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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V 1, N 2, P 3-26. DEZ 1994 JULIO OLIMPIO FUSARO MOURÃOg' RESUMO O artigo apresenta de forma resumida a história dos processos de planejamento estratégico e de elaboração do pensamento sobre a Integração Competitiva, ocorrido no Sistema BNDES entre 1983 e 1990. Instrumento criado para auxiliar o planejamento, os Cenários para a Economia Brasileira, ao discutir os caminhos alternativos para a retomada do desenvolvimento econômico, colocaram em xeque alguns dos pilares do pensamento que fundamentava a atuação do Banco desde sua criação. O Sistema BNDES não só mudou sua orientação, como representou também o papel de um agente de mudanças, contribuindo para redirecionar a política econômica brasileira no sentido da integração competitiva na economia mundial. O novo pensamento do BNDES não se constituiu a partir de posições ideológicas ou de ruptura com as suas políticas anteriores, mas sim como uma evolução pragmática em direção a um novo desenvolvimentismo. ABSTRACT Thispaperbriefly discusses the processes of strategic planning and working out of the thought in Competitive Integration, which took place at BNDES between 1983 and 1990. The Scenarios for the Brazilian Economy, created as an auxiliary to01 to the planning process, while discussing the alternative ways for the retaking of economic development, put in question some of the tenets in which BNDES based its actions since its creation. The BNDES System not only changed its own course but also acted as an agent of change, contributing to redirect the Brazilian economic policy to the competitive integration in the world economy. The new BNDES thought wasn 't constituted in the grounds of ideological stances or in antagonism to its previous policies, but as a pragmatic evolution in direction of a new developmentism. * Agradeço a colaboração de Luiz Paulo Vellozo Lucas, Evandro Fernundes Costa, Eduardo Marques, Isis Jurema da Silva Pagy, Zilda Maria Borsoi e Yolanda Ramalho, que me ajudaram a lembrarfatos e a recuperar informações, sem que, evidentemente, tenham qualquer responsabilidade pelas even- tuais falhas deste artigo. ** Economista e ex-superintendente da Area de Planejamento do BNDES (Mestre em Engenharia de Produção pela CoppeNFRJ).

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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V 1, N 2, P 3-26. DEZ 1994

JULIO OLIMPIO FUSARO MOURÃOg'

RESUMO O artigo apresenta de forma resumida a história dos processos de planejamento estratégico e de elaboração do pensamento sobre a Integração Competitiva, ocorrido no Sistema BNDES entre 1983 e 1990. Instrumento criado para auxiliar o planejamento, os Cenários para a Economia Brasileira, ao discutir os caminhos alternativos para a retomada do desenvolvimento econômico, colocaram em xeque alguns dos pilares do pensamento que fundamentava a atuação do Banco desde sua criação. O Sistema BNDES não só mudou sua orientação, como representou também o papel de um agente de mudanças, contribuindo para redirecionar a política econômica brasileira no sentido da integração competitiva na economia mundial. O novo pensamento do BNDES não se constituiu a partir de posições ideológicas ou de ruptura com as suas políticas anteriores, mas sim como uma evolução pragmática em direção a um novo desenvolvimentismo.

ABSTRACT Thispaperbriefly discusses the processes of strategic planning and working out of the thought in Competitive Integration, which took place at BNDES between 1983 and 1990. The Scenarios for the Brazilian Economy, created as an auxiliary to01 to the planning process, while discussing the alternative ways for the retaking of economic development, put in question some of the tenets in which BNDES based its actions since its creation. The BNDES System not only changed its own course but also acted as an agent of change, contributing to redirect the Brazilian economic policy to the competitive integration in the world economy. The new BNDES thought wasn ' t constituted in the grounds of ideological stances or in antagonism to its previous policies, but as a pragmatic evolution in direction of a new developmentism.

* Agradeço a colaboração de Luiz Paulo Vellozo Lucas, Evandro Fernundes Costa, Eduardo Marques, Isis Jurema da Silva Pagy, Zilda Maria Borsoi e Yolanda Ramalho, que me ajudaram a lembrarfatos e a recuperar informações, sem que, evidentemente, tenham qualquer responsabilidade pelas even- tuais falhas deste artigo.

** Economista e ex-superintendente da Area de Planejamento do BNDES (Mestre em Engenharia de Produção pela CoppeNFRJ).

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4 A INTEGRAÇAO COMPETITIVA E O PLANEJAMENTO ESTRATEGICO NO SISTEMA BNDES

I. Introdução

ntre 1983 e 1990, o Sistema BNDES passou por um processo de planejamento com profundas repercussões na Instituição. O ponto

culminante deste processo foi a formulação de uma nova estratégia de desenvolvimento, que não só implicou uma mudança de orientação no Banco, como teve significativa influência nas transformações por que pas- sou o país nos últimos anos, a ponto de o jornalista Luís Nassif intitulá-10 "O programa que mudou o BrasilV.l

Houve dois ciclos trienais completos no planejamento estratégico: um iniciado em 1983 e o outro em 1986 [ver BNDES (1984b e 1988b)], cada um deles tendo a fundamentá-lo uma ampla e profunda discussão de cenários [ver BNDES (1984a e 1987b)l.

O objetivo deste artigo é recuperar de forma resumida a história deste processo e do pensamento sobre a Integração Competitiva, no que se refere a suas repercussões internas ao Sistema BNDES. Na próxima seção serão comentadas as condições vigentes no momento em que foi iniciado o processo de planejamento estratégico. Na terceira seção será abordado o primeiro ciclo de planejamento, com destaque para o Cenário da Retomada, que iniciou a nova reflexão na Instituição. Na quarta seção será apresentado o segundo ciclo de planejamento, que centrou-se no Cenário da Integração Competitiva, e do qual resultou uma grande mudança no Sistema BNDES.

2. O Ponto de Partida

O Ambiente Externo O ano de 1983 foi o terceiro ano consecutivo de recessão, tendo o PIB regredido em 7,3% desde 1980, ou 2,5% a.a. em média. A política econô- mica, elaborada em comum acordo com o FMI, era francamente recessiva. A negociação da dívida externa, pela falta de confiança internacional na capacidade de pagamento do país, tinha um horizonte de curto prazo e contava com grande oposição interna. O planejamento econômico de longo prazo havia deixado de existir, e não se pensava a política econômica com um horizonte superior a um ano. A dívida interna crescia rapidamente, como contrapartida à absorção da dívida externa pelo Tesouro Nacional. As

1 Este foi o título de uma série de 10 artigos de autoria de Luís Nassifpublicados na Folha de S . Paulo entre os dias 15 de jullto e 2 de agosto de 1994, sobre a integraçâo competitiva.

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finanças públicas se deterioravam, e sucessivos aumentos de impostos não eram capazes de conter o crescimento do déficit.

A dívida externa era responsabilizada pela situação, e não só a esquerda como amplos setores da sociedade defendiam a moratória como a única saída, com todas as implicações que eram esperadas deste fato: cessação do crédito comercial ainda existente, retaliação dos governos dos países cen- trais, fechamento econômico. Uma solução não convencional semelhante também era proposta para a dívida interna, que certamente implicaria perdas para os credores, a exemplo do que se advogava para a dívida externa.

O pessimismo era generalizado.

O Ambiente Interno O ambiente no BNDES não era melhor. Os grandes projetos financiados pelo Banco na segunda metade da década de 70, que estavam entrando em produção exatamente naquele período, não encontravam mercado. Eram projetos de insumos básicos - siderurgia, petroquímica, metais - e de bens de capital - sobretudo bens de capital sob encomenda. As empresas não tinham como pagar os empréstimos contraídos.

O planejamento do Banco, baseado numa estrutura setorial- em continui- dade ao que havia funcionado durante o I1 PND -, estava preparado para identificar projetos de investimento substitutivos de importações, e não dava conta da nova realidade. Não havia uma linha clara de ação: as decisões de enquadramento dos pedidos de financiamento eram tomadas caso a caso numa Comissão de Prioridades, sem nenhum plano, documento ou parâme- tros que norteassem suas decisões, a não ser a experiência de seus membros, executivos e técnicos altamente preparados em questões setoriais.

Das discussões nesta Comissão e das decisões da Diretoria puderam ser inferidas políticas não formalizadas que orientavam o Sistema BNDES neste período:

Em primeiro lugar, o saneamento financeiro. Com as altas taxas de juros e o elevado nível de endividamento comum naquela época, muitas empre- sas, de diversos setores, começaram a recorrer ao Sistema para substituir passivo oneroso de curto prazo por empréstimos de longo prazo. Muitas operações de saneamento financeiro deste tipo foram realizadas, sendo que diversas vezes isto implicava que o Banco estava aumentando sua exposição em empresas em dificuldades em substituição a outros credores.

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Em segundo lugar, a defesa de um núcleo tecnológico. Acreditava-se que a recessão iria durar um longo período e que, em vista disto, haveria uma falência generalizada de empresas. Todo o esforço do Banco no sentido de apoiar o empresariado nacional para implantar aqui empresas modernas e tecnologicamente avançadas iria se perder. A política, neste caso, gerada no corpo técnico, seria escolher um núcleo de empresas consideradas estratégicas e garantir-lhes todo o apoio do Sistema BNDES -com capital, empréstimos para saneamento financeiro, giro - para preservá-las. Listas foram preparadas, e havia grande discussão sobre inclusões e exclusões de empresas. Não chegou a haver uma aprovação formal de listas, mas muitas empresas foram saneadas dentro desta orientação.

Em terceiro lugar, o que se poderia chamar de uma política de demanda induzida. Segundo esta visão, a melhor solução para os setores de bens de capital e de insumos básicos em dificuldades seria gerar demanda por seus produtos. Caberia ao Estado realizar esta tarefa, através de investimentos públicos e das empresas estatais, especialmente em infra-estrutura. Assim foram fomentados e apoiados vários projetos estatais sem exigência de contrapartida, com juros extremamente reduzidos (houve casos de propo- sição de juro zero) e sem capacidade de pagamento pelas empresas ou governos tomadores dos recursos.

Finalmente, o Banco executava programas de substituição de petróleo importado. Esta era uma política substitutiva de importações em conso- nância com a orientação tradicional do Banco. No entanto, o seu programa central, o Proálcool, não fora concebido do Banco e era administrado de acordo com prioridades definidas pelo governo federal com recursos subsidiados que transferia vinculados diretamente ao programa. Por isso mesmo, ele era visto como um programa externo, e não era muito pres- tigiado no BNDES.

Em síntese, a partir de um diagnóstico catastrofista, o Sistema BNDES optava por políticas que procuravam proteger o parque industrial existente, mas com uma visão predominantemente defensiva e paliativa, e principal- mente extremamente problemáticas sob o ponto de vista financeiro, que poderiam colocar em risco o futuro do Banco.

3. O Primeiro Ciclo do Planejamento Estratégico

Os Primeiros Passos Quando assumi o Departamento de Planejamento (Deplan), em meados de 1983, a primeira tarefa foi definir qual modelo de planejamento adotar. O

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anterior, exclusivamente setorial, parecia inadequado ao momento histórico que se atravessava. Acreditava que deveria ser encontrada solução para os problemas do Banco, dada a realidade dos setores, e não para os problemas dos setores, em detrimento do Banco.

O caminho foi o planejamento estratégico. De fato, esta metodologiapossuía duas características que atendiam ao desejado:

partia do geral para o particular, ou seja, a economia não seria uma soma de setores, ou o plano do Banco um agregado de projetos; e

era centrada na empresa, a qual procura identificar seus pontos fortes e fracos e definir estratégias para sair-se bem diante das ameaças e oportu- nidades do ambiente externo.

Assim foi o começo, com um objetivo específico: nada de planejar o Brasil, e sim o Banco.

A equipe formada para a tarefa começou definindo que o processo deveria ser participativo e democrático: planeja quem executa passou a ser o lema do Deplan.

A primeira etapa constituiu-se do diagnóstico de ambiente interno. Mobili- zou-se todo o corpo de técnicos e executivos, em reuniões por gerências, departamentos e Areas, para identificar os pontos fortes e fracos do Sistema.

Paralelamente, criou-se um grupo selecionado para fazer um levantamento de ameaças e oportunidades para a Instituição nos anos seguintes. Este documento representava o diagnóstico de ambiente externo. No primeiro momento não se pensava em elaborar cenários como material auxiliar do planejamento.

Instituiu-se um Comitê de Planejamento, formado por todos os chefes de departamento e superintendentes, para revisar os documentos e aprovar a forma final. Este Comitê chegou a se reunir com mais de 50 pessoas, sem que esse elevado número prejudicasse o seu funcionamento. Os documentos finais deveriam ser discutidos num seminário da Diretoria com os su- perintendentes, para traçar a estratégia a ser seguida pelo S i~ tema .~

2 Ver Castro, Costa e Borsoi (1988), Lucas, Dias eBorsoi (1989) eBNDES(J990)para uma descriçüo do processo e dos aspectos da metodologia. O processo de Planejamento Estratégico contou com a colaboração, na sua fase inicial, do Prof. Paulo de Vasconcellos Filho e com a consultoria, na maior parte r10 tempo, do Prof. Marco Aurélio Vianna.

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Quando os documentos ficaram prontos, os problemas apontados acima e muitas outras questões internas foram identificados, demonstrando uma profunda insatisfação do corpo funcional com os rumos do Sistema BNDES.

Devido a acontecimentos políticos da época, ligados à sucessão do Gen. Figueiredo, houve trocas de presidentes no BNDES em curto período de tempo, não sendo possível naquele momento a realização do seminário previsto.

Em vista disto, resolveu-se preparar cenários para a economia, um ins- trumento sofisticado para facilitar o diagnóstico de ameaças e oportunidades para a Instituição, enriquecendo assim o processo de planejamento.

Os Cenários para a Economia Brasileira

A Metodologia

Inicialmente, foram visitadas algumas empresas multinacionais instaladas no Brasil que se utilizam de cenários em seu planejamento, a exemplo do que fazem suas matrizes, e consultou-se o estado da arte na literatura existente sobre o assunto. Decidiu-se adotar a metodologia de análise prospectiva desenvolvida por Michel Godet, professor no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris [ver Godet (1977 e 1987)].3

A idéia básica que inspira a prospectiva é a de que o futuro deve ser estudado com vistas a iluminar as ações no presente. Parte-se do pressuposto de que os futuros são múltiplos e incertos. Abandona-se assim o método de previsão clássica, que extrapola estaticamente a experiência do passado e assume uma posição passiva ou adaptativa. A prospectiva, pelo contrário, permite uma atitude ativa e criativa em relação ao futuro, já que ele é construído pelos atores a partir de sua ação no presente. Adota-se um enfoque global e sistêmico, ou seja, todas as facetas da realidade devem ser examinadas, devendo ser levados em conta não somente aspectos quantitativos, mas também qualitativo^.^ Abandonam-se inteiramente pressupostos do tipo "tudo mais permanece igual", já que tudo está em movimento. As estratégias dos atores assumem papel fundamental na explicação do futuro.

A metodologia de cenários objetiva:

3 A metodologia de cenários foi trazida pelo engenheiro Eduardo Marques - da Comissüo Nacional de Energia Nuclear (CNEN), cedido para assumir uma gerência no Deplan -, que havia recém-ter- minado doutorado em planejamento, na França, e trabalhado junto ao Prof: Godet.

4 Deve-se sempre lembrar que informações e previsões não são neutras, sendo a subjetividade parte integrante nüo só da prospectiva, mas de todo e qualquer processo de previsüo.

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detectar as variáveis-chave de um sistema específico, os atores principais e suas estratégias e os meios à sua disposição para trazer seus projetos a uma conclusão bem-sucedida; e

descrever, sob a forma de cenários, o desenvolvimento do sistema sob estudo, levando em conta as variáveis motrizes, as tendências, as es- tratégias de atores e as sementes de mudança, deixando os mecanismos de evolução intervir e confrontando as estratégias de a t o r e ~ . ~

A metodologia de cenários representa um caminho por etapas: delimitação do sistema, análise retrospectiva, estratégia de atores, construção dos cená-. rios, escolhendo-se então o mais provável, juntamente com o cenário de: contraste, que descreve uma evolução do ambiente muito diferente do cenário de referência.

Tomando os diferentes cenários em consideração, pode-se avaliar as conse-. quências das orientações anteriores e deduzir as ações estratégicas prioritá-. rias a serem tomadas para explorar as mudanças esperadas, ajudando assi11.i a formular o plano estratégico.

Depois de definir os subsistemas (internacional, político, macroeconômico, produtivo e social), variáveis e atores que comporiam os cenários, preparou-. se um conjunto de questões sobre prováveis e possíveis comportamentos; futuros destas variáveis, que foram apresentadas a oito especialistas do BNDES e a um externo [ver Marques (1985)].~ De posse das respostas, identificou-se que elas comporiam cerca de quatro cenários possíveis, depois; reduzidos a um, denominado Cenário do Ajustamento. Construiu-se então o cenário de contraste, denominado Cenário da Retomada. O trabalho foii finalizado em junho de 1984.7

As conclusões foram surpreendentes na época.

A Mudança Estrutural

A partir da constatação da redução drástica do coeficiente de importações,, que passara de 11% do PIB em 1979180 para 7,4% do PIB em 1983, fez-se,,

5 Para uma explicaçüo dos conceitos, ver Godet (1977 e 1987). 6 O especialista externo, Prof. Antônio Barros de Castro, foi consultor da equipe de cenários durante

todo o período do trabalho. 7 Ver BNDES(1984a). A equipe básica era formada por Eduardo Marques, Evandro Fernandes Costa,,

Hélio Blak. José Carlos de Castro, Luiz Paulo Vellozo Lucas. Maria de Fátima Serro Pombal, Yolanda Ramalho e Zikiu Maria Borsoi, contando com a participação de Guilherme Gomes Dias, José Murad, José Roberto Rodrigues Afonso, Lilian Ferreira Pinto e Paulo Sérgio Ferracioli.

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utilizando o conhecimento setorial dos especialistas do BNDES, uma análise exaustiva do comportamento provável das importações e exportações no caso de o país voltar a crescer.* E verificou-se que, ao contrário do pensa- mento generalizado na época, a redução das importações era menos devido à recessão do que à maturação de um conjunto de investimentos substitutivos de importações realizados na segunda metade da década anterior (e em grande parte financiados pelo BNDES). Assim, os projetos de não-ferrosos, química e petroquímica, papel e celulose, fertilizantes, siderurgia, bens de capital, além dos investimentos em exploração de petróleo realizados pela Petrobrás, não só permitiram reduzir drasticamente as importações, como ampliar ou iniciar exp~rtações.~

Em vista disto, o país poderia voltar a crescer sem que as importações recuperassem o patamar anterior em relação ao PIB. Dado o nível de câmbio real, mesmo crescendo a 7% a.a. seria possível conservar um expressivo superávit na balança comercial ao longo de todo o horizonte do cenário.

Esta mudança estrutural, a primeira idéia-força dos cenários, é que invali- dava as projeções dos modelos econométricos, os quais levavam à crença generalizada de que a retomada do crescimento provocaria o imediato retomo de elevados déficits na balança comercial, que não poderiam ser financiados devido à crise da dívida.

A segunda idéia-força foi a de que a economia poderia retomar o crescimento independentemente do investimento estatal, através de três componentes básicos, que se sucederiam lógica e cronologicamente: o componente autô- nomo de demanda que iniciaria o processo seria o crescimento das exporta- ções; induzido por esse crescimento, haveria melhoria no nível de emprego, o qual, associado ao processo de abertura e à atuação dos sindicatos (previs- tos na análise da estratégia dos atores políticos), resultaria na recuperação do salário real; finalmente, com a continuidade do crescimento, haveria um conseqüente aumento dos investimentos privados.

De fato, a partir do segundo semestre de 1984 a economia voltou a crescer, seguindo o caminho indicado. Entre 1984 e 1987 o PIB cresceu 26,6%, ou 6,08% a.a. em média, crescimento este somente interrompido devido aos erros na condução da política econômica, na esteira do fracasso do Plano Cruzado. E o substancial superávit comercial atingido naquela época man- teve-se até hoje.

8 Merece destaque a participaçúo de Hblio Blak e Nelson Duplat nesta análise. 9 Para unia análise detalharia, ver Castro (1985) e ainda Moreira (1986).

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As Conseqüências .Políticas do Cenário da Retomada

Como os cenários encerravam uma crítica implícita à política recessiva vigente, ditada pelo FMI, era mantido em sigilo o que se estava produzindo. Mas em 24 de junho a revista Senhor publicou a versão preliminar na íntegra, com a chamada de capa: "Um documento sigiloso do BNDES - sem mudança o Brasil acaba'' [Senhor (1984)l. A repercussão foi grande, sendo o trabalho reproduzido por vários órgãos da imprensa1° e posteriormente apresentado em diversos fóruris por todo o país.l

Para a esquerda, os cenários criavam um problema político, pois seus resultados indicavam que a moratória não seria necessária, o país poderia crescer com uma adequada renegociação da dívida em termos de prazos e condições financeiras. Não havia espaço para o catastrofismo. Gerou-se, em vista disto, controvérsia em alguns meios políticos e acadêmicos.

O Plano Estratégico do Sistema BNDES - 1985187 As conseqüências internas dos Cenários foram muito grandes. Aliás, eles foram elaborados com o objetivo exclusivo de produzir conseqüências internas, ou seja, de servir de base para uma análise de ameaças e oportuni- dades e fundamentar, assim, a elaboração de um plano estratégico. Eles não eram normativos, não se pretendia elaborar uma proposta de política para o país. Representavam apenas cenários possíveis a que eram associadas probabilidades elevadas de ocorrência, e o BNDES precisava tirar as con- seqüências para sua ação.

Durante o segundo semestre de 1984, os Cenários foram amplamente discutidos em todos os níveis do Banco e suas subsidiárias, e o Plano Estratégico, aprovado em dezembro, implicava uma virada nas políticas em curso no Sistema BNDES [ver BNDES (1984b)l.

Se o cenário era de crescimento, podiam ser abandonados os programas de saneamento financeiro e de capital de giro, recuperando uma ação pró-ativa; se o dinamismo estaria com o setor privado, e a área pública com dificulda- des financeiras intransponíveis no curto prazo, aquele setor deveria ter prioridade. Assim, o plano privilegiou o apoio ao segmento privado na implantação e desenvolvimento dos setores tecnológicos de ponta, a mo- dernização e a expansão da capacidade produtiva e da infra-estrutura eco- nômica e a expansão da fronteira agrícola.

10 Jornal do Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo, Veja e outros. 1 1 Ipea, Anpec, SPE, Fiesp, ACRJ, empresas estatais, associações de classe, sindicatos, assessoria do

candihro Tancredo Neves e outras.

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12 A INTEGRACAO COMPETITIVA E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NO SISTEMA BNDES

Embora este plano tenha significado uma guinada na estratégia em curso no Banco nos três anos anteriores, ele representou uma mudança apenas parcial na ideologia do BNDES. A substituição de importações ainda era uma estratégia central, devendo atingir agora os setores tecnológicos de ponta. A política protecionista do Estado continuava a ter um papel central, estando limitado apenas o seu papel como investidor devido às dificuldades finan- ceiras, e o capital estrangeiro ainda era visto com reservas, quando não como inimigo.

O avanço maior iria ocorrer no ciclo seguinte, quando se construiu o Cenário da Integração Competitiva. Mas três aspectos importantes do Cenário da Retomada prepararam o terreno para a mudança que viria a ocorrer no pensamento do BNDES:

a identificação de que componentes autônomos de demanda privada seriam os responsáveis por um novo ciclo de crescimento, abandonando a idéia de um desenvolvimento liderado pelo Estado;

a visão do mercado externo como importante indutor do desenvolvimento, e não como concorrente da produção voltada a atender às necessidades internas; e

a modernização empresarial visando à competitividade como um objetivo essencial para o desenvolvimento econômico e social, e não apenas a expansão de capacidade geradora de emprego.

O Plano foi levado à prática nos três anos seguintes, através de novos instrumentos criados para dar conseqüência ao nível tático e operacional [ver BNDES (1986 e 1987a)l:

um documento denominado Diretrizes Internas definia a estratégia para a recuperação financeira e patrimonial do Banco, com uma nova política para os devedores inadimplentes e a revisão das condições financeiras dos empréstimos no sentido de melhorar a lucratividade;

a cada ano seguinte foi preparado um Plano deAçãoAnua1, que constituía o plano tático e detalhava as ações a serem realizadas com o objetivo de cumprir a estratégia estabelecida - sempre amplamente discutidos com toda a Instituição e elaborados de baixo para cima,12 estes Planos eram

12 Um exemplo expressivo da aplicaçüo da nova estratégia pode ser observado no apoio à produçüo agrícola. Até entüo eram apoiados apenas projetos integrados visando ao pequeno produtor rural, com a participaçüo dos governos estaduais e municipais e os órgãos federais de reforma agrária e

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finalizados em seminários anuais da Alta Administração, envolvendo todos os diretores e superintendentes; e

foi elaborado ainda um novo documento intitulado Políticas Operacio- nais, revisado anualmente, que estabelecia as regras de enquadramento e as condições financeiras admissíveis em cada situação, políticas estas que representavam a concretização das opções estratégicas e táticas.13

Com os novos Planos Anuais e as Políticas Operacionais deixou de existir o casuísmo nas decisões da Comissão de Prioridades e na Diretoria. Havia uma orientação a ser seguida, conhecida e aprovada com a participação de toda a entidade, em todos os níveis.

Uma orientação desenvolvimentista, como era da tradição do Sistema BNDES.

4. O Segundo Ciclo do Planejamento Estratégico

A Elaboração dos Cenários - 198712000 Foi realizada uma revisão dos Cenários em 1985, na qual, diante do rápido crescimento da indústria, estudou-se um outro cenário alternativo ao da Retomada, representado por um crescimento acelerado. Este trabalho evi- denciou que o constrangimento maior não estaria no setor externo, mas sim nas condições internas, especialmente na incapacidade de o setor público fazer face às necessidades de investimento em infra-estrutura que seriam necessários, com destaque para o setor energético [ver BNDES (1985)l.

Em vista disto, com a idéia de se agregar ao modelo um subsistema energético, ao se iniciar a elaboração dos cenários que iriam fundamentar o segundo plano trienal, foram convidadas a participar as áreas de planeja- mento da Eletrobrás e da Petrobrás.14

extensáo rural. Os resultados eram píjios. A partir deste Plano Estratégico, após exaustiva discussüo e avaliaçüo da experitncia anterior, optou-se por financiar a moderna empresa rural com alto conteúdo tecnológico, a exemplo da opçüo em relaçüo ao setor industrial. Os resultados foram excelentes. Entre 1984 e 1989 as aplicações do BNDES no setor agrícola aumentaram mais de quatro vezes.

13 O responsável pela elaboraçüo das primeiras Políticas Operacionais foi Marco Antônio Albuquer- que de Araújo Lima, chefe do Departamento de Prioridades.

14 Pela Eletrobrás participaram Frederico Birschal de Magalhües Gomes, Carlos Alberto Carvalho Afonso, Maria Teresa Serra e Alfredo Maciel da Silveira, que trabalhavam com José Luís Alqueres. A equipe básica da Petrobrás, liderada por Lêda Fraenkel, era composta por Sandra Souto, Rosalinda Pimentel, Joáo Bastos de Marros, Flávio Lengruber Sálvio e Ricardo Nascimento Silva do Valle. O Proj Antônio Barros de Castro continuou como consultor.

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14 A INTEGRAÇÃO COMPETITIVA E O PLANEJAMENTO ESTRAT~GICO NO SISTEMA BNDES

O trabalho foi realizado durante o ano de 1986, começando-se do zero. Foram rediscutidos os subsistemas, as variáveis, os atores, e muitos elemen- tos novos foram acrescentados, especialmente um modelo setorial e um de demanda de energia elétrica. Desta vez a entrevista com especialistas foi muito ampla, envolvendo inúmeros estudiosos fora do BNDES.lS

Quando se chegou ao final, embora os resultados obtidos tivessem sido exaustivamente discutidos pelas equipes técnicas, não houve o compromisso entre as empresas envolvidas no sentido de usar os mesmos cenários em seu planejamento, já que outras alternativas eram possíveis e não havia consenso em alguns aspectos.

A equipe do BNDES16 concluiu o trabalho com dois cenários alternativos [ver BNDES (1987b)l: o primeiro, designado Cenário da Integração Competitiva, representava uma oportunidade histórica em que o país poderia engajar-se; o segundo, Cenário do Fechamento, corresponderia a um caminho reativo a um quadro internacional negativo. Ao longo do ano seguinte, o Cenário do Fechamento foi revisto e substituído por um cenário denominado InérciaCorp~rativista,~~ no qual o país não conseguiria realizar as reformas necessárias devido aos interesses conflitantes, re- sultando em estagnação econômica [ver Lucas, Dias e Borsoi (1989) e BNDES (1988c)l.

Novos Caminhos Durante a elaboração do trabalho, à medida que se examinavam os cami- nhos possíveis e prováveis no caso de um cenário de crescimento, foi ficando evidente que ele não poderia acontecer em continuidade ao modelo anterior.

O esgotamento da substituição de importações. Em primeiro lugar, veri- ficou-se que, com a maturação, no início dos anos 80, dos investimentos em insumos básicos e bens de capital realizados nos anos 70, o processo de substituição de importações encerrara um ciclo. Já não havia setores da economia que, ao serem alvo de ação para intemalizar a produção, tivessem capacidade de alavancar demanda, aos demais setoresprodutivos

15 Celso Lafer. Homem de Mello. Luciano Marrins, Marcos Vianna, Namir Salek, Ney Prado, Waider de Góes, Wanderley Guilherme dos Santos, Marcelo de Paiva Abreu, Clodoaldo Hugueney Filho, Fábio Erber, Amaury Porto, entre outros.

16 Luiz Paulo Vellozo Lucas, Eduardo Marques, José Carlosde Castro, Nelson Tavares Filho, Evandro Fernandes Costa e Ana Maria Azevedo de Castro, sob a coordenaçüo do autor.

17 O cenário da Inércia Corporativista foi elaborado sob a coordenaçáo de Luiz Paulo V. Lucas e contou também com a participação de Sérgio Besserman, além da equipe citada na nota anterior.

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do país, suficiente para determinar um novo ciclo de crescimento. FL obtenção da quase total auto-suficiência na matriz produtiva brasileira tornou obsoleto o conceito de "substituição de importações" como orien- tador para a política industrial.

Os custos crescentes da autarcia. Em segundo lugar, verificou-se que o país não poderia passar ao largo do vigoroso processo de reestruturação da indústria mundial. Os avanços na rnicroeletrônica e o desenvolvimento de sistemas automatizados definiam um novo paradigma tecnológico, provocando não só o surgimento de novos produtos, mas também altera.. ções profundas nos processos produtivos, nas formas de gerenciamento da produção e na geografia industrial. Dada a velocidade deste processo de reestruturação, a autarcia da economia brasileira passava a ter custos crescentes, no sentido de que gerava maiores dificuldades de acesso às inovações tecnológicas e perda de posição nas novas fronteiras dos fluxos de comércio mundial.

A crise do Estado. Em terceiro lugar, constatou-se que apoupança do setor público, que na década de 70 havia alcançado níveis elevados e permitido um enorme crescimento dos investimentos estatais, havia não só se: esgotado, como revertido em déficit. Diante da necessidade de um plano de estabilização que superasse o processo inflacionário, e tendo em vista1 a profunda crise financeira do Estado, o país não mais poderia contar comi o investimento público como fator de crescimento. Pelo contrário, o Estado precisava passar por um forte enxugamento.

A contribuição do capital estrangeiro. Em quarto lugar, uma avaliação do processo de crescimento industrial brasileiro não levava à conclusão de: que o capital estrangeiro tivesse exercido efeito negativo. Pelo contrário!, estudos realizados na época (assim como empresários clientes do BNDES!, muitos associados a empresas estrangeiras) revelavam uma visão positiva^ de sua contribuição tecnológica, gerencial e mercadológica. A contribui-, ção tecnológica era mais importante no que se refere a fabricação, teste e: uso do produto, sendo menor com relação a concepção e desenvolvimentai de novos produtos. Mas a conclusão era que a superação da dependência1 tecnológica é um processo evolucionário, que compreende um desen- volvimento estrutural do país em diversos setores (em especial educação) e que não se resolve a curto prazo com proteção tecnológica e reserva de: mercado [ver BNDES (1988a)l.

Novas características do comércio internacional. Por outro lado, grande parte do crescimento do comércio internacional vem se dando pelo comér- cio intrafirmas, ou seja, entre matrizes e filiais ou entre empresas as-

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sociadas.18 Assim, os países que querem aproveitar as oportunidades que o mercado internacional oferece devem ter em conta esta realidade, e diversas formas de associação são possíveis com efeitos positivos para as empresas brasileiras [ver Senhor (1 988)l.

A maturidade da indústria. Finalmente, constatou-se que a expressiva dimensão do mercado interno havia permitido que a indústria atingisse um desenvolvimento organizacional e tecnológico, com escalas adequadas, que lhe permitia competir na arena mundial. A pauta brasileira de expor- tações já era predominantemente composta por produtos industrializados. Praticamente todos os setores industriais já exportavam alguma parcela de sua produção para mercados muito diferenciados. "A indústria brasi- leira não podia ficar condenada ao crescimento vegetativo de um mercado interno no qual predominam baixos salários e a má distribuição de renda" [ver Exame (1988, p. 211.

O período infantil da indústria brasileira havia passado.

A Integração Competitiva Como conseqüência das constatações sobre os caminhos possíveis para o crescimento econômico, das estratégias dos atores políticos e sociais e da capacidade da indústria nacional de competir, surgiram as novas políticas que fundamentariam o Cenário da Integração Competitiva [ver Lucas (1 989) e Mourão (1989)l.

A nova visão do papel do Estado, do capital estrangeiro e das políticas industrial e tecnológica, dadas as condições em que operavam as economias nacional e internacional, representava o que na linguagem da prospectiva chama-se uma tendência pesada.1g

A construção do Cenário da Integração Competitiva não partiu, portanto, de uma crítica negativa do período histórico anterior. Pelo contrário, sempre houve um explícito reconhecimento do papel desenvolvimentista desempe- nhado pelo Estado no ciclo iniciado no pós-guerra e encerrado no começo dos anos 80. Graças aos mecanismos protecionistas da produção interna de bens e serviços, aos financiamentos e subsídios à acumulação privada e à atuação do Estado como investidor direto nos setores industriais e de

18 Segundo estudo do BNDES (1988a), 48,4% das importaçóes norte-americanas, em 1977, foram efetuadas por empresas que apresentavam participação mínima de 5% no capital do fornecedor.

19 Movimento que afeta um fenômeno de tal maneira que o seu desenvolvimento no tempo pode ser previsto [ver Godet (1987)l. E o cenário passou a ser um cenário desejável, ou seja, a empresa deveria agir no sentido de contribuir para torná-lo realidade.

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infra-estrutura com elevados requisitos de capital e longo prazo de retomo, a economia pôde crescer a taxas aceleradas e o país pôde constituir uma indústria integrada e moderna. A própria constituição de um empresariado brasileiro de porte foi em grande parte uma obra consciente do Estado, tendo o Sistema BNDES exercido um papel fundamental nesse processo, com diversas modalidades de apoio à capitalização e suporte aos grupos nacio- nais.

Assim, a nova visão do BNDES não se formulou em contraposição à sua orientação histórica, origináriado estruturalismo cepalino. Tratava-se de, no cumprimento de sua missão de contribuir para o desenvolvimento econômi- co nacional, perseguir objetivos extremamente pragmáticos: alcançar um crescimento econômico rápido, com as melhorias de produtividade que o país necessita para atender aos seus objetivos sociais.

Embora a formulação das novas políticas não tivesse partido de conside- rações de natureza ideológica ou política, elas se diferenciavam, por um lado, da visão de uma esquerda conservadora que desejava manter o status quo e, por outro, da doutrina neoliberal que pregava o abandono de qualquer política industrial e um Estado minimalista [ver Exame (1988) e Lucas, Dias e Borsoi (1989)l.

Um Novo Papel para o Estado O Brasil já contava com empresários capazes de se responsabilizar por uma tarefa que o Estado havia alegadamente assumido pela falta de capitais privados em condições de fazê-lo.

As estatais estavam sob rígido controle, comuma série de limitações quanto às políticas de investimento e de pessoal. A falta de flexibilidade era total, impedindo uma gestão moderna e eficiente destas empresas. Muitas vezes elas eram utilizadas para objetivos de política econômica inteiramente diversos de sua missão, como alavancar empréstimos externos de interesse do governo ou, principalmente, colaborar com a política antiinflacionária através da compressão de seus preços, em prejuízo de sua própria sobrevi- vência no longo prazo.

O aparelho de estado precisava reestruturar-se profundamente, no sentido de ser mais eficiente em todas as suas atividades e funções, reduzindo seus custos e maximizando o resultado das atividades que continuasse exercendo.

Assim sendo, um programa de privatização aparecia como uma necessidade para atender múltiplos objetivos:

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em primeiro lugar, visando liberar recursos, agora escassos, para serem investidos em segmentos sociais, ao invés de no setor produtivo (as carências sociais do país competiam por recursos com os pesados inves- timentos necessários nos setores de atuação das estatais);

em segundo lugar, as privatizações seriam também uma forma de defesa das empresas produtivas, evitando que elas continuassem a ser utilizadas como instrumentos de política de curto prazo e dando-lhes condições de, como empresas privadas, se modernizarem e atuarem em busca de maior eficiência e competitividade; e

finalmente, a indução à busca de competitividade e eficiência sistêmicas e a obtenção da estabilidade macroecon6mica implicavam o aperfeiçoa- mento dos mecanismos de formação de preços no mercado, incompatíveis com a fixação de preços de produtos básicos em gabinetes de Brasília.

Uma Nova Política Industrial A intervenção do Estado na economia deveria mudar radicalmente de natureza: ao invés de provocar distorções no mercado visando beneficiar a produção voltada para o mercado interno, mesmo que a um custo mais elevado, deveria passar a estimular a competitividade, a produção ao menor preço e com qualidade de nível internacional. Era preciso facilitar o acesso da empresa brasileira ao mercado mundial. Impunha-se modernizar a infra- estrutura para melhorar a competitividade sistêmica.

O melhor caminho seria usar os mecanismos de mercado.

A abertura da economia brasileira à competição externa seria um passo importante nesta direção, com a eliminação de subsídios, de controles quantitativos das importações, da proteção estatal e com a redução gradual e planejada das barreiras alfandegárias. O Brasil precisava assumir uma nova postura nas negociações do Gatt e em outros foros multilaterais, abandonan- do posições terceiro-mundistas e procurando se inserir construtivamente como um parceiro no sistema internacional [ver Mourão (1988a)l. Era o momento de flexibilizar as regras para o capital estrangeiro, no sentido de estimular especialmente as associações com empresas nacionais visando ao desenvolvimento tecnológico e à ampliação de mercados.

Não se tratava de criar indústrias exportadoras, como enclaves especia- lizado~, ao estilo das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), mas sim superar a falsa dicotomia mercado interno x mercado externo, estimu- lando a indústria voltada para o mercado interno a ampliar seu horizonte de

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mercado, produzindo em condições de preço e qualidade compatíveis com o mercado mundial, colocando a produtividade em primeiro lugar [ver Mourão (1988b)l.

Enfim, era preciso reestruturanno-nos para constituir uma verdadeira eco- nomia de mercado competitiva, dentro das regras do jogo da competição internacional.

As Conseqüências Internas A Diretriz Fundamental

No início de 1987 os Cenários foram apresentados como base para a elaboração do novo Plano Estratégico do Sistema BNDES, num amplo processo de discussão, com intensa participação do Comitê de Planejamen- to. Uma síntese dos cenários foi publicada em agosto de 1987. Foi elaborado o diagnóstico de ambiente interno, por meio de pesquisa de opinião por amostragem e com os executivo^.^^

O processo de discussões foi concluído em um seminário da Alta Adminis- tração realizado em Teresópolis, no final de 1987, e o Plano Estratégico foi aprovado pela Diretoria e publicado em fevereiro de 1988.

O primeiro parágrafo do novo plano dizia: "O Plano Estratégico do Sistema BNDES - 1988- 1990 tem como diretriz fundamental a integração competi- tiva do Brasil na economia mundial e a integração de mercados a nível nacional, com superação das desigualdades sociais e regionais do país, configurando um novo estilo de crescimento da economia brasileira."

O Sistema BNDES havia incorporado as novas idéias.

As Estratégias Internas

Os Planos de Ação e as Políticas Operacionais continuaram a refletir e a aplicar as definições estratégicas. A modernização do parque produtivo, a capacitação tecnológica, a automação industrial, a reestruturação e concen- tração de empresas em setores com economia de escala e os investimentos com vistas à exportação foram priorizados. Foi também delineada como objetivo uma ação institucional do Banco nos organismos em que tinha assento, no sentido de reformular a política de comércio exterior e de

20 Esta metodologia estatística permitia a reprodução anual da pesquisa. podendo-se avaliar sis- tematicamenreos resultados dosplanos de ação sobre o ambiente interno [ver Castro, Costa e Borsoi (1 988) e Castro e Costa (1 989)l.

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20 A INTEGRACAOCOMPETITIVA E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NO SISTEMA BNDES

divulgar e debater amplamente o Plano Estratégico do Sistema BNDES [ver BNDES (1988b)I.

Uma importante estratégia foi fixada, dentro da visão do novo papel do Estado e com o objetivo de fortalecer a estrutura financeira e patrimonial do Sistema BNDES, ou seja, promover a privatização das empresas sob o seu controle, além da alienação de participações minoritárias e a desimobiliza- ção de ativos não-operacionais.

O BNDES começou assim, dentro de seu âmbito de atuação, areformulação do papel do Estado. Num processo absolutamente inédito no país, em dois anos e meio foram privatizadas 14 empresas, em leilões públicos, de forma transparente e eficaz [ver BNDESPAR (1990)].21

O Novo BNDES

Outra conseqüência foi que o Banco passou por uma abrangente reorgani- zação interna, visando modernizar suas práticas operacionais e adaptar-se às novas condições. A reorganização pretendia criar "um novo BNDES", com nove objetivos centrais:

Obietivos do Novo BNDES DE PARA

Análise de Projetos Análise Estratégica de Competitividade Setor Clientes Fomento Marketing Burocracia Agilidade Financiamento Engenharia Financeira Ritual (de análise) Avaliação (de risco) Fins + Meios Resultados Administração de Pessoal Administração Estratégica de RH Feudos Integração

Entretanto, como a reorganização foi realizada próxima à mudança de governo, os seus resultados foram apenas parciais [ver BNDES (1992)l.

21 Merece destaque o papel do Diretor Nildemar Secches, auxiliado por Sérgio Zendron e Lici'nio Vrlasco Júnior, sob a liderança e o forte apoio do entüo presidente Múrcio Fortes, na formulação e implantaçüo desta estratégia.

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As Repercussões Externas As repercussões externas da nova orientação do Sistema BNDES foram intensas, com grande divulgação nos jornais diários e em revistas sema- n a i ~ . ~ ~ Inúmeras palestras foram realizadas em todo o Brasil, e o BNDES passou a defender a nova estratégia nos foros g~vernamentais.~~ Houve apresentação de trabalhos e participação em seminários, congressos e diver- sos eventos sobre política industrial e o futuro do país no Brasil e no e~ te r io r?~ reuniões com órgãos de governo e elaboração de propostas de política indu~t r ia l .~~ Realizaram-se também reuniões com empresários para discutir a reestruturação necessária da i n d ú ~ t r i a . ~ ~

A Integração Competitiva passou a ser uma marca do Sistema BNDES.

Quando veio a campanha eleitoral paraapresidênciadaRepública, em 1989, o Banco estava com elevado prestígio, embora gerando muitas vezes polê- micas com suas propostas. Tivemos a oportunidade de apresentar nossas idéias a assessorias de diversas campanhas, assim como a equipe do presi- dente eleito manteve intenso contato com o Banco para colher informações visando à formulação de uma política industrial e de um programa de privatizações. Em seu discurso de posse, o presidente eleito utilizou a expressão Integração Competitiva, para definir seus objetivos para apolítica econômica.

22 Além da imprensa brasileira, o Financia1 Times (1988) e Le Figaro (1988)publicaram matérias. 23 A equipe do Planejamento realizou inúmeras palestras, especialmente o autor deste artigo, entüo

superintendente de Planejamento, e Luiz Paulo Vellozo Lucas, chefe do Deplan. O presidente do BNDES 2 época, Márcio Fortes, foi desde o início um entusiasta dos Cenários, clo Planejamento Estratégico e da Integraçüo Conlp~titiva, divulgando-os intensamente e estimulando a equipe, assim como o diretor responsável pela Area de Planejamento, Nildemar Secches. Também André Franco Montoro Filho, vice-presidente que havia exercido por longo período a presidência, participou e apoiou fortemente a Integraçúo Competitiva, sendo importante divulgador das novas idéias. E ainda Bruno Nurdini, quando vice-presidente, deu signijicativa contribuiçüo para a disseminação das novas propostas.

24 Apresentei o trabalho em palestras no Banco Mundial, no BID e nu Johns Hopkins University, em Washington, e a banqueiros internacionais em Nova lorque e Londres, e Luiz P. V. Lucas em Encontro da Unido, em Viena.

25 Especialmente na elaboraçúo da Nova Politica Industrial, de maio de 1988, juntamente com o MIC e o lpea.

26 Foi realizada no BNDES uma série de reuniões com um grupo de empresários e dirigentes de Ógüos responsáveis pela política industrial para discutir como implementar a Integração Competitiva, entre eles Paulo Cunha, Eugênio Staub, C&íudio Bardella, Paulo Villures. Oziris Silva (coordenador da Comissúo de Política Industrial da Fiesp), Paulo Francini, Luís André Rico Vicente (MIC), Heloísa Camurgo (do CPA), Mauro Arruda (do INPI). Como resultado, os empresários decidiram criar o Instituto de Estudos e Desenvolvimento Industrial (ledi), com o objetivo, na época, de ajudar a formular a nova poliricu.

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22 A INTEGRACÃO COMPETITIVA E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NO SISTEMA BNDES

Em 1990, o chefe do Departamento de Planejamento do Banco assumiu o Departamento de Indústria e Comércio (DIC) do Ministério da Economia e, com uma equipe formada por técnicos do Banco e da ~e t robrás?~ deu partida ao processo de abertura da economia e ao Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade. Esta equipe procurou fazer, na área da Política Industrial, em meio a inúmeras dificuldades, uma política de acordo com a visão da Integração Competitiva.

No BNDES, entretanto, assim como em outras áreas do governo, a visão neoliberal foi imposta. A equipe do Planejamento foi dispersada, tendo sido descontinuados o Planejamento Estratégico e o trabalho de cenários. O BNDES tomou-se naquele momento o Banco da Privatização [ver BNDES (1992)l.

5. Conclusão As transformações necessárias para que o novo modelo de desenvolvimento se torne efetivo são muitas e abrangentes. Uma parte do caminho já foi vencido, mas o restante é maior e mais complexo que o percorrido até agora.

Dentre os órgãos governamentais, o BNDES foi o pioneiro, com a história relatada ao longo deste artigo.

Em 1988, o governo federal ensaiou mudar a política industrial, com a Nova Política Industrial. No entanto, embora os objetivos definidos no texto da lei fossem na direção da Integração Competitiva, a sua regulamentação manteve os mesmos instrumentos e processos da política anterior, resultando ao final numa tímida evolução.

O processo de elaboração da nova Constituição veio consagrar interesses corporativos e a visão atrasada da esquerda conservadora no capítulo eco- nômico. A revisão constitucional prevista para 1993 não se concretizou. O avanço na política industrial obtido no período recente teve que se conformar dentro de um quadro jurídico-institucional arcaico, que os nossos legislado- res não quiseram ou não souberam adaptar às exigências do novo desen- volvimentismo e às necessidades de uma economia moderna e estável.

A realidade brasileira dos últimos anos se aproximou mais do cenário da Inércia Corporativista do que da Integração Competitiva. Isto porque não só

27 Luk Paulo Vellozo Lucas foi designado diretor do DIC e formou sua equipe com Francisco Marcelo da Rocha Ferreira e Nelson Tavares Filho, do BNDES. e Antônio Maciel Neto e José Paulo Silveira, da Petrobrás.

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não se fizeram as mudanças estruturais e políticas necessárias, como os planos de combate à inflação se basearam numa hipertrofia da intervenção estatal, com congelamentos de preços e rompimento de contratos, que desorganizou completamente o mercado, gerando instabilidade e impedindo o funcionamento normal da economia.

Mas o fato de a realidade não ter se conformado ao cenário desejável - o da Integração Competitiva - e se aproximado mais do cenário de contraste - o da Inércia Corporativista - não invalidou o primeiro como um cenário possível, e muito menos como desejável. O que ficou claro é que, sem um plano de estabilização que respeite e reforce as leis de mercado (como é o objetivo do plano em curso) e sem reformas estruturais que garantam a concorrência e estimulem a competitividade, além de sanearem as finanças públicas (que ainda estão por se fazer), a retomada sustentada do desen- volvimento econômico parece impossível.

Assim sendo, o maior desafio no momento atual é uma reformulação constitucional e uma reforma do aparelho de estado para criar o aparato institucional adequado à nova política.

O plano de estabilização coloca outros desafios. Dadas a nova política cambial e monetária e a atração que o país deve exercer para os capitais externos, a conta corrente do balanço de pagamentos poderá, como contra- partida necessária, mudar de sinal, e o país voltar a conviver com déficits em seu comércio externo [ver Krugman (1993)l. Neste caso, para que esta mudança se dê sem prejuízo à indústria brasileira, é preciso um processo de crescimento suficientemente rápido para assegurar um aumento da absorção interna na margem, em benefício do investimento e da expansão dos setores competitivos de nossa economia. Por outro lado, o próprio sucesso do plano de estabilização cria grande parte das condições necessárias para a entrada do país em novo ciclo de crescimento.

Quando fizemos os cenários do BNDES, fui chamado muitas vezes de otimista. E a história recente não me fez mudar. Acredito que no que resta desta década, finalmente, vamos assistir à Integração Competitiva da Eco- nomia Brasileira na Economia Mundial.

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