170

Revista Cultura e Pensamento

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Revista com artigos relacionados a temáticas atuais

Citation preview

  • RE

    VIST

    A C

    ULT

    UR

    A E

    PE

    NSA

    ME

    NTO

    N.0

    3 A

    ON

    A

    E A

    DIF

    ER

    EN

    A

    : O P

    RO

    JETO

    AM

    AZO

    NE

    E A

    S N

    OVA

    S FO

    RM

    AS

    DE

    CO

    NH

    EC

    IME

    NTO

    P

    ED

    RO

    DE

    NIE

    ME

    YER

    CE

    SAR

    INO

    M

    ER

    GU

    LHA

    DO

    R: U

    MA

    PR

    OP

    OST

    A

    SER

    GIO

    CO

    HN

    B

    LOO

    KS:

    A P

    RO

    DU

    O L

    ITE

    R

    RIA

    NA

    ER

    A

    DA

    INTE

    RN

    ET

    E

    ST

    MA

    IS F

    C

    IL T

    RA

    BA

    LHA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    PO

    PU

    LAR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    ASI

    L?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    P

    RO

    PR

    IED

    AD

    E IN

    TELE

    CTU

    AL

    E M

    SI

    CA

    DE

    TR

    AD

    I

    O O

    RA

    L C

    AR

    LOS

    SAN

    DR

    ON

    I LU

    LA Q

    UE

    IRO

    GA

    : PA

    LAVR

    AS

    AN

    A G

    AR

    CIA

    M

    AN

    O B

    RO

    WN

    : P

    OE

    SIA

    E L

    UG

    AR

    SO

    CIA

    L

    LE

    ITU

    RA

    DO

    S SE

    US

    RA

    PS

    NO

    HO

    RIZ

    ON

    TE D

    A P

    OE

    SIA

    BR

    ASI

    LEIR

    A

    LEA

    ND

    RO

    PA

    SIN

    I O

    HIP

    HO

    P

    BR

    ASI

    LEIR

    O A

    SSU

    ME

    A P

    ATE

    RN

    IDA

    DE

    SP

    EN

    SY P

    IME

    NTE

    L C

    ON

    VER

    SA U

    RG

    EN

    TE S

    OB

    RE

    UM

    A V

    ELH

    AR

    IA

    UN

    S PA

    LPIT

    ES

    SOB

    RE

    VIG

    N

    CIA

    DO

    RE

    GIO

    NA

    LISM

    O

    LUS

    AU

    GU

    STO

    FIS

    CH

    ER

    E

    NTR

    EVI

    STA

    CO

    M U

    GO

    GIO

    RG

    ETT

    I P

    RIS

    CIL

    A F

    IGU

    EIR

    ED

    O

    INST

    AN

    TN

    EO

    D

    E T

    ASH

    KE

    NT

    GU

    ILH

    ER

    ME

    WIS

    NIK

    CU

    LTUR

    A E

    PE

    NSA

    ME

    NTO

    N.03 D

    EZ 2007

    Modelo_Capa.indd 1Modelo_Capa.indd 1 26.12.07 11:05:4326.12.07 11:05:43

  • N.03 DEZEMBRO 2007

    cp_revista_ed3_miolo.indd 1cp_revista_ed3_miolo.indd 1 19.12.07 17:32:3919.12.07 17:32:39

  • cp_revista_ed3_miolo.indd 2cp_revista_ed3_miolo.indd 2 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • cp_revista_ed3_miolo.indd 3cp_revista_ed3_miolo.indd 3 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • cp_revista_ed3_miolo.indd 4cp_revista_ed3_miolo.indd 4 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • Para o Ministrio da Cultura, de suma importncia estimular e difundir

    o debate pblico de todo e qualquer tema relevante que corresponda

    sua rea de atuao. Tanto assim, que desenvolveu uma srie de aes

    destinadas a ampliar ao mximo no apenas o incentivo a esses debates,

    como o acesso ao seu contedo. A publicao dos debates uma das

    ferramentas utilizadas para democratizar seu contedo. Por isso mesmo

    integra uma das linhas de poltica cultural levadas a cabo pelo Ministrio.

    A Petrobras, maior empresa brasileira e maior patrocinadora das artes e

    da cultura em nosso pas, apia o Programa Cultura e Pensamento 2007,

    dando continuidade ao projeto iniciado em 2006. Tambm desta maneira

    reforamos e confi rmamos nossa parceria com o Ministrio da Cultura.

    A misso primordial da nossa empresa, desde que ela foi criada, h pouco

    mais de meio sculo, contribuir para o desenvolvimento do Brasil. Fizemos

    e fazemos isso aprimorando cada vez mais nossos produtos, expandindo

    nossas atividades para alm das fronteiras brasileiras, dedicando especial

    ateno pesquisa de tecnologia de ponta. E tambm apoiando iniciativas

    como esta, porque, afi nal, um pas que no se enriquece por meio do debate

    e da difuso de idias jamais ser um pas desenvolvido.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 5cp_revista_ed3_miolo.indd 5 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • AP

    RE

    SE

    NTA

    O

    cp_revista_ed3_miolo.indd 6cp_revista_ed3_miolo.indd 6 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • 7

    CULTURA E PENSAMENTO UM PROGRAMA

    NACIONAL DE INCENTIVO AO DEBATE CRTICO. O SEU

    PROPSITO AMPLIAR OS FRUNS DE REFLEXO

    E DILOGO EM TORNO DE TEMAS RELEVANTES DA

    AGENDA CONTEMPORNEA. BUSCA-SE PROMOVER

    A CIRCULAO DE IDIAS PRODUZIDAS POR

    INTELECTUAIS, ARTISTAS E PENSADORES DA CULTURA

    COM O INTENTO NO APENAS DE CONSOLIDAR UMA

    PLATAFORMA PARA A DIFUSO DESSAS IDIAS COMO

    DE PROPICIAR A APROXIMAO DOS SEUS ATORES

    Trata-se de fortalecer a esfera pblica nacional e pr em dis-

    cusso alternativas para o desenvolvimento cultural do pas.

    Em 2006, o programa apoiou a realizao de quatro debates

    presenciais, cinco debates em peridicos impressos e dois

    projetos em peridicos eletrnicos, escolhidos por meio de

    selees pblicas. As linhas temticas previamente esco-

    lhidas e em torno das quais se candidataram os seminrios

    presenciais foram Biopoltica e Tecnologias, Populaes

    cp_revista_ed3_miolo.indd 7cp_revista_ed3_miolo.indd 7 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • 8

    e Territrios, Estado-Nao e Lgicas e Alternativas paras as Dinmi-

    cas Culturais. Assim, foram realizados os ciclos de debates A Cultura

    Alm do Digital, em Recife e no Rio de Janeiro, Dilogos Interculturais,

    em Caratinga (MG) e Rio Branco (AC), Do Estado que Temos ao Estado

    que Queremos, em So Bernardo do Campo (SP), Rio Branco (AC) e Olinda

    (PE), e Reverberaes Seminrio Ritmos da Urgncia, em So Paulo e

    Londrina. Pelo segundo e terceiro edital foram selecionadas, respectiva-

    mente, cinco revistas impressas (Azougue, Global/Brasil, Nmero,

    MdiaComDemocracia, Revista de Cincias Agroveterinrias/UDESC),

    e duas revistas eletrnicas (Portal Raiz e Eptic online).

    Em 2007, CULTURA E PENSAMENTO segue patrocinando a realizao de

    debates abertos em mbito nacional. Mais uma vez, pensadores de todo

    o Brasil foram convidados a propor projetos, e estes, aps uma avaliao,

    concorreram ao patrocnio por meio de selees pblicas. Como resultado

    dos editais em 2007, o Programa apia ao longo do ano a realizao de

    quatro projetos de debates presenciais: Carnaval do Brasil, no Rio de

    Janeiro e Salvador; Conhecimento e Cultura Livres: Disputas, Prticas e

    Idias, em Porto Alegre e Fortaleza; Alm das Redes de Colaborao:

    Diversidade Cultural e as Tecnologias do Poder, em So Paulo e Natal;

    quatro projetos de debate em publicaes impressas (Azougue, Global/

    Brasil, Revista Grumo e Revista Coquetel Molotov) e quatro projetos

    cp_revista_ed3_miolo.indd 8cp_revista_ed3_miolo.indd 8 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • 9

    em publicaes eletrnicas (Estticas da Biopoltica: Audiovisual, Pol-

    tica e Novas Tecnologias, no site Cintica; Fluxos Musicais: Trajetrias

    Sonoras do Nomadismo, no site Fluxos Musicais; Jornalismo Cultural e

    Pauta, no site Cultura e Mercado, e Representao Imagtica das Afri-

    canidades no Brasil, no site Studium).

    Como se busca aqui dar prioridade difuso de contedos e interao

    entre os seus participantes, incentiva-se o compartilhamento contnuo das

    refl exes articuladas em seu contexto, pe-se disposio um ambiente

    virtual de discusso, e parcerias so promovidas com o fi m de favorecer o

    acesso e o intercmbio de idias. Ampliar e qualifi car as formas de difu-

    so de contedos uma meta a ser concretizada por meio da Rede Cultura

    e Pensamento, de parcerias com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e

    com a Rede Pblica de Televiso, e da publicao desta revista Cultura

    e Pensamento.

    Detalhes sobre as aes de 2007, assim como os projetos realizados em

    2006 e 2007 e os contedos que deles resultaram (textos, udios e vdeos),

    esto disponveis no Portal Cultura e Pensamento (www.cultura.gov.br/

    culturaepensamento), com acesso gratuito e irrestrito.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 9cp_revista_ed3_miolo.indd 9 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • ED

    ITO

    RIA

    L

    cp_revista_ed3_miolo.indd 10cp_revista_ed3_miolo.indd 10 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • 11

    Cultura e Pensamento chega ao seu terceiro nmero com o mesmo princ-

    pio norteador dos anteriores: ampliar o mbito da discusso e fazer ressoar

    atravs da palavra impressa os temas eleitos pelo programa de que faz parte.

    Como pano de fundo, uma situao global que impe desafi os inditos a nos-

    sas atuais formas e meios de conhecimento, desestabilizando para bem

    e para mal certezas, valores e rotinas. Um primeiro bloco focaliza alguns

    dos modos novos de produo e/ou veiculao de cultura. A seguir, toda

    uma seo dedicada rea da cultura brasileira que historicamente mais

    tem se aproximado da noo de espao pblico de discusso. De fato, a cha-

    mada Msica Popular Brasileira pela sua organicidade, riqueza de gne-

    ros, diversidade regional e presena no dia-a-dia de milhes de pessoas

    possui aquilo a que toda cultura moderna sempre aspirou: refl exividade e

    conscincia da prpria fora e singularidade. Ao longo do tempo, ela foi se

    identifi cando com a prpria autoconscincia dos brasileiros. Certamente por

    isso, como uma antena de sintonia fi na, a MPB tem sido capaz de pensar o

    que temos sido e o que poderamos ser como nao, num quadro crescente-

    mente revolvido pela mercantilizao de tudo. Por fi m, um terceiro e hetero-

    gneo bloco prope pensar um tpico que, ao contrrio do discurso ingenu-

    amente globalitrio, no desapareceu: o das relaes centro-periferia, seja

    em mbito regional, nacional ou, como sugere o relato que fecha o nmero,

    numa espcie de j existente e inclassifi cvel terra-de-ningum.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 11cp_revista_ed3_miolo.indd 11 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • 12

    BRASLIA: CAPITAL DA FOTOGRAFIA

    FOTO ARTE o festival que ocupa Braslia durante trs meses dando a ver (em suas muitas exposies simultneas espalhadas pelo tecido urbano de lugares descontnuos) algo do vigor da produo internacional contempo-rnea que se vale do suporte fotogrfi co. Sua quinta edio traz quase 500 artistas e frisa o aspecto de evento formador do meio e do pblico, disseminando inteligncia e capturando uma produo emergente. Os temas propostos neste ano refl exo dos participantes foram A Fotografi a da Natureza e A Natureza da Fotografi a e Natureza Humana Corpo Poltico e Corpo Potico. O material aqui apresentado alude de forma mltipla provocao discursiva juntando distanciamento irnico e adeso sublime, um jogo de contradies e atualizaes que se v em cada criao catalo-gada nesta revista.

    O Festival dirigido e conceituado por Karla Osorio, tendo em seu time Eder Chiodetto e outras fi guras que esto afi rmando este meio cultural como campo artstico contemporneo na cena brasileira. Reunindo pessoas munidas de olhares apurados, tambm entram em jogo especialistas de todos os cantos do mundo dedicados Leitura dos Portflios situao criada que garante consistente poltica cultural de prospeco e orientao de trabalhos. Essa dinmica integra o circuito local rede de festivais internacionais que est apontando tendncias e conceitos sobre tal campo e linguagem. A inciativa, cada vez mais madura, tem projetado no solo arquitetado da capital federal um ambiente esttico contemporneo que desperta olhares e visibilidades diversos. Na opinio de alguns, est surgindo (rebento tardio e acidental do urbanismo de Lcio Costa em meio ao universo luminoso do serrado) uma verdadeira e atual Capital da fotografi a. Estaramos vivendo outras inverses na geopoltica cultural da nao, nesse tempo global, a desmobilizar de imprevisto tantas centralidades? Pelo sim pelo no, fi cam contrastadas as perspectivas e iluminaes despertadas pelo material que Cultura e Pensamento repe em circulao Brasil afora.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 12cp_revista_ed3_miolo.indd 12 19.12.07 17:32:4019.12.07 17:32:40

  • 13

    ANA LCIA MARIZ

    CASTELO

    GARCIA DVILA

    Exposio Alma secreta.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 13cp_revista_ed3_miolo.indd 13 19.12.07 17:32:4119.12.07 17:32:41

  • SU

    M

    RIO

    cp_revista_ed3_miolo.indd 14cp_revista_ed3_miolo.indd 14 19.12.07 17:32:4219.12.07 17:32:42

  • A ONA E A DIFERENA: O PROJETO AMAZONE

    E AS NOVAS FORMAS DE CONHECIMENTO

    ENTREVISTA COM EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

    PEDRO DE NIEMEYER CESARINO P.23

    MERGULHADOR: UMA PROPOSTA

    SERGIO COHN P.31

    BLOOKS: A PRODUO LITERRIA NA ERA DA INTERNET

    HELOSA BUARQUE DE HOLLANDA P.37

    EST MAIS FCIL TRABALHAR COM CANO

    POPULAR-COMERCIAL NO BRASIL?

    WALTER GARCIA P.45

    PROPRIEDADE INTELECTUAL E MSICA DE TRADIO ORAL

    CARLOS SANDRONI P.65

    LULA QUEIROGA: PALAVRAS

    ANA GARCIA P.81

    MANO BROWN: POESIA E LUGAR SOCIAL LEITURA DOS SEUS

    RAPS NO HORIZONTE DA POESIA BRASILEIRA

    LEANDRO PASINI P.95

    O HIP HOP BRASILEIRO ASSUME A PATERNIDADE

    ENTREVISTA COM GOG

    SPENSY PIMENTEL P.113

    CONVERSA URGENTE SOBRE UMA VELHARIA

    UNS PALPITES SOBRE VIGNCIA DO REGIONALISMO

    LUS AUGUSTO FISCHER P.127

    ENTREVISTA COM UGO GIORGETTI

    PRISCILA FIGUEIREDO P.143

    INSTANTNEO DE TASHKENT

    GUILHERME WISNIK P.159

    cp_revista_ed3_miolo.indd 15cp_revista_ed3_miolo.indd 15 19.12.07 17:32:4219.12.07 17:32:42

  • WANG QINGSONG

    FOLLOW ME

    Exposio Entre a

    nostalgia e o cinismo.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 16cp_revista_ed3_miolo.indd 16 19.12.07 17:32:4219.12.07 17:32:42

  • 17

    cp_revista_ed3_miolo.indd 17cp_revista_ed3_miolo.indd 17 19.12.07 17:32:5219.12.07 17:32:52

  • WANG QINGSONG

    LOOK UP! LOOK UP!

    Exposio Entre a

    nostalgia e o cinismo.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 18cp_revista_ed3_miolo.indd 18 19.12.07 17:32:5719.12.07 17:32:57

  • 19

    WANG QINGSONG

    DUPONT & DUPONT

    Exposio Entre a

    nostalgia e o cinismo.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 19cp_revista_ed3_miolo.indd 19 19.12.07 17:32:5919.12.07 17:32:59

  • cp_revista_ed3_miolo.indd 20cp_revista_ed3_miolo.indd 20 19.12.07 17:33:0619.12.07 17:33:06

  • 21

    WANG QINGSONG

    DREAM OF MIGRANTS

    Exposio Entre a

    nostalgia e o cinismo.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 21cp_revista_ed3_miolo.indd 21 19.12.07 17:33:1319.12.07 17:33:13

  • A O

    N

    A E

    A D

    IFE

    RE

    N

    A:

    O P

    RO

    JETO

    AM

    AZO

    NE

    E A

    S N

    OVA

    S FO

    RM

    AS

    DE

    CO

    NH

    EC

    IME

    NTO

    EN

    TRE

    VIST

    A C

    OM

    ED

    UA

    RD

    O

    VIVE

    IRO

    S D

    E C

    AST

    RO

    PEDRO DE NIEMEYER CESARINO

    PEDRO DE NIEMEYER

    CESARINO DOUTORANDO

    NO MUSEU NACIONAL / UFRJ

    E CO-EDITOR DA REVISTA

    AZOUGUE.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 22cp_revista_ed3_miolo.indd 22 19.12.07 17:33:1619.12.07 17:33:16

  • 23

    UM DOS MAIORES ANTROPLOGOS EM ATIVIDADE

    FALA DO SEU BLOG AMAZONE COMO NOVA FORMA

    DE PRODUO INTELECTUAL

    Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional (UFRJ), um dos antroplogos atualmente mais respeitados dentro e fora do Brasil. Seus trabalhos em etnologia tm alte-rado radicalmente os estudos das sociedades e cosmologias amerndias. A partir de sua pesquisa de doutorado entre os Arawet na dcada de 1980, Viveiros de Castro foi gradati-vamente reformulando, entre outros pontos, a maneira de pensar a relao entre natureza e cultura para as sociedades amerndias. Em termos gerais, mostrou que suas cosmologias, ao invs de serem variaes culturais em torno da natureza, universal e inquestionvel, so antes variaes naturais em torno da cultura (da fl oresta). Com isso, desloca a compreenso relativista e multiculturalista de sociedades no-ocidentais, para a qual estas so apenas distintas verses do real (a que, em ltima instncia, apenas as cincias ocidentais tem acesso

    cp_revista_ed3_miolo.indd 23cp_revista_ed3_miolo.indd 23 19.12.07 17:33:1919.12.07 17:33:19

  • 24

    privilegiado) em direo compreenso particular dos pensamentos indgenas. Multinaturalistas, estes postulariam antes a unidade da cultura sob a multi-plicidade das naturezas: sob distintos corpos (animais, humanos, vegetais), o que se encontram so as mesmas almas humanas, suas relaes sociais e manifestaes culturais. A este impulso de diversifi cao ou multiplicao do que se coloca como pensvel para outras sociedades que no as nossas, Viveiros de Castro acaba tambm por se envolver em outras empreitadas de poltica epistemolgica, na tentativa de questionar consensos cientfi cos e culturais. O esprito anarquista que, de certa forma, tira as cosmologias amerndias da rbita em torno do real tem contribudo, por outro lado, para a tentativa de multiplicar o trabalho de pesquisa etnolgica para alm da fi gura central do autor. Essencial para a construo da poltica de mritos da academia, a autoria vai sendo distribuda quando Viveiros de Castro resolve colocar na rede um livro sobre os pensamentos amerndios que vinha escre-vendo h anos, A Ona e a Diferena. Em parceira com seus colegas e alunos, cria ento o projeto AmaZone, um cada vez maior palimpsesto de citaes, textos mltiplos, colaboraes e refl exes reticulares e inconclusas sobre a imaginao conceitual nas culturas nativas da Amaznia. Nas pginas seguintes, o antroplogo fala um pouco sobre esta experincia. O texto est em http://amazone.wikia.com/wiki/Projeto_AmaZone.

    Cultura e Pensamento Porque voc decidiu criar o projeto AmaZone?

    Eduardo Viveiros de Castro Achei interessantssimo o instrumento wiki, que me parecia epitomizar o carter radicalmente coletivo e continuativo, distribudo e mutante anarquista, digamos logo a palavra

    que a comunicao na internet possui. Entenda-se, a natureza mltipla da rede, a rede como multiplicidade, com seus milhes ou bilhes de buracos pelo qual a voz do povo, no sentido que essa palavra tem e pode ter em um mundo como o que vivemos, sempre acaba escapando das inmeras armadilhas de controle e explorao, de reconquista ou recolonizao do imaginrio de que a rede perenemente objeto por parte dos poderes deste mundo (e do outro).

    CP Quais foram as razes que te levaram a transportar seu livro A Ona e a Diferena para o formato wiki?

    EVC Senti necessidade de transversalizar um pouco que seja o conhecimento, inscrevendo-o em um suporte com maior afi nidade pelo processo mesmo com que o conhecimento produzido na comunidade acadmica ou cientfi ca. O trabalho que fazemos, as idias que temos,

    A O

    N

    A E

    A D

    IFE

    RE

    N

    AP

    ED

    RO

    DE

    NIE

    ME

    YER

    CE

    SA

    RIN

    O

    cp_revista_ed3_miolo.indd 24cp_revista_ed3_miolo.indd 24 19.12.07 17:33:1919.12.07 17:33:19

  • 25

    os avanos que conseguimos so sempre resultados intertextuais, presos em uma teia anafrica ilimitada, e entretanto continuamos a fi ngir no bem essa a palavra, mas enfi m que nossas idias surgem da contemplao individual da realidade exterior e se exprimem como sndromes de uma individualidade caracterstica. No caso de meu livro em particular, a motivao envolveu um componente egostico-existencial: eu no gostaria de terminar esse livro Se o terminasse/quando o terminar, serei obrigado a ler tudo o que vier depois como vindo, de fato, depois, quando eu gostaria que tudo isso fi zesse parte de uma obra sempre em curso, modifi casse essa obra medida em que ela fosse sendo escrita como se ela fosse sendo escrita pelo que escrito sobre ela, a partir dela, em torno dela.

    CP Permanece a inteno de no publicar seus resultados em papel?

    EVC Sobre publicar os resultados em papel, bem, acho que em um certo momento vamos sim decidir publicar o meta-texto em papel, e vamos ter de inventar modos de autor-lo. Ou ento, se no houver interesse de muitos dos participantes nessa inteno de publicao, a gente divide o esplio e cada um publica, ou no, a parte que lhe cabe

    sempre d para dividir.

    CP Suas idias e pesquisas, que alteraram profundamente os estudos de etnologia amerndia nos ltimos anos, esto efetivamente se integrando numa autoria coletiva?

    EVC Menos do que eu imaginava que seriam. O projeto todo deu uma parada, ou meia-trava. Existe uma autoria coletiva, mas ela mais lenta, no mais rpida, que a autoria pelo mtodo tradicional, ao contrrio do que eu esperava. O que pode ser uma qualidade, claro. A autoria coletiva que existe no AmaZone, na verdade, precede a criao e funcionamento do wiki foi este que resultou dela antes que o contrrio.

    CP Como a fi gura do autor e o trabalho em rede tem se articulado no projeto?

    EVC H questo do lugar muito singular que os ndios, autores primeiros de tudo o que est sendo elaborado especulado, derivado, analogizado, conectado no wiki. A presena indgena no wiki ainda permanece no patamar do discurso indireto livre emitido pelos brancos

    cp_revista_ed3_miolo.indd 25cp_revista_ed3_miolo.indd 25 19.12.07 17:33:1919.12.07 17:33:19

  • 26

    que ali co-escrevem. S no incentivo mais a participao direta porque no ainda achei por onde. Agora em novembro de 2007, vou participar de um encontro de intelectuais indgenas em Manaus xams e outros , e creio que ali est minha oportunidade de ouro para vender o peixe aos pescadores Alm disso, planejo dar uma segunda rodada de impulso ao wiki, ali publicando vrios outros pedaos de texto dA ona e a diferena, para ver se o pessoal se anima a co-autorar. Um dos problemas que o coletivo do wiki sente que o input inicial era e permanece sendo muito associado comigo como autor individual; o texto que compe a substncia do wiki ainda est muito prximo ao que escrevi sozinho

    sozinho nos termos que comentei mais acima na fase pr-wiki. Isso pode estar inibindo os demais membros do coletivo AmaZone. E h o srio obstculo que a economia poltica da publicao cientfi ca, que validada sistemicamente pelo modo de produo do conhecimento cientfi co hoje em vigor. Membro de um coletivo autoral na internet, o AmaZone, no creio que seja um trunfo muito forte no Lattes de ningum. Infelizmente. Porque deveria.

    CP Qual a inteno poltica do projeto AmaZone e como ela pode se (des)articular com a atual estrutura acadmica de produo e veiculao de conhecimento?

    EVC A inteno estabelecer um meio de interao mais adequado natureza reticular, processiva e intertextual de todo trabalho acadmico. O AmaZone , em seu esprito, um projeto avesso s concepes gerencial-produtivistas da economia intelectual; mas no pretendemos dar murro em ponta de faca, tapar o sol com a peneira, ser a palmatria do mundo e outros provrbios apropriados. Reconhecemos e, se necessrio, defendemos o direito de cada um ter seu trabalho registrado pelo sistema dominante, sem o qu, como se sabe, corre-se o risco de vrios prejuzos, fi nanceiros, morais e outros. De resto, redigir e publicar trabalhos em nome prprio no nenhum desdouro, muito ao contrrio. Apenas, no nos parece que deva ser considerado como nosso nico ou mximo objetivo, nem como aquele que melhor traduz a real dinmica de nosso tipo de atividade.

    CP Partindo desta inteno, como voc avalia seus resultados e consequncias?

    EVC Os resultados at agora foram parcos, mas muito promissores. O AmaZone um actante que est em vias de se transformar em um

    A O

    N

    A E

    A D

    IFE

    RE

    N

    AP

    ED

    RO

    DE

    NIE

    ME

    YER

    CE

    SA

    RIN

    O

    cp_revista_ed3_miolo.indd 26cp_revista_ed3_miolo.indd 26 19.12.07 17:33:1919.12.07 17:33:19

  • 27

    ator no cenrio da produo de conhecimento etnolgico. Mas creio que seria preciso militar explicitamente para que se difundissem mais essas formas de autoria mltipla melhor, de multiplicidade autoral distintas do esquema da lista hierrquica de co-autores, to caracterstico das cincias duras que so listas s vezes mais compridas que os artigos que elas encabeam, e infelizmente, s vezes tambm mais informativas que os mesmos.

    CP Quais so as possibilidades de produo de um conhecimento livre ou independente nos dias de hoje? A academia e/ou a internet podem ser arenas para isso?

    EVC A internet pode ser. A academia, muito menos. As malhas da internet so mais largas que as malhas da rede acadmica, ainda que a academia sempre tenha funcionado segundo alguns dos princpios que depois vieram a caraterizar a internet. Os controles acadmicos tm algumas funes teis, mas muitas funes deletrias. O sistema de peer review est em crise; a injuno do publish or perish est se revelando cada vez mais o que sempre foi: uma cretinice economicista que produz uma legio de artigos irrelevantes, padronizados, completamente vazios de idias. A publicao em papel comea a mostrar suas limitaes econmicas, logsticas, ecolgicas. Conhecimento exige rapidez de um lado e pacincia do outro. A academia est chegando a um ponto em que no consegue a primeira nem permite a segunda. E aqui encerro com uma citao do maravilhoso Bento Prado Jr, que tanta saudade vai deixando, em Sartre e o destino histrico do ensaio (2005): preciso ler e reler os ensaios de Sartre. preciso faz-lo sem pressa, muito devagar, para poder retomar a questo, agora em nova forma, j que no se pode mais falar sequer de uma crise do ensaio. Esse gnero est, hoje, em estado terminal, agonizante. Ele foi substitudo pelo gnero trash do paper (logo logo poderemos adquirir ready-made papers nas lojas de convenincia), inventado pela Universidade Norte-Americana (segundo o lema publish or perish) e multiplicado pela indstria dos congressos de fi losofi a no Mundo Globalizado.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 27cp_revista_ed3_miolo.indd 27 19.12.07 17:33:1919.12.07 17:33:19

  • J.ERIGLEIDSON

    (FOTO CLUBE CANDANGO)

    Srie Inspirao

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 28cp_revista_ed3_miolo.indd 28 19.12.07 17:33:1919.12.07 17:33:19

  • 29

    ARTUR RENWICK

    MOTAVATO

    Exposio Delegates

    chiefs of the earth

    and the sky.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 29cp_revista_ed3_miolo.indd 29 19.12.07 17:33:3419.12.07 17:33:34

  • ME

    RG

    ULH

    AD

    OR

    :U

    MA

    PR

    OP

    OS

    TA

    SERGIO COHN

    SERGIO COHN EDITOR

    DA REVISTA AZOUGUE

    E POETA, AUTOR DE

    O SONHADOR INSONE

    (AZOUGUE, 2006),

    HORIZONTE DE EVENTOS

    (AZOUGUE, 2002)

    E LBIO DOS AFOGADOS

    (NANKIN, 1999).

    cp_revista_ed3_miolo.indd 30cp_revista_ed3_miolo.indd 30 19.12.07 17:33:4119.12.07 17:33:41

  • 31

    O PROJETO MERGULHADOR REUNIR NUM S PORTAL

    DE INTERNET DIVERSAS REVISTAS DE CULTURA QUE

    SO EDITADAS POR GRUPOS DE JOVENS ARTISTAS

    E INTELECTUAIS DE TODO O BRASIL E VM SE

    AFIRMANDO NOS LTIMOS ANOS COMO ALTERNATIVAS

    MESMICE

    A partir da dcada de 1990, ocorreu no Brasil uma renovao do pensamento sobre arte e cultura contempornea por novos autores que encontraram em revistas independentes e especiali-zadas o espao para uma refl exo crtica e atuante. Publicaes impressas ou virtuais como Nmero e Item, de artes plsticas, Azougue, Coyote e Rascunho, de literatura, Contracampo, Pais e Cintica, de cinema, Vintm e Sarrafo, de teatro, e Sexta-feira, de antropologia e cultura, conquistaram importncia central no debate cultural, tornando-se referncias de qualidade e inter-veno cultural. Mesmo com baixas tiragens e distribuio local, infl uenciaram de maneira decisiva as artes para as quais se vol-taram. Nessas revistas foi possvel a criao de uma linguagem que, ao se encontrar entre a produo acadmica especializada e a agilidade da grande mdia, permitiu a produo de textos que uniam flego crtico e acessibilidade ao grande pblico.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 31cp_revista_ed3_miolo.indd 31 19.12.07 17:33:4319.12.07 17:33:43

  • 32

    No entanto, ainda no se constituiu no Brasil um espao que permita a interao entre os pensamentos e as prticas das diversas reas artsticas e as manifestaes de diferentes regies do pas. Os motivos disso so vrios, passando pela escassez de recursos e pela tendncia de especializao da cultura contempornea. E o resultado uma atomizao cultural, que difi culta o dilogo entre as diversas reas, tanto na criao quando na viabilizao econmica. Um espao de debate como este permitiria no apenas a troca de informaes e pesquisas estticas como de experincias de polticas de produo cultural entre as diversas artes, possibilitando a adequao destas para as necessidades de cada rea cultural.

    As revistas independentes de cultura possuem em comum a difi culdade para tornar vivel sua produo em longo prazo. Suas caractersticas baixa tiragem, ausncia de periodicidade, distribuio local as tornam veculos desinteressantes para a publicidade de mercado. E os projetos de fomento disponveis so elaborados no sentido de viabilizar apenas a produo de poucas edies das revistas, sem contemplar as questes fundamentais de acessibilidade e continuidade. Assim, no se criam alternativas de dis-tribuio e divulgao desses veculos culturais. A questo da continui-dade e da periodicidade central: seriam elas que possibilitariam no s assinantes e anunciantes fi is, como tambm a formao e fi delizao de um pblico leitor.

    Em resposta a esse cenrio, propomos a criao de um portal de Internet, intitulado Mergulhador, que pretende ser um espao de dilogo entre as diversas publicaes culturais em atividade no Brasil e uma alternativa de divulgao e distribuio de seus contedos para um pblico mais amplo. Esse portal ser formado inicialmente pelas revistas Nmero (artes plsticas), Sexta-feira (antropologia e cultura), Azougue (literatura), Vintm (teatro), Cintica e Contracampo (cinema) e Volta (msica). Todas elas publicaes de reconhecida qualidade e relevncia cultural. A direo do portal ser realizada pela produtora cultural Luiza Mello, da Automtica Produes, pela editora Martha Ribas, da Casa da Palavra, e por Sergio Cohn, editor da Azougue.

    O portal Mergulhador visa atuar nos seguintes pontos:

    1 Acessibilidade: O portal Mergulhador hospedar parte do contedo das revistas em pginas individuais. Muitas das publicaes ainda no possuem pginas na Internet, difi cultando o acesso ao seu contedo novo e anterior. O portal disponibilizar esse contedo ao pblico, em pginas individuais, independentes e customizadas. O portal visa tambm resolver outro problema de acessibilidade: mesmo as revistas virtuais encontram difi culdade para se tornarem visveis ao

    ME

    RG

    UL

    HA

    DO

    R:

    UM

    A P

    RO

    PO

    STA

    SE

    RG

    IO C

    OH

    N

    cp_revista_ed3_miolo.indd 32cp_revista_ed3_miolo.indd 32 19.12.07 17:33:4319.12.07 17:33:43

  • 33

    grande pblico, j que esto num meio por excelncia disperso. Ao criar um endereo com qualidade reconhecida, e ao somar as visitas das diversas revistas, o portal se potencializar em visibilidade.

    2 Interdisciplinaridade: O portal Mergulhador desenvolver contedo prprio, atravs das editorias das revistas. Esse contedo visar a criao de um dilogo entre as diversas reas culturais, atravs de debates temticos e questes comuns que sero tratadas e discutidas pelas revistas constituintes do projeto e por publicaes convidadas. A caracterstica multidisciplinar de Mergulhador atrair no apenas o pblico especializado, mas tambm interessados em geral, democratizando o debate sobre arte e cultura contempornea.

    3 Mapeamento: O portal Mergulhador ser tambm um instrumento de mapeamento das publicaes culturais existentes nas diversas regies do pas. um trabalho importante, j que muitas dessas publicaes, produzidas de maneira independente e com distribuio restrita, se encontram inacessveis mesmo nas bibliotecas pblicas e universitrias. Para isso, o portal ter um espao de divulgao e anlise crtica dessas publicaes, alm de convidar algumas delas para incluso nos debates temticos. Ser criado tambm um conselho consultivo, formado por notveis nas reas afi ns, para avaliao de outras revistas que podero ser includas como residentes no projeto.

    4 Distribuio: o portal Mergulhador permitir a distribuio das revistas em todo territrio nacional, atravs de livrarias, centros culturais e venda direta com envio pelo correio. A criao de uma distribuidora especializada em revistas culturais, ainda no existente no Brasil, permitir o barateamento do custo administrativo, com a concentrao de estoque, transporte e administrao, e agregar valor de mercado a esses produtos.

    5 Agenciamento: as revistas independentes no so, individualmente, produtos atraentes para as empresas interessadas em investir em patrocnio cultural. Embora possuam prestgio cultural, so publicaes pouco visveis ao grande pblico, com tiragem baixa e sem a garantia de periodicidade e distribuio. Muitas das publicaes no possuem uma editora ou produtora por trs, para dar chancela institucional. Para reverter isso, o portal Mergulhador ter produtores especializados, que atuaro na elaborao, agenciamento e administrao de projetos culturais voltados para a revista. Sero criadas,

    cp_revista_ed3_miolo.indd 33cp_revista_ed3_miolo.indd 33 19.12.07 17:33:4319.12.07 17:33:43

  • 34

    tambm, estratgias mais atraentes de incentivo para o mercado, como vendas de anncio casadas, patrocnios coletivos, que contemplaro grupos de revistas, e divulgao das marcas em diversos meios.

    6 Sustentabilidade: a idia do portal Mergulhador no a de se tornar o veculo nico das revistas residentes, mas possibilitar a permanncia destas como veculos independentes. Assim, Mergulhador no visar apenas a comercializao e o agenciamento das revistas, mas tambm as remunerar pelos servios prestados ao portal, tais como a disponibilizao dos contedos e a criao de textos especfi cos. Cada revista funcionar como uma editoria. O portal Mergulhador, atravs dos recursos recebidos de seus patrocinadores e anunciantes, pagar um pr-labore mensal fi xo para as revistas. Em contrapartida, todas as revistas traro as logomarcas dos patrocinadores, tornado assim o portal e as publicaes um produto cultural atraente. Esse pr-labore possibilitar a publicao de edies quadrimensais das revistas, criando periodicidade e permanncia, e assim as tornando veculos mais atraentes para anunciantes.

    O projeto do portal Mergulhador inclui tambm a criao, em mdio prazo, de uma publicao impressa mensal de cultura, de ttulo Mergulha-dor, que trar o contedo especfi co criado pelas diversas editorias. Essa publicao, com distribuio em centros culturais e universidades, visar a divulgao e a anlise das manifestaes culturais das diversas regies do pas.

    Assim, acreditamos que a constituio de um coletivo de revistas culturais, o portal Mergulhador, ser de fundamental importncia para o desenvolvimento e a difuso do pensamento crtico e para a conseqente transformao das artes e da cultura brasileira.

    ME

    RG

    UL

    HA

    DO

    R:

    UM

    A P

    RO

    PO

    STA

    SE

    RG

    IO C

    OH

    N

    cp_revista_ed3_miolo.indd 34cp_revista_ed3_miolo.indd 34 19.12.07 17:33:4419.12.07 17:33:44

  • 35

    ELDA HARRINGTON

    LA CALLE DE

    LOS MILAGROS

    Exposio Pero en

    las grietas est Dios

    que acecha.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 35cp_revista_ed3_miolo.indd 35 19.12.07 17:33:4419.12.07 17:33:44

  • BLO

    OK

    S: A

    PR

    OD

    U

    O

    LI

    TER

    R

    IA N

    A E

    RA

    D

    A IN

    TER

    NE

    TE

    NTR

    EVI

    STA

    CO

    M H

    ELO

    SA

    B

    UA

    RQ

    UE

    DE

    HO

    LLA

    ND

    A

    cp_revista_ed3_miolo.indd 36cp_revista_ed3_miolo.indd 36 19.12.07 17:33:4419.12.07 17:33:44

  • 37

    PARA HELOSA BUARQUE DE HOLLANDA,

    CURADORA DA RECENTE EXPOSIO BLOOKS NO

    RIO DE JANEIRO, A LITERATURA DE BLOG UM

    VECULO NOVO DE CRIAO E EXPERINCIA CULTURAL

    Inquietao e abertura ao novo. Esses traos marcaram toda a trajetria da professora de literatura Helosa Buar-que de Hollanda (UFRJ), autora de um conjunto de livros-referncia que abarcam desde as relaes entre cultura e poltica Impresses de viagem CPC, vanguarda e desbunde (1979); Cultura e participao anos 60 (1982), passam pelo dilogo entre literatura e cinema Macunama: da literatura ao cinema (1978), e mais recentemente trataram da questo feminina e dos gneros Ensastas brasileiras (1993); Hori-zontes plurais novos estudos de gnero no Brasil (1998). Como intelectual, porm, ela nunca limitou sua atuao entre as quatro paredes da sala de aula e conquistou muito cedo um lugar reconhecido no debate cultural, seja escrevendo para a grande imprensa, seja organizando o prprio fl uxo das informaes e idias, jogando luz sobre o que ainda

    cp_revista_ed3_miolo.indd 37cp_revista_ed3_miolo.indd 37 19.12.07 17:33:4419.12.07 17:33:44

  • 38

    no estava evidente. o caso de sua antologia 26 poetas hoje (1976), que marcou poca ao revelar para um pblico mais amplo poetas como Ana Cristina Csar, Cacaso, Armando Freitas Filho, Francisco Alvim e Chacal. Helosa aposta agora em um novo veculo de experimentao cultural, que tem sido chamado, um tanto imprecisamente segundo ela, de literatura de blog. A experincia espalhou-se mundo afora e tem sido criticada por tericos como Andrew Keen, que lanou recentemente o livro The cult of the amateur: how todays internet is killing our culture (O culto do amador: como a internet de hoje est matando a nossa cultura) e para quem grande parte das informaes da web simplesmente no confi vel. Longe de ser

    apocalptica e muito menos integrada para usar os termos de Umberto Eco , Helosa Buarque de Hollanda no tem dvidas de que existe vida inteligente na literatura de blog e props a dois jovens poetas, Bruna Beber e Omar Salomo, um levantamento que a permitiu organizar a exposio Blooks no Rio de Janeiro (entre 08 e 30 de setembro de 2007). A seguir, ela fala do que foi a experincia.

    Cultura e Pensamento Como surgiu a idia da exposio Blooks?

    Helosa Buarque de Holanda A idia da Blooks veio de uma certa desconfi ana e mesmo intolerncia da critica literria com a produo e com a linguagem desenvolvida na internet. Eu acredito sempre que as novas formas culturais esto fermentando e sendo gestadas nas margens do mercado cultural tradicional. Por isso fi z minha tese sobre a poesia marginal dos anos 70, depois me apliquei na produo cultural da mulheres e dos negros e mais recentemente das perspectivas que apontam tanto no territrio das novas tecnologias quando nas vozes cidas e cheias de marra que esto chegando com fora total vindas das periferias. Fui ento ver com mais cuidado e sem pressupostos formados a literatura da web. Surpresa total. O grau de criatividade, possibilidades abertas para a experimentaco da linguagem, a vizinhana com outras mdias que se cruzam e, principalmente, se contaminam de forma recorrente na web abre um espao de criao novo para a literatura que esta nunca conheceu antes. Acho incrvel certas reaes contrrias que vem esses fenmenos como desaprendizado, como corrupo da lngua, da norma culta. Pode ser at que os blogs mais pessoais tenham inventado seu dialeto prprio, o que absolutamente normal em qualquer comunidade jovem. Mas no campo da literatura mesmo, no d para no considerar a abertura gigantesca que a internet proporcionou para os criadores de poesia e fi co.

    EX

    PL

    ICIT

    AR

    A

    DIM

    EN

    S

    O E

    ST

    T

    ICA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 38cp_revista_ed3_miolo.indd 38 19.12.07 17:33:4419.12.07 17:33:44

  • 39

    CP Como foi o processo de curadoria e organizao do material?

    HBH Eu inicialmente no acreditei ser capaz de avaliar a literatura hospedada na web corretamente, abrindo mo de todos os meus parmetros de professora de letras. Ento chamei para me ajudar dois poetas jovens e que tm grande intimidade com o assunto, alm de serem excelentes poetas: Omar Salomo e Bruna Beber. A primeira escolha foi deles. Mas qual no foi minha surpresa ao ver que em nada essa literatura fi ca a dever da impressa. Meus critrios ainda valem, me parece, para viajar tranquilamente pelos blogs literrios O que s vai comprovar a hiptese de que no h uma literatura de internet, mas sim uma literatura que utiliza os recursos mltiplos da internet, inclusive um que reputo importantssimo que a troca entre poetas e escritores, a crtica mtua, a recepo imediata de uma obra ainda em processo, o acesso a outros produtores jovens, enfi m, uma vitrine e um espao de visibilidade com o qual nenhum poeta ou escritor antes havia imaginado para si.

    CP A diversidade de prticas literrias, auxiliada pelas novas mdias, estaria encaminhando a literatura nova para aquele territrio

    verbivocovisual que era a meta dos poetas concretos?

    HBH Certamente isso tende a acontecer. Mas no ser a norma, provavelmente. O que fascina na internet a variedade de recursos disponveis e, conseqentemente, a pluralidade estilistica e instrumental dessa produo. De qualquer forma sempre penso que Haroldo de Campos merecia estar vivo hoje para assisitir e intervir nessa nova produo.

    CP Voc tem dito que no existe literatura de blog, existe a literatura. Nesse caso, o meio no modifi caria em nada a mensagem. Voc poderia explicar melhor?

    HBH Acho que j falei um pouco disso nas respostas anteriores. Mas claro que o meio modifi ca a mensagem. H.D.Mabuse, um dos intelectuais mais audaciosos do momento e criador do projeto RECOMBO, tem uma frase glosando McLuhan que acho simplesmente genial. Diz ele: o software o contedo. A literatura est utilizando amplamente os recursos e as possibilidades abertas pelo ambiente da internet. O que no concordo com uma linha de critica que quer guetifi car essa literatura como uma coisa menor. A literatura de blog,

    cp_revista_ed3_miolo.indd 39cp_revista_ed3_miolo.indd 39 19.12.07 17:33:4419.12.07 17:33:44

  • 40

    isso no creio que exista, pelo menos a partir do que venho lendo na web e nos blogs poticos. uma literatura que no deixa nada a dever literatura em papel. claro que temos muita coisa de qualidade ruim, o que no muito diferente da quantidade de coisa ruim impressa tambm Entretanto, acho sim que os blogs enquanto instrumento de convivncia, pertencimento e socializao so um fenmeno extremamente interessante e que deve ser estudado sem sombra de dvida. Mas, nesse caso, ou seja, no caso de promover um entendimento da linguagem desenvolvida nos blogs pessoais, os estudiosos de literatura que me perdoem, os instrumentos disponveis nos estudos literrios no vo ser de grande utilidade

    CP A facilidade de acesso a textos desde clssicos da literatura mundial at autores inditos perceptvel de algum modo na literatura contemplada pela exposio? De algum modo, isso no libertaria o escritor novo de referncias muito marcadamente nacionais, refl etidas na precariedade de nossas bibliotecas e, at certo ponto, de nosso mercado editorial?

    HBH Voc tocou num ponto essencial. Minha maior surpresa foi o grau de conhecimento da tradio literria e artstica expresso nos subtextos dos jovens poetas e fi ccionistas. O quadro de referncia cultural desta nova gerao surpreendente e no duvido que isso tenha sido proporcionado pelo acesso fcil que a internet promove ao conhecimento.

    CP Voc foi uma pessoa fundamental, no sentido de fazer vir luz e organizar todo um campo, para a divulgao da chamada poesia marginal. Basta lembrar a antologia 26 poetas hoje (que, alis, tinha gente muito diferente entre si), que divulgou o trabalho de poetas como Cacaso, Ana Cristina Csar, Francisco Alvim, Chacal, etc. O que essa nova gerao revelada por Blooks tem em comum?

    HBH Acho que essa gerao de Blooks tem em comum uma ateno bem critica de seu contexto, pouca preocupao com o prprio umbigo, e uma ateno diferenciada e mltipla. Dou sempre como exemplo uma frase da Ceclia Gianetti, hoje conhecida escritora mas que veio tambm dos blogs, que me disse que, sem seis janelas abertas no computador, ela entra em angstia um pouco isso que eu queria dizer: essa gerao tem uma percepo neurologicamente diferenciada da minha. Ela capaz de se sintonizar em vrios estmulos ao mesmo tempo sem

    EX

    PL

    ICIT

    AR

    A

    DIM

    EN

    S

    O E

    ST

    T

    ICA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 40cp_revista_ed3_miolo.indd 40 19.12.07 17:33:4519.12.07 17:33:45

  • 41

    perda da ateno e sem se dispersar. Isso provavelmente ser a marca do novo estilo que comea a emergir com fora e vitalidade na web.

    CP O que mudou na literatura, na literatura brasileira e em voc mesma de l para c?

    HBH No muito. O contexto do campo e do mercado literrio que sofreram uma mudana radical. E a literatura responde a isso. Mas no me parece que isso seja alguma transformao propriamente na

    essncia do literrio (se que isso existe). E sim das estratgias de criao e comercializao deste produto. A literatura hoje conta com mais recursos para a criao, o mercado tende a ser forado a criar solues de barateamento do livro, ou a criar novas formas para sua comercializao, o que excelente. E a literatura comea (como as demais artes) a se expandir em articulaes extremamente criativas com aquilo que seria no-literrio. O HQ, hoje considerado a oitava arte, um bom exemplo disso. Por isso talvez esteja chegando a hora de parrmos de atentar para o especfi co literrio e comear a prestar redobrada ateno a uma nova noo, mais adequada para o momento, que a de prticas literrias.

    Esta pergunta termina me pedindo para dizer o que mudou em mim da poca dos marginais at esse momento de Blooks. Constato, com tristeza, que no mudei muito, pelos menos tanto quanto gostaria de ter mudado. Dos marginais aos Blooks, continuo apostando nas margens, no que ainda no legtimo. No que a critica desconfi a. Uma carreira desde o comeo marrenta, sem grandes melhoras.

    CP Ouve-se s vezes por a que a internet vai acabar com a literatura. E acrescentaria, com o livro tambm. Isso corresponde a alguma experincia de fato ou apenas um temor de apocalpticos?

    HBH Acho que no chega nem ser um temor. Me parece mais um velho cacoete. Isso foi dito com a chegada da fotografi a, do cinema, da televiso, da internet. Em nenhum dos casos a previso terrorista se confi rmou. Pelo menos nesse inicio de sculo (quase 50 anos depois da inveno da internet) o livro vem se dando muito bem

    cp_revista_ed3_miolo.indd 41cp_revista_ed3_miolo.indd 41 19.12.07 17:33:4519.12.07 17:33:45

  • CLAUDIA JAGUARIBE

    BIBLIOTECA

    Exposio Quando eu vi.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 42cp_revista_ed3_miolo.indd 42 19.12.07 17:33:4519.12.07 17:33:45

  • 43

    ZIG KOCH

    PARANA-

    TUMUCUMAQUE

    Exposio Parque

    Nacional das Montanhas

    de Tumucumaque.

    FOTO ARTE 2007/divulgao.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 43cp_revista_ed3_miolo.indd 43 19.12.07 17:33:5319.12.07 17:33:53

  • ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    ALH

    AR

    C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    ULA

    R-C

    OM

    ER

    CIA

    L N

    O B

    RA

    SIL

    ?

    WALTER GARCIA

    WALTER GARCIA

    MSICO E PROFESSOR

    DA PUC-SP. AUTOR DE

    BIM, BOM A CONTRADIO

    SEM CONFLITOS DE JOO

    GILBERTO (PAZ E TERRA,

    1999). COLABORA

    NA REA TEATRAL PARA

    A COMPANHIA DO LATO

    E A COMPANHIA DO FEIJO.

    cp_revista_ed3_miolo.indd 44cp_revista_ed3_miolo.indd 44 19.12.07 17:34:0119.12.07 17:34:01

  • 45

    EST MAIS DIFCIL TRABALHAR COM MSICA

    POPULAR-COMERCIAL DO QUE J FOI? EMBORA A

    RESPOSTA DEPENDA DO LUGAR QUE SE OCUPA NO

    MERCADO, COMO REGRA, CREIO QUE NO VIVEMOS

    HOJE UM MOMENTO ACENTUADAMENTE PESSIMISTA.

    AS NOVAS TECNOLOGIAS DE PRODUO, QUE VM

    BARATEANDO OS CUSTOS, AS POSSIBILIDADES DE

    DIFUSO E DISTRIBUIO VIA INTERNET E AT MESMO

    AS RESTRITAS E RESTRITIVAS VERBAS DE PATROCNIO

    SUSTENTAM UM OTIMISMO CLARAMENTE NO-

    HEGEMNICO, NADA EFUSIVO, MAS AINDA ASSIM

    DISSEMINADO Quando comeou a trabalhar com msica, Tom Jobim ouviu que provavelmente morreria pobre, tuberculoso e na sarjeta, extenuado de correr atrs do aluguel tocando piano em inferninhos. E tambm que deveria seguir com Chopin, Rachmaninoff, em vez de perder tempo com sambi-nhas, entre bbados e prostitutas. O jovem Chico Buarque, logo aps o repentino e estrondoso sucesso de A banda, afi rmou que comearia a se preparar para o vestibular numa Faculdade de Letras. At viver com mulher e fi lha na Itlia, entre 1969 e 1970, tomando distncia da repres-so da ditadura militar, acreditava que suas canes no lhe garantiriam uma carreira profi ssional duradoura. Mas achava divertida a rotina de artista, s vezes enfrentada sem rigor profi ssional nenhum. Mesmo ao voltar do exlio, sua babagem para show de um dia s, em qualquer cidade,

    cp_revista_ed3_miolo.indd 45cp_revista_ed3_miolo.indd 45 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 46

    era uma sacola plstica; dentro dela, uma escova de dentes, a pasta e uma camisa. Depois que os shows lhe causariam mais nervosismo que diverso. J os Mutantes se divertiam em programas de tev e estdios de gravao, na dcada de 1960, e estrelavam campanhas publicitrias como se tudo fosse uma brincadeira.

    Qualquer tempo passado foi melhor? Ou se tornou mais fcil, de l para c, trabalhar com cano popular-comercial no Brasil, ingressar no mercado, afi rmar-se e sobreviver, quem sabe, com alguma boa folga? Cada um dos trs Mutantes assinalou um caminho profi ssional diverso, enquanto o grupo ia se modifi cando, at fi ndar. Trata-se de fatos bem conhecidos, mas no seria desinteressante analis-los. Deixando de lado determinaes de ordem pessoal, a trajetria de Rita Lee, a de Arnaldo Baptista, a de Srgio Dias e a forma como o grupo reapareceu h pouco poderiam indicar aspectos cons-titutivos do mercado da cano, o qual no est mesmo para brincadeiras, se que esteve antes.

    Chico Buarque viu suas canes e seus romances serem estudados nas faculdades de letras. Tambm digno de estudo seria o fato de Carioca, praticamente s com novas composies, sair em 2006 pela Biscoito Fino, enquanto a srie de DVDs que organiza a nada provisria carreira de Chico lanada por uma major, EMI. Leve-se em conta ainda que seus shows permanecem lotados, segundo a grande imprensa, apesar (ou por causa?) do alto preo dos ingressos, objeto de alguma contestao. Para o artista, cabe agora negociar: O pblico quer ouvir msicas velhas e eu quero cantar msicas novas. Ento, quando eu fao show, canto metade do show para satisfao pessoal e a outra metade, para o pblico. E fi camos quites.

    Tom Jobim, em 1994, negou a autoria de uma frase a ele atribuda e que se tornara clebre: a melhor sada para o msico brasileiro o aeroporto do Galeo. Eu jamais disse isso. E nem acho isso, eu acho que tem grandes msicos vivendo muito bem aqui no Brasil, cantores, cantoras, fazendo muito sucesso aqui no Brasil. Todavia, dois anos antes afi rmara: Que assombro ver um pas musical como o nosso, mas onde os msicos no podem viver!.1

    Retomemos a pergunta: est mais difcil trabalhar com msica popu-lar-comercial do que j foi? Embora a resposta dependa do lugar que se ocupa no mercado, como regra, creio que no vivemos hoje um momento acentuadamente pessimista. As novas tecnologias de produo, que vm barateando os custos, as possibilidades de difuso e de distribuio via internet e at mesmo as restritas e restritivas verbas de patrocnio susten-tam um otimismo claramente no-hegemnico, nada efusivo, mas ainda assim disseminado.

    ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    AL

    HA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    UL

    AR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    AS

    IL?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 46cp_revista_ed3_miolo.indd 46 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 47

    O MERCADO IDEALMas certo que, h mais ou menos dez anos, o otimismo parecia mais

    slido. Se no estou equivocado, foi durante o perodo em que se venderam discos no Brasil como nunca. O patamar de 1 milho de cpias deixara de ser fi co para as majors, conforme anunciavam jornalistas, e as vendas monstruosas eram todas de produtos brasileiros. Um jornal anunciava quem eram os vencedores, em 1996, classifi cando-os como num supermercado e usando de uma ironia tpica da imprensa (forma de aparentemente se distanciar daquilo que lhe mais ntimo?): o scio de carteirinha, Roberto Carlos, o sertanejo de Zez di Camargo e Luciano, o pop do Skank [com dois discos], o samba de Martinho da Vila, a trilha de O Rei do Gado e o bumbum do o Tchan.2 Talvez o Mamonas Assassinas merecesse ser includo na lista, no sei bem em qual prateleira. At maro daquele ano quando houve o acidente com o avio em que viajava , o grupo vendera 1,8 milho de cpias em oito meses (recorde para um disco de estria; at onde sei, a marca no foi superada).3

    O segmento MPB, rtulo com maior prestgio no mercado brasileiro, atingiria o patamar com Prenda minha, de Caetano Veloso, gravado ao vivo

    um formato de sucesso e lanado em 1998. Ao ultrapassar 1 milho de cpias, foi o CD de maior vendagem na carreira de Caetano (refi ro-me aos meses de lanamento, de acordo com o que foi noticiado; mesmo porque, difcil informar-se sobre as vendas de um disco brasileiro ao longo de dca-das). Nele est Sozinho (Peninha), includa em Suave veneno, uma novela das 8 da Rede Globo. E tambm regravaes e interpretaes de canes alheias, em sua maioria j conhecidas pelo pblico do show que participa aplaudindo no s ao fi nal das execues, mas tambm aos primeiros versos reconhecidos ou, mais genericamente, pelo consumidor de MPB.

    H ainda uma faixa em que Caetano l um trecho de seu livro Verdade tropical, publicado em 1997, no qual se fala de Gilberto Gil, moo, apare-cendo na televiso e sendo saudado por Dona Can. O livro tambm est em duas fotos do CD. Caso fosse bem examinado, o produto esclareceria os contornos do segmento de mercado, apesar do conhecido repdio de Caetano Veloso sigla MPB. No perodo de lanamento, o que pareceu mais saliente foi o acerto comercial do disco. Mas, numa tentativa rasa de sistematizao e reiterando o que j se observou, diga-se que o disco se apresenta como o recorte da carreira bem-sucedida de um trabalhador que atua, desde a Tropiclia nos anos 60, em vrias frentes: compositor, cantor e msico, bastante talentoso e carismtico em tudo isso; pensador com grande capacidade crtica; e personagem da mdia com grande capa-cidade para se promover, o que feito de modo ostensivo. Estando todos esses trabalhos, com seus fundamentos artsticos, refl exivos ou comerciais,

    cp_revista_ed3_miolo.indd 47cp_revista_ed3_miolo.indd 47 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 48

    absolutamente misturados, fi ca complicado examinar as partes e avaliar o efeito fi nal da mistura.4

    Quanto aos pequenos selos, faria histria Sobrevivendo no inferno do Racionais MCs, lanado em 1997 pelo independente Cosa Nostra e distri-budo pela Zambia, empresa criada para levar o CD ao mercado: em quatro semanas, 200 mil cpias vendidas; no ano seguinte, meio milho, sem falar de premiaes na MTV. Se fosse para uma prateleira, seria a de rap. De modo algum isso daria conta, entretanto, do valor do produto.

    Trata-se do mais alto nvel artstico alcanado no mercado fonogrfi co naquele perodo e de uma das principais realizaes da cano popular-comercial no Brasil. Faz uma sntese aprofundada, na e pela cano, da experincia de viver nas grandes cidades brasileiras ao fi nal do sculo XX. Ou seja, dali em diante o trabalho do Racionais se afi rmaria defi nitivamente como padro para quem se sente atrado pela qualidade artstica da cano, inclusive por sua relao com a quantidade de consumo. Sem qualquer exagero, Sobrevivendo no inferno no interessa somente a ns, que vive-mos a Histria que ali se condensa, de forma crtica e de modo a atingir a nossa sensibilidade. Enquanto obra de arte que , o disco permanecer interessando ao longo do tempo.5

    Parecia assim que o mercado brasileiro se agigantava, entre 1994 e 1998, de um jeito que nele todo msico acharia espao, cada qual ocupando um lugar digno. No mercado paulistano (que acompanho mais de perto), os shows do Karnak, o primeiro disco do grupo, lanado pelo selo Tinitus em 1995, e o clip de

    Comendo uva na chuva (Andr Abujamra), veiculado na MTV, entusiasmavam o chamado pblico formador de opinio, isto , classe-mdia, universitrio, ligado imprensa. Vou simplifi car as coisas: parecia assim que todo msico acabaria se destacando na tev, e no apenas durante aqueles 15 minutos famosos. A dvida, se que havia, talvez fi casse por conta da conhecida relao faixa de consumo/grade de programao: meu target garantiria horrio nobre para meu produto ou seria melhor mudar de pblico e de apelo?

    Adiante retomarei a dvida. Por ora, de se lembrar que no se tratava de um crescimento apenas do mercado fonogrfi co. Em meio euforia do Plano Real, uma agncia de publicidade descobriu como possvel vender tanto televisor, geladeira, celular e outros bens se a renda individual brasileira to baixa (o censo de 2000 apontou que 51,9% dos trabalhadores recebiam at dois salrios mnimos; mais de dez salrios mnimos, apenas 7,7%):

    o Brasil muito pobre na renda individual e razoavelmente desenvolvido em nvel de renda familiar. As pessoas se juntam e compram apartamento, televiso, telefone.6

    No discutirei aspectos que requerem conhecimentos de que no dis-ponho, pois no sou economista: a expanso do credirio para as classes

    ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    AL

    HA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    UL

    AR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    AS

    IL?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 48cp_revista_ed3_miolo.indd 48 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 49

    D e E no quadro do capitalismo fi nanceiro; o vnculo entre o aumento da fi nanceirizao da economia e as baixas taxas anuais de crescimento do PIB brasileiro durante a euforia do Plano Real; os efeitos do baixo desempenho econmico sobre a distribuio e a concentrao de renda; a integrao informal e a autnoma ao mercado de trabalho como conseqncias do desemprego. Vou-me limitar a nmeros do negcio da cano. Em relao ao mercado mundial de discos, na virada de 1978 para 1979 o Brasil alcanou o 5 lugar, melhor posto at hoje. Aproximou-se novamente da colocao naquele feliz 1996 quando, aps trs anos de aumento no consumo, subiu do 13 para o 6 lugar. O setor formal hegemnico vendeu, naquele ano, 100 milhes de cpias, segundo a Federao Internacional dos Produtores Fonogrfi cos, e seu faturamento de US$ 1,3 bilho representou mais da metade do total latino-americano, US$ 2,4 bilhes.

    verdade que no durou muito tal proeminncia, logo a seguir chamada de bolha. J em 2001, caa-se do 7 para o 12 lugar. Depois se perdeu essa colocao, retomada em 2004, quando o movimento fi cou na casa dos R$ 706 milhes e venderam-se cerca de 66 milhes de unidades. E tambm verdade que o consumo mundial de produtos da grande indstria da cano diminuiu como um todo, a partir de 2001. Sabe-se que as majors identifi cam a pirataria como responsvel n 1 pela crise. A luta contra a reproduo indiscriminada de formatos digitais no se assemelha ao feiticeiro que j no consegue dominar as potncias demonacas que evocara? 7

    Esqueamos a pergunta e ampliemos um pouco o foco. O censo brasileiro de 2000 apontava, desde 1991, aumento de 86,9% para 93% no nmero de domiclios com energia eltrica. Domiclios com rdio, em 2000, eram 87,4%. Com televiso, 87%. A populao j passava de 169 milhes de habitantes (169.799.170), nas cidades vivendo 81,1% (cerca de 138 milhes). No se dispunham de informaes sobre o nmero de aparelhos de som. A confi ar em uma estimativa jornalstica, porm, entre julho de 1994, incio do Real, e os primeiros meses de 1998, algo como 20 milhes de aparelhos de som (incluindo CD players e rdio-gravadores) foram vendidos.8 Creio que o quadro aqui retomado, mesmo que bastante incompleto, seja sufi ciente para os objetivos deste artigo. A sua anlise, contudo, requer antes um novo recuo.

    O IDEAL DO MERCADONa dcada de 1970, o predomnio da msica estadunidense nas pro-

    gramaes das rdios e a grande quantidade de discos aqui produzidos com matrizes estrangeiras estavam no centro dos debates sobre o mer-cado brasileiro de canes. Discutia-se a taxao das cpias fabricadas com matriz importada. Afi rmava-se que as empresas multinacionais agiam

    cp_revista_ed3_miolo.indd 49cp_revista_ed3_miolo.indd 49 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 50

    apenas segundo o interesse fi nanceiro, o que provocava estranheza e at mesmo indignao; corretas, no meu modo fora de moda de avaliar. Quer dizer, vigorava a idia de que a arte possui uma substncia e a cultura de tradio oral, uma dinmica que no se confundem com a produo em escala industrial e com a mera prtica mercantil, embora todas essas coisas no sejam incompatveis. Acontece que o crculo ento fi rmado entre as grandes gravadoras e os meios de comunicao de massa se consolidava com base na profi ssionalizao dos negcios.

    O que se entendia por isso? De um lado, buscavam-se compositores e intrpretes brasileiros capazes de administrar suas prprias carreiras, profi ssionais que pensassem seriamente em gravar e vender amplamente. Os termos entre aspas foram ditos por um alto executivo imprensa, na poca.9 Em outras palavras, se os profi ssonais da cano tambm seriam artistas, se as suas obras desenvolveriam uma relao com o ouvinte para alm do descartvel, se palavras cantadas e demais sons comunicariam experincias que ampliassem a sensibilidade, a imaginao, a crtica, o conhecimento e, portanto, a prpria realidade as grandes gravadoras no tinham essas inquietaes como as mais relevantes, naquele perodo de crescimento do mercado. Alis, para se pesquisar em que medida e sob quais condies os objetivos artsticos e culturais existiram/existiro dentro da lgica das majors, em qualquer tempo, assunto que no ser abordado aqui com a extenso e a profundidade que merece.

    De outro lado, conforme: 1) o estgio tecnolgico; 2) a propriedade dos meios de produo; 3) a distribuio em lojas; de outro lado, repito, era mais fcil lucrar com um fonograma estrangeiro, cujas vendas no pas de origem ou em outros mercados j haviam coberto os custos, do que com uma nova gravao nacional, a qual implicaria investimento de mais capital e conseqentemente mais riscos. Dentre os riscos, havia a possibilidade de censura pelo governo militar. O paradoxo que ter uma cano censurada tambm podia conferir a compositor e/ou intrprete boas chances de difu-so e de consumo.

    Ainda que um tanto esquematicamente, toda essa situao pode ser exemplifi cada se observarmos trs estratgias que as gravadoras multina-cionais adotaram aps 1973. Foi quando a crise mundial do petrleo e o fi m do milagre econmico brasileiro ameaaram a expanso do mercado fono-grfi co, que vinha se dando de forma contnua. Entre 1965 e 1972, segundo a Associao Brasileira dos Produtores de Discos, houve um crescimento de 400% nas vendas do setor. Em 1965, tivera incio o programa Jovem Guarda, na TV Record de So Paulo. Um empresrio j afi rmou que, a partir dali, mais de 50% da execuo pblica passou a ser de msica brasileira. Ao fi nal da dcada de 1970, o crescimento mdio do mercado fonogrfi co

    ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    AL

    HA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    UL

    AR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    AS

    IL?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 50cp_revista_ed3_miolo.indd 50 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 51

    seria de 15% ao ano, apesar da infl ao e do aumento no preo dos discos. Vejamos como as multinacionais conseguiram manter a tendncia, aps uma nica desacelerao, em 1973, atribuda falta de matria-prima em quantidade sufi ciente.10

    Em fi ns de 1977, o ento presidente da WEA afi rmou imprensa que o sucesso nacional, quando ocorria, era sempre muito maior que o sucesso de qualquer lanamento internacional, dado que o artista brasileiro contava com uma faixa mais profunda de pblico. Na sua avaliao, o mercado para a msica brasileira representava 60% do mercado global de discos. As declaraes foram retomadas por Rita Morelli, em seu livro Indstria fonogrfi ca: um estudo antropolgico. Ela observa que a msica estaduni-dense, nos anos 70, liderava no segmento de pblico mais jovem que, recm integrado ao mercado e com menor poder aquisitivo, preferencialmente adquiria compactos simples, consumindo efmeros sucessos estrangei-ros. Esse segmento ainda adquiria, porm, compactos de brasileiros que no apenas compunham e interpretavam em ingls, mas tambm adotavam pseudnimos estrangeiros. Em outras palavras, havia uma tal demanda de canes em ingls no Brasil que compensava investir nesse tipo de produo.11

    A ttulo de curiosidade, fi cam aqui trs exemplos, pinados mais ou menos ao acaso em ABZ do rock brasileiro, guia de Marcelo Dolabela. O primeiro Morris Albert (Maurcio Alberto Kaiserman), autor e primeiro intrprete de Feelings. Recorro agora ao livro A cano no tempo, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Melo. Lanada em 1973, Feelings foi tema de Corrida do ouro, novela da Rede Globo que estreou no ano seguinte. A cano fez sucesso no s no Brasil como na Amrica Latina (Sentimien-tos, disco de ouro no Mxico) e nos Estados Unidos, onde vendeu mais de um milho de cpias (foi gravada por Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Dionne Warwick e Ray Coniff, entre outros). Aps tamanha repercusso, Morris Albert foi acusado de plgio. Uma corte estadunidense concedeu co-autoria ao francs Loulou Gast em 1987, enquanto a revista Time apontou que uma ria de Verdi bem poderia ser a fonte da melodia, e no a balada

    Pour toi. No tendo bases para avaliar nem a sentena nem a opinio da revista, transfi ro a questo para o presente. No estranha a semelhana de uma cano pop nacional com outra, seja pela repetio de frmulas j bem consumidas, seja pela cpia de modelos internacionais, basicamente estadunidenses ou ingleses. Mas no seria estranho o fato de o mercado parecer acostumado semelhana, no seria estranho o mercado desejar a semelhana, no seria estranho escutar, com freqncia, eu gosto de msica que eu conheo, eu gosto de msica que toca no rdio ou muita msica indita enche o saco?

    cp_revista_ed3_miolo.indd 51cp_revista_ed3_miolo.indd 51 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 52

    O segundo exemplo Michael Sullivan (Ivanilton de Souza Lima), o qual iniciou sua carreira solo com My Life, tema da novela O casaro, da Rede Globo, em 1976. O terceiro, Mark Davies, pseudnimo utilizado por Fbio Jr. na gravao de dois compactos simples.12

    Portanto, a primeira estratgia para enfrentar um possvel declnio na expanso do mercado fonogrfi co foi a reproduo de matrizes estrangeiras e a produo local de canes em ingls. A segunda, como j est anunciado, o investimento na cano brasileira. A fi m de melhor compreender esse ponto, todavia, necessrio observar o lugar do LP no quadro, em contraposio ao do compacto, acima referido.

    A principal fonte de renda das grandes gravadoras, na dcada de 1970, era obtida com o LP. Esse suporte difere de seu substituto, o CD, por uma srie de itens bem conhecidos; entre outros: processo de reproduo do som, embalagem e correspondente tratamento grfi co, custos de produo. O ltimo item, junto com fatores adiante comentados, determinou uma mudana fundamental na confi gurao do mercado hegemnico a partir dos anos 90. Nos 70, o LP se alinhava, em geral, entre os artigos oferecidos para as classes mais abastadas, tal como o primeiro ou o segundo automvel da famlia, o televisor em cores, a geladeira nova, algumas marcas de cigarro, os grandes empreendimentos imobilirios, o aparelho de som 3 em 1 de ltima gerao.

    Como se percebe, outra vez o mercado fonogrfi co no atuava margem. O programa econmico que levou ao chamado milagre pretendia, entre seus objetivos bsicos, fomentar e dirigir o processo de concentrao de renda (processo este inerente s economias capitalistas subdesenvol-vidas em geral) para benefi ciar os consumidores de bens durveis, isto , a minoria da populao com padres de consumo semelhantes aos dos pases cntricos, na anlise de Celso Furtado. Tal objetivo se relacionava estratgia do governo militar de atrair as grandes empresas transnacionais e fomentar a expanso das subsidirias destas j instaladas no pas. Da uma distribuio de renda concentrada, por assim dizer. Com o aumento da participao na renda dos 20% mais ricos, e sobretudo dos 5% mais ricos, o mercado se fortaleceu apresentando o perfi l de demanda mais atraente para as referidas empresas.

    E a verdade que o crescimento econmico prosseguiu, mantendo igual orientao, apenas diminuindo seu ritmo: entre 1967 e 1973, a mdia foi de 11,2% ao ano; entre 1973 e 1980, 7,1%. As bases industriais priorizavam a venda de produtos de maior valor agregado, ou seja, de consumo restrito s camadas de maior poder aquisitivo. Uma lgica que inspirou a mxima primeiro crescer, depois dividir. Vlida, ao que parece, no s para aquele perodo, uma vez que o Brasil fi cou em segundo lugar entre os pases que

    ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    AL

    HA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    UL

    AR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    AS

    IL?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 52cp_revista_ed3_miolo.indd 52 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 53

    mais cresceram no sculo XX, com mdia de 4,5% ao ano. De 1970 a 1973, alis, foi o pas que mais cresceu no mundo, com mdia de 4,9%.13

    No de se estranhar, assim, que durante os anos 70 a chamada MPB tenha se consolidado no mercado tendo como principal suporte o LP. certo que lanava tambm compactos, mas seu pblico majoritrio podia arcar com o gasto obviamente superior escolhendo o formato, digamos, mais completo. De passagem, note-se a contradio entre a resistncia ditadura militar que muitos emepebistas (produtores, mediadores culturais e consumidores) empreenderam e o fato de pertecerem s classes favorecidas pela poltica econmica; um tema rico, que ainda precisa ser melhor analisado. parte essa questo, necessrio no perder de vista a complexidade de alguns produtos de MPB que saem no perodo. H neles investimento artstico no desenvolvimento de lbuns que merecem ateno renovada. No falarei da parte grfi ca, completamente secundria ao que procuro discriminar. Refi ro-me ao gesto de no enfeixar canes aleatoriamente, de no sele-cionar hits (ainda que muitas faixas tenham se tornado; h quem jure que alguns desses lbuns so coletneas), de no forar participaes famosas e dispensveis mas que atraem consumidores, de no completar de qual-quer jeito o tempo que acompanha a cano de trabalho, de no tratar o Lado B como um banco de reservas. Acima de tudo, refi ro-me explorao de uma determinada esttica. Um investimento que torna objetivo para o ouvinte, na forma de uma cano e na relao entre as canes do LP, uma certa realidade emocional, muitas vezes em paisagem extensa e sempre recriada pela imaginao; e com potencial grande de crtica, uma vez que a realidade foi transfi gurada e o saldo fi nal humanizador.

    o caso, por exemplo, de A tbua de esmeralda (Jorge Ben, 1974), gua viva (Gal Costa, 1978), Amoroso (Joo Gilberto, 1977), Ara Azul (Caetano Veloso, 1973), Cantar (Gal Costa, 1974), Chico Buarque (1978), Clube da Esquina (Milton Nascimento e L Borges, 1972), Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento e muitos convidados, 1978), Elis & Tom (1974), Estudando o samba (Tom Z, 1976), Joo Gilberto (1973), Meus caros amigos (Chico Buarque, 1976), Pssaro proibido (Maria Bethnia, 1976), Refazenda (Gil-berto Gil, 1975), Transa (Caetano Veloso, 1972), Urubu (Tom Jobim, 1975). No se trata de uma lista top music, e sim de alguns exemplos, da a ordenao e o nmero de LPs. Apenas no citei mais de dois lbuns de um mesmo artista, para no ser cansativo, nem gravaes de shows, porque tm caractersticas prprias, e nem citei algum que no tenha iniciado carreira nas dcadas anteriores.

    No se deve confundir esttica com moda, e da o quesito novidade necessitar de cuidado numa avaliao desse tipo. recorrente, na literatura da poca, a idia de que esses produtos apresentavam estticas velhas,

    cp_revista_ed3_miolo.indd 53cp_revista_ed3_miolo.indd 53 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 54

    pois somente repetiam ou desdobravam o que a bossa nova, a MPB dos festivais, a tropiclia haviam feito. Como se uma dcada fosse um milnio, j se observou. Curioso que a radicalidade de lbuns como Ara azul e Ou no (Walter Franco, 1973) no obtiveram espao confortvel no mercado. Observe-se tambm que s mediante uma idia mais ou menos generalizada de diluio que as fronteiras antes ntidas entre cano de protesto e tro-picalismo, por exemplo ou entre sambinhas bossa-nova, peas sinfnicas de Tom Jobim, canes do clube da esquina , passaram a conviver dentro da mesma sigla. Infl uncia da estratgia de venda das gravadoras? Seja como for, e simplifi cando as coisas, esperava-se um novo movimento musical que, quando afi nal chega, acaba mais ou menos confi nado a So Paulo o grupo heterogneo formado por Arrigo Barnab e Banda Sabor de Veneno (apesar da imensa consagrao inicial), Itamar Assumpo e Banda Isca de Polcia, Premeditando o Breque ou Prem (apesar de vir a ser produzido por Lulu Santos dentro de uma major), Rumo, Tet Espndola (apesar do Festival dos Festivais da Rede Globo, do Globo Reprter, do fi lme Mnica e a Sereia do rio), entre outros msicos e cancionistas que lanam discos independentes no comeo dos anos 80, respondendo assim consolidao profi ssional do mercado, e que, mais tarde, so rotulados de vanguarda paulista.

    O investimento em msica brasileira no se resumia aos nomes con-sagrados da MPB, na dcada de 1970, responsveis por manter o consumo num bom patamar, de forma contnua. Nessa fase estrearam Ivan Lins, Gon-zaguinha, Djavan, Joo Bosco, Aldir Blanc, Simone, entre outros que foram incorporados sigla, mais cedo ou mais tarde. Tambm Raul Seixas, Secos & Molhados logo Ney Matogrosso seguiria sozinho , os Novos Baianos depois, separadamente, Moraes Moreira, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor. Em comum, o estabelecimento de relaes entre alguma forma de msica brasileira e alguma vertente do rock, o que no explica muita coisa, mas ajudava a identifi c-los no mercado. E Fagner, Belchior, Alceu Valena, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Z Ramalho As reticncias so propositais, porque a relao apenas sugere o que fi cou conhecido como boom nordestino. Antes dele, houve o boom do samba e o boom do choro. Ao fi nal da dcada, o boom da gafi eira. Engana-se quem pensa que o investimento macio em uma determinada moda de cano brasileira, durante um curto perodo, forosamente curto pela dinmica de qualquer moda exposio violenta de produtos que assombram o consu-midor, impelindo-o compra, e que se desgastam rapidamente, seja porque qualquer exposio demasiada satura o ouvinte, seja porque o interesse despertado semelhante ao de um trocadilho, seja porque o interesse est na exposio e no no produto foi inventada pela grande indstria de discos a partir dos anos 80.

    ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    AL

    HA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    UL

    AR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    AS

    IL?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 54cp_revista_ed3_miolo.indd 54 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 55

    Por outro lado, no incomum que da quantidade se extraia qualidade, embora se confi gure um esforo ingnuo imaginar que isso sempre acontea. Depende. Mas de fato a indstria fonogrfi ca, em seu trabalho de transfor-mar qualquer realidade local em objeto de consumo, isto , de transformar uma certa identidade cultural em padro de comportamento descartvel, muitas vezes faz circular canes interessantes por si mesmas, um golpe de sorte que decorre da riqueza da tradio oral e musical no Brasil. Naqueles booms, artistas e produtos artsticos pegaram carona. Um efeito colateral, se quisermos. Em que medida o prprio tamanho do mercado na poca ou a incipincia da tal profi ssionalizao contriburam para isso, seria til examinar. Fiquemos com alguns poucos exemplos.

    A fi m de no repetir nomes e ter de fazer ressalvas (a anlise fi ca para uma outra ocasio), volto-me para o caso do samba. Tanto servem de exemplo os dois primeiros discos de Cartola, lanados pela nacional Marcus Pereira Discos (em 1974 e 1976), quanto o terceiro e o quarto, pela multinacional RCA-Victor (em 1977 e 1979). Ou todos eles, pois o que se tem ali a expe-rincia de uma vida inteira depositada cuidadosamente nas canes. Outro exemplo poderia ser Nervos de ao, lbum de Paulinho da Viola de 1973. Em seu conjunto, uma verdadeira aula de samba enquanto tradio mvel, para utilizar uma expresso de Mrio de Andrade. Mas Paulinho est no mercado fonogrfi co desde os anos 60, e o boom do samba se daria a partir de 1974. No registro de Margarida Autran, escrito ao fi nal daquela dcada, esse investimento no gnero (que so muitos, no um s) mostraria como a mquina do disco funciona perfeitamente integrada mquina estatal: o governo militar, em busca de uma imagem mais simptica ao povo, buscava ento contrabalanar o esvaziamento da cultura nacional, refl exo de uma poltica repressiva por meio de apoio ao samba, decretado linguagem musical nacional. A rima pode ter sido uma soluo, mas a escolha do emblema nacional no foi nada original, como se sabe. Voltando a Paulinho da Viola, seu Memrias chorando (1976) pode ser exemplo de produto arts-tico lanado em meio a outro boom, o do choro, gnero tambm incentivado pelo governo a partir de 1974.14

    Finalizando, a terceira estratgia das grandes gravadoras que eu gos-taria de referir a quase onipresena da cano na indstria cultural, num momento em que o carter de mercadoria dos produtos culturais passa a ser evocado com a maior naturalidade, por todas as partes envolvidas. O comentrio de Mrcia Tosta Dias, em seu Os donos da voz, livro do qual me sirvo como uma espcie de guia para esse breve esquema. Alm das trilhas sonoras de novelas da Rede Globo, j citadas em nmero sufi ciente, Mrcia chama ateno para a notvel interao do mercado fonogrfi co e do publicitrio: Propagandas mundializadas, como a dos cigarros Marlboro

    cp_revista_ed3_miolo.indd 55cp_revista_ed3_miolo.indd 55 19.12.07 17:34:0619.12.07 17:34:06

  • 56

    e Hollywood, como tantas outras, veiculam canes que estaro sempre associadas a tais produtos. No necessrio repetir todos os exemplos trazidos pela sociloga. Apenas acrescento que, se a profi ssionalizao foi marca da grande indstria fonogrfi ca no perodo, essa indstria no atuava isoladamente. Fernando Reis assinala uma iniciativa semelhante no meio publicitrio: Se a dcada de 60, em nossas agncias, pode ser caracteri-zada como a dcada da criatividade, com o prestgio maior concedido aos homens de criao, os anos 70, que trouxeram a valorizao da agncia como empresa, levariam consolidao defi nitiva do negcio publicitrio entre ns. () Passaram nossas agncias a saber encarar as crises com seriedade, atravs da profi ssionalizao de todos os seus setores essenciais. () Surgiu como grande anunciante o governo, tanto na administrao direta como na indireta, tanto no mbito federal como no estadual e no municipal. O governo tambm se profi ssionalizou como anunciante.15

    POR QUE TOCAR, GRAVAR PARA QU? luz dos anos 70, creio que aquele otimismo mais slido e o quadro

    dos 90 possam ser melhor avaliados. Talvez eu esteja equivocado, mas salta vista, duas dcadas adiante, um certo sucesso da orientao profi ssional do mercado hegemnico implementada desde o perodo anterior, sucesso que produziu a naturalizao da empreitada. Em outras palavras, as bases da profi ssionalizao do setor se tornariam quase invisveis. Nesse sentido, mesmo a queda de consumo e de oferta da msica estrangeira, no Brasil, precisa ser encarada com reservas. Em parte, isso se deve ainda fora da tradio oral e musical brasileira, levada a contexto diverso ou produzida dentro da dinmica mercadolgica. Vale lembrar, uma confi gurao que se sente desde pelo menos a consolidao do samba de carnaval e do samba de meio de ano nas rdios, durante a dcada de 1930. E confi gurao que, desculpem os nacionalistas, no exclusiva do Brasil, que nisso coincide com os EUA (p. ex., blues, jazz, soul), com Cuba (rumba, bolero, son, cha-chach, etc.), com a Argentina (tango), para fi carmos em alguns exemplos bem prximos.16

    Em outra parte, tampouco foi privilgio do Brasil que a cano tenha se tornado mais local nos anos 90. Aqui, chegamos a cerca de 80% de venda de msica brasileira. Mas o lema das grandes corporaes capitalistas no passou a ser justamente Pense global, aja localmente? E, repetindo aquela estratgia dos anos 70, o ento presidente da Sony Music Internacional no advertia, j em meio crise de 2002, que se voc lida apenas com produtos internacionais, no estar lidando com muitas pessoas o pessoal da mdia, reprteres, programadores de rdio e outros para quem a cena musical [domstica] muito importante?17

    ES

    T M

    AIS

    F

    CIL

    TR

    AB

    AL

    HA

    R C

    OM

    CA

    N

    O

    P

    OP

    UL

    AR

    -CO

    ME

    RC

    IAL

    NO

    BR

    AS

    IL?

    WA

    LTE

    R G

    AR

    CIA

    cp_revista_ed3_miolo.indd 56cp_revista_ed3_miolo.indd 56 19.12.07 17:34:0719.12.07 17:34:07

  • 57

    claro que a digitalizao alterou profundamente algumas coordena-das que vinham se mantendo. J se disse, o desenvolvimento tecnolgico barateou os custos de produo. Uma das conseqncias foi que as grandes gravadoras se desfi zeram dos estdios de gravao. Terceirizaram igualmente a fabricao e a distribuio. Mas a lgica da forma-mercadoria prosseguiu como diretriz principal, se no como diretriz nica. Aprimorando-a, as majors passaram a investir, cada vez com maior intensidade, na difuso, isto , na espetacularizao do produto, isto : intensifi cou-se cada vez mais o investimento no na cano em si, mas na forma como a cano seria vista

    sim, vista, antes de ser ouvida. As majors tornaram-se assim escritrios de gerenciamento do produto e elaborao de estratgias de mercado.18

    As brechas que ento se abriram podem ser facilmente percebidas. Houve uma multiplicao das iniciativas independentes e dos pequenos selos, e a possibilidade de afi rmao no mercado pela associao com alguma grande transnacional. Foi quando, talvez, a dvida sobre o target a ser atingido, via tela da tev, se instalou defi nitivamente no plano de gravao.

    Para o consumidor, o CD se tornou um suporte de preo bem mais acessvel que o LP em tempos anteriores. Some-se a isso a expanso do crdito para compra de televisores e aparelhos de som, com um nmero cada vez maior de modelos para todos os bolsos e mantenha-se parte aqueles aspectos econmicos do qual me esquivei, os quais ampliariam enormemente a discusso.

    Considere-se, porm, que o principal comprador da indstria fonogrfi ca deixou de ser a loja de discos. Supermercados e, acima deles, cadeias de hipermercados que passaram a ocupar o posto de grande intermedirio, fazendo chegar o produto ao consumidor. Tal mudana, salvo engano ainda no bem analisada, no s facilitou as novas coordenadas do mercado fonogrfi co mas contribuiu decisivamente para elas (devo a indicao a uma entrevista que fi z com o publicitrio e msico lvaro Faria). Agora, o CD ideal no ocupa espao em exposio ou no estoque, espera de consumidores, ao longo de meses ou at de anos. Almeja-se a sua venda, obviamente em grandes quantidades, num curto tempo, almeja-se a sua rpida substituio nas prateleiras e nas gndolas. Se preciso, as promoes queimam tudo o que ameaa encalhar.

    Uma vez que a lgica a da pura venda, o compromisso com o funciona-mento mercadolgico pelos empresrios, assumido sem muitos problemas durante a dcada de 1970, se tornaria cada vez mais agudo. E invisvel, de certo modo, tambm para muitos cancionistas (para a maioria deles, quer dizer, de ns?). Pensemos no quadro atual. Um dos sintomas do que afi rmo a difi culdade crescente de pr em questo a qualidade artstica do que quer que seja. No digo que todos assinem embaixo da mxima que ouvi do

    cp_revista_ed3_miolo.indd 57cp_revista_ed3_miolo.indd 57 19.12.07 17:34:0719.12.07 17:34:07

  • 58

    diretor de uma sociedade arrecadadora: Disco no foi feito pra ouvir, disco foi feito pra vender. Mas no curioso que msicos e cantores justifi quem tantas coisas apenas observando: Ah, mas bem produzido? Afi nal, o que isso bem produzido quer dizer? Que tem potencial de venda? Que se parece um pouco ou bastante com algo que j vendeu? Que se enquadra perfeitamente nos moldes de um gnero ou de um estilo conhecidos? Que tem a capacidade de assombrar o ouvinte, grudando em sua cabea logo primeira audio? Que favorece a imagem da banda?

    De resto, um julgamento crtico que sustenta que nem toda cano popular-comercial uma forma de arte tem gerado reaes que vo do desprezo ira, com as excees que sempre existem. No estranho que ofenda o reconhecimento, que nunca ser mesmo consensual, do carter artstico de algumas canes, no de todas? Que ofenda a valorao qua-litativa e a discriminao entre arte e comrcio (imbricados na prtica) que da advm? Ou que ofenda a tentativa de chegar a um resultado sobre a questo, antes de ofender o resultado em si?

    Canes tm vrias serventias, como se sabe. H cano para toda sorte de ocasies, inclusive canes que servem admiravelmente como necessrio pano de fundo. Para uma refeio saudvel, por exemplo. No estou negando nenhuma das funes. Ao defender a idia de cano arts-tica, minha preocupao com o totalitarismo, sei que a palavra forte, da idia de cano meramente comercial. Essa ltima se instalou de tal modo no nosso dia-a-dia, que parecemos acostumados a supervalorizar o banal, o repetitivo, o ensurdecedor, o acessrio, o infantil, a cano que atua radicalmente como jingle de um show visual qualquer; quando no, como jingle da marca de um cantor, de uma cantora, de um grupo ou, na forte interao do negcio fonogrfi co e dos outros negcios, como jingle de refrigerantes, espelhinhos, perfumes, no nos intervalos comerciais, mas dentro da programao musical.

    Canes no Brasil, desde sempre, servira