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Allchemy Web http://allchemy.iq.usp.br Cópia de Arquivo Atençªo: O(s) autor(es) e o(s) detentor(es) dos direitos autorais do material que compıe este arquivo concordam que o mesmo seja copiado para o microcomputador do usuÆrio e impresso exclusivamente para consulta pessoal. Reproduçªo, distribuiçªo ou modificaçªo do conteœdo, em parte ou no todo, para qualquer outra finalidade nªo Ø permitida sem autorizaçªo explícita dos mesmos. Citaçıes baseadas neste arquivo devem ser identificadas com autor (, título) e referŒncia abaixo, seguidos de apud Allchemy. Identificaçªo TIT: Química Analítica e AnÆlise Química AUT: Paschoal Senise (Prof. EmØrito) REF: reproduzido com permissªo de: Quimica Nova, 1993, 16(3), 257-261 CLA: Reproduçªo de artigo publicado, baseado em conferŒncia TEM: Química analítica, anÆlise química, Kolthoff ABS: A distinçªo entre Química Analítica e AnÆlise Química Ø enfatizada. O avanço histórico da Química Analítica como ciŒncia Ø discutico com base na contribuiçªo de dois químicos analíticos excepcionais: I. M. Kolthoff e F. Feigl KEY: química analítica, anÆlise química, Kolthoff, Feigl ARQ: INFOQUIMICA - SØrie Alfa, 1995, BA57004C.DOC

Química Analítica e Análise Química

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    Ateno: O(s) autor(es) e o(s) detentor(es) dos direitos autorais do materialque compe este arquivo concordam que o mesmo seja copiado para omicrocomputador do usurio e impresso exclusivamente para consulta pessoal.Reproduo, distribuio ou modificao do contedo, em parte ou no todo,para qualquer outra finalidade no permitida sem autorizao explcita dosmesmos. Citaes baseadas neste arquivo devem ser identificadas com autor(, ttulo) e referncia abaixo, seguidos de apud Allchemy.

    Identificao

    TIT: Qumica Analtica e Anlise QumicaAUT: Paschoal Senise (Prof. Emrito)REF: reproduzido com permisso de: Quimica Nova, 1993, 16(3), 257-261CLA: Reproduo de artigo publicado, baseado em confernciaTEM: Qumica analtica, anlise qumica, KolthoffABS: A distino entre Qumica Analtica e Anlise Qumica enfatizada. O avano

    histrico da Qumica Analtica como cincia discutico com base na contribuiode dois qumicos analticos excepcionais: I. M. Kolthoff e F. Feigl

    KEY: qumica analtica, anlise qumica, Kolthoff, FeiglARQ: INFOQUIMICA - Srie Alfa, 1995, BA57004C.DOC

  • QUMICA ANALTICA E AN`LISE QUMICA *

    Paschoal SeniseInstituto de Qumica da Universidade de So Paulo - C.P. 2607705599-970 - So Paulo - SP

    Recebido em 29/1/93

    The distinction between Analytical Chemistry and Chemical Analy-sis is strongly emphasized. The historical advancement of AnalyticalChemistry as a science is discussed on the basis of the contribution oftwo outstanding analytical chemists: I.M. Kolthoff and F. Feigl.

    Keywords: Analytical Chemistry; Chemical Analysis.

    H cerca de trinta anos, deparamo-nos com um interessante artigo intituladoReflexes sobre a Qumica Analtica, de C.J. Van Nieuwenburg da Universidade de Delft,Holanda, publicado no Bulletin de la Societ Chimique de France1, em que o autor assim iniciaas suas consideraes: aps ensinar qumica analtica durante mais de trinta e cinco anos,parece oportuno perguntar de que se cuida, na verdade, nessa disciplina quais so os seusfundamentos, quais as caractersticas peculiares a esse ramo da qumica. Segundo uma definiocorrente, a qumica analtica trata de identificar e de dosar as substncias qumicas. A meuver, diz Van Nieuwenburg, a definio e demasiado simplista e perigosa, errnea pelo menossob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, porque ignora a diferena bem ntida entre a qumicaanaltica e a anlise qumica. No se podem confundir esses dois conceitos. A qumica analticae, indiscutivelmente, um ramo da qumica, e, por conseguinte, uma cincia, digna de ser ensinadano mais alto nvel, ao passo que a anlise qumica uma tcnica, ou melhor, um conjunto demanipulaes e de preceitos destinados a proporcionar o conhecimento da composio qumicade uma substncia ou de uma mistura de substncias. Essa distino tem sido muitofreqentemente esquecida, levando por isso a subestimar o valor da qumica analtica comocincia.

    Refere-se o autor tambm a tratados e livros-texto que geralmente no do a devidaimportncia a essa distino, com raras excees, entre as quais cita o livro Qumica AnalticaCualitativa do renomado cientista espanhol M. Burriel-Marti, em que se l: A qumica analticaestuda os meios para determinar a composio de uma amostra natural ou artificial. Esse estudonos proporciona um conjunto de tcnicas que constituem a anlise qumica. Portanto, a qumicaanaltica estuda e a anlise qumica um conjunto de tcnicas resultante desse estudo.

    Van Nieuwenburg, porm, no se satisfaz completamente com essa definio, poisentende que o aspecto essencial da anlise qumica o da rotina, uma vez que ela comprova avalidade dos mtodos quando aplicados a toda uma srie de amostras.

  • As suas consideraes o levam s seguintes definies: A anlise qumica umconjunto de tcnicas e manipulaes destinadas a proporcionar o conhecimento da composioqualitativa e quantitativa de uma amostra, mediante mtodos de rotina. A qumica analtica um ramo da qumica, a cincia que persegue o objetivo de resolver os problemas de composiocom operaes de rotina.

    Vrias outras definies poderiam ser citadas que foram surgindo no decorrer dotempo. Com as mudanas havidas no papel da qumica analtica, poder-se-ia, eventualmente,adotar a da Sociedade Alem de Qumica, de 1977, citada por Klockow2, ou seja: QumicaAnaltica a cincia da extrao (diramos, talvez, obteno) de informaes de sistemas materiaisacerca de sua composio e estrutura e da interpretao dessas informaes relacionada com oobjetivo de sua utilizao.

    Ou ainda a de H. Laitinen, de 19803, lembrada em excelente conferncia proferidapelo Prof. Antonio Celso Spinola Costa, em 1985, em Fortaleza, no XXVI Congresso Brasileirode Qumica, a qual o conferencista se refere da seguinte maneira: Laitinen define a qumicaanaltica como cincia de caracterizaes e medies qumicas e enfatiza que as noes decaracterizao e medio tem evoludo e continuaro a evoluir e que os instrumentos com queso feitas as medidas qumicas tambm esto em constante evoluo. So de fato, esses avanosna teoria e na prtica da caracterizao e das medidas qumicas que constituem a pesquisa emQumica Analtica.

    O que no entanto todos querem dizer que no se devem perder de vista os valoresfundamentais que distinguem o qumico analtico de um simples executor de procedimentos ouoperador de instrumentos, por mais hbil e treinado que seja. esse o ponto crucial em que seempenha tambm o Prof. Spinola Costa, que na conferncia de abertura deste Encontro enfatizoua importncia da teoria e a prtica caminharem juntas.

    Pondera Van Nieuwenburg que, na primeira metade do sculo XIX a qumica analticaera, em grande parte, a prpria qumica. Poder-se-ia dizer, sem grande exagero, acentua ele,que a obra das grandes escolas de Berzelius, de Gay-Lussac, de Dumas e de seus contemporneosvisava a esclarecer a composio qumica do mundo que nos cerca, a tal ponto que a qumicamineral e a qumica analtica eram expresses quase que sinnimas, como se podia constatar,por exemplo, no provimento das ctedras universitrias. Havia coerncia nisso porque a grandemaioria das anlises era de produtos minerais. A anlise orgnica estava ainda em sua primeirainfncia e surgindo no meio industrial mais do que nos laboratrios das universidades.

    Prosseguindo em seu apanhado histrico, assinala que toda a anlise quantitativa dosculo XIX deriva, no fundo, da teoria atomstica de Dalton, doutrina que atribua a cada espciede tomos massa constante determinvel experimentalmente. Conceito aplicvel tanto gravimetria como volumetria.

    Na verdade, o autor ainda lembra que o nmero de princpios em que se baseavam asdosagens era muito limitado. Somente no sculo XX algumas noes fundamentais contriburampara a ressurreio da qumica analtica como cincia. De falo, no se pode negar que essacincia, por volta do ano de 1900, estava pelo menos moribunda seno realmente morta. Elamesma vinha cavando a sua prpria sepultura. Assim, no perodo de 1900 a 1910,aproximadamente, considerava-se a anlise qumica quase perfeita e portanto a qumica analticachegava mesmo s portas da morte. Os tratados de Fresenius e de Treadwell, nessa poca, podem

  • ser considerados monumentos do apogeu da anlise qumica, mas ao mesmo tempo monumentosfunerrios da qumica analtica. Alm do mais, era o perodo do desabrochar eufrico da fsico-qumica e da qumica orgnica, juntamente com a bioqumica.

    Essa reas atraram muitos dos bons qumicos da poca contribuindo, por conseguinte,para a estagnao da qumica analtica.

    Felizmente, a noo de pH, a teoria das curvas de titulao e a dos potenciais dexido-reduo contriburam decisivamente para a sua ressurreio. Mas ela renasceu de suascinzas rejuvenescida e principalmente mais profunda com o advento e desenvolvimento dosassim chamados mtodos instrumentais provocando uma verdadeira revoluo na anlisequmica.

    Na poca atual (so consideraes ainda de Van Nieuwenburg, que datam, portanto,de 1958), temos j uma pletora de novos princpios alicerados em propriedades fsicas cujamensurao nos possibilita proceder a anlises qumicas com relativa facilidade. O autor passaa enumerar exemplos ligados aos territrios da eletroqumica, da espectroscopia de emisso eabsoro, da cromatografia, da energia nuclear e assim por diante.

    Dispondo de um elenco to vasto, pergunta o autor se a anlise qumica no poderiapassar a ser uma subdiviso da fsica, como de fato chegaram a dizer alguns fsicos. Seria, dizele, como se nos denominassem de microbiologistas a ns qumicos, por utilizarmos um fermentona dosagem de um hidrato de carbono. E, continuando, afirma que a determinao da composiode uma substncia e, desde tempos imemoriais, privilgio inalienvel da qumica. A ela cabeessa tarefa independentemente dos meios que utilize para cumpri-la.

    Mas quem soube aproveilar, dizemos ns, essas propriedades orgnicas e desenvolveumtodos analticos de grande eficincia e potencialidade a que se refere Van Nieuwenburg?Certamente um deles e dos mais brilhantes foi Izaak Maurits Koltloff, excepcional e extraordinriocientista, atualmente com 95 anos de idade, tambm citado por Spinola Costa.

    Justamente, ao ensejo da passagem de seu 95o aniversrio natalcio, Kolthoff foihomenageado pela revista Analytical Chemistry com um relatrio publicado em fevereiro docorrente ano de 1989, elaborado pela Editora Assistente, Mary Warner4, com base emdepoimentos de 4 de seus mais ilustres antigos alunos: Herbert Laitinen, David Hume, JosephJordan e Stanley Bruckenstein.

    A mesma revista, ao completar Kolthoff 90 anos, publicou trabalho de autoria de H.Laitinen e E.J. Meehan5 que complementa o artigo biogrfico escrito por J. Lingane em 19646

    quando da comemorao dos 70 anos de idade do Mestre comum.Kolthoff nasceu em Almelo, na Holanda, em 11/2/1894, obteve o seu PhD na

    Universidade de Utrech em 1918 e se radicou no EUA a partir de 1927, quando ingressou comodocente na Universidade de Minnesota, em Minneapolis, onde continua at hoje como Profes-sor Emrito.

    Com excepcional produo e produtividade, o impacto de sua obra nodesenvolvimenlo da Qumica Analtica como cincia foi enorme. Convm lembrar que at os70 anos, ou seja, at 1964, publicou 823 trabalhos cientficos, chegando a 1984 com 933publicaes, excludos livros e monografias, sendo que 153 aps a aposentadoria, ocorridaem 1962 aos 68 anos, ou seja aps 35 anos de permanncia na Universidade de Minnesota. Quandose transferiu para os EE.UU., em 1927, j havia publicado cerca de 250 trabalhos.

  • Ainda como aluno, Kolthoff mostrava-se firmemente decidido a enfrentar o desafiode imprimir bases cientficas Qumica Analtica que, na poca, era dominada pelo empirismo.A sua inteligncia privilegiada e a sua perspiccia impressionaram o seu orientador de doutorado,na Universidade de Utrech, Prof. N. Schoorl que o estimulou a conduzir de maneira independenteas suas pesquisas. Conforme ele prprio conta, grande influncia exerceu sobre seu pensamentoo livro adquirido em 1912 de autoria de Wilhelm Ostwald, que, embora rotulado de fsico-qumico, tinha como ttulo: As bases cientficas da Qumica Analtica, considerado por ele,mais tarde, o primeiro livro-texto cientfico de qumica analtica.

    muito interessante seguir a trajetoria de seus trabalhos que penetram em pelo menosdoze reas, com aprecivel interpenetrao de muitos deles.

    No comeo, empolgou-se pelas consequncias importantes, em qumica analtica, dadefinio de pH, feita por S.P.L. Sorensen em 1912, e pelos primeiros trabalhos de Joel H.Hillebrand em 1913 sobre titulao cido-base, mediante o uso do eletrodo indicador dehidrognio e o de referncia de calomelano.

    Comeou logo a estudar esse campo com equipamento tosco, mas que lhe permitiupublicar o seu primeiro artigo versando sobre a titulao de cido fosfrico como mono ediprtico, em 1915, antes, portanto, de seu doutorado obtido em 1918, com a tese Fundamentosda Iodometria, da qual se originaram 19 artigos, publicados em 1919-20, que revelam estudosabrangentes das reaes observadas, de seus mecanismos, das reaes colaterais, da funo dosindicadores, das fontes de erro, etc. Paralelamente, continuou a interessar-se pelo comportamentodas reaes cido-base em seus aspectos fundamentais mas tambm pelas suas aplicaes deinteresse prtico, indo desde o efeito salino sobre as constantes de ionizao at o estudo daurina e outros lquidos biolgicos, mostrando assim a importncia da interao da teoria com aprtica. Estudos em profundidade de tampes e indicadores deram origem sua primeiramonografia sobre o assunto, em 1922, em lngua alem, traduzida para o ingls, em 1926, porN.H. Furman. Em 1937, com a colaborao de Charles Rosenblum, reviu e ampliou o textopublicado com o ttulo Indicadores ` cido-Base, obra clssica geralmente encontrada em nossasbibliotecas.

    Estudou intensamente potenciais de xido-reduo e a ele se atribui a introduo daexpresso titulao potenciomtrica. Voltou-se tambm para a titulao condutomtrica medianteestudos sistemticos, praticamente ao mesmo tempo que se dedicava ao esclarecimento daformao e propriedades dos precipitados, proporcionando conhecimentos que se tornaramclssicos a respeito de fenmenos como os de coprecipitao e de adsoro. Somente sobre esteltimo assunto, ou seja, sobre a importncia da adsoro em qumica analtica, publicou umasrie de nove trabalhos.

    Como se v, a preocupao de Kolthoff era a de, sempre que possvel, estudar emprimeiro lugar e em profundidade o fenmeno para depois elaborar os mtodos analticos. ,pois, significativo que muitos de seus trabalhos tenham sido publicados em peridicos de inter-esse geral para os qumicos, como J. American Chem. Soc. e o J. Physical Chemistry, embora ameta fosse sempre de carter analtico. Aparentemente, no se interessou muito pela polarografiaquando ela surgiu na Checoslovaquia, mas quando o seu inventor Heyrovsky visitou os EstadosUnidos e proferiu uma conferncia em Minneapolis, percebeu o grande alcance dessa descobertae, alm de estabelecer colaborao cientfica com seu colega checo, dedicou-se com entusiasmo

  • a esse campo, principalmente com seu doutorando James Lingane, com o qual publicou em 1941a primeira edio do famoso tratado Polarography, poucos anos depois desdobrado em 2 vol-umes, obra que teve enorme influncia no desenvolvimento cientfico do mtodo polarogrfico.Surgiu a amperometria a qual no se dedicou pessoalmente no desenvolvimento metodolgico,mas estimulou fortemente seus colaboradores e antigos discpulos a faz-lo.

    Lembro-me bem da sua rpida visita a So Paulo, como escala de uma viagem aAmrica do Sul, na dcada de 50. Recebido pela ABQ, cujo presidente regional era o saudosoProf. Oscar Bergstrom Loureno, proferiu palestra no auditrio da Escola Politcnica, justamentesobre amperometria, impressionando a todos no apenas pela clareza da exposio, mas tambme, principalmente, pelo entusiasmo. Mais uma vez, fez questo de frisar a importncia doconhecimento dos fenmenos fundamentais para chegar s aplicaes de maneira racional emais segura. E assim procedeu nos demais e vrios campos em que atuou.

    Em 1949, quando foi agraciado com a Nichols Medal, conferida pela AmericanChemical Society, pela primeira vez a um qumico analtico, comentou em seu discurso que,apesar dos esforos despendidos para valorizar a qumica analtica e dar-lhe o status de cincia,ainda havia resistncia dos que a comparavam a uma servial (empregada domstica) para osoutros ramos da Qumica.

    Kolthoff mostrou-se preocupado com a tendncia crescente de superestimar ainstrumentao como recurso simples e suficiente por si mesmo para obter dados confiveis einsistia em dizer que sem o conhecimento das propriedades bsicas qumicas, orgnicas oubiolgicas das substncias no poderia haver verdadeiro desenvolvimento da qumica analtica.

    Apesar da sua contribuio na introduo de mtodos que se chamaram de fsicos oufsico-qumicos durante algum tempo, Kolthoff nunca se considerou nem foi considerado fsico-qumico; ao contrrio, sempre fez questo de se dizer qumico analtico e na verdade foi e umdos maiores qumicos analticos da histria.

    No podemos deixar de lembrar, a esta altura, outro grande cientista que se inseretambm na galeria dos maiores qumicos analticos de todos os tempos. Referimo-nos a FritzFeigl, austraco de nascimento e que, por ser judeu, aps vrias peripcias para fugir datresloucada perseguio nazista, conseguiu vir ao Brasil com sua esposa e filho, aqui chegandoem 1940, aos 49 anos de idade e onde adquiriu a cidadania brasileira por naturalizao, em1944, vindo a falecer em 1971.

    Feigl, foi acolhido pelo Laboratrio da Produo Mineral no Rio de Janeiro, rgovinculado ao Ministrio da Agricultura, onde trabalhou intensamente em instalaes muitomodestas que, passados alguns anos, foram ampliadas, no chegando porm a ser adequadaspara um cientista do seu porte. De hbitos muitos simples, no tinha ambio nesse sentido evivia para o trabalho.

    Feigl, como todos sabem, foi o inventor da Anlise de Toque que, em lngua inglesa,foi chamada de Spot Tests.

    Com rara habilidade, conseguia identificar as mais variadas espcies a partir dequantidades diminutas de substncia, com maior freqncia por via mida, ou seja, utilizandoapenas gotas de soluo (via de regra uma s gota da soluo da amostra e uma do reagente) emsuportes tambm muito simples, geralmente papel de filtro ou placas de porcelana.

    Vimos muitas pessoas empolgadas pela simplicidade da tcnica, que realmente e

  • fascinante, mas sem se dar conta de que por debaixo dela havia todo um raciocnio cientficoaltamente crtico, baseado no conhecimento ou na investigao profunda da reaes qumicas ede como estas podem ser dirigidas pela variao das condies do meio.

    A genialidade de Feigl est principalmente nesse domnio fantstico das reaes, naaguda observao de pormenores, colhidos muitas vezes em simples notas de rodap ou naliteratura antiga que gostava de consultar, geralmente na tima biblioteca do ento Instituto deQumica Agrcola, ao lado do Jardim Botnico, no Rio de Janeiro.

    Quando resolveu enveredar pela qumica orgnica, conseguiu realizar reaes quesurpreenderam os prprios qumicos orgnicos e desenvolveu rapidamente to grande nmerode testes que acabou desdobrando o seu livro de provas de toque em dois volumes: I. SpotTests In Inorganic Analysis e II. Spot Tests In Organic Analysis, obras traduzidas em todo omundo em grande nmero de idiomas.

    A sua obra-prima o livro Chemistry of Specific, Selective and Sensitive Reac-tions editado em 1939. uma obra excepcional que toda vez que dela se lem algumas pginassurgem idias ou reflexes. O autor, no prefcio, diz Este livro baseado na pesquisa e noestudo da literatura e uma tentativa de resumir nossos conhecimentos sobre a base daespecificidade, seletividade e sensibilidade dos mtodos analticos.

    Na verdade, muitos spot tests permitem obter valores que podem ser consideradossemi-quantitativos com limites de identificao muito baixos (abaixo de 1 g) e limites dediluio muito altos (1:1.000.000, p. ex.).

    Como dizamos, Feigl foi um grande mestre no domnio das reaes; at pareciadivertir-se com elas fazendo com que mudassem o seu curso pretensamente natural ou deixassemde sofrer incmodas eventuais interferncias pelo condicionamento do meio, como dissemosh pouco, pela variao, por exemplo, do pH ou pelos processos de mascaramento edesmascaramento muito ao seu agrado, ou ainda, por modificaes na molcula do reagente.Nesse sentido, muito importante assinalar a contribuio de Feigl para o progresso da qumicade coordenao, principalmente na identificao de grupos reativos em molculas orgnicascujo conhecimento lhe permitiu, muitas vezes, introduzir modificaes estruturais para tornartais molculas mais adequadas para provas de toque sem afetar as suas caractersticas dereatividade. por isso que o ttulo de sua obra sobre reaes especficas, seletivas e sensveisdeve ser entendido vlido para as condies em que efetivamente a reao qumica de interessese realiza. Portanto, mais do que a reao em si e o teste que pode ser sensvel, seletivo e atespecfico.

    Em seu modesto laboratrio no Rio de Janeiro, Feigl recebeu vrios pesquisadoresestrangeiros por perodos de curto e mdio prazo, bem como elementos de vrios estadosbrasileiros. pena, porm, que no tenha sido melhor aproveitado em nosso pas, com vinculaoefetiva a uma Universidade como, por exemplo, a UFRJ, em que pudesse formar um grupoestvel continuador de sua obra. Deixou sim alguns discpulos brasileiros que no puderamporm dedicar-se integralmente ao campo aberto pelo antigo Mestre. Indiretamente, porm,principalmente atravs do saudoso Prof. Pe. Leopoldo Hainberger contribuiu para a formaode uma equipe de primeira linha na PUC do Rio de Janeiro.

    O Pe. Hainberger comeou a trabalhar com Feigl, j com idade relativamente avanada,ao redor de 50 anos (se no me falha a memria) e defendeu sua tese de doutorado em Viena.

  • Dirigiu o Departamento de Qumica da PUC durante vrios anos, com persistncia e extremadedicao, e, at mesmo com obstinao foi desenvolvendo a rea de qumica analtica. Conseguiuestabelecer convnios com universidades alems, principalmente com a de Jlich, atravs dosquais e de auxlios financeiros de agncias nacionais, soube estabelecer salutar intercmbio deprofessores, alm de obter equipamentos e bolsas. Assim procedendo, possibilitou que sedesenvolvesse a pesquisa analtica e se instalasse a ps-graduao. J h alguns anos a PUC , semdvida, um dos melhores centros de qumica analtica do pas. Os jovens que para l foram atradossouberam responder condignamente ao estmulo do incansvel Pe. Hainberger.

    de sua autoria bela biografia de Fritz Feigl, apresentada na sesso de abertura do IEncontro Nacional de Qumica Analtica, ENQA, na PUC do Rio de Janeiro, em 1982, publicadaposteriormente em Qumica Nova7. O Pe. Hainberger faleceu no ano passado, 1988, quando,apesar de doente, ainda trabalhava em pesquisa com seus estudantes.

    Valho-me desta oportunidade para consignar os meus sentimentos de profundo pesarpela perda desse homem eminente a quem sempre dediquei enorme admirao.

    Voltando a considerar as provas de toque de Feigl, cabe indagar por que aps umperodo ureo em todo o mundo quanto a sua aplicao, caram em desuso e poucos falam delas.Acreditamos que o surgimento e avano rpido da instrumentao levaram muitos a esquecertestes que apesar de sua simplicidade, podem proporcionar valiosas informaes. Esse fato apontado e criticado pelo prprio Laitinen conforme mencionamos em palestra proferida emReunio da SBPC/SBQ em Campinas, em julho de 19828.

    Acredito que no auditrio muitos estaro se perguntando porque sa do tema centrale me detive (talvez demasiadamente, em funo do tempo disponvel) em consideraes dasobras de Kolthoff e de Feigl.

    que me pareceu oportuno focalizar a atuao desses dois excepcionais emultilaureados cientistas, os quais, cada um a seu modo, contriburam extraordinariamentepara o progresso da qumica analtica como cincia e ambos mostraram sociedade como aqumica analtica um ramo da qumica, aberto investigao cientfica e indispensvel aoprogresso da prpria qumica, bem como ao de outros campos da cincia e da tecnologia.

    Mais uma vez, se infere dos seus enfoques a importncia crescente da interao dateoria com a prtica a que aludiu o Prof. Spinola Costa em sua conferncia, bem como aimportncia dos conhecimentos fundamentais de qumica e de outros campos cientficos para odesempenho do qumico analtico.

    A qumica analtica evoluiu, ganhou outras dimenses, ao contrrio dos que pensavamque ela se tornaria intil em face do aprimoramento da instrumentao e do melhor conhecimentodos princpios fsicos em que se baseia a construo dos instrumentos de medida. Como j foidiscutido na palestra mencionada8 e tambm dito por vrios colegas neste V ENQA, a qumicaanaltica moderna deve preocupar-se muito mais com o problema do que com a amostra.

    O Prof. D. Klockow da Universidade de Dortmund, Alemanha, que h alguns anosvem mantendo intenso intercmbio com grupos brasileiros, principalmente com colegas daqui,da Bahia, escreveu interessante artigo, publicado em 1981 na Fresenius Z. Anal. Chem.2, emboa parte traduzido e adaptado a outros exemplos, que mostra como a qumica analtica deveser usada para, juntamente com informaes de outras fontes cientficas e tecnolgicas, podercontribuir para a soluo de problemas de amplo interesse para a sociedade, como, por exemplo,

  • os ecolgicos. Esse assunto tambm j foi abordado neste encontro e em parte tratamos dele, noque concerne evoluo do trabalho analtico, em conferncias no I e II ENQA9.

    Tambm abordamos nesses trabalhos a atitude equivocada de muitas universidadesnorte-americanas que, por confiarem demasiadamente na instrumentao e na aplicao diretade princpios fsico-qumicos, chegaram a desativar completamente programas de ps-graduaoem qumica analtica e reduziram substancialmente o ensino da disciplina nos cursos degraduao. Como disse o Prof. Spinola Costa, formaram-se qumicos de apertar boto de caixapreta. Por imitao, algumas universidades de outros pases fizeram o mesmo. Em pouco tempose provou que muitos qumicos com timo preparo fsico-qumico e de outras disciplinas foramincapazes de resolver problemas que envolviam, por exemplo, anlises de traos e outros queexigiam treinamento metodolgico especfico e postura adequada. Em consequncia, comeouuma reao nos EUA procurando encorajar candidatos a ps-graduao a obterem PhD emqumica analtica. Formaram-se grupos integrados por docentes universitrios e qumicos deindstrias, como o de Allerton, com o objetivo de organizar eventos para atrair e aumentar onmero de candidatos ao PhD em qumica analtica. Disso tambm j falamos em algumas dascitadas palestras9. Tambm demos conhecimento de estudos estatsticos mostrando a claratendncia de diminuio nos EUA, no correr dos anos, da graduao de doutores nos vrioscampos da qumica, com exceo dos em qumica analtica cuja formao estaria em ascenso,razo pela qual os salrios destes ltimos j eram, via de regra, superiores aos dos demais, fatosque realmente vm ocorrendo.

    De certa forma, surpreendeu-nos o Editorial de George Morrison10 na revista Ana-lytical Clemistry, de maio do ano passado (1988) em que mostrada a preocupao com agrande demanda de PhDs em qumica analtica, pelas indstrias e que as universidades quedeveriam implementar os seus programas no tem conseguido faz-lo por falta de professores,atrados estes por salrios maiores na indstria.

    Destaca Morrison que, na poca, apenas 12 escolas nos EUA diplomavam mais dametade de todos os PhDs em qumica analtica. Referindo-se as dificuldades existentes, conclamaa indstria e a universidade a se unirem para organizar campanhas mais agressivas a fim defazer frente a tal carncia.

    Essa situao pode decorrer do fato, ainda freqente, de se confundir o qumicoanaltico com o executor de anlises (quer seja um tcnico de laboratrio, quer seja um qumicopesquisador de outro ramo). Nesse sentido interessante lembrar a observao com que J.K.Taylor11 termina artigo a respeito das caractersticas do qumico analtico: Quem voc gostariade ter em seu grupo de trabalho: um executor de anlises ou um qumico analtico? Este ltimo,evidentemente. Mas por que ele geralmente tratado como se fosse o primeiro? No h dvidade que ainda existe preconceito em relao qumica analtica da parte de muitos qumicosdedicados a outras especialidades.

    H cerca de um ano, durante um congresso internacional, ouvi casualmente umdilogo informal entre dois renomados cientistas, um do leste europeu e outro da regio ocidentaldo mesmo continente: eu no gosto de qumica analtica, disse um deles, ao que o colegaacrescentou e s tcnica.... Pois , retrucou o primeiro: palavras ditas com certo ar desuperioridade e com sentido algo pejorativo. Atitude, mais uma vez, decorrente da falta de distinoentre a qumica analtica e a anlise qumica, e que lembra manifestaes um tanto freqentes de

  • qumicos, geralmente orgnicos: eu tambm fao qumica analtica... Se verdade que hpublicaes pretensamente originais que apenas mostram a aplicao de tcnicas conhecidas ecomprovadas sem nenhuma inovao (fato que tambm ocorre em outras reas da qumica), no menos verdade que existem bons trabalhos analticos de pesquisa que cuidam de aspectos tcnicosmas que no deixam de ter valor cientfico. Muitas tcnicas surgiram ou se aperfeioaram graasao trabalho extremamente criativo e racional. justamente a criatividade o fator principal quecaracteriza a atividade cientfica. Muitos so os exemplos que poderiam ser citados, mas bastalembrar a tcnica de anlise por fluxo contnuo (FIA) que permitiu enorme avano nomonitoramento de reaes qumicas e que continuamente se aperfeioa, em virtude da imaginaofrtil dos que a ela se dedicam. Ou como todos sabem, no amplo campo da espectroscopia so deimportncia fundamental alguns aspectos e pormenores tcnicos que tm exigido muito esforointelectual para alcanar os objetivos prticos desejados.

    Acresce que, com o reconhecimento crescente da importncia da determinao deteores extremamente baixos de algumas espcies tendo em vista o papel que podem desempenharem diferentes meios, houve generalizada preocupao quanto necessidade de aprimoramentode tcnicas que pudessem levar determinao de valores cada vez menores sem perda daconfiabilidade. Desenvolveu-se assim a chamada anlise de traos que, pela enorme variedadee alta especializao metodolgica e instrumental, poderia ser considerada, conforme comentaG.H. Morrison10, um campo especfico dentro da qumica analtica. Seria quase inimaginvel,h pouco mais de duas dcadas, que se pudesse chegar, no apenas a detectar, mas tambm adeterminar com aprecivel grau de segurana, teores em nvel de picograma e at mesmo defentograma como vem ocorrendo atualmente. Muitas vezes, o surgimento de novas tcnicas ouo aperfeioamento de outras j existentes tem resultado de estudos em profundidade comembasamento cientfico, no havendo razes para subestimar tal tipo de trabalho e considerar apesquisa analtica em nvel inferior ao dos demais ramos da qumica.

    Como j dissemos, a qumica analtica alcanou outras dimenses e dela tambm seexige muito mais, como, por exemplo, a necessidade de se conhecer a espcie em que se encontradeterminado elemento e no apenas detectar a sua presena. A especiao pois muito valiosae pode ser at mesmo essencial para a soluo ou pelo menos para o equacionamento de relevantesproblemas.

    Nesse sentido, cabe lembrar o interesse que vem aumentando celeremente pelaanlise de superfcie. As propriedades da superficie podem indicar muitas vezes ocomportamento de vrios materiais, como sucede, por exemplo, com a corroso, propriedadeseltricas e magnticas que so determinadas em funo das condies da superficiecorrespondente. No se pode esquecer que as reaes entre um dado composto com o meioambiente comeam na superficie, da a importncia de se proceder anlise de superficie antesque o material sofra transformaes destrutivas se se quiser conhecer as espcies presentes. altamente significativo que se tenham constitudo foros de mbito internacional para discussode diferentes aspectos e problemas a respeito de tcnicas e desenvolvimento da anlise de su-perficies, reunies cada vez mais concorridas, conforme acentua H. Nickel em editorial recenteno peridico Fresenius Z. Anal. Chem.12 em que se refere ao 5o Simpsio da especialidaderealizado em Jlich em junho do ano passado (1988), devendo o prximo ter lugar em 1990. Aconferncia de abertura em Jlich foi proferida pelo eminente Prof. H. Malissa de Viena, decano

  • dos qumicos analticos austracos, subordinada ao ttulo: Aspectos Filosficos sobre a QumicaAnaltica. O texto dessa importante palestra, bastante alentado, foi reproduzido tambm nomesmo peridico e mostra a necessidade de uma nova e mais ampla viso filosfica dos nossosprocedimentos analticos13.

    Em sntese, o processo de criao com objetivos, quer fundamentais, quer aplicados,constitui o cerne da qumica analtica, ao passo que a simples utilizao dos conhecimentos queesse processo desvenda caracteriza a anlise qumica. Assim, poderamos concluir com umaconsiderao contida nas reflexes de Van Nieuwenburg h mais de trinta anos1: Ser que osrobs sero capazes de fazer qumica analtica?... No h dvida de que podero efetuar muitobem anlises qumicas, mas nunca faro qumica analtica, um domnio claramente reservadoao crebro humano.

    REFERNCIAS1. Van Nieuwenburg, C.J.; Bull. Soc. Chim. France, (1958) 117.2. Klockow, D.; Fresenius Z. Anal. Chem., (1981) 305,119.3. Laitinen, H.H.; Anal. Chem., (1980) 52, 885A.4. Warner, M.; Anal. Chem., (1989) 61, 287A.5. Laitinen H.H. e Meehan E.J.; Anal. Chem., (1984) 56, 248A.6. Lingane, J.; Talanta, (1964) 11, 67.7. Hainberger, L.; Qumica Nova, (1983) 6, 55.8. Senise P.; Qumica Nova, (1982) 5, 137.9. Senise P.; Qumica Nova, (1983) 6, 112; ibid (1985) 8, 54.10. Morrison G.; Anal. Chem., (1988) 60, 555A.11. Taylor, J.K.; Chemtech, (1982) 285.12. Nickel, H.; Fresenius Z. Anal. Chem., (1989) 333, 283.13. Malissa, H.; ibid, (1989) 333, 285.

    * Conferncia proferida em 6 de setembro de 1989, durante o V Encontro Nacional de Qumica Analtica, ENQA, Salvador, BA.