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1 REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007 - …... cada ano é reforçada e ampliada, na medida em que a circulação de idéias constituiu, para nossa instituição, um dos mais nobres

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1REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

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ampla divulgação do conhecimento por meio de periódi-cos científicos sempre foi um dos compromissosinstitucionais da Fiocruz. Uma tradição iniciada pelasprimeiras gerações de pesquisadores da Fundação e que a

cada ano é reforçada e ampliada, na medida em que a circulação deidéias constituiu, para nossa instituição, um dos mais nobres desdobra-mentos da atividade científica. Em outras palavras, publicar um traba-lho num periódico científico significa adicionar mais um tijolo aoedifício do conhecimento humano.

A contar dessa definição, a Fiocruz tem muitos motivos para seorgulhar das contribuições que tem ao feito à ciência. As provas estãoaí: editamos alguns dos mais reconhecidos periódicos do campo dasaúde, revistas que ano a ano vêm confirmando um papel de excelên-cia nas suas funções de registrar e difundir idéias.

Este número da Revista de Manguinhos traz entre seus destaquesuma reportagem que aborda algumas das recentes conquistas dosperiódicos da Fiocruz e também recupera momentos de suas histórias.Um reconhecimento merecido.

Por sinal, parte do que trazemos nesta edição certamente já foi oudeverá ser publicado em algum periódico científico, tal a relevância dostrabalhos abordados ao longo das páginas a seguir. Temos um novoteste diagnóstico para leptospirose que oferece o resultado em apenas15 minutos; a pesquisa publicada na renomada Nature Genetics queidentificou um gene indicativo da suscetibilidade humana à hansenía-se; o estudo que traçou um panorama das doenças crônicas no Brasil apartir dos anos 1950; o trabalho que avalia o impacto do ProgramaBolsa Família na vida dos beneficiados.

Chamo atenção também para a reportagem que traça um quadrodos recentes acordos de cooperação da Fundação com instituiçõesespalhadas pelo mundo, para a publicação de livros voltados à forma-ção de agentes comunitários de saúde e para os tradicionais lança-mentos da Editora Fiocruz. Mas há muito mais, como você poderácomprovar.

Uma edição que reforça, por assim dizer, o nosso já mencionadoempenho com a divulgação do conhecimento.

Boa leitura.

Paulo Marchiori Buss

Presidente da Fundação Oswaldo Cruz

EDITORIAL

A

Sala de leitura da Biblioteca do Castelo de Manguinhos

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Parcerias12

Pesquisa

Imunobiológicos10

6 Notas

16 Pesquisa

A ciência vai a campo

O gene dahanseníaseDescoberta abreperspectivas para vacinas

8

Exportação deconhecimentoAs conexões da Fiocruz

com o mundo

Um golpe naleptospiroseNovo teste dá resultado

em 15 minutos

ÍNDICE

PresidentePaulo Marchiori Buss

Vice-presidente de Serviçosde Referência e AmbienteAry Carvalho de Miranda

Vice-presidente deDesenvolvimento Institucionale Gestão do TrabalhoPaulo Gadelha

Vice-presidente de Ensino,Informação e ComunicaçãoMaria do Carmo Leal

Vice-presidente de Pesquisa eDesenvolvimento TecnológicoJosé da Rocha Carvalheiro

Vice-presidente de Produçãoe Inovação em SaúdeCarlos Augusto Grabois Gadelha

Chefe de GabineteArlindo Fábio Gómez de Sousa

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 12 - SETEMBRO/2007

Coordenação: Christina Tavares

Edição: Wagner de Oliveira

Redação e reportagem:Adriana Melo, Catarina Chagas,Fernanda Marques, Ricardo Valverdee Wagner de Oliveira

Colaboradores: Antônio Brotas, Bel Levy,Cátia Guimarães, Fábio Iglesias, MarceloNeves, Paula Lourenço e Roberta Monteiro

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita e Rita Alcantara

Fotografia: Ana Limp

Estagiários:Igor Cruz e Rodrigo Carvalho

Administração: Beatriz Ayres

Secretaria: Inês Campos

Mensageiro: Daniel Lima dos Santos

O que você achou desta ediçãoda Revista de Manguinhos?Mande seus comentários para:

Av. Brasil, 4365 - Manguinhos -Rio de Janeiro - CEP: 21045-900

e-mail: [email protected]: 55(21) 2270-5343

Impressão: Duo Print

20 Pesquisa

Leishmanioseassociada à Aids

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Periódicos científicos

Epidemiologia

Goles depolêmicaAs crenças sobre os efeitosdo consumo de álcool

Fio da História48

26

Os frutos doBolsa FamíliaEstudo avalia

benefícios do programa

Pesquisa22

O avançodas “crônicas”Pesquisa traça panorama dasdoenças crônicas desde 1950

34

O papelda ciênciaRevistas da Fiocruzampliam reconhecimento

38 Entrevista

Especialista fala sobreplanejamento familiar

40 Pesquisa

O lixo na história

42 Ensino

Livros paraagentes comunitários

45 Comunicação

Conselhos desaúde conectados

46 Resenhas

Novos livros daEditora Fiocruz

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NOTAS

Margaret Chan abordou a cooperação Sul-Sul

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A cooperação Sul-Sul noenfrentamento das epidemi-as foi o tema de palestra dadiretora-geral da Organiza-ção Mundial de Saúde (OMS),Margaret Chan, na Fiocruz,no dia 20 de agosto. Chanabordou a importância da va-cinação no combate a essasdoenças. Também estiverampresentes a diretora da Orga-nização Pan-americana deSaúde (Opas), Mirta Roses, eo diretor da Opas no Brasil,Diego Victoria. O presidenteda Fiocruz, Paulo Buss, lem-brou que esta foi a primeiravez que um diretor da OMSveio à Fundação. “E por issogostaria de agradecer muitopela visita. A OMS preconizaa solidariedade em momen-tos de crise. O Brasil está emcondições de ajudar – espe-cialmente os países do conti-nente africano – no campo dasaúde, fornecendo medica-mentos, vacinas e kits de di-agnóstico”, afirmou Buss.

Fortalecer a autonomia e a cri-atividade das crianças, estimulá-lasa descobrir o mundo da ciência en-frentando os problemas locais demodo consciente e em integraçãocom sua cultura. Estes são algunsdos objetivos do projeto ABC na Edu-cação Científica - Mão na Massa. Oprojeto – em francês, La Main à laPâte (Lamap) – é uma iniciativa in-ternacional, fruto da cooperaçãoentre as academias de ciências fran-cesa e brasileira. No Brasil, o Institu-to Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz éum importante parceiro do projeto.

“ABC designa Academia Brasi-leira de Ciências e, ao mesmo tem-po, tem a ver com alfabetismo, um

Arte para pacientescom doenças infecciosas

“Aqui vivo um momento só meue esqueço os meus problemas”. Essaé a fala de IOM, portadora do vírusHTLV e freqüentadora do Ateliê daSaúde, que funciona no Instituto dePesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec)da Fiocruz. O Ateliê é um projetoassistencial com proposta dehumanização e acolhimento a pesso-as com doenças infecciosas, inclusivea Aids, e é oferecido pela Seção dePsicologia do Ipec. O projeto recebeuuma menção honrosa no 7º Congres-so Brasileiro de Saúde Coletiva daAbrasco, transformou-se em disserta-ção de mestrado de ensino embiociências e saúde e foi debatido naSemana de Ciência e Tecnologia doInstituto Oswaldo Cruz, conforme re-lata a coordenadora do programa, apsicóloga Márcia Franco da Silva.

O Ateliê da Saúde é uma experi-ência de praxiterapia, ou seja, é ummétodo ocupacional, também conhe-cido como laborterapia. As atividadesdesenvolvidas no Ateliê são as detopiaria, tapeçaria e educação popu-lar não formal em saúde. Mas já hou-ve aulas de alfabetização, crochê, pin-tura, contadores de histórias, ioga,coral e violão, entre outras.

“A laborterapia ajuda a mantera saúde psicológica dos pacientes eos objetivos do ateliê são elevar a auto-estima, estimular a criatividade, pro-mover a socialização, diminuir aestigmatização e os preconceitos, re-cuperar a identidade e a cidadania,promover maior adesão ao tratamen-to e valorizar a vida com prazer”, ar-gumenta Márcia.

Diretora da OMS visita a Fiocruz

conceito diferente de alfabetização”,observa a pesquisadora do setor deAlfabetismo Científico do Laborató-rio de Pesquisa em Auto-imunidadee Imuno-regulação do IOC e coorde-nadora do projeto no Estado do Riode Janeiro, Danielle Grynszpan. “Tra-ta-se de um processo de alfabetiza-ção científica que, uma vez iniciado,prossegue pela vida toda e, portan-to, considerado um letramento emciência”, explica Danielle, que com-pleta assinalando que a metodologiado projeto é inovadora, também, porassociar o processo de ensino-apren-dizagem em ciências com o desen-volvimento da capacidade oral e daargumentação escrita.

Projeto estimula descoberta do mundo científico

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Prêmio internacionalA pesquisadora Patricia Torres

Bozza, do Laboratório de Imunofarma-cologia do Instituto Oswaldo Cruz(IOC) da Fiocruz, está entre os 15 con-templados do Prêmio Scopus Brasil,promovido pelo portal científicoScopus e pela Editora Elsevier. O obje-tivo é premiar pesquisadores brasilei-ros de diferentes áreas do conheci-mento com produção científica dedestaque e excelência e que contri-buem para o desenvolvimento da ci-ência no Brasil. A cerimônia de entre-ga da segunda edição do prêmio anualocorreu em agosto, em Brasília.

O Prêmio Scopus ocorre tambémem outros países da América Latina ehomenageia representantes das diver-sas comunidades científicas. Os pre-miados são selecionados de acordocom sua produção científica —traduzida pelo número de publicaçõesna base Scopus, ferramenta online denavegação para a literatura científicamundial, no período de dez anos(1997–2006); pelo número de citaçõespor outros pesquisadores; e, no casodo Brasil, também pelo número dealunos que orienta, conforme dadosda Coordenação de Aperfeiçoamen-to de Pessoal de Nível Superior doMinistério da Educação (Capes/MEC).

Parceria com o MST Apostar nacooperação téc-nica e na forçados movimentossociais: é issoque vem fazen-do a Escola Poli-técnica de SaúdeJoaquim Venân-cio (EPSJV) daFiocruz ao inves-tir nas relaçõesins t i tuc iona i scom o Movimen-to dos Trabalha-dores Rurais SemTerra (MST). Jásão mais de doisanos de trabalhoconjunto.

“A proxi-midade com osmovimentos so-ciais é importan-te porque nos

permite lidar diretamente com asdemandas das camadas popula-res sobre educação e saúde. Nocaso do MST, é interessante tam-bém porque nos aproxima da dis-cussão sobre essas questões emrelação à população do campo”,explica a vice-diretora de Pesqui-sa e Desenvolvimento Tecnológi-co da EPSJV, Isabel Brasil.

“Quando começamos a or-ganizar atividades relacionadas àsaúde, como projetos de discus-são e prevenção do HIV e cursosde técnicos em saúde comunitá-ria, buscamos instituições quepudessem nos auxiliar. A EPSJVapareceu como referência naárea da saúde pública e uma

oportunidade de termosacesso à produçãotecnocientífica que a Esco-la desenvolve”, afirmaFernanda Matheus, repre-sentante do MST no Rio deJaneiro .

Biossegurançaem cinco idiomas

Biossegurança e engenharia gené-tica: legislação brasileira é o título dolivro organizado pelos pesquisadoresSilvio Valle, da Fiocruz, e Yara Barreira,do Instituto Nacional de Saúde e Pes-quisa Médica (Inserm), que apresentaa Lei de Biossegurança Brasileira em cin-co idiomas: português, francês, espa-nhol, inglês e italiano. A publicação dolivro tem o apoio de três unidades daFundação: o Instituto de Tecnologia emFármacos (Farmanguinhos), a EscolaNacional de Saúde Pública Sergio Arou-ca (Ensp) e a Escola Politécnica de Saú-de Joaquim Venâncio (EPSJV). O traba-lho organizado atende aoprojeto de cooperação cien-tífica realizado entre a Fio-cruz e o Inserm, da França,e tem como foco o desen-volvimento de procedimen-tos operacionais e de bios-segurança em biotérios deexperimentação em pla-taformas tecnológicas.

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Patrícia Bozza ao receber o Prêmio Scopus

Militantes do MST nas escadariasdo Castelo da Fiocruz

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Identificado gene que indicapropensão à hanseníaseDescoberta que envolve brasileiros e canadenses contribui para o desenvolvimento de vacinas específicas

PESQUISA

esquisadores do Instituto OswaldoCruz (IOC) identificaram um geneindicativo da suscetibilidade huma-na à hanseníase. A identificação deum marcador genético que sinaliza

a maior propensão de uma pessoa ao desen-volvimento da doença pode ser o ponto de par-tida para a elaboração de estratégias vacinaismais específicas contra a enfermidade, queapesar do tratamento simples e eficienteregistrou em 2005 aproximadamente 295 milnovos casos em todo o mundo, segundo da-dos da Organização Mundial de Saúde (OMS).P

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Os resultados promissores do es-tudo, publicados na revista NatureGenetics, são fruto do aprofundamen-to da iniciativa de um grupo de pes-quisadores da Universidade Mc Gill, noCanadá, que em 2003 realizou análi-ses moleculares de familiares de porta-dores da hanseníase, que pelo contatocom os pacientes poderiam estar su-jeitos a adoecer. Foram identificadossegmentos de DNA encontrados exclu-sivamente nas amostras de sangue deparentes infectados – isto é, que de-senvolveram a hanseníase. Esta primei-ra etapa consistiu em uma espécie de‘pescaria molecular’ que analisou oDNA de familiares de pacientes e iden-tificou regiões do genoma humano quese repetem com freqüência em famili-ares que desenvolvem a hanseníase.

“A partir disso, realizamos, tan-to em nosso laboratório quanto no Ca-nadá, um estudo de refinamento, atra-vés de um ‘zoom molecular’ da regiãodo genoma humano destacada peloestudo canadense, com o objetivo detransformar o que era uma regiãogênica em um único cromossomo.Focamos e aumentamos a resoluçãoda observação e o resultado final é oapontamento de um gene como mar-cador da suscetibilidade à hansenía-se: a linfotoxina-á (LTá). Como os de-mais genes do DNA humano, a LTápossui dois alelos que podem ser do-minantes ou recessivos. É a dominân-cia do alelo A que indica a propensãoà hanseníase”, apresenta o biólogoMilton Moraes, pesquisador do Labo-ratório de Hanseníase do IOC e coor-denador da pesquisa no Instituto.

“Todas as informações genéti-cas que possuímos, da cor dos olhos edos cabelos a características metabó-licas, apresentam variações que nostornam diferentes uns dos outros. Es-tas variações são resultado da domi-nância ou recessividade dos alelos dedeterminado gene, fatores que nocaso da LTá estão relacionados à mai-or ou menor suscetibilidade humanaà hanseníase”, esclarece Milton.

Vacinação é meta

A LTá é um gene comum a todosos seres humanos que controla a ati-

vação de células de defesa e é respon-sável pela regulação de resposta imu-ne contra a hanseníase. A dominânciado alelo A, identificada nos familiaresde portadores da hanseníase que de-senvolvem a doença, reduz a produ-ção de proteínas envolvidas na respostaimune, tornando seus portadores maissuscetíveis ao desenvolvimento de al-gumas doenças, como a hanseníase.“A LTá está relacionada também adoenças coronarianas, sobretudo ao

enfarte do miocárdio, e entender seufuncionamento nos diferentes padrõesimunológicos encontrados em sereshumanos é fundamental para o desen-volvimento de estratégias de preven-ção mais específicas e eficientes, quelevem em consideração as caracterís-ticas genéticas de cada indivíduo –como a dominância ou recessividadedos alelos”, pondera o pesquisador.

Para executar o estudo deepidemiologia genética que detec-tou a relação entre a dominância doalelo A da LTá e a ocorrência da han-seníase, os pesquisadores do IOC uti-lizaram a metodologia caso-contro-le para comparar análises de DNA

de 400 pessoas saudáveis às de 400portadores da doença. A leitura es-tatística dos dados revelou maior re-sistência à hanseníase por pessoasque apresentam dominância do aleloG da LTá, enquanto indivíduos quepossuem dominância do alelo Amostraram-se vulneráveis ao desen-volvimento da infecção. A partir des-te conhecimento será possível for-mular, por exemplo, estratégiasdiferenciadas de vacinação, de acor-

do com a dominância apresentadapelo indivíduo.

“A identificação de marcadoresgenéticos é uma ferramenta importan-te porque define os principais fatoresimunológicos que regulam os proces-sos de proteção do organismo a do-enças infecciosas e pode por issoapontar novos alvos para a pesquisade imunobiológicos e estratégias al-ternativas de vacinação. Nossa metaé aplicar a mesma técnica utilizada noestudo da hanseníase para investigara suscetibilidade genética do homema outras doenças infecciosas, comoleishmaniose, dengue e tuberculose”,adianta Milton.

O agente causador da hanseníase, o Mycobacterium leprae

Foto: Arquivo TDR / OMS

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IMUNOBIOLÓGICOS

Um golpe na leptospiroseNovo teste diagnostica a doença em 15

minutos e com mais de 90% de precisão

Antônio Brotas

epois de uma década detrabalho, pesquisadoresda Fundação OswaldoCruz na Bahia apresenta-ram o novo teste diagnós-

tico da leptospirose, capaz de oferecero resultado em apenas 15 minutos,tempo bastante inferior a de outrosmodelos que podem demorar até 15dias. De fácil manuseio e com designque lembra o de um cartão de crédi-to, com 6,5 centímetro por 5,0 centí-metro, o teste tem ainda a vantagemde ampliar para 92% as chances dediagnóstico correto.

“Em caso de suspeita da doença, omédico no posto de saúde pode, com oteste, eliminar a dúvida na hora, tratar opaciente com o medicamento correto,evitando que a doença caminhe para

uma forma mais grave, o que amplia asua morbidade e mortalidade”, defen-de Mitermayer Galvão dos Reis, um doscoordenadores do projeto.

O salto na qualidade e na rapidezdos resultados deve-se ao fato dos pes-quisadores terem identificado o com-ponente da bactéria Leptospirainterrogans (a proteína Lig) capaz deestimular a produção de anticorpos naspessoas infectadas. A partir destadescoberta foram produzidos in vitroantígenos recombinantes, em parce-ria com Biomanguinhos, que permiti-ram a construção do teste. Visualmen-te simples, já que basta apenas umagota de sangue, extraída do dedo dopaciente e depositada no aparelho,para que a coloração rosa indique re-sultado positivo, o teste esconde gran-des esforços de pesquisa e avançostecnológicos para o país.

“Na verdade, o antígeno é o pon-to central do teste, já que ele atrai oanticorpo específico para a Leptospira,e ao reagir, permite o diagnóstico”, ex-plica Alan McBride, pesquisador visi-tante da Fiocruz, que ao lado do tam-bém pesquisador visitante, Albert Ko,coordena a pesquisa. Os estudos, asvalidações e o melhoramento do testeforam desenvolvidos no Laboratório dePatologia e Biologia Molecular (LPBM)da Fiocruz, em parceria com as uni-versidades de Cornell e da Califórnia.

Para que chegue ao mercado, oteste diagnóstico irá passar por um pro-cesso de validação em laboratóriosespecializados das universidades fede-rais do Ceará, Rio Grande do Norte ena Fiocruz de Pernambuco, além dapossibilidade de ser também avaliadonos 21 países ibero-americanos.

“Posteriormente, vamos submetê-

Arquivo CPqGM / Fiocruz

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Bairro Pau de Lima, em Salvador:cenário de pesquisa sobre fatores dapobreza relacionados à leptospirose

lo à avaliação da Agência de Vigilân-cia Sanitária (Anvisa) e esperamos queo Ministério da Saúde possa distribuí-lo para os postos de saúde de todo opaís no prazo de seis meses a um ano”,acredita McBride.

Importância do diagnóstico

Os indivíduos com leptospirose apre-sentam olhos amarelados, alteraçõescardiovasculares, dificuldade respira-tória, distúrbios neurológicos e disfunçãorenal. O problema é que, nos primeirosdias de infecção, a doença é facilmenteconfundida com o dengue, a hepatitee a gripe, pois têm sintomas parecidosdo tipo: febres, dores de cabeça emusculares. A semelhança dos sintomasdificulta o diagnóstico, tornando urgen-te o surgimento do teste rápido, já quea leptospirose, quando não diagnos-ticada, pode progredir para formasmais graves, inclusive com hemorragiapulmonar, que geralmente leva 50%dos pacientes a óbito em 48 horas.

“Em Salvador, em 1996, durante aepidemia de dengue identificamos que35% dos pacientes hospitalizados comleptospirose tinham recebido diagnós-tico de dengue”, conta Mitermayer.O teste diagnóstico, na verdade, con-clui uma etapa de um longo caminhode pesquisa sobre a doença, atravésdo projeto História Natural da Leptos-pirose. Abrangente e multidisciplinar,já que o trabalho envolve estudos debiologia molecular, epidemiológicos,biotecnologia, divulgação científica eação social, o projeto tem alcançadoresultados em vários aspectos.

Além do teste, a equipe dá passosdecisivos na produção de uma vacina.Experimentos realizados em hamsters,uma vez que os ratos não desenvol-

vem a doença, indicaram que os animaisnão adoecem quando infectados pelaLeptospira que teve um trecho do seuDNA, o gene Loa22, desativado. Os resul-tados, que foram publicados na revista ci-entífica PLoS Pathogens, estimulam a bus-ca por uma vacina, segundo Ko.

Da favela às moléculas

Dados do Ministério da Saúde in-dicam que foram notificados, em2005, 2.698 casos de leptospirose,com a morte de 301 pessoas, em2005. São Paulo é o estado com mai-or número de casos, com 575 confir-mações. Na Bahia, foram 151 casos,no mesmo período. A Secretária deSaúde do Estado da Bahia (Sesab) re-velou que somente no primeiro semes-tre deste ano foram totalizados 89casos no estado, com nove mortes.

A taxa de mortalidade das formasseveras da doença é de 15%. Os índi-ces oficiais também apontam umamudança na caracterização da doen-ça. Antes marcadamente rural, trans-mitida principalmente pela urina dorato, a leptospirose transformou-se numproblema de saúde pública das gran-des metrópoles, atingindo principal-mente suas áreas mais carentes. O

contato com água contaminada devi-do as enchentes, a precariedade dacoleta de lixo e a falta de redes de es-goto facilitam a proliferação dos ratos.

Atentos à apresentação contem-porânea da doença e a seus deter-minantes sócio-ambientais, os pes-quisadores da Fiocruz tambémenvolveram os moradores do bairro dePau da Lima, em Salvador, no projeto,de modo a levar informações que pos-sam ajudar na prevenção e entenderde que forma os moradores estão secontaminado e quais os fatores levamao desenvolvimento das formas gra-ves da doença. Para isso, foram feitostestes sorológicos, identificando quemteve contato com o agente causadorda doença, e sucessivas entrevistas.

Composta de seis moradores dacomunidade e oito pesquisadores, aequipe de campo acompanha um gru-po controle para detectar que fatoresespecíficos ligados à pobreza têm re-lação direta com a doença e a evolu-ção para formas mais graves. “A pes-quisa é de inclusão. Não podemosresolver os problemas estruturais, masinvestimos na capacitação de membrosdo bairro, que se transformam emmultiplicadores do conhecimento”,afirma Mitermayer.

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Conhecimento tipo exportaçãoFiocruz se consolida como instituição desaúde pública com padrão internacional

Catarina Chagas e Fernanda Marques

ó no primeiro semestre de2007, a Fiocruz estabele-ceu sete novos convênioscom outros países. Aotodo, a Fundação mantém

atualmente quase 70 acordos de coo-peração com universidades, institutosde pesquisa, órgãos governamentaise empresas dos cinco continentes.Uma das mais recentes parcerias fir-madas foi com a Genzyme, multinaci-onal da área de biotecnologia, comsede em Boston, nos Estados Unidos.O objetivo é unir o conhecimento acu-mulado da Fiocruz com a capacidadetecnológica da empresa para desen-

Svolver novos tratamentos contra do-enças negligenciadas – como Chagas,leishmaniose, malária e outras molés-tias que, embora acometam milhõesde pessoas no mundo, não despertamo interesse da indústria farmacêuticaporque atingem majoritariamente aspopulações de baixo poder aquisitivo.

Este é mais um indicador de quea Fiocruz vem consolidando seu papelde exportadora de conhecimentos. Em2006, a Fundação foi eleita a melhorinstituição de saúde pública do mun-do pela Federação Mundial das Asso-ciações de Saúde Pública. O título éum reconhecimento da importanteparticipação da Fiocruz em ações comoo congresso da Organização Mundial

da Saúde (OMS), a Rede MundialPasteur, a Iniciativa Internacional pe-las Doenças Negligenciadas (DNDi) eo fórum Ibas, que reúne Índia, Brasil eÁfrica do Sul. Além disso, a Fundaçãotem assumido papel de liderança nasreuniões dos Institutos Nacionais deSaúde Pública da América Latina e daComissão Global sobre DeterminantesSociais de Saúde.

Também na gestão do conhecimen-to, a Fiocruz mantém uma postura ativana cooperação internacional: a Funda-ção está à frente do primeiro curso demestrado em saúde pública brasileirofora do país, lançado em Luanda emmaio deste ano. O objetivo é formarprofessores para a futura Escola Nacio-

PARCERIAS

Paulo Buss, presidente da Fiocruz, e Philippe Blazy, ministro daSaúde da França, assinam convênio de parceria

Kit de diagnóstico do HIV: cooperaçãocom os norte-americanos

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nal de Saúde Pública de Angola e paraescolas técnicas em saúde daquele país.

Há vagas não só para angolanos,mas também para profissionais de ou-tros países africanos de língua portugue-sa – o que reforça uma postura da Fio-cruz de apoiar o Governo Federal emsua política de priorizar os países da Áfri-ca e da América Latina. “Para isso, usa-mos duas estratégias principais: formarrecursos humanos em saúde e auxiliara criação dos institutos nacionais de saú-de desses países. Nesse sentido, tem sidoimportante a colaboração do Ministé-rio das Relações Exteriores, que buscaapoio junto à Comunidade dos Paísesde Língua Portuguesa (CPLP), à Agên-cia de Cooperação Internacional do Ja-

pão (Jica, na sigla em inglês) e outrosorganismos”, explica o médico LuizEduardo Fonseca, da Assessoria de Co-operação Internacional (ACI) da Fiocruz.

Três unidades da Fundação par-ticipam do mestrado em Angola: a Es-cola Nacional de Saúde Pública (Ensp),a Escola Politécnica de Saúde JoaquimVenâncio (EPSJV) e o Instituto de Co-municação e Informação Científica eTecnológica em Saúde (Icit). Mas essaé apenas uma pequena amostra decomo as trocas internacionais fazemparte do cotidiano da Fiocruz – que,recentemente, recebeu as visitas dosministros dos Estados Unidos, França,Moçambique, São Tomé e Príncipe eTailândia. A cada ano, enquanto pes-

quisadores da Fiocruz integram deze-nas de missões enviadas ao exterior,vêm à Fundação outras tantas deze-nas de comitivas internacionais.

Educação semfronteiras

Faz pouco tempo que a Funda-ção começou a ministrar aulas fora dopaís, mas ela já é veterana na recep-ção a alunos estrangeiros que vêm fa-zer intercâmbio no Brasil. Anualmen-te, cerca de 70 estudantes de outrospaíses cursam na Fiocruz doutorado,mestrado ou outros cursos de menorduração. Entre as novidades nessa área,está um curso que o Programa de Pós-graduação em História das Ciências e

O Globo divulga pesquisa de consórcio internacionalque teve a participação de cientistas da Fiocruz

Campanha contra a pólio na República do Congo

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Médico atende a paciente na Nigéria: Fiocruz treina profissionais de vários países

Folha de S.Paulo aborda cooperação Fiocruz-Japão na transferência de tecnologia

Arquivo Instituto Pasteur

da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz(COC) oferecerá a mestrandos doErasmus Mundus, programa de inter-câmbio que inclui universidades de pa-íses como França, Suécia e Espanha.

Oferecer apoio à formação de re-cursos humanos em diferentes partesdo mundo também é uma preocupa-ção de diversas unidades da Fiocruz.A Escola Politécnica, por exemplo, écoordenadora da Rede Internacional deEducação de Técnicos em Saúde (Rets)e tem projetos em andamento comEtiópia, Cabo Verde, Guiné Bissau, Bo-lívia e Paraguai, entre outros.

Referência mundial

Assessorar a implantação e ca-pacitar profissionais para a manuten-ção de Bancos de Leite Humano (BLH)está entre as cooperações internacio-nais oferecidas pelo Instituto FernandesFigueira (IFF). Com tecnologia eficaz,segura, de menor custo e 100% naci-onal, o BLH desenvolvido e em funcio-namento no IFF há mais de seis déca-das é referência para a criação de de-zenas de bancos similares dentro e forado Brasil, em países como Venezuela,Equador, Argentina, Colômbia, Repú-blica Dominicana, Costa Rica e Belize.

A Rede Brasileira de BLH alcançouvisibilidade internacional, sobretudo, apartir de 2001, quando foi reconhecidapela Organização Mundial da Saúde(OMS) como o trabalho que mais con-tribuiu para a redução da mortalidadeinfantil e a promoção do aleitamentomaterno. “O grande elo que mantémnossa Rede em pé é o conhecimento”,garante o engenheiro de alimentos JoãoAprigio Guerra de Almeida, coordena-dor do BLH do IFF e da Rede, que já pres-tou consultorias também para países daEuropa, América do Norte e Oceania.

Vacinas emedicamentos

As atividades de cooperação in-ternacional da Fiocruz incluem a ofertade medicamentos e vacinas, bem comoa transferência de tecnologias para a pro-dução desses insumos. Recentemente,o Instituto de Tecnologia em Imuno-

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1 5REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Vacinação de pigmeus na Repúblicado Congo: apoio à produção deimunobiológicos na África

Doente de malária na África: as doenças negligenciadas são foco de atenção da Fundação

Oswaldo Cruz fez um curso de microbiologia no Instituto Pasteur em 1876.O sanitarista buscou especialização no exterior

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biológicos (Biomanguinhos) atendeu auma solicitação emergencial da OMS:junto ao Instituto Finlay, de Cuba, pro-duzirá, até 2008, 20 milhões de dosesda vacina meningocócica A+C destina-das ao sub-Saara africano, região conhe-cida como Cinturão da Meningite.

Já o Instituto de Tecnologia emFármacos (Farmanguinhos) está trans-ferindo para a Nigéria tecnologia paraconstrução de fábrica de antiretrovirais.A experiência do Instituto na produ-ção de medicamentos contra Aids tam-bém está sendo ofertada à Ucrânia,que, em contrapartida, repassará à Fi-ocruz a tecnologia para produção deinsulina humana recombinante.

Pesquisa cooperativa

Por meio do Instituto de Pesqui-sa Clínica Evandro Chagas (Ipec), aFiocruz integra duas grandes inicia-tivas internacionais sobre HIV/Aids:o Grupo de Ensaios Clínicos de Aids(ACTG), que visa definir padrões detratamento da infecção pelo HIV ede doenças oportunistas, e a Redede Ensaios de Prevenção do HIV(HPTN), que estuda segurança e efi-cácia de intervenções para impedir atransmissão do HIV.

Em outra unidade da Fundação,o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), testesde um microbicida contra o vírus daAids são alvo de uma parceria com oReino Unido aprovada pela FundaçãoBill e Melinda Gates. Hanseníase, gri-pe aviária e doença de Chagas tam-bém são temas de parcerias internaci-onais do IOC. A mesma unidade parti-

cipa de estudos sobre o timo, órgãoenvolvido em processos imunológicos,que reúnem pesquisadores brasileirose franceses há mais de 25 anos.

Antigas parcerias

As cooperações internacionais fa-zem parte da rotina da Fiocruz há mui-to tempo. “A Fundação vem renovan-do seus laços com o Instituto Pasteurda França desde os primórdios de suahistória. Os acordos com Argentina,Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile tam-bém são antigos”, lembra o médico Luiz

Eduardo Fonseca, da Assessoria de Co-operação Internacional da Fiocruz.

Entre os acordos mais recentes,pode-se citar a transferência de tec-nologia na produção de vacinas ebiofármacos com Estados Unidos, Ja-pão e Cuba. “A Fiocruz tem assumi-do a política de se colocar na posi-ção de parceiro que compartilha oscustos das pesquisas e dos progra-mas. Isso coloca a Fundação em umnovo patamar no intercâmbio de co-nhecimento, tecnologia e produçãode bens em saúde”, conclui.

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Catarina Chagas e Fernanda Marques

ntre os meses de junho ejulho, a sala da paleopa-tologista Sheila FerrazMendonça permaneceutrancada. Durante 20

dias, a pesquisadora trocou o escritóriocom computador e a bancada do labo-ratório na Fiocruz em Manguinhos,Zona Norte do Rio de Janeiro, pelasmargens do Rio Cubatão, em Joinville,Santa Catarina. O objetivo: coordenara escavação inicial de um dos sítiosarqueológicos da região. É a primeiravez que a equipe da Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp) da Fiocruz está àfrente de um trabalho desse tipo.

Antes, o grupo de paleopatologiaestudava as doenças da pré-história apartir da análise de ossos, múmias, fezesfossilizadas e outras amostras enviadas àFiocruz ou pertencentes ao acervo demuseus. Agora, com o financiamento doCentre Nacional de la Recherche Scien-tifique, órgão francês de incentivo àpesquisa, Sheila e sua equipe participamde um trabalho pioneiro no Brasil embioarqueologia, com o objetivo de fazerum levantamento demográfico associadoà saúde na pré-história.

O sítio, um amontoado intencio-nalmente construído com pedras, terrae conchas, tem dez metros de altura,parece ser um antigo cemitério e deveabrigar mais de cem esqueletos comidades entre três e cinco mil anos. Compás, pincéis e muita paciência, os pes-quisadores, pouco a pouco, vão des-vendando seus mistérios. Os primeirosachados foram os restos de umamulher adulta sepultada ao lado deum jovem, ambos com as mãos espal-madas sobre o rosto e em posiçãofetal. Esses e outros materiais já estãoem laboratório para análises.

À primeira vista, o projeto podeparecer uma aventura digna de filmede Hollywood. “A realidade, porém, ébem menos glamourosa”, confessa apesquisadora, que enfrentou chuva, frioe mosquitos em um lugar onde não hábanheiro e o celular não pega. “Apesardas dificuldades, é muito gratificantetrabalhar ao ar livre, em uma paisagemmuito bonita, ouvindo os passarinhos”.

PESQUISA

Ciência de campoEspecialistas deixam suas salas e laboratórios embusca de novas matérias-primas para suas pesquisasem saúde

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Paleopatologista recolhe dados de um sítio arqueológico que abriga mais de cemesqueletos com idade entre três e cinco mil anos. Frio, chuva e mosquitos na rotina de trabalho

Sheila Mendonça (Ensp / Fiocruz)

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1 7REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

A dor e a delícia do trabalho decampo não são exclusivas da equipede Sheila. Na Fiocruz, muitos outrospesquisadores, freqüentemente, dei-xam seus postos habituais e vão fazerpesquisa em outros ares. Uma tradiçãoda Fiocruz desde o início do séculopassado, quando os primeiros pes-quisadores partiram para os confins doBrasil em expedições científicas.

Patrulha à beira-mar

Duas vezes por mês, o biólogoSalvatore Siciliano e sua equipe deixamo laboratório na Ensp e seguem para aRegião dos Lagos, famosa zona turísticado Rio de Janeiro. Apesar das máquinasfotográficas penduradas no pescoço edo bugre, não estão a passeio. Tambémmunidos de binóculos, vidrarias, facas,bisturis e reagentes, percorrem até 60

quilômetros de praia durante dois diasfazendo monitoramento ambiental:analisam carcaças de aves e mamíferosmarinhos, recolhem amostras paraestudos posteriores e fazem registros dasespécies que habitam o litoral.

Quando sentem a ausência dealguma espécie marinha na região, sejaave ou mamífero, ficam em alerta – issopode ser sinal de que as atividadeshumanas na região estão agredindo osecossistemas. Daí a necessidade de umtrabalho continuado de pesquisa decampo e conscientização da sociedadelocal, o que nem sempre é fácil. “Omonitoramento de longo prazo é essen-cial para avaliar o comportamento daspopulações animais e suas transforma-ções, indicadores da saúde do meioambiente”, justifica Salvatore, quedesde 1999 atua na região.

Caçadora de fontes

Para escrever a história da saúdeno Brasil, é preciso ir em busca defontes variadas. Por isso, o trabalho dahistoriadora Dilene Raimundo doNascimento envolve idas e vindas amuseus, bibliotecas e arquivos. Emcada lugar, ela encontra as peças paracompor a história de doenças comotuberculose, poliomielite, dengue eAids. São edições antigas de jornais,cartazes de campanhas, atas de reu-niões e anais de congressos que mos-tram o tema sob diferentes ângulos:representações sociais, o saber cientí-fico de cada época, estratégias de con-trole e políticas públicas, entre outros.

Ao estudar doenças relativamenterecentes, Dilene lança mão de entre-vistas com médicos, pacientes e fami-liares que vivenciam ou vivenciaram oproblema. “A história oral, inicialmen-te, dava voz a protagonistas que nãocostumavam receber a atenção dospesquisadores”, explica. Hoje, a histó-ria oral é considerada uma meto-dologia que permite obter váriasversões de um fato, o que muito enri-quece o estudo do objeto histórico.“Viajamos até a casa das pessoas,onde, em geral, somos muito bemrecebidos. A maioria se emociona aocontar sua história de vida.” A coletade um depoimento requer sucessivosencontros com o entrevistado e chegaa gerar até 18 horas de gravação,material que se transforma em acervoda Casa de Oswaldo Cruz (COC),unidade da Fiocruz onde Dilenetrabalha há 20 anos.

Observação de aves em Cabo Frio: pesquisadores chegam a percorrer 60 quilômetros em dois dias

Olhos voltados para o mar:monitoramento do ambiente

a cada 15 dias

Escavações em Joinvillepara entender as doençasda pré-história

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Salvatore Siciliano (Ensp / Fiocruz)Sheila Mendonça (Ensp / Fiocruz)

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Entrevista com moradores do subúrbio do Rio de Janeiro para pesquisar causas do dengue

Pesquisadoresusam barcos parachegar a distantes

aldeias na Amazônia.Ao lado, o trabalho

com índios

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Leandro Giatti (CPqLMD / Fiocruz)

Saúde em casa

Santa Cruz, Zona Oeste do Rio deJaneiro. A arquiteta Cláudia Thauma-turgo, papel e caneta na mão, vai decasa em casa apontando característicasdos domicílios que possam facilitar aproliferação do mosquito transmissordo dengue. De cada dez dias que apesquisadora dedica a esse projeto, seissão trabalho de campo. “A equipe depesquisa é acompanhada por agentescomunitários e costuma ser bemrecebida pelos moradores”, contaCláudia, do Departamento de Sanea-mento e Saúde Ambiental da Ensp. Aarquiteta aproveita as visitas para es-clarecer a população sobre modifica-ções que podem melhorar a qualidadede vida nas casas. São medidas simplese baratas que favorecem a ventilação,aumentam a iluminação natural eevitam o mofo.

Cláudia é uma das integrantes daRede Brasileira de Habitação Saudável,coordenada pela também arquitetaSimone Cynamon Cohen, que destacaa importância de colocar a ciência aserviço das comunidades. “Muitostrabalhos sobre a relação entre saúdee ambiente ficam restritos ao meioacadêmico. Nosso diferencial é tornaresses conhecimentos mais concretos,levando-os para o cotidiano dos mora-dores”, explica. A equipe, que contaainda com engenheiros, biólogos eassistentes sociais, já realizou trabalhos

semelhantes em Anchieta, NovaIguaçu e Sumidouro, entre outros.

Informação rio acima

Faz pouco tempo que o biólogoLeandro Giatti passou dez dias nodistrito indígena Iauaretê, na fronteiracom a Colômbia. Para chegar lá, opesquisador da Fiocruz na Amazôniatomou um avião em Manaus, desceuem São Gabriel da Cachoeira, pegouum barco e, após dois dias subindo oRio Waupés, afluente do Rio Negro,finalmente chegou à comunidade,onde vivem cerca de 2.700 indígenas.O objetivo da longa viagem era con-tribuir com o primeiro dos 18 módulosdo curso Mobilização Social em Saúdee Saneamento, coordenado pelapesquisadora Renata Ferraz de Toledo,do Instituto Nacional de Pesquisas daAmazônia (Inpa). As aulas abordaramdoenças de veiculação hídrica e suaprevenção.

Mas esse não foi o primeiro contatode Giatti com o distrito Iauaretê. “Emvisitas anteriores, realizamos reuniõescom a comunidade em busca de cons-truir soluções conjuntas para os pro-blemas locais, que incluíam doençasinfecciosas e condições sanitárias ina-dequadas, como ausência de sistemasapropriados de suprimento de água,esgotos e descarte de resíduos sólidos”,esclarece o biólogo, que voltará àcomunidade indígena em setembro.

Os processos de saúde/doença/atenção entre índios também são temado estudo da antropóloga Raquel P.Dias-Scopel, outra pesquisadora daFiocruz na Amazônia. Ela trabalha como povo mura, que vive ao longo dosrios Autaz-Açú e Autaz-Mirim. O deslo-camento até as aldeias é feito emquatro etapas: a primeira de balsa, asegunda de carro, a terceira nova-mente de balsa e a quarta de lanchaou canoa. Após a viagem, Raquel vira

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Nas margens de rios, o atento trabalho de coleta de mosquitos transmissores de doençasLuz na escuridão da mata: armadilha paraa captura de mosquitos

A tarde cai e o trabalho continua intenso no acampamentoque recolhe mosquitos para pesquisa

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Anthony Érico (IOC / Fiocruz)

hóspede dos índios e passa a participarde suas atividades cotidianas, dotrabalho na roça às festas.

Essa metodologia de pesquisa – aobservação participante – permite com-preender a organização social e políti-ca das aldeias, bem como analisar suasrelações com a saúde e as doenças. “Noinício, diante das diferentes regras deetiqueta e visões do mundo, temos asensação de ser um sujeito fora do lu-gar, devido ao estranhamento suscita-do pela distância do que nos é famili-ar”, revela Raquel. “Mas isso faz partedo processo de construção do conheci-mento antropológico.”

Operaçãocata-mosquito

Pelo menos uma vez por mês, oentomologista Anthony Érico Guima-rães, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)da Fiocruz, se aventura para coletar

e pesquisar insetos transmissores dedoenças como febre amarela, denguee Chagas. Os principais destinos dasviagens são reservas ecológicas, ondeé possível avaliar o comportamentodas espécies longe da intervenção hu-mana, e regiões onde são construídosgrandes empreendimento, sobretudoas hidrelétricas – represar a água,inundar uma região e secar parte doleito de um rio têm forte impacto naecologia dos vetores e na dinâmicade doenças.

A lista dos locais já investigadosinclui os parques nacionais de Itatiaia(RJ), Serra dos Órgãos (RJ), Tinguá (RJ),Bocaina (RJ/SP), Serra do Mar (SP),Chapada dos Guimarães (MT), Chapa-da dos Veadeiros (GO) e Iguaçu (PR).Atualmente, a equipe de Anthonyavalia o impacto de duas hidrelétricasem Tocantins e uma em Goiás. “O tra-balho começa dois anos antes da

construção da usina, acompanha asobras e se estende por dois anos apóso início da operação”, explica. “Oobjetivo é identificar como mudançasna fauna de vetores e na organizaçãodas comunidades locais têm influênciasobre a incidência de doenças, a fimde promover ações de prevenção.”

Graças a essa vigilância, o númerode casos de malária registrados noentorno da Usina Hidrelétrica de Serrada Mesa (GO) não ultrapassou 65 aolongo de cinco anos, enquanto, no pas-sado, a construção de um empreendi-mento desse tipo causaria milhares deocorrências da doença. O próprioAnthony já contraiu malária duas vezes,além de já ter enfrentado outros percal-ços, como atolar o carro na lama e seperder na mata. Mas nada disso o desa-nimou. “Adoro fazer trabalho de cam-po. Passo, pelo menos, dez dias por mêsnessas expedições”.

Leandro Giatti (CPqLMD / Fiocruz)

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infecção pelo vírus daAids, que atinge 40 mi-lhões de pessoas emtodo o mundo, segundodados da Organização

Mundial de Saúde (OMS), traz umdesafio ainda maior à saúde públicacom a ocorrência de doenças oportu-nistas que agravam o quadro do paci-ente. Entre elas, destacam-setuberculose, toxoplasmose e pneumo-nia por Pneumocystis carinii. Recen-temente, pesquisadores do InstitutoOswaldo Cruz (IOC) investigaram aemergência da leishmaniose comoimportante agravo associado à infec-ção pelo vírus HIV tipo 1 (HIV-1). O

o projeto integra diversas abordagenspara o esclarecimento da co-infecçãoe prevê a avaliação clínica, epidemi-ológica, parasitológica, virológica eimunológica da co-infecção para quepossam ser traçados parâmetros paradiagnóstico, prevenção e tratamen-to”, apresenta a coordenadora doprojeto, Alda Maria Da-Cruz, pesqui-sadora do Laboratório de Imunopa-rasitologia do IOC.

Com o objetivo de entendercomo o organismo humano se com-porta diante da co-infecção, os labo-ratórios de Imunoparasitologia e deAids e Imunologia Molecular do IOCestudam perfis imunológicos de paci-

Para melhorentender a

Co-infecção por HIV e leishmanioseemerge como desafio à saúde pública

aumento de casos de co-infecção se-ria resultado de um fenômeno desobreposição das epidemias, caracte-rizado pela ruralização da Aids e pelaurbanização das leishmanioses. O im-pacto epidemiológico é tão significa-tivo que a OMS cogita introduzir aleishmaniose visceral como doençaindicadora da Aids.

Para compreender a interaçãoentre os patógenos e produzir dadosque subsidiem políticas públicas parao controle da co-infecção, pesquisa-dores do IOC desenvolvem um proje-to multidisciplinar pioneiro na área.“Aprovado pelo Programa Nacionalde DST/Aids do Ministério da Saúde,

Aids

AO vírus HIV (acima) e a Leishmania (à direita): associação de doenças preocupa as autoridades de saúde

NOTAS

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2 1REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

entes infectados simultaneamentepelos dois agravos e comparam os re-sultados a padrões encontrados emindivíduos infectados somente peloHIV-1 ou pela Leishmania, buscandoidentificar alterações imunológicas quepossam definir marcadores prognós-ticos capazes de monitorar a evolu-ção da co-infecção.

“A partir de nossa experiênciaem avaliação da infecção pelo HIV-1,utilizamos a técnica de citometria defluxo para investigar como o sistemaimune se comporta durante a co-in-fecção por HIV-1 e Leishmania”, apre-senta a pesquisadora Carmem Gripp,co-coordenadora do projeto que ava-lia também o impacto da terapiaantirretroviral a que os pacientes in-fectados pelo HIV-1 são submetidossobre a evolução da infecção porLeishmania. “Isso é importante porquemesmo que não apresentem mais ossintomas da leishmaniose, pacientesco-infectados submetidos à terapiaanti-retroviral podem reapresentar adoença, devido ao impacto do trata-mento anti-HIV sobre células de defe-sa que também controlam a replicaçãode leishmânias”, conclui Carmem.

Integrando a iniciativa, tambémestá sendo investigado um possívelmarcador imunológico presente emcélulas de defesa que possa sinalizara ocorrência de ativação da respostaimune durante a co-infecção. “A res-posta imune é diferente paraLeishmania e para HIV-1. Ambas de-pendem de um mecanismo específi-co e quando os patógenos sãoassociados verificamos novos aspec-tos imunopatogênicos decorrentesdesta interação”, explica Joanna ReisSantos de Oliveira, que conduz o es-tudo em seu mestrado pelo Progra-ma de Pós-graduação em BiologiaParasitária.

Investigação clínica

Resultados preliminares apontamuma molécula associada à ativação deresposta imune presente em células dedefesa como possível marcador imu-nológico da co-infecção. A moléculaseria capaz de sinalizar a reativaçãoda leishmaniose em pacientes

assintomáticos para a doença ou emindivíduos que já tenham sido trata-dos clinicamente. “Pacientes co-infec-tados apresentam expressãoextremamente elevada desta molécu-la. Entre eles, os que manifestam cli-nicamente a doença registraram maioríndice de expressão deste marcadorem relação aos indivíduos clinicamen-te tratados. Por isso acreditamos quea redução do índice de ativação destamolécula possa ser um indicador demelhora clínica da co-infeccão”, des-creve Joanna.

O projeto também estabeleceráprotocolos de investigação clínica aserem utilizados por serviços de refe-rência no atendimento a pacientes co-infectados e definirá particularidadesda infecção por parasitos que ocorremna América Latina e suas implicaçõesna epidemiologia e nas estratégias dediagnóstico e tratamento. “O projetoconsolidará a experiência brasileira emco-infecção por Leishmania e HIV-1,que, como vem sendo demonstrado,apresenta diferenças substanciais emrelação à epidemia de co-infecçãoregistrada na Europa”, finaliza Alda.

A partir de outra abordagem, oLaboratório de Imunologia Clínica doIOC estuda como a infecção por HIV-1 regula a replicação de leishmâniasem macrófagos co-infectados: umapesquisa básica que observou in vitroa interação entre os patógenos em cé-lulas do sistema imune aponta a pro-teína Tat do HIV-1, essencial para oprocesso de replicação do vírus, comoimportante mediadora da proliferaçãode leishmânias nestas células. A pro-teína, liberada por células infectadaspelo vírus, induz a produção de subs-tâncias moduladoras da replicação deleishmânias (TGF-â1 e PGE2), o queleva à inibição do efeito de uma subs-tância produzida pelo sistema imunepara o controle da proliferação doparasito (interferon-Õ). Essa dinâmicapromove um ciclo de potencializaçãodos agravos, uma vez que a replicaçãoexacerbada do HIV-1, induzida pelapresença de leishmânias, resulta na su-perprodução e na maior liberação daproteína Tat, que potencializa areplicação do parasito.

A adição em laboratório da pro-teína Tat a macrófagos infectados porleishmânias tratados com interferon-Õreforça a hipótese: o experimento re-sultou em uma total reversão do efeitoda substância sobre a replicação doparasito, indicando que a presença daproteína do HIV-1 desencadeia a proli-feração descontrolada de leishmâniasatravés da indução de mediadores fa-voráveis à multiplicação do parasito.Esse mecanismo pode contribuir paraa reemergência da leishmaniose emindivíduos já tratados e para o aumen-to da carga viral de HIV-1.

Doenças oportunistas

Agora, os pesquisadores investi-gam se a infecção pelo HIV-1, ou aproteína Tat do vírus, seria capaz dedesativar funções microbicidas demacrófagos, permitindo o estabeleci-mento de infecções que normalmen-te não ocorrem em indivíduosnão-infectados pelo HIV-1. “Acredita-mos que a proteína Tat, juntamente àimunossupressão causada pela infec-ção por HIV-1, seja capaz de gerar umambiente permissivo para a replicaçãode outros tripanossomatídeos, quepodem levar à ocorrência de doençasoportunistas à Aids”, conclui o dou-torando Victor Barreto de Souza Bra-sil, que conduziu o estudo coordenadopelo imunologista Dumith ChequerBou-Habib, do Laboratório deImunologia Celular do IOC, em par-ceria a pesquisadores do Instituto deMicrobiologia da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ).

Também participam do projetoo Laboratório de Pesquisas Clínicas doCentro de Pesquisa René Rachou(CPqRR) e o Instituto de Pesquisa Clí-nica Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz;o Instituto de Medicina Tropical e oHospital das Clínicas da Faculdade deMedicina da Universidade de São Pau-lo; o Instituto de Doenças TropicaisNatan Portella da Universidade Fede-ral do Piauí; o Núcleo de Medicina Tro-pical da Universidade de Brasília; oInstituto de Infectologia Emílio Ribas;e o Centro de Ciências Biológicas eda Saúde da Universidade Federal deMato Grosso do Sul.

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REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 20072 2

Dividendos do

Bolsa FamíliaPesquisa avalia indivíduos beneficiados pelo Programa

NOTAS

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2 3REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Ricardo Valverde

a janela de sua sala, nonono andar do prédio daEscola Nacional de SaúdePública (Ensp), no campusda Fiocruz, a nutricionista

Rosana Magalhães observa o movi-mento das pessoas que transitam porentre os barracos e terrenos da favelade Manguinhos, num ritmo incessan-te e num ambiente marcado pela ex-trema pobreza. Rosana, que tem dou-torado em política e planejamento emsaúde e em 2005 encerrou um estu-do sobre a implementação do progra-ma Bolsa Família nos municípiosfluminenses de Duque de Caxias (naRegião Metropolitana) e São Francis-co de Itabapoana (no extremo nortedo Estado do Rio de Janeiro), se prepa-ra agora para coordenar outra pesqui-sa, que vai enfocar a situação de famí-lias beneficiadas que moram emcomunidades de Manguinhos – bairroque tem um Índice de Desenvolvimen-to Humano (IDH) que está entre os maisbaixos da cidade do Rio de Janeiro. Oobjetivo é entender como o programaestá implantado e de que forma bene-ficia as famílias cadastradas.

A escolha por Manguinhos –bairro onde está situado o principalcampus da Fiocruz – ocorreu de for-ma natural, já que a Fundação desen-volve uma série de ações sociais comos moradores das 15 comunidadesque a rodeiam. Este vínculo estreitopermitirá a Rosana e sua equipe faze-rem as entrevistas com famílias querecebem o benefício e estão cadastra-das no Centro de Saúde da Ensp.

“Queremos chegar às famíliaspor meio dos agentes comunitários doPrograma Saúde da Família e assimexplorar as possibilidades do trabalhocom grupos focais. Também temos aperspectiva de colher depoimentosdos gestores do programa, analisan-do dessa forma os pontos fracos efortes das estratégias de implementa-ção. No caso dos beneficiados, a in-tenção é descobrir como utilizam osrecursos recebidos e estabelecem pri-oridades no gasto do benefício”, dizRosana, lembrando que as famílias

ainda não estão escolhidas porque issodepende também do fluxo dos comi-tês de ética das secretarias municipaisde Saúde, Educação e Assistência So-cial. A pesquisadora pretende compre-ender melhor a experiência das famí-lias com programas sociais na medidaem que, em geral, tais intervençõessão marcadas pela descontinuidade efragmentação.

Saúde no Programa

Para Rosana, o Bolsa Família –que atualmente atinge a cerca de 10,5milhões de famílias em todo o país erepresenta 16% do gasto social doGoverno Federal – tem muitaspotencialidades mas apresenta algunsgargalos gerenciais, sobretudo no que

diz respeito ao acompanhamento daschamadas condicionalidades, aquelescompromissos nas áreas de educaçãoe saúde que as famílias devem cum-prir para assegurar o direito de rece-ber o benefício. “Seria muito impor-tante flexibilizar os critérios de inserçãono programa, porque a capacidade deconverter renda em bem-estar é dife-renciada de acordo com o perfil dasfamílias. Se existe a presença de por-tadores de deficiência física ou doen-tes crônicos há maior dificuldade parausufruir do recurso monetário”.

A pesquisadora vê uma fraca ar-ticulação do programa com o mundodo trabalho. Projetos de inserção que

Dgarantam geração de renda e, portan-to, criem “portas de saída” efetivaspara o programa são cruciais. Rosanaafirma que “é necessário rever a faixaetária atendida, que vai até os 15anos, enquanto que em outros países,como o México, iniciativas semelhan-tes ao Bolsa Família estendem a idadeaté os 21 anos, e dessa forma fortale-cer programas complementares quefavoreçam a empregabilidade dos jo-vens e gerem maior autonomia. Alémdisso, o acompanhamento das condi-cionalidades nem sempre é feito damaneira mais rigorosa”.

Embora, para Rosana, seja ine-gável a contribuição do programa paraa redução da desigualdade de rendano país verificada nos últimos quatro

anos, algumas distorções podem serequacionadas a fim de ampliar o im-pacto na promoção do capital huma-no. Ela diz que acompanhar a quali-dade do ensino e da atenção básica àsaúde das famílias deve ser uma tare-fa estreitamente vinculada ao proces-so de implementação do programa.

Do outro lado da pesquisa queRosana e equipe começarão a execu-tar estão brasileiras como AndréaMartins da Silva, de 32 anos. Traba-lhando como auxiliar de creche nobairro do Rocha, na Zona Norte do Riode Janeiro, ela é casada e tem quatrofilhos, com idades entre 5 e 15 anos.Há três anos recebendo o benefício

De sua janela,Rosana vê o

movimento daspessoas emManguinhos.

Na páginaanterior, Valdira

e os filhos

Foto: Virgínia Damas / Ensp

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O Bolsa Família é um pro-grama de transferência direta derenda com condicionalidades,instituído pelo Governo Federalem outubro de 2003. Integrantedo Fome Zero, ele tem como alvofamílias em situação de extremapobreza, ou seja, com renda percapita mensal de até R$ 60, comfilhos ou não; e famílias com ren-da per capita mensal entre R$60,01 e R$ 120, consideradas po-bres, que apresentem em suacomposição gestantes, nutrizes,crianças e adolescentes com até15 anos.

Para firmar o compromisso ea responsabilidade dos beneficiá-rios com as metas de superaçãoda situação de pobreza, as famíli-as beneficiárias devem cumprir al-gumas exigências, as condiciona-lidades: acompanhar a saúde e oestado nutricional de todos os in-tegrantes da família; manter o ca-lendário de vacinação em dia, no

caso das gestantes fazer as con-sultas de pré-natal, manter todasas crianças em idade escolar ma-triculadas e freqüentando o Ensi-no Fundamental; e participar dosprogramas de educação alimentaroferecidos pelos governos Federal,estaduais e/ou municipais.

O que é oBolsa Família

Com o Bolsa Família, Andréa pôde comprar uma televisão nova, além de remédios e mais alimentos

do Bolsa Família, Andréa costuma em-pregar os R$ 95 recebidos mensalmen-te do Governo Federal em gastos commedicamentos e na educação dos fi-lhos. Moradora da Vila São Pedro, emManguinhos, Andréa também viu oBolsa Família ajudá-la a comprar umatelevisão de 14 polegadas, “pagando

prestações de R$ 40 em 12 ve-zes”. Para ela, que trabalha nacreche de 7h às 16h e cujomarido é montador em umarede de venda de eletrodomés-ticos na qual só ganha pelosprodutos que montar, o auxíliodo programa governamentaltem sido de grande utilidade.

Assim como Andréa,Valdira Valéria da Costa, de 24anos, mãe de três filhos comidades entre 1 e 5 anos e grá-vida de dois meses, é outrabrasileira que precisa do pro-grama para manter a família.Casada com um pedreiro que

ao visitar a família em Parnamirim,no Rio Grande do Norte, a conhe-ceu e a trouxe para o Rio, ela morana comunidade Mandela 2, uma dasmais pobres de Manguinhos. Rece-bendo também R$ 95 por mês,Valdira usa o dinheiro na compra decomida e também na aquisição deroupas e calçados.

Atendimento na FiocruzAndréa, Valdira e muitas outras

responsáveis por suas famílias são aten-didas por uma equipe do Centro deSaúde da Fiocruz. Todas as quintas-fei-ras, o grupo, formado por assistentessociais e nutricionistas da Fundação, re-cebe cerca de 50 mães – poucos sãoos pais que aparecem – que levam seusfilhos para serem avaliados, medidos epesados. As filas se formam cedo, apartir das 5h, e o atendimento é feitodas 7h30 às 14h. Depois da primeiravisita ao Centro de Saúde a equipe fazum acompanhamento social da famí-lia e, quando encontra problemas – vi-olência doméstica, falta de documen-tos, dependência química e outros –analisa e discute com os responsáveis,sugerindo possíveis alternativas para asolução ou pelo menos minimizaçãodos problemas, prestando orientaçãoe encaminhando para serviços internose externos à Fiocruz.

O acompanhamento das famíliasna Fiocruz inclui o controle vacinal e aavaliação nutricional dos menores de 7anos e das gestantes. Aqueles que apre-sentam baixo peso ou sobrepeso têmuma consulta individual com o Núcleode Nutrição. Em seis meses as respon-sáveis se comprometem a voltar ao Cen-tro, para uma nova rodada de acompa-nhamento das condicionalidades.

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O papelda ciência

PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

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atrono da Fiocruz, o sanitaristaOswaldo Cruz costumava dizer que asverbas para manutenção da bibliote-ca de Manguinhos e para a aquisiçãode periódicos científicos eram tão

importantes que se podia pensar em cortarcustos em várias áreas da instituição, menosnaquela destinada aos livros. De fato, jádesde antes da época de Cruz que é no siste-ma de publicação de trabalhos em periódi-cos que a ciência se perpetua, faz avançar osaber e movimenta reflexões em diferentescampos do conhecimento.

Oswaldo Cruz, é lícito supor, ficaria satis-feito que a instituição que criou continuadedicando parte de suas verbas aos periódi-cos científicos. Melhor: que a Fiocruz editaininterruptamente uma revista voltada àsciências biomédicas desde que ele próprio acriou 1909, as Memórias do IOC, publicaçãoque nos anos mais recentes ganhou a com-panhia de outros periódicos que vêm ocu-pando crescente espaço em suas respectivasáreas: os Cadernos de Saúde Pública, a His-tória, Ciências, Saúde – Manguinhos e a Tra-balho, Educação e Saúde.

Indicação para diferentes bases de dadosinternacionais, reconhecimento como a re-vista de maior impacto na América Latina,pioneirismo em áreas do conhecimento quecareciam de periódicos especializados, cres-cente interesse do público, destaque pelorigoroso processo de seleção de trabalhospreparados por autores locais e internacio-nais - eis algumas das credenciais das publi-cações científicas editadas pela Fundação.

A reportagem a seguir conta um pouco datrajetória desses periódicos, que cada vezmais ampliam a excelência e ocupam lugar dedestaque no sistema de ciência e tecnologia.

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ma revista fundada porOswaldo Cruz, que tema primazia de ser um dosperiódicos científicosmais antigos da Améri-

ca Latina na área biomédica e que jáem seu primeiro volume trazia umadas principais contribuições brasileirasà saúde pública mundial – a desco-berta por Carlos Chagas da doençaque levaria seu nome – nasceu comuma singularidade rara. Some-se aessa robusta tradição a capacidadepermanente de se modernizar, acom-panhando as tendências de editoraçãoeletrônica e de acesso gratuito online,e temos as Memórias do InstitutoOswaldo Cruz, reconhecida como arevista científica de maior impacto daAmérica Latina pelo Institute forScientific Information (ISI) em sua úl-tima avaliação, em 2006.

O ISI é a entidade responsávelpelo ranking mundial de periódicos ci-entíficos indexados. O fator de impac-to é calculado pela divisão do númerode vezes que os artigos publicados emum determinado periódico foram ci-tados em trabalhos científicos nos úl-timos dois anos pelo número total deartigos publicados no período. O fatorde impacto obtido pelas Memórias doInstituto Oswaldo Cruz em 2006 –1,208 – é o maior alcançado por umarevista brasileira desde 2001.

“O reconhecimento das Memó-rias do Instituto Oswaldo Cruz comoperiódico de maior impacto na Améri-ca Latina é resultado da trajetória de

ExcelênciaconfirmadaMemórias do Instituto Oswaldo Cruz se consolida como periódicocientífico com maior fator de impacto da América Latina

sucesso da revista, que integra a tradi-ção como um dos mais antigos perió-dicos de divulgação científica do conti-nente a uma busca constante pelamodernização”, avalia Ricardo Louren-ço, editor da revista desde janeiro des-te ano. José Rodrigues Coura, que es-teve à frente das Memórias durante dezanos, mostra que a conquista não émero acaso. “Desde 2004, existe umcrescimento geométrico do número deconsultas à revista. Certamente, issoseria traduzido em um aumento donúmero de citações”, afirma.

Inicialmente, a revista se propu-nha a divulgar a produção científica doentão Instituto de Patologia Experimen-tal de Manguinhos, hoje InstitutoOswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Porém,logo passou a aceitar também traba-lhos originais produzidos por outrasinstituições de pesquisa – transiçãomediada sempre pelo criterioso proces-so de aprovação de artigos que carac-teriza a revista desde 1909 e que ga-rante até hoje a relevância científica ea originalidade dos trabalhos publica-dos. “Existe uma preocupação constan-te em manter a revista atualizada emrelação aos padrões internacionais depublicação científica, combinada à ex-celência de quem é pioneiro na área.Entre as últimas estratégias de moder-nização editorial estão a publicação nainternet de todo o conteúdo da revistadesde 1994, que tem acesso gratuito,e a instituição, este ano, do sistema desubmissão online de artigos, que con-fere maior agilidade e segurança aoprocesso de publicação de trabalhos”,explica Lourenço.

UBel Levy

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endo a excelência e o pi-oneirismo como pilaresdesde a sua criação, em1900, quando o sanita-rista Oswaldo Cruz pro-

jetou a inserção do Brasil no cenáriointernacional deciência e tecnolo-gia ao criar a pri-meira escola demedicina experi-mental do país, oInstituto OswaldoCruz (IOC) acu-mula ao longo desua trajetória aexperiência secu-lar de pesquisa-dores hoje reco-nhecidos comoícones da ciênciabrasileira. Taispersonalidades esuas relevantesc o n t r i b u i ç õ e spara o conheci-mento científicoescreveram im-portantes capítu-los da história dasMemórias do Ins-tituto OswaldoCruz, contribuindo para o reconheci-mento da revista pela comunidade ci-entífica internacional.

Já no primeiro volume do perió-dico, publicado em 1909, um traba-lho inédito sobre uma doença aindadesconhecida entrava para a históriado Instituto e da ciência: no artigointitulado Nova tripanozomiase hu-mana, o pesquisador Carlos Chagasdescrevia o ciclo da doença que leva-ria seu nome. “Quantas vezes leio ereleio esse trabalho ao longo dos úl-timos 30 anos e a cada vez encontromais ensinamentos no detalhe das

observações, na precisão dos concei-tos e da linguagem, no espírito de co-laboração e de equipe – embora naépoca do individualismo – e nos as-pectos de ética profissional e de re-conhecimento ao diretor, aos mestres

e companheirosde trabalho”, ad-mira otropicalista JoséR o d r i g u e sCoura, referên-cia internacionalem medicina tro-pical, que assu-miu a edição dasMemórias do Ins-tituto OswaldoCruz nos perío-dos 1980-1985 e2001-2006.

Data tam-bém do início doséculo 20 a publi-cação na revistada descrição dop a r a s i t oL e i s h m a n i abrasiliensis, agen-te etiológico cau-sador da leishma-n i o s e

tegumentar, realizada pelo pesquisa-dor Gaspar Vianna em 1911. Desdeentão, artigos científicos de excelên-cia produzidos em todo o mundo in-tegram o periódico. Entre eles estãoestudos de alto impacto sobre o co-nhecimento científico desenvolvidospor pesquisadores do IOC, como o iso-lamento dos vírus do dengue e da Aidsno Brasil, publicados respectivamenteem 1986 e 1987.

O conteúdo das Memórias doInstituto Oswaldo Cruz pode ser con-sultado gratuitamente no site da re-vista: http://memorias.ioc.fiocruz.br.

Para garantir a qualidade e a ori-ginalidade que caracterizam as Memó-rias do Instituto Oswaldo Cruz, os maisde 350 artigos submetidos anualmen-te por pesquisadores de todo o mun-do enfrentam um criterioso processode avaliação, desempenhado em mé-dia ao longo de três meses por umaequipe editorial composta por especi-alistas de diferentes áreas das ciênci-as biomédicas.A primeira etapa daavaliação consiste em uma pré-análi-se, em que cinco editores associadosexecutam uma triagem do materialrecebido para identificar os trabalhospassíveis de publicação. Os critériosdeste exame são a originalidade doestudo, seu impacto sobre o conheci-mento científico, a universalização dainformação, que não deve ser de in-teresse somente local, e a adequaçãodo tema ao perfil da revista, que com-preende pesquisas básicas e aplicadasem bioquímica, imunologia, biologiamolecular e celular, fisiologia, farma-cologia e genética relativas aos cam-pos da medicina tropical, parasitologiae microbiologia. Ao fim desta etapa,o trabalho em análise pode ser devol-vido ao autor – se não atender aospré-requisitos para publicação – ouprosseguir na avaliação. Em caso deresposta positiva, o artigo segue paraanálise por pelo menos dois pares, istoé, por pesquisadores da mesma áreae especialistas no tema do manuscri-to. Nesta etapa, o artigo pode ser re-provado; aprovado condicionalmentee devolvido ao autor com o aponta-mento do que deve ser refeito; ouaprovado sem ressalvas, quando o tra-balho é finalmente encaminhado paraavaliação final do editor da revista, quedá o aval definitivo para a publicação.

Pesquisadores ilustres,artigos impactantesComo a participação de cientistas renomados transformou asMemórias na revista de maior fator de impacto na América Latina

Da submissão àpublicaçãoSaiba como artigos enviadospor pesquisadores de todo omundo são selecionados paraas páginas das Memórias

T

Trecho do artigo em que o cientista CarlosChagas anunciou a descoberta da doençaque levaria seu nome

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A serviço da saúde públicadesde a época do

mimeógrafo

N o início da década de 80, artigos produzidos

por professores da Escola Nacional de Saúde

Pública (Ensp) da Fiocruz começaram a

circular em apostilas mimeografadas. Elas

foram o embrião da revista Cadernos de

Saúde Publica, lançada em 1985 para preencher uma

lacuna existente entre os periódicos científicos do país –

na época, apenas a Universidade de São Paulo editava

uma publicação de abrangência nacional voltada à saúde

pública. Vinte e dois anos depois, os Cadernos comemo-

ram o status alcançado no mercado editorial: em 2007,

foram incluídos na lista de periódicos do Institute for

Scientific Information (ISI), uma das mais renomadas

bases de dados internacionais, onde, entre 14 mil títulos,

apenas cerca de 30 são do Brasil.

Catarina Chagas e Fernanda Marques

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nicialmente editada pelosprofessores FredericoSimões Barbosa e LuizFernando Ferreira, os Ca-dernos de Saúde Pública,

já em seus primeiros anos, foram umespaço privilegiado para a disseminaçãodas bases científicas da Reforma Sani-tária, o que incluía temas como vigilân-cia sanitária, sistemas de informação emsaúde e criação do Sistema Único deSaúde (SUS). Conforme a pós-gradua-ção na Ensp foi se consolidando, surgiua necessidade de modernizar o periódi-co e ampliar seus horizontes. “Os pri-meiros trabalhos publicados eram mui-to regionais, de modo que se fazianecessário tornar a revista de abrangên-cia nacional, para que o Brasil se visseretratado em suas páginas”, conta opesquisador Carlos Coimbra Jr, editor-chefe dos Cadernos desde 1991.

Mudanças no layout, internacio-nalização do conselho editorial, menorintervalo entre a aprovação do artigo esua publicação, aumento do númerode artigos publicados em inglês: estasforam algumas das transformaçõespelas quais os Cadernos passaram, pro-cesso que culminou com sua indexaçãona base de dados Medline, da Bibliote-ca Nacional de Medicina dos EstadosUnidos, em 1998.

Se, antes da indexação, a revistajá era bastante procurada por autoresde fora da Fiocruz, depois os Cader-nos ganharam ainda mais visibilidade,chamando a atenção, inclusive, depesquisadores estrangeiros. O núme-ro de artigos submetidos ao periódicoé um reflexo do prestígio conquista-do. São mais de mil por ano atualmen-te, contra apenas 40 em meados dadécada de 80. Para acompanhar esseritmo, a periodicidade também mu-dou: começou trimestral e, desde2006, é mensal. No total, os Cader-nos estão presentes hoje em quase 20bases de dados internacionais.

Na Biblioteca Científico-Eletrôni-ca Online (Scielo, na sigla em inglês),que reúne 185 títulos, os Cadernos sãoo periódico mais visitado. Desde 1999,foram realizados mais de sete milhõesde downloads de seus artigos. Umademonstração da importância da re-vista no cenário científico nacional ésua presença, em 28 áreas do conhe-

cimento, no Qualis, classificação deperiódicos elaborada pela Coordena-ção de Aperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior (Capes) do Ministé-rio da Educação para avaliar ondedocentes e alunos de pós-graduaçãopublicam sua produção intelectual.

As edições especiais temáticas,publicadas, em geral, duas vezes aoano, também têm tido ótima aceita-ção de autores e leitores. O primeirosuplemento temático, em 1986, abor-dou a 8ª Conferência Nacional de Saú-de, a primeira que envolveu a popula-ção no debate e cujos resultadoscontribuíram para o texto da saúde naConstituição de 1988. Já nas ediçõesespeciais mais recentes, os assuntos dis-cutidos foram globalização, desigual-dade e doenças infecciosas na Améri-ca Latina e integração regional epolíticas de saúde.

“Os Cadernos pretendem ser uminstrumento de ajuda para o trabalhodos profissionais e instituições do setorsaúde, visando contribuir para amelhoria das condições de saúde e devida de nossas populações”, escreveu oentão diretor da Ensp, Arlindo FábioGómez de Sousa, no editorial de lança-mento do periódico. As palavras deArlindo, atual chefe de Gabinete da Pre-sidência da Fiocruz, vêm se confirman-do. Com grande diversidade de autorese leitores, que misturam profissionais dasciências humanas e biomédicas, a pu-blicação funciona como ponte entre omeio acadêmico e os serviços de saúde– o conhecimento científico veiculadonas páginas do periódico fornece subsí-dios para melhorias na assistência ofe-recida à população.

Prova de que os Cadernos são umimportante elo entre a ciência e a soci-edade foi o Prêmio de Incentivo em Ci-ência e Tecnologia para o SUS, conce-dido pelo Ministério da Saúde pelaprimeira vez em 2003. Naquele ano,dos cinco contemplados na categoriaartigos, três haviam estampado as pá-ginas da revista da Ensp. “Cadernos sãoum projeto coletivo, transcendendo li-mites institucionais específicos, sendoproduto do dinamismo da comunida-de científica em saúde pública brasilei-ra como um todo”, conclui o livro Umaescola para a saúde, comemorativo dos50 anos da Ensp, em 2004.

I

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Catarina Chagas e Fernanda Marques

istoriadores, sociólogos,antropólogos, filósofos etambém profissionais daárea médica que se dedi-cam ao estudo da histó-

ria das ciências da vida têm como pon-to de encontro a revista História,Ciências, Saúde – Manguinhos, peri-ódico da Casa de Oswaldo Cruz (COC)da Fiocruz que, ainda hoje, é o únicoespecializado nesse tema no país.

A revista, que começou a circu-lar em 1994 com periodicidadequadrimestral, hoje é publicada a cadatrês meses, tem edições especiais te-máticas e, ainda assim, não dá contade publicar todos os artigos que che-gam à redação. “Mas nem sempre aprocura foi tão grande. No começo,corríamos atrás dos pesquisadorespedindo colaborações”, conta a jor-nalista Ruth Martins, editora-executi-va da revista. “Agora, recebemos es-pontaneamente muitos trabalhos nãosó do Brasil, mas também de outrospaíses da América Latina, da Américado Norte e da Europa.”

Um dos fatores que podem ex-plicar a maior concorrência para es-tampar as páginas de História, Ciênci-as, Saúde – Manguinhos é umamudança que lentamente está ocor-rendo entre os cientistas sociais.“Acostumados a publicar livros, elesvêm despertando, pouco a pouco,para a importância de divulgar seustrabalhos em periódicos”, afirma ohistoriador Jaime Benchimol, editorcientífico da revista. Todo esse proces-so contribuiu para o amadurecimentoda publicação da COC, cada vez maisexigente com a qualidade das pesqui-sas que divulga.

Se, por um lado, cresceu o nú-mero de autores interessados em pu-blicar no periódico, por outro, au-mentou muito mais o númerode leitores, principalmente apartir do ano 2000, quandoa revista foi incluída na Bi-

blioteca Científico-Eletrônica Online(Scielo, na sigla em inglês), onde seustextos são colocados à disposição inte-gral e gratuitamente. Para se ter umaidéia da grande visibilidade alcançadagraças à versão eletrônica, só em 2006,os artigos da revista na Scielo ultrapas-saram os 700 mil acessos – númeromais de 500 vezes superior ao relativoao ano 2000 e 700 vezes maior que atiragem da versão impressa.

Há, ainda, outros fatores que in-dicam o prestígio que História, Ciên-cias, Saúde – Manguinhos alcançou nomeio acadêmico. Além da presença naScielo, a revista já foi indexada emoutras dez bases de dados internacio-nais. A mais recente e importante con-quista foi sua inclusão no Medline,serviço da Biblioteca Nacional de Me-dicina dos Estados Unidos que possi-bilita ao internauta localizar artigos deinteresse entre os publicados em cer-ca de cinco mil revistas da área medi-ca e biomédica.

Acaba também de ser classificadacomo A-Internacional em história noQualis-Capes, avaliação que esta agên-cia do Ministério da Educação faz dosperiódicos em que programas de pós-graduação divulgam sua produção in-telectual. A revista é classificada em14 outras áreas do conhecimento, sen-do A Nacional em sociologia, antro-pologia, arqueologia, ciências sociaisaplicadas, educação, educação física,medicina 1 e na área multidisciplinar.

Higienismo, saneamento das zo-nas urbanas e rurais, instituição e de-senvolvimento de disciplinas científicas,interações da ciência local com as ci-ências européia e norte-americana, edoenças endêmicas ou epidêmicas noBrasil e no mundo são os principais te-mas abordados no periódico da COC,que publica não só artigos, mas tam-

bém notas de pesquisa, en-trevistas e depoimentos,

fontes documentais eimagens, resenhas delivros e resumos dedissertações e teses.

Há 13 anos fazendo história

H

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Uma referência no ensino em saúde

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Eletrônica de acesso livre

A Fiocruz, por meio do Insti-tuto de Comunicação e Informa-ção Científica e Tecnológica emSaúde (Icict) lançou em junho asua quarta revista científica, aReciis - Revista Eletrônica de Co-municação, Informação e Inova-ção Científica e Tecnológica emSaúde. Em formato eletrônico, se-guindo a política de acesso livre, aReciis chegou à internet reconhe-cida como um produto pioneiropara a divulgação das pesquisasnos campos da comunicação e in-formação científica e tecnológicaem saúde.

Editada em dois idiomas(português e inglês) para alcan-çar audiência internacional, arevista publica conteúdos críticos,funcionando como um fórum dedebates entre pesquisadores, alu-nos de pós-graduação, gestorespúblicos e dirigentes de organi-zações internacionais, inclusive asnão-governamentais.

O periódico traz, além doeditorial, duas seções fixas desti-nadas a artigos originais e pes-quisas em andamento, bemcomo teses, dissertações e mo-nografias. A Reciis conta aindacom espaço para relatos de ex-periências profissionais, entrevis-tas, debates, depoimentos emgeral e ensaios teóricos.

Para conhecer a Reciis bastaacessar www.reciis.cict.fiocruz.br.Lá o autor pode encontrar todasas informações para submeter seusartigos, bem como as experiênciasprofissionais, as pesquisas em de-senvolvimento e outros temas.

econhecer a formação detécnicos em saúde comoum campo de reflexão,pesquisa e produção deconhecimento. Esse foi o

objetivo que motivou a Escola Politéc-nica de Saúde Joaquim Venâncio a cri-ar, em 2003, a revista Trabalho, Edu-cação e Saúde, um periódico científicoque promove debates, análises e rela-tos de experiências relacionados à edu-cação profissional em saúde. Segundoo diretor da EPSJV, André Malhão, arevista é mais um instrumento da Es-cola na defesa de que a formação dostrabalhadores da saúde de nível auxili-ar e técnico não pode ser instrumentale orientada apenas pelo fazer.

Carla Martins, uma das editorasdo periódico, concorda: A Trabalho,Educação e Saúde tem como políticaeditorial afirmar a própria configura-ção da educação profissional em saú-de como um campo teórico de discus-são. Ou seja, além de possibilitar queas diferentes áreas atravessem o cam-po da educação dos trabalhadores desaúde, outra grande tarefa de nossoperiódico consiste em qualificar o tra-balho e a educação profissional na saú-de como objeto teórico”, explica.

Mesmo com uma história recen-te, a revista obteve conceito B na ava-

liação nacional na área de educação.Além disso, já está indexada em algu-mas bases, dentre as quais a Bibliogra-fia Brasileira de Educação (Inep),International Bibliography of the Soci-al Sciences (The London School ofEconomics and Political Science) e Ín-dice de Revistas de Educación Superiore Investigation Educativa (Iresie). Estáainda em processo de avaliação paraingresso no Scielo-Brasil e indexação noLilacs (Literatura latino-americana e doCaribe em Ciências da Saúde).

O periódico nasceu como se-mestral, mas, já em 2007, passou aser editado três vezes por ano, emmarço, julho e novembro. Aceita con-tribuições inéditas em português, es-panhol, inglês e francês para as se-ções ensaios, artigos, debates, relatose resenhas, além de publicar uma en-trevista. Conta com uma versão vir-tual que contém os textos na íntegra(www.revista.epsjv.fiocruz.br) e estáacessível também no Portal de Perió-dicos da Capes (Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Ní-vel Superior).

Com a tiragem de 1.500 exem-plares, recebe assinaturas individuais einstitucionais e está disponível em bi-bliotecas de instituições de pesquisa ede formação. “A revista busca tornaracessível o conhecimento, não só por-que este é financiado de forma públi-ca, mas também porque entendemosque ele é sempre fruto de um acúmulosocial e coletivo”, explica Carla.

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EPIDEMIOLOGIA

das doenças crônicas

Fiocruz-Pernambuco recupera histórico de óbitos de 1950 a 2000

Um panorama

no Brasil

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3 5REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Paula Lourenço

s transformações políti-cas, econômicas e demo-gráficas ocorridas no Bra-sil na segunda metade doséculo 20 geraram mu-

danças significativas no perfil epide-miológico da população. Se, na pri-meira metade do século passado, aspessoas adoeciam e morriam por do-enças infecciosas e parasitárias, atu-almente, no país, essa tendência temdiminuído. As doenças crônicas nãotransmissíveis, conhecidas tambémpela sigla DCNT, são as principais cau-sas de morte entre os brasileiros nosdias de hoje. Na lista dessas enfermi-dades aparecem as doenças do apa-relho circulatório (DAC), o diabetesmellitus e os vários tipos de câncer(neoplasias malignas).

Dados do Ministério da Saúde (MS)de 2004 revelam que, em termos pro-porcionais, o grupo das doenças doaparelho circulatório mostra-se comoa primeira causa de morte em todas ascapitais brasileiras, com 27,9% dosóbitos. Em segundo lugar, está o gru-po das neoplasias, com 13,7% das mor-tes. Entre as dez primeiras causas demorte da população, a diabete, isola-damente, é a terceira principal causa,com 3,8% dos óbitos.

A observação dessas mudanças ea compilação dos dados fazem partede um estudo de resgate histórico de-senvolvido no Centro de PesquisasAggeu Magalhães (CPqAM), a Fiocruzde Pernambuco. “Percebemos que háuma insuficiência de estudos que re-cuperem as mudanças na sociedadebrasileira que influenciam a ocorrên-cia das DCNT”, pontuou a sanitaristaEduarda Cesse, autora do trabalho quefez uma recuperação de séries históri-cas de óbitos por esse grupo de cau-sas no período de 1950 a 2000.

A pesquisa teve como base a ex-ploração bibliográfica e documental ea reconstituição de séries de mortali-dade a partir de informações do Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE) e do MS. O estudo foi moteda tese de doutorado em saúde pú-blica, orientada por Eduardo Freese ecom co-orientação de Wayner Souza.

Inversãoepidemiológica

Com os dados, Eduarda Cesse verifi-cou a tendência de mortalidade que asdoenças crônicas não transmissíveis têmassumido ao longo do tempo, apesar dadificuldade encontrada para executar otrabalho, pois o monitoramento dessasenfermidades não possui a mesma facili-dade que o das doenças infecciosas eparasitárias. Ela destacou que, na Améri-ca Latina e no Brasil, a inversão epide-miológica de doenças infecciosas e para-sitárias para crônicas ocorreu, de umaforma geral, a partir da segunda metadedo século 20. “Até a metade da décadade 1960, as doenças infecciosas eram asque mais matavam. Nos países europeuse norte-americanos, esse padrão foi doinício do século passado”, lembra.

Uma estatística das estatísticas quecomprovam essa inversão é que, na déca-da de 1930, mais de 45% dos óbitos noBrasil eram de doenças infecciosas e para-sitárias. Na década de 1980, essa partici-pação caiu para em torno de 11%. Nosanos 1930, as doenças do aparelho circu-latório representavam aproximadamente11% dos óbitos no país. Já nos anos 1980,esse percentual subiu para mais de 30%.

No entanto, percebe-se que, embo-ra, de 1950 a 1980, a mortalidade pordoenças do aparelho circulatório tenha,proporcionalmente, aumentado, o riscode morte nas capitais brasileiras, de 1980

até 2000, medido pela Razão de Morta-lidade Padronizada (RMP) tem diminuí-do. “É uma tendência mundial, devido àmelhoria do diagnóstico, das intervençõesmais rápidas, tornando a doença maiscrônica e menos letal”, esclarece Eduarda.

Quanto às neoplasias malignas, ob-serva-se que tanto a mortalidade propor-cional quanto o risco de óbito têm au-mentado no período da análise nascapitais do país por causa do aumentoda longevidade da população e de múl-tiplos fatores, como a globalização e amudança nos hábitos de consumo.

No caso do diabetes, que aparecehoje como uma epidemia mundial, de-vido à obesidade e também por influ-encia do aumento da longevidadepopulacional, observa-se o aumentoproporcional dos óbitos, bem comouma tendência de risco de óbito cres-cente. Em capitais, como Recife, a RMPpassou de 0,21 para 1,43 no períodode 1950 a 2000.

Apesar da transformação epide-miológica observada, o país ainda convivecom as doenças infecciosas e parasitárias,que significam um grande prejuízo econô-mico e social, haja vista a epidemia de den-gue e de cólera, sem contar com as causasexternas, particularmente os homicídios.

Matriz

Diante do levantamento dessesdados, Eduarda Cesse construiu uma

A

O envelhecimento da população fez aumentar os casos de diabetes

Rogério Reis

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REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 20073 6

O crescimento desordenado das periferias foi um dos fatores responsáveis pelas mudanças no perfil epidemiológico no Brasil

Arquivo CPqGM / Fiocruz

matriz de determinação social das do-enças crônicas não transmissíveis noBrasil, no século 20, apontando o con-texto histórico da determinação, queinclui o político, o econômico e o deespaço de ocupação, os níveis demacrodeterminações (macropolíticas eações próprias do desenvolvimento dopaís), microdeterminações (políticas eações específicas do campo da saúde)e de determinação individual e de gru-pos (forma como os indivíduos/gruposvivem em sociedade, seus hábitos e in-serção na economia de sua região).

Ela constatou que, no país, houvea passagem de uma sociedade marca-damente patriarcal, fundamentadanuma economia rural para umasociedade marcadamente urbana eindustrializada, não isenta decontradições e geradoras de

desigualdades sociais. Paralelamente aessa transformação, houve avanços nocampo da saúde, com a organizaçãodo setor e criação do Sistema Único deSaúde (SUS).

Contudo, a organização da políticade saúde no país não vem ocorrendode forma a contemplar a relevânciacrescente das DCNT na populaçãobrasileira, pois existe a carência de todoum sistema de vigilância e monito-ramento para essas enfermidades e deuma política de prevenção para amaioria da população, que teve omodo de vida alterado, com aaquisição de novos hábitos.

Desigualdades

A pesquisadora Eduarda Cesselembra que, com esse atual cenário, oBrasil deixou de ter um padrão epide-

miológico e demográfico “arcaico”, naprimeira metade do Século 20, para umpadrão de “desigualdades”, no qualexiste a persistência, com prevalênciaelevada, de doenças endêmicas/epi-dêmicas, como malária, esquistosso-mose, dengue, entre outros, com oacoplamento e supremacia das DCNT,como doenças do aparelho circulatório,diabete, obesidade e osteoporose.

Essas alterações são influenciadaspor processos de caráter contraditório,tais como mudanças sociais, econô-micas, demográficas e sociais do povobrasileiro, que incluem industrialização,períodos de crescimento e estagnaçãoeconômica, diferentes fluxosmigratórios e urbanização semprecedências. Além disso, há ocrescimento de periferias nas capitais,geradores de desigualdades.

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3 7REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

estudo da Fiocruz dePernambuco tambémanalisou, de forma maisdetalhada, a tendênciade mortalidade por do-

enças do aparelho circulatório (DAC),por diversos tipos de câncer e diabetesnas cidades de São Paulo e do Recife.O levantamento foi feito por sexo (mas-culino e feminino), faixa etária (de 20 a60 anos e mais), subgrupos de doen-ças e causas específicas de 1980 a2002. São Paulo foi escolhida por setratar da cidade de maior expressivida-de econômica do país e por possuir umaboa fonte de dados. O Recife foi esco-lhido por se tratar de uma importantecapital do Nordeste brasileiro e por sero local de origem da pesquisadora, fa-cilitando a compilação dos dados.

Nas doenças do aparelho circulató-rio, observa-se uma tendência decres-cente de óbitos, de uma forma geral.No entanto, existe uma tendência cres-cente de óbito na população femininado Recife, de 20 a 59 anos, por doen-ças isquêmicas do coração. O infarto

agudo no miocárdio também tem cres-cido entre as recifenses de 20 a 60 anosou mais. Em São Paulo, as mulheres sãomais acometidas pela hipertensão primá-ria e pela doença cardíaca hipertensiva.

Para os homens mais jovens (de 20a 39 anos) em São Paulo, a situação estámais complicada, pois existe uma ten-dência crescente de risco de óbito emtodas as doenças do aparelho circulató-rio. No Recife, a tendência de alta foipara a doença cardíaca hipertensiva,nesta mesma faixa etária. Por outro lado,os recifenses de 40 a 59 anos, estão sen-do mais atingidos pelas doençasisquêmicas do coração e pelo infartoagudo do miocárdio, esse último, emSão Paulo, acomete os homens commais de 60 anos.

As neoplasias, por sua vez, mos-tram-se crescentes na maioria das fai-xas etárias nas duas capitais estudadas.Entre as mulheres de São Paulo e doRecife, dos 20 aos 60 anos e mais, ob-serva-se uma alta de óbitos por câncerde traquéia, brônquios e pulmões,mama, pâncreas, cólon, fígado e ovári-

os. No entanto, há uma queda de óbi-tos por câncer do colo do útero. No gru-po dos homens, em geral, ocorre o au-mento de todos os tipos de câncer, nafaixa etária de 20 a 60 anos e mais,com exceção do câncer do estômago,o único com tendência decrescente.

“O câncer de estômago está emdecréscimo nas capitais brasileiras. Issoporque, da década de 1950 para cá,houve uma melhor conservação dos ali-mentos, com a refrigeração, a diminui-ção do sal e o uso de conservantes.Mas, se por um lado, os conservantesmantiveram os alimentos em melhorestado, por outro, estão gerando ou-tros tipos de câncer”, esclarece EduardaCesse, autora da pesquisa.

No caso do diabetes, a análise estra-tificada por sexo de faixa etária revela quea mortalidade decresce em geral, nas fai-xas etárias mais baixas e sobe nas maisavançadas, em ambos os sexos, no Reci-fe e em São Paulo, conforme aponta atese de doutorado “Epidemiologia e De-terminantes Sociais das Doenças CrônicasNão Transmissíveis no Brasil”.

Cresce incidência de câncerno Recife e em São Paulo

O

Houve decréscimodas doenças do aparelhocirculatório em São Paulo

e no Recife, segundopesquisa do CPqAM

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Planejamento familiar

ENTREVISTA

O

Especialista aborda questãodos direitos reprodutivos no Brasil

planejamento familiarentrou na pauta do Go-verno Federal, principal-mente após a posse domédico-sanitarista José

Gomes Temporão no Ministério daSaúde. De acordo com um levanta-mento sobre a prática do aborto feitopela Federação Internacional de Pla-nejamento Familiar, entidade queatua em 150 países, inclusive o Bra-sil, divulgado em maio deste ano, es-tima-se que a cada ano sejam reali-zados cerca de 46 milhões de abortos,dos quais 19 milhões são feitos deforma insegura e 70 mil resultam emmorte materna. No Brasil, ocorre, emmédia, um milhão de casos de inter-rupções de gravidez de forma inse-gura a cada ano.

O Programa Nacio-nal de PlanejamentoFamiliar lançadoeste ano no Brasilvisa ampliar a ofer-ta de métodos

contraceptivos na rede pública de saú-de e nas farmácias privadas creden-ciadas ao programa Farmácia Populardo Brasil, e com isso reduzir o númerode abortos. O programa conta com adistribuição de 50 milhões de cartelasde pílulas anticoncepcionais e 4,3 mi-lhões de contraceptivos na versãoinjetável, além de pílulas de emergên-cia, as chamadas pílulas do dia seguin-te. Além disso, o governo pretende como programa garantir a assistência pré-natal humanizada, investir nas mater-nidades públicas e naqualificação de profis-sionais das emergên-cias obstétricas.

Em entrevista à Revista de Man-guinhos, a coordenadora do NúcleoInterdisciplinar de Saúde Sexual eReprodutiva do Instituto Fernandes Fi-gueira (IFF/Fiocruz), Claudia Bonan,fala sobre o Programa Nacional dePlanejamento Familiar e a sua impor-tância no campo da saúde no Brasil.Para ela, os direitos reprodutivos ain-da não estão ao alcance de toda a po-pulação brasileira.

em pauta

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3 9REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Qual a importância do planeja-mento familiar?

O planejamento familiar consisteem uma série de ações de saúde deassistência à contracepção e à concep-ção, cujas finalidades principais são pro-mover a saúde reprodutiva e garantiros direitos sexuais e reprodutivos daspessoas. Com a promulgação da Cons-tituição Federal, em 1988, o Estado bra-sileiro reconheceu o direito de todos oscidadãos e cidadãs a constituir livremen-te sua prole e incluiu entre suasobrigações prover recursos edu-cacionais, científicos e de saú-de para a efetivação desse di-reito. Com a aprovação da Leide Planejamento Familiar, em1996, o Ministério da Saúde eas secretarias de saúde estadu-ais e municipais começaram aimplementar uma série de açõesna área da assistência ao plane-jamento familiar. Contudo,uma década depois, essa tarefaainda não está concluída e osdireitos reprodutivos ainda nãoestão ao alcance de toda popu-lação brasileira. Então, consi-deramos muito positivo o com-promisso do atual ministro daSaúde com a ampliação doacesso e a garantia do direitoao planejamento familiar.

Historicamente, o planeja-mento familiar estava maisrelacionado aos conceitosinternacionais de controlede natalidade. Como foieste período de transição?

Entre as décadas de 60 e70, o planejamento familiar foi intro-duzido no Brasil através de entidadesprivadas internacionais e seu objetivocentral era a redução da taxa de cres-cimento populacional, ou seja, o con-trole demográfico. Esses programassuscitaram polêmicas e foram alvos demuitas denúncias, como incentivar aesterilização feminina entre as popu-lações pobres e distribuir maciçamen-te pílulas anticoncepcionais sem acom-panhamento médico adequado. Com

a transição democrática, nos anos 80,os movimentos de mulheres, negros ede reforma sanitária se envolveramnesse debate, refutando o viés autori-tário do controle de natalidade e apre-sentando uma nova visão sobre o pla-nejamento familiar como uma questãode direito das pessoas: direito a ter saú-de reprodutiva e direito de decidir so-bre sua vida reprodutiva. E foi essa vi-são que foi acolhida em nosso corpojurídico-normativo, desde a Constitui-ção de 1988.

Nas campanhas o governo desta-ca a importância do planejamentofamiliar como uma decisão do in-divíduo. Qual a importância dessetipo de direcionamento?

Conforme está previsto na próprialei, o planejamento familiar é um con-junto de ações de saúde e de educaçãoque têm o sentido de apoiar a mulher, ohomem ou o casal no que diz respeitoàs suas decisões reprodutivas. Deve fi-

car claro que não se trata de um pro-grama de controle de natalidade: a ga-rantia da liberdade de decisão no exer-cício da reprodução e da sexualidade ea promoção das melhores condições desaúde sexual e reprodutiva são osobjetivos maiores do planejamento fa-miliar. Hoje em dia já se discute a mu-dança do termo “planejamento famili-ar” para “planejamento reprodutivo”,ao se entender que as famílias são mui-to plurais e nem todas as decisões

reprodutivas se dão em um con-texto de conjugalidade, e o di-reito à regulação da própriafecundidade é um direito decada pessoa.

Dentre os principais métodosanticoncepcionais, ainda hádiscussão sobre o uso da pí-lula de emergência. Por quê?

Existem os métodos hormo-nais orais, injetáveis ou subcutâ-neos, os métodos de barreira, oDIU e os naturais. Entre os mé-todos hormonais, há o contra-ceptivo de emergência, mais co-nhecido como pílula do diaseguinte, que contém umaquantidade bem maior dehormônios que as pílulas anti-concepcionais corriqueiras. Acontracepção de emergênciadeve ser usada somente em ca-sos excepcionais – como uma re-lação sexual desprotegida ou fa-lha do método utilizado – e nãode rotina, pois, se usada comfreqüência além de poder fazermal à saúde, pode ter sua eficá-cia contraceptiva reduzida. O Mi-

nistério da Saúde já normatizou acontracepção de emergência, listando-a entre os métodos a serem colocados àdisposição nos serviços. Contudo, na prá-tica, esse método ainda é pouco ofere-cido, por pressão de grupos conserva-dores que, erroneamente, alegam que eleé abortivo. Um ponto muito importantepara quem trabalha com planejamentofamiliar é o incentivo à dupla proteção –contracepção e camisinha -, já que al-guns métodos não protegem contra do-enças sexualmente transmissíveis.

A especialista em saúde reprodutiva Cláudia Bonan

Danielle Neiva (IFF/Fiocruz)

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REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 20074 0

Lixo através da históriaPesquisa aborda percepção sobre os resíduos desde a Idade Média

PESQUISA

APesteTambém chamada peste negra oufebre do rato, a peste é causadapela bactéria Yersinia pestis etransmitida ao homem pela picadada pulga de roedores. Os primeirossintomas surgem após dois a cincodias, quando, em geral, ocorreinflamação dos gânglios linfáticos(peste bubônica). A doença podeevoluir para uma pneumonia, comtransmissão de pessoa para pessoa,ou levar a uma septicemia. Aletalidade é alta quando não hátratamento imediato.

Igor Cruz e Fernanda Marques

o longo da história, fo-ram construídas diferen-tes percepções sobre olixo, ou melhor, sobre osresíduos produzidos

pelo homem. Desde a perspectiva re-ligiosa na Idade Média, em que osresíduos eram associados à doençae ao pecado, até uma visão maisecológica nos nossos dias, o lixo aju-da a contar a história das civiliza-ções. O tema é abordado em um ar-tigo da doutora em saúde públicaMarta Pimenta Velloso, professorada Escola Nacional de Saúde Públi-ca Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz.O trabalho será publicado na revistaCiência & Saúde Coletiva, da Asso-ciação Brasileira de Pós-graduaçãoem Saúde Coletiva (Abrasco). A pes-quisadora também acompanhou

profissionais que trabalham com olixo para saber como lidam com oassunto e como a sociedade perce-be esse tipo de trabalho.

Integrante do Grupo de DireitosHumanos e Saúde Helena Besserman(GDIHS) da Ensp, Marta consultou li-vros do século 16 da seção de obrasraras da biblioteca da Universidade deCoimbra, em Portugal. Os livros fala-vam sobre a peste negra (ver box) doséculo 14. A partir dessas e de outrasleituras, a pesquisadora identificouquatro fases na história da percepçãosobre o lixo – definido como tudo aqui-lo que se joga fora, que não presta,resultante de atividades domésticas,comerciais, industriais e hospitalares.

A primeira fase é a Idade Média,quando a idéia de lixo remetia, sobre-tudo, aos resíduos eliminados peloorganismo, como fezes, urina, pus eo próprio corpo em decomposição. As

secreções dos indivíduos doentes eramespecialmente temidas. “As pessoasligavam a doença ao contato com osenfermos. Estes, muitas vezes, consi-derados alvos de um castigo divino”,explica Marta.

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4 1REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Assim, os resíduos – associadosà impureza e ao sofrimento físico emental – eram representados comouma ameaça ao homem, principal-mente devido ao surgimento de gran-des epidemias no continente europeu,com alto índice de mortalidade. Apalavra peste nem sempre se referia àpeste negra, pois havia outras doen-ças epidêmicas, como gripe, tifo, có-lera e varíola.

O papel dosmicroorganismos

A segunda fase é o Renascimen-to, no qual as descobertas científicas,em especial a circulação sanguínea ea respiração, inspiraram medidas dehigiene nas cidades. “A idéia das ar-térias conectando os diferentes ór-gãos do corpo humano motivaria aconstrução de ruas principais comruas paralelas arejadas e canos de es-goto que saíam das casas e desem-bocavam em uma tubulação co-mum”, conta a pesquisadora.

Contudo, somente com os traba-lhos do célebre cientista francês LouisPasteur, no final do século 19, assu-miu-se que os microrganismos eram oscausadores de doenças e que medidasde saúde pública deveriam ser toma-das para combater esses agentes invi-síveis e seus transmissores. Nessa ter-ceira fase, no Brasil, o sanitaristaOswaldo Cruz tornou-se famoso pordisseminar essas idéias e colocá-las emprática, o que incluiu campanha paraeliminação de ratos, controle da febreamarela e vacinação obrigatória con-tra a varíola, esta última especialmen-te polêmica na época.

“Hoje, todo mundo fala em lixohospitalar, atômico, químico e emissãode gases poluentes. Mas, até meadosdo século 20, as percepções sobre olixo estavam muito restritas à áreamédica, ou seja, às doenças”, diz Mar-ta. A partir da década de 70, no Brasile em outros países, o lixo começou ater seu conceito alargado e a preocu-par ecologistas, sobretudo por causada industrialização crescente. A rela-ção entre resíduos e poluição ambientalteve destaque durante a Eco-92, no Riode Janeiro. Desde então – a quarta fase–, o debate sobre lixo e meio ambien-

te ganha força. “No entanto, a saúdeambiental é um direito que já vem sen-do negado, sobretudo aos mais po-bres”, adverte Marta, que sempre es-teve atenta às relações entre asociedade e o lixo que ela produz.

De lixeiros a artistas

Pouco depois do boom ecológi-co provocado pela Eco-92, Marta en-trevistou lixeiros da Companhia Muni-

cipal de Limpeza Urbana (Comlurb) doRio de Janeiro e, durante uma sema-na, acompanhou-os em suas rotinas detrabalho. A pesquisadora comprovouque os lixeiros tinham consciência deque sua profissão envolvia riscos quí-micos, biológicos e mecânicos, comocortes e atropelamentos. Mas a princi-pal constatação do estudo foi o des-prezo da população por aqueles quetrabalham com os restos.

Esse dado motivou Marta a fa-zer uma comparação entre duas ou-tras categorias profissionais que lidamcom a sucata: catadores e artistas. Ofoco do trabalho era a criatividade notratamento dos restos resultantes daatividade humana. “A essência dotrabalho de catadores e artistas é amesma: transformar os restos. Masos primeiros são vistos de forma de-

Trabalhos do artista plásticoFarnese Andrade, cuja matéria-prima foi retirada do lixo

preciativa pela sociedade e os segun-dos têm suas obras valorizadas”, ana-lisa a pesquisadora.

Ela entrou em contato com as-sociações de catadores de lixo, comouma em Belo Horizonte, e analisou aobra de artistas plásticos, como a domineiro radicado no Rio de JaneiroFarnese de Andrade. Este criava suasobras a partir de lixo que coletava naspraias cariocas. Algo similar era feito

pelos catadores, que atuavam na as-sociação em oficinas de reciclagemde papel, corte e costura, pintura eescultura. O objetivo era acolher mo-radores de rua e ensiná-los a tirar pro-veito do lixo. Eles chegaram a cons-truir um bar somente com materiaisreaproveitados, das mesas e cadeirasaos objetos de decoração. “Apesardo estigma social que pesava sobreaqueles catadores de lixo e morado-res de rua, a criatividade no trabalhoos ajudava a elevar sua auto-estima”,conclui Marta.

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PCátia Guimarães

rofessores do curso Técni-co de Agente Comunitá-rio de Saúde de todo oBrasil já podem contarcom textos de referência

para uma formação mais plena dessestrabalhadores. A Escola Politécnica deSaúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz,acaba de lançar três livros da coleçãoEducação Profissional e Docência emSaúde: a formação e o trabalho doagente comunitário de saúde, desen-volvida a partir de um projeto de pes-quisa que contou com a colaboraçãode outras seis escolas técnicas do SUS,além de agentes comunitários de saú-de (ACS) e de gestores estaduais emunicipais da Saúde da Família.

Os livros são voltados principalmen-te para os docentes das escolas técni-cas do SUS, que hoje são responsáveispela formação de cerca de 220 milagentes comunitários em todo o Brasil.

A coleção é composta de seis livrosque tratam de temas mapeados a partirdos referenciais curriculares do curso téc-nico de ACS e de oficinas promovidasdurante o projeto. Tem como princípiobásico o reconhecimento do agente co-munitário de saúde como um profissio-nal que realiza um trabalho complexo eque, portanto, requer conhecimentospara além da sua prática cotidiana.

Como diz o texto de apresenta-ção: “Parte-se do princípio de que ahistoricidade do conhecimento — quepassa por analisar suas condições deprodução e de disputa — está no cerneda compreensão e da construção dotrabalho e da formação do ACS, tan-to quanto o conhecimento mais ime-

d i a t a m e n t eassociável àprática dessetrabalhador”.Por isso, a sériecolocará os pro-fessores em conta-to com 44 textosque tratam sobre Oterritório e o proces-so saúde-doença,Estado, sociedade edireito à saúde, Polí-ticas de saúde: a or-ganização e a opera-cionalização doSistema Único de Saú-de, Modelos de Aten-ção e a Saúde da Famí-lia, O processo históricodo trabalho em saúde, eEducação e saúde.

Elevação daescolaridade

Atores fundamentaisda Estratégia Saúde da Fa-mília (que envolve o PSF eo Pacs) e da reorganizaçãodo modelo de atenção à saúde no país,os ACS trabalharam durante 18 anosrecebendo apenas capacitações emserviço, geralmente curtas e focadas.Em 2004, depois de diversos debatescoletivos e como resultado da luta or-ganizada dos ACS, o Ministério daSaúde surpreendeu ao publicar, juntocom o Ministério da Educação, oreferencial curricular nacional de umcurso técnico de agente comunitário desaúde, associado à elevação de escola-ridade. Desde então, a discussão sobrea pertinência e a viabilidade da forma-

Lições de saúdeLançados livros para apoio à formaçãotécnica de agentes comunitários de saúde

ENSINO

ção técnica dos ACS se transformounuma das grandes polêmicas do SUS.

De um lado, um discurso, vindoprincipalmente dos gestores, argumen-ta que essa formação vai tornar o agen-te um profissional caro. De outro, aConfederação Nacional dos ACS e di-versas instituições — entre elas a Esco-la Politécnica de Saúde JoaquimVenâncio — defendem que nenhumtrabalhador da saúde deve ter menosdo que o curso técnico e que essa for-mação é fundamental para o trabalhodesenvolvido pelo agente.

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4 3REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Além de reforçar essa po-sição, a coleção de livros-tex-tos que a EPSJV acaba de lan-çar vem também negar aidéia de que aos profissionaisde nível auxiliar e técnico bas-tam conhecimentos específi-cos e instrumentais para otrabalho. Como os organi-zadores explicam na apresen-tação da série: “A coleçãobuscou também contemplaro entendimento de que oACS realiza um trabalhocomplexo, cujas bases técni-cas não podem ser descon-textualizadas das relações so-ciais e políticas que asatravessam e condicionam”.Isso explica que os livros te-nham textos que tratam des-

de assuntos mais específicos, comouma análise dos problemas de saúdeda população brasileira, até temasmais amplos sobre Estado, cultura dedireitos e seguridade social.

Construção coletiva

A coleção é um dos produtos doprojeto de pesquisa Material Didáticopara os Docentes do Curso Técnicode ACS: melhoria da qualidade naatenção básica, desenvolvido pela

EPSJV e aprovado no editaldo Programa de Desenvolvi-mento e Inovação Tecnoló-gica em Saúde Pública: Sis-tema Único de Saúde(PDTSP-SUS), da Fiocruz, em2004. A metodologia se ba-seou na construção coletivados eixos temáticos que ori-entariam os conteúdos doslivros, buscando articular co-nhecimentos gerais com asespecificidades locais.

“Queríamos que a for-mação desse trabalhador ti-vesse uma referência nacio-nal. Sabemos que o Brasiltem muitas diferenças regio-nais que precisam ser valori-zadas e compreendidas comoorientadoras dos processoseducativos. Mas boa partedessas diferenças é, na ver-

dade, desigualdade. Portanto, se sótrabalharmos com elas, corremos o ris-co de reforçar as desigualdades soci-ais”, explica Márcia Valéria Morosini,coordenadora do projeto de pesquisae da coleção. Ela completa: “Por issonos preocupamos em dar alguma uni-dade à formação desse profissionalem todo o país. Nosso exercício foide pensar e reunir os princípios quedeveriam estar presentes em todoprocesso de formação técnica em saú-de, independentemente das diferen-ças locorregionais”.

Para dar conta dessa proposta, ostemas que orientaram a organizaçãodos livros foram pactuados em três ofi-cinas: uma realizada na Escola Técni-ca de Saúde de Blumenau, outra noCentro de Formação de Pessoal Ma-nuel da Costa Souza, do Rio Grandedo Norte, e a terceira na Escola Técni-ca de Saúde Maria Moreira da Rocha,no Acre. Além das ETSUS, participa-ram também o Centro Formador deRecursos Humanos Caetano Munhozda Rocha, do Paraná, a Escola de For-mação em Saúde de Santa Catarina eo Centro Formador de Recursos Hu-manos da Paraíba, junto com os agen-tes comunitários de saúde e os gestoresdo Programa de Saúde da Família doslocais. No final desse processo, houveainda uma oficina de consolidação doseixos definidos nos encontros regionaise outra com os autores.

“A principal inovação instituídapelo projeto é a metodologia partici-pativa e dialógica desenvolvida para aprodução dos livros-textos, visando ga-rantir a expressão dos vários sujeitosparticipantes das oficinas, representan-tes dos discursos dos ACS, dos docen-tes e dos gestores da Saúde da Famí-lia, o que aproxima esse material darealidade do trabalho e da formaçãodesses profissionais”, opina Márcia.

Ao longo de três anos, o projetomobilizou 130 pessoas: 74 participan-tes das oficinas e 56 autores, respon-sáveis pela produção de 44 textos, reu-nidos em seis livros. “O resultado éuma coleção que contempla o diálo-go de diversas vozes, assumindo queelas podem, inclusive, estar em confli-to”, resume a coordenadora.

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4 5REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

COMUNICAÇÃO

s conselhos de Saúdeforam instituídos coma missão de atuar naformulação de estraté-gias e no controle da

execução das políticas de saúde. Massem orçamento próprio, computadore telefone, fica difícil cumprir a tarefa.Ao menos no que diz respeito à tecno-logia, a situação deve mudar. Em agos-to, Ministério da Saúde, Conselho Na-cional de Saúde (CNS), Fiocruz e Bancodo Brasil (BB) firmaram termo de coo-peração técnica para fortalecimento doPrograma de Inclusão Digital dos Con-selhos de Saúde (PID). O Canal Saúde,um projeto da Fiocruz que produz eveicula audiovisuais sobre saúde, co-labora com a iniciativa.

O PID consiste na distribuição decomputadores com software livre paraconselhos municipais e estaduaisconectados à internet; formação dosconselheiros em informática e acessoà internet; e em informação e comuni-cação em saúde. Em seguida, prevê aincorporação do controle social digitalno cotidiano dos conselhos para refor-ço à comunicação entre eles e com asociedade.

Os conselhos estaduais e munici-pais de saúde receberão mil computa-dores, doados pelo BB. O PID estabe-lece a disseminação de informaçõessobre saúde para mais de 1,6 miltelecentros do banco. A Secretaria deGestão Estratégica e Participativa doMinistério da Saúde adquiriu 3.170computadores para os conselhos es-taduais e municipais. Para participar doPID é necessário estar no cadastro na-cional de conselhos.

Apesar dos 17 anos de existênciados conselhos, a falta de estrutura pode

Inclusão digital e socialdos conselhos de SaúdeCanal Saúde fomenta participação popular

ser notada na pesquisa Monitoramen-to e apoio à gestão participativa do Sis-tema Único de Saúde, da Escola Naci-onal de Saúde Pública da Fiocruz, queavaliou a questão em 2.994 conselhosmunicipais de saúde. Dentre as respos-tas mais comuns no quesito “não te-nho” estão: orçamento próprio, equi-pe de apoio administrativo, autonomiano gerenciamento de recursos, sede,computador, e usam linha telefônicacompartilhada.

Saúde no vídeo

A produção e a comunicação deconteúdos relevantes para o exercíciodo controle social estão entre os prin-cipais objetivos do PID. É nesses temasque o Canal Saúde contribui de ma-neira efetiva. A produção de progra-

mas de TV sobre as etapas que levamà realização da 13ª Conferência Naci-onal de Saúde é um exemplo prático.

“O Canal Saúde participa da comis-são intersetorial de comunicação e infor-mação em saúde do CNS e auxilia na ela-boração do pacto pela democratização equalidade da comunicação e informaçãoem saúde”, destaca a coordenadora deInovações Tecnológicas do Canal Saúde,Angélica Silva. Ela avisa que, em breve, oCanal vai manter toda a sua produçãona internet para download. Mas até lá,os conselheiros já podem conferir os títu-los mais recentes.

O Canal Saúde iniciou suas ativida-des em 1994 e, atualmente, faz cober-tura de eventos, produção de vídeosdidáticos, cópia e distribuição de pro-gramas, além de teleconferências.

O

Reunião do Conselho de Saúde no Rio de Janeiro

Arquivo Canal Saúde

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REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 20074 6

S

RESENHAS

Análise diagnóstica da política nacional desaúde para redução de acidentes e violênciasEditora Fiocruz, (21) 3882-9093, 349 p. R$ 50

Acidentes e violências:erviços públicos e conve-niados de assistência às ví-timas de acidentes e vio-lências foram alvo de umapesquisa coordenada pelo

Centro Latino-americano de Estudos deViolência e Saúde (Claves) da Fiocruz.O trabalho teve como foco os atendi-mentos pré-hospitalares, de emergên-cia, hospitalares e de reabilitação noDistrito Federal e em quatro capitais:Curitiba, Manaus, Recife, Rio de Janei-ro e , que estão entre as mais violentasdo país. A reabilitação foi o aspecto maisfraco em todas as cidades estudadas:apesar de haver serviços bons, em ge-ral, eles são insuficientes para atender àdemanda da população.

Os resultados estão no livro Análisediagnóstica da política nacional de saúdepara redução de acidentes e violências,organizado pelas pesquisadoras CecíliaMinayo e Suely Deslandes. A obra é a pri-meira avaliação técnica dessa política des-de que ela foi criada, em 2001, quando aquestão da violência entrou oficialmentena pauta da saúde pública do país.

Entre as cinco capitais analisadas, oRio de Janeiro se destacou por abrigarmaior número de unidades que realizamatividades de prevenção contra acidentese violências. No entanto, também se veri-ficou que, de um modo geral, os serviçoscariocas apresentavam elevado grau dedesarticulação interna. Esta também foiuma falha identificada no Recife, emboraa capital pernambucana ofereça atendi-mento às vítimas de acidentes e violênci-as há mais de dez anos, inclusive comações no nível da atenção básica.

“Os serviços mais articulados e or-ganizados são os de Curitiba, mas elestambém têm pontos fracos, assim comoos de todas as outras cidades estuda-das”, conta a socióloga e sanitaristaCecília Minayo. Em Manaus, um dosprincipais problemas é receber casosprovenientes de muitas outras cidadesdo estado sem ter estrutura para aten-der a todos. O Distrito Federal o maiornúmero de serviços pesquisados – fo-

ram 44 ao todo –, mas eles eram, rela-tivamente, pouco estruturados.

Uma surpresa positiva revelada pelapesquisa diz respeito ao Serviço de Atendi-mento Móvel de Urgência (Samu). “Ele ain-da está em construção, mas até agora temtido sucesso”, afirma Cecilia. “Pode-se di-zer que as ambulâncias equipadas do Samujá estão fazendo a diferença no socorro àsvítimas de acidentes e violências”.

O trabalho foi financiado pelo Con-selho Nacional de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico (CNPq) e contou coma colaboração de universidades federais.Na etapa inicial, os pesquisadores desen-

volveram formulários que compõem umametodologia científica para a avaliação dosserviços de atendimento às vítimas de aci-dentes e violências. Esses questionários,encontrados nas últimas páginas do livroAnálise diagnóstica, podem ser aplicadosem qualquer cidade do país porque fo-ram validados – o que possibilitaria umavisão completa acerca da implantação nopaís da Política Nacional de Redução daMorbimortalidade por Acidentes e Violên-cias. “Esses instrumentos são importan-tes porque o êxito de uma política públicarequer avaliação para orientar sua conti-nuidade”, justifica Cecilia.

um panorama dos serviços

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4 7REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Inovação em saúde: dilemase desafios de uma institui-ção públicaNara Azevedo, CarlosAugusto Grabois Gadelha,Carlos Fidelis Ponte, ClaudiaTrindade, Wanda Hamilton(organizadores)424 p. R$ 49

Os 30 anos do Instituto de Tecno-logia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) – uni-

dade da Fiocruz que fabrica vacinas e testes para diagnóstico– são o mote deste livro, que oferece reflexões sobre a ciênciae a tecnologia no país, com ênfase na biotecnologia e na ino-vação em saúde. Dividida em três partes – História e imuniza-ção no Brasil; Registros da memória: depoimentos sobreBiomanguinhos; e Dinâmica industrial e estratégias de inova-ção em vacinas –, a obra analisa a trajetória e os desafios deuma instituição que já contribuiu para a erradicação da polio-mielite, o controle do sarampo e da febre amarela e o enfren-tamento da meningite, entre outras conquistas.

“Meio quilo de gente”: um estudoantropológico sobre ultra-somobstétricoLilian Krakowski Chazan230 p. R$ 30

Sombras cinzentas, indistintas e fu-gazes, mas visualizadas com umgrande prazer socialmente cons-truído: assim podem ser descritasas imagens fetais obtidas por meio

do ultra-som obstétrico. A autora ob-servou a realização do exame em clínicas particulares do

Rio de Janeiro e analisou como as imagens fetais eram apropriadaspor profissionais da saúde, gestantes e parceiros. Os resultados, apre-sentados no livro, contribuem para o debate sobre a construção dofeto como pessoa mediada pela tecnologia de imagem.

Provetas e clones: uma antro-pologia das novas tecnologi-as reprodutivasNaara Luna300 p. R$ 38

“JC é uma menina planejadanascida nos EUA: os óvulos e osêmen para sua concepção vi-eram de doadores anônimose uma ‘barriga de aluguel’ a

gestou. Quando nasceu, o casal quea planejou havia acabado de se separar. Quem são os

pais de JC?” O exemplo, retirado da introdução do livro, demons-tra que a inseminação artificial, a fertilização in vitro, a clonagem eas técnicas correlatas – parte do arsenal médico e científico – pre-cisam ser analisadas sob um ângulo diferente, o da antropologia.Nessa perspectiva, as relações de parentesco, a noção de pessoa euma série de outras questões são discutidas pela autora.

Políticas públicas no BrasilGilberto Hochman, Marta Arretchee Eduardo Marques (organizadores)398 p. R$ 51

Doze dos mais significativos arti-gos apresentados de 2001 a 2006no Grupo de Trabalho de Políti-cas Públicas da Associação Naci-onal de Pesquisa e

Pós-Graduação em Ciências Sociais compõemeste livro, que prima pela diversidade de temáticas e abordagens.“Deve ser leitura obrigatória para estudantes e profissionais, comotambém para o público interessado em conhecer os meandros eos efeitos da ação governamental”, recomenda a cientista políti-ca Argelina Cheibub Figueiredo, professora do Instituto Universi-tário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e pesquisadora doCentro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

O valor da saúde:história da Organização Pan-Americana da SaúdeMarcus Cueto241 p. R$ 31

Baseada em fontes publicadas einéditas, a obra narra a trajetóriade mais de 100 anos da Organi-zação Pan-Americana da Saúde

(Opas), mas não se resume ao estudo de umainstituição, oferecendo ampla compreensão sobre a histó-

ria social e política do continente. O livro aborda e contextualizaos progressos e os momentos de crise da Organização, desde ocontrole das doenças transmissíveis e das condições sanitáriasdos portos, temas predominantes até os anos 1940, até os desa-fios contemporâneos, que incluem a epidemia de Aids, as rela-ções entre saúde e ambiente e a eqüidade.

Uma Ecologia Política dos Riscos:princípios para integrarmos olocal e o global na promoçãoda saúde e da justiçaambientalMarcelo Firpo de Souza Porto, Edi-tora Fiocruz, (21) 3882-9093248 p. R$ 32

Contribuir para a investigaçãoe o enfrentamento de proble-

mas de saúde, trabalho e ambiente em contextosdenominados vulneráveis, que marcam a realidade não sódo Brasil, mas também de outros países da América Latina,África e Ásia: este é o objetivo do livro, que combina aspec-tos didáticos e teóricos. A obra – que apresenta princípiosbásicos para uma compreensão integradora dos riscos – pre-tende facilitar a mudança dos modelos de desenvolvimentoque prejudicam a saúde das comunidades, dos trabalhado-res e dos ecossistemas

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FIO DA HISTÓRIA

Goles depolêmicaAlvo de controvérsias ao longoda história, o consumo de álcooltorna-se problema de saúde pública

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4 9REVISTA DE MANGUINHOS | SETEMBRO DE 2007

Fábio Iglesias

ssociada aos prazeresgastronômicos, às come-morações e, mesmo napropaganda, a um diver-

tido convívio social, a bebida alcoó-lica sempre cumpriu uma tradiçãoritual. Mas o consumo abusivo éapontado pela Organização Mundi-al de Saúde (OMS) como a causa de3,7% das mortes em todo mundo(2,3 milhões de pessoas, em 2002).Os padrões de consumo e a exposi-ção ao álcool em idades cada vezmais precoces são alvos de recentesações governamentais, em funçãodo aumento de dependentes dasubstância (de 11,2% em 2001 para12,3% de brasileiros em 2005, nafaixa etária de 12-65 anos) e pelogrande número de acidentes detrânsito (61% dos acidentados in-geriram bebidas alcoólicas segundopesquisa realizada em 2006 pelaAssociação Brasileira de Medicinado Tráfego – Abramet).

Mas as crenças sobre os efeitosdo álcool variaram muito. No século19, pequenas doses eram prescritasa pacientes com febre, tísica pulmo-nar, tuberculose e em indivíduos comproblemas de digestão. Também foiconsiderado alimento tonificante e,por isso, incluído na ração do escra-vo africano. Diante da falta de umadefinição precisa para o quadro desintomas da doença, a terapêuticavariou do tradicional repouso e boaalimentação ao internato em hos-pícios. Para o historiador da Casa deOswaldo Cruz (unidade da Fiocruz)Fernando Dumas, a reflexão históri-ca sobre a doença é importante paraa desmistificação do alcoolismo epara melhor embasar políticas so-bre o tema.

De hábito à patologia

A partir da análise de teses so-bre o alcoolismo, defendidas entre1830 e 1920 na Faculdade de Medi-

cina do Rio de Janeiro (FMRJ), Du-mas contextualizou as mudançasocorridas na medicina e as críticas àterapêutica no Ocidente. Constatouintrigantes coincidências, como osurgimento da expressão alcoolismo,criada pelo médico sueco MagnusHuss, em 1849, durante as mudan-ças tecnológicas que caracterizarama 2ª Revolução Industrial.

“Com a utilização do sufixoismo, Huss enquandrou o alcoolis-mo na categoria de doenças provo-cadas por intoxicação. Como o rolde métodos e de técnicas de pes-quisa disponível não lhe permitiu iralém da criação de uma espécie decorpo de lesões alcoólicas, o tomnasceu ambíguo. Ele mesmo acre-ditava que bebidas alcoólicas ti-nham propriedades capazes de com-bater a tuberculose”, afirma.

Para o historiador, foi durantea construção de novos processos detrabalho que surgiu a “medicaliza-ção dos costumes”. O que se pre-tendia era construir e manter umaoutra “ordem”, re-inventar tradi-ções, e, fundamentalmente, forjaro novo trabalhador. “Durante essastransformações, as noções de higi-ene e saúde buscaram explicar eajustar o mundo aos padrões soci-ais que cristalizavam um novo modode vida”, explica.

A figura do bêbado deixou deser construída em torno de artistas eintelectuais desajustados ou de ape-nas representar o constrangedor far-do de parentes e amigos para fre-qüentar o mundo do trabalho.Momento em que o processo dehigienização foi rigoroso. Estivessecumprindo responsabilidades profis-sionais ou mesmo descansando, ocidadão não mais era ditado por um“tempo natural”, mas pelo tempofabril, e tinha que concentrar suasenergias para produzir. Excessos queresultassem em faltas, acidentes ouem reações que não combinassemcom um ambiente profissional devi-am ser banidos.

ADo corpo para a mente

Dumas verificou como os mé-dicos brasileiros incorporavam as des-cobertas européias do século 19. Jáera evidente que o alcoolismo agu-do provocava lesões físicas, comoequimoses (infiltração de sangue nostecidos) no estômago; hiperemia (au-mento da quantidade de sanguecirculante) dos rins e hemorragiaspulmonares.

Aliadas às observações obtidasno convívio com os pacientes, as in-vestigações clínicas passaram a focaras ações dos nervos, numa tentativade identificar a origem de diversostipos de impulso. Herança das idéiasdefendidas nos trabalhos de PhilippePinel e de seu discípulo Jean-ÉtienneEsquirol. Seguindo essa linha, médi-cos brasileiros pesquisavam as reper-cussões do consumo de bebidas so-bre o sistema nervoso e, emparticular, o cérebro.

Ainda em meados do século 19,o doutor Caetano de Azevedo des-creveu as pertubações provocadaspelo álcool e afirmou que duas ma-nifestações eram recorrentes: odelirium tremens e a loucura lipema-níaca, que consistia no surgimentode estados depressivos de melanco-lia mórbida. Sintomas que, aliadosaos delírios, à insônia e às eventuaissensações de perseguição, compu-nham um quadro clínico praticamen-te idêntico ao do louco.

Assim, portador de uma pato-logia mental, o alcoólatra passou aser tratado no hospício, onde cho-ques elétricos eram usados para di-agnosticar algumas perturbações dosnervos e para reativar funções cere-brais. Foi desse espaço que o jorna-lista e escritor Lima Barreto, interna-do entre 1914 e 1919 em diversoshospícios por conta do abuso do ál-cool, descreveu as impressões publi-cadas no livro O cemitério dos vivos:

“Eu queria um grande choquemoral, pois físico já os tenho sofri-do, semimorais, como toda a sorte

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de humilhações também. (...) Quedizer da loucura? Mergulhado nomeio de quase duas dezenas de lou-cos, não se tem absolutamente umaimpressão geral dela. (...) Há uma no-menclatura, uma terminologia, se-gundo este, segundo aquele. (...)Todas estas explicações me parecemabsolutamente pueris. (...) Até hojetudo tem sido em vão, tudo tem sidoexperimentado; e os doutores mun-danos ainda gritam nas salas diantedas moças embasbacadas, mostran-do os colos e os brilhantes, que a ci-ência tudo pode”.

Da liberdade à censura

O reconhecimento da dificulda-de de enquadrar os doentes nosabrangentes parâmetros construídosresultou na implementação de ins-trumentos legais, sob a fiança médi-ca, para punir os infratores. Na Fran-ça oitocentista, a incapacidade dobêbado em gerir seus próprios hábi-tos fazia com que os tribunais consi-derassem o uso do álcool como ate-nuante. No mesmo período, naInglaterra, pessoas embriagadas

eram responsabilizadas por todos oscrimes que cometiam nesse estado.

Em princípios do século 19, naSuécia e na Noruega, desenvolveu-se o chamado Sistema de Gotembur-go, que regulamentava a produçãode álcool. O objetivo era “diminuir oconsumo e as tentações, reduzindoo número de estabelecimentos, difi-cultando o consumo com o aumen-to do preço das bebidas e transfor-mando antigas casas de bebidas emespaços sem comodidades e que fe-chavam cedo”, segundo o doutorArantes, em 1907.

Hoje, países como França, No-ruega, Suíça, Índia e Venezuela pro-íbem integralmente a propaganda debebidas alcoólicas na televisão. Par-te dos Estados Unidos só permite avenda e o consumo de álcool paramaiores de 21 anos. Chile e diversosoutros países europeus regulam o co-mércio de bebidas alcoólicas fixan-do limites de horário para o funcio-namento de bares, a fim de mantero consumo moderado.

A OMS estabelece que o con-sumo de álcool aceitável é de até

15 doses por semana para os ho-mens e 10 para as mulheres, sendoque uma dose contém de oito a 13gramas de etanol (285 ml de cerve-ja, 120 ml de vinho e aproximada-mente 30 ml de destilados, comouísque e vodka). E, segundo a ONGCentro de Informações sobre Saú-de e Álcool (Cisa), o NationalInstitute of Alcohol Abuse andAlcoholism (NIAAA) afirma que adefinição de consumo moderado va-ria de acordo com as diferenças in-dividuais, como tolerância, metabo-lismo, vulnerabilidade genética,estilo de vida e tempo em que o ál-cool é consumido.

Variáveis que impedem, segun-do Dumas, a criação de fronteirasprecisas para a doença. Com a dis-tância de 158 anos da invenção dotermo alcoolismo, feita por Huss, oque permanece é a vinculação de umespaço de lazer com o uso do álco-ol. Para ele, que investiga há duasdécadas a evolução das idéias médi-cas sobre o hábito de beber, a me-lhor definição para o alcoolismo é ada doença de costumes.

Trabalho do cartunista J. Carlos incluído na exposição “Bar - serigrafias de humor”

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