamam de dores e cimbras no corpo, pois so obrigados a cumprirem amdia de 10 ou 12 toneladas/dia, o que se torna condicional para a sua contrataona prxima safra, j que ficam na mira dos fiscais da usina.

    Assim, diante dessas condies de trabalho que, alm de colocar emrisco a integridade fsica dos trabalhadores visto que esto submetidos aosacidentes tpicos como mutilaes e ferimentos causados por corte de faco epodo (BOAS; DIAS, 2008), eles tambm esto suscetveis hipertermia, quepode surgir em um cortador de cana, pois ele faz um exerccio intenso eprolongado exposto s baixas umidades, altas temperaturas, sem adequadahidratao, pssima transpirao por conta das vestimentas pesadas. A situaoainda agravada pelo estmulo ocasionado pelo pagamento por produo decana cortada por dia. Segundo, um grupo de pesquisadores (LAAT et al, 2008)com o desgaste fsico dos cortadores de cana e os impactos dessas condies detrabalho: surgem inicialmente sede, fadiga e cimbras intensas, na sequncia omecanismo termorregulador corporal comea a entrar em falncia e surgemsinais como nuseas, vmitos, irritabilidade, confuso mental, falta decoordenao motora, delrio e desmaio.

    dessa perspectiva de adoecimento e degradao social do trabalhadorque se pode olhar o desenvolvimento econmico, notadamente o setorsucroalcooleiro, defendido como modelo de desenvolvimento limpo esustentvel. Portanto, verifica-se a situao de milhares de trabalhadoressubmetidos ao moinho satnico (POLANYI, 1980) do capital, que reduz

    8 Uma das razes levantadas por pesquisadores da rea destaca que as mortes e doenas causadaspelo esgotamento fsico dos trabalhadores canavieiros esto ligadas lgica do ganho ou pagamentopor produtividade, isto , por tonelada cortada pelo trabalhador. A esse respeito ver importante textosobre a questo de Francisco Alves (2006).

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    seu tempo de vida til no corte de cana abaixo dos escravos que atuavam nomesmo setor no final do sculo XIX, de 15 anos para 12 anos (BOAS; DIAS,2008). Com um piso salarial de R$ 410,00 e cortando uma mdia de 10toneladas, o salrio de um cortador de cana hoje pode chegar a R$ 800,00reais, mas quando perde o emprego por no atingir a meta de produtividadeexigida pelas usinas, lhe resta integrar as fileiras de trabalhadores itinerantes.Como no tem dinheiro para voltar para sua casa e famlia, reintegra o ciclovicioso do capital, de explorao do trabalho temporrio e precrio.

    Consideraes FinaisDiante das inmeras possibilidades que a problemtica em questo

    oferece, buscou-se debater a partir da crtica ao agronegcio canavieiro,defendido pelos mais histricos apologetas como modelo econmico, limpoe sustentvel os limites sociais e ambientais inerentes lgica dodesenvolvimento capitalista. Assim, diante das contradies manifestas darealidade observada, destaca-se que a situao do meio ambiente e dotrabalhador de extrema vulnerabilidade em virtude da destruio,degradao e precarizao das condies de vida e trabalho provocadas pelonovo ciclo de expanso canavieira no Brasil.

    Isso significa dizer que a irracionalidade da lgica expansionista docapital no pode mais se reproduzir sob a pena de pr em xeque a prpriaexistncia da humanidade no planeta Terra, pois os processos econmicos etecnolgicos submetidos lgica do mercado esgotaram-se, na medida em quedeflagraram uma crise estrutural e ambiental sem precedentes na histria. Dessaforma, segundo Leff (2000) surge a necessidade de introduzir novos princpiosvalorativos e foras materiais para reorientar o processo de desenvolvimentohumano e instaurar por meio da transformao da realidade social umanova ordem ecolgica (FERRY, 1994).

    Desta feita, ao apresentar os entraves da recente dinmica do setorsucroalcooleiro e sua expanso destrutiva, assinala-se os limites da racionalidadeeconmica que permeiam a lgica do capital na sociedade contempornea. Porisso, verificou-se que alm de fazer valer sua fora no que se refere ao prpriodesenvolvimento tecnolgico e produtivo, o complexo agroindustrial canavieirovaloriza aspectos econmicos, como a idia do etanol ser um possvel substitutoalternativo ao petrleo em detrimento do meio ambiente e das condies devida e trabalho dos cortadores de cana que fazem parte do seu processo deproduo e reproduo. Dessa maneira, o setor busca ocultar as consequnciasde uma produo baseada fundamentalmente na concentrao latifundiria,monocultura extensiva da cana, destruio de ecossistemas e o esgotamento derecursos naturais fundamentais reproduo da vida humana. Portanto, apesarde se tratar de uma reflexo preliminar de uma pesquisa ainda em andamento,

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    buscou-se no apenas revelar as contradies, mas propor algunsquestionamentos acerca da lgica econmica essencialmente destrutiva docapital. O que exige a necessidade de se adotar uma perspectiva transformadoracom a finalidade de construir uma nova ordem social que paute seudesenvolvimento num novo conjunto de valores e prticas sociais e numa novaconcepo de homem, sociedade e natureza, que v alm das determinaes docapital.

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    DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NOCAMPO: as transformaes do trabalhador rural emproletariado agrcola

    Marize Rauber Engelbrecht1

    IntroduoO presente artigo resultado das pesquisas que vem sendo realizadas

    sobre a questo agrria e especificamente o contexto do produtor agrcola debase familiar, enquanto aluna doutoranda do Curso de Servio Social daPontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Tambm fruto dos estudosque vem sendo realizado a partir da insero nos Grupos de Pesquisa emPoltica Ambiental Sustentabilidade e de Fundamentos do Servio Social:Trabalho e Questo Social.

    Para esta investigao utilizou-se da pesquisa bibliogrfica, adotandouma metodologia embasada pelos referenciais terico-metodolgicos, crtico ehistrico que fundamentam a teoria social de Karl Marx (1975; 1994, L. 1, v.2). Nesta modalidade de pesquisa definiram-se algumas categorias centrais,conceitos e noes usadas por diferentes autores marxistas, destacando osprincipais pressupostos tericos que aprofundam o debate na perspectiva docapitalismo no campo.

    Neste sentido, trazemos brevemente alguns resultados prvios dosestudos tericos que vem sendo realizado para o trabalho final de construo datese apresentando neste artigo uma sntese do captulo introdutrio sobre atemtica do desenvolvimento do capitalismo no campo e a constituio daproduo agrcola de base familiar.

    DesenvolvimentoOs acontecimentos do mundo rural brasileiro por que passamos

    atualmente so atribudos expanso do capitalismo no campo, o qual seguesua lei que a reproduo crescente e ampliada de acumulao. A tendncia docapital a de tomar conta progressivamente de todos os ramos e setores daproduo no campo e na cidade, na agricultura e na indstria. Mas odesenvolvimento das relaes capitalistas na agricultura apresentaparticularidades em relao ao da indstria. A principal delas que o meio deproduo fundamental na agricultura a terra no suscetvel de serreproduzido ao livre arbtrio do homem, como so as mquinas e ou outrosmeios de produo e instrumentos de trabalho.

    1 Professora do curso de Servio Social da Universidade Estadual do Oeste do Paran, Cmpus Toledo,UNIOESTE. Mestre em Servio Social e Doutoranda em Servio Social pela Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo PUC/SP. Orientadora: Maria Lucia Carvalho da Silva. E-mail:[email protected]

    CAPITULO 2

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    O fato de a terra ser um meio de produo relativamente no reprodutvel que a forma de sua apropriao histrica ganha uma importncia fundamental.Desde que a terra seja apropriadamente privadamente, o seu dono pode arrogar-se o direito de fazer o que quiser com aquele pedao de cho. Como tambm oproprietrio de terra pode ter o direito de no utiliz-la produtivamente, isto ,deix-la abandonada e impedir que outro a utilize (SILVA, 2001, p. 24).

    No entanto, falar da expanso do capitalismo no campo refere-se a duassituaes combinadas entre si: de um lado, uma massa crescente de lavradoresautnomos cuja existncia est baseada estritamente no seu trabalho e no desua famlia e que gradativamente vem sendo expulsa da terra, expropriada; deoutro lado, em conseqncia, essa massa de lavradores estaria se transformandoem massa de proletrios rurais, os trabalhadores sem terra.

    A principal caracterstica da expanso do capitalismo no campo basicamente os trabalhadores se transformando em trabalhadores livres, isto ,libertos de toda propriedade que no seja a propriedade da sua fora de trabalho,da sua capacidade de trabalhar. Como j no so proprietrios nem dosinstrumentos de trabalho nem dos objetos, das matrias-primas empregadas notrabalho, no tm alternativas seno a de vender a sua fora de trabalho aocapitalista, ao patro. Tambm se tornam livres no sentido de que no sosubjugados por ningum, por um proprietrio de terra ou por um senhor deescravos. Alm de livres so, pois iguais queles que so proprietrios. E nessarelao de liberdade e de igualdade que se baseia a relao social capitalista.

    Conforme Martins (1983) os trabalhadores expropriados so livres paravender o que lhes resta, a sua fora de trabalho a quem precise compr-la, quemtem as ferramentas e os materiais, mas no tem o trabalho. So iguais aocapitalista, ao patro, no sentido de que um vende e o outro compra a mercadoriafora de trabalho, um trabalha e o outro paga um salrio pelo trabalho.

    A relao de compra e venda s pode existir entre pessoas formalmenteiguais e somente pessoas juridicamente iguais podem fazer contratos entre si, epor serem iguais cada uma delas tem a liberdade de desfazer o contrato quandobem quiser. Por isso no capitalismo s possvel ser igual quem troca, quemtem o que trocar e tem liberdade para faz-lo, utilizando assim o critrio dautilidade.

    justamente nesta relao que evidencia-se a contradio docapitalismo, ou seja,

    [...] para entrar na relao de troca, cada um tem que ser cadaum, individualizado, livre e igual a todos os outros; ao mesmotempo, cada um cada um porque depende da existncia detodas as outras pessoas, das relaes que cada um estabelececom os outros. Cada pessoa se cria na pessoa do outro.(MARTINS, 1983, p. 153).

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    A relao social capitalista uma relao, em que aparentemente igualentre pessoas iguais, mas que produz resultados econmicos profundamentedesiguais entre si, que so o salrio e o lucro (o valor a mais criado pelotrabalhador, a mais-valia) personificados por pessoas de fato desiguais, que otrabalhador e o capitalista. Isso s possvel na medida em que o trabalho quese materializa nas mercadorias que vo produzir o lucro do capitalista, aparececomo propriedade do capital.

    Denominamos preliminarmente de relaes capitalistas de produo,relaes que pressupem uma troca entre capital e trabalho e ambos por suavez, igualmente sociais. Sendo o capital nada mais do que o trabalho humanoacumulado, o trabalho de muitos e annimos trabalhadores, um produtocontraditoriamente acumulado nas mos particulares capitalistas. O trabalhopassa a ser social no capitalismo quando transformado em mercadoria, onde otrabalho particular de um trabalhador s pode ser trocado com o capitalistaquando se torna equivalente em outras mercadorias representadas pelo salrio.

    neste sentido que no campo um instrumento fundamental de produo a terra, a qual comprada com dinheiro e utilizada como instrumento paraexplorar a fora de trabalho do trabalhador, porm a terra no pode ser confundidacom o capital; no pode ser analisada em suas conseqncias sociais,econmicas e polticas como se fosse capital igual aquele representado pelosoutros meios de produo. O capital pode se apropriar do trabalho como daterra e pode fazer com que ela (a terra) que nem produto do trabalho nem docapital, aparea dominada por este ltimo, de acordo com Soto (2002).

    Para Marx (1975), a terra um bem natural e no um capital, pois ocapital (mvel) reproduzvel, enquanto o meio fundamental de produo naagricultura, a terra, no suscetvel de ser multiplicado ou de ser reproduzidaconforme a vontade humana como so os instrumentos de trabalho, as mquinase outros meios de produo. Portanto, a terra tambm um setor social que temque ser utilizado para produo atravs do trabalho, pois s assim, obtm valor.Dessa forma, a renda nada mais do que o fruto do trabalho humano empregadona terra, pois no se paga renda pela terra livre, mas pelo trabalho desenvolvidonela.

    A apropriao capitalista da terra permite que o trabalho que nela se do trabalho agrcola, se torne subordinado ao capital. A terra assim apropriadaopera como se fosse capital. Ela se torna equivalente de capital, e para ocapitalista obedece a critrios que ele basicamente leva em conta em relaoaos outros instrumentos possudos pelo capital. Ainda assim, o fato de que aterra parea socialmente capital, no faz dela efetivamente, capital, porque oque ela produz do ponto de vista capitalista, diferente do que produz o capital.Assim, o capital produz lucro, o trabalho produz salrio e a terra produz renda.

    Os capitalistas por sua vez, s arrendam terras e investem neste setor se

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    podem obter uma taxa de lucro maior que a renda que tem que pagar. Portanto,no modo de produo capitalista a renda da terra sempre sobra acima de lucro.

    Nesta perspectiva que Marx (1975) descreve uma distino da rendafundiria capitalista apresentando dois tipos de renda: a renda absoluta e a rendadiferencial. A renda absoluta aquela que resulta da posse privada do solotornando-se monoplio de uma classe que cobra um imposto para coloc-lapara produzir. A renda diferencial depende de alguns fatores: diferencial defertilidade do solo, a proximidade do mercado e o diferencial da tecnologia einvestimentos aplicados na terra.

    Como o pequeno proprietrio no tem condies de usufruir da rendafundiria, pois ele e a famlia que so produtores e que geralmente esto emterras infrteis e no mecanizadas, tambm no tm capital para reinvestir naterra e poder competir no mercado, pois produzem e recebem apenas em cimado trabalho necessrio. Assim, o capital tende a dominar cada vez mais aproduo da agricultura e no s dos setores de produo agrcola onde estasujeio est claramente instituda, mas tambm do crescente setor de pequenosprodutores baseados no trabalho familiar.

    Este produtor familiar preserva a propriedade da terra e nela trabalhasem o recurso do trabalho assalariado, utiliza unicamente o seu trabalho e o dafamlia o que vai determinar a crescente dependncia em relao ao capital, nosendo uma sujeio formal do trabalho ao capital, mas sim a sujeio da rendada terra ao capital. neste movimento que ocorre a gradativa transformao deum trabalhador agrcola em um proletariado (agricultores expropriados) porum lado; e a criao de uma classe com capital excedente (agricultorescapitalizados) por outro.

    O movimento do capital na pequena propriedade no se tornaproprietrio da terra, mas cria as condies para extrair o excedente econmico,ou seja, especificamente a renda, onde ela aparentemente no existe. Destaforma, o capital comea estabelecendo a dependncia do pequeno produtor emrelao ao crdito bancrio e aos intermedirios, j que possuem escassosrecursos.

    Porm, bom frisar que a medida que o capital subordina o pequenoprodutor rural, controlando os mecanismos de comercializao e financiamento que as condies de existncia e do produtor rural e sua famlia bem comosuas necessidades e possibilidades econmicas e sociais comeam a serreguladas e controladas pelo capital, como se o prprio produtor fosse umassalariado do capitalista.

    Como Marx (1994, L. 1, v. 2) nos afirma no livro Capital, o modocapitalista de produo e de acumulao, portanto a propriedade privadacapitalista exigem como condio existencial o aniquilamento da propriedadeprivada baseada no trabalho prprio, isto , a necessidade da expropriao do

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    trabalhador, em que ocorre a [...] expropriao da massa do povo por poucosusurpadores [...] em que grande massa da populao foi despojada de suasterras, de seus meios de subsistncia e de seus instrumentos de trabalho (MARX,1994, L. 1, v. 2, p. 880-882).

    Isto se evidencia de forma bem clara quando a renda tem sidosistematicamente apropriada pelo capital no momento da circulao damercadoria de origem agrcola e que o pequeno produtor de base familiar estsempre endividado com o banco, e a sua propriedade sempre comprometidacomo garantia de emprstimo para investimento sobretudo, para o custeio daslavouras.

    Conforme Martins (1983) o pequeno agricultor de base familiargeralmente se apresenta como sem qualquer alterao aparente na sua condio,mantendo-se proprietrio, mantendo o seu trabalho organizado com base nafamlia, porm este mesmo produtor entrega ao banco anualmente os juros dosemprstimos e financiamentos que faz, tanto para garantir os instrumentosadquiridos com os emprstimos, bem como sua terra. Por esse meio que obanco vai extraindo do produtor agrcola a renda da terra, sem ser ou tronar-seproprietrio dela.

    Esta relao perversa vai determinando a condio do pequeno produtorno enquanto o proprietrio real da terra, mas um proprietrio nominal, porquepaga ao banco a renda que nominalmente seria sua. O produtor entra numarelao social com a terra mediatizada pelo capital, que alm de ser o trabalhadorpassa a ser o arrendatrio.

    Nesta lgica a sua terra terra de trabalho e no terra a ser utilizadacomo instrumento de explorao da fora de trabalho alheia, ou seja, no terra de uso capitalista, o que precisa extrair da terra no regulado pelo lucromdio do capital, mas regulado pela necessidade de reposio da fora detrabalho familiar e da subsistncia e por isso, a riqueza que cria realiza-se emmos estranhas as suas e que geralmente flui disfaradamente para os lucrosbancrios.

    Vimos que onde se expande o capitalismo transforma-se as estruturas,at ento vigentes de produo. Essas transformaes ocasionaram aincorporao de recursos racionais de organizao e administrao dasempresas, bem como de procedimentos tecnolgicos avanados. Podemos citara ttulo de ilustrao, alguns exemplos de transformaes no campo como:destruio do engenho pela usina; alteraes provocadas pelos frigorficos nosmodos de criao e comercializao de sunos, bovinos e aves; instaurao defbricas de produtos agrcolas em conserva; crescimento do mercado internodevido o consumidor de gnero de subsistncia; atuao do Estado.

    Estes exemplos vem demonstrar que a economia agrria e agrcola sofreue continua sofrendo progressivamente a ao de fatores internos e externos que

  • 44 Questo Agrria, Sade do Trabalhador e os Desafios Para o Sculo XXI

    revelam entre outros fenmenos a expanso da mentalidade capitalista no campo.Os fenmenos conhecidos como xodo rural ou migraes internas, sotambm expresses demogrficas e ecolgicas de processos econmicos e sociaisque atingem o chamado complexo rural.

    Neste aspecto que passamos agora a explanar sobre o processo deconstituio do proletariado agrcola enquanto um segmento que est ligadodiretamente diviso social e tcnica do trabalho e que vem passando porprofundas mudanas nas relaes de produo, modificando suas bases enquantoum trabalhador agrcola que tinha seus meios de produo; processo este inerentes transformaes do modo de produo capitalista e da expanso do capitalismono campo.

    O modo de utilizao do trabalho na economia rural brasileira temoscilado desde o brao escravo at o assalariado livre que se oferecem nomercado, passando por diversas formas de escambo, mutiro, diferentes contratosde parceria e arrendamento. Os colonos, parceiros e arrendatrios que viviamno interior da fazenda, como componentes de uma estrutura patrimonial, estose transformando em camarada, diarista, mensalista ou volante, liquidando-sepouco a pouco os componentes no capitalistas entre fazendeiro e trabalhador,agora transformando-se em empresrio e proletrio. Neste longo processo detransformaes, poderamos apontar como marcante a passagem da economiaescravocrata para a economia fundada na utilizao do trabalhador livre.

    No mbito das condies econmicas, a gnese do proletariado ruraldepende da transformao do lavrador em trabalhador livre assalariado, isto passou a ser vendedor da fora de trabalho, ocorrendo a separao entre oprodutor agrcola e a propriedade dos meios de produo. Distingue-se duasconfiguraes econmicas e polticas no processo de transio do lavrador emoperrio.

    Na primeira configurao o lavrador est inserido no universo prtico eideolgico caracterstico da grande unidade econmica, um universo scio-cultural de tipo comunitrio em que este lavrador faz parte do sistema social dafazenda. Na segunda configurao, resulta da ruptura daquelas relaes deproduo devido a novos desenvolvimentos das foras produtivas decorrentedas transformaes do mercado em mbito nacional e internacional. Verifica-se a ruptura entre a propriedade dos meios de produo e o lavrador e otrabalhador agrcola se transformam em assalariado, surgindo assim o proletriorural.

    Ao apurar as relaes capitalistas de trabalho, paralelamente declinaramos padres de vida dos trabalhadores, decorrncia da expanso das lavouras decana para as usinas, em contrapartida foi reduzido o espao disponvel para asculturas de subsistncia mantida pelos trabalhadores