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Espaguete com abóbora e linguiça por André Mifano, do Vito, em São Paulo FEVEREIRO 2011 A nova Itália Chefs redefinem a culinária do país, investindo em produtos locais e em técnicas modernas para receitas clássicas Conheça o café do Iêmen, cultivado nas montanhas Os sabores do banquete vietnamita MELHOR REVISTA DE GASTRONOMIA DE SÃO PAULO Nº 147 ANO 12 R$ 12,90 9 7 7 1 4 1 5 9 8 9 0 0 6 7 4 1 0 0 ISSN 1415 -9899

Revista Menu - Fevereiro de 2011

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Edição 147 da Revista Menu.

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Page 1: Revista Menu - Fevereiro de 2011

A nova Itália

ano 12 fevereiro/2011

Espaguete com abóbora e linguiça por André Mifano, do Vito, em São Paulo

fevereiro 2011

A nova ItáliaChefs redefinem a culinária do país, investindo em produtos locais e em

técnicas modernas para receitas clássicas

147

Conheça o café do Iêmen, cultivado

nas montanhas

Os sabores do banquete

vietnamita

MELHOR REVISTA DE GASTRONOMIA DE SãO PAuLO

Nº 147aNo 12R$ 12,90

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36 fevereiro/2011

por Luciana Mastrorosa colaborou Bianca Zaramella fotos Eduardo Delfim produção Melissa Thomé

Chefs contemporâneos redefinem a culinária do país, investindo em produtos locais e em técnicas modernas para receitas clássicas, agora revisitadas

ITÁLIA MODERNA

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capa (Um bollito cozido a vácuo ou um ravióli que mais parece uma lasanha estilizada, em suas várias camadas de massa. À primeira vista, estes dois pratos nem parecem autênticos italianos, principal-mente quando comparados com o macarrão ao sugo, as almôndegas ou o bife à parmegiana, heranças apetitosas do país da bota, trazidas para cá pelos imigrantes desde o século 19. Mas são receitas como estas que representam a chamada nova cozinha italiana, movimento crescente que mescla as técnicas contemporâneas de preparo, com o uso de ingredientes regionais e com profundo respeito à tradição. “Existe uma revolução gastronômica em curso no nosso país. Ela é forte, mas ainda silenciosa”, afirma o chef italiano Massimo Bottura, da Osteria Francescana, em Modena, na Emilia-Romagna.

Na Itália de hoje, os ingredientes de qualidade continuam presen-tes – e fundamentais –, como as ervas frescas em profusão, os cortes de carnes e as caças, a abundância do azeite e a onipresente massa. Tudo como antigamente. Cada região também continua privilegian-do os seus próprios ingredientes – impossível esquecer que a Itália foi um dos últimos países europeus a ser unificado como nação e seus habitantes têm, até hoje, forte identidade regional. “A gastrono-mia contemporânea italiana se baseia muito nessa regionalidade”, conta Paola Tedeschi, pesquisadora e representante no Brasil do Istituto Culinario Italiano per Stranieri (ICIF). Porém, cada vez mais, os chefs antenados com as técnicas atuais de cozinha tentam aliar tradição e inovação, com resultados bem interessantes.

Um exemplo é o bollito, um dos ícones do receituário do país, que ganha uma versão desconstruída, batizada de “bollito non bollito” (na tradução, “fervido não fervido”) na cozinha de Bottura. “Levei anos até decidir o que fazer com esse prato, típico da Emilia-Romagna”, conta o chef. A solução veio quando Bottura encontrou um açougueiro artesanal, que fornecia matéria-prima de extrema qualidade e variedade. Para recriar o prato, as carnes foram cozidas a vácuo, em vez de fervidas, como no preparo clássico. “Aí é que entra a técnica. O sous-vide (vácuo) me ajudou a manter a textura e o sabor das carnes, sem fervê-las”, explica o chef.

Apesar de menos midiática que a cozinha espanhola, e menos celebrada que a francesa, a gastronomia da Itália vem se modifican-do nas últimas décadas, construindo uma nova identidade. Um pouco do resultado dessa nova gastronomia poderá ser apreciado pelos brasileiros em 2011, quando se comemora o Ano da Itália no Brasil. O nome oficial do evento é Momento Itália Brasil 2011/2012 e as comemorações estão previstas para começar em setembro. “A ideia é mostrar um pouco mais os sabores de novos produtos. Vamos investir na exibição da cultura gastronômica da Itália”, diz Emilio Pelizzon, analista de negócios do setor enogastronômico do Instituto Italiano para o Comércio Exterior (ICE). Diversos chefs italianos contemporâneos devem visitar o Brasil durante todo o ano. “Planejamos trazer três chefs homens e três mulheres”, afirma Roberto Jardim, um dos consultores do evento.

ITÁLIA MODERNA

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Ao lado, o ravióli de rabada leva molho reduzido por horas até ficar brilhante, exibindo o sabor puro da carne

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O risoto com limão e espinafre acompanha a corvina e destaca o frescor do peixe brasileiro

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Uma delas deve ser Luisa Valazza, chef do Al Sorriso, restaurante com três estrelas no Guia Michelin, que já mostrou um pouco do seu trabalho ao participar de festival no La Tambouille, em São Paulo, no ano passa-do. No Piemonte, onde fica o Al Sorriso, Luisa tem como ponto de partida a valorização dos sabores regionais. “Minha cozinha é baseada na procura pelos produtos genuínos do nosso território. Parto da tradi-ção, mas elaboro os pratos de forma moderna, com as novas técnicas de cozimento”, afirma. No inverno, por exemplo, época das trufas negras, as receitas da chef unem esta iguaria piemontesa com batatas e ovos. “Veja que estou usando produtos muito pobres e da terra combinados a um ingrediente de alta qualidade”, orgulha-se. No verão, o destaque são os peixes, que vêm frescos da vizinha Ligúria.

Este tripé – produto, técnica e apresentação contemporânea – também ecoa no Brasil. André Mifano, chef e sócio do restaurante Vito e autor das receitas que ilustram esta reportagem, orgulha-se da porchetta, corte da barriga do porco que desenvolveu em parceria com a empresa Porco Feliz. Em seu restaurante paulistano, os frutos do mar só entram no cardápio em dia de feira, quando os peixes são comprados pelo próprio chef. “Sou muito mais influenciado pela qualidade do produto do que por técnicas, e nesse ponto a cozinha italiana é perfeita”, justifica Mifano.

Outro exemplo é o chef Salvatore Loi, natural da Sardenha e que há uma década é o responsável pelas cozinhas do grupo Fasano. Loi sabe que o foco do Fasano são as receitas mais tradicionais da Itália, mas isso não quer dizer que ele não possa trazer novidades para os seus clientes. “Tenho proposto alguns pratos seguindo a tendência de valorizar o sabor e a apresentação da comida, usando o melhor produto”, afirma Loi. Entre eles, o chef cita uma entrada com purê de batata defumado, servido com uma fatia finíssima de queijo de cabra gratinado e uma gema de ovo. “Tudo é feito com produtos fresquíssimos que, comidos juntos, apresentam um incrível equilíbrio de sabor”, afirma. São receitas que devem brilhar por aqui e não só no Ano da Itália no Brasil. Afinal, como diz Mifano, “todo dia é dia de Itália”.

Osteria Francescanavia Stella, 2200 39 059 210118Modena – Itália

Vitorua Pascoal Vita, 329 – Vila Beatriz(11) 3032-1469São Paulo – SP

Hotel Ristorante Al Sorrisovia Roma, 1800 39 0322 983228Soriso – Novara – Itália

Fasanorua Vittorio Fasano, 88 – Jardins(11) 3062-4000São Paulo – SP

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40 fevereiro/2011

capa(O chef André Mifano, do Vito

rendimento 4 porções preparo 2 horas execução fácil

dica do chef use sempre polvo fresco e cozinhe-o a partir de água fria. Depois da primeira hora de cozimento, teste-o sempre para saber se já está macio. Para uma textura diferente, finalize a salada com farinha de rosca a gosto.

4 tentáculos grandes de polvo (100 g cada)50 g de mostarda di Cremona em tirinhas (todas as frutas)10 g de hortelã em tiras finas10 g de salsinha picada5 g de ciboulette picada150 ml de azeite extravirgem50 ml de vinagre de vinho branco1 tomate em cubinhos1 maço pequeno de rúculaalface frisée quanto baste para decorarágua quanto bastesal e pimenta-do-reino a gosto

salada de polvo coloque os tentáculos de polvo em uma panela e cubra-os com água. Cozinhe-os em fogo médio por 1h30 ou até ficarem bem macios. Deixe esfriar em temperatura ambiente, escorra a água e corte os tentáculos em rodelas. Reserve. Misture todos os ingredientes em uma tigela média, menos a rúcula e a alface. Tempere com sal e pimenta a gosto e deixe descansar por 5 minutos.

para servir distribua a salada nos pratos e guarneça-a com as folhas de rúcula e alface frisée. Sirva em seguida.

polipo e mostarda di frutta

rendimento 4 porções preparo 2h30 execução fácil

dica do chef use abóbora cabotchã para preparar o purê, cozinhando os pedaços do legume em água fervente, escorrendo-os e amassando-os. Como esse tipo de abóbora tem menos umidade, o purê fica com uma consistência melhor. Na hora de comprar, prefira a abóbora que parecer mais velha e enrugada, pois ela será mais seca.

400 g de espaguete seco, de preferência italiano; 360 g de purê de abóbora, sem tempero; 200 g de carne de linguiça de pernil, sem a tripa; 100 ml de caldo de frango; 10 folhas de sálvia; 100 g de manteiga; 50 ml de azeite extravirgem; sal e pimenta-do-reino a gosto

purê de abóbora1/2 abóbora cabotchã

caldo de frango1 frango inteiro sem pele, sem o peito e sem as asas, cortado em pedaços grandes

spaghetti con zucca e salsiccia

2 cenouras ; 2 cebolas; 4 talos de salsão; 1 alho-poró; 50 ml de azeite extravirgem; 1 ramo de tomilho; 1 ramo de alecrim; 3 folhas de louro; água quanto baste

caldo pique todos os legumes em cubos pequenos. Coloque o azeite em uma panela grande e refogue o frango e os legumes, em fogo alto, sem deixar pegar cor. Acrescente as ervas e cubra tudo com 3 litros de água. Deixe cozinhar em fogo baixo por 1h20. Após o cozimento, coe o caldo, reservando o líquido e descartando os sólidos. Esta receita rende 2 litros de caldo. O que não for usado pode ser congelado para uso posterior.

purê de abóbora enrole a abóbora em papel-alumínio, sem cortá-la e sem tirar a casca. Leve-a para assar em forno alto, a 200ºC, por 40 minutos, até ficar macia. Retire-a do forno, remova o papel-alumínio e transfira a polpa da abóbora para uma tigela, desprezando a casca. Amasse bem a polpa, transformando-a num purê. Reserve.

espaguete refogue a linguiça no azeite em uma frigideira bem quente até dourar. Junte as folhas de sálvia, o purê de abóbora, a manteiga e o caldo. Tempere com sal e pimenta e cozinhe em fogo médio até o molho ficar sedoso e não muito líquido. Reserve. Ferva bastante água em uma panela funda, tempera-a com 1 punhado de sal e cozinhe o espaguete, de acordo com as instruções do fabricante.

para servir depois de cozido, escorra o macarrão, descartando a água, e misture-o ao molho. Distribua-o em pratos e sirva imediatamente.

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capa (

A salada de polvo mistura ingredientes frescos com a mostarda di Cremona, tradicional acompanhamento de assados

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rendimento 10 porções preparo 1h10 (+ 4 horas de cozimento) execução moderada

Espaguete de massa seca com sálvia, em versão revisitada

com abóbora cabotchã

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REVOLUÇÃO NA COZINHA

O chef Massimo Bottura é um pesquisador incansável da comida e não abre mão de utilizar os melhores ingredientes em suas receitas, respeitando a sazonali-dade e a regionalidade. Em entrevista à Menu, o chef, um dos grandes expoentes da nova culinária italiana, revela o que pensa sobre a cozinha contemporânea de seu país e arrisca palpites para o futuro.

Como o sr. definiria a cozinha italiana de hoje?A noção de construir uma nova imagem da comida italiana, de norte a sul e de leste a oeste no país, evoluiu muito nos últimos 15 anos. Chefs como eu estão combinando técnica com um profundo senso de orgulho em termos de território e tradição. Esses chefs não têm medo de quebrar as regras. Com isso, novas tradi-ções estão sendo criadas, respeitando os incríveis ingredientes que a Itália oferece e as inúmeras diferenças culturais de cada região. Esses chefs estão elevando a cozinha italiana a um novo patamar gourmet e intelectual.

Como definir a sua cozinha?Ela é extremamente pessoal. Tem a ver com minha experiência de território, minhas memórias e pensamentos mais íntimos. Misturo esses impulsos com as ideias dos chefs que me acompanham em minha cozinha. E então tentamos encontrar o equilíbrio exato ou o conceito e a técnica necessários para fazer os ingre-dientes darem o melhor de si. Costumo dizer que faço uma cozinha regional, vista a uma distância de 10 quilômetros. A tradição reflete o lugar de onde eu venho, as minhas raízes, mas para representá-la corretamente, de maneira honesta, com uma visão contemporânea, eu preciso observar a tradição de uma certa distância.

A memória parece ser um item importante em sua cozinha. A memória e o impacto da memória em nossas emoções são a grande força motriz da minha cozinha. Reflito sobre receitas clássicas por anos até encontrar a chave para entender o que quero dizer com aquela determinada receita, e como vou fazer isso. O meu “magnum de foie gras” é um exemplo. Ele reúne a lembrança de tomar sorvete no verão com um toque de haute cuisine (a terrine de foie gras), aliados ao crocanttino, nozes carameladas que minha avó fazia. Junta-se a isso a lembrança do meu péssimo hábito de roubar colheradas de vinagre balsâmico extraenvelhecido que ficava no armário, quando criança. Uni todos esses ingre-dientes em uma forma simples, compondo um retrato de mim – o menino que cresceu e agora come foie gras, mas não com garfo e faca, e sim num palito de sorvete. Isso é o que eu sou, e de onde eu vim.

O sr. acredita que a próxima "revolução" gastronômica vai ocorrer na Itália, como ocorreu na França e na Espanha?Já existe uma revolução gastronômica na Itália. Os italianos não gostam muito de pensar que alguém aparecerá para mudar ou alterar sua reverenciada cozi-nha. Por esse motivo, nós, chefs, somos muito cuidadosos. Nossa revolução culinária se dá no campo dos artesãos, dos produtos locais, ingredientes e terri-tório, regionalidade. É uma revolução que celebra a Itália, seus legados rurais, seus açougueiros, os pequenos produtores de queijos, de vinhos. Nós, chefs, estamos tentando fazer com que esses itens todos fiquem cada vez melhores. A revolução culinária italiana está relacionada a um segundo olhar para a maravi-lhosa herança gastronômica e cultural que a Itália possui, tentando fazer com que isso seja reconhecido em todo o mundo. Não por meio de receitas

Galeria dos

chefs italianos:

acima, Massimo

Bottura,

Luisa Valazza

(ao meio)

e Salvatori Loi

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capa(“mumificadas” ou simplesmente repetindo as tradições, mas respeitando esse legado e oferecendo novas manei-ras de interpretar essas tradições para o século 21.

Os chefs italianos têm usado técnicas de vanguarda para criar receitas?Sim, os chefs italianos de hoje contam com técnicas de vanguarda, como o sous-vide. Mas as técnicas, sozinhas, não resultam em comida boa. Elas estão apenas a serviço da ideia. Os italianos são cheios de fantasias. Suas mentes são capazes de criar maravilhas com os ingredientes certos e algum espaço para brincar. Apenas quando adiciona-mos uma pitada de dúvida e uma colher cheia de tolice é que conseguimos inventar algo novo. É necessário sensi-bilidade para lidar com a tradição, e dedicação para fazer isso da maneira certa.

O sr. já sofreu algum preconceito por se aventurar em técnicas vanguardistas de cozinha?É claro que sou questionado o tempo todo sobre sous-vide. Cozinhar algo por 36 horas choca as pessoas... Mas não me importo com preconceito, eu o considero desafia-dor. Uma vez que o cliente entrou na Osteria Francescana, posso demonstrar, prato após prato, que tipo de coisas deliciosas a técnica pode nos ajudar a fazer. O que acho complicado é preconceito sem experiência, quando pes-soas que nunca experimentaram minha comida se sen-tem no direito de julgá-la, criticá-la. Esta, sim, é uma batalha dura de lutar.

E como fica a cozinha tradicional?A Itália valoriza a tradicional cozinha caseira, e isso não mudou. Basicamente, o italiano ainda acredita que o que sua mãe ou avó fazem na cozinha é o que você deve comer, seja em casa, seja no restaurante. A maioria dos italianos vai sempre dizer que o que suas mães fazem é muito melhor do que o que qualquer restaurante pode oferecer. Talvez isso seja verdade. Os italianos são um pouco rígidos no que se refere a novas ideias na cozinha, são cheios de suspeitas. Mas talvez esse tipo de “cliente difícil” nos ajude a trabalhar duro, a ter clareza de pensamento e a nunca dar como certo que as pessoas vão aceitar ou mesmo gostar da nossa comi-da simplesmente porque é nova e diferente. Todo cliente italiano que chega à nossa Osteria Francescana deve ser convencido de corpo e alma a provar nossa comida.E, acre-dite, nós tentamos de tudo para conseguir isso.

A receita do magnum de foie gras foi publicada na edição 115, e é reproduzida no www.revistamenu.com.br

Co

nfira mais receitas

nas

pág

inas 86 e 87

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O bolo de abobrinha, receita antiga atualizada com toques de gengibre e farinha de amêndoas

rendimento 1 bolo (10 porções) preparo 1h20 execução fácil

dica do chef rale a abobrinha apenas até chegar às sementes, descartando o miolo, para obter melhores sabor e textura. Coloque a cobertura no bolo ainda quente, para facilitar na hora de espalhar.

326 g de açúcar; 3 ovos; 1/2 colher (sopa) de extrato de baunilha; 300 g de farinha de trigo; 1/2 colher (chá) de bicarbonato de sódio; 1/2 colher (chá) de noz-moscada; 1/2 colher (chá) de sal; 1 colher (chá) de gengibre ralado; 2 colheres (chá) de canela; 100 g de farinha de amêndoa; 1 1/2 colher (chá) de fermento químico em pó; 500 g de abobrinha ralada; queijo mascarpone quanto baste; azeite de oliva extravirgem quanto baste; manteiga e farinha de trigo quanto bastem para untar e polvilhar

glacê65 ml de suco de limão siciliano500 g de açúcar de confeiteiro250 g de açúcar

glacê misture todos os ingredientes numa tigela até obter uma pasta homogênea. Reserve.

bolo em uma tigela, misture 250 ml de azeite com o açúcar, os ovos e a baunilha e bata na batedeira até ficar esbranquiçado. Reserve. Em outra tigela, misture os ingredientes secos, menos o fermento, e bata-os com o creme reservado na batedeira. Bata bem por cerca de 15 minutos ou até ficar homogêneo. Adicione a abobrinha e o fermento. Misture bem. Despeje a massa em uma forma de bolo com fundo removível, untada com manteiga e enfarinhada. Leve ao forno médio, a 190ºC. Asse por 23 minutos, gire o bolo dentro do forno, para que os dois lados assem por igual, e deixe por mais 23 minutos. Depois de assado, retire-o do forno e cubra-o com o glacê.

para servir ponha um pouco de mascarpone no fundo do prato e cubra-o com 1 fatia de bolo. Regue o bolo com o azeite e sirva.

torta dolce di zucchine

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mundovinho(degustação

por Suzana Barelli

A prova de 15 vinhos brancos, todos elaborados com duas ou mais cepas, indica que a mescla ainda é mais comum na Europa do que nos países do Novo Mundo

ENCONTRO DE

Estampar, com destaque, o nome das uvas no rótulo das garrafas de vinho é uma invenção contemporânea. Na falta de uma região tradicional para colocar na etiqueta, produtores do Novo Mundo, com os Estados Unidos à frente, começaram a dar destaque à uva que origina a bebida. Nesta história, nomes de variedades brancas, como char-donnay, sauvignon blanc ou riesling, foram conquistando o espaço antes ocupado pelas regiões tradicionais nas garrafas. A força do nome da uva é tão importante que parece até ter inviabilizado o espaço para uma segunda ou terceira variedade no vinho e, consequentemente, no rótulo. O resultado é que, atualmente, quem procura vinhos brancos elaborados com duas ou mais varie-dades, os chamados vinhos de corte, blend ou assemblage, raramente encontra exem-plos fora do continente europeu.

Nos brancos, principalmente, os blends parecem ainda ser uma opção do Velho Mundo. “Acredito que no futuro, haverá espaço para o blend em vinhos brancos de faixas superiores”, afirma José Alberto Zuccardi, presidente da vinícola que leva seu sobrenome, na Argentina. Hoje, acredita ele, o consumidor prioriza os vinhos feitos com uvas já conhecidas. É uma pena, pois assim está perdendo a chance de descobrir a com-plexidade de muitos brancos.

A opção por misturar várias uvas em um único vinho é uma forma de os enólogos ela-

borarem uma bebida de maior qualidade, equilíbrio e complexidade. Se uma uva tem baixa acidez, por exemplo, mescla-se com outra para resultar em um vinho com maior frescor. As variedades da família Moscato, por exemplo, dão um toque perfumado nos brancos de pouco aroma. Em Sauternes, o berço dos vinhos brancos doces, a sauvignon blanc traz um pouco mais de frescor à sémillon, esta normalmente atacada pela botrytis. Em Portugal, muitos vinhedos ainda são cultivados com várias cepas misturadas e resultam em goles ricos de aromas e sabores.

Só atenção: a legislação autoriza a mescla de pequenas porcentagens de outras uvas tam-bém nos vinhos varietais (como são chama-dos aqueles elaborados apenas com uma uva). A porcentagem varia em cada região vinícola, mas, para entrar no mercado comum euro-peu, todos os varietais devem ter pelo menos 85% da uva informada no rótulo.

Acompanhe nas páginas seguintes a degus-tação de 15 vinhos brancos, todos elaborados com duas ou mais uvas. A prova foi realizada no restaurante North Grill, (rua Frei Caneca, 56, tel.: 11/3472-2038, São Paulo) especialista na arte de conduzir provas de vinho com profissionalismo. Participaram da degusta-ção às cegas o enófilo José Luiz Pagliari, o especialista em cafés Ensei Neto, e os som-meliers Carina Cooper e Manuel Luz, esta colunista da Menu, além da equipe de reda-ção da revista.

UVAS NA TAÇA

fotos Sheila Oliveira/Empório (abre) e Pedro Dias (garrafas)

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89,5 Silly Mid On 2007Claire Valley, Austrália.Corte de sémillon com sauvignon blanc de cor amarelo-palha da vinícola Jim Barry. Tem nítidas notas minerais, nuances florais e cítricas. É delicado e elegante, quase “aveludado” em boca, com boa acidez e persistência, com 12% de álcool. R$ 125, na KMM

89 Zuccardi Serie A Chardonnay Viognier 2009Mendoza, Argentina.De coloração amarelo-clara, é elaborado com a chardonnay do vale do Uco e a viognier de Santa Rosa. Tem nariz agradável, com notas de frutas brancas, cítricas e algo amanteigado. Harmônico no paladar, com untuosidade boa acidez e persistência. Tem 13,5% de álcool. R$ 55, na Ravin

88,5 Clos Floridene 2007Graves, França.É um corte de 44% de sauvignon blanc, 55% de sémillon e 1% de muscadelle moldado por Denis Dubourdieu, um especialista em brancos em Bordeaux. Tem coloração verdeal, nariz nítido, lembrando ervas e frutas brancas com carroço. É elegante em boca, com boa acidez e untuosidade, cítrico no final e longo, com 12% de teor alcoólico. R$ 108, na Porto a Porto/Casa Flora

87,5 Dou Rosa 2007

Douro, Portugal.

Com uma participação

de 60%, a viosinho é a

cepa principal deste branco

da Quinta da Rosa, que

é mesclada com rabigato,

malvasia e códega

do larinho. Tem cor

amarelo-palha verdeal, notas

minerais, petroláceas e florais no

nariz. Na boca, é mais mineral, com

boa acidez e 13,5% de

álcool. R$ 65, na Ravin

88 Acústic Blanco 2009

Montsant, Espanha.

As garnachas branca e tinta,

mescladas com macabeu

e pansal, compõem

este branco de cor amarelo-

palha, com notas verdeais,

de nariz intenso com notas cítricas

e de frutas brancas (maçã e pera) e algo

de mineral. É equilibrado,

tem elegância, boa

persistência, e cresce na taça com a

temperatura mais quente. Tem 14% de álcool. R$ 84,

na Vinci

88 Ramirana Gran Reserva 2009Vale do Rapel, Chile.Corte de sauvignon blanc e gewürztraminer da marca de rótulos premium da vinícola Ventisqueiro. Tem cor amarelo-palha, brilhante, aromas de frutas frescas e algo floral, indicando a gewürztraminer. No paladar, é elegante, com destaque para o frutado, com leve amargor final. Tem 13,5% de álcool. R$ 66,70, na Cantu

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mundovinho(degustação

87,5 Tiara Branco 2008Douro, Portugal.Codega, rabigato, donzelinho, viosinho e arinto, entre outras variedades, plantadas misturadas em vinhedos, alguns com mais de 80 anos, dão origem a este branco de coloração amarelo- palha, de Dirk Niepoort. Notas de frutas e flores brancas e mineral marcam o vinho no nariz. No paladar, é equilibrado, com personalidade e boa acidez. Tem 12% de álcool. US$ 59,90, na Mistral

87,5 Herdade dos Grous 2009Alentejo, Portugal.Arinto, roupeiro e antão vaz dão origem a este branco de coloração amarelo-clara, com notas de frutas maduras, lembrando pêssego e abacaxi. Na boca, é elegante, com boa acidez e final perfumado. Tem 13% de álcool. R$ 58,50, na Épice

87 Gala 3 2007Mendoza, Argentina.

A linha Gala traz os vinhos premium da vinícola Luigi

Bosca. Neste, seus enólogos optaram

por trabalhar com viognier, chardonnay e

riesling, um corte aparentemente

inusitado. O resultado

é um branco perfumado, com aromas de frutas

mais maduras e algo de mel. No paladar, é mais untuoso,

de corpo médio, porém poderia ter

um pouco mais de acidez. Tem

14,5% de álcool. R$ 80, na Decanter

87 Golan Height Mount Hermon White 2009Galileia, Israel.Este branco kosher é elaborado com as uvas sauvignon blanc, chardonnay e sémillon. De estilo moderno, tem notas florais, de frutas brancas e até de chocolate branco. Na boca, é elegante, sutil, com boa acidez e 13,5% de álcool. R$ 64, na Inovini

87 - Croze Hermitage Les Gravieres 2008Rhone, França. Marsanne e roussane são as variedades que o produtor Jean Luc Colombo mescla neste croze- hermitage branco de coloração amarelada. É rico no nariz com frutas mais evoluídas, especiarias e notas de mel. Na boca, é seco, com corpo médio e 13% de álcool. R$ 95, na Decanter

Page 15: Revista Menu - Fevereiro de 2011

fevereiro/2011 59

86 Allende Branco 2007Rioja, Espanha.É um corte de 80% de viúra com 20% de malvasia, de coloração amarelo-palha brilhante, nariz intenso, frutado, com especiarias (cravo) e algo de defumado. Na boca, tem boa untuosidade, persistência, mas carece de acidez, com 13,5% de álcool. R$ 151, na Península

85 Gentil Hugel 2008

Alsácia, França.Corte das cinco

variedades brancas da

Alsácia (riesling, gewürztraminer, muscat, sylvaner

e pinot gris), tem coloração

amarelo-palha, nariz discreto,

lembrando frutas como pêssego e damasco e algo

de mel. É simples em boca, curto,

com 12% de álcool. R$ 60, na

World Wine

85 Chaminé Branco 2008Alentejo, Portugal.A vinícola Cortes de Cima faz este vinho de notas cítricas com as uvas antão vaz, viognier e verdelho. Simples e bem elaborado, tem a boa acidez como destaque, com 13% de álcool. R$ 48, na Adega Alentejana

86 Caymus Conundrum 2008Califórnia, Estados Unidos.Sauvignon blanc, muscat canelli, chardonnay e viognier dão origem a este vinho aromático, de notas de frutas brancas maduras, que é parcialmente fermentado em barricas de carvalho. É mais agradável no nariz; na boca, falta acidez e o álcool traz uma sensação de doçura. Tem 13,5% de álcool. US$ 63,50, na Mistral

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matéria(

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por Ensei Neto, do Iêmen (texto e fotos)

Desvendar a história desta planta tem como passo obrigatório uma viagem ao Iêmen, país que produz grãos de alta qualidade em terraços de mais de 2.000 metros de altitude

CAFÉDAS MONTANHAS

A lenda mais conhecida sobre a descoberta do café fala de cabras saltitantes de um pastor de nome Khaldi, estimuladas por ingerirem os frutos adocicados de um arbusto nascido nos planaltos da Etiópia. Depois, essas frutas chegaram à Península Arábica pelo Iêmen, onde sábios e estudiosos, ao tostarem suas sementes, percebe-ram um inebriante aroma. Fizeram uma infusão com o pó do grão torrado e moído, e chegaram a uma negra bebida divinamente especial, que tornava mais desperto o espírito para as longas sessões de oração e reflexão. Lendas à parte, a Etiópia é conhecida como o berço do café em termos botânicos, ou seja, onde foram encontrados os primeiros exemplares da Coffea arabica. Mas há também evidências de que os primeiros cultivos de café e o seu preparo para o consumo se deram no Iêmen.

Desvendar a história do café, portanto, tem como passo obrigatório uma viagem a este país. Foi o que fiz ao parti-cipar da segunda Conferência Internacional sobre Cafés Arábica Naturais, organizado pelo órgão iemenita de fomento e suporte aos micro e pequenos empresários, o Smeps, que é semelhante ao Sebrae no Brasil.

Considerado o país mais pobre do mundo árabe, o Iêmen divide-se em duas grandes regiões. No sul, con-

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naxícara (centram-se a exploração do petróleo e o deserto é a paisa-gem predominante. No norte, com grandes cadeias monta-nhosas, íngremes e rochosas, é onde se desenvolvem a agricultura e a produção de café.

Após a conferência, iniciamos uma longa jornada pelas principais regiões produtoras do grão. Acomodados em caminhonetes 4x4, com guia e experientes motoris-tas, deixamos a capital, Sana’a, seguindo para Haraz. Foram quase quatro horas em sinuosas estradas e paisa-gens impressionantes até as primeiras plantações de café, que estavam a mais de 1.500 metros de altitude. Uma visão de tirar o fôlego! Os plantios são feitos em terraços, técnica milenar desenvolvida pelos iemenitas, que auxilia na retenção da pouca água disponível. Chove muito pouco, entre 300 e 500 milímetros por ano e de forma concentrada. Isso corresponde a pouco mais de 25% das chuvas que o nosso cinturão de café (que vai do paralelo 10º Sul até o trópico de Capricórnio) recebe.

O nivelamento dos terraços tem precisão matemáti-ca. Para a construção, sua largura deve ser definida em razão da inclinação do terreno (quanto mais íngreme, mais estreito é o terraço). E as paredes de pedra são erguidas manualmente. Construções que revelam conhecimento sofisticado, mesmo apresentando uma tecnologia rústica.

No sentido horário, a partir da esq.: ruelas de Bab Al Iêmen e, abaixo, vista de Sana’a; mercador de café; vilarejo da região de Haraz

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naxícara(De Haraz a Jabal Bura continuamos a subir as monta-

nhas. Apenas os burricos e cabras conviviam sem pro-blemas com estradas de inclinações irreais. Em Jabal Bura as lavouras de café estão a mais de 2.200 metros de altitude, chegando próximo a 2.500 metros. Certamente os cafezais mais elevados de que se tem notícia.

Outra curiosidade: a densidade de plantas nas lavou-ras é altíssima, algo como 7.000 por hectare. Para se ter ideia, nas plantações brasileiras mais modernas são 3.700 a 5.000 plantas por hectare. Isso explica em parte a boa produtividade daqueles cafezais. O solo tem for-mação calcária, o que permite uma razoável capacida-de de retenção de água e garante um bom nível de fer-tilidade que, ao se combinar com a altitude, faz com que o ciclo dos frutos seja mais lento, resultando em cafés de boa complexidade. Naquele dia, a atmosfera de Jabal Bura estava tomada por um aroma adocicado, denunciando uma bela florada, considerada pelos pro-dutores como de boa intensidade.

A última região cafeeira a ser visitada na viagem foi Tallook, localizada a sudoeste de Sana’a e próximo a Taiz, que é a maior cidade do Iêmen. A altitude dessa região é de 1.300 metros acima do nível do mar, a mais baixa entre as origens iemenitas produtoras de café. Por esta razão, empregam-se árvores para sombrear os cafe-zais, os únicos naquele país com essa característica.

Em particular, o café de Tallook me impressionou pela sua complexidade e exuberância de sabores, apre-

sentando notas aromáticas de frutas vermelhas, textura que lembra vinho e gosto de chocolate, que é o que caracteriza o Mocha Sanani. Mas, certamente, a nota mais surpreendente para mim foi a presença da acidez do ácido fosfórico, muito raro e encontrado quase exclusivamente em cafés do Quênia. Esta acidez confere excepcional elegância à bebida.

Ainda mais surpreendente foi saber que boa parte dos trabalhos entre os produtores é coordenado pela Associação de Mulheres Cafeicultoras de Tallook, que reúne 164 mulheres e suas respectivas famílias. No país, os homens assumem as tarefas “duras e sujas” na produ-ção, como preparar o terreno, capinar e plantar as lavouras de café.

As mulheres, por sua vez, se dedicam aos serviços que exigem maior sensibilidade, como a colheita, feita seleti-vamente, a secagem dos frutos e seu preparo até a torra. Somente no momento da comercialização é que a res-ponsabilidade volta a ser masculina.

Apesar de toda a tradição e do trabalho histórico de adaptação do solo para o cultivo do café, a produção do grão no Iêmen vem experimentando um declínio moti-vado pela ascensão de outro produto também tido como estimulante, o Qat – arbusto de folhas tenras e efeito narcótico que provoca discreto êxtase. Por ora, o gover-no local permite o cultivo e o livre comércio dessas folhas, ao contrário do que ocorre no Egito, onde a venda é proibida. É muito comum ver os homens cami-

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naxícara(De Haraz a Jabal Bura continuamos a subir as monta-

nhas. Apenas os burricos e cabras conviviam sem pro-blemas com estradas de inclinações irreais. Em Jabal Bura as lavouras de café estão a mais de 2.200 metros de altitude, chegando próximo a 2.500 metros. Certamente os cafezais mais elevados de que se tem notícia.

Outra curiosidade: a densidade de plantas nas lavou-ras é altíssima, algo como 7.000 por hectare. Para se ter ideia, nas plantações brasileiras mais modernas são 3.700 a 5.000 plantas por hectare. Isso explica em parte a boa produtividade daqueles cafezais. O solo tem for-mação calcária, o que permite uma razoável capacida-de de retenção de água e garante um bom nível de fer-tilidade que, ao se combinar com a altitude, faz com que o ciclo dos frutos seja mais lento, resultando em cafés de boa complexidade. Naquele dia, a atmosfera de Jabal Bura estava tomada por um aroma adocicado, denunciando uma bela florada, considerada pelos pro-dutores como de boa intensidade.

A última região cafeeira a ser visitada na viagem foi Tallook, localizada a sudoeste de Sana’a e próximo a Taiz, que é a maior cidade do Iêmen. A altitude dessa região é de 1.300 metros acima do nível do mar, a mais baixa entre as origens iemenitas produtoras de café. Por esta razão, empregam-se árvores para sombrear os cafe-zais, os únicos naquele país com essa característica.

Em particular, o café de Tallook me impressionou pela sua complexidade e exuberância de sabores, apre-

sentando notas aromáticas de frutas vermelhas, textura que lembra vinho e gosto de chocolate, que é o que caracteriza o Mocha Sanani. Mas, certamente, a nota mais surpreendente para mim foi a presença da acidez do ácido fosfórico, muito raro e encontrado quase exclusivamente em cafés do Quênia. Esta acidez confere excepcional elegância à bebida.

Ainda mais surpreendente foi saber que boa parte dos trabalhos entre os produtores é coordenado pela Associação de Mulheres Cafeicultoras de Tallook, que reúne 164 mulheres e suas respectivas famílias. No país, os homens assumem as tarefas “duras e sujas” na produ-ção, como preparar o terreno, capinar e plantar as lavouras de café.

As mulheres, por sua vez, se dedicam aos serviços que exigem maior sensibilidade, como a colheita, feita seleti-vamente, a secagem dos frutos e seu preparo até a torra. Somente no momento da comercialização é que a res-ponsabilidade volta a ser masculina.

Apesar de toda a tradição e do trabalho histórico de adaptação do solo para o cultivo do café, a produção do grão no Iêmen vem experimentando um declínio moti-vado pela ascensão de outro produto também tido como estimulante, o Qat – arbusto de folhas tenras e efeito narcótico que provoca discreto êxtase. Por ora, o gover-no local permite o cultivo e o livre comércio dessas folhas, ao contrário do que ocorre no Egito, onde a venda é proibida. É muito comum ver os homens cami-

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nhando com uma pequena sacola contendo ramas de Qat, que são avidamente mastigadas após o almoço.

Criou-se, assim, uma situação bastante complexa para o governo do Iêmen: o cultivo do Qat é menos trabalho-so que o do café e garante ao produtor uma boa renda, pois tem comércio garantido, com bons preços. Por outro lado, é uma planta que exige mais água e suas lavouras estão substituindo a produção de alimentos. Nessa altura, proibir algo que vem se alastrando como um hábito é tarefa inglória.

Este é um dos motivos pelos quais, desde 2000, a área dedicada à cafeicultura no Iêmen praticamente não se altera, ficando em torno de 33.400 hectares. A produção média é de 150 mil sacas de 60 quilos líquidos. Somente a região do sul de Minas produz cerca de 8 milhões de sacas de 60 quilos. Apesar da produção pequena, o café é bas-tante valorizado internamente. Nos mercados como Bab Al Iêmen (conhecida como Old City, e que originou a atual capital do país), o café cru, conhecido como green coffee, é vendido em média entre US$ 9 e US$ 10 o quilo. Atualmente, no mercado internacional, um café cru de excelente qualidade é cotado a US$ 5 e US$ 6 o quilo.

Existe hoje uma grande preocupação em fazer a retoma-da da cafeicultura no Iêmen por parte das autoridades do país – até por isso a realização da conferência internacional. Certamente esta iniciativa deverá ser vitoriosa, já que o país reúne uma rica história, uma bebida tão característica e lavouras de rara beleza plástica. Qualidades valiosas num mundo em que origens e terroirs são bastante valorizados.

CAFÉ GOURMET A UM CLIQUE

Amantes de cafés diferenciados não precisam mais bater perna para encontrar seus blends preferidos. Desde dezembro, a loja virtual Café Store oferece 200 tipos de café, de grandes a pequenos produtores – da marca italiana illy à mineira Pé de Café, por exemplo. O consumidor pode escolher seu café gourmet pelo modo de preparo (grãos ou moído, em sachês ou cápsulas), por região de cultivo (sul de Minas, norte do Paraná, Cerrado da Bahia, etc.) ou mesmo pela marca. Além do café, o site reúne também opções de apetrechos para fazer e acomodar a bebida. São cafeteiras, máquinas de espresso, moedores, chaleiras e canecas. Há também opções de livros especializados no tema (por enquanto, apenas em português) e de kits de presentes que combinam os produtos do site. Confira no endereço www.cafestore.com.br

Da esq. para a dir.: sementes de café cru e casca de café; cafezal em terraços, em Jabal Bura; antiga construção em Bab Al Iêmen

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