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Carcinoma basocelular metatípico gigante do escalpe Lucas Salviano de Abreu 1 Luis Henrique Ferreira de Arruda 1 Mario Augusto Ferrari de Castro 3 Rogério Aparecido Dedivitis 4 1) Acadêmico de Medicina pela Universidade Metropolitana de Santos. Acadêmico. 2) Doutorado. Cirurgião Assistente. 3) Livre docência. Professor Livre Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP. Instituição: Faculdade das Ciências da Saúde da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), Santos/SP. Correspondência: Rogério Aparecido Dedivitis - Av. Conselheiro Nébias 444 – Santos / SP – Brasil - CEP: 11015-001 – Telefone/Fax.: (+55 13) 3221-1514 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 09/07/2017; aceito para publicação em 11/07/2017; publicado online em 28/12/2017. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Relato de Caso Basal Cell Carcinoma metatypical giant of scalp RESUMO Dos cânceres de pele o mais comum é o carcinoma basocelular (CBC). Relatamos um caso de lesão ulcerativa crônica progressiva em região occipital com evolução de 12 anos. A biópsia evidenciou um carcinoma basocelular metatípico de escalpe da região occipital. A ressonância nuclear magnética revelou infiltração óssea craniana. Foi realizada ressecção completa da lesão com margens oncológicas com craniotomia da região infiltrada pelo tumor. A reconstrução foi feita por meio de cranioplastia com prótese de titânio e para fechamento do defeito de couro cabeludo realizou-se rotação de retalho frontal, para cobrir o defeito cutâneo remanesceste foi utilizado enxerto de pele parcial dorsal. Descritores: Neoplasias Cutâneas; Carcinoma Basocelular; Retalhos Cirúrgicos. ABSTRACT From all kinds of skin cancer, the most common is the Basal cell Carcinoma (BCC). We are reportting a case of progressive chronic ulcerative lesion in occipital region with twelve years of development. The biopsy revealed a giant metatypical basal cell carcinoma of scalp from the occipital region. The nuclear magnetic resonance revealed cranial bone infiltration. A Complete lesion resection was performed with oncological margins and craniotomy in the region infiltrated by the tumor . The reconstruction was made by using titanium prosthesis cranioplasty and scalp defect closure took place front flap rotation, to cover the remaining cutaneous defect a dorsal partial skin graft was used. Key words: Skin Neoplasms; Carcinoma, Basal Cell; Skin Transplantation. INTRODUÇÃO O carcinoma basocelular da pele é considerado o tumor mais frequente da população, representando um grupo heterogêneo de tumores com apresentação clínica e morfológica extremamente diversa 1 . Baseado em seu comportamento biológico é possível diferenciar subtipos indolentes (superficial e nodular) de subtipos agressivos (infiltrativo, micronodular e metatípico) entre os carcinomas de células basais. O carcinoma metatípico de células basais (CMCB) representa aproximadamente 5% de todos os cânceres de pele não-melanoma, com características variando entre o espectro de carcinoma de células basais e carcinoma de células escamosas, sendo descrito como a coexistência de ambos os subtipos de carcinoma sem evidência de zona transicional entre eles 2 . Um estudo retrospectivo de 312 casos de pacientes com diagnóstico de CMCB no escalpe e na face evidenciou a apresentação desses casos com idade média de 75.8 anos com predominância no sexo masculino (65%) e maior relação dos carcinomas de face com o gênero feminino e escalpe no gênero masculino (73 casos em 107 ou 68.2% dos casos), tendo sido encontrado um comportamento biológico mais agressivo no subtipo intermediário 2 .A apresentação clínica de carcinoma basocelular com um diâmetro maior que 5 centímetros é denominada gigante e geralmente ocorre em casos de negligência em relação aos sintomas clínicos iniciais, sendo rara a evidência de invasão intracraniana 3,4 . Apresentamos um relato de caso de um paciente do gênero masculino apresentando um CMCB de 12 anos de evolução na região occipital evoluindo com ulceração e infiltração do crânio na região occipital. RELATO DE CASO Paciente do gênero masculino, com 56 anos, apresentou lesão úlcero-infiltrativa em couro cabeludo 256 ��������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.46, nº 4, p. 256-258, Outubro / Novembro / Dezembro 2017

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Código 894

Carcinoma basocelular metatípico gigante do escalpe

Lucas Salviano de Abreu 1 Luis Henrique Ferreira de Arruda 1 Mario Augusto Ferrari de Castro 3

Rogério Aparecido Dedivitis 4

1) Acadêmico de Medicina pela Universidade Metropolitana de Santos. Acadêmico.2) Doutorado. Cirurgião Assistente.3) Livre docência. Professor Livre Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP.

Instituição: Faculdade das Ciências da Saúde da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), Santos/SP.Correspondência: Rogério Aparecido Dedivitis - Av. Conselheiro Nébias 444 – Santos / SP – Brasil - CEP: 11015-001 – Telefone/Fax.: (+55 13) 3221-1514 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 09/07/2017; aceito para publicação em 11/07/2017; publicado online em 28/12/2017.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Relato de Caso

Basal Cell Carcinoma metatypical giant of scalp

Resumo

Dos cânceres de pele o mais comum é o carcinoma basocelular (CBC). Relatamos um caso de lesão ulcerativa crônica progressiva em região occipital com evolução de 12 anos. A biópsia evidenciou um carcinoma basocelular metatípico de escalpe da região occipital. A ressonância nuclear magnética revelou infiltração óssea craniana. Foi realizada ressecção completa da lesão com margens oncológicas com craniotomia da região infiltrada pelo tumor. A reconstrução foi feita por meio de cranioplastia com prótese de titânio e para fechamento do defeito de couro cabeludo realizou-se rotação de retalho frontal, para cobrir o defeito cutâneo remanesceste foi utilizado enxerto de pele parcial dorsal.

Descritores: Neoplasias Cutâneas; Carcinoma Basocelular; Retalhos Cirúrgicos.

AbstRAct

From all kinds of skin cancer, the most common is the Basal cell Carcinoma (BCC). We are reportting a case of progressive chronic ulcerative lesion in occipital region with twelve years of development. The biopsy revealed a giant metatypical basal cell carcinoma of scalp from the occipital region. The nuclear magnetic resonance revealed cranial bone infiltration. A Complete lesion resection was performed with oncological margins and craniotomy in the region infiltrated by the tumor . The reconstruction was made by using titanium prosthesis cranioplasty and scalp defect closure took place front flap rotation, to cover the remaining cutaneous defect a dorsal partial skin graft was used.

Key words: Skin Neoplasms; Carcinoma, Basal Cell; Skin Transplantation.

IntRoDução

O carcinoma basocelular da pele é considerado o tumor mais frequente da população, representando um grupo heterogêneo de tumores com apresentação clínica e morfológica extremamente diversa1. Baseado em seu comportamento biológico é possível diferenciar subtipos indolentes (superficial e nodular) de subtipos agressivos (infiltrativo, micronodular e metatípico) entre os carcinomas de células basais. O carcinoma metatípico de células basais (CMCB) representa aproximadamente 5% de todos os cânceres de pele não-melanoma, com características variando entre o espectro de carcinoma de células basais e carcinoma de células escamosas, sendo descrito como a coexistência de ambos os subtipos de carcinoma sem evidência de zona transicional entre eles2.Um estudo retrospectivo de 312 casos de pacientes com diagnóstico de CMCB no escalpe e na face evidenciou a apresentação desses casos com idade média de 75.8

anos com predominância no sexo masculino (65%) e maior relação dos carcinomas de face com o gênero feminino e escalpe no gênero masculino (73 casos em 107 ou 68.2% dos casos), tendo sido encontrado um comportamento biológico mais agressivo no subtipo intermediário2.A apresentação clínica de carcinoma basocelular com um diâmetro maior que 5 centímetros é denominada gigante e geralmente ocorre em casos de negligência em relação aos sintomas clínicos iniciais, sendo rara a evidência de invasão intracraniana3,4. Apresentamos um relato de caso de um paciente do gênero masculino apresentando um CMCB de 12 anos de evolução na região occipital evoluindo com ulceração e infiltração do crânio na região occipital.

RelAto De cAso

Paciente do gênero masculino, com 56 anos, apresentou lesão úlcero-infiltrativa em couro cabeludo

256 ��������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.46, nº 4, p. 256-258, Outubro / Novembro / Dezembro 2017

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de região occipital (Figura 1) de 12 anos de evolução, com crescimento lento e progressivo em diâmetro e profundidade. Não procurou atendimento médico anteriormente e a lesão evoluiu com úlcera central e exposição de calota craniana occipital. A biópsia mostrou carcinoma de células basais associado a carcinoma de células escamosas sem evidência de zona transicional entre eles, caracterizando a variante histopatológica de carcinoma basocelular metatípico que, devido ao tamanho associado da lesão maior que 5cm de diâmetro, foi caracterizado como gigante3,4. Foi realizada ressecção da lesão com margens cirúrgicas de 1cm e craniotomia associada da região infiltrada do crânio. A reconstrução foi realizada por meio de cranioplastia com placa de titânio (Figura 2) e rotação de retalho frontal em “viseira” para manter a vascularização bilateral pelas artérias temporais superficiais (Figura 3). Devido à falha de revestimento cutâneo frontal associado, decidiu-se pela retirada de enxerto cutâneo dorsal para cobrir tal defeito (Figura 4). O paciente recebeu alta no quarto dia do pós operatório

Carcinoma basocelular metatípico gigante do escalpe. Abreu et al.

e evoluiu com perda parcial do retalho com necrose local. O enxerto na fronte apresentou área localizada de epidermólise. No momento a conduta é expectante.

DIscussão

O câncer de pele não-melanoma (CPNM) é o câncer mais comum no mundo com uma incidência de 18 a 20 vezes maior do que a de melanoma maligno5. O carcinoma de células basais provavelmente surge à partir de células pluripotenciais imaturas e é o tumor maligno mais comum da pele em caucasianos. Ocorre principalmente em áreas expostas ao sol, como pescoço e rosto.

O carcinoma basocelular é o tumor mais frequente da população, apresentando um crescimento lento, localmente invasivo, raramente evoluindo com metástases6, denotando excelente prognóstico. Potencialmente, em alguns casos, um bom prognóstico pode causar um atraso no tratamento e tal atraso pode levar a uma maior extensão local do tumor com a destruição

Figura 1. Lesão úlcero-infiltrativa em couro cabeludo. Figura 2. Cranioplastia com placa de titânio.

Figura 3. Rotação de retalho frontal em “viseira”. Figura 4. Retirada de enxerto cutâneo dorsal.

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do tecido circundante. O carcinoma de células basais (CBC) típico e o carcinoma de células escamosas (CEC) são morfologicamente diferentes mas podem representar um espectro da mesma doença, evidenciando, em alguns casos, a coexistência de ambos sem evidência de diferença da zona transicional entre eles, caracterizando o carcinoma basocelular metatípico (CMCB)2. Alguns dados sugerem que alguns marcadores imunohistoquímicos podem ser úteis para diferenciar essas variedades, e entre eles o MOC-31 parece ser um marcador útil para o diagnóstico diferencial específico, especialmente quando utilizados em conjunto com UEA-17,8.

Histologicamente o CMCB é dividido em dois subtipos: intermediário e misto. Na forma intermediária zonas de transição e ilhotas tumorais são encontrados juntas, combinando assim características de CBC e CEC no subtipo misto de células basais típicas coexistindo com áreas de células escamosas conglomeradas, podendo conter pérolas escamosas associadas5. Diferente do melanoma, que geralmente tem sua fisiopatologia associada a exposição ao sol, o CMCB não parece estar relacionado à exposição ao sol, sendo necessária a investigação de fatores de risco adicionais para essa modalidade de tumor9.

O comportamento do carcinoma de células basais metatípico situa-se entre estes dois tipos de câncer de pele, sendo difícil realizar um diagnóstico diferencial com base nas características morfológicas e clínicas. Portanto, a análise histológica meticulosa é essencial para definição diagnóstica.

Essa variedade de câncer atinge o gênero masculino com maior frequência (62,5 % dos casos), sendo que o local mais afetado no corpo para os CMCBs parecem ser as áreas cervicofaciais em 71,7% dos casos; acometendo em seguida, o tronco em 10% das vezes; os membros em 9,6% dos casos; e o couro cabeludo em 3,7% dos pacientes7. A região da cabeça e o pescoço apresentam um maior índice de recidiva, ocorrendo em torno de 10% dos casos. Uma revisão retrospectiva de 312 casos evidenciou a lesão no escalpe sendo região mais acometida em homens (57% dos casos), sendo a face mais acometida em mulheres (68,2% dos casos)2. A presença de um CBCM com extensão maior que 5 centímetros caracteriza um CBCM gigante, sendo considerada uma apresentação clínica rara, geralmente associada à negligência dos pacientes ou médicos. A forma invasiva dessa variedade de câncer é bastante incomum sendo encontrado poucos casos na literatura

com invasão craniana e até mesmo intracraniana3,4. Formas alternativas de tratamento como a radioterapia para carcinoma invasivo avançado de pele parece ter um controle regional satisfatório em torno de 93% dos casos3. Estudos adicionais são necessário para avaliar a resposta do CMCB à essa modalidade de tratamento, especialmente as formas gigantes do carcinoma.

Os casos de CMCB gigantes apresentam a preocupação adicional acerca do defeito estético extenso após sua extirpação cirúrgica, sendo necessária programação meticulosa pré-operatória para avaliar a necessidade de rotação de retalhos cutâneos e utilização de enxertos cutâneos autólogos. O carcinoma basocelular (CBC) foi estratificado em baixo e alto risco de acordo com a sua propensão para a recorrência local. Os fatores de risco para a recorrência incluem subtipo histológico, localização anatômica (zona H da face), diâmetro horizontal e a condição clínica do paciente11.

ReFeRêncIAs

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