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V. 3 1975 DISTRITO FEDERAL REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL … · Tribunal a exercer sua competência magna - a de apreciar as contas anuais do Governo do Distrito Federal -, venho apresentar

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V. 3 1975

DISTRITO FEDERAL

REVISTADO

TRIBUNAL DE CONTASDO

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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 3

SUMÁRIO

I. - DOUTRINA ________________________________________________________________________3A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM PLANEJAMENTO O PLANEJAMENTO NO DISTRITOFEDERAL _________________________________________________________________________________ 5

JOSÉ WAMBERTO ________________________________________________________________________________ 5

POR UM CONTROLE FUNCIONAL _________________________________________________________ 32HERÁCZ.IO SALLES _____________________________________________________________________________ 32

A ESPECIALIZAÇÃO NOTÓRIA E A DISPENSA DE LICITAÇÃO_______________________________ 39LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ_______________________________________________________ 39

O CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO TRIBUNAL DE CONTAS _________________ 52ROBERTO ROSAS _______________________________________________________________________________ 52

II. - VOTO E PARECERES _____________________________________________________________58DOAÇÃO DE BENS INSERVÍVEIS POR FUNDAÇÃO __________________________________________ 59

Conselheiro-Substituto: JESUS DA PAIXÃO REIS_______________________________________________________ 59

PROCESSO N.° 1.384/75 — STC _____________________________________________________________ 63Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO ___________________________________________ 63

PROCESSO N.° 490/73 (Em apenso o de n.° 52/75)_______________________________________________ 67Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO ___________________________________________ 67

PROCESSO N.° 666/74 ______________________________________________________________________ 76Procuradora Geral: ELVIA LOSDELLO CASTELLO BRANCO ____________________________________________ 76

PROCESSO N.° 734/69 ______________________________________________________________________ 79Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ____________________________________________________________ 79

PROCESSO N.° 1.026/68 ____________________________________________________________________ 98Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ____________________________________________________________ 98

PROCESSO N.° 265/67 — STC ______________________________________________________________ 104Procurador José Guilherme Villela ___________________________________________________________________ 104

PROCESSO N.º 488/69 — STC ______________________________________________________________ 111Procurador: Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz ______________________________________________________ 111

PROCESSO N.° 592/73 _____________________________________________________________________ 122Procurador: Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz ______________________________________________________ 122

PROCESSO N.° 664/71 - STC _______________________________________________________________ 127Procurador: Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz ______________________________________________________ 127

PROCESSO N.° 765/72 - STC _______________________________________________________________ 132Procurador: Lincol Teixeira Mendes Pinto da Luz _______________________________________________________ 132

PROCESSO N.º 725/72 _____________________________________________________________________ 136Procurador: Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz ______________________________________________________ 136

PROCESSO N.° 614/74 _____________________________________________________________________ 139Procurador: Roberto Rosas _________________________________________________________________________ 139

PROCESSO N.° 246/75 _____________________________________________________________________ 144Procurador: Roberto Rosas _________________________________________________________________________ 144

III. - Jurisprudência sobre Tribunais de Contas ____________________________________________147

IV. - NOTICIÁRIO ___________________________________________________________________152

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I. - DOUTRINA

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A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM PLANEJAMENTOO PLANEJAMENTO NO DISTRITO FEDERAL (*)

JOSÉ WAMBERTO

Na qualidade de Relator, nos termos do nosso Regimento Interno, e visando a habilitar oTribunal a exercer sua competência magna - a de apreciar as contas anuais do Governo doDistrito Federal -, venho apresentar a Vossas Excelências Relatório e projeto de Parecer Préviosobre as contas do Governo do Distrito Federal, referentes ao exercício de 1974.

Faço-o precisamente no momento em que noticiário mais ou menos freqüente tem surgidosobre irregularidades tanto na administração federal, quanto na estadual e na municipal.Enquanto isso, já se levantam indagações sobre os motivos dessa projeção de fatos negativos nacondução dos negócios públicos.

Certos analistas sugerem explicações simplistas, como a deterem realmente aumentado oscasos de malversação, diante dos elevados recursos que hoje são aplicados ou distribuídos peloGoverno Federal em busca do desenvolvimento de toda a Nação, e, inclusive, por intermédio dasadministrações estaduais e municipais. Outros procuram interpretações de caráter sociológico,como a de estarem ascendendo a algumas lideranças governamentais pessoas despreparadasprofissionalmente para altas responsabilidades. E há alguns que até preferem descarregar sobrea imprensa a imputação de exagerar casos de desonestidade, com o mero intuito de alentarnoticiário sensacionalista.

Na verdade, meditando sobre os fatos, creio que devemos dar graças aos céus. Enfim, jánão mais se recebem as notícias com a indiferença criada pela incredulidade em alguma espéciede punição do mau emprego dos dinheiros públicos. Estamos vendo agora que quem administrasem atenção aos valores morais se expõe à censura geral. Os padrões de julgamentotornaram-se normalmente rigorosos e cada cidadão é fiscal atento e indormido. já estamosdistantes de um passado em que não provocavam maior interesse os julgamentos das Cortes deContas, embora feitos com o mesmo rigor diante dos casos de ilicitude ocorridos então com maiorfreqüência.

Aqui mesmo, neste Tribunal, há alguns anos, tivemos até que rejeitar contas de umasociedade cultural cujo dirigente aplicara irregularmente vultosa ajuda governamental. Os ecosdessa decisão perderam-se, no entanto, entre as quatro paredes da nossa Sala de Sessões,muito embora - frise-se para honra do Governo - o julgamento tenha tido, sob o ângulo daprobidade, sadias conseqüências. É provável que, hoje, o fato merecesse compreensivelmenteconstituir notícia, pois não seria mais considerado reflexo de cinzenta rotina, mas infeliz exceção,acontecimento profundamente negativo.

Com efeito, o administrador negligente ou ímprobo é, agora, uma triste figura, acuada nãosó pelos Tribunais de Contas, órgãos técnicos de cooperação com o Poder Legislativo, comoainda pela opinião pública, que tem a sorte de poder acreditar nas providências do Governo parareprimir e punir a corrupção.

(*)Introdução ao relatório das contas do Governo do Distrito Federal, exercício de 1974, pelo Relator-Conselheiro José WambertoPinheiro de Assunção.

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Este clima não se formou, porém ao acaso. Consolidou-se, na realidade, a partir de 1964.Inicialmente, com os bons exemplos dos altos escalões da administração federal e, depois, com anova legislação de controle das despesas públicas.

O Governo, enquanto se empenhava a renovação dos costumes políticos e noaprimoramento da ação administrativa com base em planejamento - como veremos adiante -baixava nova e eficaz legislação de controle das despesas públicas. Quem pode negar que nãoestamos mais diante de procedimentos meramente formais, nem do controle de despesassimplesmente simbólico, cuja conseqüência mais marcante era afogar o serviço público em pilhasde papel?

Na verdade, os mecanismos obsoletos demonstraram à farta sua absoluta inocuidade narepressão aos abusos. Eram lentos, emperrados, retardando os exames de contas. O registroprévio, além de procrastinar o início da execução de atos relevantes, estimulava airresponsabilidade do administrador, que nele se amparava para permanecer na sempre maisfácil rotina.

Graças ao primeiro Governo da Revolução - e aqui rendo as minhas homenagens àmemória sempre viva do estadista Presidente Humberto de Alencar Castello Branco - osTribunais de Contas tiveram, também, a .sua revolução. A Constituição de 24 de janeiro e osDecretos-leis n°s 199 e 200, de 25 de fevereiro de 1967, instituíram, verdadeiramente, sistema dealta responsabilidade no emprego dos recursos públicos. A nova Lei Máxima, além de reformar ocontrole externo pelo Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, determinou amplocontrole interno da Administração, com os seguintes objetivos (art. 72) : a) assegurar-se a eficáciado controle externo; b) acompanhar-se a execução dos programas de trabalho e dos orçamentos;c) avaliarem-se os resultados obtidos pelos administradores. Temos, assim, uni controle externoefetivo, eficiente e uma dinamização administrativa alcançada mediante obediência a planos eprogramas governamentais que encerram, em alguns casos, e possibilitam, em outros, decisõestomadas com pleno conhecimento das opções mais aceitáveis e, assim, sob inteiraresponsabilidade do administrador. Estabeleceu-se, concomitantemente, a auditoria externasobre qualquer pessoa que lide com dinheiros do povo na área do Executivo, Legislativo ejudiciário.

Nesta altura, seja-me permitido confirmar as assertivas acima com as palavras de insignemestre do Direito Administrativo, o professor Caio Tácito, a propósito do que ele classificou como"real controle de eficiência e de produtividade":

"Primeiramente, a Constituição de 1987 trouxe profunda modificação ao sistema defiscalização financeira e orçamentária, seja no campo federal, seja quanto aos Estadosque, obrigatoriamente, se regem pelos mesmos princípios (art. 13, n° IV).

"Dispõe o art. 71 que as normas de fiscalização financeira e orçamentária extensivasàs autarquias (art. 71, § 5º) compreenderão o controle externo exercido pelo CongressoNacional, com o auxílio do Tribunal de Contas, e o controle interno do Poder Executivo.

"Quanto ao primeiro - o controle parlamentar externo, praticado por intermédio doTribunal de Contas - abandonou-se o critério de fiscalização formal, com o repúdio aoregistro prévio de atos e contratos administrativos, para dar ênfase aos processos deauditoria, tão largamente usados nos países que seguem o modelo anglo-saxão docontrolador geral de finanças. A experiência inglesa e norte americana, do ComptrollerGeneral ou do General Acounting office, estão certamente no cerne da inovaçãoconstitucional.

"O recente Decreto-lei n° 199, de 25 de fevereiro de 1987, propiciou o primeirobalizamento do exercício da auditoria financeira e orçamentária pelo Tribunal de Contas daUnião, cuja execução melhor dirá da eficácia da nova técnica de controle, que inclui

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inspeções diretas á contabilidade dos órgãos da Administração Pública (arts. 35 a 39 docitado decreto-lei).

"Os sistemas de controle interno, que a lei instituirá no âmbito do Poder Executivo,têm a sua finalidade predeterminada no art. 72 da Constituição, visando a:

I) criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e para assegurarregularidade à realização da receita e da despesa;

II) acompanhar à execução de programas de trabalho e do orçamento;

III) avaliar os resultados alcançados pelos Administradores e verificar a execução doscontratos."(*)

Todo esse complexo de providências acaba de ser completado com a Lei que, dispondocom referência ao art. 70 da Constituição, ensejou larga fiscalização da administração indireta,atribuição, aliás, já conferida a esta Corte, no âmbito do Distrito Federal. O Presidente ErnestoGeisel, ao sancionar a Lei n.º 6.223, de 14 de julho último, abriu todos os órgãos, empresas esociedades, onde houver dinheiro público, ao controle dos Tribunais de Contas e do PoderLegislativo.

Ora, um Governo e um Congresso, que assim agem, querem uma administração clara etransparente, a par de caracterizada pela eficiência. Já em setembro de 1970, ao relatar ascontas do exercício anterior, o Conselheiro Heráclito Salles apontava como uma dascaracterísticas do atual sistema de controle, a manifestação da vontade do Poder Executivo, quepraticamente declara desejar ser controlado no uso que fizer dos dinheiros públicos e dácondições ao Tribunal de fazê-lo". E, mais adiante, no mesmo parecer, assinala com lucidez onosso eminente colega:

"Vimos ser irrecusável que o controle externo da administração financeira, com oadvento dos governos revolucionários, passou a ser desejado - quase diríamos exigido -pelas próprias autoridades administrativas; e que o sistema implantado na Constituição de1967, mantido e robustecido pela Emenda Constitucional de 1969, não fechou a porta daadministração pública à ação fiscalizadora do Poder Legislativo e, ao contrário do queparece, .pretendeu deixa-la permanentemente aberta aos órgãos incumbidos de zelar pelalegalidade das despesas.

"Mais do que isto, a reforma visou a colocar-nos em condições de, ir além daverificação estrita da legalidade e alcançar também os princípios da moralidade e dafinalidade, abarcando-se, assim, toda a trindade da boa administração, a que tratadistas,como o professor Hely Lopes Meirelles, conferem a natureza de pressupostos distintosporém inseparáveis".

O sistema de fiscalização das contas tornou-se bem mais rápido e expedito, graças a umalegislação que realmente honra o País, pois foi construída sobre bases científicas e consagra oprincípio do planejamento, que constitui o tema de nossa Introdução.

PLANEJAMENTO

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O planejamento, reconhecem os tratadistas, começou com o primeiro ser humano e, desdeentão, permaneceu simples prática natural de todos os indivíduos e grupos.1

É inerente a todos os desígnios humanos. Abrange todos os aspectos de nossa vida, dizrespeito a todas as fases da atividade de que o homem participa, seja individualmente, seja comoparte de grupo organizado. 2

(*)Carta Mensal" da Confederação Nacional do Comércio, n.ºs 146/147 - maio/junho 1967.1 Benedito Silva: Uma Teoria Gerai de Planejamento, ed. Fundação Getúlio Vargas, pág. 87, citado Harlow Person.

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Se não se pode levar a cabo nenhum desiderato humano sem um mínimo de planificação,também não padece dúvida de que a consecução de qualquer objetivo se torna tanto mais segurae econômica quanto mais bem informado e melhor ponderado for o respectivo planejamento. Daía incontestável superioridade do que se chama planejamento científico sobre o planejamentoempírico ou espontâneo, este quase instintivo.

Essa verdade simples e elementar foi sempre compreendida e praticada pelos espíritoslúcidos e esclarecidos, em quase todas as épocas.

NAPOLEÃO, comenta ilustre autor gaúcho, afirmou que o êxito alcançado nas batalhas nãose devia à capacidade de improvisação, mas ao prévio estudo de todas as probabilidades demodificação delas. O brilhantismo das inesperadas mudanças de estratégia e de tática, queofuscavam os adversários, era o resultado de pacientes e exaustivas análise de soluções flexíveise variáveis, que seriam aplicadas conforme o desenrolar dos acontecimentos. 3

Outro francês imortal, HENRI FAYOL, considerado o fundador da Teoria Administrativa,entendia a função administrativa como consubstanciada em prever, organizar, comandar,coordenar e controlar. E definia a prévoyance como perscrutar o futuro e traçar o programa deação.4

Embora não tenha usado o termo planejamento, considera-se que está incluído naprévoyance, por isso que a antecipação do futuro (previsão propriamente dita) é precedida depesquisa e tem como resultado e instrumento lógico o planejamento, pois é por intermédio desteque o chefe se prepara para enfrentar o futuro.5

Em sua forma mais simples, ensina MARSHALL E. DIMOCK, o planejamento é o que osfranceses chamam prévoyance - previsão do Curo. Aplica-se tanto aos indivíduos como aosgrupos, tais como as famílias, as instituições sociais, os negócios e os governos.6

Consoante magistério de SIR HENRY N. BUNBURY, seria grave erro supor que oplanejamento das atividades econômicas e sociais de uma comunidade é algo novo. Pelocontrário, sempre existiu desde que o homem começou a viver uma vida civilizada e ordenada. Ascircunstâncias, sim, é que são novas. O movimento para o planejamento é uma demanda paraque nos ajustemos a uma nova situação.7

Tanto na Antigüidade, como nos tempos do Império Romano e na Idade Média, a economiaestava consorciada com a direção do Estado. A planificação da atividade do último implicava oplanejamento de primeira. Certo é que se não havia ainda desenvolvido um instrumental deanálise que permitisse o planejamento com os requintes da atualidade.

Se os conceitos elementares até aqui expostos são hoje de um modo geral aceitos eproclamados, sua aplicação sistematizada às atividades estatais e à sociedade modernas comoum todo só recentemente foi acolhida, embora ainda se façam ouvir preclaras vozesdiscordantes.

No Estado Moderno, durante a fase de predomínio do liberalismo econômico, o únicoplanejamento possível era o da abstenção do Estado, deixando a economia e as demaisatividades sociais entregues à espontaneidade das forças em jogo.

Só em épocas assaz recentes, com a mudança estrutural do Estado, as crises econômicas,as conflagrações e as revoluções triunfantes, é que se reconheceu a necessidade e alegitimidade da atuação do Estado na economia e nos demais setores da vida social. Como essa

2 Id. ib., pág. 87.3 Delfim M. Silveira: Orçamento e Planificação, Edição Sulina, 1960, pág. 259.4 Henri Fayol: Administração Industrial e Geral, Editora Atlas S/A., 8.a edição, pág. 20.5 Wagner Estelita Campos: Chefia, sua Técnica e seus Problemas, 6.ª edição, 3.ª tiragem, 1974, pág. 138. No mesmo sentido,B.S., 85.6 Apud Muñoz Amato: Planejamento, pág. 5.7 Apud DWight Waldo: Problemas e Aspectos da Administração Pública, pág. 498.

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atuação abrange áreas cada vez maiores e mais complexas, impõe-se o planejamentosistemático como um dos princípios básicos da administração moderna. É um instrumento deracionalização, de economia e eficiência da ação estatal.

Duvidou-se, inicialmente, da compatibilidade entre democracia e planificação. Em torno doassunto, travou-se largo debate. Alegou-se, do lado bolchevista, ser o planejamento, consoantedizer do G. GRINKO, "tão imanente ao sistema socialista, quanto a livre concorrência e aeconomia anárquica à sociedade burguesa".8

Melhor ponderação da matéria e a experiência dos povos, premidos por crises e guerras,demonstraram a falácia da indigitada incompatibilidade. Comprovou-se que o planejamento éapenas uma técnica e, portanto, politicamente neutro ,podendo ser usado, indiferentemente e emgraus diversos, por sociedades. capitalistas e socialistas,

De resto, salienta BENEDITO SILVA, aquela dúvida esquecia a origem capitalista doplanejamento a longo prazo, que tinha nas lições de FAYOL o seu pioneiro e o seu mais brilhantepregador.9

Demais, como observa NILSON DE HOLANDA, não se encontra no mundo hodiernonenhum exemplo de capitalismo puro e quase todos os países do mundo ocidental adotam umsistema misto de livre empresa e intervenção governamental.

A adoção desse modelo misto ou eclético visa a resguardar as vantagens de um e outrosistema, buscando conciliar o dinamismo da livre empresa capitalista com a racionalidade doplanejamento socialista e, ao mesmo tempo, procurando evitar o desperdício e a anarquia daprodução capitalista ou a burocratização e lentidão de certos aspectos, da administraçãosocialista.10

A última conflagração mundial submeteu a prova definitiva, no mundo ocidental, acapacidade humana de planificação em grande escala. "Com o advento da Segunda GuerraMundial - o ensinamento é ainda de BENEDITO SILVA - os recursos administrativos e gerenciaisaté aí compendiados foram postos em duríssimas provas. Tarefas administrativas decomplexidade inaudita, como a invasão da Normandia, o Projeto Manhattan (construção dasprimeiras bombas atômicas) e outros de grande envergadura vieram a exigir infinitamente maisda capacidade executiva do homem".11

O fato é que, preconizado intensamente pelos teóricos da administração, pelos economistase por organismos internacionais, que prestam assistência técnica aos governos dos paísesatrasados, o planejamento é hoje uma prática universal.

O "rationale" do planejamento nas economias capitalistas avançadas, preleciona ROBERTOCAMPOS, fundamenta-se em geral em três considerações ligadas todas â emergência do"welfare state" em substituição ao "estado-polícia": a) combate ao desemprego cíclicoexperimentado no passado pelos regimes econômicos não planificados; b) distribuição maiseqüitativa da renda nacional; c) coordenação da aplicação de recursos, evitando-se o desperdícioinerente à duplicação de facilidades, provocada pela livre concorrência.

Já nos países subdesenvolvidos, o problema central do planejamento é basicamente oproblema medular de toda a ciência econômica: contingenciar recursos escassos entre objetivosconcorrentes, e escalonar sua utilização eficiente no tempo e no espaço.12

A adoção do planejamento nos países pobres, notam diversos autores, implica noreconhecimento da existência de condições históricas e institucionais bastante diferentesdaquelas que proporcionaram o desenvolvimento dos países da Europa Ocidental e da América 8 Cf. Luiz Zaidman; Parecer Prévio sobre as Contas do Governo do Distrito Federal, exercício de 1968, págs. 23 e segs.9 Taylor e Fayol, 3.a edição, Fund. Getúlio Vargas, pág. 78.10 Elaboração e Avaliação de Projetos, APEC, 1958, pág. 15.11 Uma Teoria Geral do Planejamento, Fundação Getúlio Vargas, pág. 43.12 Planejamento do Desenvolvimento Econômico, EBAP, pág. 11.

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do Norte dentro do contexto sócio-político do capitalismo liberal e de que aquelas condições nãomais se repetirão.

O planejamento, segundo alguns autores, está sempre ligado ao propósito do planejador enão comporta, conseqüentemente, uma idéia constante e uniforme. Por isso, diversos .estudiosos se esquivam de apresentar uma definição. já outros não se intimidam com adificuldade e formulam suas conceituações. MUÑOZ AMATO, em sua pequenina grande obra, játantas vezes referida, propõe uma definição, aliás muito difundida, e apresenta numerosas outrasem notas de rodapé.

Prefere-se aqui, por amor da singeleza e da brevidade, a definição de NILSON HOLANDA,que ensina ser o planejamento um "processo que nos permite prever e avaliar cursos de açãoalternativos e futuros, com vista à tomada de decisões mais adequadas e racionais". Transcreve oautor a conceituação de WILLIAM NEWMAN, também clara e concisa: "Planejar é decidirantecipadamente o que deve ser feito, ou seja, um plano é uma linha de ação preestabelecida".

Costumam os especialistas apresentar diversos critérios de classificação. Trasladamos paraaqui os que se nos afiguram mais importantes para as conseqüências práticas do presenteestudo e que são os seguintes:

a) quanto à área de incidência;

b) quanto ao grau de racionalidade;

c) quanto à inclusividade;

d) quanto ao conteúdo ideológico;

e) quanto à periodicidade.

Quanto à área ele incidência, o planejamento se diz internacional se abrange mais de umpaís; nacional, se coincide com as fronteiras de um país; regional, se se refere a uma regiãonatural ou geográfica; estadual, se cobre todo o território de um Estado; local, se tratadoplanejamento de um Município ou de uma fração deste.

No que diz respeito ao grau de racionalidade, a planificação pode ser inorgânica, e secaracteriza pelo casuísmo, limitação e fortuidade; empírica quando realizada por indivíduosinsuficientemente familiarizados com as técnicas de planejamento e que são as "técnicas detodas as ciências", consoante lição de H. S. PERSON. Por isso, chamou LUIZ ZAIDMAN aoplanejamento de "atividade politécnica". Denomina-se cientifica, quando é altamente organizada eintegrada, utilizando-se de todas as técnicas desejáveis. É um processo dinâmico e contínuo,salientam os autores. Busca permanentemente ajustar-se á realidade, sempre cambiante.Empresta á administração o mais alto grau de racionalidade possível, reduzindo ao mínimo asincertezas. Implica pesquisas e análises, até que se determine a "lei da situação".

No que concerne à inclusividade, o planejamento será parcial, se abranger apenas algunsaspectos dos problemas focalizados; setorial, quando tem por objetivo determinadas áreas daatividade estatal. O exemplo mais conspícuo entre nós é o do Plano SALTE. O planejamento seráglobal ou total, se abarcar todos os aspectos dos problemas, considerando todo o sistema, comona União Soviética.

Relativamente ao conteúdo ideológico, o planejamento poderá ser democrático, quando oórgão central específico, além de planificar as atividades do setor público, busca induzir as açõesdo setor privado, mediante incentivos e desestímulos, por intermédio dos instrumentos de políticaeconômica, tributária e fiscal. Será totalitário, quando o órgão central puder determinar e controlaras ações de todos os setores da economia, por ser o proprietário único dos meios de produção. Étambém o exemplo da União Soviética.

Costuma-se distingui-los, dizendo que o primeiro é indicativo, enquanto o segundo énormativo.

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Em relação à periodicidade, nota-se elevado grau de arbítrio nos diversos autores. JANTIMBERGEN, por exemplo, fazendo uma classificação dicotômica - curto prazo e longo prazo -,diz que ó primeiro usualmente se refere ao período de um ano e o segundo a um período maior,que vai de cinco a vinte e cinco (25) anos.13

Quanto a nós, com uma divisão baseada em nosso Direito Positivo, preferimos ordená-losem planejamento de longo prazo, que é o que elabora planos destinados a durar cinco ou maisanos, vinculando-se, muitas vezes, à duração do período governamental. É o caso do nossoPlano Nacional de Desenvolvimento. Será de médio prazo, se objetivar um período de três anos.O exemplo do Brasil é o Orçamento Plurianual de investimentos. Curto prazo, quando visa a umperíodo de um ano, como o Orçamento-Programa, que é ânuo. Conjuntural será aquele que sedestinar à duração de menos de um ano, como no caso de um planejamento que tenha por objetodebelar os efeitos de uma seca ou de uma enchente.

II - A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM PLANEJAMENTO

Costumam os autores fixar em 1939 a data do início das tentativas de implantação doplanejamento no Brasil.

Naquele ano foi instituído O Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da DefesaNacional, mais conhecido como Plano Especial.

Seu objetivo básico era "atender à urgência de se promover a criação de indústrias básicas,bem como de se prover a defesa nacional dos elementos necessários à ordem e segurança doPaís". A consecução de seus objetivos básicos foi estimada em Cr$ 3.000.000.000,00 (trêsbilhões de cruzeiros). Durante o período de vigência do Plano (1939-1943) , deveria ser aplicadoanualmente o montante de Cr$ 600. 000. 000,00 (seiscentos milhões de cruzeiros), mediante aabertura de créditos especiais daquele valor. Em sua execução foi empregada a quantia de ........Cr$ 2.837.319.776,00, ou seja, 94,5% do estimado. Sob o ponto de vista financeiro, pode-seconsiderar a execução do Plano como um retumbante êxito, embola não se possa ajuizar dosresultados dessa execução, pois, como nota JORGE GUSTAVO COSTA, faltou-lhe a fixaçãoprévia de projetos específicos para a consecução dos objetivos gerais contemplados.

Plano de Obras e Equipamentos: POE. Instituído pelo Decreto-lei n° 6.144, de 29-12-1943,era uma revisão e atualização do anterior. Tinha o objetivo principal de garantir, medianteorçamento especial, a realização de obras públicas de caráter civil, atendendo as necessidadesmais prementes. Visava, outrossim, ao incentivo às indústrias de base. Para a consecução deseus objetivos, destinava o montante de cinco bilhões de cruzeiros, desdobrado em parcelasanuais de um bilhão de cruzeiros. Sua duração seria qüinqüenal (1944-1948) . Todavia, asupressão, em 1946, da taxa de operações cambiais, sua principal fonte de recursos, tornou-ofinanceiramente inexeqüível. Por isso, informa JOSÉ AFONSO DA SILVA, o Diretor-Geral doDASP propôs sua extinção, alegando ainda "estar o Plano carecendo de base legal, face ao art.73 do Projeto da Constituição, cuja redação implicava a obrigatoriedade do orçamento uno".

1946 - A Constituição Federal desse ano, embora tida como antiplanificadora, traziadispositivos referentes ao planejamento, nos campos da Viação (art. 59), Colonização (art. 156),Defesa contra as Secas (art. 198), Valorização da Amazônia (art. 199) e do Vale do SãoFrancisco (art. 2° das Disposições Transitórias).

1948/50 - Elaboração e aprovação do Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Energia eTransportes). Já no ano seguinte ao de sua implantação (1951) demonstrava ser inexeqüível.Não obstante, durou até o fim do prazo a que se destinava, só conseguindo aplicar menos de50% da quantia estimada.

1951 - Durante a execução do Plano SALTE, criou-se, em julho de 1951, a Comissão MistaBrasil-Estados Unidos. Muito contribuiu ela para a tomada de consciência dos desequilíbrios

13 Jan Tinbergen: Planejamento Central, Editoral Atlas S/A, pág. 15.

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estruturais do País, principalmente os de caráter econômico. Em conseqüência do levantamentode nossos problemas, feito por aquela Comissão, seguiram-se importantes medidas, como severá na cronologia dos anos seguintes.

1952/53 - Proposta de criação de um Conselho de Coordenação e Planejamento Econômico(Getúlio Vargas) e posterior sugestão no sentido de se confiar o planejamento ao ConselhoNacional de Economia. Em conseqüência dos estudos da Comissão Mista Brasil - EstadosUnidos, criação do BNDE. Fundação do Banco do Nordeste.

1956 - Criação do Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República e elaboraçãodo Programa de Metas (Trabalho do Grupo Misto CEPAL/BNDE). "Uma das diferenças básicasentre o Programa de Metas e as experiências prévias de planejamento federal brasileiros,observa JORGE GUSTAVO DA COSTA, consistiu no fato de que os planos anteriores foramtraduzidos, essencialmente, pela expressão das previsões financeiras, sem a indicação dequantitativos físicos a serem atingidos, enquanto o Programa de Metas, na maioria dos casos, sedefiniu em termos de objetivos físicos".

Do ponto de vista financeiro, adotou a técnica de programação progressiva, com previsãopara dois períodos: 1956-1960 e 1957-1961. Esse tipo de programação importava em revisõesperiódicas das metas e dos recursos para manter sempre uma projeção qüinqüenal em relação adeterminado ano, que veio a ser adotada, como novidade, em 1963, pelo Departamento deDefesa dos Estados Unidos da América do Norte, "como um dos pontos altos da administraçãoMacNamara".14

A formulação do Programa de Metas, em 1956, demonstra haver triunfado a mentalidade deplanificação nas atividades normais do Estado brasileiro. É o primeiro esforço de sujeitar aevolução geral do País à supervisão racional do Poder Público, buscando alcançar,concomitantemente, 30 metas.

1961 - Uma reformulação das diretrizes programáticas, nesse ano, com a criação daAssessoria Técnica da Presidência da República e da Comissão Nacional de Planejamento,reorganizada posteriormente, em novembro, pelo Gabinete Tancredo Neves.

1962 - Criação de um Ministério Extraordinário para a elaboração do Plano Trienal. Esseplano foi concluído por uma equipe, em seis meses.

Em resumo, pode-se dizer que este plano visava à recuperação do ritmo dedesenvolvimento observado no período de 1957-1961, em torno de 7% ao ano; a contençãoprogressiva do processo inflacionário; algumas correções na distribuição de rendas, quer sob oaspecto pessoal, quer sob o aspecto regional; a realização das reformas de base (administrativa,bancária, fiscal e agrária) e o reescalonamento da dívida externa.15 Não logrou ser executado.

1963 - Proposta, em abril, da criação de um sistema nacional de planejamento.

1964 - Elaboração, pelo Ministro Roberto Campos, no Governo Castello Branco, doPrograma de Ação Econômica do Governo (PAEG). Segundo entendimento de CELSO M.MARTONE, "O objetivo primordial do PAEG foi, sem dúvida, o combate ao processo inflacionáriointenso, que minava a economia brasileira desde 1959".16

Conforme já tivemos ocasião de ressaltar, "Todas as reformas foram conduzidas semprejuízo para o combate tenaz à inflação. Esta foi, provavelmente, a maior batalha do primeiroGoverno da Revolução. Pois, a 31 de março de 1964, o País estava em plena orgia inflacionária ea situação herdada pelo novo Presidente era esta:

Em 1963, a inflação atingira a taxa anual de aceleração de 80,6%, chegando no primeirotrimestre de 1964 a 25%, o que significava que, a continuar o Governo Goulart, alcançar-se-ia, no 14 Jorge Gustavo da Costa, apud Afonso da iSlva: Orçamento-Programa no Brasil, RT, pág. 29.15 Roberto B. M. de Macedo: Planejamento no Brasil, Editora Perspectiva, pág. 53.16 Planejamento no Brasil, Editora Perspectiva, pág. 80.

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final do ano, 144%, pois, como é óbvio, a aceleração nos trimestres seguintes já seria superioràqueles 25% . O decréscimo da produção, cujo índice era de 7,7 em 1961, caíra para 5,5 em1962 e 2,1 em 1963. No campo internacional, o descrédito ia ao auge, com os seguintes fatos:ameaça de moratória internacional admitida pelo Governo em fins de 1963 e começo de 1964;acumulação de atrasados comerciais correspondentes a mais de um bilhão de dólares para pagarno prazo de um ano, soma quase equivalente à totalidade da receita previsível das exportaçõesem moeda conversível; atraso de pagamento de compromissos vencidos; queda eestacionamento quer no ingresso de capitais de risco, quer no de capitais de empréstimo; déficitpotencial excedendo 20% da totalidade da receita.

Pouco mais de um ano depois, falando na Assembléia Legislativa do Estado do Rio, a 11 denovembro de 1965, o Presidente já podia anunciar que, no ano anterior, a indústria tivera umaexpansão de 5% contra 2,1 de 1963. De devedores relapsos, passáramos à situação de plenasolvência, com reservas superiores a 300 milhões de dólares e postos em dia todos os nossoscompromissos, pois mais de 200 milhões de atrasados haviam sido liquidados. Contra um déficitde caixa do Tesouro nos nove primeiros meses de 1964, da ordem de 58%, no mesmo períodode 1965, tivéramos de apenas 25%.

Ao encerrar-se 1966, a dois meses e meio do término do seu mandato, o Presidente podiaapresentar à Nação o seguinte panorama da economia brasileira:

1°) o déficit de caixa baixara a 1,2% do produto interno bruto, quando em 1963 chegara amais de 5%, sendo que mais de. 80% desse déficit foram financiados por ObrigaçõesReajustáveis do Tesouro;

2°) a política monetária mostrava uma expansão dos meios de pagamento limitados a16,8%, em contraste com os 75,4% de 1965. Os empréstimos do Banco do Brasil e dos bancoscomerciais ao setor privado cresceram de 26,5% em 1965 para 56,8% em 1966;

3°) o custo de vida no Estado que serve de termômetro da vida nacional, a Guanabara,descia a pouco mais de 40%, ou seja, 41,1% contra os 45,4% de 1965;

4°) no balanço de pagamentos, continuava a tendência para o superávit, passando asexportações de 1.596 milhões de dólares do ano anterior, para 1.750 em 1966. O comércio com aárea socialista fora expandido de 14% em relação ao triênio anterior;

5°) mais de cinco bilhões de cruzeiros novos estavam investidos em obras públicas comorodovias, usinas hidrelétricas, hospitais etc.

6°) em 1966, finalmente, completara-se o ciclo das reformas institucionais no sistemaeconômico e financeiro, com nova estrutura tributária da Nação, dos Estados e dos Municípios(Emenda Constitucional n° 18).

A SUDENE afinal foi transformada em instrumento realmente útil para o desenvolvimento doNordeste, e a legislação sobre a Amazônia sofreu uma reformulação com a criação da SUDAM,que opera em termos práticos e objetivos.

Credite-se, também, à Revolução, a definição, em termos claros e precisos, de suaspolíticas setoriais, como aconteceu nos Ministérios do Planejamento e de Minas, possibilitandoromper-se o impasse em que havíamos caído até março de 1964. E permitiu ao Presidente dizeraos brasileiros, em sua última mensagem ânua ao Congresso:

"O Brasil de hoje é um País muito mais promissor do que aquele recebido em 1964. OBrasil deixou de ser o País dos problemas impossíveis, do impasse político, dainstabilidade social, do imobilismo administrativo. Ele é, hoje, um País em busca de novassoluções, capaz de organizar-se e agir objetivamente."17

17 José Wamberto: "Castello Branco, Revoluçgo e Democracia", edição 1970, págs. 76, 77 e 78.

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A rica experiência acumulada nesse período tem sido de grande utilidade na correção doprocesso inflacionário, sem implicar estagnação econômica.

1967 - Consoante magistério do insigne CAIO TÁCITO: "A Constituição de 1967, fiel àtradição jurídica e ao sistema anterior, conserva, em sua contextura, o controle de legalidade que,desenvolvido no direito comum, compreende as três modalidades conhecidas de controleadministrativo, ou de autocontrole; de controle parlamentar e, como garantia por excelência daordem jurídica, o controle judicial ou jurisdicional.

Se as linhas mestras são as mesmas, há, todavia, peculiaridades, na recente Carta Federal,que merecem ser referidas, para meditação do intérprete e como advertência ao legislador quedeverá complementar os preceitos da Constituição.

De início, convém observar a inserção de normas sobre planejamento econômico, tanto noâmbito direto dos serviços federais, como na coordenação do desenvolvimento regional e daadministração financeira dos Estados.

Além de reservar à competência da União o estabelecimento e execução de planosregionais de desenvolvimento (art. 8°, n° XIII), estende-se o poder de intervenção federal nosEstados à reorganização de suas finanças, quando adotem medidas ou executem planoseconômicos ou financeiros que contrariem as diretrizes estabelecidas em lei federal (art. 10, n° V,alínea c). De igual forma, ficam os auxílios financeiros da União aos Estados ou Municípioscondicionados à prévia entrega, ao órgão federal competente, do plano de aplicação dosrespectivos créditos (art. 13, § 5°) . Também ao Senado Federal, mediante iniciativa doPresidente da República, incumbe controlar os limites globais da dívida consolidada e ascondições de emissão de obrigações pelos Estados e Municípios (art. 69, § 2°) .

Ampliam-se, assim, embora apenas no campo econômico-financeiro, os veículosembrionários de um controle de eficiência da Administração Pública.

Essa tendência se faz sentir, semelhantemente, nas normas orçamentárias, que adotam oprincípio do orçamento global, ou seja, abrangendo obrigatoriamente as despesas e receitas detodos os Poderes, órgãos ou fundos, tanto da administração direta, quanto da indireta (art. 65).

Cuida-se de pôr cobro ao abuso dos orçamentos paralelos e quase secretos, que, segundotestemunho de uma das comissões de reforma administrativa federal, divulgado em 19.63, faziacom que cerca de dois terços dos dinheiros públicos fossem geridos, nas autarquias, sociedadesde economia mista e empresas públicas, sem aprovação ou sequer conhecimento do CongressoNacional.

A proibição de que sejam consignadas verbas para obra, despesa ou programa excedentesao exercício financeiro sem a prévia aprovação de Orçamento Plurianual de investimento ou leiespecial autorizativa, é outra medida salutar que visa à eficiência administrativa - art. 65, § 4°(Palestra proferida no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, em maio de1967.)

1968/70 - O Governo do Marechal Costa e Silva, empossado em março de 1967, publicou,em junho do mesmo ano, as suas diretrizes gerais de política econômica, com o objetivo dedefinir as novas linhas de Governo. O PED representa, de certa forma, concluem DENYSARD O.ALVES e JOÃO SAYD, um avanço na experiência brasileira de planejamento. Em primeiro lugar,porque na época de sua elaboração já era bem nítida a consciência da necessidade deplanejamento, ao menos das atividades governamentais, cuja importância na vida econômica danação não permite uma ação desordenada. Por outro lado, pode-se afirmar que já existia uma"tradição" de planejamento governamental, obrigando os novos governos de qualquer nível,desde o federal ao estadual, a apresentar sus planos de ação.

"Ao mesmo tempo, já existia, na época da elaboração do PED, uma estruturaadministrativa com experiência de planejamento, o Escritório de Pesquisa Econômica

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Aplicada. Tendo acabado de realizar o Plano Decenal de Desenvolvimento para o Governoanterior, podia contar com um manancial de informações e pessoal experimentado, o que,evidentemente, deve ter influído na laboração do Plano.

"Finalmente, o PED optou por um horizonte de tempo restrito, o que possibilitou autilização de um modelo econômico mais adequado, com um poder analítico maior e adefinição mais precisa das metas quantitativas. Como um plano de médio prazo, demonstrauma preocupação mais acentuada com os aspectos operacionais do planejamento e,principalmente, com os problemas relativos à execução e implementação.

"Estes aspectos relativos à execução são relativamente novos na experiênciabrasileira de planejamento, já que, embora a atividade planejadora no Brasil tenha umaexistência relativamente longa, os 'aspectos relativos à implementação do planejamentotêm sido quase que, na maioria das vezes, completamente negligenciados. No caso doPED, foi instalado um Sistema de, Acompanhamento das medidas propostas."18

1972/74 - 1 PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO - Esse documento foi aprovadopela Lei n° 5.727, de 1971, de acordo com a Lei Complementar n.º 9, de 11-12-70, que permitiufosse ele apresentado até 15-11-71, para ter vigência nos anos de 1972, 1973 e 1974.

Define como grandes objetivos nacionais do desenvolvimento brasileiro:

Primeiro - colocar o Brasil, no espaço de uma geração, na categoria das naçõesdesenvolvidas. .

Segundo - duplicar, até 1980, a renda per capita do Brasil (em comparação com 1969),devendo verificar-se, para isso, crescimento de Produto Interno Bruto equivalente ao dos trêsanos imediatamente anteriores à sua promulgação.

Terceiro - elevar a economia, em 1974, às dimensões resultantes de um crescimento anualdo Produto Interno Bruto entre 8 e 10%, mediante o emprego de medidas que menciona.

Especifica, a seguir, os pressupostos de um desenvolvimento autosustentado e de caráterintegrado. Avultam, dentre eles, o da ampla disseminação dos resultados do progressoeconômico, alcançando todas as classes de rendas e todas as regiões e o da transformaçãosocial, para modernizar as instituições, acelerar o crescimento, distribuir melhor a renda e manteruma sociedade aberta, além da estabilidade política e da segurança nacional. Apresenta asdimensões que a economia brasileira deveria atingir em 1974.

Os resultados totais da execução desse Plano, ao que nos consta, não foram aindadivulgados, pelo que temos de nos contentar, para este estudo, com dados esparsos, respigadosaqui e ali.

Segundo o douto Ministro LUIZ OCTÂVIO GALLOTTI, que, em seu Relatório e Parecersobre as Contas do Governo da República, referentes ao exercício de 1974, teceu consideraçõesoportunas sobre alguns aspectos do I PND, foi este o primeiro, dentre os planos elaborados pelogoverno federal, a encontrar ambiente propício á sua implementação, razão pela qual suas metasforam objeto de revisões menos amplas que os anteriores. Representou um marco deverassignificativo na experiência brasileira no campo do planejamento. Algumas de suas metas,continua o preclaro analista, foram largamente superadas já no primeiro ano do triênio.

Segundo um Briefing Memorandum, preparado pela Business International e distribuído atodos os executivos internacionais que participaram de um ciclo de conferências em Brasília, "atarefa de se conseguir uma distribuição mais eqüitativa da recém-conseguida riqueza do paísapenas começou". De acordo ainda com aquele documento, "um estudo do Banco Mundialmostrou que de, 1960 a 1970, a parcela da renda nacional recebida pelos 40% de brasileirossituados na base da pirâmide de renda caiu de 10% para 8%, enquanto que a parcela destinada

18 Planejamento no Brasil, Editora Perspectiva, pág. 108.

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aos 5% da população situada no topo da pirâmide cresceu de 29% para 38% da renda nacional.Um outro estudo feito pela Universidade de São Paulo, para o mesmo período, achou que aparticipação da metade da população de renda mais baixa caiu de 17% para 13% da rendanacional, enquanto no período o Produto Nacional Bruto crescia 79% em termos reais". (Jornal doBrasil: terça-feira, 3 de junho de 1975, pág. 21.)

Segundo ainda a mesma divulgação, o Governo argumenta que "embora as rendasindividuais nos níveis mais baixos estejam caindo, as rendas familiares estão aumentando, ouseja, mais trabalhos estão disponíveis e mais membros da família estão trabalhando".

Como quer que seja, os dados se referem a períodos anteriores ao I PND. Demonstramapenas o acerto daquele. documento em ressaltar a necessidade de melhor redistribuição derendas.

Para isso várias providências foram tomadas. Não conseguimos, todavia, obter dados, parademonstrar a alteração do quadro acima esboçado, com a execução do I PND. Demonstramapenas o acerto daquele documento em ressaltar a necessidade de melhor redistribuição derendas.

Para isso várias providências foram tomadas. Não conseguimos, todavia, obter dados, parademonstrar a alteração do quadro acima esboçado, com a execução do 1 PND. Ressalte-se aimportância de alteração dessa realidade, melhorando o mercado interno e possibilitandocondições mais favoráveis para a expansão industrial.

Em declaração feita perante a Comissão de Economia e Finanças da Câmara dosDeputados, salientou o Ministro MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN que é muito difícil fazer uma boadistribuição de rendas num país cuja população cresce 2,7 ao ano, porque este aumento se dá,principalmente, nas camadas de população mais pobres, pela falta de qualquer tipo de controleda expansão demográfica. Utilizando-se somente os instrumentos da política salarial, o problemadificilmente será resolvido.

Considerou S. Ex.ª que o fato de o Brasil ter crescido 10% nos últimos anos é um fatorimportante no contexto, "pois hoje, tendo o que distribuir, já podemos partir para uma políticadistributiva". Assinalou que, com uma renda per capita em torno de 400 dólares, "não haveriaquímica que pudesse dar a cada brasileiro mais do que esses 400 dólares. E o brasileirocontinuaria na miséria".

Evidentemente - ponderou - o desenvolvimento não deve ser encarado apenas como umdado estatístico. O desenvolvimento deve ser encarado como a arma que possibilita a realmelhoria das condições de vida para a população. Desejamos uma melhoria também de 10% nobem-estar do brasileiro.

Acentuou que é preocupação do Governo o fortalecimento do mercado interno. Essefortalecimento, disse, só se pode dar com o aumento da capacidade do poder real de aquisiçãodo trabalhador, e é nesse sentido que o Governo está agindo: "a perda do poder aquisitivo no anopassado foi plenamente compensada pelas novas fórmulas de reajuste salarial, que atingiu aníveis entre 42 a 44'%, bem superior, portanto, aos níveis inflacionários".

Por último, declarou que o Governo considera importante o fortalecimento do mercadointerno, mas para isso não se pode desconsiderar o aspecto do balanço de pagamentos, que setem de fechar a cada ano. Por isso, o crescimento e o fortalecimento do mercado devem seguiruma linha gradualista, como vem ocorrendo. (Jornal do Brasil, sexta-feira, 6-6-75, pá g. 19.)

Examinando o problema do nosso balanço de pagamentos, no período de execução do IPND, observa o Ministro LUIZ OCTÁVIO GALLOTTI, no trabalho já citado, que as exportaçõesbrasileiras apresentaram importante e inusitada expansão no biênio 1972/73, com a receita emdólares crescendo de 37% em 1972 e 55% em 1973. Esse biênio marcaria o ápice da

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excepcional expansão do comércio internacional, verificada no pós-guerra. já no ano de 1974 aelevação se deu apenas em 29%.

O desempenho das vendas ao exterior, no triênio 1972/74, constitui claro indício de que oalmejado poder de competição a que se referiu o I PND vem sendo conseguido pelos produtosbrasileiros no mercado externo. Para tanto, muito terão concorrido as medidas postas em práticapelo Governo, quais sejam: 1) adoção do sistema de flexibilidade cambial, caracterizado pelasminidesvalorizações da taxa de câmbio; 2)a diversificação da pauta de exportações e 3) a políticade incentivos fiscais.

Com isso, manteve-se o crescimento das exportações e conseguiu-se superar largamenteas metas fixadas no I PND, que previam a elevação de duas categorias de bens ao nível decompetir, em receita, com o café. Uma delas, a de manufaturados, com incremento bem acima daprevisão, superaria o café em 1973, para, em 1974, a despeito da situação nada propícia a essetipo de bem no mercado externo, proporcionar uma receita duas vezes maior. O açúcar superariao café; a soja a ele se igualou, e os semi-manufaturados, da mesma forma que os minérios, jáameaçam sua posição. A função de elemento estabilizador da diversificação da pauta deexportações, se outras vantagens dela não adviessem, já seria bastante para justificara medida,cujo acerto é, aliás, incontroverso.

Quanto à meta preconizada para as compras do País no exterior consistente na fixação dolimite máximo de 8% para o crescimento anual das importações no triênio 1972/ 1974 - é que sepercebe a exata dimensão das limitações a que está sujeito o planejador, quando jungido aestabelecer previsões. Ao fixar o limite máximo, é possível que nem de longe se tenha pensadoem patamares de 30%, 40% e até 10%, que foi quanto cresceram as importações brasileiras em1972, 1973 e 1974, respectivamente, correspondendo a dispêndios da ordem de US$ 4,2 bilhõesem 1972, US$ 6,2 bilhões em 1973 e US$ 12,5 bilhões em 1974. Ocorreu, assim, no curtoperíodo de dois anos, uma triplicação nos gastos externos.

No que toca à programação para os setores siderúrgicos, de não ferrosos e fertilizantes,continua, devem ser reservados os reparos mais substanciais. As importações de aço totalizaram782 mil toneladas em 1972; 1.908 mil em 1973 e 4,4 milhões em 1974. Nesse último ano, ascompras de ferro gusa e aço representaram um ônus de cerca de US$ 1.535 milhões. Para efeitode comparação, as exportações de minério de ferro e manganês proporcionaram uma receita deUS$ 621 milhões, ou seja, a receita de exportação de minério custeou aproximadamente a terçaparte da despesa com a importação de aço em 1974.

Diante dos resultados alcançados na execução do I PND - prossegue -- releva observar quea meta atinente à limitação do hiato de recursos reais no balanço de pagamentos, ao nível anualde 200 a 300 milhões de dólares, a fim de evitar o excessivo endividamento externo, foi a quesofreu mais drástica revisão e, portanto, aquela para cuja antevisão se revelou menos apto oplanejador. Nos dois primeiros anos de vigência do plano, o hiato de recursos situou-se acima deUS$ 900 milhões, para ultrapassar, em 1974, os US$ 5.5 bilhões. Com isso, a preocupação deevitar-se o excessivo endividamento teve de ser literalmente removida.

Em conseqüência, a dívida externa bruta do País, que era de US$ 6,6 bilhões em dezembrode 1971, elevou-se para 17,3 bilhões no final de 1974, conforme dados preliminares divulgados.

II PND - Foi aprovado pela Lei n° 6.151, de 4 de dezembro de 1974. Como indicadores deperspectivas, caso se possa dispor de um mínimo de normalidade na situação internacional,salienta, dentre outros, os seguintes:

- A renda per capita nacional, em 1979, terá ultrapassado a barreira dos mil dólares.

- Em 1977, estará o Brasil ultrapassando a barreira dos US$ 100 bilhões em seu PIB. Comesse ritmo de expansão, consolida o País a sua posição de 8° mercado, no mundo ocidental, peladimensão do PIB, e um dos que mais crescem.

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- A criação de oportunidade de emprego, no qüinqüênio, com perspectivas de expansão ataxas superiores a 3,5% ao ano, ultrapassará em 1.700.000 a 1:800.000 a oferta de mão-de-obradisponível no mercado de trabalho.

- A população economicamente ativa, em 1980, já estará beirando os 40 milhões depessoas, representando parcela maior da população a responder pelo esforço dedesenvolvimento.

- O nível do comércio exterior brasileiro, no final do II PND, estará acima dos US$ 40bilhões, ou seja, cerca de 15 vezes o que era na altura de 1963.

Fixa o documento em exame os objetivos e as opções nacionais. Diz que, em consonânciacom o binômio Desenvolvimento e Segurança, objetiva a Revolução construir, no Brasil, umasociedade desenvolvida -moderna, progressista e humana.

O objetivo maior de todo o planejamento brasileiro, assinala, é o homem brasileiro, nas suasdiferentes dimensões e aspirações. .

Assim, a aludida construção nacional se fará segundo modelo brasileiro de sociedadeaberta, social, racial e politicamente. Sociedade atenta ao alargamento de oportunidades para osgrande número, sem a nenhuma classe ou região deixar á margem do processo de modernizaçãoe desenvolvimento, avessa á prevalência de interesses de grupos, classes ou regiões. Sociedadecapaz de transformar-se e reformar suas instituições -econômicas, sociais e políticas -, segundoos objetivos da estratégia nacional, respeitando os valores humanos e a identidade nacional dacultura brasileira.

No campo econômico, o objetivo essencial será realizar o pleno potencial dedesenvolvimento para o período de 1975/1979.

Trata-se de verificar qual o máximo que a sociedade brasileira, devidamente motivada einteligentemente orientada, com planejamento dinâmico e flexível, poderá realizar, em termoseconômicos. Esse enfoque, ultrapassando em alcance os conceitos tradicionais de plenoemprego e plena capacidade, preocupa-se em, pela mobilização nacional, realizar o máximo dedesenvolvimento viável para o período, em todos os campos, com seriedade técnica, mastambém com intuição econômica e vontade política.

Tal orientação, na prática, significa:

- Manter o crescimento acelerado dos últimos anos, com taxas de aumento dasoportunidades de emprego da mão-de-obra superiores às da década passada, que já superarama de crescimento da mão-de-obra que ocorre ao mercado de trabalho.

- Reafirmar a política de contenção da inflação pelo método gradualista.

- Manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamentos.

- Realizar política de melhoria de distribuição da renda, pessoal e regional, simultaneamentecom o crescimento econômico.

- Preservar a estabilidade social e política, assegurada a participação consciente dasclasses produtoras, dos trabalhadores e, em geral, de todas as categorias vitais aodesenvolvimento, nas suas diferentes manifestações.

- Realizar o desenvolvimento sem deterioração da qualidade da vida, e, em particular, semdevastação do patrimônio de recursos naturais do País.

Reconhece o documento as condições internacionais extremamente difíceis, em que seinsere a sua execução, que apenas se inicia. Seria intempestiva, conseqüentemente, qualquerapreciação crítica. Os resultados apresentados pela sociedade e pela economia brasileira, aofinal do período a que se destina, dirão melhor dos seus méritos e deméritos.

Planejamento Estadual e Setorial

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O início da década de sessenta coincide com um intensivo esforço por parte das unidade daFederação no sentido de melhorar a aplicação de seus recursos, por intermédio do planejamento.

Foi pioneiro desse movimento o Governo Carvalho Pinto, com o Plano de Ação do Governode São Paulo, executado no quatriênio 1959/1963, e que é apontado por alguns especialistascomo predecessor do Orçamento-Programa.

Seguem-se, por ordem cronológica, o Plano de Desenvolvimento da Bahia - PLANDEB(1960-1961) ; Plano de Desenvolvimento Econômico do Estado de Goiás, caracterizado comouma tentativa de introdução do Orçamento-Programa naquele Estado mediterrâneo; Plano deMetas do Governo do Estado de Santa Catarina - PLAMEG (1961/1965); Plano Trienal deAlagoas (1963-1965) ; Plano Trienal de Mato Grosso (1963-65) ; Plano de Investimentos eServiços Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (1964-1966); Plano de Desenvolvimento doEstado do Paraná -PLADESP (1963-1967); Plano Bienal do Estado de Pernambuco (1965 a1966); Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Amazonas (1965-1966) .

Segundo NILSON DE HOLANDA, desde a década de 50 vem se acelerando o movimentode planificação, inclusive com a criação de numerosos órgãos de planejamento setorial eregional.

No plano setorial, refere o citado autor, a ação dos Grupos Executivos de planejamento eimplantação de indústrias (GEIA, GEIQUIM, GEIMAP, etc.) e dos departamentos ministeriais,autarquias e sociedades de economia mista, como DNER, DNPVN, DNOS, BNDE,ELETROBRÁS, PETROBRÁS, RFFSA, Comissão de Marinha Mercante, IBC, IAA, IS, etc.

No plano regional, segundo ainda o mesmo publicista, a experiência mais avançada é a doNordeste, com o Banco Nacional do Nordeste e a SUDENE; seguem-se, na Amazônia, o Bancoda Amazônia e a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPEVEA),e, em outras regiões ou subregiões, a Comissão Interestadual dos Vales do Araguaia e Tocantins(CIVAT), a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF ), a Comissão Interestadual da Bacia doParaná-Uruguai (CIBPU ), a Fundação Brasil Central, a Superintendência do Plano deValorização Econômica da Fronteira Sudoeste do País, o Conselho de Desenvolvimento doExtremo Sul (CODESUL) e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), etc.

Observa argutamente o douto especialista, em nome de rodapé, que poucos paísessubdesenvolvidos do mundo poderiam dar-se ao luxo de tamanho desperdício de siglas e,principalmente, de pessoal técnico.19

III - A PLANIFICAÇÃO NO ORÇAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

De acordo com o art. 7° do Decreto n.º 200/67, derrogado pela Constituição de 1969 e peloAto Complementar n° 43/69, a ação governamental obedecerá a planejamento que vise apromover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional. Fundar-se-á naelaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos:

I - Planos Nacionais de Desenvolvimento (Constituição, art. 43, IV; Ato Complementar n° 43,de 1969, art. 1°, com a nova redação dada pelo Ato Complementar n° 76);

II - Planos e Programas setoriais e regionais de desenvolvimento (Constituição, art. 43, IV;Decreto-lei n° 200/67, arts. 7° e 15) ;

III - Orçamento Plurianual de Investimento (Constituição, arts. 43, II, 60, parágrafo único, e62, § 3°; Ato Complementar n° 43/69, art. 5º);

IV - Orçamento-Programa (Decreto-lei n° 200, art. 16);

V - Programação financeira de desembolso (Decreto-lei n.º 200, art. 17)

19 Nilson de Holanda, Elaboração e Avaliação de Projetos, APEC, 1968, pág. 25.

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Além desses instrumentos básicos, encontramos outros, no Direito e na práticaadministrativa brasileira:

1) A possibilidade de investimento, cuja execução ultrapasse o exercício financeiro, fora doOPI;

2) As autoridades vêm elaborando um documento de importância, que é o Programa Geralde Dispêndios.

I - O Plano Nacional de Desenvolvimento é a pedra angular de todo o sistema nacional deplanejamento.

Por isso, JOSÉ AFONSO DA SILVA denomina a essa sistema de planejamento estrutural.Quer dizer, todos os planos e programas se delineiam com base no Plano Nacional deDesenvolvimento.

Este, com efeito, por um lado, determina a estrutura dos Orçamentos Plurianuais deInvestimento, dos quais, por seu turno, decorre a estrutura do Orçamento-Programa, o qual balizaa programação financeira de desembolso.

Por outro lado, o Plano Nacional de Desenvolvimento condiciona os programas especiais deGoverno Federal. Alcança, também, os planos e programas estatais e municipais, que com eledeverão harmonizar-se (Constituição, art. 10, V, c; art. 25, § 1°, a).

Os Planos Nacionais de Desenvolvimento constituem uma contribuição do CongressoNacional ao aperfeiçoamento da estrutura nacional de planejamento. O projeto de LeiComplementar remetido ao Congresso pelo Executivo cuidava apenas dos OrçamentosPlurianuais de Investimentos. Graças a substitutivo apresentado pelo Deputado Rafael deAlmeida Magalhães e que resultou na Lei Complementar n° 3, de 1967, tivemos a consagraçãolegal do documento, que assim se tornou obrigatório.

A 29 de janeiro de 1969, o Presidente da República baixou o Ato Complementar n° 43,revogando a Lei Complementar n° 3 e demais disposições legais em contrário.

Aquele édito complementar teve algumas de suas disposições modificadas pelo AtoComplementar n° 76, de 21 de outubro de 1969.

Os Planos Nacionais de Desenvolvimento não constituem um orçamento. São uma fixaçãode diretrizes gerais de desenvolvimento, definindo objetivos e políticas globais, setoriais eregionais. (Ato Complementar n° 43, art. 1°, § 1° . )

Na conformidade da nova redação dada ao art. 19 do Ato Complementar n° 43, pelo AtoComplementar n° 76, terão os Planos Nacionais de Desenvolvimento duração igual à do mandatodo Presidente da República. Isso eqüivale a dizer que, atualmente são qüinqüenais.(Constituição, art. 75, § 3°) Devem ser submetidos à deliberação do Congresso Nacional até 15de setembro do primeiro ano do mandato presidencial.

O art. 2° e seus parágrafos, do Ato Complementar n° 43, cuidam da tramitação legislativa doPlano.

Segundo o art. 3°, após o primeiro ano de vigência, poderá o Executivo propor aoCongresso Nacional a revisão de documentos.

O art. 4° veda a tramitação de quaisquer proposições que impliquem em alterar o PlanoNacional aprovado pelo Congresso, a não ser as de iniciativa do Presidente da República, naforma estabelecida no art. 3°

Atualmente, está em execução o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que foi aprovadopela Lei n° 6.151, de 4 de dezembro de 1974. Cobre o qüinqüênio 1975/1979 e fixa os objetivos eas opções nacionais para o período. Dele tivemos ocasião de tratar no último capítulo, in fine.

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II - De acordo com o art. 43, IV, da Constituição, cabe ao Congresso Nacional, com asanção do Presidente da República, dispor também sobre planos e programas regionais dedesenvolvimento.

Consoante o art. 1°, § 2°, do Ato Complementar n° 43/69, o Poder Executivo poderáelaborar, para aprovação pelo Congresso Nacional, planos regionais específicos para áreas demenor desenvolvimento, nomeadamente o Nordeste e a Amazônia. Tais planos terço a duração ea concepção do Plano Nacional, obedecendo-lhe às diretrizes.

Com fundamento nessas disposições, foram aprovados, dentre outros, os programaisespeciais PROTERRA, PROVALE, PRODOESTE, POLAMAZÔNIA, o Programa de áreasIntegradas do Nordeste, o Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal e o ProgramaEspecial de Desenvolvimento da Região Geoeconômica de Brasília, todos posteriormenteincluídos no II PND.

III - O Orçamento Plurianual de Investimentos teve a sua consagração jurídico-legal entrenós com o advento da Lei n° 4.320/64, que, em seu art. 23, determinava a elaboração de Quadrode Recursos e de Aplicação de Capital, aprovado por Decreto do Executivo,. abrangendo, nomínimo, um triênio. Em cada exercício financeiro, esse quadro seria reajustado,acrescentando-se-lhe as previsões de mais um ano, de modo a assegurar a projeção contínuados períodos.

A Constituição de 1967, porém, em seu art. 63, parágrafo único, determinou que asdespesas de capital obedeceriam, além das prescrições aplicáveis a todos os dispêndios, aorçamentos plurianuais de investimentos, na forma prevista em lei complementar.

Ainda em 1967, a Lei Complementar n° 3 deu novo tratamento à matéria, razão pela qualficaram derrogados os dispositivos da Lei n.º 4.320/64, a respeito do assunto. Aquele diplomacomplementar, em 1969, foi expressamente revogado pelo Ato Complementar n° 43 e é este opreceituário hoje vigente, com as modificações introduzidas pelo Ato Complementar n.º 76/69.

O art. 5° do Ato Complementar n° 43/69 determina que o Orçamento Plurianual deInvestimentos respeite as diretrizes e os objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento,abranja período de três anos e considera exclusivamente as despesas de capital.

Não obstante a clareza da disposição, desde 1972 a OPI vem relacionando despesascorrentes.

A tramitação legislativa do OPI é a do art. 65 e parágrafos, da Constituição de 1969.

Por intermédio de proposição devidamente justificada, o Poder Executivo poderá, a qualquertempo, propor ao Congresso Nacional a revisão do OPI, assim como o acréscimo de exercíciopara substituir os já vencidos.

IV - Orçamento-programa - Determina a Constituição que "A despesa pública obedecerá àlei orçamentária anual... " (Art. 60, primeira parte. )

Não adianta que determinado dispêndio esteja contemplado no Orçamento Plurianual. Senão foi incluído no orçamento anual, não poderá realizar-se. Falta autorização orçamentária, queo possibilita.

Por isso, o art. 16 do Decreto-lei n° 2.00/67 esclarece que "Em cada ano será elaboraçãoum Orçamento-Programa, que pormenorizará a etapa de programa plurianual a ser realizada noexercício seguinte e que servirá de roteiro à execução coordenada de programa anual".

Em face dessas disposições, colhe-se que o Orçamento-Programa é que torna operativotodo o sistema de planejamento.

Os objetivos, as políticas globais, setoriais e regionais são fixadas no PND, para umqüinqüênio. O OPI discrimina as despesas de capital que serão feitas no triênio. O Orçamento-Programa dá-lhes executividade.

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Em conseqüência disso, pôde JOSÉ AFONSO DA SILVA dizer que todo o sistema culminano Orçamento-Programa, que é uma etapa do processo de planejamento do desenvolvimentoeconômico e social.20

Consoante magistério de J. NAZARETH TEIXEIRA DIAS, é por intermédio dele que seestabelece, no mais alto plano político, linguagem comum entre o Poder Executivo e o PoderLegislativo, ao elaborarem e aprovarem o Orçamento; mas é sobretudo por seu intermédio que seestabelece uma linguagem compreensível para a coletividade, permitindo a todos - e emparticular ao setor privado, o qual, numa política de descentralização administrativa, vai colaborarcom o Governo de modo intensivo - melhor e mais exato conhecimento do programa anual detrabalho governamental e dos recursos reservados para sua execução.21

Não é pacífico o conceito de Orçamento-Programa. Contribui para dificultar a solução doproblema a multiplicidade de termos, usados ora com pequenas diferenças de significação, oracomo sinônimos. Já notara a dificuldade o Conselheiro GERALDO FERRAZ, ao relatar as contasdo GBDF, referentes ao exercício de 1971. Em 1973, JOSÉ AFONSO DA SILVA, na sua preciosaobra já tantas vezes citada, observa que a terminologia é ainda vacilante, inclusive nos EstadosUnidos, onde os termos programas, performance, ativity e function são usados um pelo outro,indiferentemente.

A semelhança do que fez o Conselheiro Geraldo Ferraz, em seu trabalho já aludido,podemos aceitar como definição do Orçamento-Programa, considerando-o sinônimo deorçamento por programas e realizações, a de JESSE BURKHEAD, que é das mais divulgadas:

"Um Orçamento-Programa é aquele em que se apresentam os propósitos e objetivospara os quais se solicitam as dotações, os custos dos programas propostos para alcançaresses objetivos, e os dados quantitativos que ,permitam medir as realizações e o trabalhode cada programa."22

O Orçamento-Programa apresenta a seguinte estrutura básica:

V - Programação Financeira de Desembolso - A programação financeira de desembolso éinovação introduzida pelo Decreto-lei n9 200/67 e visa a "assegurar a liberação automática eoportuna dos recursos necessários à execução dos programas anuais de trabalho".

Consoante dispõe o art. 18 do aludido preceituário, toda a atividade deverá ajustar-se àprogramação governamental e ao Orçamento-Programa e os compromissos financeiros sópoderão ser assumidos em consonância com a programação financeira de desembolso.

Dissertando sobre o assunto, observa J . NAZARETH TEIXEIRA DIAS que à programaçãofinanceira de desembolso cabe, de um lado, assegurar o fluxo ordenado de recursos financeirosaos diferentes setores de ação governamental e, assim, proporcionar ritmo de trabalho produtivoaos diferentes serviços, no interesse da coletividade; e, por outro lado, possibilitar a todo aqueleque preste um serviço, realize um fornecimento ou faça uma obra para a administração pública acerteza de que, cumprindo o seu compromisso, o Serviço Público igualmente cumprirá o dele,pagando pontualmente, nas épocas estipuladas, os encargos assumidos.

É ela, conseqüentemente, o mecanismo através do qual se liberem os recursos financeirosque vão permitir aos administradores o cumprimento dos programas de modo ordenado e 20 Orçamento-Programa no Brasil, ed. RT., 1973, pág. 86.21 A Reforma Administrativa de 1967, ed. FGV, pág. 58.22 Manual de Orçamento por Programas e Realizações, ONU, ed. de M.P.C.G., pág. 28.

PROGRAMA SUBPROGRAMA

PROJETOS

ATIVIDADES{

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segundo uma cronologia sem a qual impossível lhes seria responder pelas realizações de quesão incumbidos.23

Regulamentando a matéria, o Decreto n° 64.441, de 30 -de abril de 1969, diz que aComissão de Programação Financeira, que instituiu, será composta dos seguintes membros:

- Ministro da Fazenda, que será seu Presidente;

- Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral;

-- Presidente do Banco do Brasil.

Uma vez elaborada a programação e colocadas á disposição dos órgãos e das autoridadesas cotas que lhes tinham sido atribuídas, as Secretarias-Gerais ou Setores equivalenteselaborarão os cronogramas de desembolso das Unidades Orçamentárias e, após aprovação peloMinistro de Estado ou autoridade equivalente, efetuarão os repasses das cotas, sob aviso, aosInspetores-Gerais de Finanças e ao Inspetor-Geral de Finanças do Ministério da Fazenda.

1 - A Constituição (art. 62, § 3º) prevê a possibilidade de investimento, cuja execuçãoultrapassa o exercício financeiro, fora do OPI, porém mediante aprovação por lei que o autorize efixe o montante das dotações, que anualmente deverão constar do orçamento, durante aexecução do dispêndio de capital.

2 - As autoridades vêm elaborando um documento novo, denominado Programa Geral deDispêndios. Trata-se de um programa destinado a cobrir o mesmo período de duração de umOPI, mas que inclui, além dos dispêndios que figuram neste, as despesas das entidades daAdministração Indireta que não recebem transferências à conta do Orçamento da União. É,conseqüentemente, um documentos mais abrangente do que o OPI e que possibilita melhoravaliação do impacto dos gastos do setor público na economia nacional.24

INTEGRAÇÃO NACIONAL DE PLANOS DE NÍVEIS DIVERSOS

Um dos problemas de reconhecida dificuldade do planejamento nas federações é o daintegração da atividade planejadora das diversas esferas de competência, de modo a evitarparalelismos e duplicidades, ensejadores de graves desperdícios.

É que, num federalismo puro, as diversas entidades políticas gozam de ampla autonomia,tanto administrativa como financeira e orçamentária, o que dificulta a consecução de umplanejamento congruente, nas diferentes unidades que o compõem.

A Emenda Constitucional n° 1, com a adoção do "federalismo mitigado", procurou contornara dificuldade e possibilitar a harmonia do planejamento em todo o país de forma a constituir umsistema nacional de planejamento.

Assim é que esse diploma constitucional assegura à União o poder de intervir no Estado, seeste adotar medidas ou executar planos econômicos ou financeiros que contrariem as diretrizesestabelecidas em lei federal. (Constituição, art. 10, V, c. ) O parágrafo único do art. 25 condicionaa entrega das participações em diversos fundos à aprovação de programas de aplicaçãoelaborados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com base nas diretrizes e prioridadesestabelecidas pelo Poder Executivo Federal. (Art. 25, § 1°, a. ) Por outro lado, é ainda a própriaConstituição, no art. 8°, XVII, e, que dá à União competência para legislar sobre normas gerais arespeito de orçamento, direito financeiro, despesa e gestão patrimonial e financeira de naturezapública. Colhe-se que as normas expedidas pela União sobre essas matérias são normasnacionais, obrigando tanto a União, como os Estados e os Municípios. Assim, as regras sobreesses assuntos, existentes na Lei n° 4.320/64 e no Decreto-lei n° 200/67, alcançaram as trêsesferas de governo, devendo os sistemas de planificação e orçamento constituir em todo

23 A Reforma Administrativa de 1967, FGV, 1969, págs. 59/60.24 Instrução para Elaboração de Propostas: OPI e PGD 1976/78. Orçamento Anual 1976. Subsecretaria de Orçamento e Finanças,da Secretaria de Planejamento, pág. 3.

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harmônico, superando os óbices teóricos inicialmente levantados contra a possibilidade de umplanejamento coordenado em todo o território nacional.

Consoante tal entendimento, o Ato Complementar n° 43 determina que os Estados, osMunicípios e o Distrito Federal adaptarão seus orçamentos, no que for aplicável, ao disposto nosarts. 5° ao 7° E o primeiro desses dispositivos, que é o que mais interessa ao estudo aquiempreendido, prescreve:

"Respeitadas as diretrizes e os objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento, oOrçamento Plurianual de Investimentos, que abrangerá o período de três anos, consideraráexclusivamente as despesas de capital."

De acordo ainda com as mesmas disposições, sobreveio o Decreto-lei n° 835, de 8 desetembro de 1969, que, disciplinando o emprego dos diversos fundos previstos no art. 25 daConstituição, obriga a que sejam "aplicados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios emconformidade com as diretrizes e prioridades dos planos e programas do Governo Federal e, emespecial, a partir de 1972, dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, respeitadas as condiçõesregionais e locais".

Por sua vez, o § 1°, art. 2°, do mesmo diploma, esclarece que "As normas a que se refereeste artigo visarão à progressiva implantação, nos Estados, Distrito Federal e Municípios, dosistema de Planos de Desenvolvimento e de Orçamentos Plurianuais de Investimentos".

Como se vê, o problema da integração nacional dos diversos planejamentos, no planojurídico, está resolvido. Resta o de sua implantação, que não é isento de dificuldades,principalmente em vista dos diferentes graus de evolução das diversas regiões do país, ondeencontramos centros altamente desenvolvidos, como as cidades de São Paulo e do Rio dejaneiro, em contraste com o estágio ainda primitivo de numerosos grupos populacionais esparsospelo imenso vale amazônico. No Brasil encontramos, quiçá, populações nos diferentes estágiosde civilização que a humanidade conheceu.

Essa variedade colossal de graus de desenvolvimento constitui um desafio à capacidade e àcriatividade de nossos planejadores, de modo a que consigamos um progresso sem choques, quepreserve a identidade da cultura nacional, no que ela tem de mais representativo e valioso, naconformidade do que prescreve o II PND.

O PLANEJAMENTO NO DISTRITO FEDERAL

Tentativa de Implantação de um Sistema de Planeamento

Como decorre das considerações gerais, feitas no Capitulo I, da 19, parte, não se concebeadministração sem um mínimo de planejamento. O próprio orçamento anual definidomodernamente como plano de governo expresso em termos financeiros, ainda que se sirvaapenas de uma linguagem monetária, mesmo na sua forma mais tradicional, pressupõe razoávelgrau de antevisão do futuro e do que nele se pretende realizar.

Nesse sentido, pode-se dizer que o Distrito Federal sempre teve planejamento, ainda queinorgânico ou empírico, não obstantes os esforços de ilustres técnicos, que emprestaram suacolaboração à administração distrital.

Foi a Lei n° 4.545, de 10 de dezembro de 1364, que tornou obrigatório o planejamento noDistrito Federal, incluindo-o num sistema de atividades auxiliares (art. 13) e subordinando àSecretaria de Governo a "Coordenação do Sistema de Planejamento e Elaboração Orçamentária,acompanhamento da execução de Planos e Orçamentos" (art. 4°, I) .

Em conseqüência das aludidas disposições da Lei de reestruturação administrativa, oSecretário de Governo COLOMBO MACHADO SALLES e o Técnico de Administração JOSTONMIGUEL SILVA, na Apresentação e na Introdução das normas para a elaboração da propostaorçamentária da Prefeitura do Distrito Federal, baixadas pelo Decreto n° 404, de 27 de abril de

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1965, falam da adoção de um Plano de Governo pelo Chefe do Executivo local. (DISTRITOFEDERAL E SUA NOVA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA: Legislação Básica, Livro II, PrimeiraParte, págs. 18 e 19.)

No referido trabalho, PLANEJAMENTO aparece conceituado como "atividade conjunta dedefinir objetivos; ordenar recursos materiais, humanos e financeiros; fixar prioridades; determinarmétodos e formas de ação em termos de tempo, quantidade e qualidade para um grupo integradode diretrizes político-administrativas".

PLANO DE GOVERNO é considerado como "o resultado da atividade de planejamentoaplicada a cada um dos, aspectos das diretrizes político-administrativas apresentadas, no caso doDistrito Federal, pelo Prefeito". (Ob. cit., pág. 52. )

Nas pesquisas e buscas empreendidas, não conseguimos localizar o documento queconsubstanciasse o Plano de Governo aludido pelos especialistas acima referidos.

A 28 de julho de 1965, sobreveio o Decreto n° 428, que, dispondo sobre a organizaçãobásica dos sistemas de atividades auxiliares, assim estruturou o sistema de Planejamento-Orçamento:

I - órgãos Centrais do Sistema:

- Coordenação de Planos e Recursos, subordinada ao Secretário de Governo e os seguintesórgãos subordinados ao Coordenador:

a) Assessoria de Estudos e Planos;

b) Divisão de Orçamento;

c) Divisão de Supervisão do Plano.

II - Agentes de Planejamento-Orçamento:

a) um Agente em cada Gabinete de Secretário e na Procuradoria-Geral, subordinados àrespectiva Chefia de Gabinete;

b) um Agente em cada Administração Regional, subordinados ao Administrador Regional.

I PLANO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO PARA O DISTRITO FEDERAL

Em dezembro de 1970, fruto de convênio entre a Secretaria de Governo e a CODEPLAN,veio a lume um trabalho intitulado I PLANO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO PARA ODISTRITO FEDERAL.

Esclareceu-se, em sua Introdução, que o documento se achava coordenado, tanto emrelação aos órgãos regionais quanto aos órgãos federais de planejamento. A respeito da primeiraarticulação elucida-se que as ações são orientadas pela filosofia vigorante para odesenvolvimento da região Centro-Oeste, coordenada pela SUDECO, da qual participa também aCODEG (Companhia de Desenvolvimento do Estado de Goiás). Procurou-se integrar as açõeslocais com o trabalho desenvolvido a leste do Distrito Federal pela FUNDAÇÃO RURALMINAS,no denominado) Plano Integrado de Desenvolvimento do Governo do Estado de Minas Gerais -Região Noroeste".

Em relação ao planejamento federal, o trabalho recebeu orientação básica do Presidente daRepública, por intermédio do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.

Dessa forma, além da integração interna, buscou-se também integração regional e federal.

Mas seria necessário, consoante a própria apresentação do documento, atenciosoacompanhamento de sua execução, para que se realizassem as atualizações e os ajustamentosnecessários.

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Esse plano não foi aprovado por Lei nem por Decreto, razão pela qual ficou a carecer deforça jurídica. Restringiu-se a um levantamento da realidade econômica e social, com sugestõesque os administradores acolheriam ou rejeitariam, na medida em que lhes aprouvesse.

Nessas condições, não houve acompanhamento de sua execução, motivo pelo qual não sepode saber até que ponto tal trabalho foi útil á administração do Distrito Federal.

O ESTADO ATUAL DO PLANEJAMENTO NO DF

Consoante comunicação apresentada pelo professor IVAN GUANAIS DE OLIVEIRA,Secretário do Governo do Distrito Federal, ao I Congresso Brasileiro de Planejamento, realizadoem Porto Alegre, de 25 a 28 de maio de 1975, esta unidade administrativa, apesar das facilidadesque poderia ter encontrado na assimilação das conquistas federais, não soube beneficiar-se daexperiência da União, onde o planejamento alcançou padrões comparáveis aos mais altos domundo.

Dentre as várias razões a que se poderia atribuir essa falha, ressalta uma - a que lhe parecemais significativa.

É que, durante a fase da construção de Brasília, cidade edificada num imenso vazioeconômico, social e cultural, o planejamento físico da cidade abrangia a totalidade doplanejamento.

Transferida a Capital e instalada a Administração, assevera, continuou a prevalecer aconcepção do planejamento físico como planejamento governamental.

Paradoxalmente, a organização administrativa do Governo do Distrito Federal, desde a Lein° 4.545, é uma das mais avançadas no País, dispondo de adequados instrumentos demodernização estrutural e funcional, que garantem ininterrupto e sistemático aperfeiçoamento damáquina administrativa, adaptando-a permanentemente às rápidas transformações do quadrosócio-econômico da Nova Capital. A esse dinamismo formal não houve correspondênciasubstancial na função de planejamento. As técnicas convencionais de organização e operação doplanejamento governamental esbarram sempre no antagonismo de atitudes e procedimentos,tornando-se frustradas todas as tentativas de dotar o Governo de dispositivos programáticosrigorosas, indispensáveis á elevação do grau de racionalidade na fixação de objetivos, naelaboração de projetos e na sua execução.

Identificando no isolamento dos diversos setores da Administração e na falta de mentalidadeplanejadora as causas da precariedade do planejamento distrital, procedeu-se à realização deextenso programa de reuniões em todos os níveis, da Administração.

Convencionou-se chamá-las "Seminários de Integração Governamental". já se realizaram asde âmbito local e setorial-central. Os objetivos dos seminários são ambiciosos. Em primeiro lugar,ao eliminar o isolamento dos diversos setores da Administração, promovem a integração dosórgãos públicos, tanto no sentido horizontal quanto no vertical. Os resultados já se mostramsatisfatórios.

O principal objetivo é a elaboração de um plano de ação, como produto dessa integração deórgãos público, queimando etapas, cuja observância implicaria na perda do objetivo principal doGoverno, que é o de conseguir, concretamente e no efetivo exercício das respectivas atividades,articular as unidades da Administração num mesmo esquema geral de trabalho. Outro desideratode tais seminários é a montagem de dispositivos que permitam a execução funcional de projetose atividades, com a participação de mais de um setor interessado e responsável. Oobjetivo-síntese é a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento de uma atitudeadministrativa mais racional em relação aos problemas sócio-econômicos e administrativos dacomunidade pelo seu estudo integrado, interorgânico e interdisciplinar.

Participaram diretamente dos Seminários de Integração, até agora, mais de 300 servidores,desde simples Chefes de Seção até Secretários de Estado, num total aproximado de 1.000 horas

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de trabalho conjunto. Levantaram-se 1.700 fatos-problema, os quais foram debatidos nosdiferentes níveis da Administração. Em seguida, buscou-se escalonar as prioridades desses fatose identificar os órgãos líderes e os participantes da solução de cada um. O agrupamento dosfatos por natureza deu origem às Diretrizes de Governo, enunciados político-administrativos queexplicitam a posição do Executivo em relação a cada um dos problemas do Distrito Federal.

Em todos os momentos desse trabalho, a participação dos diversos órgãos foi constante.Sem ela não seriam possíveis os progressos já alcançados, em tão curto período, consoantejuízo da Administração.

Os trabalhos, em regime de seminário, prolongam-se na pormenorização dos projetos emque as Diretrizes de Governo se desdobram. Observa-se, no seu desenvolvimento, bom clima deintegração e participação. Paralelamente, tiveram início os estudos para a institucionalização doSistema de Planejamento com entrosamento de todos os setores da Administração. Finouevidenciada, pelas ,próprios integrantes dos seminários, a necessidade inadiável de dotar oDistrito Federal de mecanismos capazes de disciplinar e sistematizar a atuação organizacional,vinculando racionalmente recursos e procedimentos a objetivos definidos com clareza e realismo,planejando, enfim, a ação em todos os níveis e setores que produzem bens e serviçosdemandados pelos órgãos federais e pela comunidade.

Quanto à estratégia, o Sistema de Planejamento do Distrito Federal segue linha inteiramentediversa da convencional. Antes de se formalizarem estruturas e procedimentos organizacionais,busca-se, da maneira mais aberta possível, modificar atitudes e comportamento, adaptando-os àsexigências de uma administração planejada. O Sistema de Planejamento do Distrito Federal, quese está elaborando, sem fazer concessões ao simplismo que afetaria o seu rigor técnico, estáconseguindo a adesão de todas as áreas, porque seu princípio técnico já foram assimilados, naprática do trabalho diário, pelos que deverão se responsabilizar pela sua implantação. (Cf. Prof.IVAN GUANAIS DE OLIVEIRA: Sistema de Planejamento do Distrito Federal - Uma Estratégia deImplantação.

Os estudos para a institucionalização do Sistema de Planejamento permitem a apresentaçãodo organograma que aparece na página seguinte.

Projeto importante no preparo do elemento humano é o de n° 15/DTA - Treinamento depessoal para o sistema de planejamento.

Segundo divulgação SEA-CEST, a formação de técnicos em planejamento tem constituídouma preocupação do setor público, em virtude da crescente demanda de especialistas.

Recentemente tem-se denotado a necessidade de integrar os sistemas de planejamento dosEstados ao Sistema Nacional de Planejamento, o que tem contribuído para o estabelecimento denovos Programas de Treinamento de Pessoal em Planejamento.

No Distrito Federal, a realização do I Programa prende-se também ao fato de que aconsolidação dos sistemas de Planejamento, Orçamento e Modernização Administrativa, emtodos os níveis, tende a incrementar a demanda de técnicos de nível superior, capazes dedesenvolver atividade de planejamento dentro do sistema com a máxima eficiência.

O curso destina-se a 120 participantes, selecionados entre servidores do Distrito Federal,que satisfizerem aos requisitos especificados.

Será dividido em 4 (quatro) turmas e ministrado em 73 dias úteis, com um total de 600 horasde aula, para cada turma.

São seus objetivos:

a) Qualificar recursos humanos do Complexo Administrativo do Distrito Federal para a áreade Planejamento, Orçamento e Modernização Administrativa, aperfeiçoando a capacidade dos

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participantes em análises de problemas e dotando-os de um elenco de técnicas modernas eeficazes de planejamento.

b) Levar os participantes a terem uma nítida consciência da importância do planejamentocomo instrumento acelerador do desenvolvimento econômico e social e a apreensão das teoriasindispensáveis para que possam atuar nessa direção.

c) Possibilitar, ainda, aos participantes a aquisição da capacidade de diagnóstico, prognosee análise de alternativas, levando-os a se integrarem na elaboração de planos globais, setoriais eregionais, para as diversas áreas do Distrito Federal.

d) Desenvolver nos participantes uma atitude nova de trabalho -pela interiorização, mudançade comportamento através dos novos conhecimentos a serem adquiridos.

Como se colhe da exposição que vimos fazendo nesta 2?- parte - toda ela calcada emdocumentos oficiais - o planejamento no Distrito Federal é dos mais empíricos possíveis,deixando muito a desejar. Nem sequer o Sistema de Planejamento foi devidamente implantado.

Nessas condições, podemos concluir que o OPI - planejamento de médio prazo no DireitoPositivo Brasileiro - é documento elaborado apenas para dar satisfação às normas legais, nãodecorrendo de um levantamento preciso da realidade e da análise custo/beneficio, em face dosrecursos existentes. Suas previsões, em conseqüência, não coincidem com as inversõesefetivamente realizadas pelo Distrito Federal.

Por outro lado, o Orçamento-Programa distrital é o que se vem chamando de "Orçamento-Programa Tradicionalizado", isto é, um documento que daquele tem a denominação, se utiliza desua terminologia e de alguns aspectos técnicos de apresentação, mas, na realidade, não passade um orçamento clássico.

Modernamente, carece de sentido a existência de dotação para a construção de gruposescolares, deixando indeterminado o número e o tipo de unidades a serem edificadas. Dessemodo, não se pode aferir da eficiência da Administração e o controle externo se torna meramenteformal, incidindo unicamente sobre a correção das licitações e dos empenhos.

Definido o Orçamento-Programa como uma etapa do planejamento (Decreto-lei n° 200, art.16), é o seu projeto o documento solene, mediante o qual o Executivo comparece perante oLegislativo e solicita autorização para a realização de dispêndios, a fim de atingir determinadosobjetivos, cuja prioridade foi de antemão escalonada.

Assim, no exemplo citado, deve a Administração explicitar o número, o tipo e o local dosgrupos escolares a serem construídos.

Aprovado o orçamento, converte-se ele num compromisso formal da Administração dealcançar os fins para os quais solicitou recursos.

No exemplo que vimos, considerando, se o Executivo conseguiu edificar as unidadesautorizadas, muito bem, houve-se com eficiência. As suas contas estão em condições de seraprovadas. Se não conseguiu, está no dever de justificar as causas que o impediram de atingir osobjetivos colimados para apreciação do Poder que autoriza as despesas.

Baseado nessa concepção é que o Conselheiro HERACLITO SALLES, no Relatório eParecer Prévio sobre as Contas do Governo no Exercício de 1969, já clamava por um "controlefuncional" e o Conselheiro CYRO VERSIANI DOS ANJOS, no mesmo tipo de trabalho, relativo aoexercício de 1973, demonstrando a insídia dos números, pedia que as contas viessemacompanhadas "de exposição minuciosa sobre as atividades administrativas nelas espelhadas, apar de análises e comparações entre orçamentos, planos e programas e os resultados doexercício financeiro". "Só assim poderia o Legislativo, em sua ação fiscalizadora, verificar se aspromessas contidas nos planos e orçamentos foram cumpridas pelo administrador".

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Do mesmo modo, o Conselheiro Salvador Diniz observa que as contas, constituídas depeças rigorosamente técnicas, através das quais o Governo demonstra a legalidade dasdespesas realizadas e das receitas arrecadadas e dá cumprimento ás normas de DireitoFinanceiro, não oferecem ... os elementos necessários para uma avaliação de maior grandezadas realizações governamentais". (Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas do Governo noexercício de 1970, pág. I.)

Em conseqüência ainda da debilidade do planejamento distrital, a programação financeirade desembolso é muito deficiente, repercutindo em toda a Administração.

UM CASO TIPICO

Dentre diversos casos, que poderiam servir para ilustrar a debilidade do planejamento, quecompromete toda a Administração do Distrito Federal, escolhemos um, que nos parece bastanteelucidativo e que determinou Representação desta Corte ao Senhor Governador.

Em 28 de dezembro de 1970 ("DF" de 31-12-70), celebrou-se, com vigência até 20 de junhode 1972, convênio entre o Distrito Federal e a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil(NOVACAP), no valor de Cr$ 404.358,70, destinado à construção de um Estádio Municipal para aprática de esportes no Gama.

A 28-9-72, e, portanto, já decorridos três meses da expiração, foi assinado um termo derenovação, com a vigência de 12 meses, a partir de sua publicação ("DF" de 25 de outubro de192). O objetivo foi prorrogar o termo inicial. A essa altura, a obra em questão nem sequer haviasido projetada.

A 24-6-74, com vigência de 12 meses e a partir de sua publicação ("DF" de 10-7-74), novotermo de renovação foi firmado, com o fim de outra vez prorrogar o dito convênio.

A 8-10-74 ("DF" de 29-10-74) , esse mesmo convênio recebeu um aditamento, para o efeitode elevar-se em mais Cr$ 300.000,00 o valor daquela obra, inicialmente orçada em Cr$404.338,70. Só nessa ocasião, quase quatro anos depois do convênio inicial, é que foi a mesmaprojetada.

A 31-12-74, outro aditamento foi celebrado com o fito de suplementar-se em mais Cr$1.800.000,00 o valor da mencionada obra, cujo custo se elevou, assim, a quantia de Cr$2.504.358,70.

Verificou-se, ainda, que, só a 20-11-73, decorridos, portanto, três anos da celebração doconvênio, a Superintendência da NOVAC'AP formulou à Secretaria do Governo sobre se deviadevolver-lhe a importância de Cr$ 404.368,70, recebida por força do convênio, ou executar a obraem questão. Motivava a consulta o fato de, até então não haver o Distrito Federal apresentadoprojeto para a obra, e, por outro lado, haver expirado o prazo de vigência anteriormenteestabelecido pelo termo de renovação assinado a 28-9-72.

Elaborou-se, então, um projeto de ginásio coberto, em substituição ao estádio previsto tantono instrumento principal, como nas sucessivas renovações e aditamentos. Verificou-se, dessemodo, um desvirtuamento do pacto, pela mudança do objeto e, portanto, um desvio na destinaçãodos recursos, salvo se se entender a construção do ginásio como parte do estádio.

Houve, pois„ infração do principio do planejamento (Decreto-lei n° 200/67, art. 7°), instituídocomo obrigatório em qualquer ação administrativa.

Transgrediu-se, igualmente, o art. 62, § 3°, da Constituição Federal, segundo o qual nenhuminvestimento, cuja execução ultrapasse um exercício financeiro, poderá ser iniciado sem préviainclusão no Orçamento Plurianual de investimentos ou sem prévia autorização de lei, que fixe omontante das dotações que anualmente constarão do orçamento, durante o prazo de suaexecução.

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Por outro lado, vulnerou-se o princípio da programação financeira, estabelecido no art. 18 docitado Decreto-lei n9 200/67.

Finalmente, não foi regular a alteração do objeto do convênio.

Esse exemplo ilustra bem a precariedade do planejamento no Distrito Federal, que repercuteem toda a Administração.

A implantação de um sistema de planejamento, reconhecemos, não é tarefa simples.Requer agentes capazes, esforços ingentes, pertinácia e experiência, que só se consegue noexercício da própria função planejadora.

Os fatos que acima expusemos não têm o caráter de crítica destrutiva. Trata-se, pelocontrário, de uma tentativa de contribuição para a solução do problema, pois, em nosso entender,o Distrito Federal deve possuir um sistema de planejamento que possa servir de modelo para osEstados e Municípios brasileiros.

Que os ilustres técnicos, aos quais se encontra entregue o assunto, obtenham êxito em seuspropósitos, é o que desejamos.

FUNDEFE

Ao relatar as contas relativas ao exercício de 1973, o eminente Conselheiro CYROVERSIANI DOS ANOS, examinando as chamadas "aplicações sem retorno" de recursos doFUNDEFE, que se referiam a obras de grande vulto, não previstas nem no Orçamento Plurianualde Investimentos para o triênio 1972/1974, nem no Orçamento-Programa para 1973, salientouque são obras custeadas à margem dos orçamentos legislativos, apenas com programaçãosumária do Executivo local.

Cumpre-nos ressaltar que algum progresso foi realizado nessa área, com a inclusão daprevisão dos recursos do FUNDEFE e de sua aplicação no Orçamento Plurianual deInvestimentos para o período de 1975 a 1977, embora de modo global e sem indicação específicados projetos a serem implementados.

Igualmente no Orçamento para o exercício financeiro de 1975 foram previstos os recursosrelativos ao FUNDEFE, incluídos no programa de trabalho da Secretaria de Finanças,relativamente à Função 07 -Desenvolvimento Regional -, Programa 08 - Gestão Financeira,Subprograma 021 - Administração Geral e Projeto SEF 1.008 - Financiamento a Programas deDesenvolvimento, atingindo o montante de Cr$ 203.200.000,00, tal como está previsto no OPI1975/1977.

Faz-se indispensável, entretanto, incluir na peça orçamentária anual o plano de aplicaçãodesses recursos, para conhecimento do Poder Legislativo, em cumprimento ao disposto no item I,do § 2°, do art. 2° da Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964.

Da mesma forma, faz-se necessária a inclusão no OPI dos projetos relativos a obras cujaexecução deva ultrapassar um exercício financeiro, em conformidade com o determinado no § 3°do art. 62 da Constituição, ou a autorização desses projetos em lei que fixe o montante dasdotações anuais necessárias à sua completa execução.

Como se verifica dos planos, de aplicação dos recursos da FUNDEFE, enviados peloGovernador do Distrito Federal à apreciação deste Tribunal, a maior parte dos meios está sendodestinada às chamadas "aplicações sem retorno", isto é, ao financiamento de novas obraspúblicas ou à conclusão de obras antigas, tais como o Teatro Nacional, a Ponte Costa e Silva, oCentro Desportivo, para citar apenas as principais, projetos esses cuja execução demanda váriosexercícios financeiros e vultosos recursos.

Está, assim, o Governo do Distrito Federal iniciando a execução de novos projetos, dandoseqüência a obras em curso ou retomando as que se encontravam paralisadas, sem queestivessem previstas, que no OPI, quer nos orçamentos anuais, o que infringe as normas legais e

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destoa da sistemática de planejamento, que deve orientar a administração pública do DistritoFederal.

A simples inclusão, nessas peças orçamentárias, da aplicação dos recursos do FUNDEFEcomo programa global de financiamento a projetos de desenvolvimento, sem qualquerespecificação, não satisfaz às exigências do planejamento nem às necessidades deconhecimento prévio pelo Senado Federal do que pretende efetivamente realizar o PoderExecutivo.

X X X

Consignamos aqui nossos melhores agradecimentos aos ilustres servidores desta Corte,que muito rios auxiliaram na elaboração do presente trabalho: Dimitrieff Diniz, Alberto X. deAlmeida, Wagner J. Miranda, Josias C. de Almeida, Neomésio F. de Azeredo, Paulo Thilmann,Antônio J. Guerra, Mário R. de Oliveira e D. Geny S. Coelho.

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POR UM CONTROLE FUNCIONAL1

HERÁCZ.IO SALLES2

Das características básicas do novo sistema de fiscalização financeira, anteriormenteexpostas, (1) podem ser deduzidas algumas conseqüências de ordem prática, em termos deaspiração mas em perfeita afinidade com a melhor doutrina.

Parece demonstrado com suficiente objetividade que o controle externo da administraçãofinanceira, com o advento dos governos revolucionários, passou a ser desejado - quase diríamosexigido - pelas próprias autoridades administrativas; e que o sistema implantado na Constituiçãode 1967, mantido e robustecido pela Emenda Constitucional de 1969, não fechou a porta daadministração pública à ação fiscalizadora do Poder Legislativo e, ao contrário do que parece,pretendeu deixá-la permanentemente aberta aos órgãos incumbidos de zelar pela legalidade dasdespesas.

Mais do que isto, a reforma visou a colocar-nos em condições de ir além da verificaçãoestrita da legalidade e alcançar também os princípios da moralidade e da finalidade,abarcando-se, assim, toda a trindade da boa administração, a que tratadistas como o ProfessorHely Lopes Meireles conferem a natureza de pressupostos distintos porém inseparáveis.

Dá linha desse raciocínio, há uma distinção a fazer entre dois adjetivos utilizados na redaçãodos itens III e IV do art. 36 do Decreto-lei n° 199, cuidadosamente elaborado, como se sabe, emharmonia com os imperativos do Decreto-lei n.º 200. Parece-nos de muita significação que osdois diplomas fossem redigidos ao mesmo tempo, queremos ,dizer: que a ampliação do controleexterno houvesse ocorrido paralelamente à fixação das diretrizes da reforma administrativa.

Quando, no item III, se faz referência à administração dos créditos, têm-se em vista,irrecusavelmente, evitar interferências impertinentes ou prejudiciais; e atribui-se ao Tribunal deContas a faculdade de solicitar informações julgadas imprescindíveis; mas no item IV, quando seautoriza o Tribunal a proceder a inspeções (de qualquer natureza, pois a lei não as especifica),exigiu-se apenas que fossem elas consideradas necessárias.

A precisão vocabular - exigência da técnica legislativa é uma das características doDecreto-lei n° 199. Não a percamos, portanto, de vista. Ao conferir à Corte de Contas a liberdadede fazer as inspeções que quiser, bastando-lhe verificar que delas necessita e limitando-a, aomesmo tempo, ao pedido de informações das quais não prescinda, quis o legislador duas coisas,em nosso entender:

a) resguardar as prerrogativas do administrador, em determinada fase do poder decisório eexecutivo; e

b) estimular a iniciativa do Tribunal, na verificação, não só da legalidade e moralidade dasdespesas, mas também da finalidade; ou, em palavras mais claras, dos objetivos fixados noOrçamento-Programa e no Orçamento Plurianual.

1 "O Controle Externo e a Missão de Brasília", introdução ao Relatório e Parecer Prévio oferecidos ao Senado Federal em 1970sobre as contas do Governo do Distrito Federal.2 Conselheiro do TCDF.

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A complexidade crescente da missão do Estado contemporâneo, que o obriga adescentralizar cada vez mais sua ação, para torná-la mais eficiente, leva-o por toda parte domundo civilizado e democrático a despersonalizar-se e, portanto, a conceber o controle externocomo auxiliar indispensável e não como intruso a repelir. Agigantou-se de tal modo a máquinaadministrativa, confiada a tantos homens nas diferentes hierarquias, que o Chefe do Governo jánão é visto em parte alguma como responsável único pelo bom uso dos recursos públicos nemmesmo pelos objetivos a alcançar com seu emprego. O Ministro Victor Amaral Freire chegou, emrelatório recente no Tribunal de Contas da União, a pleitear que se retirassem da Constituição aspalavras "contas do Presidente da República", para substitui-las por "contas do Governo".

Ao Chefe do Governo, a cuja responsabilidade pessoal podem ser levados erros de tãonumerosos escalões inferiores da administração, o controle externo passa a interessar tantoquanto aos órgãos que existem para exercê-lo. Decorrentemente, o controle tende a abandonar oleito angusto em que ficou aprisionado pela velha legislação, impregnada de antigas resistênciasdo poder estatal. Desde que o Orçamento deixou de ser uma simples "lei de meios", para serconhecido como "etapa adiantada do planejamento", (2) a faculdade de controlar sua execuçãonão cessaria de aspirar, pelo menos, a avançar da pergunta "Como se gastou?" para completá-lacom outra: "Para que se gastou?"

Herbert A. Simon,3 fundado nos pressupostos de complexidade da administração moderna,observa: "... é geralmente impossível conseguir nas situações reais uma separação completaentre meios e fins, pois os meios alternativos são habitualmente neutros com referência a valores.O processo decisório racional envolve a comparação permanente dos meios em função dos finsrespectivos que procurarão alcançar. (...) Isto significa que a eficiência, no sentido de obtenção deresultados máximos com meios limitados, deve constituir um critério guiador das decisõesadministrativas."

As enormes falhas do sistema britânico, centralizado no Comptroller and Audítor-General,encontraram correção no Parlamento pela vigilância da Oposição de Sua Majestade, que durantea metade do ano legislativo prefere concentrar-se na apreciação dos fins alcançados pelo Estado,em cada setor da atividade governamental, negligenciando o controle dos meios. Leiamos o quediz Manuel Fraga Iribarne4, um dos conhecedores mais seguros do regime parlamentar inglês:

"Puede decirse que em tiempos normales la mitad del tiempo es control de la gestiony que este tiempo disponile, en principio, es administrado por la Oposición, entendida comoun cuerpo; pero en esto toman parte también los MP de la mayria." (...) El volumen y lacomplejidad de los modernos presupuestos, unidos a la lealtad de la mayoria a sugobierno, ha hecho que en la práctica el control efectivo sea mínimo. (...) Una reformareglamentária de 1948 ha venido claramete a reconocer que los suply days no tienen yapropriamente por objeto el controlar el gasto publico, sino el dar oportunidades a laoposición para con tal objetivo criticar la política general del gobierno.

Por lo misma, ciertos restos del viejo procedimiento se han ido suavizando para ganartiempo, y muchos creen que aún hay otras reformas necessárias."

Nosso novo sistema de controle guarda maiores afinidades com o sistema norte-americano,do qual se aproveitou a prática de um acompanhamento rigoroso, no plano interno, da execuçãodo Orçamento, conhecido este, não como "lei de meios", e sim como um conjunto de programas arealizar. Assim como nos Estados Unidos o controle interno não invalida o externo, exercido comrigor e diretamente pelo Congresso, em nosso caso os dois tipos de fiscalização foramimplantadas em linhas paralelas, preparando-se o Governo, internamente, para melhor informaros Tribunais e suportar suas inspeções.

3 Benedito Silva, na apresentação da monografia "Orçamentos", de Pedro Munhoz Amato.4 "O Comportamento Administrativo", publicado pela Fund. Getúlio Vargas.

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Explica-se. Empenhado em dar eficiência ao seu próprio aparelho de comando, de modoque seus orçamentos funcionem de fato como programas a serem cumpridos anualmente e alongo prazo, o Estado brasileiro passou a interessar-se por todos os processos que garantam osobjetivos visados. Dispondo de poucos meios - pois ao mesmo tempo que flaneia odesenvolvimento continua a lutar pelo domínio da inflação e é orçado a elaborar planos decontenção de despesas - os governos estão interessados em que os meios pequenos sejam bemempregados em função dos grandes projetos inspirados nas necessidades regionais e globais doPaís.

A evolução do Orçamento, para cuja execução mais eficiente se empreende a ReformaAdministrativa, deverá corresponder com o tempo uma evolução do sistema de controle, naprática e não apenas na fixação literária de novas linhas definidoras em novos textos. Apesar dasdesconfianças ainda inspiradas, por equívoco de interpretação, pelo novo sistema de controle, oTribunal de Contas da União já está, de certo modo, avançando da fiscalização rotineira paraentrar na apreciação dos projetos com os quais se absorvem, no plano dos Municípios, osrecursos que lhe são destinados pelo Governo Federal. Assim, a Egrégia Corte não maispergunta aos governos municipais "como gastaram tais recursos, de um ponto de vistameramente formal quanto á legalidade, mas "em que" os gastaram; se os aplicaram em obras deinfra-estrutura ou no embelezamento de praças, com fontes luminosas e outros requintesprovincianos da irresponsabilidade administrativa.

Em uma das numerosas monografias elaboradas pelas Nações Unidas5, comrecomendações úteis aos Estados-membros de um modo geral, lêem-se estas palavras:

"Uma economia industrial desenvolvida pode dar início a uma série de obras públicasque se prolonguem por vários anos. Um país subdesenvolvido, por seu turno, podetambém empreender um programa a longo prazo.

Por isso deve o governo estar em condições de poder sopesar o volume e a naturezade seu programa de desenvolvimento em função do volume total de recursos a seu dispor.Deve estar, igualmente, em condições de poder acompanhar o ritmo de execução eandamento das obras de acordo com o programa a longo prazo previamente traçado."

Um dos sinais de que o controle externo tende a evoluir da estreiteza de vistas com que éexercido, para atingir o campo da finalidade da administração, encontro no esboço de umprograma sugerido pelo Professor José Pereira Lira, com vistas a um possível curso decontrolador de contas. No item dois desse esboço6, anotou o eminente homem público, entãoMinistro do Tribunal de Contas da União:

"Pesquisa, análise, crítica e sugestões em torno de relatórios sobre a execução dosprogramas e planos de administração."

Para que o Orçamento pudesse ser efetivamente controlado, o notável especialistanorte-americano Frederick C. Mosher7 reclamou para a lei orçamentária dos Estados Unidosprovidências que a liberassem dos últimos vestígios do hermetismo técnico-contábil e lhe dessema natureza clara de um veículo de comunicação. Orçamento, em seu entender, é antes de tudoum meio pelo qual, nas democracias, se comunica aos cidadãos os objetivos os programas e asgrandes linhas da política do governo. Distingue ele dois tipos fundamentais de orçamento: umque se configura "como importante fase da informação democrática, da discussão e do controledemocrático das atividades governamentais"; e outro que "basicamente se limita a prover defundamento legal o dispêndio dos dinheiros públicos".

Estou convencido de que o sistema de controle externo evolui, ou tende a evoluir, para umestágio em que, efetivamente, se harmonize com o interno e se ajuste às intenções superiores

5 "El Parlamento Britânico desde el Parliament Act de 1911" - Instituto de Estudos Políticos, Madrid. 1960.6 "Estrutura do Orçamento e Classificação das Contas Públicas", FGV.7 "O Controle das Finanças Públicas", TCU, 1969.

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dos governos na verificação do grau de eficiência com que se avance para os objetivos daadministração, sem prejuízo, evidentemente, dos pressupostos básicos da legalidade e damoralidade.

E creio ser Brasília o campo ideal para a realização de uma experiência piloto, desde que oOrçamento, do Distrito Federal evolua para espelhar com maior nitidez as metas maiores daadministração. Na Guanabara, em 19618, e no Acre pouco depois (como já havia ocorrido emNova Iorque, de modo pioneiro), chegou-se a fazer a experimentação do orçamento funcional,que no primeiro caso malogrou pela intensidade com que a política, em seu sentido menor epartidário, superou as intenções da política em seu verdadeiro sentido, que se resume naconsecução de objetivos pelo Estado, na linha de seu compromisso de alcançar o bem coletivo.

Brasília, em primeiro lugar, está preservada daquele tipo menor de política e podeconcentrar-se no outro, pela mobilização total e sadia de seus recursos próprios e daqueles quelhe são transferidos pela União. Por ser uma unidade relativamente pequena, pode, dentro dealgum tempo, dispor de um serviço adequado de estatística e de um sistema racional deplanejamento. Pode, portanto, elevar o seu orçamento anual, dentro do orçamento de longoprazo, à categoria do performance budgett, permitindo-nos realizar pioneiramente um controlefuncional; um controle que utilize fecundamente a faculdade das inspeções e não se fundeapenas, burocraticamente, nos papéis de comprovação da legalidade estrita das despesas, mastenha em mira igualmente os programas, as funções e atividades do Governo9.

II

O Orçamento do Distrito Federal, embora progrida, de ano a ano, reflete as hesitaçõespróprias do sistema geral de administração do País, que apenas começou a ser afetado pelosaltos propósitos da reforma preconizada no Decreto-lei n° 200, de fevereiro de 1967, mas iniciadade fato muitos meses depois, no Governo Costa e Silva, justamente na fase em que se situa oexercício em exame neste relatório.

Se as funções de governo estão claramente definidas, ainda não se oferece uma visãosuficientemente nítida do seu exercício, em termos de projetos executados e de metas atingidas.Os demonstrativos formais, de natureza puramente numérica ou de expressão contábil, ensejamuma avaliação precisa da legalidade das despesas e do respeito ao limite dos créditos oferecidosà administração, sem que esta consiga, no entanto, dar idéia clara de sua eficiência.

Sabemos, só por meios de informação à margem das fonte:

orçamentárias, que a administração substituída no fim do exercício foi responsável pelaconstrução de quarenta por cento do total das obras de infra-estrutura de Brasília, consideradasdesde a inauguração da nova Capital. Temos conhecimento da ampliação da rede de escolasprimárias e, até, da edificação de uma Cidade-Satélite (Guará) completa, no espaço de um anoapenas, sem que nada disto se espelhe no Orçamenta.

É que nosso sistema orçamentário, não somente o do Distrito Federal mas o da Uniãotambém, ainda não foi arejado por aquele espírita que ao Orçamento dos Estados Unidos daAmérica quis dar o notável Frederick C. Mosher, já citado, quando incluiu as leis orçamentáriasentre os veículos de comunicação. Se os Tribunais de Contas estão limitados ao exame formal doOrçamento, e hão de contentar-se por enquanto com os documentos em que os resultados daadministração se traduzem na algidez dos números e na inexpressividade dos documentos decomprovação de despesas, os cidadãos de um modo geral, que contribuem em última análisepara a previsão mais ou menos segura das receitas públicas, desejam ou merecem conhecer,através do Orçamento anunciado, o que vai ser feito dos frutos da arrecadação, e, do Orçamentoexecutado, o que de fato foi realizado em correspondência com o sacrifício, às vezes pesado, dos

8 "Program Budgeting - Theory and Practice", Public Administration Service, N. Y., 1954.9 Aliomar Baleeiro, "Uma Introdução à Ciência das Finanças". Editora Forense, 1969.

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impostos e taxas, para atender às necessidades básicas da coletividade, em termos desegurança, bem-estar, saúde, educação e alargamento da perspectiva de progresso.

Entre os princípios formulados por Harold D. Smith ( The Bureau of Budget as an Instrumentof Management, citado pelo Sr. J . Teixeira Machado Júnior em "Administração OrçamentariaComparada" (inclui-se o "princípio dos relatórios", segundo o qual as diferentes etapas deexecução do Orçamento devem ser suplementadas por um preciso sistema de relatórios, capazde refletir em termos objetivos os resultados parciais e globais da administração pública.

No plano da União, o Congresso Nacional recebe anualmente, além da propostaorçamentária e dos documentos enumerados nos artigos 22 e 23 da Constituição, minuciosamensagem do Chefe do Poder Executivo, na qual se expõem mais larga e claramente os frutosda política econômica e da administração em geral, assim como uma antevisão das medidas atomar para corrigir deficiências, preencher lacunas e manter o País em linha de marcha para odesenvolvimento setorial e global.

No âmbito do Distrito Federal - considerada a importância de Brasília no conjunto dosempreendimentos nacionais - alguma coisa precisa ser feita para iniciar-se a prática de umaexposição anual dessa natureza ao Senado, de modo que a prestação de contas do Governo -até para que se lhe faça melhor justiça à operosidade e consciência da fascinante tarefa de dar aesta Cidade sua função de pólo de desenvolvimento e não apenas de uma urbs destinada aabrigar o Governo da República -avance dos limites estreitamente contábeis para nos dar umquadro das atividades criadoras reclamadas por Brasília, como cidade e como ponto de irradiaçãoda política geral que daqui passou a ser executada, a partir de 1964, e começa a incorporar aomapa econômico e político do País, de maneira efetiva, os grandes espaços centrais vazios ouescassamente povoados, dos quais se distanciava cada vez mais nossa desavisada civilizaçãolitorânea.

III

Dando-se como pacífica a necessidade de um orçamento plurianual de investimentos, paraque se garanta a continuidade das obras de importância capital para a construção completa deBrasília e o equipamento de suas cidades-satélites (tarefa a que se entrega, entre muitas outras,a Companhia) insistamos em que a Brasília não bastará possuir um Plano-Diretor como o dePorto Alegre ou de qualquer outro centro urbano, mas um Plano que, depois de lhe assegurarharmonia ao crescimento, ou concomitantemente com tal objetivo, visasse a outro: o deprepará-la para o desempenho da missão que lhe está reservada desde que com ela sonharamos construtores de nossa independência política e desde que as forças condutoras do processonacional, incluídas as Forças Armadas, consentiram na aventura inflacionária de sua construçãoe para ela se voltaram, depois das hesitações de dois períodos governamentais intermediários,com a intenção de consolidá-la.

A criação de Brasília destoou de modo marcante tanto da formação das capitais naturaiscomo do processo de nascimento das cidades artificiais. Observa o citado A. E. Moodie que aprática geral entre os países era escolher primeiro a capital e depois atribuir-lhe os sistemas decomunicações, isto é: "escolhia-se o local que já possuísse acessibilidade e, então, as vantagensde sua localização geográfica eram aprimoradas artificialmente". Por esse princípio, Brasíliajamais teria sido localizada no Planalto Central, para onde até materiais de construção tiveramque ser transportados por via aérea.

Em nosso caso, não foi o princípio da acessibilidade que determinou a escolha do local,tampouco o princípio da preservação dos sentimentos de orgulho regional, respeitado nosEstados Federais. Nestes ('"Geografia e Política", obra já mencionada) a capital "nacional"assume a subcategoria das cidades-capitais. Quer como associação de Estados anteriormenteindependentes, como os Estados da América, quer como antigos dependentes de outros Estados(Domínios do Canadá e da Austrália), a Federação vincula a incorporação das sociedadespreexistentes, juntamente com as respectivas capitais, á nova entidade que, por si só, deve ser a

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sede do Governo federal. "Situar essa capital em qualquer uma das cidades existentes", dizMoodie, "seria o mesmo que provocar ressentimentos nos elementos integrantes da Federação".Nos Estados Unidos e na Austrália foi contornada essa dificuldade com a escolha de pequenasáreas destinadas à construção das capitais federais. Em um como em outro caso, a capital, assimconstruída, destina-se, acima de tudo, à administração dos assuntos federais, e diferencia-se,assim, das capitais dos Estados unitários.

Expressivo para o entendimento do fenômeno de Brasília, foi o critério que presidiu àescolha da capital canadense. Ottawa não foi escolhida ao acaso. Situada à margem direita do riodo mesmo nome, que serve de limite entre Ontário e Quebec, ficou também intimamente ligada àfronteira entre o Canadá francês e o de língua e tradição inglesa, mantendo entre os dois posição,tanto quanto possível, neutra.

Brasília foi localizada, pode ser dito, na fronteira ideal entre o Brasil conhecido, povoado eem processo de desenvolvimento e o Brasil desconhecido, de fraca densidade demográfica e atédeserto; entre o Brasil litorâneo, que se voltava mais para as civilizações exteriores do que para as matrizes de sua cultura (tomada esta no sentido antropológico) e o Brasil que se mantinhaisolado, em seu vasto interior, lutando por manter, não se saberia até quando, o decantadomilagre de nossa unidade.

Concebida, antes de tudo, para consolidar esse milagre, Brasília recebeu, portanto, missãohistórica, geográfica, sociológica, política e econômica de tamanha complexidade, que a ela nãoserviria um simples Plano-Diretor. Para ela reclama-se um plano de desenvolvimento regionalintegrado, que, por sua vez, se identifique com a estratégia do desenvolvimento nacional, a elecorrespondendo, conseqüentemente, um Orçamento de tipo funcional, capaz de converte-lo emrealidade.

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A ESPECIALIZAÇÃO NOTÓRIA E A DISPENSA DELICITAÇÃO

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ1

SUMÁRIOI - APLICABILIDADE DO SISTEMA FEDERAL DE LICITAÇÕES AOS

ESTADOS E MUNICÍPIOS: O Estatuto constitucional de 1967 - A emendaconstitucional de 1969 - Impositividade do princípio da licitação.

II - A LICITAÇAO NO PLANO FEDERAL: O princípio básico - Escorçohistórico - Licitação dispensável -Interesse público - Exegese recomendável.

III - A NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO COMO CAUSA DA DISPENSA DELICITAÇÃO: Bases legais - Contratação "intuitu personae" - A tese daatividade notoriamente especializada - Dualismo de acepções - A prova donotório - A especialização de serviços - Licitação e escolha discricionária -Concurso de projetos - As obras de arte - A exclusividade de produção e derepresentação comercial - A exclusividade de marca - A assistência técnica -Formalização do ato de dispensa.

IV - CONCLUSÕES.

I - A APLICABILIDADE DO SISTEMA FEDERAL DE LICITAÇÕES AOS ESTADOS EMUNICIPIOS

1. O Estatuto Constitucional de 1967

Sob o regime da Carta de 1967, ergueram-se abalizadas vozes de publicistas brasileirosacoimando de inconstitucionalidade a Lei n9 5.456., de 20-6-68, diploma da União quedeterminara a compulsória aplicação do regime federal de licitações aos planos estadual emunicipal.

2. Amparavam-se tais manifestações críticas na estrutura do federalismo, ao qual repugna aimisção da entidade maior na vida administrativa dos Estados-membros e municípios, poratentatória à autonomia que lhes é constitucionalmente garantida.

3. Partira, evidentemente, o legislador federal de conceito demasiado ampliativo sobre asnormas gerais de direito financeiro, cuja edição se reservara, na Lei Maior de 1967, à União, coma possível suplementação da legislação estadual (art. 8°, XVII, c). O equívoco se explicava aindapela inclusão, na Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964 - estatuto essencial de direito financeiroaplicável a todos os níveis da federação -, de preceito expresso que exigia o respeito ao princípioda licitação para "a aquisição de material, o fornecimento e a adjudicação de obras (sic) eserviços" (art. 70').

4. Preexistia assim e implícita no direito positivo a concepção doutrinariamente inadmitida,de que o lineamento das licitações, pelo menos em essência, tinha lugar entre as normas geraisde direito financeiro. A inconstitucionalidade apontável na Lei n° 5.456/68, era, a nosso ver, filiadahistoricamente ao comentado art. 70 da Lei h° 4.320/64.

5. A procedente censura levantada arrimava-se na consideração de que as diretivasbalizadoras da concorrência são antes de direito administrativo estrito que de direito financeiro,

1 Procurador do TC-DF.

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dado que só por via de conseqüência interessa o procedimento licitatório à realização dasdespesas públicas. A concorrência é pré-condição legal, não à efetivação da despesa, mas àatividade negocial da Administração Pública, gênero compreensivo dos contratos administrativos.

2. A Emenda Constitucional de 1969

6. Substancial mudança sofreria, no entanto, o invocado dispositivo constitucional, aoeditar-se, em 1969, a nova versão de nossa Carta Política. Em lugar de "normas gerais de direitofinanceiro", passou o artigo a referir-se também a "normas gerais sobre orçamento, despesa egestão patrimonial e financeira de natureza pública", locução que sem a menor dúvida ainda maisdrasticamente restringe a autonomia das entidades intra-estatais. Poder-se-ia alegar não haversuficiente clareza na expressão "gestão patrimonial e financeira", a ponto de tornar inequívocasua abrangência em relação à competência da União para impor regras de licitação aos Estadose Municípios. Certo é, porém, de que se tornou agora pelo menos duvidosa a incompatibilidadeda Lei n° 5.456/68 com o espírito constitucional.

7. Razão não falta, pois, ao ilustrado Di Munno Correa quando, em esplêndido parecerrecentemente publicado, assevera:

"O conceito - para mim, bastante friável - de "gestão patrimonial" representa anovidade. Não me atrevo a gizar-lhe a periferia. Porém, parece-me aceitável a idéia de quequem realiza compras ou alienações, ou contrata obras, esteja na verdade "gerindo seupatrimônio". E quando se exige a prévia licitação para a validade de tais contratos, a normaque nesse sentido estabelece diz respeito à "gestão patrimonial". Pois, "gerir" é"administrar": tenho para comigo que o novo texto constitucional veio restringir mais ainda acompetência administrativa dos Estados e Municípios, e, embora me seja difícil estabeleceras lindes de tal intrusão - tarefa que deixo aos mais sábios - creio que, se não a esgota, oprincípio das licitações pelo menos dentro dela se inclui." (RDP, 23/72. )

8. Cumpre, de resto, ter presente que a implantação da reforma administrativa, da qual alicitação é postulado eminente, constitui programa prioritário do Governo, na esfera da União, ena dimensão dos Estados-membros e municipalidades. E programa em tal medida valorado, quemotivou a proclamação de Ato Institucional, o de n° 8, de 2 de abril de 1969, em cujo art. 1° seatribuía ao "Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de populaçãosuperior a duzentos mil habitantes competência para realizar, por decreto, a respectiva reformaadministrativa, observados os princípios fundamentais adotados para a Administração Federal".

9. No considerando introdutório, aludia-se à "inadiável necessidade de dinamizar a reforma,inclusive com sua extensão às demais áreas governamentais" e, no parágrafo único,convalidavam-se os atos do Executivo, das três esferas federativas, que - obviamente sem apoiojurídico - houvessem efetivado qualquer das medidas autorizadas naquele Ato.

10. Tal autorização é excepcional, tanto ratione materiae como, por igual, em função doinstrumento legislativo autorizado, sabido que, desde 1967, proíbe a Lei Maior que asconstituições estaduais abriguem o regime dos decretos-leis (Constituição de 1967, art. 188,parágrafo, Constituição de 1969, art. 200, parágrafo).

11. Acresce evidenciar que, mesmo no regime da Carta de 1967, vinha sendo esse aspectoda legislação federal adotado ou copiado pela generalidade dos Estados e Municípios. Prende-sea explicação a variadas razões, inclusive jurídicas. A força crescente do poder central, em nossofederalismo, já vai tornando dóceis os governos das entidades menores ao comando da União.Além disso, até razões de cunho jurídico puderam ser alinhadas em prol da constitucionalidadeda Lei n° 5.456/68: seja a da insubstanciosa tese de que as licitações são matéria de direitofinanceiro, seja a outra de que, à alta de preceitos locais próprios, prevaleceria supletivamente anorma federal.

3. Imperatividade do Princípio da Licitação

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12. Há notar, de outro lado, que, conquanto fosse juridicamente inaceitável a incidênciavinculantes do modelo federal, remanescia cogente o acatamento ao princípio da concorrência,no puro interesse da moralidade e probidade da Administração e da própria substância do regimedemocrático, que não tolera a desigualdade entre os eventuais co-contratantes com o PoderPúblico, nem a escolha deles sob a influência de critérios subjetivistas ou de favorecimentopessoal.

13. Foi, por sinal, em linha de raciocínio semelhante que - sem embargo de assumir posiçãocontrária à constitucionalidade da Lei n.º 5.456/68 -terminou o profundo José Afonso da Silva porsustentar a impositividade dos cânones da licitação e da publicidade para as compras,alienações, serviços e obras a serem realizadas pelos Estados e Municípios (cf. RDP n° 7, pág.57) .

14. Focalizar-se-á assim no presente trabalho, o regime federal de concorrência, napresunção de que, mesmo onde não acatado em seu todo como esquema compulsório, haverãode preponderar seus pontos capitais, com esta ou aquela alteração imputável a peculiaridadeslocais ou regionais.

II - A LICITAÇÃO NO PLANO FEDERAL

1. O Princípio Básico

15. No nível da União o mandamento cardeal, em matéria de negócios públicos, é oprincípio de licitação. Ainda aqueles que como o eminente Caio Tácito julgam pautar-se o tema,ultima ratio, pelo cânon da livre adjudicação aceitam que, por efeito do direito positivo pátrio, aconcorrência se impõe entre nós, quando menos para a Administração direta e Autárquica. Bemexaminada, à luz do direito legislado, a relativa ressalva oposta pelo prestigiado mestrecircunscreve-se a subordinar a exigibilidade jurídica da licitação à existência de disposiçãoexpressa nesse sentido.

2. Escorço Histórico

16. No Brasil, de há muito a concorrência se fez regra. Como salienta Luciano Benévolo deAndrade, na valiosa monografia "do Princípio da Concorrência e o Ajuste Direto", "enganam-se osque supõem que o princípio da concorrência entrou para a nossa contabilidade pública peloCódigo de 1022. Em 1909, a Lei n° 2.221, de 30 de dezembro, que muitos pleitos judiciárioscausou, disciplinou minuciosamente o seu processamento e o Regulamento de Contabilidaderepetiu os seus dispositivos, apenas com ligeiras modificações".

17. E, em seguida, ensina o mesmo especialista que "remontando mais ao passadoveremos que, no Brasil-Colônia, já a concorrência era norma de direito escrito, constante do Livro6°, Título 66°, § 39, das Ordenações Filipinas".

18. O preceito ainda hoje conserva sua força e relevância. Consoante dispõem, emconjugação, os arts. 125 e 143 da Lei de Reforma Administrativa, fica a realização de compras,serviços, obras ou alienações do interesse do Poder Público condicionada a sistema completo einjuntivo, cujo traçado tem como pauta fundamental o princípio de licitação.

3. Licitação Dispensável

19. Em boa hermenêutica, as regras de exceção interpretam-se restritivamente, daí porquejá se haveria de entender taxativa a enumeração das hipóteses de dispensa da concorrênciaconsignadas no § 2° do art. 126 do Decreto-lei n° 200/67.

20. No empenho de afastar dúvidas, preferiu, entretanto, o legislador optar pela redundantefórmula consignada no § 1°: "a licitação só será dispensada nos casos previstos nestedecreto-lei", procedendo no parágrafo imediato à discriminação dos tipos de dispensa admitidos.

21. Sob o ângulo do controle do ato administrativo em que nos colocamos, os casos dedispensa são, em maioria, de fácil discernimento, pela objetividade das situações que

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contemplam, ou por ficar a apreciação de aspectos subjetivos expressa ou implicitamente a juízoda Administração ativa. Assim se dará, quando a licitação, ao ver do Presidente da República,puder comprometer a segurança nacional; ou na eventualidade de guerra em que a dispensadependerá de prévia declaração do estado de beligerância, segundo procedimento complexoconstitucionalmente definido (arts. 8º, II, 44, II, e 81, XI); ou, ainda, no caso de calamidadepública, reconhecida por decreto do Chefe do Executivo.

22. Cresce de ponto a dificuldade quando o pressuposto da dispensa é uma das situações,de valoração subjetiva, capituladas sob as alíneas d e e do artigo em comento. Notadamente aprimeira, pelos termos genéricos e equívocos em que está vazada, se vem constituindopermanente motivo de perplexidade para os órgãos de controle da administração financeira, aomesmo tempo que, em contrapasso, abre largo terreno de manobra para o dolo ou a desídia deadministradores inescrupulosos.

23. Tem sido esta provavelmente uma das questões mais tormentosas para as Cortes deContas brasileiros nos últimos anos, pela dificuldade sempre renovada que ressai da extensacasuística das aquisições feitas a produtor ou representante comercial exclusivo e,principalmente, das contratações de serviços sob a rubrica da "notória especialização".

24. Estudos diversos têm-nos chegado ao conhecimento e, a pouco e pouco, vai-selançando luz sobre a matéria, que, embora menos obscura, oferece ainda muitos ângulos aaclarar.

4. Interesse Público

25. O aspecto nuclear, em torno ao qual há de girar sempre o raciocínio em matéria delicitação, como de sua dispensa, é o interesse público.

26. Essa idéia-força, situada na raiz do Direito Administrativo, encontra-se presente em cadamomento, em cada escaninho, do instituto da licitação. Na verdade, a causa de exigir aconcorrência é a mesma de afastá-la: o interesse público.

27. 5e, de começo, o interesse público requer a licitação - como meio de selecionar aproposta economicamente mais vantajosa, com vistas ao maior proveito social e administrativodos gastos do Estado, dúvida não cabe de que este mesmo interesse protesta pela dispensa daformalidade em situações emergências, onde o aspecto econômico há de ceder passo à urgênciae presteza com que se socorram pessoas, obras, bens ou equipamentos ameaçados em suasegurança.

28. O mesmo interesse social, que torna racionalmente obrigatória a proscrição dofornecedor apaniguado e que impõe a competição liminar entre os candidatos a contratar com oEstado, postula que, para maior rendimento operacional, se torne inexigível a licitação nosnegócios de pequeno vulto, onde a perda de tempo e os procedimentos burocráticos daconcorrência, mesmo em sua modalidade mais singela, acarretariam antes prejuízo quevantagens para a economia pública.

5. Exegese Recomendável

29. Toda a interpretação do capítulo das licitações deve, a nosso ver, assentar-sesobremodo em critérios teleológicos. É inquestionável que sendo clara a letra da lei, lugar nãohaverá para a pesquisa do elemento finalidade. Descarte-se, pois, exemplificativamente, adiscussão sobre a necessidade da concorrência, quando tiver um órgão do Estado de arrendarimóvel destinado ao seu serviço. Considerações subjetivas acerta da conveniência de licitar sãoin casu afastadas pelos termos peremptórios da norma, que confia ao prudente senso doadministrador a escolha do imóvel adequado à instalação da repartição pública. A competênciados sistemas de fiscalização cingir-se-ão então a avaliar a inocorrência de abuso de poder oudesvio de finalidade no ato sob controle.

III - A NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO COMO CAUSA DA DISPENSA DE LICITAÇÃO

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1. Bases Legais

30. Fixado este ponto, a nosso ver fundamental para o deslinde do problema, passemos àanálise das alíneas d e e do dispositivo em que se discriminam os tipos de dispensa de licitação.Seu conteúdo é o seguinte:

"§ 2° É dispensável a licitação:

d) na aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só poder ser fornecidos porprodutor, empresa ou representante comercial exclusivos, bem como na contratação de serviçoscom profissionais ou firmas de notória especialização;

e) na aquisição de obras de arte e objetos históricos."

31. As duas espécies reunidas sob a alínea d não se entroncam, com rigor, num únicogênero, porquanto as compras ao representante comercial exclusivo somente dão azo à dispensaante a clara impossibilidade de serem feitas em outro fornecedor; o escolhido detém aexclusividade, o monopólio absoluto ou local para a venda do produto.

32. A aquisição na fonte produtora, sendo esta exclusiva, conta a seu favor não só com ainviabilidade lógica de obter-se o material alhures, mas ainda com forte presunção de vantagemeconômica para o Estado.

2. Contratação Intuitu Personae

33. Muito próximas bem que distintas, as espécies em questão se estremam dacontemplada na parte final da mesma alínea: contratação de serviços com profissionais ou firmasde notória especialização. Esta, queremos crer, mais se assemelha à aquisição de obras de arte,prevista na outra alínea em exame. Conhecem ambas um denominador comum no intuito pessoalcom que se contratam os serviços especializados ou se adquirem as obras de arte.

34. A contratação intuitu personae é ditada por razões, parte subjetivas, parte objetivas, masem todo o caso insusceptíveis de serem reduzidas a critérios comparativos uniformes. Issoporque o complexo de qualidades requeridas dos eventuais contratantes - tais a habilidade, otirocínio, o renome, a experiência anterior, o talento, ou mesmo o lampejo do gênio -sãocaracterísticas demasiado abstratas para se fazerem alvo de apreciação objetivo.

35. Mas o serem assim abstratas não as torna menos desejáveis, ou imprescindíveis, para oadequado atendimento do interesse público.

3. A Tese da Atividade Notoriamente Especializa

36. Segundo exegese à base da finalidade, da história e do sistema, afigura-se imperiosorejeitar a tese, fascinante porque respaldada na interpretação literal do texto, de que notória há deser a especialização, isto é, o tipo de atividade, e não a capacidade profissional ou artístico doespecialista. O raciocínio conduzido por essa caminho levaria ao absurdo de poder aAdministração escolher livremente o menos habilitado dos profissionais que se dedicam a ramonotoriamente especializado do conhecimento, ainda quando tivesse a seu alcance, e por custoidêntico ou inferior, o mais capaz dentre todos.

37. De mais a mais, a consulta ao elemento histórico, cristalizado no art. 246, alínea b, dovelho Regulamento Geral de Contabilidade Pública, mostra-nos que a redação original dopreceito se referia justamente a "profissionais especialistas", inexistindo qualquer indício nafilosofia da nova sistemática de que haja sido tão radicalmente mudada a ratio legis dodispositivo. À própria essência do sistema repugna conclusão diversa, pelo risco daí advenientepara o interesse do Estado.

4. Dualismo de Acepções

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38. Duas idéias se nos afiguram contidas no conceito de especialização notória. A primeirafoi lapidarmente conceituada pelo preclaro Ministro do Tribunal de Contas da União, Luiz OtávioGallotti, a ponto de passar a constituir súmula dominante naquela Egrégia Corte.

39. Na palavra do eminente jurista, somente terá lugar a dispensa de licitação para acontratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização quando se trate deserviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau desubjetividade que se não possa medir pelos critérios objetivos de qualificação inerentes aoprocesso de licitação. (É nosso o grifo. )

40. Atrevemo-nos, contudo, a entender que a definição assim posta não esgota a essênciado conceito, visto deixar de fora a especialização notória daqueles profissionais que - militandoembora em atividade nem inédita nem incomum - tenham conquistado, em função do imaterialcomplexo de predicador a que atrás aluíamos, a posição de primus inter pares ou meramente a"notoriedade profissional", que Hely Lopes Meirelles define como "a proclamação da clientela edos colegas sobre o indiscutível valor do profissional na sua especialidade", ou, em fórmula maissintética, "a fama consagradora do profissional em sua especialidade".

41. O inedistismo ou o caráter incomum do serviço são atributos de apreciaçãorelativamente simples se postos em confronto com essa quase inapreensível concepção denotoriedade profissional. Assim sendo, reputamos que as duas hipóteses precisam recebertratamento criterioso por parte do órgãos de controle da despesa pública. Se o caráter inédito ouincomum do serviço pode, quando óbvio, prescindir de demonstração comprobatória, aprivilegiada habilitação do co-contratante requerer, sempre prova específica. Na hipótesealternativa da execução de serviço comum, a notoriedade profissional há de ser objeto decircunstanciada exposição justificativa produzida pela autoridade que conceda a dispensa dopregão.

5. A Prova do Notório

42. Se é fato notório o patente, o manifesto, o sabido de todos, parecerá, ao primeiro exame,incongruente pretender que a notória especialização deva ser objeto de comprovação; não sendoa circunstância sobejamente conhecida, inexistiria a notoriedade.

43. A partir do relativismo conceitual de fato notório - que tem aliás ensejado algumaliteratura -, acreditamos inevitável uma conclusão de aparência paradoxal, qual seja a de que, soba perspectiva do controle administrativo, é imperioso exigir a prova da notória especialização.

44. A fama de determinado especialista, malgrado consabida entre os profissionais do ramo,há de ser muitas vezes ignorada pelos órgãos incumbidos do controle da administraçãofinanceira.

45. Na lição de Kohler, referida por Eduardo Espínola, "pode alguma coisa ser notória emum círculo e não o ser em outro... Não é, portanto, de modo algum extravagante que,eventualmente, se promova uma prova sobre o notório".

46. E Carvalho Santos, mencionado no Repertório Enciclopédico de Direito Brasileiro,entende que "mesmo não sendo do conhecimento de todos, ainda assim o fato pode ser notório,se conhecido, por exemplo, por um círculo amplo de pessoas, ou por uma determinada classe,componente da população local. É que a notoriedade não exige o conhecimento universal. Bastaque haja o geral".

47. Ainda na mesma fonte, é possível receber o seguinte ensinamento, da lavra de JorgeAmericano: "a notoriedade pode referir-se a um fato social, ou científico, ou histórico ouprofissional -, em conseqüência do que, conforme o caso, pode circunscrever-se ao respectivomeio, dentro do qual revista os caracteres de fato verdadeiro, conhecido e proclamado pelageneralidade dos homens, e, nesse caso, desde que o meio onde é notório o fato seja pouco

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acessível aos juízes das instâncias superiores, a notoriedade em que as partes não assentiremdeve ser de algum modo provada nos autos." (O grifo não é do original.)

48. Pensamos que, mutatis mutandis, deva ser esta precisamente a posição dos órgãos defiscalização financeira perante a especialização notória. A aprovação expressa ou tácita pelasCortes de Contas dos atos legalmente sujeitos a seu controle depende de induvidosa convicçãoacerca de sua legitimidade. Ora, as dispensas de concorrência por notória especialização têm emregra sido feitas à base da mera alegação da notoriedade. A prova, talvez ao influxo do adjetivonotório, tem-se considerado inexigível, o que, a esta altura de nosso estudo, se afigura poucoprudente. Quer, o caráter inédito ou incomum do serviço, quer a singular capacitação técnica doprofissional ou empresa necessitam ser comprovados em criteriosa exposição justificativadaquele que dispense a concorrência.

6. A Especialização de Serviços

49. Sublinhe-se que a notória especialização se prende, univocamente, à prestação deserviços, e a nada mais. Não há, pois, cogitar da dispensa por notória especialização, quando daaquisição de equipamentos de precisão, de gêneros raros, ou de material de sofisticadatecnologia. A lei é cristalina, e, sendo o mandamento de exceção, não há, tecnicamente, lugarpara interpretação compreensiva ou analógica. Nem mesmo as obras, que em sentido vulgarpoderiam facilmente identificar-se como espécie do genus serviço, estão abrangidas naautorização excepcional de dispensa. Obras, na sistemática das licitações, não se confundemcom serviços: quando o legislador quis a elas referir-se foi expressamente que o fez.

7. Licitação e Escolha Discricionária

50. Outro ângulo ainda não temos visto focalizado com a recomendável nitidez. É que arealização do procedimento licitatório - ao revés do que se possa imaginar - não impossibilita aAdministração de chegar à escolha do co-contratante sob a orientação de critérios parcialmentesubjetivos. Com efeito, não mais vige hoje o antigo e estrito disciplinamento das concorrênciasque determinava inevitável preferência em benefício do ofertante do menor preço.

51. Os paradigmas de julgamento repousam ainda na aspecto financeiro, representado porpreços, prazos e condições de pagamento, mas, outrossim, em índices de qualidade erendimento, de tal sorte que seja vencedora a proposta economicamente mais vantajosa.

52. Nada obsta, por conseguinte, que, na dúvida sobre a legimtidade da dispensa deconcorrência, venha a Administração a instaurá-la, num primeiro momento, para em seguida -com apoio em padrões de julgamento que comportem certo grau de discricionariedade - darpreferência ao mais capaz dentre os licitantes, ou àquele que comprove, com dados objetivos,possuir o melhor currículo profissional. A vantagem está em deslocar o ônus da prova para oparticular interessado no contrato.

53. Em lugar de obrigar-se à produção, por vezes dificultosa, de justificação que convençanão apenas os órgãos de controle, interno e externo, mas a própria autoridade responsável pelasupervisão ministerial, bastará ao Poder Público, nesses casos, pré-estabelecer para aconcorrência critérios de avaliação em certa medida discricionários, o que lhe permitirá — à luzdas demonstrações de capacidade trazidas à colação pelos proponentes — eleger o mais idôneopara a prestação do serviço em mira. O processo formal, assim constituído, permaneceráarquivado na repartição competente ao alcance das inspeções do Tribunal de Contas.

54. Tal prática se cerca de todas as garantias de lisura, contrastável que é tanto pelos doissistemas de fiscalização, como pela vigilância dos demais licitantes ocasionalmente prejudicados.Maculada por abuso de poder ou desvio de finalidade, sofrerá de certo a impugnação de qualquerdesses controles.

8. Concursos de Projetos

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55. Ainda uma faceta do tema merece atenção mais detida. Referimo-nos à conveniênciainiludível de, no interesse da economia pública, se aviventar, na rotina administrativa brasileira, arealização de concursos de projetos. Desde que estabelecidos prêmios compensadores, oconcurso há naturalmente de conquistar a participação de profissionais altamente capacitados.Juntamente com o proveito financeiro auferido pelos primeiros colocados, a própria classificaçãojá de si encerra grande apelo, por contribuir decisivamente para o reconhecimento ou a exaltaçãoda notoriedade profissional dos concorrentes.

9. As obras de Arte

56. Com respeito à inexigibilidade de licitação para a compra de obras de arte, queremoscrer que o rigorismo deve ser a tônica na atuação dos Tribunais de Contas. Já se presenciaramtentativas de fazer passar por obra de arte objetos meramente luxuosos, tais como tapetes,móveis de estilo e coisas do gênero. A compreensão extensiva da noção de obra de arte nãoencontra apoio ria lei. Nenhum produto industrializado, fabricado em série, poderá ser havidocomo obra de arte.

57. O requinte industrial dos objetos ou a pequena escala em que sejam produzidos nãoconstituem causa suficiente para que a Administração se desobrigue da licitação, eis que sãoatributos da genuína obra artística a perfeição artesanal aliada à preciosidade, singularidade ouraridade de peça.

10. A exclusividade de Produção e de Representação Comercial

58. Permite a lei se prescinda da concorrência para as compras feitas diretamente aoprodutor, bem como a empresa ou representante comercial exclusivos. Não se trata no caso deprivilégio ao fornecedor, mas de simples decorrência da gestão administrativa: não há como licitarse é único o produtor. A prova da exclusividade far-se-á perante os órgãos de controle.

59. Quanto à aquisição junto a empresa ou representante comercial exclusivo, à evidênciada exclusividade de representação há de somar-se um plus, consistente na atestação daautoridade administrativa sobre a inexistência de similares.

60. Seria inconcebível em boa lógica que a lei concedesse ao representante comercialprivilégio que nega ao representado, isto é, ao produtor não exclusivo; como injustificável seria,em face do interesse público, permitir a celebração do ajuste direta com o vendedor e vedá-lacom o produtor.

61. O reverso, sim, teria sentido, sabido que, infalivelmente, são mais altos os preços dorevendedor, onerados pelo lucro e pelos custos comerciais.

62. Desse raciocínio deflui inequívoca inferência do produtor se exige a exclusividade deprodução; do vendedor, a representação comercial privativa de um produto, à sua vez, exclusivo,sem similares.

11. A exclusividade de Marca

63. Em correlação estreita com a exclusividade comercial se põe a questão de exclusividadede marca, a cujo respeito assim se pronuncia Hely Lopes Meirelles no excelente "Licitação eContrato Administrativo":

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"Examinada a exclusividade do produtor, vejamos a exclusividade de marca, que, por nãoreferida na lei, é assunto polêmico em tema de licitação. Trata-se de saber se a Administraçãopode adquirir produto (material, equipamento, gêneros etc.) de marca determinada, excluindosimilares. Entendemos passível essa aquisição em três hipóteses: para continuidade de utilizaçãoda marca já existente no serviço público; para adoção de nova marca mais conveniente que asexistentes; para padronização de marca ou tipo no serviço público. O essencial é que aAdministração demonstre a efetiva vantagem de determinada marca ou tipo, para continuidade,adoção ou padronização em seus órgãos e serviços, com exclusividade.A continuidade de marca pode ser conveniente pelo conhecimento dos servidores que a usam epara o aproveitamento dos estoques; a adoção de nova marca pode ser vantajosa, pela maioreficiência ou rendimento do novo produto; a padronização de marca pode trazer a vantagem dauniformidade de sua utilização, manutenção e consumo. Mas todas essas vantagens podem serneutralizadas ou superadas por desvantagens de outra ordem, pelo que aquelas e estas precisamser confrontadas e sopesadas pela Administração, em cada caso, através de estudos sérios ejudiciosos, que afastem o favoritismo na escolha de determinada marca ou tipo, para ser utilizadocom exclusividade no serviço público."......................................................

"A escolha de marca, quando comprovada a vantagem para administração, em processo regularde aquisição, não constitui discriminação ilegal, mas justa e legítima opção do administradorentre o que mais convém ao serviço público O que se nega à Administração é a escolha arbitráriade determinada marca, sem justificativa da preferência, comumente disfarçada em licitaçõescujos editais ou convites descrevem capciosamente o objeto, com tais características queconduzem a uma única marca — sem dizer-lhe o nome — excluindo os demais licitantes por essasubterfúgio discriminatório e ilícito. Se há razões técnicas e administrativas para a escolha dedeterminada marca, a Administração deverá comprová-las e efetivar a aquisição às claras, direta-mente do produtor, ou de seus vendedores ou representantes comerciais, com ou sem licitação,conforme o caso, mas sempre com lisura e moralidade administrativa no procedimento daaquisição. Se assim não agir, sujeita-se à anulação do contrato."64. A exposição, de dialética irrepreensível, carece, em nossa opinião, de baseamento legal, coisaque, aliás, o próprio mestre parece reconhecer quando, logo no início do longo trecho transcrito,chama a atenção para o polêmico do tema, "por não referida na lei" a exclusividade de marca.Ora, se a lei não prevê a exclusividade de marca como fator de dispensa da concorrência esincronicamente estatui, de maneira enfática como já vimos, que a licitação só será excluível noscasos previstos expressamente, fica-nos a impressão de que a interpretação do insigne publicistaultrapassa o direito positivo. Não que discordemos da lógica ou da conveniência da soluçãopreconizada. Ao contrário: de lege ferenda se nos afigura correta. Mas, de lege lata, não vemoscomo possa a lei comportar a interpretação aventada.

65. A marca exclusiva não supõe necessariamente a ausência de similares. Num mercadode concorrência, não monopolista, coexistem habitualmente marcas diversas, todas exclusivas, oque, em princípio, não afasta, antes implica, a conveniência da licitação. Se a qualidade deprodutor único é requisito firmado em lei para a dispensa de licitação, como aceitar a adjudicaçãodireta ao detentor de marca exclusiva, em desfavor de seus concorrentes industriais oucomerciais?

66. Na prática a solução residiria na realização da concorrência, sob modalidadeconveniente, e no uso da "eficiência ou rendimento de novo produto" ou "padronização deequipamento e facilidade de manutenção" como índices de escolha da proposta vencedora, emperfeita consonância com o disposto no mencionado art. 133 do Decreto-lei n.º 200/67, deste teor:

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"Na fixação de critérios para julgamento das licitações levar-se-ão em conta, rio interesse doserviço público, as condições de qualidade, rendimento e preços, condições de pagamento, prazose outras pertinentes, estabelecidas no edital."

67. Tal mecânica parece diferir da adjudicação direta apenas na forma, mas é assim quedispõe a lei, talvez pelo desejo de combater a força da inércia, que poderia conduzir oadministrador à preferência sistemática pelos habituais fornecedores, em detrimento damodernização do Serviço Público com equipamentos industriais de tecnologia mais avançada.

12. A Assistência Técnica

68. No contexto da representação comercial cabe o exame da chamada assistência técnica,que juridicamente se situa a meio caminho entre a representação comercial e a prestação deserviços especializados.

69. Figura largamente difundida, consiste a assistência técnica na direta instalação, pelasindústrias de bens duráveis, de departamentos destinados a prestação de serviços e à venda depeças.

70. Veículos automotores, aparelhos elétricos e eletrônicos, máquinas, elevadores,equipamento hidráulico — em suma, material permanente de um modo geral não se vende hojesem a indispensável assistência técnica gratuita na duração da garantia, e onerosa,subseqüentemente.

71. Apregoa esse tipo de assistência a vantagem da mão-de-obra especializada em estágiosnos próprios parques fabris e, bem assim, a venda e emprego, nos consertos, de peças originais.Não raro, contudo, é prestada tal assistência de modo mais precário, à base do mero credencia-mento de um ou mais representantes em cada praça; havendo mesmo casos de uma só oficinaresponder pela assistência a algumas marcas diversas.

72. Os benefícios daí advindos são às vezes contrabalançados pelo alto custo doatendimento, o que é, até certo ponto, razoável.

73. Interessa ao nosso estudo a possibilidade de dispensa de licitação para o uso dessesserviços especializados. Será este um caso de notória especialização? Aqui, julgamos que aresposta se acha na combinação de dois critérios: o da especialização e o da exclusividade.Sendo exclusiva a assistência técnica, dispensável será a concorrência. Havendo na praça maisde um representante, impõe-se a licitação entre eles.

13. Formalização do Ato de Dispensa

74. Resta ferir um último aspecto, nem por isso menos relevante. Em linha de princípio, alicitação é meramente dispensável, não se achando o administrador vinculado a dela prescindir.Somente alguns casos, como no de exclusividade ou no da aquisição de objetos históricos ouartísticos, a concorrência parece impossível. Noutros, como nas emergências e nas compras,obras e serviços de pequeno valor, em que se afigura claramente inconveniente, cabe àautoridade — diante das circunstâncias do caso concreto — outorgar ou não a dispensa,discricionariamente.

75. Preciso será, portanto, ato formal, em que, conforme o caso, se comprove que asituação concreta corresponde à hipótese legal de dispensa ou em que, quando evidente oimplemento da condição, seja ao menos indicado o fundamento da não realização daconcorrência.

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76. Tratando-se de ato de exceção não pensamos haver lugar para a dispensa tácita.

IV — CONCLUSÕES

77. Segue-se a súmula das proposições sustentadas no presente trabalho e que oraoferecemos à consideração do VIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil:

1ª) Não obstante discutida a incidência compulsória do esquema federal de concorrênciasno âmbito estadual e municipal, o acatamento ao princípio da licitação era ainda assim cogenteao tempo da Constituição de 1967, em sua versão original.

2ª) Com o advento do E. C. n.º 1/69 — que inseriu na competência legislativa da União (art.8º, XVII, c) a edição de "normas gerais sobre a gestão patrimonial de natureza pública" — ficousendo no mínimo contestável afirmar contrária ao espírito constitucional a norma na Lei n.º5.456/68, que manda aplicar às unidades infra-estatais o regime das licitações estabelecido noDecreto-lei n.º 200/67.

3ª) Perante o direito positivo brasileiro, regem-se pelo princípio da licitação os negóciosrealizados pelo Poder Público.

4ª) Somente nos casos expressamente discriminados no § 2º do art. 126 do Decreto-lei n.º200/67, a licitação se faz dispensável; e, em regra, depende de ato formal, que comproveenquadrar-se a situação concreta na hipótese da lei ou que, quando de si evidente o implementode condição, ao menos indique o fundamento jurídico da dispensa.

5ª) A exegese das regras de licitação obedece preferencialmente a critérios teleológicos,orientados pelo interesse público, que é, ao mesmo tempo, a causa de exigir ou a de postergar aconcorrência.

6ª) Por contemplar predicados demasiado abstratos, insusceptíveis de avaliação objetiva, acontratação de serviços intuitu personae não se pode pautar, o mais das vezes, por critérioscomparativos uniformes.

7ª) Engloba a noção de especialização notória duas idéias distintas: a) a de "serviço inéditoou incomum capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade quese não possa medir pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação"(cf. Súmula 39 do TCU) ; e b) a de notoriedade profissional, reconhecível àqueles que alcancemstatus exponencial em qualquer ofício ou profissão, ainda que corriqueiro.

8ª.) A aprovação expressa ou tácita dos atos sujeitos ao controle das Cortes de Contasdepende de induvidosa convicção acerca da sua legitimidade; daí, ser necessário que aprivilegiada habilitação do co-contratante, quando inédito ou incomum o serviço, ou que suanotoriedade profissional, quando comum, sejam objeto de circunstanciada exposição justificativa,produzida pela autoridade que dispense o pregão.

9ª) Visando a licitação à escolha da proposta economicamente mais vantajosa, e nãoapenas à de menor custo financeiro, é teoricamente possível assentar-lhe o julgamento emcritérios relativamente discricionários, contanto que claramente expostos no edital. Requerer-se-á,também nesse caso, a exposição fundamentada das razões da preferência.

10ª) Só há cogitar de "notória especialização" como fator de dispensa de concorrênciaquando se tratar de contratação de serviços, e de nada mais. Nem mesmo as obras se incluemnessa autorização excepcional de adjudicação direta.

11ª) A bem da economia de custos no serviço público, urge fortalecer, na práticaadministrativa brasileiro, o instituto de concurso de projetos.

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12ª) Cabe o ajuste direto para compras feitas na fonte produtora, mediante prova deexclusividade. Do representante comercial exclusivo há de exigir-se a comprovação darepresentação privativa de um produto sem similares. Caso contrário, impõe-se a licitação.

13ª) A exclusividade de marca não autoriza o Poder Público a preterir a concorrência.Embora não forneçam suporte legal para a livre adjudicação, a eficiência ou o rendimento de umproduto ou a padronização de equipamentos podem ser estipulados no edital de licitação comoíndice de preferência na seleção da proposta mais vantajosa.

14ª) A assistência técnica especializada pode se contratada livre-mente, desde que, napraça, seja exclusiva.

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O CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOSPELO TRIBUNAL DE CONTAS

ROBERTO ROSAS(*)

SUMÁRIO1) Controle do ato administrativo.2) Poder concedido ao Judiciário e ao Tribunal de Contas.3) O julgamento da legalidade do ato.4) Medidas extremas a serem tomadas pelo Tribunal deContas: a representação por inconstitucionalidade; omandado de segurança; a apreciação daconstitucionalidade do ato.5) Alcance do exame Conformidade com o Direito. Oprincipio da legalidade.6) Conseqüências da ilegalidade do ato.7) Ato administrativo vinculado e controle externo.8) Conclusões.

1. Não divagaremos sobre o significado do controle do ato administrativo tãosoberbamente ensinado por Soabra Fagundes em seu "O Controle dos AtosAdministrativos pelo Poder Judiciário".

2. Esse controle além de feito pelo Poder Judiciário, poderá ser feito peloTribunal de Contas como demonstraremos.

A Constituição Federal é expressa ao afirmar a competência do Tribunal deContas quando se verificar a ilegalidade de qualquer despesa (art. 72, § 5º) e ojulgamento da legalidade das concessões iniciais de aposentadoria (art. 72, § 8º).

Enfim, a Carta Magna deu ao Tribunal de Contas o exame da legalidade doato administrativo submetido a seu crivo.

3. O ato administrativo apreciado pelo Tribunal de Contas é ato complexo,isto é, aquele que se concretiza com a manifestação da vontade de mais de umórgão do Estado. Ele existe pela ação desses órgãos para a sua validade. É naexpressão de André de Laubadêre aquele ato que comporta fases sucessivas dasquais participam autoridades administrativas diferentes (Traité Elementaire, 1953,pág. 167).

Por isso, já o Congresso de Tribunais de Contas realizado em 1960 na Bahiapreconizou que o ato aprovado pelo Tribunal de Contas não podia ser desfeitounilateralmente pela administração.

(*)Procurador do TCDF.

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Castro Nunes, na judicatura suprema, votara nesse sentido, considerando oTribunal de Contas sobranceiro à própria administração (RDA 7/212).

Também Nelson Hungria frisara: julgar da legalidade não é apenas apreciara regularidade formal do ato administrativo, é julgar de todas as condiçõesintrínsecas e extrínsecas da sua legalidade (Ver R.T. 275/25).

Idem na opinião de Hahneman Guimarães contra a revogação unilateral peloGoverno (R.F. 191/96). Mais recentemente decidiu a Egrégia Corte:

"A aprovação da aposentadoria do servidor da União pelo Tribunal de Contasnão compõe, não integra o ato que a tenha outorgado, senão que apenas adeclara legítima para efeito executório. Conseqüentemente, a revogação ouanulamento desse ato tem sua eficácia condicionada à aprovação do mesmoTribunal" (Mandado de Segurança n.º 19.875).

Tanto a decisão do Tribunal de Contas é o ápice do ato administrativocomplexo que o Supremo Tribunal decidiu:

"Aposentadoria de servidor público.Anulação antes do seu registro no Tribunal de Contas. Tratando-se de atocomplexo, sujeito a registro no Tribunal de Contas, poderia seu firmatórioanulá-lo, porque ilegal, nos termos da Súmula n.º 273" (Mandado de Segurançan.º 19.861).

4. A atividade controladora do Tribunal de Contas pode chegar àRepresentação ao Procurador Geral da República, como ocorreu com aRepresentação n.º 908 (R.T.J. 69/21) onde Tribunal de Contas Estadual argüiu ainconstitucionalidade de lei local referente a prazo para aposentadoria.

O Tribunal de Contas tem legitimidade para impetrar mandado de segurançaem defesa do exercício da função deferida à Corte (R.T.J. 69/479). E partelegítima ativamente, como o é o Tribunal de Contas passivamente por forçaconstitucional, quando se atribui ao STF competência para o julgamento domandado de segurança contra o TCU (art. 119, I, i).

Segundo a Súmula n.º 347 do Supremo Tribunal os Tribunais de Contaspodem apreciar a constitucionalidade dos atos públicos. Significa alto poderconferido às Cortes.

Com isso, a Corte examina a legalidade maior, isto é, o aspectoconstitucional do ato público submetido a seu crivo.

Qualquer provimento do Tribunal de Contas não pode ser reexaminado peloPoder Judiciário, a menos que seja exame de violação de direito. Essepronunciamento está na faixa da independência dos poderes como frisoudecisão do Supremo Tribunal (Mandado de Segurança n.º 19.889R.T.J. 59/643).

Ao Poder Judiciário não cabe rever as contas ou apurar esse alcance,segundo tradicional orientação apoiada em Castro Nunes (R.T.J. 3/480).

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5. Ao Tribunal de Contas, como ao judiciário, não é lícito pronunciar-se sobreo mérito administrativo. Da conveniência e oportunidade diz a administração.Mesmo assim o mérito deve ter apoio legal.

O Tribunal de Contas examina se o ato está conforme o Direito. Entãoverifica o princípio da legalidade. Esta foi uma das recomendações do VIICongresso de Tribunais de Contas realizado em Belém. Ampliou mais, quandorecomendou aos Tribunais de Contas o exame das decisões sobre os atosadministrativos dos quais não decorram contas, mas que possam afetar osbalanços gerais, alterando seus resultados.

6. Este exame é exercido de forma o cabal desempenho das atividades dafiscalização financeira. Por isso, o Decreto-lei n.º 200 impõe à autoridade quecertifica a regularidade das contas, providências indispensáveis para resguardar ointeresse público e a probidade na aplicação dos dinheiros públicos, dos quaisdará ciência oportunamente ao Tribunal de Contas (§ 2º do art. 82). As autoridadeadministrativas também deverão tomar imediatas providências para assegurar orespectivo ressarcimento, fazendo as comunicações ao Tribunal de Contas (art.84). Ora, a atuação do Tribunal de Contas é muito importante ao fixar os limitesdo alcance, porque ao Poder judiciário não cabe rever as contas ou apurar oalcance.

A Administração Pública deve pautar seus atos dentro dos parâmetros dalegalidade. Do mesmo modo, o Tribunal de Contas representará ao PoderExecutivo e ao Congresso Nacional sobre irregularidades verificadas (art. 72, § 4º,da Constituição). Assim, o Tribunal de Contas não pode ficar inerte, impassíveldiante das ilegalidades que porventura verifique.

O Ato Complementar n.º 42, de 27-1-1969, dispôs sobre o enriquecimentoilícito resultante de vantagem ou benefício auferido ilicitamente, bem como adeclaração falsa em medição de serviços de construção de, estradas ou de obraspúblicas executadas por empreiteiros; o fornecimento ou a emissão dedocumentos graciosos ou a alteração de despesas.

Quis expressamente indicar casos onde o Tribunal de Contas atua na suacompetência. Ele se encontra próximo aos fatos. Também a Lei da Ação Popular(Lei n.º 4.717, de 29-6-1965) tratou da nulidade dos atos ou contratos naempreitada, tarefa ou concessão de serviço público quando o respectivo contratohouver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, comprae venda de bens com desobediência a normas legais, regulamentares ouconstantes de instruções gerais ou o preço de compra dos bens for superior aocorrente no mercado. Em amostragem, os dados legais comprobatórios daaproximação do Tribunal de Contas com a legalidade do ato administrativo.

Diante dessas características o Decreto-lei n.º 199 de ao Tribunal de Contasda União importante poder:

"Sempre que o Tribunal, no exercício do controle financeiro e orçamentário ecm conseqüência de irregularidades nas contas de dinheiro arrecadado oudespendido, verificar a configuração de alcance, determinará à autoridadeadministrativa providências no sentido de saná-la, podendo, também, mandar

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proceder ao imediato levantamento das contas, para a apuração dos fatos eidentificação dos responsáveis"

O Tribunal de Contas não pode ficar inerme. De nada adiantará a suamissão constitucional sem atuar nas conseqüências. Ele deve impor àadministração, a correção de seu ato eivado de ilegalidade, sanando airregularidade, ou até anulando seu próprio ato, quando atacado de vício que otome ilegal, como lhe faculta a Súmula n° 473 do Supremo Tribunal Federal.

Já ocorreu caso idêntico apreciado pela Excelsa Corte. O Tribunal de Contasdo Município de São Paulo julgou ilegal a aposentadoria, determinando aanulação do título. O Secretário da Pasta do Município determinou a anulação doato, e os pronunciamentos judiciais consideraram as decisões dos Tribunais deContas como obrigatórias para os órgãos da administração (RecursoExtraordinário n.º 74.663 — in Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federaln.º 1/266).

7. No ato administrativo vinculado a característica principal reside naobediência aos requisitos especificados na lei que o rege. Assim devemos cotejarna legislação brasileira sobre o ato administrativo dimanado da execuçãoorçamentária.

O Decreto-lei n° 200, sede ampla da organização administrativa brasileira,impõe a ação governamental sob planejamento que vise a promover odesenvolvimento econômico-social do País, dirigido segundo planos e programasatravés de instrumentos básicos, entre eles, o orçamento-programa anual e aprogramação financeira de desembolso (art. 79). O orçamento-programapormenorizará a etapa do programa plurianual a ser realizada no exercícioseguinte e que servirá de roteiro à execução coordenada do programa anual, e aprogramação financeira de desembolso assegurará a liberação automática eoportuna dos recursos necessários à execução dos programas anuais detrabalho. Logo, estamos examinando como nasce a organização administrativadentro dos parâmetros do planejamento. Em conseqüência, toda atividade deveráajustar-se à programação governamental e ao orçamento-programa, e oscompromissos financeiros só poderão ser assumidos em consonância com aprogramação financeira de desembolso, di-lo o art. 18 do Decreto-lei n° 200.

Então, qualquer ato administrativo decorrente da execução orçamentáriaestá vinculado aos princípios legais impostos pela Reforma Administrativa e pelaLei n.º 4.320 em relação às normas gerais de Direito Financeiro. Esta afirma que ocontrole da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivoverificar a probidade da administração, a guarda e legal emprego dos dinheirospúblicos e o cumprimento da lei orçamentária. Outra não foi a missãoconstitucional dada ao Tribunal de Contas, senão o desempenho das funções deauditoria financeira e orçamentária, bem como o julgamento das contas dosadministradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, na condiçãode auxiliar do Poder Legislativo (art. 70, § 1º).

8. CONCLUSÕES

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1º) O controle dos atos administrativos também cabe ao Tribunal de Contasno âmbito de sua competência.

2º) O controle do ato administrativo engloba o exame da competência e dalegalidade.

3º) A legalidade é um dos mais importantes requisitos para a validade do atoadministrativo.

4ª) O Tribunal de Contas deve exercer o controle da legalidade do atoadministrativo de forma a compelir a Administração a corrigir a possívelilegalidade.

5°) Várias medidas poderão ser tomadas pelo Tribunal de Contas nocontrole da legalidade: argüição da inconstitucionalidade, mandado de segurançadefendendo a função da Corte.

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II. - VOTO E PARECERES

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DOAÇÃO DE BENS INSERVÍVEIS PORFUNDAÇÃO

Conselheiro-Substituto: JESUS DAPAIXÃO REIS

Nos presentes autos, consulta o Exmo. Sr. Secretário de Agricultura eProdução sobre a legalidade da doação de máquinas inservíveis pelo GDF àFundação Zoobotânica do Distrito Federal, para que, vendendo-as na forma dalei, possa a entidade descentralizada obter recursos para dar entrada naaquisição de novos conjuntos mecanizados, com os quais continuará a prestarassistência aos agricultores e pecuaristas do Distrito Federal.

O ilustre consulente, em virtude de sua condição de Secretário de Agriculturae Produção, é também o Presidente da Fundação Zoobotânica do Distrito Federal.

A consulta vem instruída com Parecer do órgão jurídico do entedescentralizado, onde se declara não ter sido encontrado "dispositivo legal queampara especificamente a pretensão bem como qualquer norma que o proíba".

Buscou-se, por isso, resolver o problema com amparo no Decreto n.º 21.063,de 19-2-32, que "Regula a forma de cessão e permuta de material velho ouinservível e dá outras providências", e no Decreto-lei n.º 9.760, de 5-9-46, que"Dispõe sobre os bens imóveis da União".

Nas bem lançadas informações prestadas pelos serviços auxiliares desteTribunal, invocou-se o Decreto-lei n.º 200/64, no dispositivo sobre alienação deimóveis (art. 195 e seu parágrafo único). Procurou-se, ainda, arrimo no Títuloreferente a licitações, do mesmo diploma legal.

Se se quisesse catar mais subsídios na legislação sobre imóveis federais,encontrar-se-ia ainda o Decreto-lei n.º 178, de 16-2-67, de onde também seextrairiam princípios conducentes a uma resposta favorável.

A legislação federal referente a doação de bens imóveis afigura-se-me,entretanto, inestendível ao Distrito Federal, porque temos normas próprias, maisseveros:

"O disposto neste artigo não se aplica às alienações o título gratuito, quedeverão ser precedidos de lei especial." (Decreto-lei n.º 5.721, de 26-10-71,art. 2°, parágrafo único. )

O vetusto R.G.C.P. contém mandamento que se prestaria a uma soluçãopara o caso:

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"Os bens mobiliários da União, que se deteriorarem e tomarem imprestáveis,serão alienados e o produto recolhido aos cofres públicos, como receita, salvocaso de haver sido, em preceito de lei, autorizada ou decretada outra aplicaçãoao produto da venda." (art. 840.)

Na conformidade desse dispositivo, a resposta só poderia ser negativa.

Trata-se, todavia, na espécie, de entidade integrante do ComplexoAdministrativo do Distrito Federal — órgão da administração descentralizada —que, embora revestindo a forma de pessoa jurídica de direito privado, possuinatureza pública e não passa de mero auxiliar da Administração Direta, narealização dos fins desta.

2. O douto Procurador deste Tribunal, Dr. LINCOLN TEIXEIRA MENDESPINTO DA LUZ, em erudito Parecer exarado no Processo n.º 291/7-STC, depoisde minuciosa pesquisa em leis e decretos, chegou a seguras conclusões sobre anatureza das fundações do Distrito Federal. Essas conclusões, aprovadas peloTribunal, facilitam a solução do caso focalizado na Consulta.

Com o vênia do ilustre Autor, transcrevo do aludido trabalho os excertosque a seguir se lêem:

"29. Cabe a essas entidades (fundações) a execução de tarefas das mais típicasdo Poder Estatal, como sejam assistência médica, educacional, cultural e social.E, o que é mais importante, não se limitam a coadjuvar o Governo nessasatividades. Ao contrário, respondem, de forma principal e às vezes exclusiva,por toda a parte executória, ficando aos órgãos da Administração Direta apenaso planejamento e a supervisão.39. Os decretos citados — pequena mostra de uma quantidade de atossemelhantes — revelam a constante e variada forma porque se manifesta aintervenção do Poder Público na administração do pessoal das Fundações doDistrito: fixando a remuneração dos membros de seus órgãos internos, inclusivedos Conselhos Deliberativo e Fiscal; estabelecendo normas gerais, critérios deadmissão e remuneração de seus empregados, ou, até, proibindotemporariamente tal admissão.40. Neste passo, creio suficientes os exemplos acima. no primeiro, submete-se aaquisição de mataria para as Fundações no regime de licitação de preçosvigorantes para a administração Pública; no segundo, faz-se depender adispensa de licitação de prévia autorização, não do Presidente da entidadepretensa-mente autônoma e particular, mas do próprio Chefe do Executivo doDistrito Federal.41. No que respeita a administração financeira e orçamentária, a ingerência doPoder Público vai da fase do planejamento à de execução, isso sem falar nasupervisão exercida pela Secretaria a que a Fundação se acha ligada e noscontroles internos da Secretaria de Finanças e externa do Tribunal de Contas doDistrito Federal.45. Abonam, outrossim, a índole pública dessas pessoas jurídicas os arts. 18, I,e 30, I, da Lei reguladora do Sistema Tributário do Distrito Federal (Decreto-lein° 82, de 26 de dezembro de 1965), os quais lhes concedem tratamento fiscal

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privilegiado, isentando-se do pagamento do imposto predial e territorial urbanosobre "imóveis utilizados nos seus próprios serviços" e do imposto detransmissão relativo "às aquisições de imóveis destinados às suas finalidades".48. Ligeiro apanhado a que procedi no orçamento para o exercício em curso,permitiu-me verificar que as cinco fundações do Distrito recebem, em média,dos cofres públicos, 78,2% de seus recursos..."49. A análise da legislação que disciplina as atividades das fundações locaisrevela, assim, o elevado grau de dependência desses entes para com o PoderPúblico. Seja qual for o aspecto focalizado — normativo, programático,funcional, administrativo, econômico-financeiro ou fiscal — notar-se-ão, àprimeira vista, os múltiplos e estreitos laços de subordinação que os prendem àAdministração Distrital.50. Ficou-me até a impressão de não ser possível encontrar, em qualquerquadrante da Administração Pública brasileira, outras entidadesdescentralizadas com mais baixo índice de autonomia.51. Impondo, pois, concluir que as fundações do Distrito a despeito deformalmente revestida de personalidade jurídica de direito privado, possueminequívoca natureza pública."

3. Cumpre ressaltar que, ao transferir para a propriedade da FZDFdeterminadas máquinas agrícolas, não está o Distrito Federal a praticarliberalidade, no interesse da donatária. Pelo contrário, constituindo a maquinaria,corno já esclarecido, material inservível, destinado à alienação, para que, com onumerário assim obtido, se o possa dar entrada na aquisição de novas máquinas,para substituir as antigas na prestação de assistência aos agricultores epecuaristas do Distrito Federal, a pretendida doação seria ato praticado nointeresse do suposto doador, que apenas estaria a transferir à donatáriaatribuições que àquela incumbiriam.

4. Detenho-me por aqui, assoberbado que me encontro por numerososdoadores e premido pela escassez de tempo, em virtude do caráter de urgênciaimprimido à matéria.

5. As razões apressadamente deduzidas parecem autorizar-me a sugerir aoEgrégio Plenário que, tomando conhecimento da Consulta, responda ao Exmo.Sr. Secretário de Agricultura e Produção, que a maquinaria, considerada materialinservível, pode ser cedida à FZDF, de acordo com o Decreto n.º 21.063, de 19-2-32, na modalidade mais fiel às peculiaridades do caso concreto, uma vez que háinteresse público suficientemente demonstrado. O ato deve ser precedido deautorização do Exmo. Sr. Governador, observando-se, ainda, o parágrafo únicodo art. 41 do Decreto n° 1.703/71.

Nesse sentido, é o meu voto.

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PROCESSO N.° 1.384/75 — STC

Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLOCASTELLO BRANCO

EMENTAReclamação trabalhista contra o Tribunal de Contas do DF.1. Legitimatio ad causam passiva do Tribunal de Contaspara responder à ação movida por empregado regido pelaConsolidação das Leis do Trabalho.2. Competência da Justiça do Trabalho para conhecer ejulgar ação, pois somente à União, autarquias e empresaspúblicas federais concedeu a Constituição foro privilegiadopara julgamento de litígios decorrentes das relações detrabalho com seus servidores (art. 110).

PARECER

Solicita o Tribunal o parecer deste Ministério Público sobre notificação quelhe faz a 3? Junta de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho para quecompareça à audiência relativa à reclamação proposta por seus ex-empregadosJosé Duarte Londe e Sebastião Alves dos Santos, visando ao recebimento dehoras extraordinárias.

2. Não me cabendo dizer sobre o mérito do pedido, presumo que o parecersolicitado objetive apenas esclarecer questões processuais atinentes àcapacidade da Corte de ser parte e de estar em juízo e à competência da Justiçado Trabalho para conhecer e julgar a ação proposta.

3. Quanto ao primeiro tema, dir-se-ia que, não sendo o Tribunal pessoafísica nem jurídica, não poderia ser nominalmente demandado, uma vez que acapacidade de ser parte está intimamente ligada à noção de personalidade. Ademanda deveria, então, ser proposta diretamente contra o Distrito Federal.

4. Ora, não só a pessoa física ou jurídica pode demandar ou serdemandado. Como acentua José Frederico Marques, citando Lopes da Costa,ainda pode ser parte em juízo "a pluralidade de pessoas, as massas patrimoniaisa que a lei trata, no processo, como se fossem pessoas jurídicas, embora taisrealmente não sejam". "F o que se dá com a massa falida, a herança, a herançajacente ou vacante, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil" (JoséFred. Marques, Inst. de Dir. Proc. Civil, Vol. II, pág. 171, Forense, 1958).

5. Victor Nunes Leal, em trabalho intitulado "Personalidade Judiciária dasCâmaras Municipais" (in Problemas de Direito Público, págs. 424 a 430), também

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acentua que nem sempre há coincidência entre a capacidade de ser parte e oreconhecimento da qualidade de pessoa, tal como definida pelo Código Civil, poisnem sempre a personalidade jurídica é indispensável à personalidade judiciária, oque se confirma, aliás, em mais de uma oportunidade do nosso direito positivo.

6. Transcreve uma enumeração apenas exemplificativa de Pontes deMiranda, que diz:

"Tem capacidade de ser parte: a) todos os homens, inclusive o nascituro; b) oEstado do Brasil; c) os Estados estrangeiros; d) as sociedades irregularesenquanto duram os seus negócios (não enquanto não se lhes partilhem os bens);e) as sociedades, antes da atividade social, mesmo antes da assembléia defundação; f) as sociedades estrangeiras por ações, ainda que não tenhamagências no Brasil; g) as comissões de exposição ou de caridade, porém não asorganizadas na intimidade ou por confiança afetiva dos membros; h) se ascomissões ou "comitês" têm presidente, ele ou os membros podem ser partesconforme a escritura da união impersonalizada, marcada por estatutos, atos,prospectos, publicações ou rascunhos."

E prossegue:

“Devemos, aliás, estar prevenidos contra a tendência de transpor os esquemasdo direito privado para o direito processual, pois a autonomia deste o leva aconstruir conceitos peculiares, cuja validade está adstrita ao domínio doprocesso."

7. Cita, ainda, como partes desprovidas de personalidade jurídica, oMinistério Público quando atua como parte funcionando como órgão dasociedade, ou o juiz, quando recorre ex offício, quando suscita conflito dejurisdição ou quando se impetra mandado de segurança contra ato seu.

8. Com a clarividência que lhe é peculiar, diz noutro tópico o grande jurista:

"Entendemos, porém, que é irrelevante o problema de saber se as CâmarasMunicipais têm ou não têm personalidade jurídica de direito público. O queimporta é que elas têm direitos. Também o nascituro não possui personalidade(Cód. Civil, artigo 4) e, não obstante, tem capacidade para adquirir portestamento (Código Civil, art. 1.718)... Tais dificuldades criam muitosembaraços aos juristas, que costumam pairar no plano da lógica, quando odireito, conforme acentuou o Prof. Carlos Campos, é uma técnica de proteçãode interesses humanos. Quando esses interesses se desenvolvem fora das regrasdo jogo e o direito lhes acompanha os passos, ficam atrapalhados os juristas,mas acabam construindo novos esquemas ainda que desajeitados, porque suafunção é servir à vida e não às fórmulas."

9. No caso em exame, será absurdo admitir-se que o Tribunal possa, pelaautonomia de que goza, contratar empregados, pagar-lhes salários, dirigir-lhes aprestação de serviço, demiti-los e talvez até sonegar-lhes direitos e não possa,por si só, ser parte em processo, ativa ou passivamente. Além do mais, nenhumdos advogados do Distrito Federal estaria tão bem informado sobre os fatosargüidos quanto os servidores da Corte a quem estão afetas as questões do seupessoal.

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10. Tenho, pois, como segura a legitimatio ad causam passiva do Tribunal.Competindo ao Presidente dirigi-lo e representá-lo, nos termos do art. 12 doRegimento Interno, a ele caberá designar, para a audiência marcada, seupreposto, conforme permissão do art. 843, parágrafo único, da Consolidação dasLeis do Trabalho:

"Ë facultado ao empregador fazer-se substituir pelo Gerente ou qualqueroutro preposto que tenha conhecimento do fato e cujas declarações obrigarão opreponente."

11. Dúvida não tenho quanto à competência da Justiça do Trabalho paraconhecer e julgar a matéria. Justiça federal e especializada, decorre essacompetência da Constituição:

"Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídiosindividuais e coletivos entre empregados e emprega-dores e, mediante lei,outras controvérsias oriundas de relação de trabalho."

12. Exceções à regra geral vêm no próprio texto constitucional: no parágrafosegundo do artigo citado, que afirma serem da competência da justiça origináriados Estados, do Distrito Federal ou dos Territórios os litígios relativos a acidentesdo trabalho, e no art. 110:

"Art. 110. Os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com aUnião, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais, qualquer queseja o seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os juízesfederais, devendo ser interposto recurso, se couber, para o Tribunal Federal deRe-curso."

13. Em 3 de dezembro de 1970, a Lei n.º 5.638 veio disciplinar o julga-mentodesses litígios.

14. Se, pois a Constituição não deu privilégio de foro ao Distrito Federal nemaos Estados, para as questões resultantes das relações de trabalho, mesmorejeitada a capacidade judiciária do Tribunal de Contas, a competência continuariacom a Justiça do Trabalho.

15. Em conclusão, sou de parecer que o Tribunal deve responder àreclamação, a partir da audiência de conciliação e julgamento, à qual deverácomparecer por seu Presidente ou por preposto por Sua Excelência devidamentedesignado.

_____________________________________Ata, 1.432.4 Sessão Ordinária, 16-9-75.— O Tribunal acolheu o parecer da Procuradoria.Parecer em 10-9-1975.

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PROCESSO N.° 490/73 (EM APENSO O DE N.°52/75)

Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLOCASTELLO BRANCO

EMENTAAposentadoria por invalidez de servidor que responde aprocesso administrativo.1. Sustação indevida do processo da aposentadoria.2. A submissão de funcionário a processo administrativonão lhe pode impedir a aposentadoria, nem mesmo avoluntária.3. A vedação estatutária é a de ser concedida exoneração,a pedido, de servidor que se encontre naquela situação (art.231) .4. Verificada a prática de falta grave no exercício de cargoou função pública, poderá ser cassada a aposentadoria, nostermos do art, 212, I, do Estatuto.5. Limites da competência e atuação dos Tribunais deContas no julgamento dos processos de aposentadoria.6. Os Tribunais de Contas não são fiscais do poderdisciplinar das autoridades adminitrativas, exceto quandoesse poder tenha de ser exercido em virtude de desvios debens e dinheiros públicos ou de desrespeito às normas dedireito financeiro e orçamentário.7. A aposentadoria sob exame só foi decretada depois dearquivado o processo disciplinar, por prescrição da penaque poderia ter sido aplicada. a de suspensão até 90 dias.8. Legalidade do ato de aposentadoria e dos proventosatribuídos ao inativo.

PARECER

Veio à deliberação do Tribunal decreto de 23 de janeiro de 1970, pelo qual oGovernador do Distrito Federal aposentava, ex officio, funcionário do Quadro dePessoal Civil da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, nos termosdos arts. 342, III, 343, III, e 348 do Decreto-lei n.º 59.310, de 23 de setembro de1966.

2. O laudo médico que dera início ao procedimento da Administração vieraem cópia autêntica, atestando cardiopatia grave e incapacidade absoluta para otrabalho, e na contagem de serviço deixam de ser computadas as licençasmédicas concedidas ao servidor. Constava do processo que o seu andamentohavia sido sustado porque o funcionário estivera respondendo a inquérito

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administrativo, arquivado por decisão do Conselho Superior de Polícia, conformepublicação no boletim de 11 de junho de 1968 (fls.26).

3. Submetida a matéria a exame desta Procuradoria, o ilustre Dr.Hermenegildo Gonçalves opinou por diligência para que se juntasse ao processoo original do laudo médico, para fazer-se a correção do tempo de serviço e paraque se fornecesse informação mais precisa sobre o aludido inquéritoadministrativo (fls. 49).

4. À primeira parte da diligência atendeu-se com o esclarecimento de que, àépoca em que o servidor fora considerado incapaz para o serviço público — 5 dejulho de 1966 — os laudos médicos do Instituto de Medicina Legal eram passadosem livro próprio e assinados pelos membros da

junta examinadora, extraindo-se do livro as cópias autênticas necessárias.Restava, pois, para atender à exigência do Plenário, proceder-se a novo examedo inativo, o que foi feito, expedindo-se novo laudo (fls. 56 e 58), em 2 de abril de1974.

5. Procedeu-se à correção do tempo de serviço, mas nada se acrescentouao que já constava sobre o inquérito administrativo.

6. Renovada a diligência com vistas ao resultado do inquérito, veio ainformação de fl. 72, na qual se elucidava que fora instaurado com base em ofícioda Primeira Vara Criminal dando conta de declarações feitas por um menor, queacusava o servidor de ter com ele praticado atos libidinosos. O inquérito tiveraandamento normal, sabre ele se haviam pronunciado vários Procuradores e oparecer final do então Procurador-Geral da Prefeitura, em 28 de fevereiro de1967, concluíra pela aplicação da pena de 90 dias de suspensão. Em março de1967 o processo fora enviado à Divisão de Pessoal para informar a situação doservidor, e lá se soube que o Conselho Superior de Polícia opinara peloarquivamento do processo, por unanimidade, deduzindo o informante que adecisão teria sido motivada pelo fato de já se encontrar o servidor sob atestaçãode cardiopatia grave. (fls.72.)

7. Pareceu, então, ao meu douto colega que a Administração teria deixadoindevidamente de punir o servidor, por admitir que a doença de que foraacometido o desonerava de suas responsabilidades e o pusera a salvo dequalquer punição, e que o reexame da matéria, no momento em que esta Corte iajulgar da legalidade da aposentadoria, era de toda conveniência. Concluiupedindo que o Tribunal requisitasse os autos do inquérito administrativo e aomesmo tempo oficiasse à Corregedoria da Justiça do Distrito Federal solicitandocópia de folha penal do servidor para instruir o processo de aposentadoria (fls. 82e 83).

8. O parecer foi acatado pelo Tribunal e, em conseqüência, vieram aoprocesso o documento de 11.90 e os autos do inquérito administrativo (Processon.º 52/75, em anexo).

9. O inusitado da situação criada no caso sob exame sugere-me anecessidade de situar adequadamente os limites da competência e atuação dos

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Tribunais de Contas no exame e julgamento dos processos de aposentadoria.Esse julgamento envolve dois atos jurídicos distintos, embora intimamenteinterligados: a legalidade da concessão ou declaração da aposentadoria, quantoao seu suporte fáctico, e a fixação dos proventos que couberem ao inativo. Em setratando de ato fundamentado em legislação de exceção, o julgamento restringe-se apenas à fixação dos proventos.

10. Na aposentadoria por invalidez cabe à Corte verificar se o atodeclaratório está lastreado em laudo emitido por Junta Médica Oficial que declarea natureza da doença — no caso de ser especificada em lei, de haver resultadode acidente em serviço ou de ter sido contraída no exercício da profissão (art. 100da Lei n.º 1.711/52, art. 217 do Decreto n° 59.310/66 e art. 6º do Decreto n.º1.320, de 3-4-70) — e que ateste a incapacidade absoluta do funcionário para oserviço público. Na invalidez decorrente de acidente em serviço, faz-se necessáriaa prova do fato, mediante processo especial, e a doença profissional serárigorosamente caracterizada no laudo médico, nos termos do art. 178, §§ 3º e 4º,da Lei n.º 1.711/52.

11. A prova hábil da idade-limite de permanência no serviço público seráindispensável à aposentadoria compulsória, e certidão comprobatória do tempo deserviço exigido em lei geral ou especial é o pressuposto da aposentadoriavoluntária. À vista desses elementos, não poderá a autoridade administrativadeixar de declarar ou conceder a aposentadoria.

12. Nos casos de aposentadoria compulsória e por invalidez, cabe à Seçãode Pessoal c à Divisão de Pessoal, respectivamente, a iniciativa de instaurar oprocesso na data do implemento da idade-limite ou no momento da atestação daincapacidade definitiva (art. 29, parágrafo único, do Decreto n.º 1.320, de 3-4-70,do Governo local).

13. E — cela ta sanas dixe — em qualquer das hipóteses, o ato terá de serbaixado pela autoridade competente.

14. A esses aspectos é que se tem de ater o Tribunal, quanto à causa daaposentadoria.

15. O julgamento dos proventos comporta o exame do tempo de ser-viço,das vantagens pessoais que devam compor o estipêndio do inativo — tais comogratificações pro labore facto, por exercício de função policial, por tempo integral ededicação exclusiva — o vencimento do cargo no dia anterior ao da decretaçãoda aposentadoria — e, nos casos de invalidez, a natureza da doença.

16. Finalmente, verificará a Corte se o processo foi instruído com osdocumentos necessários — ficha funcional do servidor, título de eleitor, certificadode reservista, certidão de nascimento ou casamento, declaração de bens, relaçãode dependentes, título de abono provisório, certidões de tempo de serviço — e setais documentos estão isentos de vícios ou de erros.

17. Havendo vícios, erros ou falta na documentação que deva produzirefeitos jurídicos sobre o ato em julgamento, nos dois aspectos já enunciados,deve o Tribunal converter o julgamento em diligencia para saneamento do vício ou

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erro ou apresentação do documento ausente. Pelo Ato n.º 4, de 13 de novembrode 1969, deste Tribunal, poderá ainda a Corte, nos casos em que os proventosultrapassarem em importância diminuta os que tiverem de ser fixados, julgardefinitivamente a aposentadoria e deter-minar que se faça, a posteriori, a correçãoque indicar.

18. O que não pode o Tribunal é deixar de julgar o ato de aposentadoriaquando se encontram no processo todos os elementos essenciais à instrução, ousobrestar o seu julgamento porque o funcionário esteja respondendo ou tenharespondido a inquérito administrativo, uma vez que esse fato não impede adecretação da aposentadoria, nem mesmo a voluntária. Ë o que consta daFormulação n.º 48, do DASP:

"O inquérito administrativo em curso não impede a aposentação do indiciado."Vale a pena transcrever o parecer referenciado na formulação, e proferido no

Processo n.º 1.580/67:

"O funcionário que responde a inquérito administrativo não pode ser obstadode se aposentar. Caso o inquérito apure falta disciplinar apenada com demissão,a aposentadoria será cassada.

A "falta grave", a que alude o art. 212, item I, do Estatuto dos Funcionários, ésomente aquela que a lei comine pena demissionária, não se confundindo, porconseguinte, com a "falta grave" de que trata o art. 205 do mesmo E.F.

PARECER

Em carta que dirigiu ao Senhor Diretor-Geral deste Departamento, Delfino daSilva Neto, residente em Timon, Estado do Maranhão, pergunta:a) se, pelo fato de estar respondendo a inquérito administrativo, o funcionárioque já tenha completado 35 anos de serviço ficará impossibilitado de requerer aaposentadoria; eb) se o inquérito que apure falta disciplinar apenada com repreensão oususpensão poderá implicar, na hipótese de pré-apresentação do indiciado, emcassação da aposentadoria.2. Segundo me parece, ambas as indagações merecem resposta negativa.3. O que o Estatuto proíbe é que o indiciado se exonere a pedido (art. 231), enão seria lícito estender-se, via de compreensão, uma restrição de direito, que,consoante os princípios, há que ser expressa e inequívoca.4. Acresce que, no caso da aposentadoria, o servidor não se subtraiinteiramente, como se exonerado fosse, ao poder punitivo da Administração, demodo que, se o inquérito apurar falta gravíssima, ensejadora de demissão, estapoderá decretar-se, ainda que sob a forma específica de cassação deaposentadoria.5. Reza, com efeito, o Estatuto dos Funcionários (art. 212, item I) que serácassada a aposentadoria se ficar provado que o inativo "praticou falta grave noexercício do cargo ou função."

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6. Falta grave, aí, esclareça-se, não tem o mesmo sentido da expressão utilizadano art. 205, eis que seria absurdo que a mesma falta que, em relação aofuncionário em atividade, implicaria apenas em suspensão, determinasse, emrelação ao inativo, urna verdadeira demissão, sob forma de cassação deaposentadoria.7. Tem-se, assim — e isto responde, igualmente, à segunda pergunta — queunicamente as faltas disciplinares apenadas com demissão implicam, se ofuncionário já se aposentou, em cassação de aposentadoria.Brasília, em 11 de abril de 1967. — Aloindo Noleto Rodrigues, AssistenteJurídico.De acordo. À consideração superior. Em 11 de abril de 1967. — Alberto daCruz Bonfim, Assistente Jurídico, Chefe da SRD. (In Formulações 1 a 100,DASP, 72, fls. 247 e 252/3)."

19. Ora, se nem mesmo a aposentadoria voluntária pode ser obstada porcausa de inquérito administrativo, que dizer da que deva ser promovida ex officio,por circunstância inteiramente fora do arbítrio do servidor?

20. Entendo, por isso, e data vertia do meu ilustre colega e do EgrégioPlenário, indevida a requisição do processo administrativo a que respondeu oinativo, ainda mais que constava já ter sido arquivado. Afinal, os Tribunais deContas não são fiscais do poder disciplinar das autoridades administrativas,exceto quando esse poder tenha de ser exercido em decorrência de violação denormas de administração financeira. E o Estatuto não apenas com a recusa deaposentadoria, como acentuado no parecer transcrito, funcionário indiciado porcrime ou falta grave. Cassa-lhe, sim, o benefício, nos precisos termos do artigo212, se ficar provado que o servidor praticou falta grave no exercício do cargo oufunção. Além disso havia já nos autos prova de obediência ao art. 217 doEstatuto.

21. O excesso de zelo com que agiu o Tribunal terá resultado, certa-mente,da ambigüidade da informação de fls. 72, citada no item 6 deste parecer, e dasmarchas e contra-marchas deste processo, mas a remessa do inquérito (Processon.º 52/75) teve o mérito de não deixar laivo de dúvida sobre a legalidade daaposentadoria decretada em 23 de janeiro de 1970.

22. Embora me pareça de todo desnecessário, em face da sustentação deque a submissão de servidor a inquérito administrativo não obsta a decretação deaposentadoria, passo a resumir o processo, nos seus principais aspectos, de tê-lolido todo e para espancar qualquer dúvida que possa ainda pairar no espírito dosmembros desta Egrégia Corte:

"Em 23 de julho de 1965, o então Diretor-Geral do DFSP, constituiu comissãopara instaurar processo administrativo contra o servidor, destinado a apurar suaresponsabilidade em fato de natureza grave que lhe tora imputado (fls. 17);Ouvidos os acusadores e várias testemunhas, a comissão, em 18-10-65, indiciouo servidor "como incurso nas penalidades do art. 207, alínea III, da Lei n.91.711/52".

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Notificado para defesa, o servidor requereu, em 20-10-65, depois de suasalegações, fosse submetido a inspeção de saúde, por não se encontrarfisicamente capacitado para se defender, em virtude de graves distúrbios deordem cardíaca, com reflexo em seu psiquismo (fl. 125).

Deferido o pedido, não foi realizada a inspeção de saúde por não se haverlocalizado o indiciado.

Exaurido o prazo concedido à comissão, foi essa dissolvida e nomeadaoutra, composta dos mesmos membros (fl. 133), para dar seguimento àsapurações.

Em 17 de dezembro de 1965, concluíram-se os trabalhos, e a comissãoentendeu que o indiciado, além de "incurso nas sanções do art. 207, inciso III, daLei n.º 1.711/52, o que ensejava sua demissão a bem do serviço público", deveriaser processado criminalmente por "incurso também no crime previsto no art. 218do Código Penal" (fl. 154).

Oficiando ao Juiz de Direito da ia Vara Criminal para saber se estava emcurso ação penal contra o servidor, o assistente jurídico do DFSP obteve comoresposta, em 21-1-66, que das declarações prestadas pelo menor J.A.L.F. nãoresultara qualquer procedimento penal, havendo apenas um expediente contendoditas declarações e que se encontrava com vistas ao Ministério Público (fl. 160).

Em 7 de março de 1967, o Diretor-Geral do DFSP enviou o processo aoMinistro da Justiça para que demitisse o servidor (fl. 171).

O Ministro da Justiça, em 27 de abril do mesmo ano, reine-teu o processo aoentão Presidente Plínio Catanhede para que S. Ex?, no uso de sua competência,decidisse conforme entendesse, por pertencer o funcionário ao Quadro dePessoal — Parte Permanente, da Polícia do Distrito Federal (fl. 177).

Encaminhados os autos à 4ª Subprocuradoria-Geral, recebeu parecer em21-10-66 onde se informava que por lá tramitara o Processo n° 32.442/66, sobre aaposentadoria do servidor, que dela não se poderia beneficiar, a menos queabsolvido, "dando-se pela improcedência" do inquérito. Requereu ainda o prolatordo parecer que a . Subprocuradoria-Geral se manifestasse quanto ao mérito daquestão e quanto à capitulação da falta no art. 207, III, da Lei n.º 1.711/52, "quese refere a incontinência pública e escandalosa" (fl. 179 a 181).

A fl. 182, o Procurador-Chefe da 4ª S.P.R.G., dirigiu-se ao Procurador-Geralinformando que o Prefeito deferiria a aposentadoria em 13-9-66 e encaminhara oprocesso à Chefia de Polícia para lavrar o ato e tomar as providências cabíveis,mas que ele, de comum acordo com seu chefe, tomara a liberdade de sustar ocumprimento do despacho do Prefeito, pois estava em curso o presente processo(52/75), com indicação de demissão do funcionário.

'Em 11-11-66, foi o processo novamente encaminhado à Subprocuradoria, onderecebeu, em 10-1-67, substancioso, lúcido e isento parecer, que concluiu dever-se aplicar ao funcionário apenas a suspensão por 90 dias, por infringência doart. 194, do E.F.C.P.U. (fls. 188 a 216).'

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O parecer foi aprovado pelo Procurador-Geral da 13 Subprocuradoria-Gerale pelo Procurador-Geral, que acrescentou no seu despacho ser da competênciado então Prefeito decidir a matéria e da competência do Chefe de Polícia aplicar apena que lhe fora imposta: suspensão até noventa dias (fls. 217v).

O Prefeito aprovou o parecer do Procurador-Geral em 28 de fevereiro de1966 nos seguintes termos:

"De acordo com o parecer da Procuradoria-Geral. Ao Sr. Chefe de Polícia paraaplicação da penalidade cabível — Plínio Cantanhede" (fl. 213v).

A 3 de março do mesmo ano, enviou-se o processo ao ser-viço de pessoalda Secretaria de Segurança Pública para que se informasse a situação funcionaldo servidor.

Em maio de 1968 o Chefe daquele serviço informou que o funcionário haviasido considerado definitivamente incapaz para o serviço público e aguardavasolução do seu processo de aposentadoria.

Foi então toda a matéria, em 30-5-68, submetida à apreciação do ConselhoSuperior de Polícia. O relator, depois de sumariar os fatos, entendeu que a penamáxima solicitada, a suspensão por noventa dias, não fora aplicada oportunotempore "e não mais seria viável tendo em vista a prescrição ocorrida, máximepelo fato de não existir processo criminal instaurado contra o mencionadofuncionário e concluiu que o processo deveria ser arquivado e que se designasseo Conselheiro Dr. Almiro Amorim de Gerin para tentar localizar o processo deaposentadoria. Caso não fosse encontrado, determinasse ao Serviço de Pessoala restauração do referido processo, com a urgência possível. O voto foi acolhidopelos demais membros do Conselho, e a decisão obteve o placet do Cel. JurandirPalma Cabral, Secretário de Segurança Pública, em 10-6-68, nos seguintestermos:

"I — de acordo;II — em conseqüência, publique-se e arquive-se o processo disciplinarmandado instaurar pela Portaria n.º 836, de 19 de dezembro de 1965, constantede fl. 6.III — ao Serviço do Pessoal para providenciar com urgência, a restauração doprocesso pertinente_ à aposentadoria (fls. 222 a 2227)."

O despacho do Secretário foi publicado no Boletim número 111/ 68 — SEP,de12-6-68. Em 14-10-69 foi o processo encaminhado ao Chefe da Seção deExpediente e Arquivo do Gabinete — SEP, que por sua vez o remeteu à Divisãodo Pessoal para os devidos fins.

Em 19-3-70 despachou o Chefe da Seção de Registros Funcionaismandando arquivá-lo, uma vez que o despacho do Secretário de SegurançaPública já havia sido publicado no Boletim n.º 111/68 e que o servidor já foraaposentado por decreto de 23 de janeiro de 1970."

23. Está, pois, suficientemente comprovado que a Administração, apesar deter incorrido em erro ao sustar o processamento de aposentadoria por invalidez

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atestada por junta Médica oficial, agiu movida pelo receio de ser acusada defavorecimento a funcionário faltoso. Não é demais repetir que a falia grave poderiaconduzir à cassação da aposentadoria, como uma das penalidades previstas noart. 201 do Estatuto, mas nunca paralisar o andamento do processo instauradocom aquela finalidade.

24. Finalmente, a penalidade mandada aplicar pela autoridade competente— o Prefeito do Distrito Federal — em 28 de fevereiro de 1966, estava mais doque prescrita quando se determinou o arquivamento do processo disciplinar, querse conte o prazo da data cm que foi cometida a falta, quer da data em que sedeterminou a sua punição, pois reza o Estatuto:

"Art. 213. Prescreverá:I — em dois anos, a falta sujeita às penas de repreensão, multa ou suspensão."

25. Não havendo processo penal instaurado contra o funcionário pelamesma falta, não há que cogitar dos outros prazos prescricionais do mesmoartigo, fato que nem sequer mereceria referência, pois tenho firma convicção deque foge à competência desta Corte de Contas fiscalizar o exercício do poderdisciplinar das autoridades administrativas por fatos estranhos à guarda dos bense dinheiros públicos e ao cumprimento das normas de direito financeiro eorçamentário.

26. Por outro lado, a queixa-crime referida à fl. 90, apresentada em 4-6-67 eque aponta o inativo como incurso no art. 320 do Código Penal, mesmo seprocedente, acarretaria a pena de detenção de 15 dias a um mês, ou multa deduzentos a dois mil cruzeiros.

27. Depois de todo o exposto e verificada a correção dos proventosatribuídos ao inativo, sou de parecer que o Tribunal julgue legal o ato declaratórioda aposentadoria.

_____________________________Parecer em 30-6-1975.

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PROCESSO N.° 666/74

Procuradora Geral: ELVIA LOSDELLOCASTELLO BRANCO

EMENTA Aposentadoria Compulsória.1. A obrigação da repetiio indebiti decorre do art. 964 doCódigo Civil.2. A partir do dia em que atinge a idade limite depermanência no serviço público. o servidor passa a terdireito a proventos, e não a vencimentos. Se estes lhe sãopagos até a concessão do abono provisório, fixados osproventos em valor inferior ao do vencimento, deve o inativorepor o recebido a maior na forma prevista no art. 125 daLei n° 1.711/52.3. Só é indevida a repetição na hipótese anômala de, porerro ou ignorância, continuar o servidor atingido pelacompulsória no exercício do cargo.4. Legalidade do ato declaratório da aposentadoria.

PARECER

Ao examinar este processo, anteriormente, concordei com o pedido deconversão do julgamento em diligência para que fosse corrigida a contagem dotempo de serviço do inativo, e em conseqüência, retificados os seus proventos e,bem assim, para que se informasse as medidas adotadas para devolução do queele recebera a maior nos meses de junho c julho. O primeiro item da diligência foisatisfatoriamente cumprido. Quanto ao segundo, diz o Chefe do Serviço deInativos não haver providenciado o desconto das importâncias pagas a maiorporque, em caso idêntico, o Tribunal decidira pela dispensa da repetição doindébito, acolhendo parecer desta Procuradoria cuja cópia fora anexada aoprocesso.

2. A pretensa identidade, pelos dados de que disponho, não existe. Na dataem que o servidor completou 70 anos, 29-5-74, o Chefe do Serviço de Pessoal daCAESB, onde estava trabalhando, comunicou o fato à Divisão de Administração,remetendo-lhe quase toda a documentação necessária à instrução do processode aposentadoria. Este fato já criava a presunção de que o servidor se afastará doserviço no dia seguinte, como101 de lei, e a certidão à fl. 17 veio transformar a presunção em certeza:computaram-lhe 149 dias de trabalho em 1974, exatamente os dias que vão de 19de janeiro a 29 de maio.

3. A hipótese versada no parecer invocado é a de funcionário que, apesar deter atingido a idade-limite, continuara em exercício e na qualidade de funcionário

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de fato, percebendo vencimentos até a data em que, verificada a ocorrência dacompulsória foi afastado do cargo. Naquele caso, a devolução da quantiaexcedente dos proventos que lhe foram posteriormente fixados configurariaenriquecimento ilícito da Administração, que se beneficiaria do trabalho de quemjá adquirira direito ao ócio remunerado. Situações como essa ocorreram em maisde uma oportunidade, sempre com trabalhadores parcamente alfabetizados einconscientes dos seus direitos e obrigações.

4. No caso em exame, trata-se de servidor de nível superior, já atento ao fatoda compulsória, tanto que providenciara antes do dia fatal a documentação de fls.3 a 6. Não é crível que tivesse continuado no exercício de suas funções. E, se nãocontinuou, deve, pelo mesmo princípio do enriquecimento sem causa e pelomandamento do art. 964 do Código Civil, restituir o que recebeu além do que lhecabia como estipêndio da inatividade.

5. Por não ter agido de má-fé, assiste-lhe o direito de repor a diferençamensalmente, em parcelas que não excedam a décima parte dos proventos, nostermos do art. 125 da Lei n.º 1.711/52.

6. Com este esclarecimento, proponho que o Tribunal julgue legal o atodeclaratório de aposentadoria.

_______________________________________Parecer em 13-3-1975.

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PROCESSO N.° 734/69

Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA EMENTAReforma de Militar do Distrito Federal.1. Enquanto a Capital do Brasil esteve sediada no Rio deJaneiro, a Polícia Militar do Distrito Federal jamais sevinculou administrativamente a essa unidade federada, nemmesmo quando se lhe concedeu grau máximo de autonomia(E.C. n.º 2i57), porque a policia sempre foi um daquelesserviços locais reservados a União.2. Com a mudança da Capital, a PMDF deixou de existir,sendo incorporada ao Estado da Guanabara, onde seorganizou também uma Policia Militar.3. No atual Distrito Federal. a princípio, não houve PolíciaMilitar, cabendo a função de polícia local a funcionários civisfederais.4. Posteriormente, a Lei n.9 4.242/63 facultou aosintegrantes das corporações do antigo Distrito Federal, quetinham sido transferidos definitivamente para o Estado daGuanabara, retornarem ao serviço federal.5. Não se podendo aproveitar todos os optantes peloserviço federal, adotou-se uma dupla medida: reorganizou-se a PMDF e o CBDF e o pessoal não utilizado nos seusquadros foi reincluído no Estado da Guanabara, em favor doqual a União concorre com subsidio financeiro (a matéria foidisciplinada pelos Decretos-leis n.ºs 9 e 10/66, o primeirodos quais é a lei básica das corporações de Brasília).6. A inovação do Decreto-lei n.º 966 foi vincular a PMDF e oCBDF diretamente ao Governo do Distrito Federal,abandonando a tradição que prevalecera ao tempo do Riode Janeiro.7. A questão da proveniência dos recursos financeiros é quedetermina a competência do Tribunal de Contas. Em razãodo subsídio federal, pode ocorrer que a reforma de ummilitar da Guanabara, embora decretada por autoridadeestadual, se sujeite ao controle do Tribunal de Contas daUnião.8. O custeio dessas corporações era da União, seja aotempo em que poderiam ser consideradas tropas federais,seja quando passaram para a Guanabara, já que se adotoua política do subsídio federal.9. No Distrito Federal, a situação é diversa, já que,custeando desde 1968, com seus próprios recursos, suasorganizações militares, a competência para apreciar asreformas decretadas pelo Governo local é do próprio TCDF.

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10. As Polícias Militares, em especial a PMDF, são forçasmilitares, auxiliares do Exército, do qual constituem reserva.O regime jurídico de seus integrantes deve ser definido apartir do direito federal e, em nenhum caso, as normaseditadas pelo legislador local podem prevalecer sobre as dalegislação federal.11. O regime jurídico dos integrantes da PMDF, uma vezque o legislador local tem sido omisso, é, exclusivamente, oprevisto na Constituição e leis federais.12. As normas constitucionais sobre militares se estendemaos milicianos, como reconhece a jurisprudência. Assimtambém, as regras legais federais, quando constituemsimples explicitação de garantias maiores asseguradas pelotexto Constitucional.13. Se o critério jurisprudencial pudesse suscitar algumadúvida, a Lei Orgânica das Polícias Militares a espancou,porque deixou expressa a extensão das normasconstitucionais aos militares dos Estados.14. Se o legislador local não usou da faculdade de legislar,em caráter supletivo, em matéria de regime jurídico daPMDF, deve prevalecer na sua totalidade e, no que couber,a legislação federal pertinente aos militares.15. O Decreto "N" n° 515/66, que, em virtude da omissão doDecreto-lei n.º 9/66, pretende estender à PMDF o regimejurídico da PM do antigo Distrito Federal, é inidôneo paraisso, já que esse regime, salvo em alguns pontos depequena bonta, só pode resultar da lei federal e da local,mas não de simples decreto do Poder Executivo.16. Sendo nenhum ou nulo esse Decreto "N" n° 515/66, asolução deve ser a mesma que se adotaria na hipótese deomissão do legislador, em que o regime jurídico dosmilitares locais se completa com as regras federais.17. A Lei n° 4.328/64 e os Decretos-leis n° 315/67 e n°792/69, embora, na sua expressão literal, só imponham aextensão de determinado Código de Vencimentos dosMilitares, favorecem a interpretação mais ampla,compreensiva de todo o seu regime jurídico, desde que sesocorra o intérprete dos elementos racionais, sistemáticos ehistóricos, que não pode a hermenêutica dispensar.18. O tratamento legal dos servidores civis locais, que seacham equiparados aos servidores civis federais, justifica,ainda por analogia, a equiparação dos militares locais aosfederais.19. A lei, que regula a inatividade de militar da PMDF, é avigente para as Forças Armadas ao tempo em que ocorre areforma, e, sendo direito subsidiário, deve mereceraplicação subordinada à cláusula no que couber.20. O CBDF é organização militar, independentemente dadeclaração dessa condição pelo Poder Executivo Federal,porque isso já se acha implícito no Decreto-lei n° 9/66. Aessa corporação deve ser dado o mesmo tratamentorecomendado quanto à PMDF.

PARECER

Sendo este o primeiro ato de reforma de militar submetido a julga-mento doEgrégio Tribunal, entende a Procuradoria de seu dever examinar, longa e

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minuciosamente, alguns temas relativos às corporações militares do DistritoFederal, que lhe pareceram indispensáveis à exata compreensão do regimejurídico dos seus integrantes.

I — SUBORDINAÇÃO ADMINISTRATIVA DA PMDF

a) Fase anterior à mudança da Capital

2. Nos albores da República, o Município Neutro, no qual se localizava aCapital do Império, ficou sob a administração do Governo Provisório entãoinstituído (v. Decreto n.º 1, de 15-11-1899, art. 10).

3. Privado do autogoverno, não pôde o antigo Município Neutro organizar aguarda cívica destinada ao policiamento de seu território, como ficara facultado àsProvíncias do Império, que se converteram nos Estados do regime federativorepublicano (art. 8° do mesmo Decreto).

4. Não obstante, o primeiro e tímido ensaio de uma lei orgânica daadministração oval — Decreto n.º 50-A, de 7-12-1899 — , atribuiu ao Conselho deIntendência Municipal, entre outros importantes encargos, o de prover sobre apolítica administrativa (assinale-se que o mencionado Conselho não passava deórgão delegado do Governo da República).

5. Com o advento da Constituição de 1891, o Município Neutro, que passoua denominar-se Distrito Federal, não conseguiu alcançar a autonomiaadministrativa, que mais tarde veio a assumir. Estabeleceu o primeiro constituinteda República que o Distrito Federal seria administrado por autoridades locais,cabendo, no entanto, ao Congresso Nacional competência privativa para legislarsobre a organização municipal, bem como a respeito de polícia, ensino e demaisserviços que, na Capital, fossem reservados ao Governo da União (v. arts. 67 e34, n.º 30).

6. Veio depois a verdadeira lei orgânica do Distrito. Federal, que foi a Lei n.º85, de 20-9-1892, à qual coube balizar os limites da administração

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e do poder dessa unidade federada. No que concerne à matéria desteparecer, convém destacar dois fatos:

a) a Força Policial, instituída "em bem da ordem e da segurança pública doDistrito Federal", não estava compreendida no âmbito desta lei orgânica, porqueficara subordinada ao Governo Federal, através do Ministério da Justiça eNegócios Interiores;

b) o Corpo de Bombeiros — que depois adquiriu status de corporação militar— foi logo considerado serviço local vinculado ao Distrito Federal (art. 58).

7. Nos primeiros tempos republicanos, a Força Policial teve completo eprolixo Regulamento no Decreto n.º 5.568, de 26-6-1905, o qual teve vigência atéà reorganização determinada pelo Decreto n.º 9.012, de 4-10-1911, que lhe deuoutro nome — Brigada Policial do Distrito Federal. O nome atual provém doDecreto n.º 14.508, de 19-12-1919.

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8. Conquanto a Constituição de 1934 houvesse ampliado a autonomia doDistrito Federal, a PMDF permaneceu vinculada ao Governo Central, já que apolícia continuava entre os serviços locais reservados à União (art. 59, XVI).

9. Não chega a provocar admiração que a ditadura haja restituído o DistritoFederal à condição de mera repartição da União (art. 79 da Carta de 1937) eacentuada a dependência da PMDF ao Governo Central (v. art. 89 doRegulamento aprovado pelo Decreto n.º 3.273, de 16-11-38) .

10. A essa época, o Regulamento único, que já andava pelos mil artigos, foidesdobrado em quatro outros, aprovados pelos seguintes decretos federais:Decreto n.º 3.273, de 16-11-38 (Regulamento Geral — RG-1); Decreto n.º 3.274,de 16-11-38 (Regulamento Disciplinar — RG-2); Decreto n.º 3.494, de 27-12-38(Regulamento do Comando e dos Serviços — RG-3); e Decreto n.º 3.493, de 27-12-38 (Regulamento da Caixa Beneficente).

11. A PMDF ainda permaneceu subordinada à União, quando a LeiConstitucional n 9, de 28-2-45, recolocou o Distrito Federal nos padrões daRepública Velha, situação que foi mantida pela Constituição de 1946 (artigo 28) .Esses vínculos com o Governo Federal eram tão sólidos que, nem mesmo aemancipação do Distrito Federal produzida pela Emenda n.º 2, de 3-7-56, logrouatingi-los.

12. Daí, a declaração contida no art. 19 do Decreto n.º 41.095, de 7-3-57 —último Regulamento Geral da PMDF antes da mudança da Capital:

"A Polícia Militar do Distrito Federal, instituída para a segurança interna e amanutenção da ordem no Distrito Federal, é uma Corporação Militarpermanente, subordinada diretamente ao Ministério de Estado da Justiça eNegócios Interiores, considerada, como força auxiliar, reserva do Exército, naforma do artigo 183 da Constituição."

13. Em suma, enquanto a Capital esteve sediada no Rio de Janeiro, aPolícia Militar jamais se vinculou ao Distrito Federal, nem mesmo no momentomais significativo de sua autonomia política, que se verificou com a E.C. n.º 2/56.Ao contrário, a Polícia sempre foi uma daquelas funções locais, que ficaramreservadas à União (à mesma conclusão chegou o Dr. José Paulo S. Pertence,em excelente artigo sobre o Distrito Federal, publicado na Revista "Doutrina eJurisprudência" do TJDF, vol. 2°, n° 17/56, sob o título "Contribuição à Teoria doDistrito Federal no Direito Constitucional Brasileiro").

b) Fase da mudança da Capital

14. Como é notório, a idéia mudancista, que o A.D.C.T. de 1946 conservou(art. 49), concretizou-se em 21-3-60, com a transferência da Capital para Brasília(sucessivas leis federais se ocuparam do tema da mudança — Leis números1.803, de 5-1-53, 2.874, de 19-9-56, e 3.273, de 1°-10-57) .

15. Talvez a descrença de muitos, em que se realizasse a transferência nadata marcada pela Lei n° 3.273/57, fez com que fossem retardadas providênciasindispensáveis por parte do legislador ordinário, e até do constituinte, paracompletar o equacionamento de complexas questões jurídicas e políticas

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decorrentes da mudança. O saudoso Ministro Ribeiro da Costa, proferindo voto noSupremo Tribunal, teve ocasião de se referir ao "lamentável açodamento com queeste grande problema foi enfrentado", "açodamento tal que o legislador ordinárionão se podia aperceber de todos os problemas" (RMS n° 9.558, de 19-1-62, DJ,de 12-9-63, págs. 841/845, apenso). Paradoxalmente, a essa obra legislativa, tãojustamente criticada, ficou ligado o nome de San Tiago Dantas, sem favor umadas figuras exponenciais do nosso mundo jurídico.

16. Opinando sobre elegante questão de direito para negar a possibilidadede um poder constituinte estadual no sistema brasileiro, o douto FranciscoCampos mostrou que poderia ter sido muito simples o mecanismo detransformação do antigo Distrito Federal no Estado da Guanabara, assinalando:

"Unia vez alue este se transforme em Estado, o que há a fazer é apenasmodificar a organização do governo local de maneira que a sua estrutura seacomode à estrutura prescrita na Constituição para o Governo dos Estados(R.F., 184/55).

17. Se as graves implicações da vida política não permitiram a plenarealização desta correta abstração teórica, em alguns pontos a lição do insignepublicista mereceu o sufrágio do legislador da mudança. Um desses foi opertinente aos serviços locais reservados à União no antigo Distrito Federal, entreos quais se incluía, como se viu, a Polícia Militar. Como os Estados-membrospossuíssem tais serviços, não haveria razão para privar deles o novo Estado daGuanabara, embora a situação financeira aconselhasse a adoção de um regimetransitório de subsídio federal.

18. Logo após a criação do Estado da Guanabara, um convênio melhorregulou as obrigações do Estado e da União, como esclareceu o eminenteMinistro Victor Nunes, em voto no Supremo Tribunal:

"O Estado da Guanabara concordou em receber os serviços federais sediados noentão Distrito Federal, e a União, para compensar essa despesa, urna vez que oEstado não teria recursos suficientes, comprometeu-se a pagar os vencimentosdos servidores transferidos, nos níveis devidos até àquela data. O Estadopagaria os acréscimos resultantes de promoções ou aumento de vencimentos"(RMS n° 10.988, de 20-3-63, DJ de 20-6-63, pág. 415, apenso).

19. De fato, fora essa a orientação traçada pela Lei n.º 3.752, de 14-4-60,como se colhe do seu art. 39:

"Serão transferidos ao Estado da Guanabara, na data da sua constituição, semqualquer indenização, os serviços públicos de natureza local prestados oumantidos pela União, os servidores neles lotados e todos os bens e direitos nelesaplicados e compreendidos."

20. O § 1º do mesmo artigo sujeitara os funcionários e serviços transferidosà jurisdição da autoridade estadual, incluindo entre eles a Justiça, o MinistérioPúblico, a Policia Militar, o Corpo de Bombeiros, os estabelecimentos penais e osórgãos do Departamento Federal de Segurança Pública (acentue-se que oeminente Ministro Victor Nunes Leal, que então prestigiava a Consultoria-Geral daRepública, considerou a enumeração acima meramente exemplificativa (Parecer

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B-14, de 12-8-60, DO de 29-8-60, pág. 11.941, publicado também na obraPareceres do Consultor-Geral da República, 1960, vol. único, págs. 102/115).

21. O subsídio financeiro federal, ao qual voltarei neste parecer, foi objeto dedisposição do § 2º da citada Lei n° 3.752/60, bem como da primeira Lei deOrganização Judiciária de Brasília (Lei n.º 3.754, de 14-4-60, art. 97).

22. Vê-se, portanto, que, no momento da constituição do Estado daGuanabara, a Polícia Militar do antigo Distrito Federal deixou de existir, passandoa constituir a Policia Militar do Estado da Guanabara.

23. O novo Distrito Federal, a princípio, não contou com organização policialde caráter militar, seja porque a PM fora incorporada ao Estado da Guanabara,seja porque o serviço de policiamento local ficou a cargo de funcionários civisfederais.: É o que se lê no art. 53 da nossa primeira Lei Orgânica (Lei n° 3.751, de13-4-60):

"Os serviços de policiamento de caráter local do Distrito Federal constituirão oServiço de Polícia Metropolitana, integrado ao Departamento Federal deSegurança Pública e subordinado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores."

c) Fase posterior à mudança da Capital

24. Talvez pela efetiva duplicidade de capitais (Brasília e Rio), talvez pelaprópria política de subsídio federal, o certo é que a incorporação dos serviçospoliciais do antigo Distrito Federal ao Estado da Guanabara continuou assunto emaberto, tendo provocado até pleitos judiciais (p. e., Mandado de Segurançaimpetrado pelo Governador do Estado contra ato do Presidente da Repúblicaperante o Supremo Tribunal Federal — RMS n.º 11.119, de 5-8-63, relator osaudoso Ministro Ribeiro da Costa, In D] de 14-11-63, pág. 1.146).

25. A irredutível divergência entre os Governos da União e da Guanabaraconstituiu bom estímulo para encontrar-se uma solução que evitasse asdificuldades políticas e administrativas de manter uma tropa federal sob ocomando do Governador do Estado.

26. Nesse quadro, adveio a Lei n° 4.242, de 17-7-63, cujo art. 46 contémessa estranha providência:

"E assegurado ao pessoal da Polícia Militar, da Polícia Civil, do ConselhoPenitenciário e do Corpo de Bombeiros, transferidos para o Estado daGuanabara, de acordo com o disposto na Lei n° 3.752, de 14 de abril de 1960, odireito de requerer sua volta ao Serviço da União.§ 1º O pedido será apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores,dentro do prazo improrrogável de 90 dias a contar da data da publicação destaLei, e será instruído com a fé de ofício do requerente.§ 2° O deferimento do pedido ficará condicionado à existência de vaga.§ 3° O servidor que estiver sendo submetido a sindicância, processoadministrativo, inquérito policial-militar ou civil ou a processo penal não gozarádo direito concedido neste artigo."

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27. Essa lei, que abriu aos PMs do antigo Distrito Federal a possibilidade deretornarem aos vínculos federais de origem, mediante opção, foi aplicada, apesarde naturais reservas, pelo Supremo Tribunal (v. julgamento do Mandado deSegurança acima referido, no qual o pedido foi considerado prejudicado em razão,precisamente, do advento dessa Lei n° 4.242/63.

28. Verificada, já no primeiro governo revolucionário, a extensão quantitativadas opções e a impossibilidade prática de absorver todos os optantes no serviçodo novo Distrito Federal, acudiu o legislador com os Decretos-leis números 9 e 10,de 25 e 28-6-66.

29. O primeiro desses Decretos-leis é o diploma básico da Polícia Militar edo Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. O outro se ocupa da reinclusão nascorporações estaduais da Guanabara dos militares não aproveitados pela União.

30. Abandonando toda a tradição republicana, o Decreto-lei n.º 9/66 sujeitoua PMDF à autoridade local, sendo essa a grande inovação que apresentou. Comoos destinatários do Decreto-lei n° 9/66 fossem os integrantes da PM do antigoDistrito Federal, que já tinham sido incorporados à PMEG, alguns viram nestaprovidência a ressurreição da velha corporação (acabam de comemorar, emBrasília, os 161 anos da PMDF).

II — CUSTEIO DA PMDF

31. O tema do custeio da PMDF, que influi decisivamente na competênciados Tribunais de Contas da União, do Distrito Federal e da Guanabara, a meu ver,merece destaque especial, de acordo com o mesmo modelo cronológico adotadorelativamente à subordinação administrativa.

a) Fase anterior à mudança da Capital

32. Vinculada, como se viu, à União, na qualidade de serviço localreservado, a PM do antigo Distrito Federal era custeada com recursosorçamentários federais, como acontecia com qualquer outro dos serviços federaispropriamente ditos.

33. Os atos da despesa relativos à corporação, entre os quais, lato sensu,podem ser abrangidos as reformas, competiam às autoridades federais, e orespectivo controle de legalidade cabia naturalmente ao T.C. da União.

b) Fase da mudança da Capital

34. A situação tomou-se mais complexa com a legislação da mudança daCapital, que determinou, como já se disse, não só a transferência dos Serviçosfederais para a jurisdição estadual (art. 39 e ? 19 da Lei n.º 3.752/60), comotambém adotou a política de subsídio financeiro federal.

35. Os encargos financeiros federais e estaduais ficaram assim previstos nosparágrafos do referido art. 3º:

"§ 2º A União compete pagar:

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a) a remuneração do pessoal lotado nos serviços transferidos, correspondenteaos cargos atuais e àqueles a que os servidores venham a ser promovidos, comexclusão das majorações decretadas pelo Estado da Guanabara;b) os proventos de inatividade, que vierem a ser concedidos aos mesmosservidores.§ 4º Ao Estado da Guanabara compete pagar:a) a remuneração correspondente aos cargos isolados e de carreira dos serviçostransferidos, cujo provimento seja posterior à transferência, com exceção daspromoções a que se refere o § 1º, alínea a;b) os proventos da inatividade que vier a conceder aos servidores por elenomeados;c) as diferenças devidas ao pessoal remunerado pela União, inclusive o inativo,correspondentes às majorações de vencimentos, proventos e vantagensdecretadas pelo Estado."

36. O eminente Ministro Victor Nunes Leal, em notável parecer comoConsultor-Geral da República, resume e explica a providência do legislador:

"Em suma, o critério adotado foi o seguinte: atendendo a deficiência de recursosdo novo Estado para suportar todos os ônus de transferência dos serviçostransferidos, resolveu a União, por lei, conceder-lhe um auxílio ou subvençãoconsistente no pagamento do pessoal transferido, incluindo as despesasacrescidas resultantes de promoções e aposentadorias; entretanto, os servidoresadmitidos posteriormente à transferência ficarão somente a cargo do Estado, domesmo modo que os aumentos de vencimentos e melhoria de vantagens quevierem a ser concedidos pelo Estado.

Desse regime atual resulta que um mesmo servidor, em atividade, ou inativo,poderá receber seus vencimentos ou proventos de duas fontes, a saber, parte daUnião, parte do Estado.

Tendo em vista essa particularidade, assim dispôs o art. 97, § 7°, da lei deorganização judiciária acima citada, sobre o processo de aposentadoria: "Aaposentadoria dos servidores remunerados pela União, a que se refere esteartigo, será decretada pelo governo do Estado da Guanabara, mas julgada peloTribunal de Contas da União" (Parecer B-14, de 1960, op. cit., págs. 105)."

37. Assim na Constituição de 1946, como na Carta vigente, é a naturezafederal ou local dos recursos financeiros dispendidos que deve deter-minar acompetência do Tribunal de Contas federal e local. Portanto, nessa faseintermediária, o ato de reforma de um militar, ora poderia interessar ao TCU, oraao TCGb, conforme dele resultasse ônus para a União ou para a Guanabara.

38. A dúvida estava em poder um ato praticado pelo governo local, v. g., areforma de um militar, ficar subordinado ao controle da Corte federal, comodeterminava a extravagante norma do art. 97, § 7º, da primeira lei de organizaçãojudiciária de Brasília (Lei n.º 3.754/60). Pela possibilidade do controle federalsobre semelhante ato do governo do Estado, opinou Victor Nunes Leal, com acostumeira segurança:

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"A Constituição, evidentemente, não o proíbe, bastando que desse ato resulteobrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional ou por conta deste. O preceitoconstitucional que sujeita os atos dessa natureza a registro no Tribunal deContas não exige que se trate de ato de governo federal. Refere-se,genericamente, a "qualquer ato de administração pública". Analisando essetexto, observa Pontes de Miranda que a Constituição "não discriminou, arespeito, os atos jurídicos do Estado. Deixou-o à legislação ordinária"(Comentários, vol. II, pág. 366). A pergunta, portanto, que se deve fazer é estaoutra: Pode resultar de um ato da administração estadual obrigação depagamento pelo Tesouro Nacional? Se a resposta for afirmativa, a conclusãonecessária é que tal ato, embora estadual, não apenas poderá, como deverá,obrigatoriamente, por expresso imperativo constitucional, ser submetido aoTribunal de Contas da União.A resposta àquela pergunta não pode ser senão afirmativa. Basta considerar emtese que mediante acordo, pode a União, em matéria de sua competência,cometer a funcionários estaduais a execução de leis e serviços federais ou deatos e decisões de suas autoridades, provendo às necessárias despesas(Constituição, art. 18, § 3º).Eis aí uma situação em que, inequivocamente, poderá resultar de atos defuncionários estaduais obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional. Se talpode ocorrer em virtude de simples acordo entre a União c os Estados, não háimpedimento a que a lei federal, ao criar um encargo financeiro para a União,subordine a efetivação desses ônus a um ato do governo estadual. Tendo assimprocedido o legislador federal no tocante à aposentadoria do pessoal do serviçojudiciário que passa ao Estado da Guanabara, não pode essa lei ser inquinada deinconstitucional, única hipótese em que poderia deixar de ser aplicada peloTribunal de Contas" (Parecer referido, op. cit., pág. 113)."

39. Assim, nessa fase contemporânea da mudança da Capital, a reforma demilitar da PM, embora sempre devesse ser decretada pelo Governo daGuanabara, poderia ficar sujeita, ora ao controle do TCU, ora ao do TCGb,conforme comprometesse recursos financeiros da União ou daquele Estado.

c) Fase posterior à mudança da Capital

40. Venho considerando, neste parecer, como ato inaugurar dessa últimafase, a providência contida no art. 46 da Lei n° 4.242/63, porque essa disposiçãoé a fonte próxima dos problemas com que se defronta o Distrito Federal.

41. Possibilitando o retorno dos PMs aos quadros federais, a Lei n.º 4.242/63e o Decreto n.º 52.694, de 15-10-63, que a regulamentou, nada inovaram quantoao custeio do serviço, que continuou a cargo da União, nem, conseqüentemente,quanto à competência do Tribunal de Contas federal. Esse diploma apenas retiroudo Governador da Guanabara a competência para praticar atos em relação aopessoal que voltasse ao serviço da União.

42. O mesmo se diga da Lei n.º 4.483, de 16-11-64, que, incluindo a PMDFna Polícia do Distrito Federal, manteve o serviço vinculado à administraçãofederal e custeado com os recursos da União.

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43. A organização definitiva da nova PMDF surgiu com o Decreto-lei n.º9/66, que deve ser examinado em conjunto com o Decreto-lei n.º 10/66, relativo àreinclusão dos optantes na Polícia Guanabarina (esse último Decreto-lei é umaespécie de solene ato de arrependimento do legislador, em relação à maioria dosmilitares optantes) .

44. O Decreto-lei n.º 9/66, embora subordinasse a PMDF ao Prefeito,manteve seu custeio no exercício de 1966 com recursos federais (art. 79), esilenciou quanto à competência para julgar os atos de reforma.

45. Por sua vez, o Decreto-lei n.º 10/66 restabeleceu o regime de subsídiofederal e a competência do Governador da Guanabara para os decretos dereforma, os quais ficaram sujeitos ao controle do TCU (art. 29).

46. Se essa última providência não constou do Decreto-lei n.º 9/66, relativoao atual Distrito Federal, é porque se pretendeu, de fato, que essa unidadefederada custeasse a PMDF, com seus próprios meios, e que os atos de reformafossem julgados pelo respectivo Tribunal de Contas.

47. Apesar de, no exercício de 1967, o Distrito Federal ainda não haverarcado com as despesas da PM (v. Lei n° 5.190, de 8-12-66), nos exercíciossubseqüentes os ônus lhe pertenceram (Lei n.º 5.358, de 17-11-67; Lei n 5.548.de 2-12-68; e Decreto-lei n.º 752, de 8-8-69) .

48. Portanto, ao contrário do que ocorre com os optantes reincluídos naPMEG pelo Decreto-lei n.º 10/66, os optantes, que passaram à atual PMDF, deacordo com o Decreto-lei n° 9/66, permanecem inteiramente na órbita local. Cabeao Governador do Distrito Federal decretar-lhes a reforma, a qual,comprometendo recursos orçamentários próprios, deve ser julgada pelo nossoTribunal.

49. Demonstrado que a atual PMDF é vinculada ao Governo local, custeadacom recursos distritais e jurisdicionada do Tribunal de Contas do Distrito Federal,resta examinar o regime jurídico dos seus integrantes, meta principal desteparecer, que, a meu juízo, não poderia ser alcançada sem os subsídios hauridosnessas considerações introdutórias.

III — REGIME JURÍDICO DOS MILITARES DA PMDF

a) Considerações Preliminares

50. A natureza jurídica das Polícias Militares não tem sido imune a dissídiodoutrinário e jurisprudencial. A dificuldade maior para a pacificação dascontrovérsias reside na parcimônia com que a matéria foi tratada nasConstituições brasileiras e nas omissões da legislação ordinária.

51. O tema não é incomum nos tribunais e tem sido enfrentado comopreliminar de litígios sobre aspectos do regime jurídico dos policiais-militares,especialmente quanto ao problema da acumulação de cargos; outro assuntobastante freqüente é o foro desses militares para o processo criminal, matéria queconsta mesmo da Súmula do Supremo Tribunal (enunciado 297).

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52. Dos numerosos julgados que compulsei, destaco o preâmbulo do doutovoto do eminente Ministro Osvaldo Trigueiro no RMS n.º 18.615 (13-11-68), noqual S. Ex.a define as grandes linhas do problema jurídico. Eis os seusensinamentos:

"A Constituição de 1934 incluiu na competência privativa da União (art. 5º,XIX, 1) o poder de legislar sobre organização, instrução, justiça e garantias dasforças policiais dos Estados, bem como sobre as condições gerais de suautilização, em caso de mobilização ou de guerra. No título da SegurançaNacional (art. 167), estabeleceu que as Polícias Militares eram consideradasreservas do Exército, gozando as mesmas vantagens a estes atribuídas, quandomobilizadas ou a serviço da União.A Carta Constitucional de 1937 (art. 16, XXVI) estatuiu que competiaprivativamente à União o poder de legislar sobre organização, instrução, justiçae garantia das forças policiais dos Estados, e sua utilização como reserva doExército.A Constituição de 1946, por igual, deu competência à União para legislar sobreorganização, instrução, justiça e garantias das Polícias Militares e condiçõesgerais de sua utilização pelo Governo Federal, nos casos de mobilização ou deguerra (art. 59, XV, f) . No art. 182 estabelecia que as Polícias Militares,instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nosTerritórios e no Distrito Federal, eram consideradas, como forças auxiliares,reservas do Exército.A Constituição atual reproduz, quase literalmente, o preceito relativo àcompetência da União para legislar sobre as Policias Militares (art. 89, XVII,v), e mantém o princípio de que as Polícias Militares são consideradas forçasauxiliares, como reserva do Exército (art. 13, 49).Dos dispositivos citados vê-se que, desde 1934, as Polícias Militares têm statusconstitucional: são forças armadas auxiliares, como reserva do ExércitoNacional, e seu regime jurídico é definido pela legislação federal.Objetar-se-á, entretanto, âue elas não integram as Forças Armadas federais, eisto é certo. Mas não é menos certo que são corporações militares de âmbitoestadual, forças auxiliares das Forças Armadas da União e, de modo particular,reservas do Exército Nacional.

Note-se que a Constituição de 1946 dizia que as Forças Armadas eramconstituídas essencialmente — porém não exclusivamente — pelo Exército,Marinha e Aeronáutica. E no mesmo título dedicado às Forças Armadas, definiaexplicitamente as Polícias Militares como forças auxiliares da União e reserva doExército.

De tudo isso resulta, obviamente, que os integrantes das Polícias Militaresdos Estados não são servidores civis: são militares, integrados no regime militar,subordinados à hierarquia, à disciplina e à jurisdição de caráter militar, ao mesmotempo que protegidos pelas garantias específicas da carreira militar. Por isso, ecomo primeiro ponto a fixar para a solução do caso sub judiou, não me pareceadmissível sustentar-se que ao militar estadual seja aplicável o estatuto do

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funcionalismo civil, ou que, para certos efeitos, esteja ele equiparado aosservidores civis.

Desde 1934, as Constituições definem os direitos, as prerrogativas, tantoquanto os deveres e limitações da carreira militar. Parece-me fora de dúvida queessas normas alcançam os militares estaduais, do mesmo modo que o regimeconstitucional dos funcionários civis se estende aos servidores dos Estados eMunicípios.

É relevante observar que a Constituição de 1946, na mesma linha dasConstituições posteriores a 1930, não se refere apenas aos oficiais das ForçasArmadas, o que poderia ser entendido, restritamente, como dizendo respeitosomente aos integrantes das corporações militares nacionais. Com efeito, eladispõe quanto aos militares em geral, sem qualquer restritivo, o que — comoocorre cm relação ao campo civil — não pode deixar de alcançar a área militardos Estados. A constituição definia os direitos e deveres dos militares no mesmoTítulo VII em que trata das Forças Armadas, inclusive das Polícias Estaduais.Assim, os preceitos referentes aos militares não podem deixar de abranger os dosEstados, pertencentes a corporações militares por natureza e por definição,organizados necessariamente como instituições auxiliares, nos termos daConstituição" (RTJ, 51/267-268).

53. A transcrição do douto voto acima serve, antes de tudo, para mostrar queo regime jurídico das PMs, especialmente o da PMDF, deve ser definido a partirdo direito federal. Isso não afasta a competência legislativa concorrente dosEstados e do Distrito Federal, sendo certo, porém, que as normas locais nãopoderão prevalecer sobre as federais.

b) "Sedes Materiae"

54. O vezo castrense de reduzir a Regulamentos, geralmente aprovados porDecreto do Poder Executivo, todas as normas jurídicas pertinentes à corporação,inclusive aquelas de mais nobre hierarquia, sugere examinar a questão da sedesdo regime jurídico da PMDF.

55. Aparentemente, o tema seria acadêmico. Mas, na realidade, dasposições que o intérprete possa adotar, hão de decorrer conseqüencias práticasmuito importantes.

56. Com efeito, considere-se a inserção em Regulamentos de jus nooum.Essa disposição regulamentar original poderia:

a) ser, por natureza, dependente da lei ordinária ou da Constituição;

b) estar em antinomia com uma ou outra;

c) suplementar, validamente, a norma legal.

57. É claro que apenas na última hipótese a norma regulamentar mereceriaaplicação. Nas outras duas, haveria manifesto excesso ou abuso do poderregulamentar (na mesma linha, o RE n.º 61.037, de 30-5-68, relator o eminenteMinistro Amaral Santos, que assinalou, a propósito do Decreto n.º 41.095/57,

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relativo à PMDF, que não podia ele invalidar disposição da Lei n.º 192, de 1936,antiga Lei Orgânica das PMs; v. RTJ, 47/610).

58. Poderia ocorrer ainda que, ao invés de jus novum, a norma regulamentarse limitasse a repetir preceitos preexistentes na Constituição ou na lei ordinária.Se assim fosse, o regulamento seria um expletivo, para usar a linguagem dosgramáticos. A sua força obrigatória não se apoiaria no fato de estar a normaconsagrada pelo Regulamento, mas no fato de preexistir em direito maisqualificado (Constituição ou lei). Releva acentuar que, nesse último caso, a normaredundante não poderia ser validamente revogada com o desaparecimentosomente da regra regulamentar. Para isso, seria necessário anda fosse derrogadaa própria norma-matriz, seja a constitucional, seja a legal (faço essa advertênciaporque é dado da experiência quotidiana que os regulamentos se sucedem notempo com boa freqüência, não sendo de admirar que se realizasse a hipóteseora figurada).

59. Se, pois, a inserção em regulamento de alguma regra pode, por si só, serconsiderada (...) pelos não iniciados na ciência jurídica, nem sempre isso é idôneopara produzir modificação no regime jurídico de militares. No caso da PMDF,entendo que o regime jurídico é o decorrente da Constituição e das leis federais,com as explicitações ou suplementações que o direito pátrio tolera ao poderregulamentar.

c) Extensão das novatas constitucionais dos militares

60. O constituinte brasileiro cada dia mais se distancia do modelo deConstituição material concebido pela doutrina, trazendo para o plano do direitoconstitucional normas que muito bem ficariam no bojo da legislação ordinária.

61. Essa tendência, que é mais um voto do que uma vocação deestabilidade institucional, responde pelo progressivo crescimento de nossaConstituição formal, de modo que, raramente, um raciocínio jurídico entre nósdeixa de partir de um ponto claro e definido da Carta Magna.

62. Como ressaltou o voto supra transcrito do eminente Ministro OsvaldoTrigueiro, o status constitucional das PMs remonta a 1934 e permaneceu nasConstituições posteriores, inclusive na atual: "São forças auxiliares, como reservado Exército Nacional, e seu regime jurídico é definido pela legislação federal".

63. Na mesma linha de pensamento assentou S. E xá que os direitos,prerrogativas, deveres e limitações constitucionais da carreira militar se aplicamaos militares estaduais, aduzindo: "parece-me fora de dúvida que essas normasalcançam os militares estaduais, do mesmo modo, que o regime constitucionaldos funcionários civis se estende aos servidores dos Estados e municípios" (RTJ,51/268).

64. A Carta vigente, conquanto desse tratamento sistemático ao tema dasegurança nacional, não dirimiu todas as dúvidas a respeito da preconizadaextensão das normas constitucionais sobre militares aos milicianos. Dois são ostextos dedicados às PMs na Carta de 1967, segundo a E.C. n.º 1/69.

65. No art. 13, § 4º, proclama o constituinte:

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"As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nosEstados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de Bombeiros militaressão considerados forças auxiliares, reserva do Exército, não podendo seus postosou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduaçõescorrespondente no Exército."

66. Já no art. 8°, XVII, v, estatui-se que compete à União legislar sobre"organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das polícias militares econdições gerais de sua convocação inclusive mobilização."

67. Acentue-se que os Estados (e o Distrito Federal por compreensão)podem legislar supletivamente, entre outras, sobre as matérias da alínea v, masnão ficam dispensados de respeitarem a legislação federal.

68. Das transcrições se observa que, se o dispositivo sobre competência dasúltimas Constituições mereceu fiel reprodução, o outro foi acrescido da previsãode um teto de vencimentos.

69. Embora o direito aos estipêndios seja integrante destacado do conjuntode preceitos que define o regime jurídico dos militares, penso que o citadoacréscimo não invalida a doutrina Osvaldo Trigueiro, segundo a qual esse regimeé o da legislação federal. O tratamento excepcional dado ao problema dosvencimentos, de um lado, resultou dos abusos de alguns Estados naremuneração de seus militares, que chegou a ultrapassar a dos militares federais,com manifesta subversão da hierarquia (esse assunto chegou, aliás, a sercogitado pelos Atos Complementares n.º 30, de 26-12-66, e n.º 40, de 30-12-68) .De outro, a exceção se justifica pelo princípio federativo de que a lei da União nãodeve impor ônus aos cofres dos Estados (essa consideração chegou a impedir oSupremo Tribunal de estender vantagem da legislação federal, sobre promoçãode militar, à Polícia Militar Estadual. — v. ERE n° 50.143, de 19-6-64, DJ de 3-9-64, pág. 669, apenso, relator o eminente Ministro Victor Nunes, no qual sãoinvocados como precedentes os REs números 45.332 e 45.364, ambos de 18-5-61).

70. De qualquer modo, o que é certo é que a equiparação dos militaresestaduais aos federais, inclusive no tocante aos vencimentos, não é repelida, masexpressamente tolerada, pela Gania Constitucional.

71. A equiparação de militares locais aos federais, quanto aos demaisaspectos do regime jurídico dessa classe especial de servidores do Estado, temsido reconhecida por vários arestas. Além do citado RMS n° 8.615, lembrem-se:Ag. n.º 26.600, de 23-10-62, relator o eminente Ministro Hahnemann Guimarães,DJ de 14-11-63, pág. 1.150, apenso; RMS n.º 15.597, de 26-4-67, relator oeminente Ministro Luiz Gallotti, RTJ, 42/58; RE n.º 42.406, de 26-9-67, relator oeminente Ministro Adalício Nogueira, RTJ, 42/800; RMS n° 11.119, de 5-8-63,relator o saudoso Ministro Ribeiro da Sosta, DJ de 14-11-63, fls. 1.146, apenso).

72. Aliás, não se perca de vista que a extensão das garantias constitucionaisdas patentes, necessariamente, implica a extensão de certos direitos eprerrogativas não explicitados na Constituição, mas apenas na legislaçãoordinária. Esse tema foi brilhantemente tratado pelo eminente Ministro Luiz Gallotti

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no RMS n.º 15.597, indicado acima. Mostrou S. Ex.a, com o abono emensinamento de Rui Barbosa, no regime de 1891, que as patentes sãoindesintegróveis: e devem ser garantias na sua inteireza, na sua plenitude.

73. No douto voto que pronunciou o notável Ministro da Alta Corte, foramconsignadas estas palavras:

"O que a Constituição garantiu, pois, garantindo a plenitude às patentes, é queelas seriam invioláveis em todos os seus elementos, requisitos e partesconstitutivas.Quantos e quais os elementos constitutivos da patente?"Três: 1º, as honras; 2°, a graduação efetiva, com seus privilégios de autoridade,hierarquia e acesso; 3°, o soldo."Logo, de nenhuma dessas vantagens, no grau relativo à patente de seu posto,será lícito privar o oficial efetivo" (RTJ, 42/60)"

74. Depois dessas judiciosas observações, concluiu o eminente Ministro LuizGallotti pela aplicação, a um oficial da PM do Piauí, da prerrogativa Federal dapatente, livrando-o de uma reforma arbitrária, discriminatória ou, pelo menos, nãojustificada por condições gerais da corporação.

75. Portanto, o respeito às normas constitucionais federais, que ajurisprudência considera extensíveis aos militares estaduais, de per si, obrigaria areconhecer-lhes direitos e prerrogativas, que se desdobram na legislaçãoordinária federal. Por exemplo: se a reforma do militar federal deve verificar-se aoatingir ele certo limite de idade, não pode a legislação estadual impor limitemenor, porque o direito à efetividade no serviço, até à idade prevista na leifederal, é irrecusável, já que se integra no direito maior à inviolabilidade dapatente.

76. Parece-me, pois, indiscutível que o regime jurídico das PolíciasEstaduais, e com maior razão o da PMDF, encontra seu ponto de partida naConstituição (arts. 90/93), cujas normas, naturalmente, não podem sercontrariadas pelas normas legais ou regulamentares.

d) Regime jurídico-legal das PMs

77. A primeira lei orgânica das Polícias Militares, que vigorou até 1967, foi aLei n.º 192, de 17-1-36.

78. Esse diploma, depois de estabelecer em alguns pontos a paridade entreas Polícias Estaduais e o Exército, deixou claro, no art. 23:

"Aos oficiais da ativa e aos reformados das Polícias Militares é extensivo odisposto nos arts. 164 e 165 e seus parágrafos da Constituição Federal." (essesdispositivos da Constituição de 1934 são os relativos às garantias dos militaresfederais).

79. A legislação, que substituiu a Lei n.º 192/36, conservou a mesmaorientação. De fato, o Decreto-lei n.º 317, de 13-3-67, dispôs no art. 27:

"Aplicam-se aos oficiais das Polícias Militares:

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(...)b) as disposições constitucionais relativas às garantias, vantagens, prerrogativase deveres, bem como todas as restrições ali expressas, ressalvado o exercício decargos de interesse policial, assim definidos em legislação própria."

80. No que concerne ao regime de inatividade, ficou assentado no artigo 26:

"As condições de inatividade do pessoal das Polícias Militares, bem como seusdireitos, vantagens e regalias, constarão da legislação de cada Unidade daFederação, não sendo permitidas condições além das que, por lei ouregulamentos, são atribuídas ao pessoal das Forças Armadas."

81. Também no vigente Decreto-lei n.º 667, de 2-7-69, a matéria recebeu omesmo tratamento. Assim, lê-se nos arts. 24 e 25:

"Os direitos, vencimentos, vantagens e regalias do pessoal, em serviço ativo ouna inatividade, das Polícias Militares constarão de legislação especial de cadaUnidade da Federação, não sendo permitidas condições superiores às que, porlei ou regulamento, foram atribuídas ao pessoal das Forças Armadas. Notocante a cabos e soldados, será permitida exceção no que se refere avencimentos c vantagens, bem como à idade-limite para permanência noserviço ativo" (essa exceção se explica porque no Exército os cabos e soldadosque prestam serviço militar por tempo relativamente curto)."Aplicam-se ao pessoal das Polícias Militares:(...)b) as disposições constitucionais relativas às garantias, vantagens, prerrogativase deveres, bem como todas as restrições ali expressas, ressalvado o exercício decargos de interesse policial, assim definidos na legislação própria."

82. Os mesmos princípios, como é óbvio, constam do Regulamentoaprovado para as Policias Militares pelo recentíssimo Decreto n° 66.862, de 8-7-70 (cf. arts. 27 e 29).

83. Se a Constituição cometeu ao legislador atribuição para legislar sobregarantias das Polícias Militares e se não são nítidos os contornos dos conceitosgarantias, prerrogativas, direitos, pouco ou nada há de sobrar para o legisladorestadual em matéria de regime jurídico do pessoal das Polícias Militares. Alémdisso, o restrito campo, em que possa legitimamente atuar. poderá sempre serocupado pelo legislador federal, a cujos desígnios o legislador local não podeopor-se, quando se trata de legislação supletiva (Constituição, art. 84, parágrafoúnico).

84. Não tenho, entretanto, necessidade de discutir, neste parecer, se oconteúdo da Lei n° 192/36 e dos Decretos-leis n.°s 317/67 e 667/69 guardaperfeita conformidade com as Constituições sob cujo império foram editados. Issoporque considero indisputável que o legislador local pode não exercer a faculdadede legislar em caráter supletivo sobre o regime jurídico da respectiva PolíciaMilitar. Não usando dessa faculdade, forçoso é convir que prevalecem, por inteiro,as regras federais.

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85. Na verdade, se a Constituição confere aos Estados todos os poderesque, explícita ou implicitamente, não lhes sejam vedados por ela (art. 13, § 1º), ese a mesma Carta dá aos Estados a faculdade de legislar supletivamente emmatéria de Polícia Militar, é óbvio que o legislador federal ordinário não podeobrigar o legislador estadual a exercer essa competência.

86. Corno a legislação federal orgânica das Polícias Militares não preenchetodo o espaço em matéria de regime jurídico dos militares estaduais, pergunta-se,para o caso de ser omisso o legislador local:

a) ficarão os militares locais com regime jurídico incompleto?

b) ou é possível a extensão do regime dos militares federais, no que couber?

87. A lógica, a meu ver, impõe a segunda alternativa, tanto mais que osmilitares já gozam das garantias constitucionais dos federais e, na sua parcelamais significativa, dos direitos e vantagens, que a legislação ordinária lhesconcede. Seria mesmo um contra-senso que, em nome de uma lei que permiteexpressamente tratamento paritário, fosse legítimo restringir os efeitos daequiparação anteriormente proclamada pela jurisprudência na interpretação dopróprio texto constitucional.

88. Portanto, omisso o legislador local, cabe a extensão de todo o regimejurídico dos militares federais aos milicianos estaduais, como imperativo de umordenamento que consagra, de há muito, a paridade entre os militares estaduais eos federais.

e) Tentativa de atribuição à PMDF de regime jurídico específico

89. A PM do antigo Distrito Federal, como se viu, sempre se regeu por leisfederais e foi custeada com recursos da União. Com a mudança da Capital e asua incorporação ao Estado da Guanabara, ainda viveu sob o regime daquelasleis, ex vi do art. 14 do Ato Constitucional. Finalmente, com a Lei estadual n.º 263,de 24-12-62, a legislação anterior cedeu lugar à legislação estadual própria.

90. A malsinada providência do art. 46 da Lei n° 4.242/63 não previu qual oregime jurídico dos optantes. Não o fez, igualmente, a Lei número 4.483, de 16-11-64, quando reorganizou o Departamento Federal de Segurança Pública e sereferiu, incidentemente, à Polícia Militar.

91. Pelo mesmo diapasão se afinou o legislador do Decreto-lei n.º 9/66,embora agora a falta fosse menos escusável, já que se tratava precisamente dereorganizar a PMDF, com o pessoal do antigo Distrito Federal, que optou pelavolta ao serviço federal.

92. Com a melhor das intenções, acudiu o Poder Executivo com o Decreto"N" n.º 515, de 11-7-66, estabelecendo:

"Enquanto não forem aprovados os Regulamentos da Polícia Militar e do Corpode Bombeiros do Distrito Federal, a que se refere o art. 19 do Decreto-lei n.º 9,de 25 de junho de 1966, os Regulamentos da Polícia Militar e do Corpo de

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Bombeiros do continuarão sendo aplicados a essas Corporações, no que couber,antigo Distrito Federal, bem como todos os demais dispositivos legais eregulamentares por que se regiam

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PROCESSO N.° 1.026/68

Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELAEMENTACompetência do Tribunal quanto às entidades daadministração indireta.1. Nos termos do art. 27 da Lei n.º 5.538/68, o Tribunal temcompetência para exercer controle financeiro eorçamentário sobre todas as entidades da administraçãoindireta do Distrito Federal.2. Na hipótese, mais desfavorável, o veto oposto ao art. 32do Projeto de Lei n.º 115/68, do Senado, retiraria aojulgamento das contas o caráter de ato jurisdicional.3. Mesmo para esse efeito, seria inoperante o veto, desdeque tal função jurisdicional é um atributo da Constituição enão da lei ordinária.4. O veto só importa para eximir do controle do Tribunal asinstituições de crédito, que se subordinam a severo controlede órgãos federais específicos.

PARECER

I - COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

O Projeto de Lei do Senado n.º 115, de 1968, que cuidava da organização do Tribunal deContas do Distrito Federal, continha a seguinte norma no capítulo reservado à jurisdição:

"Art. 32. O Tribunal de Contas tem jurisdição própria e privativa sobre aspessoas e matérias sujeitas à sua competência, a qual abrange todo aquele quearrecadar ou gerir dinheiros, valores e bens do Distrito Federal ou pelos quaiseste responda, bem como os administradores das entidades da AdministraçãoIndireta e instituições de crédito de que o Distrito Federal tenha o controleacionário.Parágrafo único. Respondem também perante o Tribunal, na forma da lei, osherdeiros, fiadores e representantes dos responsáveis."

2 . Votado o projeto e remetido o autógrafo à sanção presidencial, o Ex.moSr. Presidente da República opôs veto ao dispositivo transcrito, à alegação de queas instituições de crédito não devem ficar sujeitas ao controle de órgãos locais,por já se acharem subordinadas a órgãos federais específicos.

3. Para eliminar do texto a expressão instituições de crédito", foi o Executivocompelido a votar todo o artigo, pois, a Constituição do Brasil não mais tolera

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incida o veto apenas sobre determinadas palavras de um artigo, parágrafo, inciso,item, número ou alínea do projeto de lei (art.62, § 1º, in fine).

4. Dado que a Lei n.º 5.538, de 22-11-68, na qual se transformou omencionado projeto, passou a vigorar desde a data de sua publicação

(27-11-68), indaga o Egrégio Plenário se, a partir dessa data, o Tribunalperdeu sua competência em relação aos atos das sociedades e fundaçõesvinculadas à Administração do Distrito Federal e ao julgamento das contas dosdirigentes dessas entidades.

11 - COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

5. Sob o regime constitucional de 46, as Constituições Federal e Estaduaisdefiniram a competência básica dos Tribunais de Contas, que as leis orgânicasexplicitavam e,. por vezes, ampliavam, sem maior resistência dos doutores e dostribunais. .

6. Quanto ao Distrito Federal, que é organizado administrativamente pela leifederal e não por Constituição própria, a sedes materiare da competência vinhasendo a lei de organização administrativa, do que é exemplo, entre nós, a Lei n.º3.751/60, que criou o nosso Tribunal de Contas.

7. Com a Constituição de 1967, a orientação se modificou, já que a própriaCarta cuidou do órgão auxiliar da fiscalização financeira e orçamentária do DistritoFederal (v. art. 45, inciso III, c/c. o art. 71).

8. Apesar da modificação, não me parece que, às leis orgânicas, seja defesaexplicitar a competência constitucional dos Tribunais de Contas, tanto mais que oconstituinte se contentou com expressões genéricas como "desempenho dasfunções de auditoria financeira e orçamentária" (art. 71, § 1º) .

9. Aliás, o tema não merece mais detida explanação, pois, esse foi oentendimento do Decreto-lei n.º 199/67 e da Lei n.º 5.538/68, que, guardando aslinhas constitucionais básicas, redefiniram a competência do Tribunal de Contasda União e do Distrito Federal.

III - COMPETÊNCIA DO TCDF

10 De conformidade com as normas básicas da Constituição, que erigem oTribunal de Contas do Distrito Federal à categoria de órgão auxiliar do Senado noexercício do controle externo da Administração, a Lei n.º 5.538/68, atendendo àspeculiaridades administrativas locais, deu à Corte este elenco de atribuições (art.27):

"a) a apreciação das contas do Prefeito do Distrito Federal;b) o. desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária sobre ascontas das Unidades Administrativas do Distrito Federal, obedecido o disposto no§ 3C? do art. 71 da Constituição Federal;c) o julgamento da regularidade das contas dos dirigentes dos órgãos daadministração Direta e Indireta, bem como dos que ordenam despesas e demaisresponsáveis por bens e valores públicos;

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d) o julgamento da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias,reformas e pensões."

11 . Está claro no texto acima que o controle financeiro e orçamentário doTribunal compreende todas as unidades administrativas e os órgãos daadministração indireta do Distrito Federal, embora a Constituição do Brasil só oentendesse, expressamente, às autarquias (art. 71, § 5º).

12. Tenho para mim que essa norma legal não padece da eiva deinconstitucionalidade, pois, se a Constituição não dispensa o controle sobre asautarquias, está longe de proibir seu exercício sobre entidades outras daAdministração Pública, que não sejam propriamente, autárquicas.

13. Quanto às outras entidades criadas pelo Estado para descentralizar osseus serviços, o legislador ordinário a opção de sujeitá-Ias ou não ao Tribunal deContas.

14. A idéia da descentralização dos serviços estatais madrugou no atualDistrito Federal. Desde 1960, serviços públicos, como Educação, Saúde,Transportes, Água, Esgotos,Telefones, Energia Elétrica, Assistência Social eCultural, vêm sendo prestados por entidades descentralizadas, que se modelaraminconstitucionalmente nas formas do direito privado. .

15. Tão apartada da tradição administrativa brasileira, a situação dosserviços públicos locais, que o legislador foi compelido a provar o Governo deinstrumentos legais de controle da ação dessas entidades.

16. Sem renegar a idéia-força da descentralização, a que deu ênfaseespecial ,0 legislador da Reforma Administrativa do Distrito Federal (Lei n.º 4.545,de 10-12-64) obviou os seus inconvenientes com a adoção do princípio daresponsabilidade em todos os setores da máquina estatal.

17. Relativamente às entidades descentralizadas, ou da AdministraçãoIndireta, aquela lei as considerou integrantes da Administração do Distrito Federal(art. 2º, alínea h), dispondo de maneira desenganada:

"Cada um dos órgãos que integram a administração descentralizada ficaobrigatoriamente sujeito à supervisão e controle da Secretaria interessada emsua principal atividade, sem prejuízo da auditoria financeira, a cargo do órgãopróprio da Secretaria de Finanças" (art. 3º, § 1º) .

18. Se esse era o pano de fundo da Administração Pública local, não podecausar admiração que o legislador de 68, ao reelaborar a organização do Tribunalde Contas, estendesse o controle da Corte a todas as entidades descentralizadas,como o fez no art. 27 da Lei n.º 5.538/68.

19. Para sustentar a competência do Tribunal sobre os entesdescentralizados não autárquicos, seriam bastante as considerações jádesenvolvidas. O veto presidencial, inicialmente mencionado, impõe, no entanto,uma digressão acerca da função jurisdicional dos Tribunais de Contas.

IV - PROBLEMA DA JURISDIÇÃO

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20. A unidade orgânica do poder jurisdicional, que é da tradição republicanado País, tem suscitado polêmicas doutrinárias sobre se o julgamento de contaspelo Tribunal envolve ou não o exercício de uma função jurisdicional dessa Corte.

21. A velha controvérsia, ainda hoje, não se pode considerar pacificada epara comprová-lo basta invocar dois arestos recentes do Supremo TribunalFederal, nos quais se observam posições teóricas divergentes (cf. MS n.º 16.255,de 4-8-66, relator o eminente Ministro Evandro Lins e Silva, in R..T. J., 38/245, eRMS n.º 15.164, de 26-3-68, relator o eminente Ministro Temístocles Cavalcanti,in R. T. J, 45/756).

22. Como, em regra, os Tribunais de Contas se inclinem pelajurisdicionalidade de suas decisões sobre a regularidade intrínseca das contas,são freqüentes, nas leis orgânicas, capítulos encimados do título jurisdição", comos quais se pretende realçar esse caráter jurisdicional do julgamento das contas.

23. Dessa preocupação não há melhor exemplo do que o da revogada Lein.º 830/49, cujos arts. 69 e 70 chegam ao evidente exagero de dizer que, nojulgamento de contas, o Tribunal funciona como Tribunal de Contas.

24. Talvez com o único objetivo de traduzir a posição doutrinária dosTribunais de Contas acerca dessa questão, é que sempre surge, nas leisorgânicas, ao lado do capítulo da competência, um outro dedicado à jurisdição.

25. A Lei n.º 830/49, o Decreto-lei n.º 199/67 e a Lei n.º 5.538/68 não fugirama essa regra, no errôneo pressuposto de que a afirmação da jurisdicionalidadedas decisões sobre contas dependesse da lei ordinária, quando, na verdade, otema deve ser solvido, exclusivamente, à luz dos princípios constitucionais.

26 . De qualquer modo, a Lei n.º 5.538/68 foi menos feliz, pois, sobre o dispostocorrespondente, incidiu veto presidencial.

27. Pergunte-se, então: a incidência desse veto modifica a competência doTribunal, especialmente, quanto às entidades da administração indireta?

28. Penso que não. A competência do Tribunal é a definida no art. 27 damesma Lei n.º 5.538/68, e poderá ser normalmente exercida, de acordo com aConstituição, a Lei Orgânica, as normas regimentais e resoluções que vierem:;\.ser adotadas.

29. Como norma de competência, o art. 32 era mera redundância, pois, essajá estava definida no art. 27; como norma qualificadora do caráter jurisdicional dojulgamento de contas, o mesmo artigo era inócuo, porque isso resulta, segundo aopinião dominante, do próprio texto constitucional.

30. A única virtude do art. 32, a meu ver, era incluir, de morno expresso, asinstituições de crédito, que tivessem a participação do Distrito Federal, entre osjurisdicionadas do Tribunal. Foi, precisamente, por isso, como declarou o Ex.moSr. Presidente da República, que se fez necessário o veto. De fato, essasinstituições já estão subordinadas a severo controle dos órgãos encarregados dapolítica monetária e creditícia federal, consoante a Lei n.º 4.595/64 e Lei n.º

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4.728/65. Por isso, pareceu inconveniente ao Poder Executivo duplicar o controle,com risco de ensejar conflitos de atribuições entre órgãos federais e local.

31. Tanto isso é verdade que o veto não abrangeu outros dispositivos da leirelativos ao controle sobre os órgãos da Administração descentralizada, a saber:arts. 27, 34, 36, 41 e 58.

V - CONCLUSÃO

32. Aos que pretendam que a jurisdicionalidade do julgamento das contasseja simples atributo da lei ordinária, concedo haver o veto suprimido, às nossasdecisões, o caráter jurisdicional.

33 . O que não posso conceder, porém, é que nossa competência nãoabranja os órgãos descentralizados da Administração local, pois, essa estáexpressamente prevista no art. 27.

34. Em suma, entendo que o Tribunal continua competente para exercer asatribuições do controle financeiro e orçamentário sobre todas as entidades. daadministração indireta do Distrito Federal.

_________________________________Parecer em 11-12-1968.

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PROCESSO N.° 265/67 — STC

Procurador José Guilherme VillelaEMENTAAplicação do Decreto-lei n° 247/67 ao pessoal da Secretariado Tribunal de Contas do Distrito Federal.1. Esta aplicação foi expressamente prevista no art. 51 domencionado Decreto-lei.2. Como a mesma norma ressalvou a autonomia da Corte,deve adotar, mediante Resolução, as regras adequadas àexecução das providências legais, no âmbito da suaSecretaria.3. A opção, a que alude o art. 61, depende da satisfaçãosimultânea de todos os requisitos enumerados nestedispositivo legal.4. O acesso, igualmente, depende do preenchimentosimultâneo das condições do art. 33.

PARECER

Esta Procuradoria é chamada a manifestar-se sobre representaçãoformulada pela Secretaria, tendo em vista a aplicação a seu pessoal das normascontidas no Decreto-lei n.º 274, de 28-2-67.

2. Antes da apreciação in concreto dos vários problemas suscitados pelamencionada representação, julgo conveniente oferecer alguns esclarecimentospreliminares em torno da questão de pessoal no Distrito Federal.

Considerações Iniciais sobre o Tema Pessoal no Distrito Federal

3. A época da mudança da Capital e da instalação da Prefeitura, veio à luz aLei de Organização Administrativa do Distrito Federal (Lei n.º 3.751, de 13-3-60).Não houve tempo, nem talvez a necessária experiência prática, para fixar-se,desde logo, um quadro de servidores para o Distrito Federal, mediante urna leiregular. O alvitre da Lei n.º 3.751/60 foi, então, dar ao Prefeito a faculdade de criaruma tabela de extranumerários, os quais desempenhariam as funçõesadministrativas até a criação definitiva, ou mesmo provisória, dos cargos públicos(art. 47).

4. Logo depois, surgiu a Lei de Classificação dos Cargos Federais (Lei n.º3.780, de 12-7-60), banindo do serviço público a categoria extranumerários.Mesmo assim ninguém entendeu que a faculdade legal estivesse revogada. Nãohavendo cargos criados em lei, não podiam ser recrutados os elementosindispensáveis ao serviço local, a não ser pela forma anômala prevista na LeiOrgânica. Se a Administração não tivesse meios, não poderia atingir os seus fins.

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5. Essa faculdade excepcional, marcada pela transitoriedade, eraabsolutamente imprescindível, e fez bem o legislador cru conferi-la àAdministração. Mas a Lei n.º 3.751/60 errou em não colocar um termo final para oexercício desta faculdade. É muito cômodo criar, por ato do Executivo, tantasfunções quanto as que ele próprio queira prover.

6. Viu-se, então, em poucos anos, uma escassa e provisória tabela deextranumerários, com algumas dezenas de funções, transformar-se numverdadeiro quadro de pessoal, com milhares de integrantes, que nunca poderiamais ser extinto, pois, tal extinção assumiria as proporções de uma questãosocial.

7. Este crescimento da Tabela de Extranumerários resultou de vários fatores,além do natural. Esta Corte deve ainda recordar-se das contratações deespecialistas temporários, feitas ao arrepio do art. 26, da Lei n.º 3.780/60, quelhes servia de fundamento legal. Muitas vezes tivemos oportunidade de frustrar oato ilegal, mas os abusos eram superiores às nossas próprias forças e, não raro,cedemos ao fait accompli. Muitas das funções extranumerárias foram criadas paraaproveitar tais contratados, depois da expiração do prazo do contrato.

8. Outra causa, esta a mais importante, foi a malsinada providência daestatização do pessoal empregado pelos órgãos da chamada administraçãodescentralizada. Está presente na memória de todos a Lei n.º 4.242, de 17-7-63,cujos art. 40 e 43 dispuseram que os empregados da NOVACAP e dasFundações instituídas pela Prefeitura passariam à condição de servidorespúblicos.

9. Com este desavisado passo do legislador, a Prefeitura viu, talvez,decuplicar a sua Tabela de Extranumerários. O fato era mais grave ainda porqueesses extranumerários se consideravam com numerosos direitos de permanência,efetividade ou estabilidade, que o legislador, felizmente, não lhes concedera.

10. O primeiro administrador que, decididamente, enfrentou a questão depessoal, foi o Prefeito Plínio Cantanhede, a cuja seriedade todos rendemos opreito de nossa homenagem. Começou ele por estabelecer as bases da reformaadministrativa, com a Lei n.º 4.545, de 10-12-64, chegando ao Decreto-lei n.º 274,de 28-2-67, que, afinal, criou ou aprovou os quadros da Prefeitura,

11. Mas, nem essas duas leis puderam resolver todos os problemas. Atabela de funções em comissão, destinada a suprir a ausência dos cargos emcomissão, também criada pelas administrações anteriores, permaneceu intacta(Lei n.º 4.545/64, art. 27, parágrafo único, e Decreto-lei n.º 274/67, art. 60).

12. Essa tabela, é bom que se diga, teve constante crescimento através dotempo e, além de suprir a falta dos cargos em comissão, ficou também no lugardas chamadas funções gratificadas. Para se ter uma idéia razoável do usoanormal destas funções cm comissão, basta considerar que a tabela abriga atéfunções para datilógrafos.

13. Os baixos níveis das funções extranumerárias e es bons rendimentosdas funções em comissão, ao lado da facilidade do provimento destas,

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representaram um poderoso estímulo para o aumento incessante do númerodestas últimas.

14. Em rápidas pinceladas, este era o caótico panorama da situação depessoal na Prefeitura. O simples fato de existir uma lei, que ponha ordem a estecaos, deve ser saudado com o mais entusiástico aplauso, já que a lei, por pior queseja, é melhor do que o vazio normativo.

15., Lamentável e paradoxalmente, essa lei, tão útil à Prefeitura, se aplicatambém ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, ao qual se me afigura muitonociva.

16. Explico-me. Embora alguns dos servidores de nossa Secretaria fossemextranumerários da Tabela da Prefeitura e outros ocupassem funções emcomissão, tínhamos um quadro de pessoal, que o legislador nos dera, votando umprojeto de lei de nossa iniciativa (Lei n.º 3.948 de 1°-9-61). Ao invés de adotarmosa posição da PDF — que nunca mandou um projeto de quadro ao PoderLegislativo e que sempre atribuía, à inércia deste, a falta do quadro regular depessoal — , conseguimos, pouco depois da criação do Tribunal, o quadro deservidores de nossa Secretaria.

17. Se este quadro se tornou exíguo, se demandava uma reestruturação ouampliação, deveríamos ter imitado o exemplo anterior e provocar outra lei doCongresso. Este era o comportamento condizente com a nossa autonomia, antessimplesmente legal (Lei n.º 3.751/60, art. 15, § 2º, h), hoje de naturezaconstitucional (C.F., art. 45, III c/c. 73, § 1º)

18. Pusemos, no entanto, a nossa Secretaria a reboque da Prefeitura e oxaláos seus vícios de origem não se comuniquem ao nosso sistema, que sempre forapraticado com correção, inclusive quanto ao recrutamento de pessoal porconcurso público de provas.

19. Em termos imediatos, a solução pode ter sido mais cômoda. No futuro,entretanto, o complicado sistema de acesso do quadro provisório ao quadropermanente há de revelar as inconveniências do sistema, que, se era inevitávelpara a Prefeitura, poderia ter sido afastado por nós.

Aplicação do Decreto-lei n.º 274 ao Pessoal da Secretaria do TCDF

20. Feita esta longa digressão inicial, passo a considerar os assuntossuscitados diretamente pela presente representação.

Quanto à aplicação do Decreto-lei n.º 274 ao pessoal da Secretaria doTCDF, não há a menor dúvida. Basta ver o art. 51 deste diploma que estendesuas normas ao pessoal de nossa Secretaria, respeitada, embora, a autonomia doTribunal.

Regulamentação Própria

21. A ressalva à autonomia do Tribunal parece indicar, por si mesma, que sedeva adotar, quanto à aplicação da lei à nossa Secretaria, uma regulamentaçãoprópria, a ser baixada pelo Tribunal, mediante uma Resolução.

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22. A simples submissão às normas do Decreto-lei em tela, que não resultoude nossa iniciativa legislativa, constitui uma capis deminutio para o Tribunal. Nãodevemos, a meu ver, transformá-la numa capis deminutio maxima, acatandotambém as normas regulamentares emanadas do Prefeito, para a execução da leino âmbito da Prefeitura.

Quadro Permanente e Quadro Provisório

23. Como se colhe do art. 50 do Decreto-lei n.º 274/67, o quadro permanenteda Secretaria do Tribunal é o previsto no Anexo IV do Decreto, enquanto que oquadro provisório é constituído pelo antigo quadro da Lei n.º 3.948/61 e pelasfunções extranumerárias, criadas para o Tribunal

24. São, como se vê, categorias distintas de servidores que compõem estequadro provisório. Sc o ingresso num quadro provisório ou excedente costumaser, entre nós, o destino dos extranumerários, os funcionários do antigo quadro,que nele haviam ingressado regularmente, mereciam melhor sorte.

25. Não precisava esta última classe de funcionários de qualquer favorlegislativo para ter seus direitos assegurados, pois, ela já os tinha de acordo coma Lei n.º 2.948/61 e com o Estatuto. Este quadro provisório, como está no art. 22,existe para assegurar situações individuais dos antigos extranumerários, que olegislador quis amparar. Os cargos do quadro provisório destinam-se à automáticasupressão à medida que se vagarem. Não faz sentido dizer, por exemplo, que umdeterminado servidor possa vir a ser provido na vaga deixada por outroaproveitado no quadro permanente. Com este aproveitamento, impõe-se asupressão do cargo vago no quadro provisório.

Opção, Forma Excepcional de Ingresso no Quadro Provisório

26. Embora o quadro provisório esteja condenado à extinção, previu olegislador uma forma de ingresso nele, através de opção, manifestada por escritoe em prazo certo por servidor efetivo requisitado.

27. Esta faculdade está no art. 61, verbis:

"Os servidores efetivos que, na data da publicação deste Decreto-lei, seencontrarem em exercício, na qualidade de requisitados, em órgão do ConjuntoAdministrativo do Distrito Federal, poderão optar pelo ingresso no QuadroProvisório, em cargo de atribuições iguais ou equivalentes ao que estivessemexercendo.§ 1º A opção de que trata este artigo será manifestada, por escrito, no prazo de60 dias, contados a partir da vigência deste Decreto-lei e deverá ser apreciadano interesse exclusivo da Administração, ouvido o órgão de origem quando setrata de servidor estadual ou municipal.§ 2º A aceitação de opção ficará condicionada em qualquer caso, à existência devaga e à verificação do cumprimento das exigências fundamentais para oexercício do cargo."

28. Do texto transcrito se resume que esta forma de aproveitamentodepende da simultânea satisfação dos requisitos seguintes:

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I — opção escrita, formulada por servidor efetivo, em 60 dias, contados de28-2-67;

II — qualidade de servidor requisitado do optante;

III — exercício em órgão do Conjunto Administrativo do Distrito Federal em28-2-67;

IV — aproveitamento condicionado ao interesse da Administração e àexistência de vaga em cargo de atribuições iguais ou equivalentes, para o qual ooptante tenha aptidão;

V — audiência do órgão de origem, em caso de ser o optante servidorestadual ou municipal.

29.. Sem a simultânea constatação de todos estes requisitos, não vejo comose possa conceder a algum funcionário o benefício legal do aproveitamento. Porexemplo, ao empregado subordinado ao regime da CLT ou a servidor interino,faltaria a qualidade de servidor efetivo (item I); se, dentro do prazo da opção — 60dias — , não houver vaga no quadro provisório, inexistirá o requisito do item IV.Em casos que tais, a opção do servidor requisitado não pode ser aceita pelaAdministração.

Acesso, Forma de Ingresso no Quadro Permanente

30. O ingresso de servidor no quadro permanente ficará na dependência deconcurso de provas ou de provas e títulos (art. 37) ou decorrerá de acesso doservidor ocupante de cargo do quadro provisório (art. 31, parágrafo único).

31. Para obter o acesso, o funcionário deverá preencher esta tríplicecondição do art. 33:

a) tempo de serviço efetivo não inferior a três anos, reduzido para dois,quando não haja outro concorrente com aquele tempo;

b) habilitação em prova ou curso específico;

c) satisfação das exigências específicas do novo cargo.

32. Na ausência de qualquer destas três condições é inadmissível o acesso.Assim, não pode ser ele reconhecido para cargo de nível superior (art. 49),quando o funcionário não revele conhecimentos correspondentes a este nível deinstrução (letra e) ou quando não tenha sido habilitado em prova ou cursoespecífico exigido (letra b).

33. À prova de suficiência, só podem concorrer os servidores queingressaram no serviço após a prestação de concurso ou prova pública (art. 54, §1°). Os cursos específicos, para efeito de aproveitamento de servidor, terão suaduração e currículos fixados em regulamentos (art. 54, § 2º).

Regime Jurídico do Servidor

34. Neste particular, só houve as alterações produzidas pelo próprioDecreto-lei nº 274/67, porque, segundo o art. 63, a legislação supletiva aplicávelaos servidores é ainda o sistema estatutário federal.

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Conclusão

35. Pedindo escusas pelas longas considerações expendidas, examinarei asvárias situações particulares em pareceres que proferirei, à luz destes conceitos,nos vários processos que me foram submetidos.

__________________________________--Parecer em 6-7-1967.

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PROCESSO N.º 488/69 — STC

Procurador: Lincoln Teixeira MendesPinto da Luz

EMENTAExercício de mandato eletivo.Objeções ao cômputo do período para o efeito de adicionais— Mandamento constitucional (art. 104) : visãoretrospectiva e redução de alcance — Critica à Formulaçãon.º 15, do DASP — A matéria nos Tribunais Superiores —Resultado absurdo da interpretação literal — Subsídiosdoutrinários — Natureza jurídica dos adicionais por tempode serviço: promoção meramente econômica —Reconhecimento da teoria pelo direito positivo — Exegeseproposta para o art. 104 da Cons-desempenho de mandatoeletivo, como efetivo exercício, para fins de adicionais —Corroboração da tese pelo Ato Institucional n.º 7/67 —Inconsistência da Formulação n.º 16, do DASP.

PARECER

I — A DÚVIDA SUSCITADA

Em alentada e meticulosa informação argúi a Seção do Regime Jurídico doPessoal desta Corte a ilegitimidade do cômputo, para fins de adicionais, do tempoque o servidor público permanece afastado do cargo, no exercício de mandatoparlamentar.

II — GÊNESE E LINEAMENTOS DA OBJEÇÃO

2. Inspira-se o informante no pensamento perfilhado por prestigiosa

Consultoria Jurídica do DASP (parecer publicado in Estudos de DireitoAdministrativo, Vol. II, pág. 338, de Clenício Duarte; parecer no Processo n.º3.816/67 (DO de 28-8-67, pág. 8.915) e parecer no Processo n.º 5.267/70 (DO de29-1-71, pág. 778), que acabaram por obter o apoio da Consultoria-Geral daRepública (Parecer I-097, de 7-1-71 (DO de 13-1-71) e Parecer I-131/71,publicado in "Formulações 1 a 100", pág. 85) e até, muito recentemente, oendosso de Turma do Colendo Supremo Tribunal Federal (cf. RE n° 79.030,decisão da 2ª Turma, em 4-3-75).

3. Duas formulações do DASP fazem a súmula do referido ponto de vista:

"Enquanto durar o mandato, o funcionário público ficará afastado do exercíciodo cargo, contando-se-lhe tempo de ser-viço apenas para promoção porantigüidade e aposentadoria" (Constituição 46, art. 50).

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"Enquanto durar o mandato, o funcionário público ficará afastado do exercíciodo cargo e só por antigüidade poderá ser promovido, contando-se-lhe o tempode serviço apenas para essa promoção e para a aposentadoria" (E.C. n.º 19, de7-12-65, art. 19, e Constituição de 67, art. 102)."O funcionário público investido em mandato eletivo federal ou estadual ficaráafastado do exercício do cargo e somente por antigüidade será promovido.§ 1º O período de exercício do mandato federal ou estadual será contado comotempo de serviço apenas para efeito de promoção por antigüidade eaposentadoria" (Constituição de 69, art. 104 e § 1º).

5. É de ver que, não obstante copiado letra por letra, entrou o mandamento apossuir, na Lei Fundara-tentai de 1967, sentido e alcance de abrangênciasensivelmente mais lata que na E.C. n.º 19/65, porquanto — deslocado docapítulo referente ao Poder Legislativo (Seção I — Disposições Preliminares) paraa seção alusiva aos funcionários públicos em geral — deixou de aplicar-seunicamente à função legislativa, indo abranger os mandatos conquistados, por viaeletiva, para o exercício de cargos no Executivo e no Parlamento.

6. Na versão da Carta de 69, assinale-se ainda o encurtamento do âmbito danorma às funções eletivas da União e dos Estados, com a decorrente exclusãodos mandatos municipais.

7. Conquanto o § 39 do mesmo artigo regule parcialmente a situação dofuncionário municipal, fica inevitavelmente além da pauta constitucional oexercício de mandato eletivo remunerado, assim de vereador como de prefeito evice-prefeito, o que é, a meu juízo, de todo injustificado. As mesmas razões decunho moralizador, que, como se verá, ser-vem de respaldo à restrição de efeitosna contagem do lapso dos mandatos federais e estaduais, serram, no plano ideal,de aplicação necessária aos mandatos na esfera das municipalidades.

IV — REVISÃO CRITICA DA FORMULAÇÃO n.º 15

8. O primeiro e elementar reparo oponível à jurisprudência administrativafirmada a propósito do tema consiste, pois, no aspecto discriminatório daFormulação n.º 15, do DASP, visto como, ao invés de aludir tão-só aodesempenho de mandato legislativo, se impunha, com base na argumentaçãoinvocada, conclusão em parte mais abrangente, em parte mais restritiva. Maisabrangente porque copreensiva dos cargos de Governador e Vice e,concomitantemente, mais restritiva porque excludente dos mandatos no nível dascomunas.

V — A ORIENTAÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

9. De par com as opiniões abalizadas em que se calca a informação denosso órgão de pessoal, outra corrente não menos autorizada e confiável tem, noentanto, iterativamente sustentado ponto de vista diametralmente contrário, qualseja o de que o período de mandato eletivo há de ser considerado também para oefeito de percepção dos adicionais por tempo de serviço.

10. Registre-se, com esse sentido, a indiscrepante e pacífica jurisprudênciado Tribunal de Contas da União, seja na aplicação administrativa do direito em

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apreço, seja no reiterado cálculo dos proventos das aposentadorias submetidas aseu julgamento. E nem se pense que a matéria tenha recebido mera aprovaçãotácita, pois que, colocada a dúvida em consulta formulada pelo Superior TribunalMilitar, houve por bem aquela Corte de Contas responder afirmativamente, apósminuciosos estudos, pareceres e votos (cf. decisão do Plenário, em 16-2-71 noProcesso n.º 57/71).

11. Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal — a despeito de recentedecisão em contrário tomada pela Segunda Turma, em 4 de abril último, aoapreciar o RE n.º 79.030 — persiste, ao que estou informado, aplicandoadministrativamente o entendimento tradicionalmente fixado.

VI — A INSUFICIENTE INTERPRETAÇÃO VERBAL

12. Forçoso é convir que a primeira consulta ao texto constitucional, naversão vigente ou em qualquer das anteriores, lança o intérprete em sériaperplexidade ante os termos aparentemente terminativos em que está vazada anorma, sobretudo quando posta a atenção sobre o advérbio apenas querobustece o conteúdo cerceante da diretiva. E a perplexidade se estabelece, nãoem função do elemento literal, mas como resultado da exegese lógico-sistemáticae teleológica.

13. Em verdade, que sentido teria — examinado o tema à luz do textooriginal de 1946 — impedir a contagem da duração do mandato parlamentar parao fito da atribuição de adicionais? E por que tolher essa contagem unicamentecom relação aos já investidos na função pública, nada se dispondo de específicoa respeito dos não-funcionários?

14. Cresce de vulto a indecisão, quando, relendo o art. 192 ainda da Cartade 1946, se percebe inexistir ali a mesma expressão limitativa a propósito dotempo de serviço público em geral:

"Art. 192. O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal computar-se-á integralmente para os efeitos de disponibilidade e aposentadoria."

15. Tinha-se então que o cidadão alheio à função pública, se investindo emmandato eletivo, poderia, assim o prevendo a lei ordinária, contar o lapso domandato para todos os efeitos, inclusive o de percepção dos qüinqüênios.

16. Insensato e iníquo se afiguraria, segundo penso, outorgar o ServiçoPúblico ao não-funcionário vantagem que recusa a seus próprios servidores. Oreverso, sim, teria explicação e congruência.

17. Esta, aliás, é a solução sancionada em lei para a hipótese do funcionárioconvocado ao serviço militar, o qual se beneficia com esse tempo para todos osefeitos, ao passo que, se à época da incorporação não pertencesse aos quadrosfuncionais do Estado, só faria jus à contagem para aposentadoria (veja-se a Lein.º 3.615, de 12-8-69, art. 19, e a Lei n.º 4.375, de 17-8-64, art. 63).

18. Nada acrescenta à clareza do raciocínio acenar com a transitoriedade dafunção eletiva, vez que os cargos em comissão, de natureza ainda mais efêmera,

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ante a demissibilidade ad nutum que lhes é imanente, conferem a seus titularesdireito à averbação do tempo para todo e qualquer escopo.

19. E aos agentes políticos, Governador, Vice-Governadores, Ministros eSecretários de Estado, ninguém denegou ainda, no sistema atual e nos pretéritos,a contagem do tempo de serviço para todas as finalidades.

20. Como rejeitar então aos membros do Legislativo o que se dá,pacificamente, aos ocupantes de posição homóloga nos ramos Executivo eJudiciário do Poder?

21. Toda essa gama de reflexões põe a nu o desarrazoado da hermenêuticacristalizada na dominante jurisprudência dos órgãos consultivos do GovernoFederal e, por conseguinte, justifica a posição de contradita assumida pelosTribunais Superiores, quando menos em suas decisões interna corporis.

VII — O TRATO DOUTRINÁRIO DO TEMA

22. Convém, ainda assim, buscar na doutrina jurídica os argumentos quesustêm a interpretação à primeira vista contra legem esposada por essas Cortes.O ponto de partida do raciocínio precisa ser o conceito dos adicionais por tempode serviço.

23. Dois trabalhos teóricos — e como tais insuspeitos de móveisadvocatícios — aparecidos na Revista de Direito Administrativo, empreendem oestudo na natureza jurídica dos adicionais, chegando ambos a conclusõescoincidentes, que, para mim, oferecem novo subsídio, de grande valia naconciliação dos textos reguladores da vantagem qüinqüenal com o comando doart. 104, § 1º, da Constituição.

24. Fernando H. Mendes de Almeida, o acatado autor de um doscomentários em cogitação, sustenta, com admirável lucidez:

"Segundo já o fizemos sentir, as gratificações adicionais têm relação exclusivacom o fator tempo. Consistem em aumentos de paga devidos ao funcionário...pelo fato de ele contar certo termo de serviço público que a lei estabelece comoessencial aos ditos aumentos.Se, como vimos, a gratificação adicional determina aumento de vencimentosnão há como negar-lhe efeito patrimonial. Assim, requerida a contagem de seutempo de serviço e formalizado o título que lhe confira direito ao aumento, ofuncionário entra numa fase de novo sentido econômico bem nítido. Há,todavia, uma diferença grande entre a gratificação adicional e as espécies exfacto oficii acima mencionadas. É que, embora como estas, também seja deconseqüências econômicas, tem caráter permanente.A gratificação adicional incorpora-se permanentemente ao vencimento. É,portanto, parcela imanente. Daí, ainda, o seu nome, isto é, Adicional. De revés,as gratificação ex facto officii, posto possam ter alguma razoável duraçãonalguns casos, cessam, sempre que insubsistentes as razões de lei que asjustificaram.

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Ora, se a gratificação adicional se incorpora ao vencimento, por modo que sirvade base até ao cálculo da aposentadoria e seu aspecto de imanência se opõe aode contingência das gratificações ex facto officii, fácil é concluir que, depois daincorporação, ela se identifica ao vencimento, de que passa a ser parteinseparável, adquirindo o sentido de verdadeira promoção econômica, e, que,portanto, demitira em certo aspecto (o patrimonial), o padrão originário docargo, embora com seu destino rigorosamente pessoal. Não deixa, assim, ela deser uma espécie do gênero promoções, como procuraremos demonstrar adiante.Nenhuma discrepância há de apontar-se nas idéias de que a gratificaçãoadicional: 1°) é promoção; 2°) desnatura o padrão originário. É o quedemonstraremos a seguir.Acreditamos que podemos, mais uma vez, começar aqui pela etimologia.Atendo-nos à acepção que o étimo da palavra já nos oferece, promoção é açãode promover e promover (pro + movere) exprime, como toda gente sabe, açãode "por para a frente".Ora, movimento para a frente é progresso e progresso não é, apenas, entendidona ordem moral, intelectual, ou física, mas também na ordem econômica. Eispor que, se é verdade e ú de notícia inconteste que, na doutrina e na linguagemadotada por nossos estatutos, a palavra "promoção" é reservada para significar oacesso na carreira, convém notar bem que, na essência, a gratificação adicional,pelo seu efeito econômico, não deixa de ser uma promoção.Por outro lado, se, na nação de "carreiras" funcionais, entra a de hierarquia, queproduz efeito moral não apontável na gratificação adicional, é conveniente nãoesquecer que, nelas, os cargos são grupados em padrões, para efeito econômicotambém e, que, por isso, todo "vencimento adicionado" sai do padrão originário,embora o titular do cargo a ele correspondente nele permaneça para os efeitosde hierarquia e poder disciplinar.Um funcionário, quando adicionado, já que a palavra "adição" não pode induziro contrário, para efeito econômico, sai do padrão ulterior. Permanece para eleum "padrão real originário" só quanto à hierarquia; quanto ao patrimônio,todavia, tal padrão passa a virtual. Tal observação, como é bem de ver, nos levaa mais longe, com segurança; ela nos leva a concluir que, nos sistemas em que agratificação adicional, promoção, significando, na linguagem diuturna, ascensãona carreira com aumento de percepção, também pode ser entendida comogratificação adicional, que contém apenas o aumento de percepção pecuniária.Aquela primeira espécie se aplica unicamente a cargos de carreira; a última dizrespeito a todos os funcionários, ainda que ocupantes de cargos singulares, ouisolados (RDA n.º 47/490).

25. Trilhando linha lógica semelhante, preleciona, a seu turno, o ilustre HelyLopes Meirelles:

"Adicional por tempo de serviço é o acréscimo pecuniário que se aditadefinitivamente ao padrão do cargo, em razão exclusiva do tempo de exercícioestabelecido em lei para o auferimento da vantagem. É um adicional ex factotemporis, resultante de serviço já prestado — pro labore facto. Dai porque se

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incorpora automaticamente ao vencimento e o acompanha na disponibilidade ena aposentadoria.Este adicional adere ao vencimento para todos os efeitos legais, e é irretiráveldo funcionário, precisamente porque representa uma contraprestação de serviçojá feito. É uma vantagem pessoal, direito adquirido para o futuro. Sua condictio/uris é, apenas, e tão-somente, o tempo de serviço já prestado, sem se exigirqualquer outro requesito da função ou do funcionário. Representa urnapromoção no próprio cargo, razão pela qual vem sendo designada como"progressão horizontal na carreira, independentemente da "progressão vertical"que é a promoção de um cargo a outro mais elevado" (RDA n.º 77/21).

VIII — NATUREZA JURÍDICA DOS ADICIONAIS POR TEMPO DESERVIÇO

26. Colhe-se assim da proveitosa lição dos mestres que os adicionais portempo de serviço participam, afinal, da natureza jurídica das promoções,constituindo tempo de promoção imprópria ou parcial.

27. No gênero promoções, reúnem-se, em tese, três espécies, escalonadasem níveis distintos, segundo as vantagens que atribuem ao funcionáriopromovido.

28. A de primeiro grau é a promoção por merecimento, que outorga aoservidor recompensa de ordem moral, hierárquica e pecuniário, ou econômica.

29. Já a promoção por antigüidade se cinge a proporcionar benefícios naspautas hierárquica e econômica, em nada contribuindo para ascensão moral doagente público.

30. Em paralelo com as categorias de promoção stricto sensu, coloca-se, noúltimo degrau, a espécie imprópria, representada pelo adicional de tempo deserviço. Bem que não implicando progressão de índole ética ou hierárquica,confere ao servidor, em virtude apenas do decurso do tempo no desempenho dafunção pública, promoção meramente econômica, adicionando-lhe osvencimentos.

IX — CONSAGRAÇÃO LEGISLATIVA DA TEORIA

31. Como reforço dessa concepção seja lembrado que nosso direito positivojá chegou a consagrá-la de modo explícito, quando foi estabelecido, no Plano deClassificação de Cargos delineado na Lei n.º 3.780, de 12 de julho de 1960, achamada "progressão horizontal", devida, na fona do art. 14, § 39, "a partir do diaimediato àquele em que o funcionário completar o triênio" de efetivo exercício,avaliado consoante o disposto no art. 79 do Estatuto.

32. Expressiva parece a reprodução do inteiro teor do curto capítulo daquelalei concernente aos vencimentos:

"CAPITULO IIIDos VencimentosArt. 14. O vencimento de cada classe está determinado no item A do Anexo III.

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§ 1º É estabelecido para cada classe um vencimento base inicial com aumentosperiódicos consecutivos por triênio de efetivo exercício na classe, comoconsigna a progressão horizontal indicada no item A, do Anexo III.§ 2° O funcionário, quando nomeado percebe o vencimento-base da classe.§ 3º A progressão horizontal é devida a partir do dia imediato àquele em que ofuncionário completar o triênio.§ 4º Os períodos de licenças, previstas nos itens V e VII do artigo 88 doEstatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, e o de afastamento paraservir em sociedade de economia mista ou organismos internacionais não serãoconsiderados para efeito de contagem de triênio.§ 5º O disposto no parágrafo anterior, na parte relativa ao afastamento paraservir em Sociedade de Economia Mista, não se aplica ao Pessoal cedido pelaUnião à Rede Ferroviária Federal S.A., na forma da letra d, do § 29, do art. 15,da Lei n.º 3.115, de 16 de março de 1957.§ 6º O funcionário transferido não interrompe a contagem do triênio parahabilitação à progressão horizontal.§ 7º A apuração de tempo de serviço, para efeito de progressão horizontal,regula-se pelo disposto no artigo 79 da Lei n° 1.711, de 28 de outubro de 1952.Art. 15. O vencimento dos cargos em comissão obedece à tabela de valores doitem B, do Anexo III."

X — ART. 104 DA CONSTITUIÇÃO: EXEGESE PROPOSTA

33. Reconhecidas tais premissas, intuitiva se toma a composição dacontrovérsia.

34. Quando a Constituição ordena, no § 10 do Art. 103, que o período deexercício do mandato (eletivo) federal ou estadual será havido como tempo deserviço apenas para efeito de promoção por antigüidade e aposentadoria, estáimplicitamente proibindo a averbação desse tempo para fins de promoção pormerecimento — a espécie mais qualificada de ascensão funcional — e, emcontrapartida, autorizando tal contagem para o cálculo do adicional por tempo deserviço, em obséquio a sua natureza de promoção limitada, de feição puramenteeconômica.

35. A ratio legis do ditame constitucional foi, com felicidade, identificada peloexímio Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

"Este dispositivo se destina a preservar a independência do servidor públicoeleito para mandato federal ou estadual. Note-se, de passagem, que ofuncionário eleito para mandato municipal recebe outro tratamento.Dispõe o preceito em estudo que o funcionário investido em tal mandato ficaafastado do exercício do cargo. Do contrario estaria ele, como funcionário,sujeito às autoridades que, como eleito e "governante", estão debaixo de suaorientação e de seu controle.Determina mais que, durante esse afastamento, o servidor somente poderá serpromovido por antigüidade. Impede, assim, que a apreciação de seus méritos

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funcionais seja exagerada em decorrência de sua posição política. Não permite,por outro lado, que essa posição política lhe sirva de empecilho para apromoção por antigüidade, que independe de qualquer influência" (Comentáriosà Constituição Brasileira — Vol. III — pág. 2/2).

36. Ora de qualquer influência ou determinante subjetiva fica estremetambém a concessão dos adicionais em causa, por resultar da simples e fatualapuração do tempo dedicado, em exercício efetivo, à função pública.

37. Propõe-se a Lei Maior coibir a promoção de favor que atente menos aomérito do beneficiado, enquanto funcionário público, e mais ao status sócio-político de que desfruta na qualidade de membro de um dos Poderesfundamentais do Estado. Reprova, pois, a possibilidade de cômputo do mandatoeletivo, da União ou dos Estados, para o objetivo da ascensão qualificada.

38. Acolhe, no entanto, com muito acerto, a promoção por antigüidade e,outrossim, a promoção de endereço econômico, consubstanciada nos adicionais,já que se regem ambas por índices de apreciação objetiva. Nem a proteção dogrupo funcional contra a presumida ascendência do "governante", nem oresguardo deste contra pressões que possam afertar-lhe a liberdade nodesempenho do mandato têm, deveras, razão de ser, quando se cuida dapromoção por antigüidade ou da outorga de adicionais. Esta sequer considera,como aquela, a posição relativa do servidor em sua categoria hierárquica,repousando em critério, além de objetivo, absoluto, o que, se fosse isso possível,ainda mais afastaria o risco do tráfico de influência que se pretende evitar.

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XI — COMPATIBILIDADE DA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA COM ACONSTITUIÇÃO

39. Importa ainda mencionar que os adicionais são matéria estranha aosistema de todas as nossas Constituições e, além disso, que, ao tempo daredação do Art. 50 da Lei Suprema de 46, nem mesmo a legislação específicaprevia tal regalia, então apenas privilégio dos funcionários das Secretarias dascasas do Poder Legislativo, de acordo com orientação inserta no Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias (art. 25) .

40. O direito aos adicionais é, portanto, criação da lei ordinária e, emespecial, do Estatuto de 1952, cujos arts. 145, XI, e 146, combinados com oconceito de efetivo exercício estampado no art. 79, incisos VII e VIII, atestamcristalinamente que, ao menos no plano da lei, assiste direito induvidoso aosadicionais, quer aos exercentes de posto no governo ou na administração, queràqueles que se dedicam à função parlamentar, em todas as dimensõesfederativas.

41. O novo modo de atribuição da chamada gratificação qüinqüenal,expresso no art. 10 da Lei n.º 4.345, de 26-6-64, nenhum reflexo teve sobre aapuração do tempo de serviço, com esse específico intuito. Remanesce assim emvigor a regulamentação da matéria cunhada em sucessivos decretos, perante os

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quais se revela também impositiva a contagem do período de mandato eletivo —executivo ou parlamentar — para o fim que se tem em conta.

42. As tentativas de negação desse direito — que, como se disse, continuamestranhamente limitadas aos que cumpriram mandato parlamentar, quando aConstituição fala, genericamente, em mandato eletivo — têm-se fundado naalegada inconstitucionalidade da lei ou outras vezes, com mais requinte, nailegalidade do Decreto n.º 36.953, de 25-2-55. Dessa perspectiva, o efetivoexercício referido no Estatuto precisaria ser compatibilizado com a Constituição,mediante a limitação de sua eficácia aos casos de "promoção por antigüidade eaposentadoria" (cf. parecer da Consultoria Jurídica do DASP, apud "Formulações1 a 100", págs. 83/84).

43. Socorrido pelos subsídios doutrinários acima desenvolvidos, reputoconciliáveis com a Lei Fundamental não apenas os efeitos relativos àaposentadoria e promoção por antigüidade, mas, por igual, o atinente àpromoção, sem ascensão hierárquica, vale dizer, aos adicionais.

XII — DEDUÇÃO "A CONTRARIO SENSU"

44. Um derradeiro argumento merece referência. É que, no regime da Cartade 1946, foram aprovadas algumas leis estaduais e municipais que mandavamcontar em dobro o tempo de desempenho do mandato parlamentar. A medida,quiçá condenável do ângulo ético, não chegava a perpetrar abuso jurídico, umavez que até 1967 se aceitava, pacificamente, nos tribunais, sob a liderança doSupremo, a tese da legitimidade da ampliação das garantias administrativasconstitucionais, por meio de lei local. A meu juízo incoerentemente teve, todavia, aCorte Suprema ocasião de dar pela inconstitucionalidade de mais de umdispositivo desse gênero malgrado as vozes adversas de alguns de seus maisesclarecidos Ministros.

45. Cessou toda a discussão com o surgimento do Ato Institucional n.º 7, de26-2-69, onde, além de disposição de clareza meridiana, que cortava a contagemde mandato eletivo por tempo excedente à sua efetiva duração (art. 69), sedeclinavam também dois considerandos, com este conteúdo:

"Considerando que se impõe, no interesse dos Estados e Municípios e emdefesa dos princípios da Revolução de 31 de Março de 1964, a edição denormas que disciplinem o funcionamento das Assembléias Legislativas eCâmaras Municipais e a remuneração dos respectivos membros;Considerando que constitui privilégio inaceitável contar-se para fins deaposentadoria o período de exercício do mandato legislativo por tempo superiorao do próprio mandato;"

46. Vê-se, destarte, que a preocupação moralizante do Governo com o quetinha como "privilégio inaceitável" não ia além do problema da contagem dobradado tempo de função eletiva. A contagem singela desse tempo — ao contrário doque afirma a Formulação 16 do DASP — foi terminantemente admitida nesse AtoInstitucional. De outra parte, se o ânimo houvesse de fazer cessar a contagem

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desse período para o cálculo dos adicionais, ter-se-ia decerto incluído no Atoproibição expressa a respeito.

47. Nem no AI n.º 7, nem nos seus consectários, os Atos Complementaresn.º 50, de 27 de fevereiro e n.º 51, de 17 de abril imediatos, se consignou, todavia,qualquer referência à questão dos adicionais, que, desde 1952, vinham sendoauferidos com base inclusive nessa contagem pretensamente abusiva.

XIII — CONCLUSÃO

48. À luz de todo o exposto é que proponho se mantenha a Corte fiel aoentendimento até aqui adotado, com relação ao cômputo do tempo de duraçãodos mandatos eletivos, deixando, por conseguinte, de acatar, por improcedentes,as teses recopiladas nas Formulações números 15 e 16 do DASP.

_____________________________Parecer em 4-9 1975.

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PROCESSO N.° 592/73

Procurador: Lincoln Teixeira MendesPinto da Luz

EMENTATomada de preço da Fundação Hospitalar do DistritoFederal para a realização de obras no Hospital deSobradinho.1. Desclassificação da licitante que cotou o menor preçoglobal, por estar incompleta a documentação técnica e porser julgado excessivamente baixo o preço oferecido.2. No sistema instituído pela Lei de Reforma Administrativa,distinguem-se duas fases no procedimento das licitações: ade prévia habilitação dos candidatos e a do julgamento daspropostas. A confusão entre essas fases enseja riscos paraa moralidade administrativa e o interesse econômico doPoder Público.3. Nesta tomada de preços, não foi observada a etapa depré-qualificação dos licitantes. A apreciação da idoneidadetécnico-financeira se fez em conjunto com o exame daspropostas.4. O descumprimento de expressas exigências do edital porparte da firma que ofereceu a proposta mais vantajosajustificou, ainda assim, sua desclassificação.5. Por que a Corte recomende à Fundação o cumprimentodo disposto no art. 36 do Decreto n.º 1.703/71. comotambém que passe a distinguir, nas licitações que realizar,as duas fases procedimentais exigidas por lei: habilitaçãoprévia dos licitantes e julgamento das propostas.

PARECER

Houve por bem o Egrégio Plenário solicitar a audiência da Procuradoria comrespeito à desclassificação da firma Afif Dirane, que, em tomada de preçosrealizada pela Fundação Hospitalar do Distrito Federal com a finalidade decontratar obras de acréscimo no Hospital de Sobradinho, apresentara para aempreitada preço global sensivelmente mais baixo que o das demais licitantes(relatório de fls. 9).

2. A desclassificação foi atribuída às seguintes razões: apresentação dedocumentação incompleta e valor excessivamente baixo, tanto da proposta em si,como do chamado B.D.I., indicador percentual representativo de despesasdiversas de escritório, com "desenhistas, material de consumo, luz, impostos,telefone, contabilidade, remuneração de pessoal etc." (cf. informação de fls. 124).

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3. Dos argumentos que inspiraram a desclassificação, apenas o primeiroassume suficiente objetividade para configurar discrepância entro os termos daproposta apresentada e a exigências do edital, por cópia a fls. 20/29. Com efeito,a firma em apreço deixou de incluir, no seu demandada no Anexo II do Edital n%1/73 (fls. 29), e ainda — circunstância não invocada pela Comissão Permanentede Licitação — os itens relativos à discriminação "dos percentuais componentesdos Encargos Sociais" e à "relação de salário/hora de mão-de-obra produtiva econstrutiva" (sic). já a licitante vencedora cumpriu, com perfeição, todos osrequisitos do edital.

4. Vale, nesse passo, salientar que o exame empreendido nestaProcuradoria se cinge necessariamente aos aspectos jurídicos do problema emcogitação, pois que, à evidência, falece-nos o conhecimento especializado que serequer para a apreciação de questões de mérito, tais como a necessidade c aconveniência administrativa de se exigir dos licitantes o cumprimento de quesitosassim variados c minuciosos como os relacionados no edital de fls. 29;

5. Por dizerem respeito ao problema de valor e custos são de dificílimaapreciação as demais alegações que serviram de suporte lógico àdesclassificação da firma Afif Dirane. Se é verdade que o preço cotado pelalicitante desclassificada (Cr$ 568.936,92) corresponde a apenas 55% do estimadopelos autores do projeto da obra (Cr$ 1.009.569, 50), certo é, por outro lado, quetambém o da firma vencedora foi consideravelmente inferior à mesma estimativa(Cr$ 741.147,55). Não estaria assim o erro com os autores do projeto?

6. Note-se, ainda, que da diferença de Cr$ 172.210,63, existente entre asduas propostas, nada menos de Cr$ 62.717,65, correspondem, não a reduçõesno custo da obra propriamente dita, mas a economia de gastos com ofuncionamento do escritório da firma, o já mencionado "B.D.I.". A desclassificaçãosob tal argumento poderia então estar beneficiando a firma de menorprodutividade administrativa.

7. Deve-se reconhecer, em contrapartida, que uma proposta de preçoexcessivamente reduzido pode de fato resultar de irrealidade ou incompetência naprevisão dos verdadeiros custos da empreitada e que à Administração nãointeressa contratar obras sob o risco de posterior paralisação e de inevitáveisprejuízos de tempo e dinheiro. Trata-se, no entanto, de restrições só oponíveis nafase prévia da demonstração de capacidade dos licitantes, e, não, no instante dojulgamento das propostas.

8. Impede então assinalar a irregularidade dos procedimentos de licitaçãoque vem adotando. a Fundação Hospitalar, única das entidades da AdministraçãoIndireta local que, até agora, não deu cumprimento ao disposto no art. 86, doDecreto n.º 1.703, de 31 de maio de 1971. Com efeito, preceitua tal dispositivoque cada uma das sociedades de economia mista, empresas públicas efundações integradas na Administração Descentralizada do Distrito edite normaspróprias para disciplinar as licitações de preço que tenha de realizar. Todas já ofizeram, à exceção da Fundação Hospitalar — é o que informa a 2á InspetoriaSeccional.

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9. Outro reparo que precisa ficar consignado é o atinente à confusão que seobserva no edital de fls. 9/29 entre duas fases necessariamente distintas daslicitações: a da habilitação preliminar dos candidatos e a do julgamento daspropostas.

10. O sistema instituído na Lei de Reforma Administrativa demarca comprecisão estes dois momentos no procedimento das licitações, assim para asconcorrências, como para as tomadas de preços. Nas concorrências, a habilitaçãoprévia está prevista como etapa preambular e obrigatório, "destinada a comprovara plena qualificação dos interessados na realização do fornecimento ou execuçãode obra" (art. 127, § 2º, Decreto-lei n.º 200 e art. 25 do Decreto n° 1.703/71,citado). Três aspectos da capacidade do candidato são então objeto deapreciação, consoante os termos do art. 131 do Decreto-lei n.º 200/67 e art. 79 doDecreto número 1.703/71: o jurídico, o técnico e o financeiro. iR portanto a própriaparticipação na licitação que fica condicionada à satisfação dos requisitos que, noestrito interesse público, fixar a Administração.

11. Nas tomadas de preço e habilitação dos pretendentes é condição parasua inclusão em registros cadastrais "periodicamente atualizados e consoantescom as qualificações específicas estabelecidas em função da natureza e vulto dosfornecimentos, obras ou serviços" (art. 128, do Decreto-lei n.º 200/67 e arts. 30 e73/80 do Decreto n.º 1.703/71, mencionado ).

12. Creio oportuno, a esta altura, deixar transcritas proveitosas observaçõesde Guimarães Menegale, Barros Júnior e Hely Meireles, recolhidas por CarlosDayrell, em sua obra "Das Licitações na Administração Pública":

"Tal julgamento preliminar, principalmente com relação à idoneidadefinanceira, encerra alguns perigos e equívocos, que a legislação deve prevenir,com o objetivo de eliminar a tendência à parcialidade, tão própria dos juízoshumanos, pois a apreciarão das provas de idoneidade é em parte sujeita aopoder discricionário da autoridade administrativa.Com efeito, é no julgamento da idoneidade que o elemento discricionário, ou alatitude de apreciação por parte das autoridades, é mais acentuado no que dizrespeito ao critério de apreciação do valor dos documentos e demaiscircunstâncias relacionadas ao assunto.Na fase preliminar, em suma, o que não pode fazer a Administração é habilitarpretendente que não satisfaça as condições exigidas, ou excluir candidato que aspreencha, pois a decisão de admitir o candidato não é discricionária.A idoneidade dos concorrentes terá que ser apurada e decidida,preliminarmente, antes de abertas as propostas apresentadas, não se admitindo arecusa de concorrente, debaixo dessa alegação, depois de conhecidas as ofertas.i•Qualquer concorrente poderá impugnar a idoneidade do outro, mas deveráfazê-lo no momento próprio, que é o que medeia entre o recebimento daspropostas e a sua abertura, sendo intempestiva e conseqüente-mente inatendível,qualquer reclamação anterior ou posterior. A verificação da idoneidade moralentende com a moralidade da concorrência e, por isso, constitui uma preliminar

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do seu julga-mento, que não pode ser relegada para decisão final, onde só seaquilatam as vantagens econômicas, técnicas e administrativas das propostas."

13. Incompatível com o sistema brasileiro de licitações se afigura assim aconfusão entre as duas fases da concorrência ou da tomada de preços, por issoque, não havendo a perfeita separação entre o instante da habilitação e a dojulgamento das propostas, cresce o risco de parcialidade na escolha do vencedor,sob o pretexto da má qualificação técnica do concorrente que ofereça o menorpreço — hipótese com que não se compadece a moralidade administrativa e ointeresse econômico da Poder Público.

14. Na tomada de preços em exame, inexistiu, como se verifica do exame dadocumentação de fls. 9 e seguintes, a necessária diferenciação entre essas duasetapas, de modo que, simultaneamente, se apreciaram as propostas oferecidas ea idoneidade técnico-financeira das firmas licitantes, procedendo-se àdesclassificação sob argumentação que focaliza a um tempo a capacidade daempresa para executar a obra e o descumprimento de quesitos do edital.

15. Seja como for, assiste, a meu ver, razão à Inspetoria-Geral, quandoopina pela licitude do ato de desclassificação em exame, porque, comoassinalado, o licitante que cotou o menor preço deixou de dar cumprimento aexpressas disposições do edital.

16. À vista, no entanto, das diversas circunstâncias comentadas nesteparecer, sugiro ainda recomende o Egrégio Plenário à Fundação Hospitalar quepasse a distinguir, nas licitações que realizar, essas duas fases inconfundíveis(habilitação prévia e julgamento das propostas), e, ao mesmo tempo, que edite, omais breve possível, suas normas específicas de licitação, como determina o art.86 do Decreto n.º 1.703/71, citado.

_________________________________Parecer em 2-4-1975.

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PROCESSO N.° 664/71 - STC

Procurador: Lincoln Teixeira MendesPinto da Luz

EMENTAProcessamento de promoções e acesso de servidores doTribunal.1. A promoção e o acesso dos servidores do Tribunal deContas do Distrito Federal dependem, em regra, do decursodo interstício de três anos de efetivo exercício na classe. Ointerstício se reduz a dois anos quando não haja servidorcom os três anos de classe (arts. 28 e 33 do Decreto-lei n.º274/67).2. Na hipótese de inexistir na classe qualquer servidor emcondições de concorrer à promoção ou ao acesso, aexigência legal do interstício correspondente, apenas, aopropósito de impedir que ascendam às classes superioresfuncionários ainda desprovidos de experiência e maturidadefuncionai. A exigência tem em vista, portanto, o interesse daAdministração.3. O objetivo da adequada maturação funcional dosservidores beneficiários da promoção ou acesso é, porvezes, de difícil compatibilização com o do integralprovimento do quadro de pessoal determinado órgão. Porisso, não raro, quadros contêm disposição transitória emque se dispensa o interstício para o primeiro provimento dosnovos cargos.4. O afastamento temporário da exigência do interstício,pelo legislador, se funda na consideração do prioritáriointeresse do órgão público de contar com os funcionáriosindispensáveis à execução dos serviços de suacompetência.5. A criação legal de novos quadros de pessoal estabelecea presunção jurídica de que todos os cargos que osintegram precisam ser providos, pois, em tese, a lei sóinstitui quadros estritamente suficientes ao atendimento dasnecessidades administrativas.6. O art. 49 do Decreto-lei n.º 373/68 limite a par dainterpretação literal, que indica haver expirado, com aextinção do quadro, provisório, a competência regulamentartemporária deferida ao Tribunal — outra exegese razoável:a de que tal competência prevalecerá até o completoprovimento dos novos cargos.7. Possível, assim, à Corte, acolhendo este últimoentendimento, dispersar o interstício e proceder às

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promoções e ao acesso sugeridos, contanto querespeitadas as vagas destinadas a concurso público.

PARECER

Solicita Sua Excelência o Presidente deste Tribunal o parecer daProcuradoria acerca de representação da Diretoria-Geral com respeito aspromoções e acesso de funcionários do Quadro de Pessoal dos ServiçosAuxiliares.

2. A questão de direito se resume na possibilidade de ser dispensado ointerstício, previsto em lei como condição sine qua non para o concurso àpromoção e ao acesso.

3. Da minuciosa exposição, de fls. 1/6, ressalta a conveniência administrativade se processarem, de imediato, as promoções e ao acesso sugeridos, para quea Corte, carente de pessoal; para o desempenho de suas funções, possa terpreenchidos os cargos de seu quadro.

4. O interstício se há de entender corno o período durante o qual o servidortem de permanecer numa classe para adquirir o direito de concorrer a promoçãoou acesso a classe mais elevada.

5. No regime da Lei n.º 1.711/52 esse período ficava limitado a 365 dias deexercício efetivo na classe. A Lei n° 3.730, de 12 de julho de 1960, (pie dispõesobre a classificação de Cargos do Serviço Público Civil, alargou para três anosesse tempo, autorizando, entretanto, sua redução para dois anos na hipótese, queé a do processo em tela, de inexistir funcionário com os três anos de classe.Iguais períodos de tempo de classe foram estabelecidos como condição deconcorrência à promoção e ao acesso no Decreto-lei n.º 274/67 (arts. 23 e 33),que trata da classificação de Cargos do Distrito.

6. Esse diploma legal se aplica, também, ao quadro da Secretaria destaCorte, por força do seu art. 51, que expressamente o determina.

7. O Decreto-lei n.º 373, de 28 de dezembro de 1963, que dispõe,especificamente, sobre o atual Q.P.S.A., não cuida do interstício, seja para exigi-lo, seja para dispensá-lo.

8. A exigência legal do interstício, na hipótese de inexistirem servidores quepreencham as condições da lei, corresponde, tão-somente, a imperativo depolítica administrativa, qual seja o de impedir que ascendam às classessuperiores dos quadros de pessoal servidores ainda desprovidos da necessáriaexperiência e maturidade funcional, que, presumidamente, se adquirem em cadadegrau hierárquico da série de classes. Quis, por certo, o legislador evitar que aelevação do funcionário ao último escalão da carreira se desse prematuramente,o que frustraria, em parte, a razão de ser do próprio sistema de promoções, namedida em que faria desaparecer um atuante estímulo à eficiência e assiduidaderepresentado pelo interesse do servidor em se ver promovido.

9. Agora tais aspectos, não diviso razões ou vantagens na exigência dointerstício,í que, por conseguinte, lança raízes, exclusivamente, no plano daconveniência da Administração.

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10. Se relevante é o interesse do Tribunal em que as promoções de seusservidores obedeçam aos melhores padrões técnico-administrativos, não menosrelevante, segundo imagino, é o seu interesse em ver preenchidos o reduzidoquadro de pessoal de que dispõe.

11. O pleno provimento dos cargos integrantes dos quadros de pessoal éinteresse público muitas vezes de difícil compatibilização com o da adequadamaturação funcional dos servidores beneficiários da promoção e acesso. Por essemotivo, as leis de criação ou aumento de quadros de pessoal não raro contêmdisposições transitórias referentes à dispensa do interstício para o primeiroprovimento desses cargos. Serve de exemplo, o art. 4º da Lei n° 3.948, de 19-9-61, citado aliás no despacho da Diretoria-Geral, que reza:

"Para as primeiras promoções e até que se complete a movimentação dascarreiras do Quadro da Secretaria do. Tribunal de Contas do Distrito Federal,fica dispensado o interstício de que trata a legislação federal em vigor."

12. Com a mesma finalidade de conciliar o objetivo circunstancial dopreenchimento de cargos novos com o objetivo permanente da boa técnica noprocessamento das promoções e acessos, previu-se no Decreto-lei n.º 274, de28. de fevereiro de 1967, o engenhoso artifício de classes ou séries de classescom cargos provisórios suprimidos a medida que vagassem em razão doprovimento dos cargos definitivos nas classes superiores. Atendiam-se, destarte,os dois objetivos.

13. Mais longe, ainda, foi a Resolução n° 67/62, que trata do regime dosservidores da Câmara dos Deputados, porquanto determina em seu art. 119, § 16,ia fine, seja dispensado o interstício quando não haja funcionário com 365 dias deefetivo exercício na classe.

14.E Nota-se, pois, que em dadas circunstâncias, o legislador tem afastado,temporariamente, a exigência do interstício em consideração ao mais prementeinteresse do órgão público de contar com o pessoal necessário à execução dosseus serviços,

15. Creio mesmo que a criação, em lei, de novos quadros de pessoalestabelece a presunção jurídica de que todos os cargos que os integram precisamser providos.

16. Caso contrário, prevaleceria a absurda conclusão de que a lei teriainstituído quadros maiores do que as necessidades administrativas impunham, oque é, em tese, obviamente falso.

17. O art. 4º do Decreto-lei n.º 378, de 23 de dezembro de 1968, atribui aeste Tribunal competência temporária para regular a transferência dos servidoresdo antigo Quadro Provisório para o novo Quadro de Pessoal dos ServiçosAuxiliares. Em face das considerações que acima desenvolvo, entendo que taldispositivo — a par da interpretação literal e restritiva, que indicaria haverexpirado essa competência com a extinção daquele quadro provisório, admiteoutra exegese razoável, qual seja a de que tal competência somente terminaráquando do completo provimento dos cargos do novo quadro. Caso, portanto, a

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Egrégia Corte entenda haver urgência no preenchimento dos cargos vagos,poderá adotar este entendimento, dispensando, no uso do poder regulamentarconferido pelo art. 4º do decreto-lei citado, o interstício previsto em lei, tal comosugere a Diretoria-Geral. A ressalva que se impõe, todavia, é a do respeito àsvagas destinadas a concurso público, vale dizer, as cinco vagas que passarão aexistir na classe inicial da carreira em causa.

_____________________________________Parecer em 6-8-1971.

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PROCESSO N.° 765/72 - STC

Procurador: Lincol Teixeira Mendes Pintoda Luz

EMENTANotas de empenho do Corpo de Bombeiros do DistritoFederal.1. Irregular o empenho de despesa em favor de órgão daAdministração Direta, visto não poder ser credor quem nãopossui personalidade de direito.2. O subelemento "Serviços de Terceiros" destina-se aocusteio de serviços prestados por não-funcionários.3. Ilegal a despesa empenhada com a Nota no 198/72.4. A Assistência Médico Social do C.B. reveste aorganização e exerce as atividades típicas de caixabeneficente, instituição de natureza marcadamente civil.Seu regulamento contém disposições incompatíveis cena asfunções e a estrutura da Administração Centralizada e como sistema financeiro e orçamentário brasileiro.5. Compete, em princípio, ao Governador do Distritodispensar a licitação, no caso de despesas superiores acem vezes o valor do maior salário mínimo vigente no paíse que correspondem à aquisição de material eequipamentos de fornecimento exclusivo do produtor. Talcompetência foi delegada, mediante o Decreto n° 1.718, de16 de junho de 1971, aos Srs. Secretários, Procurador-Geral e Chefe de Gabinete do Governador.6. Não se tendo providenciado a dispensa em apreço nocaso da Nota de Empenho n° 252/72, recomenda-se seja acompra respectiva homologada pelo Sr. Secretário deSegurança Pública do Distrito.

PARECER

Devo pronunciar-me sobre a regularidade das despesas empenhadas pormeio das Notas de n. 198 e 252/72, cujas 2.as vias constituem as fls. 69 e 106dos autos. Na instrução da Inspetoria-Geral e nos debates de Plenário,levantaram-se dúvidas acerca de tais despesas, motivo por que a eminenteProcuradora Geral, Dra. Elvia Lordello Castello Branco requereu vista doprocesso, que me foi então distribuído.

2. A primeira dessas Notas, de n° 198/72, concerne a pagamento à"Assistência Médico-Hospitalar do Corpo de Bombeiros" local, a título deindenização de gastos com consultas, tratamento médico e hospitalização demilitares. Diligência da Inspetoria-Geral revelou haver equívoco quanto ao nome

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do credor, que, na realidade, é a Assistência Médico-Social do C.B. — órgãoprevisto no regulamento da Corporação como parte integrante de sua Diretoria deSaúde.

3. Às fls. 71/73 encontrei, por cópia, o regulamento desse órgão deassistência, cuja estrutura e funcionamento se assemelham sobremaneira aos deuma entidade civil. Essa circunstância, aliada ao fato de o empenho em análisehaver sido emitido em seu favor, sugeriu-me a possibilidade jurídica própria.Solicitei então à S? Chefe do Serviço de Fiscalização Financeira verificasse se setratava ou não de sociedade constituída nos moldes da lei civil. A aludida Chefe,D. Leila Marques Cintra e Silva, apurou então, em diligência que pessoalmenteempreendeu, fazer parte a Assistência em causa da Diretoria de Saúde do Corpode Bombeiros, não possuindo destarte personalidade de direito.

4. Entendo, desse modo, que o Empenho n.º 198/72, de fls. 69, contém, apar do já mencionado engano quanto ao nome da entidade, mais estasincorreções:

a) emissão em favor de repartição pública, quando é óbvio não poder sercredor quem não é pessoa jurídica; e

b) duplo equívoco na classificação de despesa, quer por não se tratarpropriamente do pagamento de serviços médicos prestados por aquelaAssistência (mas da indenização de gastos anteriores com consultas, tratamentoe hospitalização na Fundação Hospitalar), quer por ter sido debatida a Serviçosde Terceiros, suplemento destinado a custear serviços executados por não-funcionários, isto é, pessoas estranhas aos quadros do Serviço público.

5., Mais grave, no entanto, por seu vulto e permanência, parece ser a própriaexistência Médico-Social, nos moldes atuais. É o órgão que aberra, por inteiro, àestrutura administrativa do Distrito Federal, pois reveste a organização e exerceas atividade típicas de caixa beneficente, instituição de natureza marcadamentecivil, em seus objetivos e funcionamento.

6. Eis porque, à simples leitura do regulamento por onde se pautam asatividades desse órgão, se depara com diversas disposições de todoincompatíveis, sob o prisma do Direito, já com as funções e estrutura daAdministração Centralizada, já com o sistema financeiro e orçamentário brasileiro.Assinalo, especialmente:

I — o recolhimento de numerário a título de mensalidades, jóias eemolumentos, por órgão não pertencente ao sistema da receita do Distrito;

II — a vinculação direta entre os fundos assim arrecadados e as despesasefetuadas pelo órgão;

III — a arrecadação de receita não prevista em lei;

IV — a autorização permanente ao tesoureiro da sociedade para conservarem seu poder parcela dos fundos da entidade; e

V — a concessão aos associados de empréstimos, para pagamentomediante desconto em folha.

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7. São, como se vê, atividades vedadas a qualquer órgão da AdministraçãoDireta, seja do Distrito Federal, seja de outra qualquer pessoa de direito públicointerno do Brasil.

S. Em conclusão, não me parece legal a despesa cujo Empenho se extraiusob o n.º 198/72.

9. Quanto à Nota n.º 252/72, alusiva à aquisição de veículos, marcaVolkswagen, deixou a despesa empenhada de ser precedida da dispensa delicitação exigida pelo art. 39, I, e, do Decreto n.º 1.703, de 31 de maio de 1971.Segundo tal dispositivo, cabe, em princípio, diretamente ao Governadorcompetência para essa dispensa. Sucede, no entanto, que, na forma prevista nosarts. 11 e 12 da Lei de Reforma Administrativa, houve por bem S. Ex. delegarpoderes aos Srs. Secretários, Procurador-Geral c Chefe de Gabinete paraautorizarem tal dispensa nos casos das alíneas (l, e f do artigo em referência.Endosso, por isso, a sugestão da Chefe da 2ª Seção do S.F.F. no sentido de queseja a despesa submetida à homologação do Exm.º Sr. Secretário de SegurançaPública do Distrito.

___________________________________Parecer em 2-10-1972.

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PROCESSO N.º 725/72

Procurador: Lincoln Teixeira MendesPinto da Luz

EMENTATomada de contas especial.1. Defesa prévia inconsistente.2. As decisões da justiça criminal não se refletem sobre ojulgamento de tomadas de contas, senão quando absolvidoo réu por inexistência do fato ou por inexistência do fato oupor exclusão de autoria.3. A apreciação de contas peio Tribunal parte da presunçãolegal da responsabilidade dos servidores pela arrecadação,guarda ou gestão de dinheiro ou valores públicos. Aoresponsável corre o dever de prestar contas, demonstrandoa regularidade de sua gestão, para que a Corte o libere daresponsabilidade presumida (Lei n.º 5.528/68, art. 33).4. A liquidação administrativa de fiança ou caução, pordeterminação do Tribunal, Loa condicionada ao definitivoestabelecimento do "quantum" devido.5. Por que se fixe provisoriamente o valor do débito,notificando-se o ex-servidor para, em trinta dias, repor aimportância do alcance, comprovar-lhe a inexatidão oucontestar-lhe a ocorrência.

PARECER

Por proposta desta Procuradoria, fundada no art. 49 do Ato Regimental n.º7/74 e acolhida pelo Egrégio Plenário, foi citado o Sr. J.A.M., para apresentardefesa previa contra a imputação de alcance que lhe foi feita pela Comissão detomada de contas especial (relatório de fls. 232/240).

2. Dentro do prazo concedido, apresentou o responsável sua defesa (fls.251/255), em que pede, liminarmente, a sustação do julgamento das contas atéser conhecido o veredicto da justiça criminal acerca do fato que deu origem a esteprocesso.

3. Sustenta a solicitação com o argumento de que se acham garantidos oscofres da SH1S, tanto pelo seqüestro dos direitos aquisitivos de apartamento deque é promitente comprador, como pela existência de seguro de fidelidadefuncional a cobrir-lhe a responsabilidade.

4. Não me parece possa ser deferida tal pretensão, dado que, em princípio,as decisões da instancia criminal não repercutem sobre o julga-mento de contas,ressalvada a hipótese de absolvição por negativa de autoria ou por inexistência do

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fato. É que a apreciação das tomadas de contas, ao revés do juízo penal, parte dapresunção de responsabilidade pela arrecadação, guarda ou gestão de dinheiro,bens ou valores públicos. A presunção, todos sabemos, é a técnica jurídica queadmite como verdadeiro um fato simplesmente provável.

5. A presunção legal que se firma contra as pessoas sujeitas a tomada docontas é relativa, ou juris tantum, cedendo, destarte, ante prova em contrário —prova essa que cumpre ao responsável produzir. Tanto assim é, que o art. 33 daLei n.º 5.538/63 reza que somente por ato do Tribunal poderão as pessoassujeitas a tomada de contas ser "liberadas de sua responsabilidade". Aresponsabilidade não precisa ser demonstrada, por isso que se presume. Outrarazão que aconselha não atender ao pedido de sobrestamento é que somenteapós fixado em definitivo o valor do débito, poderá o Tribunal, tal como prevê oart. 53 do Ato n.º 7/74, ordenar a liquidação administrativa do seguro de fidelidadefuncional. A tomada de contas, ordinária ou especial, uma vez iniciada, só deveterminar com o julgamento da Corte.

6. No mérito, afirma o responsável a improcedência das acusações da SHISpela falta absoluta de provas, ao mesmo tempo que, impropriamente, ressalta acircunstância de não haver sido denunciado como Chefe do Serviço de Tesourariada entidade. Entendo equívocas as afirmações. Perante esta Corte, não seprocessa o julgamento de acusações, nem tampouco o de responsáveis, mas,tão-somente, o de contas, ou melhor, de sua regularidade. A posição do Sr.J.A;M., ante o Tribunal, é, exatamente, a de responsável pelo S.S.T. da SHIS noperíodo em que teria ocorrido o desfalque.

7. Afigura-se que o responsável não percebeu com clareza a naturezaespecial de sua situação no processo de tomada de contas, havendo, ao queparece, seguido linha de defesa idêntica à adotada no juízo criminal. Cabia-lhedemonstrar, alternativamente, que não ocorrera o desfalque, que seu importe erainferior ao total apurado, ou que, embora houvesse ocorrido, não falhara em seudever de guarda com relação ao numerário entregue a sua responsabilidade, porculpa in vigilando ou in omittendo. Cumpria que trouxesse à colação os elementosde convicção a seu alcance para ilidir a presunção que contra ele a lei estabelece.

8. E o que lhe será ainda possível fazer se o Egrégio Plenário aprovar aconclusão a que chego neste parecer, qual seja a de, em consonância com odisposto no art. 51 do Ato Regimental n.º 7/74, fixar provisoriamente o valor dodébito em Cr 95.950,00. notificando o responsável para, dentro de trinta dias,repor a importância do alcance, demonstrar-lhe a inexatidão ou contestar-lhe aocorrência.

________________________________Parecer em 9-7-1975.

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PROCESSO N.° 614/74

Procurador: Roberto RosasEMENTA1. Aposentadoria — Proventos proporcionais.2. Interpretação sistemática da Constituição. Na análise dosdispositivos inerentes à sobrevivência devo ser levado emconta o direito individual concernente à inviolabilidade dosdireitos concernentes à vida e à solidariedade humana.3. A Constituição assegura o direito ao salário mínimocapaz de satisfazer às necessidades normais dotrabalhador e de sua família.. Aplicação analógica aoservidor público.4. A valorização do trabalho como condição da dignidadehumana é incompatível com proventos irrisórios abaixo dosalário-mínimo. Não é forma de valorização quando oprêmio pelo trabalho é a ínfima retribuição na incapacidadepara o trabalho.5. Direito ao valor do salário mínimo quando a laxação sejainferior.

PARECER

1. No Processo n.º 370/74, meu ilustre antecessor, hoje insigne Juiz noDistrito Federal, Dr. Hermenegildo Fernandes Gonçalves, aflorou tese da maisalta relevância, qual seja: os proventos proporcionais não poderão ser fixadosabaixo do valor do salário mínimo. Este é salário vital como direito do servidor,sendo regra aplicável aos particulares e ao Estado. Partiu do pressuposto que aLei Previdenciária já impõe esse mínimo. Apontou decisões do Tribunal de Contasda União, do Tribunal Federal de Recursos e do Tribunal de Justiça do DistritoFederal favoráveis à tese, sendo este conclusivo:

"Ementa: Servidor inativo — Proventos — Servidor aposentado não poderáperceber proventos de valor inferior ao salário mínimo. A regra daproporcionalidade ao tempo de serviço é subordinada àquele piso.i (ApelaçãoCível n.º 3.258 — DJ de 10-5-74, pág. 3075).

A Dra. Elvia Lordello Castello Branco, eminente Procuradora-Geral, tambémmanifestou-se sobre a matéria (Processo n.º 690/74), analisando os aspectosjurídicos e sociais, para concluir com seu endosso ao parecer do Dr.Hermenegildo Fernandes Gonçalves.

2. Toda questão cinge-se ao entendimento da expressão salário mínimo.

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Já a Lei n.º 185, de janeiro de 1936, fonte do art. 76 da CLT, exprimia que osalário mínimo é a remuneração mínima normal de serviço capaz de satisfazer àsnecessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.Esse salário seria calculado pela soma das despesas diárias com os itensconsiderados como necessidades normais.

Vê-se, portanto, o alcance social dessa fixação do chamado salário nominale não o salário real, que a Constituição considera para todos os trabalhadores namais ampla acepção (Pontes de Miranda — Comentários — Vol. VI/109 — 1969).

3. A Constituição de 1934, baseada nos princípios da Constituição deWeimar, instituiu uma série de princípios econômicos e sociais, dentre eles, oamparo social. Lá se instituiu a aposentadoria com proventos integrais (art. 170, §6º). No entanto, a legislação do trabalho observaria os preceitos quemelhorassem as condições dos trabalhadores, como salário mínimo, "capaz desatisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais dotrabalhador" (art. 121, § 1º, b). Outra não foi a redação da Carta de 1937 (art. 137,b). E a Constituição de 1946 quis mais: "salário mínimo capaz de satisfazer àsnecessidades normais do trabalhador e de sua família" (art. 157, I); art. 158, 1, daConstituição de 1967, e art. 165, I, da Constituição de 1969). Essa disposição nãoé singular, pois, a Constituição italiana diz que o trabalhador terá direito a umaretribuição suficiente a assegurar a si e sua família uma existência livre e digna(art. 36).

Dir-se-á que o salário mínimo corresponde ao trabalho, e o aposentado nãotrabalha, não necessitando de transporte e vestuário especial. Mas necessitará deremédios, tratamento etc., que não poderão ser adquiridos com outra atividade,pois a invalidez o impede. E quem suprirá essa falta? em última análise, o Estado,o seu empregador.

4. Argumenta-se que a Constituição considera proventos proporcionais aotempo do serviço, quando o funcionário contar menos de trinta e cinco anos deserviço.

Essa regra surgiu de emenda do Constituinte Paulo Sarasate em 1946, paraespecificar os casos de aposentadoria com proventos integrais (acidente notrabalho, doença especificada em lei etc.), das restantes aposentadorias comqualquer tempo (José Duarte — A Constituição Brasileira de 1946 — 3° vol./346).Por outro lado, fixou-se no art. 193 da Constituição de 1946 a revisão dosproventos sempre que, por motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, semodificassem os vencimentos dos funcionários em atividade. A razão eraapresentada pelo autor da emenda que se transformou em dispositivoconstitucional: "esse dispositivo, além de significar uma expressão de justiçasocial, é a correção de um erro na estipulação do amparo para aqueles cuja idadeou destino tirar a faculdade de adquirirem meios de subsistência" (José Duarte —ob. cit., pág. 352).

Essa regra constitucional permanece eficaz (Constituição de 1969, art. 102,§ 1º).

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Pontes de Miranda, ao comentar o dispositivo, ressalta que tanto ofendera aConstituição a lei ordinária que aumentasse vencimentos de funcionários públicosem atividade, sem aumentar os vencimentos dos inativos, quando a lei que sóaumentasse a esses, em relação àqueles, em proporção mínima, que nãocorrespondesse à necessidade do reajustamento.

5. Ora, será letra vã buscar-se a justiça social através da valorização dotrabalho como condição da dignidade humana (art. 160, II) dando-se o trabalhadorcomo incapacitado para as lides diárias, em geral, por doença que impossibilita otrabalho diuturno, contra sua vontade. A doença minou o indivíduo, e ele não maispode atender aos deveres laborativos. Então, a sociedade gastará muito maiscom o auxílio e a proteção desse indivíduo.

Por isso, a legislação de longa data impede ao Poder Público remuneraçãoinferior ao salário mínimo, corno dispôs no art. 59 da Lei n.º 3.531, de 19-11-59:"nenhum servidor civil, inclusive pessoal pago à conta de dotações globais,poderá receber vencimentos, remunerações ou salários de retribuição de qualquernatureza inferior ao salário mínimo previsto para a região em que estiver lotado".

Também a Lei n.º 4.242, assim dispôs:

"Nenhum funcionário da administração direta e indireta do Poder Executivopoderá perceber vencimento inferior ao maior salário mínimo. vigente no País enenhum servidor temporário ou de obras perceberá retribuição inferior aosalário mínimo da região em que estiver lotado."

Qualquer valor não constitui garantia da sobrevivência do indivíduo. A Lei n.º3.738/60, que tratou da pensão especial à viúva do funcionário, levou o Tribunalde Contas da União a editar a Súmula n.º 35 que não considera economia própriaa renda incapaz de proporcionar subsistência condigna. Então a insignificantereceita não exclui a pensão especial.

Agora a Lei n.º 6.179, de 11-12-74, dá um beneficio aos maiores de 70 anoscorrespondente à metade do maior salário mínimo vigente, desde que tenhamsido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo, por doze meses.No processo em tela, o servidor com doze anos de serviço vai receber menos doque a metade do salário mínimo. Argumentando que qualquer empregadotrabalhasse apenas um ano em sua vida e descontasse para o INPS, receberiamais do que o servidor ora aposentado.

6. Em suma, estamos diante da regra constitucional que estipula osproventos proporcionais ao tempo do serviço; o ordenamento impede a fixação deproventos acima da remuneração percebida na atividade; a revisão dos proventospor motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, e last but not least, aimposição constitucional do direito dos trabalhadores ao salário mínimo.

Será letra morta do Direito Constitucional laborativo a valorização dotrabalho como condição da dignidade humana não se dando ao indivíduocompelido pelo Estado à reclusão de um lar, ou de um hospital, por invalidez parao Serviço Público, a mínima condição traduzida no salário nominal mínimo.

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Feito este esforço, lembramo-nos de Georges Burdeau para quem odestinatário da lei política não é o cidadão, e sim o trabalhador, o homem segundoa prosperidade geral que cause e por isso lhe são concedidas exigências normaisde subsistência e da sua família (Traité de Science Pofitique, vol. VI/33).

Talvez o legislador constitucional ou ordinário apercebera-se dessa situaçãoeconômica.

Mas vale lembrar a lição de Cooley, para quem a Constituição aplica-se aoscasos modernos, não previstos pelos que a elaboraram. As palavras podem serestendidas a diferentes relações e circunstâncias criadas por um estadoaperfeiçoado (Constitucional Limitations, pág. 98).

7. Em conclusão, nosso parecer corrobora as opiniões já acima apontadas,para:

a) o Egrégio Tribunal considerar correto o ato de aposentadoria quanto aosaspectos legais;

b) que os proventos, no caso Cr$ 154,81, sejam complementados até queatinjam o salário mínimo vigente à época da concessão;

c) como decisão normativa, a Secretaria de Administração fique autorizada àrevisão ex officio dos casos semelhantes, nos termos do art. 30, I, da Lei n.º5.538, de 22-11-1968.

__________________________--Parecer em 4-6-1975.

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PROCESSO N.° 246/75

Procurador: Roberto RosasEMENTA1. Aposentadoria de policial com proventos proporcionais.2. Incorporação da gratificação de função policial.3. Interpretação sistemática dos arts. 348 e 295 do Decreton° 59.310, de 27-9-1966.4. Legalidade do ato.

PARECER

A aposentadoria foi decretada com base em laudo médico que declarou oservidor incapaz definitivamente para o serviço, por ser portador de steoartritecervical, doença não especificada em lei, com proventos proporcionais ao tempode serviço.

Controverte-se neste processo sobre a incorporação da gratificação defunção policial aos proventos, tendo em vista o cálculo proporcional e não integral(fls. 17 e 36).

A Lei n.º 4.878, de 3-12-65, que trata do regime jurídico do policial, defere agratificação de função policial ao servidor pelo regime de dedicação integral (art.23).

O Decreto n.º 59.310, de 27-9-1966, em seu art. 348, diz:

"O funcionário, quando aposentado por um dos motivos enumerados nos itensII e III do art. 343 deste Regulamento, incorporará aos proventos de inatividadea gratificação de função policial no valor que percebia ao aposentar-se."

Diga-se, a bem do esclarecimento, que o art. 343, II, trata da aposentadoriacom proventos integrais nos casos de acidente no serviço ou doença profissional.Afora esses casos, o provento será proporcional ao tempo do serviço, na razão deum-trinta avos por ano, di-lo o art. 346 do citado Decreto n.º 59.310.

Sendo, no caso, aposentadoria com proventos proporcionais, pergunta-sesobre a incorporação da gratificação de função policial.

Esse Decreto n.º 59.310, que regulamenta a Lei n.º 4.878, é expresso aoadmitir a proporcionalidade:

"A gratificação de função policial incorporar-se-á ao provento da aposentadoriaà razão de 1/30 avos por ano de efetivo exercício de atividade estritamentepolicial" (art. 295).

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Esse texto foi repetido no Decreto "N" n.º 668, de 26-10-1967. Logo, deduz-se que a regra é a proporcionalidade (art. 295), e a exceção é a integralidade (art.348). Nessa linha de raciocínio conduz-se Abreu de Oliveira em seu consagradolivro "Aposentadoria no Serviço Público" (pág. 477).

Em conclusão, nosso parecer é pela legalidade do ato, e, em especial,quanto à gratificação de função policial.

_______________________________Parecer em 10-7-1975.

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III. - JURISPRUDÊNCIA SOBRE TRIBUNAIS DECONTAS

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Funcionalismo. Proventos da inatividade. Inexistência de direito adquirido àregra da equiparação, revogada por lei posterior à aposentadoria (STF — ERE n.º72.514 — RTJ n.º 70/392).

* * *

Equiparação. Não há direito sob alegação de ter sido concedida a outroservidor apesar de proibida (STF — RE n.º 79.874 — DJ, 12-9-75).

* * *

A superveniência de prova de tempo de serviço prestado, enseja a revisãolegítima do provento (TC DF n.º 749/74 — Sessão de 24-6-75).

* * *

O caráter tardio da averbação do! tempo de serviço é irrelevante para opedido de revisão (TC DF — Idem — Processo n.º 749/74).

* * *

A miocardite chagásica é considerada cardiopatia grave (TC DF — Processon.º 681/74 — Sessão de 21-1-75).

* * *

Só é indevida a repetição na hipótese anômala de, por erro ou. ignorância,continuar o servidor atingido pela compulsória, no exercício do cargo (TC DF —Processo n.º 666/74).

* * *

A entidade não pode pagar aos servidores que se encontrem à suadisposição quaisquer vantagens que não constem do Estatuto do Funcionário ede leis que o complementem. (TC DF — Processo n.º 688/73 — Sessão de 18-3-75).

* * *

A partir do dia em que atinge a idade-limite de permanência no serviçopúblico, o servidor passa a ter direito a proventos e não a vencimentos. Se esteslhe são pagos até a concessão do abono provisório, deve o inativo repor orecebido a maior na forma prevista no art. VBE da Lei n° 1.711 (TC DF —Processo n.º 666/74).

* * *

Conceito de paralisia irreversível e incapacitante (DO, 8-9-75, pág. 11735).

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SECRETARIA NACIONAL DE SAÚDEDivisão Nacional de Perícias Médicas

INSTRUÇÃO n.º 11, DE 27 DE AGOSTO DE 1975

A Substituta do Diretor da Divisão Nacional de Perícias Médicas, no uso desuas atribuições, Considerando o item I do art. 19 do Decreto n.º 73.615, de 11 defevereiro de 1974, resolve baixar as seguintes instruções relativas ao conceito deParalisia Irreversível e Incapacitante, que deverão orientar, doravante, as equipesmédicas do Serviço Público Federal Civil, nos exames médico-periciais.

O termo paralisia é usado em medicina para significar a abolição dasfunções motoras ou sensoriais e, quando aplicado aos músculos voluntários, àperda da capacidade de contração ocasionada pela interrupção de uma das viasmotoras em qualquer ponto desde o cérebro até a fibra muscular )Raymond D.Adams).

A paralisia está incluída entre as doenças que garantem ao servidor osbenefícios e vantagens especificados na Lei n.º 1.711/52, desde que sejairreversível e incapacitante, o que significa que a simples paralisia de um músculoou grupo de músculos não representa, por si só, motivo para incapacidade. Paraque a paralisia seja considerada irreversível, é necessário que persista apósterem sido esgotados os prazos para recuperação e empregados todos os meiosde tratamento disponíveis.

(*) Comissão Nacional de Perícias Médicas.

Levando em conta a localização e extensão da paralisia, podemos classificá-la em:

1 — Paralisia isolada — quando atinge um músculo ou um grupo demúsculos.

2 — Monoplegia — quando são atingidos todos os músculos de um membro.

3 — Hemiplegia — quando a parte atingida é representada por um dimidio.

4 — Paraplegia — quando a paralisia se localiza em ambas as pernas.

5 — Quadriplegia — quando a paralisia atinge os quatro membros.

Em princípio podemos considerar como fazendo jus ao enquadra-mentoentre as doenças especificadas em Lei, as hemiplegias, as paraplegias e asquadriplégias. A monoplegia ou paralisia isolada de um músculo ou grupo demúsculos, só deverá ser incluída entre as doenças especificadas em Lei quandosua localização for de molde a impedir o exercício da atividade profissional, comopor exemplo, a monoplegia de um membro principal, em servidor altamenteespecializado no uso desse membro.

Os casos de paralisia, que embora irreversível acarretem incapacidadetransitória (recuperação ou reabilitação), justificam o enquadramento no art. 104da Lei n° 1.711/52, somente durante o período da incapacidade. — Dra. Maria daGlória Carneiro, Substituta do Diretor.

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IV. - NOTICIÁRIO

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I SIMPÓSIO DE MÉTODOS E PROCEDIMENTOS PARA EXECUÇÃO DOCONTROLE EXTERNO NO SISTEMA DE AUDITORIA

RELATÓRIO

Delegação do Tribunal de Contas do Distrito Federal (Conselheiro-Substituto — Bento JoséBugaria e Inspetor-Geral — Pedro Delforge).

Senhor Conselheiro-Presidente:

Cumprindo determinação deste Egrégio Tribunal, por honrosa designação de VossaExcelência, tivemos a satisfação de participar dos trabalhos do I Simpósio de Métodos eProcedimentos Para Execução do Controle Externo no Sistema de Auditoria, realizado na Cidadede Florianópolis, SC, no período de 17 a 19 de junho do ano em curso.

2. Ó I Simpósio foi promovido pelo "Instituto Ruy Barbosa", sociedade civil criada sob osauspícios dos Tribunais de Contas do Brasil, objetivando o estudo e a fixação de conclusões emtorno da adoção do controle externo no sistema de auditoria pelas cortes de contas de todo oPaís, em cumprimento às determinações constitucionais e legais.

3. Os trabalhos do conclave, cuja eficiente organização coube ao Tribunal de Contas doEstado de Santa Catarina, em colaboração com o supramencionado Instituto, se desenvolveramem ambiente de proveitosa troca de informações e debates sobre os temas previamente fixados,propiciando o levantamento da situação e dos principais problemas enfrentados pelos Tribunaisde Contas na implantação do novo sistema de controle externo, decorrente da reformaadministrativa brasileira.

4. Foram realizadas sessões especiais de abertura e encerramento do certame, assim comosessões setoriais para a discussão dos assuntos constante do ternário. Nas sessões especiaisforam pronunciadas brilhantes conferências pelos ilustres Conselheiros Alcides Abreu (doTribunal de Contas de Santa Catarina e Onadyr Marcondes (Presidente do Tribunal de Contas deSão Paulo), ambos versando a problemática da efetiva fiscalização financeira e orçamentária e aeficácia do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas tanto na área da AdministraçãoDireta quanto da Indireta.

5. Para efeito das discussões nas sessões setoriais as delegações participantes,representantes dos Tribunais das Regiões Centro, Sudeste e Sul, a saber, Mato Grosso, Goiás,Distrito Federal, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Município de São Paulo, SantaCatarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Tribunal de Contas da União, foram divididos empequenos grupos sob a coordenação de um representante do "Instituto Ruy Barbosa", resultandobastante produtivos os debates travados em ambiente de ampla participação e troca deexperiências. Apenas o Tribunal de Contas do Estado de iMinas Gerais não pôde comparecer aoI Simpósio, o que foi por todos lamentado.

6. Ao final do ciclo de reuniões setoriais foi realizada uma reunião plenária conclusiva, sob acoordenação do superintendente do "Instituto Ruy Barbosa", Dr. Aécio Menucci, na qual foramresenhados os principais assuntos discutidos e seus resultados, para conhecimento geral edeslinde das dúvidas emergentes.

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7. O roteiro dos debates obedeceu ao seguinte esquema geral:

1 — Análise dos esforços de implantação do sistema de auditoria financeira e orçamentária.

2 — Exame das técnicas adotadas na implantação do novo sistema.

3 — Avaliação dos resultados alcançados na implantação do novo sistema!

8. O Tribunal de Contas do Distrito Federal se destacou nos debates por ser a única Corteque já adotou plenamente o sistema de auditoria na sua atividade de controle externo,abrangendo as Administrações Direta e Indireta do Distrito Federal, podendo colaborar com osdemais tribunais na implantação do novo sistema, dada a experiência acumulada e os bonsresultados já obtidos.

9. O "Instituto Ruy Barbosa" se comprometeu com as delegações presentes a realizar umamplo exame dos debates havidos no I Simpósio, deles extraindo conclusões e sugestões a,serem enviadas a todos os Tribunais, com a finalidade de

I — eliminar dificuldades para a efetiva implantação do novo sistema de Auditoria, pelosTribunais que ainda não o fizeram;

II — ampliar a execução do novo sistema de Auditoria pelos Tribunais que já o implantar;

II — aperfeiçoar as técnicas de aplicação do novo sistema de controle, visando à verificaçãoda eficiência da máquina administrativa, sobretudo na área financeira e orçamentária;

IV — reduzir os custos operacionais dos Tribunais, no exercício do novo controle.

10. Com referencia aos aspectos de ordem técnica, as manifestações das delegações quecompareceram ao Simpósio bem como o resultado dos debates realizados, nos levaram àconclusão de que na área estadual o Distrito Federal constitui a única Unidade da Federação quejá implantou, totalmente a Reforma Administrativa, quer no âmbito da Administração (PoderExecutivo) quer na esfera do Controle Externo (TCDF).

11. Tivemos ocasião de observar que os Tribunais de Contas do Estado de São Paulo e doMunicípio da Capital do mesmo Estado, embora já tenham abolido o "registro prévio" e instituídoo sistema de controle externo, mediante inspeções In loco, ainda não puderam obter osresultados desejados em virtude dos respectivos Poderes Executivos não terem implantado aReforma Administrativa.

12. Em relação ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo, há que se considerar ofato de a sua criação ter ocorrido já na vigência da legislação federal reformista,

13. No que tange ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, apesar do esforço quevem Sendo realizado para a implantação do novo sistema de controle externo, aquela cortecontinua recebendo um volume considerável de papel para exame no recinto do próprio órgão. Atítulo de exemplo, podemos citar o fato da comprovação dos adiantamentos, em sua totalidade,ainda estar sendo remetida ao Tribunal de Contas para julgamento. Segundo palavras do próprioConselheiro-Presidente, o Tribunal de Contas paulista julga, anualmente, mais de 40.000processos de comprovação de adiantamentos.

14. Quanto aos Estados de Mato Grosso, Goiás e Paraná, a adoção do novo sistema decontrole externo encontra-se em fase de implantação.

15. O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, segundo pude-mos inferir dasinformações prestadas no plenário do Simpósio, mantém um sistema de "registro préviosimulado". Os processos relativos a contratos e à concessão de aposentadorias e pensões, sãopreviamente submetidos ao Tribunal para seu pronunciamento sobre a minuta dos atos a serembaixados pela Administração,

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16. O Tribunal de Contas do Estado de Goiás adota o sistema de fiscalização por áreaterritorial e por setores da Administração, com vinculação permanente a cada Conselheiro e acada Auditor.

17. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais não se fez representar no Simpósio.

18. Os representantes do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro não puderamprestar maiores informes em virtude da transição vigente naquela Unidade da Federação.

19. Quanto aos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Espírito Santo, aReforma Administrativa ainda não foi implantada e a fiscalização continua sendo processada pelosistema do "registro prévio".

20. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul mantém um sistema dedelegações junto aos órgãos da Administração, realizando o que poderíamos chamar de "registroprévio in loco".A delegação desse Tribunal apresentou no Simpósio proposição no sentido darealização de estudos para a implantação da Reforma Administrativa naquele Estado.

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21. A delegação do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina informou que ainda nãoteve condições de implantar o novo sistema de controle por falta de pessoal qualificado pararealizar inspeções. Informou que o Governador do Estado acabava de remeter à AssembléiaLegislativa projeto de lei determinando a fiscalização pelo Tribunal das entidades daAdministração Indireta.

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22. A representação do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, após acentuar queainda não foi possível a implantação, naquele Estado, da Reforma Administrativa, manifestou odesejo de vir ao Distrito Federal para observar de perto o sistema de trabalho do TCDF.

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23. Queremos ainda ressaltar o fato de os representantes do "Instituto Ruy Barbosa" e devários Tribunais terem também demonstrado vivo interesse no trabalho que vem sendo realizadopelo TCDF, que se apresentou no Simpósio como modelo da execução do novo sistema decontrole externo.

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24. O "Instituto Ruy Barbosa" pretende promover simpósio semelhante no mês de setembropróximo, no Estado de Pernambuco, com a participação dos Tribunais de Contas das RegiõesNorte e Nordeste. E, no próximo ano, possivelmente em março e em Goiânia, o II Simpósio dasRegiões Centro, Sudeste e Sul, para estudos relacionados com o controle externo das entidadesda Administração Indireta e das Administrações Municipais.

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Por fim, queremos aproveitar o ensejo para renovar nossos agradecimentos à dignaPresidência e ao Egrégio Plenário desta Colenda Corte, pela confiança em nós depositada aoconfiar-nos tão honroso encargo, que tudo fizemos para dignificar.

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Após prestar relevantes serviços ao Tribunal de Contas do DF, o Conselheiro-Substituto LuizZaidman agora colabora na Secretaria para assuntos da Modernização da Presidência daRepública.

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No próximo número a Revista TCDF publicará trabalho do Conselheiro Geraldo Ferraz sobreorçamento-programa e outro sobre notória especialização.

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� Presidente do Tribunal de Contas da Paraíba ressaltou a pontualidade do TCDFremetendo as teses para o VIII Congresso a realizar-se em João Pessoa.

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A Delegação do TCDF (Conselheiro-Substituto Bento José Bugaria e o Inspetor-Geral PedroDelforge) ao I Simpósio de Métodos e Procedimentos Para Execução do Controle Externo noSistema de Auditoria, realizado em Florianópolis, levou a grande experiência do TCDF no controledas fundações e empresas públicas, que é feito no Distrito Federal desde 1962.

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� Presidente José Wamberto representou o TCDF no Encontro Regional dePresidentes, de Tribunais de Contas para aplicação de recente legislação sobre o controle dasfundações e empresas públicas.

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� TCDF comemorou os seus 15 anos de existência, sendo orador oficial o ConselheiroSubstituto Bento José Bugarin. Foram alvo de atenções as duas figuras mais antigas do Tribunal:o Conselheiro Cyro dos Anjos e o Diretor-Geral Sérgio Lafetá, ambos em atividade.

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A convite do Tribunal Federal de Recursos, o Dr. Roberto Rosas integra a ComissãoExaminadora do Concurso para Juiz Federal.