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78 JUNHO DE 2002 PESQUISA FAPESP tituirão na segunda fonte de receita da Muai. “O projeto privilegia a máxima eficiência termodinâmica, produtiva, ambiental e social dentro do conceito de auto-sustentabilidade”, afirma o en- genheiro aeronáutico Geraldo Lombar- di, professor-titular do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC. Rede de usinas - Para provar a viabili- dade econômica da Muai, Lombardi e Corsini promoveram, com o apoio fi- nanceiro da FAPESP, a visita do profes- sor Pedro Antonio Rodríguez Ramos, do Instituto Superior Politécnico José Antonio Echevaría, de Havana, Cuba, pelo período de um ano. Ramos con- cluiu, em novembro passado, o projeto Avaliação Econômica de uma Miniusina de Álcool Integrada. Ele apontou que, para tornar possível a substituição dos 600 mil barris de petróleo importado diariamente pelo Brasil, seria necessá- rio instalar 3.870 Muais no país. Juntas, elas produziriam 155 milhões de litros de álcool por dia, uma potência térmi- ca equivalente à do petróleo importa- do, e tornariam disponíveis 24.600 MW de eletricidade excedente, o equivalente a pouco menos de duas hidrelétricas do porte de Itaipu. Os estudos demonstra- ram ainda que o investimento, estima- do em US$ 12,1 milhões, apresentaria tempo de retorno em 6,9 anos, o mes- mo de uma usina convencional que produza exclusivamente 200 mil litros de álcool por dia. Além de todas as vantagens econô- micas e sociais, como a geração de 507 AGROINDÚSTRIA m ousado projeto fun- damentado no conceito de integração agroin- dustrial pode transfor- mar o álcool da cana-de- açúcar na definitiva substituição do petróleo importado, utilizado para o refino da gasolina e do diesel. Essa é a expectativa dos professores Geraldo Lombardi e Romeu Corsini, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP), responsáveis pela concepção de uma rede de Miniusinas de Álcool Integra- das, batizadas de Muai. Ainda inéditas no Brasil e no mun- do, essas miniusinas são estabeleci- mentos de médio porte que têm como carro-chefe a produção de álcool com- bustível. As Muais usam tecnologia já consagradas, com processos regenera- tivos e recicláveis. São projetadas para produzir álcool, hortifrutícolas, leve- dura seca usada em rações (veja repor- tagem na página 80), energia elétrica, além de possuírem espaço para criação de gado. “A Muai é muito mais do que uma simples redução em escala de uma usina sucroalcooleira grande”, afirma Romeu Corsini, professor-titular apo- sentado do Departamento de Trans- portes da EESC e co-autor do projeto. “Sua grande inovação é o conceito de integração total, até agora não adota- do por nenhum empreendimento do gênero.” Segundo o pesquisador, a miniusi- na deve produzir 40 mil litros de álcool por dia para ter preço de venda compe- Projeto inovador de miniusinas propõe a integração total em torno da produção do álcool EDUARDO CESAR Ganhos ambientais e energéticos titivo com o dos combustíveis deriva- dos do petróleo. Dimensionada para operar em terreno de 4.310 hectares, a Muai irá gerar 131 empregos fixos, sen- do 25% deles terceirizados. A tradicio- nal lavoura de cana-de-açúcar é associa- da ao plantio do sorgo sacarino, uma planta com quase 3 metros de altura da mesma família das gramíneas, que pos- sui colmo (caule) doce e suculento. Com ele será possível elevar para dez a 12 me- ses o tempo de trabalho anual da mini- usina, contra os oito meses dos estabe- lecimentos convencionais. Na Muai serão produzidas 3.630 to- neladas por ano de produtos agrícolas relacionados ao sorgo. Os colmos da cana e do sorgo produzem o caldo e o bagaço. Do caldo fermentado são pro- duzidas 1.130 toneladas por ano de le- vedura desidratada e, através do desti- lador, o álcool e o vinhoto. O vinhoto biodigerido transforma-se em bioferti- lizante e biogás. Nos 188 hectares desti- nados à pecuária, serão criadas 2.800 cabeças de gado em regime de semi- confinamento, sete meses em currais e cinco meses fora deles, alimentadas pe- los ponteiros da cana e do sorgo acres- cidos de outros aditivos protéicos. O bagaço, 40% da palha seca e o biogás (gás natural na entressafra) são quei- mados numa caldeira para a produção de vapor superaquecido a 450˚C. O va- por aciona um turbogerador de alta po- tência e eficiência, com saída de 6,36 megawatts (MW) de energia elétrica excedente a um custo de US$ 6,58 o megawatt/hora produzido, que se cons- TECNOLOGIA U

Revista Pesquisa Fapesp - AGROINDÚSTRIA EDUARDO CESAR … · 2015. 3. 13. · da ao plantio do sorgo sacarino, uma planta com quase 3 metros de altura da mesma fam ília das gram

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Page 1: Revista Pesquisa Fapesp - AGROINDÚSTRIA EDUARDO CESAR … · 2015. 3. 13. · da ao plantio do sorgo sacarino, uma planta com quase 3 metros de altura da mesma fam ília das gram

78 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

tituirão na segunda fonte de receita daMuai. “O projeto privilegia a máximaeficiência termodinâmica, produtiva,ambiental e social dentro do conceitode auto-sustentabilidade”, afirma o en-genheiro aeronáutico Geraldo Lombar-di, professor-titular do Departamentode Hidráulica e Saneamento da EESC.

Rede de usinas - Para provar a viabili-dade econômica da Muai, Lombardi eCorsini promoveram, com o apoio fi-nanceiro da FAPESP, a visita do profes-sor Pedro Antonio Rodríguez Ramos,do Instituto Superior Politécnico JoséAntonio Echevaría, de Havana, Cuba,pelo período de um ano. Ramos con-cluiu, em novembro passado, o projetoAvaliação Econômica de uma Miniusinade Álcool Integrada. Ele apontou que,para tornar possível a substituição dos600 mil barris de petróleo importadodiariamente pelo Brasil, seria necessá-rio instalar 3.870 Muais no país. Juntas,elas produziriam 155 milhões de litrosde álcool por dia, uma potência térmi-ca equivalente à do petróleo importa-do, e tornariam disponíveis 24.600 MWde eletricidade excedente, o equivalentea pouco menos de duas hidrelétricas doporte de Itaipu. Os estudos demonstra-ram ainda que o investimento, estima-do em US$ 12,1 milhões, apresentariatempo de retorno em 6,9 anos, o mes-mo de uma usina convencional queproduza exclusivamente 200 mil litrosde álcool por dia.

Além de todas as vantagens econô-micas e sociais, como a geração de 507

AGROINDÚSTRIA

m ousado projeto fun-damentado no conceitode integração agroin-dustrial pode transfor-mar o álcool da cana-de-

açúcar na definitiva substituição dopetróleo importado, utilizado para orefino da gasolina e do diesel. Essa é aexpectativa dos professores GeraldoLombardi e Romeu Corsini, da Escolade Engenharia de São Carlos (EESC)da Universidade de São Paulo (USP),responsáveis pela concepção de umarede de Miniusinas de Álcool Integra-das, batizadas de Muai.

Ainda inéditas no Brasil e no mun-do, essas miniusinas são estabeleci-mentos de médio porte que têm comocarro-chefe a produção de álcool com-bustível. As Muais usam tecnologia jáconsagradas, com processos regenera-tivos e recicláveis. São projetadas paraproduzir álcool, hortifrutícolas, leve-dura seca usada em rações (veja repor-tagem na página 80), energia elétrica,além de possuírem espaço para criaçãode gado. “A Muai é muito mais do queuma simples redução em escala de umausina sucroalcooleira grande”, afirmaRomeu Corsini, professor-titular apo-sentado do Departamento de Trans-portes da EESC e co-autor do projeto.“Sua grande inovação é o conceito deintegração total, até agora não adota-do por nenhum empreendimento dogênero.”

Segundo o pesquisador, a miniusi-na deve produzir 40 mil litros de álcoolpor dia para ter preço de venda compe-

Projeto inovador de miniusinaspropõe a integração total em torno da produção do álcool

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Ganhos ambientaise energéticos

titivo com o dos combustíveis deriva-dos do petróleo. Dimensionada paraoperar em terreno de 4.310 hectares, aMuai irá gerar 131 empregos fixos, sen-do 25% deles terceirizados. A tradicio-nal lavoura de cana-de-açúcar é associa-da ao plantio do sorgo sacarino, umaplanta com quase 3 metros de altura damesma família das gramíneas, que pos-sui colmo (caule) doce e suculento. Comele será possível elevar para dez a 12 me-ses o tempo de trabalho anual da mini-usina, contra os oito meses dos estabe-lecimentos convencionais.

Na Muai serão produzidas 3.630 to-neladas por ano de produtos agrícolasrelacionados ao sorgo. Os colmos dacana e do sorgo produzem o caldo e obagaço. Do caldo fermentado são pro-duzidas 1.130 toneladas por ano de le-vedura desidratada e, através do desti-lador, o álcool e o vinhoto. O vinhotobiodigerido transforma-se em bioferti-lizante e biogás. Nos 188 hectares desti-nados à pecuária, serão criadas 2.800cabeças de gado em regime de semi-confinamento, sete meses em currais ecinco meses fora deles, alimentadas pe-los ponteiros da cana e do sorgo acres-cidos de outros aditivos protéicos. Obagaço, 40% da palha seca e o biogás(gás natural na entressafra) são quei-mados numa caldeira para a produçãode vapor superaquecido a 450˚C. O va-por aciona um turbogerador de alta po-tência e eficiência, com saída de 6,36megawatts (MW) de energia elétricaexcedente a um custo de US$ 6,58 omegawatt/hora produzido, que se cons-

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Currais

Dejetos

Biodigestor

TRATO COM O GADO

Leite

Carne

Couro

COM

ERCI

ALIZ

AÇÃO

Cortemecanizado

LAVOURA DE CANA E DE SORGO

Colmo

Tombador

RECEPÇÃO DEMATÉRIA

PRIMA

Palha seca

Picador-Desfibrador Difusor

PREPARO DEMATÉRIA

PRIMA EXTRAÇÃODO CALDO

SecadorLeitoSuspensão

Caldeira

TRATAMENTO DE BAGAÇO

GERAÇÃO DEVAPOR E ENERGIA

Energia elétrica

Conjunto Turbo-Gerador

COM

ERCI

ALIZ

AÇÃO

Enfardamentode bagaço

Biog

ás

Cinz

as

Secador

Levedura seca

LAVOURA DE CANA,SORGO E OUTRAS

CULTURAS

Hortaliças, Frutas

COM

ERCI

ALIZ

AÇÃO

TRATAMENTO DA LEVEDURA

Evaporador

Termolisador

BiodigestorTrocador

BIODIGESTÃO

COLUNAS DE DESTILAÇÃO

ÁlcoolHidratado

ÁlcoolAnidro CO

MER

CIAL

IZAÇ

ÃO

Vinh

oto

Regenerador

Vinho

Centrífuga

FABRICAÇÃODE ÁLCOOL

Vinho

Pré-evaporadorCa

ldo

Resfriador

Cuba

Levedura

Mos

to

Dornas

Fundo dorna

Biodigestor

Lodo

filtr

ado

Tanquede

lodoFlotador

Caldo flotado

Caldo

Lodo

Decantador

Aquecedor TRATAMENTO DO CALDO

Cald

o flo

tado

Caldo

TRATAMENTO DO LODO

RESERVAFLORESTAL

PonteirosFolhas verdes

Vales defermentação

Caminhos da integração na miniusina

Biofertilizante

Leve

dura

Produção de energiaProdução de álcoolProdução de ração, alimentos e couroTratamento da leveduraProdução de biofertilizante

mil empregos fixos, a economia anualde US$ 5,5 bilhões com importação depetróleo e a geração de US$ 5,8 bilhõesem impostos por ano, a Muai tambémtem inegáveis benefícios ambientais. Aminiusina atende aos requisitos do Pro-tocolo de Kyoto no que diz respeito àemissão de gases.“Ao substituir os deri-vados de petróleo, ela evitará a emissãocumulativa de quase 2 milhões de tone-ladas de dióxido de carbono por dia,gás agravante do efeito estufa e da qua-lidade de vida na Terra. Retira, ainda,da atmosfera 197 milhões de toneladasde dióxido de carbono (CO2) pela canaem contínuo crescimento”, explica Lom-bardi. Para completar, 680 hectares doterreno de cada Muai, correspondentesa 20% das áreas agrícolas, serão desti-nados para reservas florestais, atenden-do às normas legais de preservação .

Como funciona - Em função de suasmúltiplas atividades, o fluxograma daMuai é complexo (veja ilustração). A fi-losofia da miniusina, no entanto, é sim-ples: tudo deve ser reprocessado e reci-

clado. A palha da cana-de-açúcar, porexemplo, é usada na proteção do solocontra ervas daninhas, além de se desti-nar à produção de vapor para geraçãode eletricidade. O vinhoto e os dejetosdos animais transformam-se em biogáspara queima na caldeira e também embiofertilizante para uso no canavial.

O fato de estar ancorado em um ci-clo completo de produção energética eagroindustrial confere ao projeto boasperspectivas de implementação. Pro-dutores de cana procuraram os doispesquisadores para saber mais deta-lhes. Cuba também pode se beneficiardo conceito de integração total naprodução. O professor Ramos voltouàquele país, severamente dependenteda importação de petróleo, com o com-promisso de apresentar o projeto Muaiao governo cubano. •

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 79

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O PROJETO

Visita do Professor Pedro AntonioRodríguez Ramos, do InstitutoSuperior Politécnico José AntonioEchevaría, para a AvaliaçãoEconômica de uma Miniusina de Álcool Integrada

MODALIDADEAuxílio a pesquisador visitante

COORDENADORGERALDO LOMBARDI – Escola deEngenharia de São Carlos - USP

INVESTIMENTOR$ 56.181,60

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