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REVISTA ENSINO SUPERIOR UNICAMP 70 - Regime jurídico que governo propôs obtém adesão limitada; instituições públicas preferem ainda observar aquelas que já aderiram REPORTAGEM ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL Em abril de 2010, um anúncio de ¼ página publicado em O Estado de S.Paulo chamou a atenção de quem acompanha as mudanças pelas quais passa o ensino superior em todo o mundo. Assinado pela Universidade de Aveiro, in- tegrante do sistema público universitário português, o anúncio buscava atrair o interesse de possíveis candidatos a reitor da instituição. Foi assim que começou a viagem de Janaína Simões a Portugal. Para descobrir quais novidades havia por trás do movimento da Universidade de Aveiro, a jornalista de Inovação Unicamp viajou pelo país em junho de 2010. Conversou com reitores, com administradores, com o governo. Eis o relato: No mapa de Portugal, o distrito de Aveiro fica na metade setentrional. Faz divisa, ao sul, com o distrito de Coimbra; ao norte, com o do Porto. Vivem nele 70 mil pessoas. Subdividido em 14 freguesias, seu território é descontínuo – parte é terra firme, parte são ilhas fluviais. Aveiro propriamente dita está quase à beira- -mar e é cortada por canais, que na realidade são braços de uma lagoa, a Ria de Aveiro, o que valeu à cidade o apelido de Veneza portu- guesa. Dista de Lisboa 240 quilômetros e fica a meio caminho entre o Porto, onde se encon- tra a maior instituição pública de ensino supe- rior lusitana, e Coimbra, sede da mais antiga universidade de Portugal, uma das primeiras do mundo. O distrito é célebre pelos ovos mo- les de Aveiro, doce tradicional à base de açú- car e ovos, de receita elaborada por freiras dos vários conventos existentes na região. Aveiro prosperava com o sal e o bacalhau, mas em 1575 uma tempestade assoreou a

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REVISTA ENSINO SUPERIOR UNICAMP70 -

Regime jurídico que governo propôs obtémadesão limitada; instituições públicas preferem

ainda observar aquelas que já aderiram

REPORTAGEM

ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL

Em abril de 2010, um anúncio de ¼ página publicado em O Estado de S.Paulo chamou a atenção de quem acompanha as mudanças pelas quais passa o ensino superior em todo o mundo. Assinado pela Universidade de Aveiro, in-tegrante do sistema público universitário português, o anúncio buscava atrair o interesse de possíveis candidatos a reitor da instituição. Foi assim que começou a viagem de Janaína Simões a Portugal. Para descobrir quais novidades havia por trás do movimento da Universidade de Aveiro, a jornalista de Inovação Unicamp viajou pelo país em junho de 2010. Conversou com reitores, com administradores, com o governo. Eis o relato:

No mapa de Portugal, o distrito de Aveiro fica na metade setentrional. Faz divisa, ao sul, com o distrito de Coimbra; ao norte, com o do Porto. Vivem nele 70 mil pessoas. Subdividido em 14 freguesias, seu território é descontínuo – parte é terra firme, parte são ilhas fluviais. Aveiro propriamente dita está quase à beira--mar e é cortada por canais, que na realidade são braços de uma lagoa, a Ria de Aveiro, o que valeu à cidade o apelido de Veneza portu-guesa. Dista de Lisboa 240 quilômetros e fica a meio caminho entre o Porto, onde se encon-tra a maior instituição pública de ensino supe-rior lusitana, e Coimbra, sede da mais antiga universidade de Portugal, uma das primeiras do mundo. O distrito é célebre pelos ovos mo-les de Aveiro, doce tradicional à base de açú-car e ovos, de receita elaborada por freiras dos vários conventos existentes na região.

Aveiro prosperava com o sal e o bacalhau, mas em 1575 uma tempestade assoreou a

PORTUGALPORTUGAL

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entrada do porto, que só voltou a operar no começo do século XIX. Hoje vive do turismo, da indústria metal-mecânica, da pesca, do vinho e da cerâmica. São populares os pas-seios pela ria a bordo dos moliceiros, os bar-cos típicos, ricamente pintados, usados para transportar os moliços, plantas aquáticas usadas como adubo. Na Freguesia da Glória estão a Sé Catedral de Aveiro ou Igreja de São Domingos e o Museu de Aveiro, conhecido também por Mosteiro de Jesus e Museu de Santa Joana, princesa que viveu no século XV, recolheu-se em um convento local, foi santifi-cada e é padroeira da cidade. Eça de Queiroz foi um ilustre habitante de Aveiro, e a casa em que morou quando criança, da avó paterna, é um marco turístico da Freguesia de Aradas.

Hoje em dia Aveiro também é conhecida por sua universidade, igualmente situada na Freguesia da Glória, onde nasceu o maior pro-vedor de internet do país, o Sapo, agora em mãos da Portugal Telecom. O campus da Uni-versidade de Aveiro tem áreas de concreto que se alternam com gramados e espelhos d’água em torno de prédios de três ou quatro anda-res revestidos de vidro e tijolinho. A arquitetura ora é calcada em linhas retas, ora em curvas, o que dá aos edifícios certo ar futurista. É de um desses prédios que o reitor Manuel António Assunção, eleito em janeiro de 2010, admi-nistra uma das três universidades de Portugal que primeiro aceitaram o desafio de se trans-formar de “pessoa coletiva de direito público” em “fundação pública de direito privado”. Ou seja, virar fundação. A alteração está previs-ta no novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, criado pela Lei 62, em vigor desde 10 de setembro de 2007. Em setem-bro de 2009 a Universidade de Aveiro aderiu à proposta, junto com a Universidade do Porto e o Instituto Universitário de Lisboa.

Em junho de 2010, quando Ensino Su-perior Unicamp visitou o reitor, Aveiro tinha 14.650 alunos, entre graduação e pós-gradu-ação. No quadro do ensino superior português seu porte é médio: 1.018 professores com-põem o corpo docente; e há 114 pesquisa-dores, profissionais que não precisam lecionar

e coordenam grupos de pesquisa e acompa-nham as atividades dos alunos da pós-gradu-ação, situação prevista no Decreto-Lei 124/99 e na Lei 157/99, que regulam a carreira de pesquisador em Portugal. Instituição jovem – foi fundada em dezembro de 1973, no ocaso do salazarismo –, ela se destaca como inova-dora, o que explica em parte a opção de ser pioneira na adesão ao novo regime jurídico. O reitor enumera as provas: Aveiro introduziu em Portugal cursos como eletrônica em comuni-cações, engenharia de cerâmica e vidro, en-genharia ambiental, planejamento regional e urbano, assim como a licenciatura em turis-mo. Conta, com orgulho, que o Sapo nasceu em Aveiro, e explica que sua universidade se diferencia de outras instituições de ensino su-perior portuguesas por não ter faculdades, mas departamentos – todos os alunos cujos cursos requeiram aulas de Física vão ao Departamen-to de Física, por exemplo. Aveiro, diz ele, quer alunos com formação multidisciplinar e ativida-des de pesquisa na fronteira científica, em que o conhecimento novo resulta da combinação de mais de uma área, como na nanotecnologia e na biotecnologia.

Bolonha e um novo regime jurídico

Em Portugal o ensino superior é organizado no chamado sistema binário, em que convivem dois tipos de instituição – universidades e insti-tutos politécnicos. São 15 universidades e 33 politécnicos (e seis instituições de ensino mi-litar) na rede pública e 48 universidades e 62 politécnicos privados. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, os alunos somaram 400.831 em 2003 e 373.002 em 2008. Apesar da queda no total de estudantes – fruto do envelhecimento da população portu-guesa –, o número de alunos que se matriculam pela primeira vez em cursos superiores aumen-tou: foram 94.446 em 2003 e 114.114 em 2008. A quantidade de diplomados também cresceu: de 69.987 em 2005 para 84.009 em 2008, um aumento de 20%, mostram os indi-cadores. Em 2008 formaram-se 1.496 douto-res, 50% mais que em 2003.

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Fontes:IBGE Países - http://www.ibge.gov.br/paisesat/ (*) Indicadores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal (MCTES)(**) Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia 2008 do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil(***) Education at a Glance – OCDE 2009

Extensão (km2)

População (2009)

PIB – 2007(em milhões de US$)

PIB per capita (em US$)

Alfabetização - maiores de 15 anos (2007)

Gasto público com educação (% PIB – 2005)

Gasto público com educação superior (% PIB – 2006)

Pesquisadores (2005)

Pessoal em P&D nas empresas (2005)

Dispêndio total em P&D (% PIB – 2007)

Dispêndio privado em P&D (% PIB – 2007)

BRASILPORTUGAL

PORTUGAL X BRASIL

8.514.876

193.733.795

1.314.199

6.852

90%

4,1%

0,8% (***)

47.345 (**)

62.054 (**)

1,07% (**)

0,50% (**)

92.389

10.707.130

222.982

20.990

94,9%

5,9%

1,0%(***)

21.126 (*)

6.133 (*)

1,21% (*)

0,62% (*)

A adequação formal de Portugal ao pro-cesso de Bolonha está praticamente com-pleta e, pelo que apurou Ensino Superior Unicamp, deixou de ser preocupação para governo, politécnicos e universidades. Até o final de 2010 os cursos de todos os politéc-nicos e universidades estarão divididos em três ciclos, conforme determina Bolonha: o primeiro, de três anos, é o que em Portugal se chama licenciatura; o segundo, de dois, é o mestrado; o terceiro, de três a quatro, é o doutorado. O grau de bacharel deixa de exis-tir. As preocupações relacionadas ao Acordo de Bolonha agora estão voltadas para ques-tões como novas metodologias de ensino e aumento das atividades extraclasse dos es-tudantes. Já as mudanças que o novo regime

jurídico traz mobilizam administradores do sistema público e autoridades.

O lugar dos Politécnicos

Uma das diferenciações entre universidades e politécnicos que o novo regime jurídico faz é o tipo de grau que concedem. Universidades outorgam diplomas de licenciatura, mestra-do e doutorado; em politécnicos não há nem cursos nem diplomas de doutorado. Algumas instituições oferecem cursos universitários e politécnicos simultaneamente – a Universidade de Aveiro, por exemplo. A atribuição de graus segue a determinação do Acordo de Bolonha, que as nações da União Europeia firmaram em junho de 1999. O objetivo do tratado é unifi-

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car os graus e dar equivalência automática a horas-aula, horas-trabalho e créditos para que o diploma de um país seja reconhecido em outro e para viabilizar a mobilidade de estudantes na sua área de abrangência, ao permitir ao aluno completar seus estudos em instituição diferente daquela em que iniciou o curso. Em Portugal, os institutos politécnicos só existem desde a década de 1980. Neles estudam, hoje, 45% dos alunos do ensino superior português – na Holanda são 65%; na Alemanha, 50%. Além de proporcionar formação mais voltada para o mer-cado de trabalho, em Portugal eles são impor-tantes porque quase todos formam professores para os níveis pré-escolar, primário e básico.

Para João Alberto Sobrinho Teixeira, presi-dente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e do Instituto Politécnico de Bragança (7.500 alunos), um dos avanços que o novo regime trouxe foi a de-finição clara do papel das universidades e dos politécnicos – na universidade a orientação deve ser generalista e o foco está na formação de pesquisadores e na pesquisa básica; os po-litécnicos devem dirigir a atenção à pesquisa de caráter aplicado. Teixeira recebeu Ensino Superior Unicamp no Politécnico de Bragança, importante cidade (cerca de 20 mil habitan-tes) de Trás-os-Montes, no nordeste do país, a caminho da Espanha. Mostrou-se favorável às mudanças e disse que em Portugal a discus-são está centrada na sua forma de aplicação. “É um bom caminho, sobretudo do ponto de vista da democratização do ensino superior. Sou muito sensível a esse tema”, afirma. Um desafio que enfrenta é convencer estudantes de outras partes do país a vir para uma área mais rural. “Temos de mostrar nossa qualidade aos alunos para atraí-los”, conta.

Uma maneira de buscar novos alunos, ex-plica, é ir às escolas secundárias. Com o novo regime jurídico ficou ainda mais explícita a necessidade de aproximar os politécnicos das empresas por meio de projetos de pesquisa conjuntos. Essa é uma tática do Politécnico de Bragança para aumentar a empregabilida-de de seus alunos e atrair mais estudantes

para a quase centena de cursos que oferece em cinco escolas, quatro delas em Bragan-ça e uma (Comunicação, Administração e Turismo) a 62 quilômetros de distância, em

PÚBLICAS

15 universidades

33 politécnicos

6 instituições de ensino militar

PRIVADAS

48 universidades

62 politécnicos

ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL INSTITUIÇÕES

Fonte: Indicadores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal (MCTES)

Mirandela. “Ficou patente, com o novo re-gime jurídico, a orientação mais profissional do sistema politécnico. Ele tem como função estabelecer uma ligação mais forte e induzir o sistema industrial; e naturalmente deve se envolver com o meio empresarial da região e ajudar na indução do desenvolvimento regio-nal”, destaca Teixeira. Ao definir cursos, áreas de formação e projetos estratégicos, os po-litécnicos devem se preocupar com as com-petências locais e com o desenvolvimento da região em que se inserem, acrescenta.

Em cena, as fundações

A alteração mais visível do novo regime ju-rídico é a que permite à instituição de ensino superior se tornar fundação pública de direito privado. Na Suécia, na Alemanha e na Finlân-dia já se usa essa identidade jurídica. As van-tagens estão na maior flexibilidade na gestão dos recursos financeiros e humanos, explica o secretário de Ensino Superior, Manuel Heitor, em sua sala em Lisboa. “O Estado dá a ver-ba, mas a gestão é autônoma. As fundações têm total autonomia na gestão das pessoas,

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enquanto no regime tradicional os docentes são funcionários públicos e seguem as regras do funcionalismo público. Nas universidades que migraram para o regime de fundação, os docentes são funcionários da fundação, não do governo”, acrescenta. Segundo ele, o con-trole dos gastos continua igual, com acompa-nhamento pelo Tribunal de Contas.

O novo regime impõe uma condição bási-ca para que uma instituição possa pleitear sua transformação em fundação: ao menos metade da receita deve derivar de fontes alternativas à remuneração anual destinada pelo Estado, que se baseia no número de alunos. Os 50% mí-nimos podem vir de financiamentos públicos à pesquisa, de empresas, da União Europeia. O pressuposto restringe o número de instituições qualificadas a mudar de regime, pois a maioria não atinge o patamar. A mudança de regime força as instituições a ampliar ainda mais suas fontes de receita para cumprir as metas do con-trato que assinam com o governo.

Ao migrar para o regime de fundação, a instituição assina um contrato-programa com os ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, das Finanças e da Administração Pú-blica. No caso das universidades de Aveiro e do Porto e do Instituto Universitário de Lisboa, o documento inclui os programas plurianuais das três instituições e estabelece metas rela-cionadas ao reforço de infraestrutura e equipa-mentos para fins de ensino e pesquisa, à con-tratação de recursos humanos e ao apoio aos estudantes e à gestão. Tem validade de cinco anos; ao final do período, o contrato poderá ser renovado, após avaliação por parte da ins-tituição sobre a conveniência de se manter no regime de fundação. Ao aderir, cada uma re-cebeu recursos extraorçamentários. O dinheiro é para ser aplicado nos programas plurianuais para o período 2010-2014, com os quais as instituições se comprometeram. Entre as me-tas acordadas pela Universidade de Aveiro, por exemplo, está aumentar até 2015 em 25% o número de estudantes na pós-graduação; em 50% o de artigos em publicações científicas; e em 30% o de alunos estrangeiros.

A nova governança

Uma condição imposta pelo novo regime jurídico a todas as instituições de ensino su-perior públicas de Portugal – inclusive se forem fundações – é que tenham Reitoria (universi-dades) ou Presidência (institutos politécnicos) e um Conselho Geral. Já as privadas devem ter Reitoria ou Presidência, Conselho Técnico--Científico e Conselho Pedagógico. O Conselho Geral tem, entre outras, as atribuições de orga-nizar o processo de seleção de novos reitores e presidentes e escolhê-los; definir os planos estratégicos e as linhas gerais de orientação científica e pedagógica da instituição; apre-ciar os atos do reitor ou presidente; e aprovar a criação, a transformação e a extinção das chamadas unidades orgânicas (faculdades e departamentos, nas universidades; escolas, nos politécnicos). Não se trata de um órgão executor, papel que cabe à Reitoria ou Presi-dência. Suas reuniões são periódicas; quem define o calendário são as próprias institui-ções. O mandato de seus integrantes é de quatro anos, exceto no caso dos representan-tes dos alunos, que é de dois anos. Um mem-bro seu só pode ser destituído pelo próprio Conselho Geral, por maioria absoluta e só em caso de falta grave, que precisa estar discri-minada no estatuto da instituição.

O novo regime determina que o Conselho Geral seja composto por representantes dos professores e pesquisadores e dos estudantes e por personalidades externas de “reconheci-do mérito” cujos conhecimentos e experiên-cias sejam relevantes para a instituição. Os representantes dos docentes e pesquisadores são eleitos pelo conjunto de profissionais da categoria e têm de ocupar pelo menos meta-de das vagas do Conselho. Os eleitos pelos alunos ocupam no mínimo 15% do total de cadeiras. Os membros externos podem ser, por exemplo, pessoas ligadas ao meio ar-tístico, docentes e dirigentes de outras ins-tituições, representantes de organizações não-governamentais. Devem preencher ao menos 30% dos assentos e têm de ser eleitos

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por maioria absoluta, por professores e estu-dantes. O novo regime enfatiza a importância de maior inserção das instituições de ensino superior na sociedade ao determinar que a presidência do Conselho Geral sempre seja exercida por alguém de fora. A exigência de membros externos nos Conselhos Gerais faz parte da estratégia do governo português para incentivar as parcerias entre o ensino superior público e as empresas. Segundo o secretário de Ensino Superior, Manuel Heitor, a criação do Conselho Geral foi uma medida “para abrir as instituições ao exterior e fomentar ligações sistêmicas com as empresas e os emprega-dos”. Na Universidade de Aveiro, o presiden-te do Conselho Geral é Alexandre Soares dos Santos, do grupo Jerónimo Martins, que atua na distribuição de produtos para varejo e tem uma rede de supermercados.

Outra novidade é a forma de eleição do reitor. Agora se faz um convite público a in-teressados de qualquer nacionalidade com experiência em ensino e pesquisa em insti-tuições de ensino superior. Os candidatos apresentam suas qualificações e um plano estratégico, que expõem em debate público, e o Conselho Geral escolhe quem considerar mais habilitado. Diminuiu a participação dos representantes de alunos, professores e fun-cionários nas eleições. No regime tradicional, as decisões eram tomadas pela Assembleia e pelo Senado da instituição, que tinham pa-pel destacado na escolha dos dirigentes, e só professores catedráticos das próprias ins-tituições podiam concorrer ao cargo de rei-tor. Gente de fora não participava nem das assembleias, nem das eleições, como ocorre agora que há o Conselho Geral.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecno-logia e Ensino Superior, em junho de 2010 quase todas as instituições públicas de en-sino superior do país tinham nomeado os membros de seu Conselho Geral, e várias já haviam terminado o processo de eleição do reitor como manda o novo regime, como as universidades do Algarve, do Minho, de Évora, Lisboa e Nova de Lisboa.

Pessoas mais qualificadas

As instituições de ensino superior portu-guesas querem mais receitas para investir em políticas de aumento da proporção de pessoas graduadas, um objetivo do governo. Para as fundações o desafio de ampliação das recei-tas é ainda maior, pois elas precisam manter o nível de receitas próprias acima de 50% do total. Uma das estratégias que adotam é au-mentar a quantidade de alunos, já que o Es-tado distribui os recursos de acordo com o número de estudantes. O envelhecimento da população e a baixa natalidade conspiram con-tra – há cada vez menos jovens em Portugal. O desafio colocado pelo governo permanece: ampliar a proporção de pessoas com diploma de nível superior no país – atualmente, 21% da população entre 24 e 64 anos se formaram em universidade ou politécnico, contra 34% na média dos países da Organização para Coope-ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de acordo com dados da Secretaria de Ensino Superior para 2007. E Portugal precisa ampliar seus esforços em educação superior porque os governos dos países da UE acordaram, nas metas da Estratégia Europeia (UE 2020), ter mais de 40% da população entre 30 e 34 anos com qualificação superior em 2020.

Para atingir esse objetivo, o governo por-tuguês promoveu outras mudanças no ensi-no superior além das que envolvem o novo regime jurídico. Quem tem mais de 23 anos, não possui diploma de curso superior, mas tem experiência de trabalho agora pode fa-zer exames para certificar essa experiência. A certificação conta pontos nas provas de in-gresso a universidades e politécnicos. Segun-do a Secretaria, desde 2007 11 mil alunos por ano utilizaram essa via para chegar ao ensino superior. O governo também determi-nou aos politécnicos criar cursos de especiali-zação tecnológica para formação profissional com duração de um ano e meio, nos quais é obrigatório um estágio em uma empresa. Há ainda um esforço de capacitação de empre-sários. Há no país muitas pequenas e micro-

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empresas familiares cujos dirigentes não tive-ram acesso ao ensino superior. Esse também é um público de interesse para as instituições.

O requisito de aumento das receitas pró-prias das instituições de ensino superior – o que inclui, espera o governo, a ampliação das parcerias de universidades e politécnicos com empresas – está ligado, por sua vez, a outra meta de Portugal: atingir 3% do investimento do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento. Segundo o último levan-

tamento da Secretaria de Ensino Superior, divulgado em 2009, o investimento em P&D em 2008 foi de € 2,5 bilhões (R$ 6 bilhões) – 1,51% do PIB, com 0,76% do setor privado e 0,75% do público. No caso do investimento no ensino superior, os in-dicadores oficiais da Secretaria xtrabalham com a evolução da receita de universida-des e politécnicos, que cresceu de € 1,807 bilhão (R$ 4,3 bilhões) em 2005 para € 1,935 bilhão (R$ 4,6 bilhões) em 2008.

Não há instituições de ensino superior de Portugal em posição de destaque nos principais rankings internacionais. Divulgado em meados de setembro, o da Times Higher Education, que este ano passou a ser elaborado em parceria com o grupo de mídia Thomson Reuters, especializado em indexação de artigos científicos, coloca a Universidade do Porto como a melhor de Portugal, em 328º lugar entre as 400 me-lhores do mundo. A seguir vêm a Nova, em 384º, e Coimbra, em 396º. No ranking QS Top World Universities 2010 (a QS era a parceira do ranking da THE até 2009), a universidade portuguesa mais bem colocada é a Nova de Lisboa, que aparece em 384º lugar. Coimbra também ocupa o 396º lugar. Outras duas universidades portuguesas aparecem entre as 600 melhores do mundo segundo o QS: a do Porto, colocada no patamar 451-500, e a Católica Portuguesa, no patamar 501-550 – nesse ranking, a partir do 400º lugar, as instituições são agrupadas em blocos de 50. Já no pioneiro ranking da Universidade Jiao Tong, de Xangai, apresentado em meados de agosto, a Nova e a do Porto aparecem entre a 401º e a 500º melhores do mundo, e Coimbra não é citada (nesse ranking, a partir do 101º lugar, as univer-sidades são apresentadas em ordem alfabética em blocos de cem). A Universidade de Aveiro não consta de nenhum desses três rankings. Nos rankings por áreas, no entanto, Portugal tem um destaque: em 2009, o do Financial Times apontou o mestrado em administração internacional da Universidade Nova de Lisboa como o melhor do mundo. Uma das três instituições de ensino superior públicas da capital portuguesa, a universidade foi fundada em agosto de 1973, meses antes da Re-volução de 25 de abril de 1974, que pôs fim ao regime salazarista. Tem cerca de 14.200 estudantes, dos quais 1.400 frequentam cursos de pós-graduação.

Nos rankings globais as portuguesas não se destacam

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Também como parte da política de amplia-ção do porcentual de portugueses com forma-ção superior, em janeiro de 2010 a Secretaria assinou com as universidades e os politécni-cos um “contrato de confiança” – instrumen-to de política pública pelo qual o governo se compromete a investir determinado valor em programas e ações estratégicas e as institui-ções envolvidas na execução devem cumprir uma série de metas pré-acordadas com o Executivo. O contrato previa um aporte extra de € 100 milhões ao sistema de ensino supe-rior para formar, até 2014, 100 mil alunos. Essa quantia será dividida entre todas as ins-tituições públicas de ensino supe-rior e não se rela-ciona diretamente às mudanças do novo regime ju-rídico, pois nada tem a ver com os recursos ofereci-dos para as que migraram para o regime de funda-ção. Em 6 de ju-nho, em reunião conjunta da Se-cretaria, do Con-selho de Reitores das Universidades Portu-guesas e do Conselho Superior dos Institutos Superiores Politécnicos, a meta foi ampliada para 114 mil formados.

De volta a Aveiro

Físico pela Universidade de Lisboa e doutor em Física pela de Warwick (Reino Unido), pro-fessor catedrático do Departamento de Física e pesquisador do Instituto de Nanoestruturas, Nanomodelação e Nanofabricação-Física de Semicondutores em Camadas Optoeletrônicas e Sistemas Desordenados, rede de pesquisa portuguesa que reúne várias instituições, mais conhecida como Laboratório I3N, o reitor Ma-nuel António Assunção integrou as equipes dos

reitores Júlio Pedrosa (dois mandatos) e Isabel Alarcão. Ocupou a vice-reitoria na administra-ção da reitora Maria Helena Nazaré, a quem sucedeu; foi durante o mandato dela que houve a mudança para o regime de fundação. Em 16 de novembro de 2009, a Universidade de Aveiro publicou as regras para a eleição de reitor no Diário da República, órgão do go-verno português, e abriu o convite internacio-nal para a disputa do cargo de reitor. O Brasil foi um dos países escolhidos para a busca de candidatos – o edital intitulado “Candidatura ao cargo de reitor da Universidade de Aveiro” apareceu em 1/4 de página do primeiro ca-

derno do jornal O Estado de S. Paulo em 28 de novembro de 2009. Assunção concorreu contra oito candidatos portugueses e estrangeiros (ne-nhum deles bra-sileiro). Recebeu dez dos 19 vo-tos do Conselho Geral e derrotou os professores Fernanxdo Mar-

ques e Amadeu Soares, ambos também da universidade. Assumiu o cargo em fevereiro, um mês depois de eleito. Deparou com a ta-refa de gerenciar uma universidade em tran-sição. “Estou a arrumar a casa”, diz, quando responde perguntas sobre o impacto do novo regime jurídico. As mudanças são tantas que, antes de assumir a reitoria, ele preparou um documento para si mesmo com os principais tópicos do regime jurídico, de modo a poder explicar aos jornalistas, de forma organizada e clara, o que mudou.

A autonomia da gestão dos recursos hu-manos é um dos pontos que o reitor desta-ca ao analisar as vantagens da adesão ao regime de fundação. A mudança, contudo, gerou uma preocupação que não existia an-

Receita - inst. públicas (*)

Anuidades (*)

Anuidades/receita

2008

1.867

231

12,8%

2007

1.862

207

11,5%

2006

1.807

184

10,7%

2009

1.935

254

13,6%

ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL FINANCIAMENTO, 2006-2009

* Em milhões de euros Fonte: Indicadores do Ministério da Ciência, Tecnologia

e Ensino Superior de Portugal (MCTES)

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tes da alteração na administração do qua-dro funcional: os contratados por fundações podem ter direito a prêmios e ganhos ex-tras, como no setor privado. “Não podemos gerir uma organização em que pessoas que tenham os mesmos conteúdos funcionais e performance sejam remuneradas de manei-ra muito diferente”, alerta. Assunção lem-bra ainda que, junto com o novo regime jurí-dico, 2009 trouxe mudanças nos estatutos das carreiras docentes de universidades e politécnicos. “Os novos estatutos permitem, por exemplo, mais rigor e ênfase na quali-ficação dos docentes”, conta. No processo de revisão do regime jurídico, Portugal de-finiu que só doutores podem se candidatar à carreira docente em universidades; e que para lecionar em um politécnico é preciso no mínimo grau de especialista. Para dar aulas de mestrado precisa-se de grau de mestre na área em que for lecionar. O regime de dedicação exclusiva tornou-se regra para os docentes. E o preenchimento das vagas de professor depende da análise do currículo dos candidatos por integrantes da institui-ção e pessoas de fora. Com esse conjunto de alterações, fundações como a Universi-dade de Aveiro podem fazer uma diferen-ciação do perfil docente na contratação de novos professores. Antes todos faziam do-cência e pesquisa. “Agora as universidades podem definir os perfis dos pesquisadores. Por exemplo, posso pedir a contratação de um docente que faça cooperação interna-cional e de outro que se destaque na inves-tigação”, explica Assunção.

O regime de fundação também dá maior liberdade na gestão dos recursos financei-ros, pois as contas da instituição se tornam autônomas em relação ao orçamento do Estado. Em compensação, há a exigência dos 50% de receitas próprias. São fontes dessas receitas, por exemplo, as anuida-des que os alunos pagam. Também conta o dinheiro obtido de agências e programas de fomento para bolsas e financiamento de atividades de pesquisa e desenvolvimento,

como os disponíveis na União Europeia e na Fundação para Ciência e Tecnologia, órgão do governo português equivalente ao CNPq. Em 2009, dos € 100 milhões do orçamen-to da Universidade de Aveiro, € 48 milhões (R$ 114,2 milhões) vieram do Tesouro e € 52 milhões (R$ 123,7 milhões) de recei-tas próprias. Segundo o reitor, o esforço de ampliação destas últimas implica diver-sificar suas fontes. Como estratégias para essa diversificação, diz Assunção, a univer-sidade deverá: estreitar sua relação com os atores da região na qual está instalada, especialmente as empresas; melhorar sua capacidade de financiamento competitivo em termos de pesquisa e desenvolvimen-to – ou seja, propor bons projetos para os editais da Fundação de Ciência e Tecnologia e para os programas e agências da União Europeia que financiam atividades de P&D –; e aumentar o número de alunos. “Um desafio é ter mais alunos em cursos com propinas [anuidades] mais altas. Outro é procurar projetos de investigação [pesqui-sa]competitivos nos concursos nacionais e europeus das agências. Depois temos a co-operação com empresas, transferências de tecnologia, patentes”, enumera. No caso da ampliação das parcerias com empresas, há um conjunto de serviços prestados à comu-nidade que geram receitas crescentes para a Universidade de Aveiro.

A universidade também promoveu mu-danças nos estatutos e aboliu as eleições diretas para a seleção dos diretores de de-partamentos e escolas, que agora são in-dicados por um Comitê de Escolha. Essa é outra flexibilidade que o novo regime jurí-dico introduziu. Fazem parte desse órgão o reitor, duas pessoas indicadas por ele (que antes de indicá-las precisa ouvir o Conse-lho Geral), e duas apontadas pelos funcio-nários e professores da unidade orgânica. “É uma mudança enorme no processo”, diz Assunção. O concorrente à vaga de diretor precisa elaborar um programa, mostrando as razões pelas quais é candidato e as ações

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que vai realizar se assumir o cargo. “Trata--se de um processo ainda não terminado. Estamos aprovando os novos regulamentos das unidades orgânicas para depois fazer o processo de designação dos novos direto-res”, acrescenta. Com as mudanças, explica o reitor, simplificaram-se os circuitos de de-cisão, o que, espera-se, vai agilizar os pro-cedimentos. “Mas o reitor precisa ter bom senso. Essas mudanças não significam que reunir níveis de consenso político deixou de ser necessário”, afirma.

As instituições também estão autoriza-das a simplificar sua estrutura de gestão. Ainda utilizando-se da autonomia que ga-nhou com o regime de fundação, a Univer-sidade de Aveiro optou por ter poucos níveis hierárquicos. Além do Conselho Geral, tem somente a Reitoria e as unidades orgâni-cas, que são as escolas politécnicas e os departamentos responsáveis pelos cursos universitários. São 16 departamentos uni-versitários e quatro escolas politécnicas, que em 2009 ofereceram 35 cursos de en-sino universitário e 17 de ensino politécnico nas áreas de Artes e Humanidades; Ciên-cias Econômicas e Sociais; Ciências da En-genharia e Tecnologias; Ciências Exatas e Naturais; Ciências e Tecnologias da Saúde; e Educação. Embora ofereça tanto ensino universitário como politécnico, a Universida-de de Aveiro é administrada de forma inte-grada, e juridicamente é considerada uni-versidade, e não instituto politécnico.

A Universidade do Porto

A simultaneidade de papéis – de univer-sidade e de instituto politécnico –, uma das características da Universidade de Aveiro, não existe na do Porto, a instituição pública de ensino superior com mais alunos do país. Maior produtora de ciência de Portugal – 20% dos artigos portugueses indexados no ISI Web of Science são de autoria de seus pesquisa-dores – a Universidade do Porto, outra que aderiu ao novo regime jurídico, oferece ape-

nas cursos universitários. Criada em 1911, tem atualmente, grosso modo, o dobro do tamanho da congênere mais nova – 31 mil estudantes (6.500 na pós-graduação), 2.300 professores e pesquisadores e 1.700 funcio-nários. Suas 15 escolas e 69 unidades de investigação, como são chamados em Por-tugal os centros de pesquisa – em que são ministrados 273 cursos de licenciatura, mes-trado e doutorado –, funcionam em prédios

Pesquisadores Pesquisadores acadêmicos Pesquisadores nas empresas

2005

21.126

10.956(52%)

4.014(19%)

2007

28.176

13.114(47%)

8.477(30%)

PORTUGAL – RECURSOS HUMANOS EM PESQUISA - 2005/2007

Fonte: Indicadores do Ministério da Ciência, Tecnologia eEnsino Superior de Portugal (MCTES)

históricos espalhados pela cidade, a segunda maior do país (216 mil habitantes em 2008, centro de uma área metropolitana de cerca de 1,3 milhão de pessoas e principal região industrial de Portugal). O edifício da Reito-ria, local de visita obrigatória dos turistas, começou a ser construído em 1807 sobre os alicerces do Colégio dos Meninos Órfãos e da igreja de Nossa Senhora da Graça. Além dela, esse prédio histórico abriga dois museus muito concorridos – o de Ciência e o de História Natural – e algumas unidades da Faculdade de Ciências.

Foi o vice-reitor de Comunicação, Imagem e Relações Internacionais da universidade, António Marques, quem recebeu Ensino Su-perior Unicamp. Na conversa, ele contou que a reeleição do reitor, José Carlos Marques dos Santos, ocorrida em junho de 2010, já seguiu as regras do novo regime jurídico. A universidade recebeu nove currículos. Dos

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dois candidatos que chegaram à etapa final – a da apresentação da proposta de estratégia ao Conselho Geral para discussão –, um era estrangeiro: Prabir Bagchi, professor da Uni-versidade George Washington, dos Estados Unidos. Até agora, a Universidade do Porto foi a única instituição de ensino superior portu-guesa a ter um candidato estrangeiro na eta-pa final da eleição de reitor. O Conselho Geral decidiu reconduzir Santos ao cargo, principal-mente porque ele já conhece a instituição.

Ao descrever como o processo de esco-lha ocorreu, Marques destacou a redução do número de envolvidos na escolha em re-lação à prática anterior. Em vez de 30 a 40 votantes, reelegeram Marques dos Santos só os 23 membros do Conselho Geral – 13 re-presentantes dos professores, três dos estu-dantes, um dos funcionários não-docentes e seis membros de fora da universidade. Essa aparente diminuição da democracia é um dos pontos de resistência no sistema ao novo regi-me. O vice-reitor observa que dar mais poder aos órgãos de gestão e direção das universi-dades e tornar o processo de tomada de de-cisão mais rápido e eficaz é um dos objetivos do novo regime jurídico. “A maior centraliza-ção de poderes assegura que a estratégia da universidade chegue a ser utilizada nas esco-las”, acrescenta. Em algumas universidades de Portugal, explica ele, o nível de autonomia das escolas era muito grande – problema não tão pronunciado na Universidade do Porto, ressalta. Dá um exemplo hipotético: “Uma Faculdade de Engenharia tinha autonomia científica, pedagógica, administrativa e finan-ceira; o reitor determinava que a universidade caminhasse estrategicamente em um deter-minado sentido, mas o diretor da faculdade poderia conduzi-la para o lado oposto”, diz.

Marques concorda com o reitor da Univer-sidade de Aveiro que a redução do número de participantes nos processos de decisão agiliza a vida na instituição. Lembra que, em um cenário com maior representação dos diferentes ato-res das instituições nas assembleias gerais, era comum o adiamento de reuniões e de tomada

de decisões em virtude da incompatibilidade de agenda dos participantes. Concorda que antes o processo de decisão envolvia mais gente, mas assinala que muitas vezes a necessidade de par-ticipação de muitos representantes inviabilizava a discussão de programas e ações de natureza estratégica da universidade.

Outro ponto de resistência, segundo o vice--reitor: no início, houve preocupação de que a mudança para o regime de fundação represen-tasse um primeiro passo para a privatização das universidades, e que isso acarretaria a perda de conquistas sociais, como a estabilidade no em-prego. Apesar disso, diz ele, a adesão das univer-sidades do Porto e de Aveiro e do Instituto Su-perior de Lisboa ao novo regime gerou interesse em outras escolas. “Um número cada vez maior de universidades, como a do Minho e a Nova de Lisboa, está percebendo as vantagens de aderir ao regime de fundação”, conta.

Uma das vantagens: a verba adicional de € 100 milhões concedida pelo governo à Uni-versidade do Porto como parte do contrato--programa de adesão ao regime de fundação. O valor, que varia conforme a instituição, de-verá ser usado na promoção de políticas de excelência universitária. Uma delas é a cons-trução de três grandes laboratórios para a área de Saúde e Ciências da Vida, que deve-rão abrigar 600 pesquisadores, dos quais cer-ca de 500 doutores. A universidade quer tor-nar os laboratórios competitivos e fortes em nível mundial, afirma o vice-reitor. Os recursos também serão investidos na contratação de pesquisadores e na atração de estudantes in-ternacionais, com o objetivo de desenvolver centros de pesquisa avançados. “A estratégia da Universidade do Porto para os próximos anos é se firmar cada vez mais como univer-sidade de investigação [pesquisa], atingir a excelência no ensino, em particular no ensi-no pós-graduado, internacionalizar-se e ficar entre as cem melhores europeias. Não falta muito para chegarmos lá”, diz.

Outra vantagem na mudança para o regi-me de fundação destacada pelo vice-reitor é a possibilidade de a universidade alienar seu

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patrimônio. “Um prédio muito antigo, que dava muita despesa para a universidade, agora pode ser alienado; antes era patrimônio pú-blico”, explica Marques. A maior liberdade na gestão do patrimônio é especialmente impor-tante para universidades antigas, como as de Lisboa, de Coimbra e do Porto, abrigadas em prédios históricos que requerem manutenção constante e cara. No regime tradicional, a con-servação de edifícios protegidos por lei é custe-ada com recursos do orçamento da instituição.

Coimbra preferiu esperar

Nem essa vantagem na administração do patrimônio sensibilizou a veneranda Universida-de de Coimbra, decana das instituições de ensi-no superior portuguesas (foi fundada no século XIII) a aderir ao novo regime. Ela abriga uma das mais ricas bibliotecas do mundo e movimenta a vida cultural da cidade, de cerca de 100 mil habitantes, aproximadamente 35 mil deles es-tudantes em suas três instituições de nível su-perior públicas e três privadas. Os prédios da universidade se espalham por toda a Coimbra. A reitoria está instalada no centro histórico, em um prédio do século XVI, ao lado da prestigiada Faculdade de Direito e da belíssima Sé Velha, igreja-fortaleza do século XII, joia da arquite-tura românica. Esses lindos prédios seculares pressionam o orçamento da universidade. “O patrimônio é louvável, fantástico, mas não rece-bemos dinheiro para mantê-lo. E isso é caríssi-mo”, queixa-se Margarida Mano, a vice-reitora, que atendeu Ensino Superior Unicamp em sua sala no prédio da administração. O edifí-cio faz parte do Paço das Escolas, onde fica a histórica construção que abriga a Faculdade de Direito. A flexibilidade na administração do pa-trimônio que a transformação em fundação per-mite não convenceu Coimbra dos benefícios do novo modelo. “Haveria algumas vantagens. Mas as fundações continuam sujeitas à regulamen-tação geral pública em termos de aquisições, por exemplo. Isso levou nossa universidade a considerar que não haveria muito a ganhar”, conta Margarida, que é professora auxiliar da

Faculdade de Economia. O procedimento de compras, explica, é o mesmo do regime ante-rior – as licitações ainda são obrigatórias. “Mas [mudar para fundação] é uma hipótese que está na mesa, a ser considerada por outro rei-tor, em outro momento”, afirma. A eleição para a escolha do novo reitor ocorrerá em 2011.

O último balanço disponível da universi-dade, de 2009, traz os números de 2008. Nesse ano o orçamento total foi de € 154,9 milhões (R$ 368,7 milhões). Desse montan-te, a universidade recebeu € 89,3 milhões (R$ 212,5 milhões) do Estado; o restante, € 65,6 milhões (R$ 155,9 milhões), é recei-ta própria. Estavam inscritos 20.271 alunos (11.225 deles em cursos de pós-graduação); os docentes eram 1.200, e os funcionários, 1.083. As oito faculdades oferecem 84 cur-sos de licenciatura, 18 de especialização em nível de pós-graduação, 136 de mestrado e 56 de doutorado. A Universidade de Coimbra se destaca pela produção na área de Huma-nidades, com o trabalho de formação e pes-quisa da Faculdade de Letras em campos que vão de História a Literatura, de Turismo e Patrimônio a Filosofia, e à reflexão sobre mí-dia em tempos de tecnologia da informação. Ganhou destaque na imprensa em fevereiro do ano passado ao inaugurar o Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde, centro de pesquisa que abriga o primeiro acelerador de partículas cíclotron público de Portugal. O centro também tem uma unidade de ra-dioquímica e um tomógrafo por emissão de pósitrons, equipamentos que permitirão aos pesquisadores fazer pesquisa na fronteira do conhecimento em áreas como Física, Bioquí-mica e Biologia aplicadas à Medicina.

O Politécnico de Coimbra

A desconfiança em relação ao novo regime é a mesma no Instituto Politécnico da cidade. Rui Antunes, o presidente, ressalta o ponto positivo da flexibilização – “pelo regime de fun-dação, do ponto de vista jurídico seguem-se as regras do setor privado, o que traz grandes

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vantagens, como facilidades na contratação de pessoal e na forma de gerir o dinheiro” –, mas aponta também as razões que levam o Politécnico de Coimbra a se manter fiel ao antigo regime: “Do ponto de vista econômico, as fundações deixam de ter a proteção do Es-tado. Não está legislado quanto dinheiro do governo irá para uma instituição que mudou para fundação”, diz. “Há desconfiança, pela falta de tradição, e optamos por esperar para ver o que vai acontecer”, justifica.

Criado em 1979, no ano letivo de 2008/2009 o Politécnico de Coimbra tinha 10.142 alunos matriculados em seis escolas dirigidas para as competências locais: Educa-ção; Engenharia; Ciências Agrárias; Contabi-lidade e Gestão; e Saúde. Abriga uma incu-badora no Instituto Pedro Nunes, que ficou em segundo lugar em 2008 em um concurso muito valorizado na Europa, o Best Science--Based Incubator Award, em que concorreram 53 incubadoras de 23 países (a vencedora foi uma incubadora de Nápoles). Empresas hoje de expressão na economia portuguesa e in-seridas no mercado externo, como a Critical Software, a WIT Software e a CWJ Compo-nentes Eléctricos e Eletrónicos, receberam apoio da incubadora do Politécnico de Coim-bra. Aproximadamente 60% das incubadas no Instituto Pedro Nunes são empresas nascidas das atividades de pesquisa da instituição.

Dado o caráter profissionalizante de seus cursos, fazer parceria com empresas é ainda mais importante para os politécnicos. “Os es-

tágios e projetos de desenvolvimento tecnoló-gico são fatores importantes de ligação com as empresas”, afirma Antunes. “Essas empre-sas não têm capacidade econômica para ter um departamento de pesquisa e inovação, e, se não tiverem o apoio das universidades e dos politécnicos, não vão conseguir se mo-dernizar”, acrescenta. Ele ressalta, ainda, que muitas vezes as empresas não precisam de projetos de pesquisa e desenvolvimento avan-çados, mas de inovações tecnológicas mais simples e já existentes. “É nisso que nossos alunos estão trabalhando, para apoiar a mo-dernização e a melhoria da produtividade das empresas”, explica.

Os outros institutos politécnicos

O projeto de lei original que propôs o novo regime previa que somente universidades po-deriam se tornar fundações. Os politécnicos pressionaram o governo para serem incluídos; contudo, até agosto de 2010, nenhum havia se habilitado. Segundo o secretário de Ensino Superior, Manuel Heitor, a situação pode mu-dar: há conversas se desenrolando entre sua Secretaria e três politécnicos.

Entre os administradores ouvidos por Ensino Superior Unicamp, uma opinião é unânime: é cedo para avaliar resultados. “O impacto da mudança para fundação é difícil de ser medido. Antes de dois anos não há como fazer avaliação nenhuma”, conclui o reitor da Universidade de Aveiro, Manuel Assunção.