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ano3|número1|jun-jul-ago2013 distribuiçãogratuita|vendaproibida

Revista Segunda Pessoa #1

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ano 3 número 1 jun-jul-ago 2013 Colaboradores: Almandrade, Aline Basso, Jota Medeiros, Luiz Vidal, Madaleza Zaccara, Raul Córdula, Stênio Soares e Walter Galvão. Artista homenageado (foto de capa): Marcos Veloso

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ano�3�|�número�1�|�jun-jul-ago�2013

distribuição�gratuita�|�venda�proibida

MARCOS�VELOSO�-�HOMENAGEM�

«O�fotógrafo�Marcos�Veloso�era�um�ser�aparentemente�desconstruído,�mas�nenhum�artista�da�sua�geração�apresentou�uma�obra�tão�coerente�e�plasticamente�de�profunda�delicadeza�como�a�sua.�Sensível�e�despojado,�ele�sabia�captar�a�essência�da�realidade�sem�perder�de�vista�a�função�da�arte�nesse�processo.�Às�vezes,�sutilezas�programadas.�Noutras,�a�oportunidade�do�imponderável:�paisagens,�gestos,�cenas�humanas,�detalhes.�Não�inventou�aquilo�que�os�grandes�fotógrafos�já�não�tivessem�criado;�nem�buscou�ser�diferente;�apenas�deixou�fluir�o�que�dentro�dele�era�o�seu�próprio�espírito�de�permanente�alegria�e�disponibilidade�aos�amigos�e�à�vida.»�Francisco�(Chico)�Pereira�da�Silva�Júnior

Iniciado�na�fotografia�no�começo�dos�anos�1980,�Marcos�Veloso�nasceu�(e�se�criou)�no�bairro�de�Jaguaribe,�em�João�Pessoa,�em�14�de�agosto�de�1950.�Formado�em�Medicina,�atuou�no�setor�de�radiologia�do�Hospital�Universitário�da�UFPB�e�isso�muito�facilitou�sua�adaptação�aos�laboratórios�fotográficos.�Na�verdade,�a�descoberta�da�nova�habilidade�surgiu�num�curso�realizado�no�Centro�de�Tecnologia�da�UFPB.�Depois,�foi�convidado�para�uma�coletiva�na�Feira�de�Tecnologia�de�Campina�Grande.�Desde�então,�foram�inúmeras�exposições�pelo�país�e�no�exterior.��

Em�1994,�ao�lado�dos�jovens�fotógrafos�Mano�de�Carvalho�e�Ricardo�Peixoto,�criou�a�Agência�Ensaio�dedicada�à�evolução�e�qualidade�tecnológica�da�fotografia�na�cidade�de�João�Pessoa.�Antes,�atuou�no�grupo�Traficantes�de�Imagens�em�vários�projetos�culturais.�Participante�ativo�das�associações�Le�Hors-Là�e�REDE�‒�de�intercâmbio�com�França�e�Suíça,�respectivamente�‒�em�que�foi�um�“embaixador”�da�região�sertaneja,�levando�consigo�os�estrangeiros�para�memoráveis�expedições�pelos�rincões�da�geografia�nordestina.�Muitas�das�imagens�que�registrou,�especialmente�sobre�o�sertão�paraibano,�da�beleza�exótica�da�paisagem�e�dos�costumes�do�povo,�ficaram�conhecidas�internacionalmente.

Em�1995,�participou�como�convidado�da�Biennale�Internationale�dʼArt�de�Groupe,�um�dos�mais�importantes�eventos�artísticos�no�Sul�da�Europa,�em�Marselha/�França,�onde,�um�ano�antes,�viveu�breve�período�de�trabalho.

Marcos�Veloso�faleceu�em�04�de�fevereiro�de�2000,�no�auge�de�sua�produção�artística�e�no�momento�em�que�acabara�de�registrar�o�folclore�do�Maranhão�e�o�bairro�do�Varadouro,�no�Centro�Histórico�de�João�Pessoa,�ao�lado�dos�colegas�Gustavo�Moura,�Antônio�Augusto�Fontes�e�Walter�Carvalho.�E,�quando�se�preparava�para�viajar�até�Cuba�e�França.

Marcos�Veloso,�Viaduto,�Centro�de�João�Pessoa,�1997

Após�edições�lançadas�em�períodos�irregulares�ao�longo�dos�últimos�sete�anos,�finalmente,�a�revista�Segunda�Pessoa�promete�tornar-se�assídua�daqui�pra�frente.�Graças�ao�Edital�Procultura�de�Estímulo�às�Artes�Visuais�2010,�da�Funarte/�Ministério�da�Cultura,�que�contemplou�a�publicação�de�oito�edições,�trimestrais,�pelos�próximos�dois�anos,�além�de�sua�versão�na�internet:�www.segundapessoa.com.br.�

Nossa�proposta�se�mantém�desde�seu�primeiro�número,�de�2006:�“publicar�artigos,�ensaios�e�imagens�de�autores�brasileiros,�com�maior�ênfase�para�análise�e�divulgação�da�produção�contemporânea�de�artes�visuais�no�Nordeste.”�E,�desta�vez,�será�amplamente�distribuída�(gratuitamente)�entre�artistas,�bibliotecas�e�instituições�educacionais�e�culturais�do�país.

Nesta�edição,�há�espaço�para�reviver�o�“passado”�ao�tratar�da�vida/obra�do�artista�Fernando�Jackson�Ribeiro�‒�sertanejo�da�Paraíba�e�nome�fundamental�para�a�compreensão�da�escultura�brasileira�nos�anos�1960/70,�a�partir�do�Rio�de�Janeiro,�onde�atuou�‒�com�artigos�de�Stênio�Soares�e�de�Walter�Galvão.

Na�mesma�ideia�de�”revisão�e�reflexão”,�estão�os�necessários�artigos�sobre�artesanato,�do�esteta�e�artista�Raul�Córdula;�sobre�arte�correio,�de�Jota�Medeiros;�e�sobre�os�artistas�contemporâneos�pernambucanos�Bete�Gouveia�e�Maurício�Castro,�de�Madalena�Zaccara.�A�edição�se�completa�com�texto�elucidativo�sobre�direito�autoral,�de�Luiz�Vidal,�e�um�artigo�da�professora�e�designer�Aline�Basso�que�aborda�a�linha�tênue�entre�arte�e�moda.

Ah,�e�o�fotógrafo�Marcos�Veloso,�falecido�em�2000,�ilustra�a�capa�e�recebe�homenagem�póstuma�da�revista.�O�artista�e�arquiteto�Almandrade�fecha�esta�edição�nos�explicando�o�fenômeno�das�bienais�de�arte.�

Boa�leitura!

editorial editorial

Índice

� � � � �Arcaísmo�expressivo:�a�poética�de�Jackson�Ribeiro,por�Stênio�Soares�� � � � ����������4Uma�arte�para�a�globarbárie:�Hélio�Oiticica/Jackson�Ribeiro,�por�Walter�Galvão� � � ����������7Afinal,�que�é�artesanato,�por�Raul�Córdula� � ����������9Sobre�o�processo�de�manutenção�de�uma�identidade�nas�artes�visuais�na�contemporaneidade�pernambucana:�Bete�Gouveia�e�Maurício�Castro,por�Madalena�Zaccara�������������������������������������������������������������������������������������14Costuras�poéticas:�sensorialidades�da�roupa,�por�Aline�Basso�������������������������������������������������������������������������������������20�Arte�correio:�a�ideia�em�processo,�����������������������������������������������������por�Jota�Medeiros��������������������������������������������������������������������������������������24Deficiência�autoral�das�artes�visuais,�por�Luiz�Vidal� ���������27O�fenômeno�Bienal�de�Arte,�por�Almandrade� ���������30�

Este projeto foi contemplado com o Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010

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tradicional�praticamente�desapareceu,�enquanto�começam�a�aparecer�objetos�no�espaço�de�quaisquer�materiais�que,�se�mais�longe�das�belas-artes,�mais�próximas�estão,�porém,�da�criação�popular”�(PEDROSA,�1960).�No�mesmo�salão,�o�então�diretor�do�Museu�Nacional�de�Belas�Artes,�Teixeira�Leite,�vem�a�público�defender�a�premiação�de�Ribeiro,�destacando�a�vitalidade�e�sensibilidade�das�suas�obras:�“Mais�duas�qualidades,�porém,�é�possível�descobrir�nas�peças�mencionadas:�1)�força�poética,�aqui�entrando�o�termo�em�sua�acepção�de�poder�criador,�inventiva;�2)�adequação�entre�o�que�o�artista�desejou�fazer�e�o�material�de�que�lançou�mão”�(LEITE,�1960).

Nessa�fase,�o�artista�conjugava�o�ferro�e�a�pedra,�especialmente�o�granito.�Exemplares�desse�período�são:�Elementar�4,�da�coleção�José�e�Paulina�Nemirovsky,�e�Elementar�5,�coleção�MAC-USP,�esse�último�exposto�na�IV�Bienal�de�São�Paulo�e�prêmio�aquisição,�em�1961.�Nessas�obras,�Jackson�Ribeiro�justapõe�a�pedra�e�o�ferro�com�pouca�ou�quase�nenhuma�transformação�dos�materiais;�nesse�sentido,�sua�preocupação�revela-se�em�situar�os�materiais�enquanto�forma�plástica�e�materialidade,�elementos�compositivos�esses�que�se�somam�e�dinamizam�a�linguagem�escultórica.�Outro�aspecto�que�constrói�a�visualidade�característica�dessas�obras�é�a�apropriação�de�materiais�com�certas�especificidades�no�contexto�moderno�experimentado�com�a�industrialização:�por�um�lado�a�pedra,�elemento�rústico,�significativo�na�composição�do�solo,�que�se�apresenta�organicamente�como�natura,�por�outro�lado,�o�ferro�sucateado,�um�objeto�pré-fabricado�de�uso�industrial�revela-se�como,�metaforicamente,�intervenção�do�homem�sobre�a�natureza:�a�cultura.�A�partir�desse�enfoque,�a�obra�de�Jackson�Ribeiro�manifesta�seu�aspecto�conceitual,�ao�lidar�com�a�plasticidade�dos�objetos�da�composição�e�com�o�conflito�natureza/cultura,�ou�seja,�com�formas�apropriadas�da�natureza�e�transformadas�pela�cultura.

A�breve�leitura�anterior�compreende,�entre�outros�aspectos,�ao�resultado�de�um�jogo�de�sensações�ou�de�como�lidamos�com�o�sensível�nas�artes.�Essas�noções�são�fundamentais�para�se�compreender�a�percepção�enquanto�possibilidade�de�diálogo�entre�a�obra�de�arte�e�

Fernando�Jackson�Ribeiro�acrescenta�à�produção�escultórica�brasileira�um�estudo�de�aproximadamente�três�décadas�em�um�processo�poético,�identificado�pelo�autor�como�“elementares”,�esculturas�e�objetos�tridimensionais�a�partir�do�ferro�em�sucata�e�a�pedra�bruta.�A�apropriação�desses�elementos�desdobra-se�na�elaboração�de�esculturas�cuja�plasticidade�ganha�forma�de�totem,�motiva�novas�leituras�sobre�o�espaço,�chegando�à�elaboração�de�um�jogo�interativo�ao�público�na�formulação�de�perspectivas�múltiplas�e�autônomas.�Essa�trajetória�é�marcada�por�fases�de�um�mesmo�processo�cujo�pensamento�transformador�transita�entre�a�arte�moderna�e�contemporânea,�no�momento�que�o�Brasil�vivenciava�uma�efervescência�de�ideias�no�sentido�de�uma�mudança�cultural.�Poderíamos�nos�deter�apenas�em�uma�escultura�para�cercar�o�fenômeno�indicado�pela�obra�de�Jackson�Ribeiro,�pois�sua�plasticidade�gera�um�sentido�que�articula�pensamento�e�ação,�considerando�sua�autonomia�estética.�Contudo,�não�é�prudente�estabelecer�equivalência�de�uma�obra�à�totalidade�poética�que�marca�a�trajetória�do�artista,�pois�fatalmente�nos�arriscaríamos�em�trair�uma�poética�que�é�ressonante�ao�princípio�norteador�da�Gestalt:�“o�todo�é�mais�do�que�a�soma�das�partes”.

Em�1956,�quando�Jackson�Ribeiro�deixou�a�Paraíba�e�mudou-se�para�o�Rio�de�Janeiro,�começou�a�trabalhar�em�uma�fábrica�de�molduras�onde�teve�contato�com�quadros�exemplares�das�vanguardas�artísticas.�Começou�a�pintar�com�maçarico,�mas�logo�deixou�a�técnica�para�lidar�com�a�escultura�de�ferro�velho,�da�qual�julgava�poder�aliar�seu�pensamento�artístico�à�força�física.�Segundo�Ribeiro,�foi�a�partir�do�contato�com�peças�de�ferro,�usadas�na�fabricação�de�um�aparelho�para�engessar�molduras�de�quadros,�que�surgiu�sua�primeira�escultura,�um�cristo�de�ferro,�que�expôs�no�VIII�Salão�de�Arte�Moderna�do�Rio�de�Janeiro,�introduzindo-se�no�circuito�de�arte�(LISBONA,�1974).�No�ano�seguinte,�participou�do�IX�Salão�de�Arte�Moderna,�ganhou�o�prêmio�aquisição�e�foi�notado�por�Mário�Pedrosa,�então�diretor�artístico�do�Museu�de�Arte�Moderna�de�São�Paulo,�que�escolheu�dois�dos�seus�trabalhos�para�a�VI�Bienal�ao�ar�livre�de�Antuérpia,�na�Bélgica.�Pedrosa�(1960)�referiu-se�às�obras�de�Jackson�Ribeiro�como�um�“autêntico�arcaísmo�expressivo”,�e�indicava�que�“a�escultura�

Arcaísmo�expressivo:a�poética�de�JacksonRibeiroStênio�Soares�

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o�observador,�e�se�associamos�a�pedra�e�o�ferro,�materiais�dessa�composição,�com�seu�tamanho,�sua�forma-cor,�sua�textura,�peso�ou�leveza�percebida,�enfatizamos�que�essa�apreensão�é,�necessariamente,�uma�experiência�do�corpo�e�do�pensamento�como�criadores�de�sentido,�tanto�do�artista�quanto�do�observador�da�obra�(MERLEAU-PONTY,�2006).�A�experiência�do�olhar�está�inerente�a�um�sistema�de�experiências�vivido�pelo�observador,�o�que�provoca�sua�aproximação�não�somente�com�a�obra�em�si,�mas,�também,�com�o�processo�de�criação�do�artista,�sujeitos�necessários�para�fundar�esse�fenômeno�da�comunicação.�Portanto,�trata-se�de�um�ponto�de�vista�que�motiva�e�implica�outras�perceptivas�(MERLEAU-PONTY,�2006,�p.�60).

A�fase�dos�elementares�de�pedra�e�ferro�arrebata�prêmios�e�elogios�da�crítica,�o�artista�tem�distinção�no�circuito�de�arte�no�Brasil,�vai�à�XXXI�Bienal�de�Veneza,�III�Bienal�de�Paris,�Mostra�de�Arte�Brasileira�em�Trieste.�Em�1964,�Ribeiro�trabalha�junto�com�Amílcar�de�Castro�e�Hélio�Oiticica�na�alegoria�do�enredo�História�de�um�preto�velho,�da�Escola�de�Samba�Estação�Primeira�de�Mangueira.�Duas�construções�de�Jackson�Ribeiro,�que�serviram�de�alegorias�de�um�carro�da�escola�de�samba,�alcunhadas�pela�comunidade�como�Fausto�e�Faustina,�foram�expostas�no�XIII�Salão�de�Arte�Moderna.�Nesse�salão,�Ribeiro�ganha�o�prêmio�Viagem�ao�exterior�e,�em�1965,�muda-se�para�Barcelona�onde�faz�residência�artística.�Antes�de�partir�para�a�Europa,�Ribeiro�marca,�com�duas�esculturas,�definitivamente,�as�páginas�da�produção�escultórica�brasileira:�em�1964,�Fausto,�uma�construção�de�sucata,�alegoria�de�escola�de�samba,�é�premiada�no�salão�moderno;�em�1965,�constrói�a�escultura�pública�o�Porteiro�do�inferno�para�uma�avenida�em�João�Pessoa.�

O�elemento�primeiro�é,�pois�o�gerador�de�toda�a�obra,�o�“gérmen”�dela.�Sobre�essa�totalidade�então�abre-se�a�imaginação�do�espectador�que�assume�aqui�papel�importante,�direi�mesmo�participante,�dentro�da�obra.��Há�como�que�uma�“visualização�fisionômica”�do�espectador�que�ora�tende�à�fantasia,�ora�à�visão�de�figuras,�ora�à�descrição�de�mitos�etc.�(OITICICA,�1968a)

Decorrências�modulares�(fonte:�Arquivo�Projeto�HO)

Porteiro�do�inferno,�João�Pessoa,�1967

Governador�da�Paraíba�Ernani�Sátyro�recebe�Jackson�Ribeiro,�João�Pessoa,�1976

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nasce�a�partir�da�intervenção�de�um�participante�que�expresse�nas�montagens�sua�experiência�sensorial�com�o�espaço,�sua�percepção�enquanto�pensamento�de�perceber.�(MERLEAU-PONTY,�2006,�p.�67)���� �Nesse�sentido,�se�a�percepção�é�individual,�motiva�e�implica�novas�percepções,�seus�resultados�são�sempre�novos�e�infinitos.�Sem�dúvida,�o�processo�poético�dos�“elementares”�de�Jackson�Ribeiro�são�expressões�de�um�pensamento�latente�à�espera�de�um�sopro�criador/interativo.

Stênio�José�Paulino�Soares�é�ator,�cientista�social�e�historiador�da�arte.�Bacharel�em�Ciências�Sociais�pela�UFPB,�em�comum�formação�na�Université�Lumiere�Lyon�2,�França.�Especialista�em�museologia,�com�ênfase�em�Curadoria�e�Educação�em�Museus�de�Arte�com�pesquisa�sobre�a�coleção�Marcantonio�Vilaça�do�MAC�USP.�Mestre�em�Estética�e�História�da�Arte�pela�USP,�com�pesquisa�sobre�a�obra�de�Jackson�Ribeiro.�Integrou�as�equipes�do�Musée�des�Missions�Africains�de�Lyon�(França),�Museu�Afro�Brasil�(SP)�e�Museu�da�Casa�Brasileira�(SP).�Foi�Diretor�de�Ação�Cultural�da�Fundação�Cultural�de�João�Pessoa�(FUNJOPE).�É�consultor�da�UNESCO,�atuou�no�Instituto�do�Patrimônio�Histórico�e�Artístico�Nacional�do�Ministério�da�Cultura�(IPHAN/�MINC),�e�atualmente�está�lotado�na�Secretaria�de�Direitos�Humanos�da�Presidência�da�República.

Referências

DANTO,�Arthur.�A�transfiguração�do�lugar-comum:�uma�filosofia�da�arte.�São�Paulo:�Cosac�e�Naify,�2005.HEIDEGGER,�Martin.�A�origem�da�obra�de�arte.�Lisboa:�Edições�70,�2007.LEITE,�José�Roberto�Teixeira.�Os�delírios�do�Sr.�Reis�Júnior.�Coluna�Artes�Visuais.�[?],�04�set.�1960.LISBONA,�Diane.�Jackson,�a�vitalidade�do�ferro.�O�Estado�do�Paraná,�Curitiba,�22�fev.�1974.MERLEAU-PONTY,�Maurice.�Fenomenologia�da�percepção.�São�Paulo:�Martins�Fontes,�2006.OITICICA,�Hélio.�Nota�sobre�a�escultura�de�Fernando�Jackson�Ribeiro.�Rio�de�Janeiro,�1968a.�Disponível�em:�<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cod=2&tipo=2>.�Acesso�em:�02�jun.�2008._________,�Jackson.�Rio�de�Janeiro,�1968b.�Disponível�em:�<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cod=2&tipo=2>.�Acesso�em:�02�jun.�2008.PEDROSA,�Mário.�Missão�cumprida.�Jornal�do�Brasil.�Rio�de�Janeiro,�10�ago.�1960.

As�duas�obras�de�sucata�revelam�outra�fase�poética�do�artista,�definem�sua�figura�totêmica,�a�partir�da�acumulação�de�materiais�construindo�sentido�no�espaço,�e,�no�diálogo�com�o�público,�consolidam�sua�fisionomia�à�identificação�mítica�popular:�Fausto�foi�alcunhado�pela�comunidade�da�Mangueira�e�o�Porteiro�do�inferno,�segundo�relatos�de�amigos�contemporâneos�a�Jackson�Ribeiro,�foi�alcunhado�por�amigos�do�artista�que�moravam�em�João�Pessoa.

Em�Barcelona�(1965-1967),�Jackson�Ribeiro,�empreende�um�desdobramento�dessa�fase�poética�dos�totens�de�sucata,�a�partir�da�geometrização�bilateral.�Alguns�exemplares�dessa�fase�foram�expostos�no�evento�Arte�no�Aterro,�em�1968,�organizado�pelo�crítico�de�arte�Frederico�Moraes.�Duas�esculturas�da�Fundação�Casa�de�José�Américo,�em�João�Pessoa,�a�escultura�doada�ao�presidente�Geisel,�em�1974,�assim�como�a�escultura�Construção�3,�de�1972,�pertencente�ao�acervo�MAM�SP�são�exemplares�dessa�fase.�Elas�marcam�a�elaboração�bilateral,�seguindo�o�princípio�totem�de�acumulação�de�materiais�de�ferro,�embora�venham�sugerir�geometricamente�as�figuras.�A�bilateralidade�da�expressão�escultórica�preconiza�as�“decorrências�modulares”,�que�marcam�a�última�fase�da�poética�escultórica�de�Jackson�Ribeiro.�Nesse�sentido,�Ribeiro�elabora�um�jogo�participativo,�chamado�de�“elementares”,�com�nove�módulos�geométricos�de�alumínio�para�combinação�e�montagem�feitas�pelo�participante,�que�pode�construir�um�texto�visual�a�partir�de�formulações�estéticas.�Com�os�mesmos�módulos,�produzidos�em�madeira,�o�artista�organiza�composições�fixas�e�simétricas�como�obras�de�parede,�chamadas�Decorrências�modulares.�

AS�DECORRÊNCIAS�MODULARES�DECORREM�DO�PRINCIPIO�TOTEM�E�FUNDAM�ESPAÇO�e�essa�experiência�faz�parte�da�grande�demolição�do�espaço�antigo�da�escultura�e�da�pintura�e�propõe�algo�que�aponta�para�O�NOVO:�algo�que�elimina�a�possibilidade�de�combinação�e�cultivação�do�espaço-forma�antigo�da�escultura�e�do�TOTEM-FOLCLORE�mistificantes�é�a�negação�e�a�eliminação�do�folclore�(ligado�este�às�chamadas“raízes�primitivas”�que�nada�mais�são�do�que�a�manutenção�de�formas�esquálidas�e�acadêmicas�de�arte)�e�do�espaço�tradicional�da�escultura�tal�como�é�manifestada�pelos�realizadores�de�tais�formas�de�arte,�AS�DECORRÊNCIAS�MODULARES�SÃO�DECORRÊNCIAS�QUE�GERAM�O�NOVO!�(OITICICA,�1968b).��

���Para�Oiticica,�as�decorrências�modulares�resultam�da�ideia�do�totem,�empreendida�a�partir�da�experiência�espaço-forma�da�escultura.�Porém,�o�fenômeno�que�pulsa�na�comunicação�artística�da�obra�de�Jackson�Ribeiro�está�na�experiência�do�corpo�e�do�pensamento�como�criadores�de�sentido,�tanto�do�artista�quanto�do�observador/participante�da�obra.�Em�Ribeiro,�a�experiência�vivida�e�a�percepção�do�espaço�levaram-no�a�expressar�esses�passos�do�seu�pensamento,�através�do�seu�processo�poético,�mas�o�jogo�dos�“elementares”���

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Primeira�AbordagemImersão�no�paradigma�barroco,�suporte�transtemporal�de�uma�pós-modernidade�

Um�bólide�construtivo,�chama�revolucionária,�habita�o�coração�da�linguagem�da�arte�neoconcreta�brasileira,�multipolar,�plurimimética,�interformal.�Arte�neoconcreta:�sintoma,�motivo,�núcleo�irradiador,�solução�e�proposta�da�desmaterialização�da�retórica�de�tempo,�lugar,�da�simbolização�e�da�dramatização,�da�espacialização�metafórica,�da�imanência,�do�sensório�do�sentimento�ótico�visual�da�modernidade�e�suas�micromodernidades,�uma�(micro)modernidade�que�começa�com�o�Cubismo,�outra�com�o�Barroco,�aquela�começa�quase�antes�do�começo�com�Monet,�a�que�começa�com�Duchamp,�a�que�termina�em�Hélio�Oiticica/Jackson�Ribeiro�vórtices�da�pós-modernidade,�ápices�da�vanguarda�mítica�dos�60,�neoncretos�públicos:�os�transobjetos�de�Hélio,�as�assemblages�matéricas�de�Jackson�caracterizam.�

Modernidade�nas�modernidades�desdobrada,�eis�mais�um�instante�inaugural�da�festa,�um�processo,�um�núcleo�de�representação�contra�a�qual�se�insurge�a�arte�construtiva�de�Hélio/Jackson:�Monet,�século�XIX,�revolução�inaugural�de�uma�invenção�operativa,�revogação�de�ritos�estéticos,�a�dialética�do�desenho-suporte�estrutura�da�obra�vencida�pela�dialógica�mancha/cor.�A�cor�pura.�

Construção�com�luz�da�signagem�da�obra�contra�a�exteriorização�metafórica�do�sentimento�hierarquizado�narrado�figurativamente�no�quadro.

Avançando�a�história.�No�coração�da�arte�construtiva�brasileira�habita�um�bólide�barroco.�Uma�espiral�de�programação�dos�sentidos,�de�espacialização�metafórica,�de�fabulação�científica�arquitetural�via�geometria,�de�ambigüidade�e�pluriformalidade�evoluiu�desde�o�barroco,�este�lugar�das�sensualidades�formais,�das�interpenetrações�estruturais,�inoculando-se�na�medula�das�modernidades.

Há�sim�esta�plataforma�barroca�na�forma�e�no�sentido�da�arte�construtiva�neoconcreta.�Hélio�Caravaggio�

atentando�contra�o�classicismo,�a�academia,�o�realismo�figurativo,�o�artista�do�cristianismo�laico,�sabotador�da�tridimensionalidade�simbólica�da�perspectiva,�o�que�concentra�as�figuras�em�primeiro�plano,�egos�agindo�no�proscênio,�o�que�arrebanha�as�caras�das�ruas,�as�caras�de�cavalo,�para�personificar�seus�santos�transgressores�abraçados�com�prostitutas�das�tavernas.�Caravaggio�disse�a�Hélio�Oiticica:�seja�marginal,�seja�herói.

Os�metaesquemas�de�Hélio,�os�parangóles�vestíveis,�a�nova�luz�de�Caravaggio�propõem�uma�nova�objetividade.�A�objetividade�barroca�é�neoconcreta�porque�construtiva:�“No��Brasil,�os�movimentos�inovadores�apresentam�esta�característica�única,�uma�vontade�construtiva�marcante,�até�mesmo�no�movimento�de�22.�Dela�nasceram�a�nossa�arquitetura�e�os�movimentos�concreto�e�neoconcreto”�escreve�Hélio�em�Esquema�Geral�da�Nova�Objetividade.�Jayro�Luna,�crítico�que�propõe�a�teoria�do�neo-estruturalismo�semiótico,�menciona�“a�noção�barroca�do�mundo�como�labirinto”�referida�por�Afonso�Romano�de�SantʼAnna�que�alude�ao�“geometrismo�da�composição”�do�estilo,�“baseada�na�arte�combinatória”,�técnica�da�combinação�para�a�resignificação�típica�do�objeto�estruturado�por�Jackson�Ribeiro,�a�exemplo�do�objeto-totem-escultura-monumento�público�que�se�convencionou�denominar�Porteiro�do�inferno.

A�propósito�do�Barroco�afirma�Michael�Kitson,�escrevendo�para�The�Hamlyn�Pubishing�Group�Limited,�em�1966:�“Lança-se�ao�encontro�das�suscetibilidades�emocionais�do�espectador;�num�grau�muito�maior,�foi�mais�ʻorientada�para�o�espectadorʼ�do�que�qualquer�outro�estilo.�O�seu�foco�não�está�dentro�da�obra�de�arte,�mas�fora�dele,�no�espaço�do�espectador”.

Hélio�escreve�a�respeito�do�espectador�no�“Esquema�Geral...”,�também�em�1966:�“O�problema�do�espectador�é�mais�complexo�no�contexto�da�Nova�Objetividade,�já�que�essa�participação,�que�de�início�se�opõe�à�pura�contemplação�transcendental,�se�manifesta�de�várias�maneiras”,�entre�as�quais,�“uma�que�envolve�ʻmanipulaçãoʼ�ou�participação�ʻsensorial�corporalʼ,�uma�outra�que�envolve�uma�participação�ʻsemânticaʼ”.

Uma�arte�para�a�globarbárie:�Hélio�Oiticica/Jackson�Ribeiro

Walter�Galvão�

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Segunda�abordagem�Flashs�da�arte�concreta

Theo�Van�Doesburg,�Max�Bill,�o�concretismo�se�desdobra�do�abstracionismo.�Radicalidade:�fim�da�representação�sensível,�além�da�comunicação,�um�projeto�de�intercodificação.�Sinal,�signo,�código�intercambiantes,�projeção�de�uma�contradiscursividade�retórica.�Max�Bill:�da�imagem�ideia�à�imagem�objeto.�Da�imagem�ao�objeto.�Amálgamas:�o�plástico�e�o�verbal,�a�geometria�e�a�matemática,�a�arte�cinética�do�recorte�sígnico.�Ivan�Serpa.�Waldemar�Cordeiro,�os�avatares�do�concreto�no�Brasil.�Mário�Pedrosa�o�crítico�do�ativismo�concretista.�Nova�realidade.�Arte�concreta:�uma�Nova�Objetividade.�

Terceira�Abordagem��

Neonconcretismo.�Refutação�da�radicalidade�teórica�da�arte�concreta�que�avança�contra�qualquer�subjetivismo�expurgando�o�lírico�e�a�espacialidade�visual�poética�do�construtivismo.�O�grito�do�Manifesto�Neoconcreto�é�uma�reivindicação�que�afirma�uma�filiação�genealógica�da�arte�brasileira�e�na�América�Latina�ao�Construtivismo.�O�crítico�Mário�Pedrosa�classificou�aspectos�da�obra�de�Hélio�Oiticica�e�Jackson�Ribeiro�de�neoconstrutivistas.�Eis,�então,�um�círculo�evolucionário�de�uma�ideia-tema�orgânica�da�arte�contemporânea�brasileira:�uma�vontade�construtiva.

Manifesto�Neoconcreto:�“(...)�Propomos�uma�reintegração�do�Neoplasticismo,�do�Construtivismo,�e�dos�demais�movimentos�afins,�na�base�de�sua�conquista�de�expressão�e�dando�prevalência�à�obra�sobre�a�teoria.�Se�pretendemos�entender�a�pintura�de�Mondrian�pelas�suas�teorias,�seremos�obrigados�a�escolher�entre�as�duas.�Ou�bem�a�profecia�de�uma�total�integração�da�arte�na�vida�cotidiana�parece-nos�possível�‒�e�vemos�na�obra�de�Mondrian�os�primeiros�passos�nesse�sentido.”�(...)�“A�arte�neoconcreta,�afirmando�a�integração�absoluta�desses�elementos,�acredita�que�o�vocabulário�ʻgeométricoʼ�que�utiliza�pode�assumir�a�expressão�de�realidades�humanas�complexas,�tal�como�provam�muitas�das�obras�de�Mondrian,�Malevitch,�Pevsner,�Gabo,�Arp�etc.�Se�mesmo�esses�artistas�às�vezes�confundiam�o�conceito�da�forma-mecânica�com�o�de�forma-expressiva,�urge�esclarecer�que,�na�linguagem�da�arte�as�formas�ditas�geométricas�perdem�o�caráter�objetivo�da�geometria�para�se�fazerem�veículo�da�imaginação.”

Hélio�Oiticica�(Arquivo�Projeto�HO,�Rio�de�Janeiro)

Walter�Galvão�é�poeta,�músico,�publicitário�e�jornalista.�É�autor�de�vários�livros�de�poemas,�ensaios�e�crônicas.�Foi�Secretário�de�Educação�de�João�Pessoa�e�Diretor�executivo�da�Fundação�Cultural�de�João�Pessoa-Funjope.�É�editor�geral�do�Jornal�Correio�da�Paraíba.

Referências

JANSON,�H.�W.�História�da�Arte.�Lisboa:�Fundação�Calouste�Gulbenkian,�1977.KITSON,�Michael.�O�Mundo�da�arte:�enciclopédia�das�artes�plásticas�em�todos�os�tempos�‒�o�barroco.�Rio�de�Janeiro:�José�Olympio,�1966.OITICICA,�Hélio.�Aspiro�ao�grande�labirinto.�Rio�de�Janeiro:�Rocco,�1986.PEDROSA,�Mário.�Mundo,�homem,�arte�em�crise.�São�Paulo:�Perspectiva,�1986.

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Para�quem�não�viveu�no�Brasil�de�duas�décadas�atrás,�artesanato�nada�mais�é�do�que�bugigangas�produzidas�por�hippies�tardios,�vendidas�como�curiosidades�nas�feiras�turísticas,�calçadas�do�downtown,�estações�rodoviárias,�aeroportos�e�mercados�dirigidos�ao�turista�desavisado�que�procura�um�souvenir�para�um�amigo.�

Desde�que�a�aventura�neoliberal�passou�a�assolar�nossas�vidas�a�palavra�artesanato�saiu�do�nosso�repertório�econômico,�social�e�cultural.�A�partir�daí�o�desprezo�com�a�cultura�do�povo�tem�sido�perversamente�estratégico,�desvalorizando�a�identidade�cultural,�fator�complicador�nos�negócios�globalizados�que�exigem�produtos�enquadrados�em�normas�dirigidas�a�um�tipo�de�mercado�que�se�caracteriza�por�“zero�expressão“,�planejado�para�não�provocar�nenhum�esforço�mental�diante�do�ato�de�comprar,�e�orientado�na�direção�do�baixo�preço,�facilitando�sua�massificação.

Esta�estratégia�introduz�o�conceito�de�que,�do�ponto�de�vista�do�produto,�o�uso�é�mais�importante�do�que�a�beleza�e�muito�mais�importante�do�que�a�tradição�cultural.�Isto�significa�que�um�recipiente�de�plástico�será,�em�tese,�melhor�do�que�um�de�cerâmica,�pois�é�mais�barato�e�substitui�grande�parte�das�funções�do�outro�e,�ainda�mais,�sua�fabricação�e�distribuição�no�mercado�atende�aos�acordos�estabelecidos�em�função�da�expansão�do�sistema�financeiro,�como�conhecemos�hoje,�fortemente�excludente�do�ponto�de�vista�social�e�injusto�no�âmbito�das�relações�de�trabalho.�Um�sistema�que�não�leva�em�conta�as�diferenças�entre�povos�e�nações.�

Qualquer�economista�de�neoliberal,�porém,�dirá�que�o�artesanato,�como�meio�de�produção�pré-industrial,�é�uma�atividade�economicamente�inviável,�e�desaconselhará�sua�inclusão�nos�projetos�de�desenvolvimento.�São,�portanto,�incapazes�de�imaginar�o�significado�da�relação�natural�entre�o�homem�e�a�terra.�Jamais�poderão�supor�que�a�vida�reside�também�no�ato�de�arar,�plantar,�colher,�moer�o�grão�e�fazer�o�pão,�e�que�a�felicidade�reside,�para�muitos,�em�apanhar�o�barro,�amassar,�modelar,�pintar,�cozer�e�utilizar�o�utensílio�que�surgir�da�argila�como�produto�de�sua�mão,�da�dignidade�do�seu�trabalho�e�da�pureza�de�sua�alma.�É�preciso�lembrar�sempre�que�odo�objeto�feito�artesanalmente�

Afinal,�que�é�artesanato?

Raul�Córdula�

possui�um�valor�agregado�insubstituível:�a�marca�da�mão�do�homem.

Eis�o�que�é�o�artesanato:�a�obra�material�do�artesão;�fruto�do�seu�trabalho�realizado�através�das�mãos�na�confecção�de�objetos�destinados�ao�conforto�do�homem,�carregados�de�expressões�da�cultura,�onde�a�máquina,�se�utilizada,�será�apenas�ferramenta,�nunca�fator�determinante�para�sua�existência.

O�artesanato�é�instrumento�de�melhoria�e�distribuição�justa�da�renda�de�comunidades�pobres,�fruto�do�trabalho�autônomo�e�vivo,�pois�o�objeto�produzido�pertence�a�quem�o�produziu,�o�artesão,�diferentemente�do�trabalho�enterrado�nas�fábricas�pelas�mãos�dos�operários,�contrapondo-se,�portanto,�ao�sistema�de�produção�industrial.

Mesmo�marginalizado�pelos�programas�de�desenvolvimento�regionais�e�nacionais�o�artesanato�continua�sendo�no�Brasil�uma�atividade�cultural�de�grande�importância�econômica.�Por�sua�informalidade�escapa�do�planejamento�da�macroeconomia,�e�tem�como�área�de�atuação�as�casas�dos�artesãos,�a�periferia�das�grandes�cidades,�longe�dos�sistemas�urbanos�e�das�regiões�fabris,�e�principalmente�no�mundo�rural.�Mas�a�faina�da�economia�capitalista�não�ignora�o�artesão,�pois�sua�mão�de�obra�especializadíssima�interessa�ao�poderoso�“mercado�de�trabalho”.

Os�números�são�eloquentes:�a�revista�Exportar�&�GERÊNCIA,�dedicada�à�pequena�empresa�exportadora,�no�seu�número�de�maio�de�1999�anunciou�que�o�mercado�internacional�está�de�olho�no�nosso�artesanato.�Apresenta�a�seguinte�e�surpreendente�informação:�estima-se�que�o�artesanato�brasileiro�movimente�três�bilhões�de�dólares,�envolvendo�oito�milhões�e�quinhentas�mil�pessoas!

A�tradição�reside�tanto�na�expressão�que�os�objetos�transmitem,�como�na�maneira�pela�qual�são�feitos.�Um�pão�francês,�por�exemplo.�Uma�boulangerie�da�Rue�des�Les�Gravilliers,�em�Paris,�que�ostenta�um�brasão�do�século�XVIII,�cuja�área�não�é�maior�do�que�25�m²,�faz�hoje�o�mesmo�pão�que�alimentou�a�soldadesca�de�Napoleão.�9

O�pão�e�o�vinho�franceses,�o�papel�de�aquarela�Dʼarche�que�é�feito�da�mesma�maneira�há�seis�séculos,�as�rendas�belgas,�irlandesas,�iugoslavas�portuguesas,�brasileiras,�a�cerâmica�não�industrial�praticada�em�todo�o�mundo,�a�cachaça�de�Brejo�de�Areia,�na�Paraíba,�ou�de�Minas�Gerais,�a�carne�de�sol�do�Seridó,�as�charqueadas�do�Sul�ao�Norte,�a�comida�de�Santo�da�Bahia�do�Candomblé,�a�doçaria�brasileira,�os�queijos�do�Sertão,�os�mosaicos,�os�objetos�feitos�de�marchetaria,�marcenaria,�carpintaria,�funilaria,�cantaria,�tecelagem�manual,�tecelagem�de�redes�de�dormir,�trançados�de�palha,�trançados�de�couro,�papel�machê,�brinquedos�populares,�bruxas�de�pano,�cestaria,�peleteria,�ourivesaria,�engaste�de�pedras�preciosas,�lapidação,�forja,�fundição,�e�tantos�outros�tipos�de�objetos�e�de�técnicas�que�quase�não�se�pode�nomear,�são�manifestações�do�artesanato.

O�conceito�de�“arte�popular“,�no�entanto,�não�vigora�em�todo�o�mundo.�Nas�megalópoles�como�Nova�York,�São�Paulo,�São�Francisco,�Londres,�Tóquio�e�mesmo�em�cidades�menores,�mas�cosmopolitas,�há�o�conceito�de�“artesanato�urbano“,�onde�o�artífice�alia�as�técnicas�tradicionais�aos�estilos�da�época.�Exemplo�disso�são�os�ornatos�da�arquitetura�e�os�utensílios�da�casa,�desde�a�antiguidade�clássica�(grega),�passando�pelo�renascimento,�pela�art�nouveau�e�pela�art�déco,�até�os�dias�de�hoje,�pela�quantidade�e�qualidade�da�produção�de�ornamentos�e�utensílios�portadores�dos�estilos�correspondentes,�de�autoria�de�artistas/artesãos�como�o�vidreiro�Galé�e�o�joalheiro�Lalic,�por�exemplo.�Neste�período�um�fenomenal�artista,�arquiteto�e�artesão�proporcionou�à�humanidade�um�dos�seus�tesouros�modernos:�trata-se�de�Gaudi,�que�além�de�criar�e�projetar,�executou�ornatos�e�mobiliários,�utilizando�materiais�diversos,�desde�cacos�de�azulejos�à�cerâmica,�ladrilhos,�entalhes�em�madeira,�ferros�forjados,�vidros,�metais�diversos,�pedras�e�relevos�em�reboco�e�esculturas.�Gaudi�chegou�a�aliar�com�surpreendente�maestria�o�artesanato�e�o�material�industrial,�combinando-os�com�total�harmonia.

A�utilização�das�técnicas�artesanais�por�Gaudi,�de�certa�forma,�determinou�o�“artesanato�contemporâneo“,�consolidado�pelo�advento�do�moderno�“estilo“,�isto�é,�a�maneira�de�agora.�A�art�nouveau�teve�sequencia�com�a�

arte�déco,�e�em�seguida�surgiu�a�Bauhaus,�escola�alemã�responsável�pela�implantação�do�conceito�de�design�moderno,�fechada�pelo�nazismo,�mas�depois�reabilitada,�embora�com�outro�conceito,�pela�Escola�de�Ulm�(Hokschülle�Für�Gestautung),�mais�voltada�para�a�industrialização,�mas�também�determinante�dos�rumos�do�artesanato�contemporâneo.�É�preciso�levar�em�conta�que�nem�tudo�que�é�desenhado�(designado)�pode�ou�deve�ser�destinado�à�produção�industrial.�O�mobiliário,�a�cerâmica�utilitária,�a�tecelagem�e�a�joalharia,�por�exemplo,�são�atividades�tradicionais,�mas�constantes�do�artesanato�contemporâneo�praticado�atualmente�nas�metrópoles.

O�Brasil�tem�seus�representantes�neste�setor,�como�o�arquiteto�e�designer�de�mobiliário�Sérgio�Rodrigues,�autor�da�poltrona�Mole,�o�arquiteto�“artesanal“�Zanini,�os�joalheiros�Caio�Mourão,�Márcio�Mattar�e�Clementina�Duarte,�os�ceramistas�Megume�Yuasa,�Francisco�Brennand�e�Miguel�dos�Santos,�o�mestre�“jardineiro“�Burle�Marx,�a�tapeceira�Ceiça�Colaço,�entre�outros.

A�mão�do�Homem,�no�entanto,�é�o�fator�determinante�do�artesanato.�O�Visconde�de�Eccles,�nobre�inglês�que�ajudou�a�criar�nos�anos�60�o�Conselho�Mundial�de�Artesanato,�diz�sobre�isto�que:�“A�excelência�do�objeto�artesanal�está�no�fato�de�que�a�mão�do�homem�além�do�poder�de�fazer,�também�tem�o�poder�curar”.

Os�objetos�artesanais�carregam�a�identidade�e�a�tradição�cultural�de�seus�autores,�sejam�tradicionais�ou�contemporâneos.�O�Calçadão�de�Copacabana�obra�de�arte�aplicada�de�autoria�de�Burle�Marx,�o�maior�piso�de�mosaico�português�do�mundo,�de�realização�totalmente�artesanal,�tem�nítida�expressão�brasileira�com�a�influência�ibérica�do�tema�principal:�as�ondas�da�calçada�de�Copacabana,�que�por�sua�vez�são�reprodução�das�existentes�no�Largo�do�Rossio,�em�Lisboa.�A�poltrona�Mole,�as�joias�de�Clementina,�as�casas�de�Zanini�e�as�cerâmicas�de�Brennand,�já�citadas,�exaltam�as�florestas,�as�flores,�os�troncos�das�árvores�e�as�clareiras�do�Brasil.

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Artesanato�e�Arte

Não�se�pode�confundir,�no�entanto,�artesanato�com�arte.�A�arte�como�conhecemos�hoje�tem�a�mesma�origem�do�artesanato�e,�podemos�dizer�que�grande�parcela�de�sua�produção�depende�dele.�Mas�não�significam�a�mesma�coisa.�Sucede�que,�numa�visão�greco-clássica,�arte�e�técnica�vêm�da�mesma�raiz�linguística.�A�civilização�cuidou�de�dividir�este�conceito�pois�as�obras�dos�artistas�da�antiguidade�clássica�equilibravam-se�em�dois�extremos:�ou�pendiam�para�o�ideal�da�perfeição,�desprovido�de�alma,�ou�para�o�êxtase�estético,�mas�sem�compromisso�com�a�maneira�de�fazer.�Aparecem�aí�dois�sentidos�opostos�de�realização:�pela�perfeição�do�trabalho:�apolíneo�(do�deus�Apolo,�protetor�do�homem�como�ser�físico),�ou�pela�qualidade�do�sentimento:�dionisíaco�(do�deus�Dioniso,�ou�Baco,�deus�do�vinho,�mas�também�dos�sentimentos�e�do�êxtase).�Esparta�e�Atenas�traduzem�bem�essa�divisão�de�territórios,�uma�realizada�através�do�ideal�físico�do�trabalho�e�outra�através�do�ideal�filosófico.�O�artesanato�é�nitidamente�uma�atividade�apolínea,�heróica,�estética,�quando�assume�o�conceito�do�bem�acabado,�do�bem�feito.�A�arte�independe�disto.�Mesmo�a�estética�clássica�que�norteou�o�Renascimento�e�suas�consequências,�não�vigorou�na�modernidade�e�na�contemporaneidade.�A�arte�é�vista�hoje�muito�mais�por�seu�conteúdo�ético�do�que�estético�

O�artesão�é�aquele�que�sabe�fazer,�o�artista�aquele�que�cria,�inventa,�concebe.�Um�depende�do�outro�no�momento�em�que�a�criação�necessita�de�realização�física,�a�presença�de�uma�obra�de�arte�de�pintura,�por�exemplo,�somente�é�possível�se�o�artista�utilizar�o�artesanato�da�pintura�para�dar�à�luz�seus�sentimentos.�Em�todo�artista�que�trabalha�com�as�mãos�existe�um�artesão.�Nas�comunidades�de�artesãos�como�o�Alto�do�Moura,�em�Caruaru,�geralmente�existem�os�“Mestres“,�como�foi�Vitalino,�Zé�Caboclo,�Manoel�Eudóxio�e�Galdino.�Estes,�porém,�também�são�artistas�pois�Vitalino,�Caboclo�e�Eudóxio�também�criaram�suas�figuras,�seus�temas,�que�passaram�a�ser�os�protótipos�de�figuras�ou�grupos�até�hoje�multiplicados�pelos�seus�seguidores.�O�caso�mais�notável�é�mesmo�o�de�Vitalino�que�desenhou�(designou)�uma�verdadeira�cena�sociológica�da�vida�do�Agreste,�

desde�o�boi�isolado,�simbólico,�quase�rupestre,�até�o�rebanho,�a�caça,�a�retirada�da�seca,�as�cenas�de�seca�e�de�fartura,�as�cenas�da�vila�do�Alto�do�Moura,�a�vida�comum,�o�dia-a-dia,�as�atividades�domésticas,�as�profissões,�os�casos�trágicos�e�humorísticos.�Na�verdade�todos�os�artesãos�do�Moura�acrescentam�eventualmente�alguma�cena�a�este�painel�social�que�Vitalino�ajudou�a�criar.�O�caso�de�Galdino�é�diferente,�ele�é�um�artista�que�trabalha�com�a�cerâmica�e�que�absorveu�a�maneira�de�trabalhar�dos�artesãos�do�Moura,�utilizando�o�material,�a�forma�de�tratá-lo�e�queimá-lo�para�expressar�seu�universo�fantástico�de�poeta�e�cantador�além�de�escultor.�É�comum�à�atividade�artesanal�a�repetição,�a�tranquilidade,�a�paciência,�a�harmonia�e�a�paz,�como�acontece�no�Alto�do�Moura,�em�Tracunhaém�e�noutras�comunidades�de�ceramistas�e�louceiras,�nos�grupos�de�bordadeiras,�rendeiras�e�tecelões.

O�artesanato�tradicional�popular�é�uma�atividade�pacífica,�enquanto�que�a�arte�não�necessita�de�ser.�O�artesanato�é�socializante,�pois�é�possível,�e�desejável,�que�ele�se�organize�em�grupos,�associações�ou�cooperativas,�pois�sua�vida�econômica�depende,�em�parte,�de�sua�capacidade�de�organização�coletiva,�da�solidariedade,�da�boa�divisão�de�trabalho�e�de�lucro.

A�convivência�do�artesanato�com�a�agricultura�é�perfeita,�pode-se�dizer�que�ele�é,�como�a�agricultura,�uma�atividade�sazonal,�pois�existe�nas�entressafras,�atende�aos�momentos�de�falta�de�colheita.�Na�pesca�o�artesanato�da�rede�fornece�ao�pescador�uma�de�suas�principais�ferramentas,�a�rede.�Mas�a�mulher�do�pescador�também�faz�a�renda�de�praia�(filé,�labirinto,�renda�de�bilro).�Diz-se�que�“onde�há�rede�há�renda“,�e�quando�a�rede�não�traz�o�peixe,�a�renda�põe�o�peixe�na�mesa.

Emprego,�Trabalho�e�Mercado�Há�quem�acredite,�como�já�comentamos�acima,�que�o�artesanato�significa�apenas�a�parafernália�de�bugigangas�dos�famigerados�“mercados�de�artesanato“�que�assolam,�em�nome�do�turismo,�nossas�cidades�de�norte�a�sul.�É�até�possível�que�neles�se�encontrem�artesanato�qualidade,�

Panelas�de�artesãos�do�barro�da�Serra�do�Talhado,�Santa�Luzia�do�Sabugí,�Sertão�paraibano.�Fotografia�Raul�Córdula,�1980.

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mas�achá-los�depende�de�sorte.�O�comerciante�de�artesanato�desses�mercados,�os�famosos�intermediários,�com�raríssimas�e�honrosas�exceções,�têm�o�interesse�único�do�lucro.�Para�tanto�a�sutileza�característica�do�bom�artesanato�em�vez�de�agregar�valor�torna-se�um�complicador�diante�da�guerra�do�mercado.

No�México�chamam�um�determinado�tipo�de�artesanato�voltado�para�o�mercado�turístico�de�artesanato�de�aeroporto.�Nada�mais�indigno�para�o�artesão�daquele�país,�altamente�politizado�e�orgulhoso�de�suas�origens�culturais,�do�que�ser�comparado�com�quem�produz�estes�souvenirs�para,�como�comentamos,�turistas�desavisados.�

Lá�esse�tipo�de�produto�vem�da�periferia�da�sua�enorme�capital�como�fruto�da�exploração�de�comerciantes�inescrupulosos,�proprietários�de�“fábricas�de�artesanato“,�que�utilizam�apenas�a�mão�de�obra�do�artesão�como�se�ele�fosse�um�operário,�não�valorizando�a�autoria�do�produto�e�recusando�a�liberdade�inerente�ao�seu�sistema�de�trabalho,�fator�que�diferencia�a�produção�do�artesão,�como�classe�social,�da�produção�do�operário.

No�Brasil�temos�visto�dois�tipos�de�política�em�nome�do�desenvolvimento�do�artesanato.�A�mais�frequente�é�a�disseminação�do�mercado�para�o�turismo,�incluindo-se�aí�as�Feiras�de�Artesanato,�eventos�voltados�para�a�massa�e�explorados�pelos�intermediários�em�nome�da�preservação�da�cultura�‒�importante�é�dizer�que�muitas�vezes�estes�eventos�são�patrocinados�por�governos�estaduais.�A�outra�é�a�tentativa�de�inserir�o�artesão�no�mercado�formal�de�trabalho:�a�proletarização�do�artesão.�Ambas�as�ações�são�devastadoras,�ambas�tiram�do�artesão�a�autonomia�e�a�força�de�sua�atividade,�drenam�sua�economia�e�fazem�o�artesão�desacreditar�do�seu�futuro.�

O�binômio�trabalho/emprego�está�nos�fundamentos�de�qualquer�conceito,�análise�ou�discussão�do�artesanato.�A�primeira�coisa�que�se�apresenta�nesta�discussão�é�a�origem�artesanal�da�indústria.�Isto�cria�duas�fantasias�muito�úteis�a�quem�se�dedica�à�exploração�do�homem:�a�fantasia�da�cultura�operária�como�única�saída�para�o�artesão,�ou�o�oposto�disto,�fantasia�do�livre�mercado.�

Proletarizar�o�artesão�é�um�erro�social�crasso,�trata-se�de�inverter�qualquer�possibilidade�de�desenvolvimento�da�atividade�artesanal.�Em�nome�de�uma�pretensa�segurança�social�‒�que�a�prática�afirma�não�existir�‒�sugere-se�que�o�artesão�formalize�sua�relação�de�trabalho�com�o�Estado,�solicita-se�que�ele�torne-se�um�cidadão�possuidor�de�uma�carteira�de�trabalho,�que�pague�seus�impostos�para�ter�seus�direitos�civis,�assim�por�diante...�

Muito�que�bem,�todo�cidadão�pode�e�deve�estar�ligado�formalmente�ao�Estado,�mas�isto�não�significa�que�ele�tenha�que�sofrer�as�consequências�desse�vínculo.�Não�significa,�por�exemplo,�que�ele�aceite�possuir�a�obrigação�

de�contribuir�sem�ter�de�onde�tirar�esta�contribuição,�de�pagar�impostos�sem�ter�benefícios,�de�apresentar�o�fruto�do�seu�trabalho�sem�ter�crédito�para�financiar�os�insumos�básicos�de�sua�produção.

A�formalização�profissional�é�própria�e�exata�para�a�atividade�operária�ou�para�quem�tem�de�depender�de�emprego.�Os�meios�e�os�modos�que�uma�indústria�possui�para�estabelecer�um�contrato�de�trabalho�passam�pela�formalização�da�situação�civil�do�operário.�Aí�devem�estar�embutidos�os�direitos�e�os�deveres�de�ambas�as�partes.�Mas�um�artesão�não�é�um�operário,�ao�contrário,�seu�regime�de�trabalho,�geralmente�doméstico�e�familiar,�é�incompatível�com�os�horários�e�as�metas�de�produção,�especialização,�visão�fragmentada�do�produto,�e�outras�características�do�trabalho�operário.

O�artesão�é�dono�do�seu�tempo,�do�seu�espaço�e�dos�resultados�de�seus�empreendimentos,�incluindo�os�frutos�do�seu�trabalho.�Ele�faz�seu�horário,�determina�sua�produção�e�seus�meios�para�alcançar�as�metas�que,�eventualmente,�impõe�a�si�mesmo.�O�artesão�tem�uma�visão�completa�do�seu�produto,�não�participa�apenas�de�um�detalhe�ou�uma�parte�do�produto�final,�como�acontece�com�o�operário,�e�sendo�assim�ele�pode�perfeitamente�projetar�sua�produção�e�seus�lucros.�A�questão�do�artesão�é�a�liberdade,�ele�pode�até�mesmo�utilizar�seu�trabalho�em�dois�tempos,�um�para�uma�atividade�camponesa�e�outro�para�o�seu�artesanato.

O�operário,�no�entanto,�necessita�ser�empregado�para�poder�trabalhar,�o�artesão�se�auto�emprega.�O�operariado�existe�em�função�de�uma�classe�patronal�que�enriquece�com�o�trabalho�cativo,�pois�a�riqueza�do�empresariado�industrial�provém�do�trabalho�que�o�operário�enterra�na�fábrica,�que�é�transformado�em�capital�para�o�patrão.�O�artesão,�ao�contrário,�pode�ser�um�trabalhador�livre,�dono�do�seu�trabalho�e�de�seus�frutos.�O�artesão�capitaliza�o�objeto�que�produz,�transforma-os�em�estoque,�capital�mobilizado,�riqueza�potencial.

Não�é�fundamental�gerar�emprego,�mas�gerar�renda,�fruto�do�trabalho�autônomo,�livre,�capaz�de�capitalizar�aquele�que�trabalhou.

A�atividade�artesanal�é�socializante,�comporta,�e�muito�bem,�o�trabalho�em�grupo.�Pode�tornar-se�formalmente�associativa,�o�que�se�constitui�num�fator�desejável.�Uma�associação�de�artesãos�com�caráter�cooperativo�pode�perfeitamente�substituir,�e�com�inúmeras�vantagens,�a�figura�do�intermediário.�Uma�cooperativa�artesanal,�por�exemplo,�pode�ser�responsável�pela�produção�e�pela�comercialização�do�produto,�envolvendo�os�detalhes�de�marketing,�embalagem,�distribuição,�representação�e�outras�atividades�inerentes�ao�mercado.�O�artesão�isolado,�por�sua�vez,�dependerá�sempre�de�um�intermediário�para�vender�seu�produto.�Um�exemplo�típico�das�consequências�desse�intermédio�foi�relatado�pela�pesquisadora�e�colecionadora�de�brinquedos12

populares�Macao�Góes.�Ela�conta�que�uma�determinada�artesã�produtora�de�“bruxas�de�pano“�no�Sertão�da�Paraíba�fornece�suas�bonecas�em�sua�casa�por�oitenta�centavos�cada�exemplar,�no�entanto�elas�são�vendidas�nas�lojas�da�capital�por�dez�reais.�Sua�relação�com�o�intermediário�é�de�tal�maneira�dependente�que�este�não�lhe�dá�mais�dinheiro,�troca�toda�sua�produção�por�cestas�básicas�fornecidas�mensalmente.�Além�das�vantagens�comerciais�a�organização�cooperativa�conta�com�parcerias�desejáveis�entre�si,�há�hoje�uma�rede�mundial�de�cooperativas�artesanais�que�formam�uma�considerável�força�de�resistência.�Ajustes�de�produto�como�peso�e�dimensões,�detalhes�técnicos�como�queima�cerâmica,�correções�de�design,�embalagem�e�transporte,�assistência�jurídica�para�créditos�e�exportação,�tudo�isto�pode�ser�tratado�com�mais�facilidade�se�o�artesão�estiver�organizado�em�um�grupo�que�tenha�como�base�o�trabalho�solidário.

Temos�informação�sobre�a�China,�em�entrevista�da�senhora�Lee�Han,�Diretora�de�Artesanato�do�Ministério�de�Indústrias�Ligeiras�daquele�país�nos�anos�70,�que�indicava�que�o�artesanato�chinês�estava�a�serviço�de�800�milhões�de�pessoas.�Não�desconhecemos�as�relações�de�consumo�num�país�de�2�bilhões�de�habitantes,�mas�provavelmente�a�recente�aceitação�de�indústrias�capitalistas�não�substituiu,�e�não�substituirá�pois�não�se�trata�deste�enfoque,�o�trabalho�artesanal�na�China.

Vimos�na�cidade�do�México�supermercados�que,�cumprindo�lei�municipal,�destina�20%�do�seu�espaço�para�o�produto�artesanal�mexicano.�Não�para�o�produto�comprado�pelo�departamento�de�comercialização�da�empresa,�isso�temos�aqui,�embora�em�menor�proporção,�mas�o�produto�oferecido�pelo�FONART,�um�Fundo�de�Fomento�Para�o�Artesanato�que�existia�naquele�país�nos�anos�70.

Desde�os�tempos�que�a�SUDENE�mantinha�a�ARTENE,�que�contava�com�uma�equipe�heróica�lutando�por�ideias�como�estas.�Hoje�não�se�vê�em�Pernambuco�ou�em�qualquer�outro�estado�nordestino�qualquer�discussão�

sobre�a�promoção�do�artesanato.�Temos�visto�políticas�assistencialistas,�eleitoreiras,�paternalistas,�shows�para�turistas�etc.,�mas�não�se�fala�em�financiamento,�recursos�técnicos,�estudos�de�embalagens�e�transporte,�análise�de�produtos,�controle�de�qualidade,�autonomia�de�produção�e�comercialização,�proteção�contra�a�exploração�intermediária�etc.�Precisa-se�de�assistência�sim,�mas�assistência�técnica,�organizacional,�contábil,�desenvolvimentista.

Fato�é�que�qualquer�campanha�de�promoção�do�artesanato�necessita�passar�pelo�orgulho�que�o�povo�tem�pela�sua�cultura.�A�chamada�“classe�média“,�tão�espoliada�em�seus�desejos�de�felicidade,�é�o�mercado�certo�para�o�produto�artesanal�que�contenha,�além�das�características�da�habilidade�manual,�o�valor�agregado�da�“alma�do�povo”.�Não�é�exatamente�o�que�se�oferece�quando,�em�nome�da�cultura,�se�promovem�festivais�de�dança�e�música�exógena,�carnavais�fora�de�tempo�etc.�

O�objetivo�principal�é�o�lucro,�é�a�venda�de�cerveja,�não�das�belas�máscaras�carnavalescas�feitas�por�Julião�e�sua�família,�é�a�venda�de�“mortalhas�e�abadás“,�não�das�belas�fantasias�confeccionadas�pelas�costureiras�de�Olinda,�e�assim�se�sucedem�as�inversões�de�valores�sem�que�haja,�na�verdade,�agentes�governamentais�responsáveis�por�políticas�ou�orientações�públicas�realmente�eficientes�com�a�finalidade�de�preservar,�promover,�manter�viva�a�tradição�e�a�voz�do�povo.

Apesar�das�dificuldades�por�que�passou,�a�ARTENE�teve�uma�função�excelente:�detectar�os�bolsões�de�produção�de�artesanato�para�usar�a�informação�como�subsídio�numa�política�de�implantação�de�novas�indústrias.

Brinco�de�prata.�Autor:�Raul�Córdula.�Artesãos:�ourives�do�Recife.�Modelo:�Cristina�Córdula.�Fotografia:�Caroline�Atlas,�1991.��

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Um�dos�princípios�éticos�dos�criadores�da�SUDENE�era�a�sensibilidade�à�tradição�e�à�vocação�de�cada�lugar,�de�cada�povo.�Mas�não�teve�sucesso,�as�pressões�políticas�derrubaram�esta�tarefa�ao�ponto�de�a�ARTENE,�aquele�digno�departamento,�transformar-se�numa�mísera�lojinha�de�artesanato�tão�medíocre�quanto�qualquer�uma�da�Casa�da�Cultura.�É�famoso�o�caso�que�investigamos�quando�representamos�o�Conselho�Mundial�de�Artesanato�‒�este�caso�não�é�único,�haveremos�de�encontrar�iguais�em�todo�o�Nordeste�assistido�pela�antiga�SUDENE.�Trata-se�da�implantação�da�fábrica�de�sandálias�japonesa�BESA,�de�Campina�Grande,�que�produz�milhões�de�calçados/mês.�Mas�onde�está�toda�a�produção�de�calçado�popular�que�se�nucleava�em�Campina�Grande�através�dos�seus�artesãos/sapateiros?�E�por�gravidade,�a�produção�de�couro:�os�dois�curtumes�e�parte�do�rebanho�existente,�desapareceram?�Para�onde�foram�os�artesãos?�Vender�picolé�no�Meninão�(Estádio�de�Futebol�que�homenageia�o�Prefeito�da�cidade)?�Quantos�eram�eles?�Mil,�dois�mil,�dez�mil?�Provavelmente�dez�mil�pessoas,�diretas�ou�indiretamente,�perderam�suas�fontes�de�lucro.�O�polo�calçadista�de�Franca,�em�São�Paulo,�certamente�um�dia�foi�um�núcleo�de�sapateiros�igual�ao�que�havia�em�Campina�Grande�antes�da�implantação�da�BESA,�mas�lá�não�chegou�nenhuma�fábrica�de�sandálias�de�borracha�sintética,�em�vez�disso�investiram�no�desenvolvimento�dos�sapateiros-artesãos,�que�hoje�incorporam�um�dos�melhores�itens�de�exportação�do�Brasil.

Raul�Córdula�Filho�é�artista�visual�e�crítico�de�arte�(ABCA/AICA).�Vice-presidente�para�o�Nordeste�da�Associação�Brasileira�de�Críticos�de�Arte-ABCA.�Criador�e�dirigente�de�instituições�culturais:�NAC/UFPB�(João�Pessoa);�Museu�de�Arte�Assis�Chateaubriand-MAAC�(Campina�Grande-PB);�Casa�da�Cultura�(Recife);�Fundação�Espaço�Cultural�da�Paraíba-Funesc�(João�Pessoa);�Oficina�Guaianases�de�Gravura�(Olinda).�Foi�representante�do�Brasil�na�Conferência�Mundial�de�Artesanato,�México.�Representa�no�Brasil�a�Association�Culturelle�Le�Hors-Là,�de�Marselha�(França).�Publicou�os�livros�Anos�60�(Funarte,�UFPB),�Memórias�do�Olhar�(edições�Linha�DʼÁgua),�Fragmentos�(edições�Funesc)�e�Utopia�do�Olhar�(Funcultura,�Fundarpe,�Governo�de�Pernambuco).

Pour�être�confirmé�dans�mon�identité,�je�dépends�entièrement�des�autres.�(Hannah�Arendt)¹

O�homem�contemporâneo�passa�por�uma�crise�de�identidade�onde�seus�conceitos�e�referências�culturais�são�enfraquecidas�pelas�contaminações�típicas�da�Pós-�Modernidade.�Os�acontecimentos�que�se�processam�em�um�determinado�local�têm�um�impacto�imediato�sobre�pessoas�e�lugares�situados�a�uma�grande�distância.�Nós�passamos�por�uma�espécie�de�hibridização�de�valores,�uma�mistura�de�conceitos�e�símbolos�que�são�difundidos,�o�tempo�todo,�pela�cultura�de�massa,�criando�uma�situação�que�impede�ou�obscurece�a�percepção�das�identidades�culturais.

Em�nossa�contemporaneidade�fragmentada,�desenvolver�uma�nova�leitura�do�mundo,�outra�concepção�de�história,�inclusive�a�da�arte�nos�prepara�para�melhor�compreendermos�as�numerosas�e�diversificadas�culturas�que�se�cruzam�dentro�do�universo�midiático�e,�consequentemente,�o�processo�de�hibridização�que�marca�a�produção�artística�atual.�Novos�questionamentos�atraem�a�nossa�atenção.�Entre�eles,�os�que�se�propõem�a�interrogar�sobre�como�‒�dentro�de�um�contexto�de�universalização�das�mídias�gerando�uma�fusão�conceitual�bem�como�da�realidade�de�um�mercado�mundial�de�arte�que�limita�a�produção�artística�às�normas�estéticas�e�ideológicas�do�circuito�euro-americano�‒�em�que�circunstâncias�e�por�que�princípios�são�produzidos�os�discursos�teóricos�sobre�as�artes�visuais�em�centros�não�hegemônicos?

Pensar�arte�hoje�implica�em�concebê-la�como�um�campo�ampliado.�Isso�inclui�o�olhar�sobre�a�diversidade�de�culturas�que�produz�o�rompimento,�cada�vez�mais�pronunciado,�de�fronteiras�geográficas�e�estéticas.�A�História�da�Arte�hoje�é�concebida�não�mais�como�uma�história�que�contempla�um�único�olhar�ocidental�e�hegemônico.�Cada�vez�mais�se�torna�necessário�desenvolver�uma�ótica�que�contemple�um�universo�de�criação�multicultural�seja�ele�sul-americano,�africano,�asiático�ou�da�Oceania.�

A�história�da�relação�entre�arte�e�política�é�ponto�crucial�desde�os�seus�primórdios.�A�arte�sempre�foi�política�se�

Sobre�o�processo�de�manutenção�de�uma�identidade�nas�artes�visuais�na�contemporaneidade�pernambucana:�Bete�Gouveia�e�Maurício�Castro

Madalena�Zaccara�

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pensarmos,�por�exemplo,�em�seus�comprometimentos�com�religião�ou�propaganda�dos�muitos�Estados�aos�quais�ela�se�atrelou.�A�ideia�contemporânea�de�que�a�arte�é�política�passa�por�sua�capacidade�de�reconfigurar�o�sensível.�Corresponde�a�uma�teoria�que�se�embasa�na�iniciativa�de�artistas�que�mergulham�no�campo�ampliado�da�criatividade�humana�onde�o�caráter�político�é�relacionado�ao�fato�de�uma�integração�do�trabalho�artístico�ao�agir.

Nicolas�Bourriaud�(2009)�teorizou�a�proposta�de�uma�arte�ligada�a�uma�estética�relacional�que�cria�diferença�no�consenso�legitimado�de�mundo�e�religa�vínculos�sociais�perdidos.�Uma�estética�que�se�pauta�em�função�das�relações�inter-humanas�que�elas�figuram,�produzem�ou�criam.�O�mundo�da�arte�e�da�vida�está�cada�vez�mais�fundido�e�a�estética,�como�ciência�do�sensível,�está�em�consonância�com�esse�novo�olhar.

A�arte�é�aquilo�que�resiste�segundo�Deleuze�(1999).�Em�que�medida,�porém�arte�e�artista�escapam�das�relações/�condicionantes�em�um�mundo�de�ideias�e�conceitos�cada�vez�mais�globalizados�e�uniformes?�Isso�acontece�de�fato?�Como?

A�proposta�de�uma�descolonização�mental�através�da�qual�os�estudos�pós-coloniais�podem�relativizar�condicionamentos�e�arejar�a�História�da�Arte�a�partir�de�uma�visão�mais�generosa,�mais�sensata�e�mais�ética�pode�responder�a�essas�questões.�A�arte�pode�então�ser�o�último�reservatório�de�imaginário�a�escapar�de�ser�incorporado/apropriado�pelo�sistema�que�hoje�serve�ao�capitalismo�neoliberal.�Talvez�a�melhor�definição�da�prática�artística�pós-colonial,�que�opta�pela�ação�política,�traga�em�si�o�discutido�conceito�de�utopia.�A�utopia�permite�outro�lugar,�ela�quer�outro�lugar.�Ela�reflete�um�questionamento�crítico�da�ordem�existente�e�abriga�a�ideia�de�outro�território�humano�possível.�Ela�poderia,�portanto,�supor�e�propor�a�revisão�da�mecânica�ocidental�universalista�através�de�uma�interculturalidade�baseada�em�trocas�em�que�a�solidariedade�e�a�participação�não�se�limitem�ao�contexto�colonialista�anterior.��

A�liberdade�conceitual,�imaginativa�e�perceptiva�das�práticas�artísticas�que�envolvem�a�política�pode�abrigar�um�sonho�para�além�das�servidões�e�uma�promessa�de�reconciliação�com�o�humano�em�sua�expressão�maior.�Sua�proposta�encontra-se�para�além�das�múltiplas�grades�com�as�quais�o�capital�burocratiza�e�regula�a�arte�incidindo�em�sua�produção.�Resistir�não�significa�ser�um�apocalíptico�ou�um�integrado�dos�quais�nos�fala�Humberto�Eco�(1965).�Significa�que�a�arte�oferece�uma�alternativa�possível�a�esse�mundo�injusto.�

Pernambuco�multicultural�e�sua�estética�de�resistência

O�multicultural�parece�ser�a�matéria�prima�dos�questionamentos�artísticos�contemporâneos.�O�Ocidente�(hegemônico),�buscando�uma�alteridade�redentora�ao�marasmo,�recorre�às�culturas�emergentes�que�atendem�rapidamente�ao�seu�chamado.�Tudo�o�que�pode�ser�conceituado�como�híbrido�ou�marginal�ou�periférico�passou,�em�poucos�anos,�a�ser�o�centro�das�atenções�e,�naturalmente,�o�centro�da�economia�cultural.�Mas�até�que�ponto�essa�estética�escapa�das�novas�formas�de�colonização�cultural?�Essa�harmonia�pluralista�de�fato�existe?�

Nos�dias�que�vivemos�a�“pureza”�cultural,�na�maior�parte�dos�discursos�contemporâneos�sobre�arte,�tem�o�mesmo�peso�(e�rejeição)�que�a�arte�acadêmica�do�século�XIX�suportou�em�relação�à�iconoclastia�da�modernidade�do�XX.�O�fetichismo�da�alteridade�‒�comum�às�grandes�mostras�e�bienais�internacionais�da�contemporaneidade�‒�parece�implicar�em�uma�estetização�sistematizada�do�subalterno�enquanto�opera�no�interior�do�próprio�discurso�descolonizador.�Sua�estratégia�(o�discurso�estético�da�diversidade),�que�se�processa�principalmente�nos�mega�eventos�expositivos,�não�é�a�de�uma�harmonia�de�vozes,�mas,�na�maioria�das�vezes,�a�expressão�de�uma�espécie�de�racismo�branco,�capitalista�e�ocidental�que�abre�seus�salões�(e�bolsos)�para�uma�nova�ordem�onde�o�politicamente�correto�se�distingue�pelo�seu�grau�de�hibridismo.�Partindo�para�o�biológico,�o�paralelo�é�o�discurso�das�mestiçagens�coloniais�que�gerariam�um�ser�mais�forte:�o�mestiço.�Geraldo�Mosquera�sintetiza:�

Na�realidade�as�conexões�existem�somente�no�interior�de�um�esquema�radial�hegemônico�em�torno�dos�centros�de�poder�onde�os�países�periféricos�(a�maior�parte�do�mundo)�ficam�sem�conexão�entre�eles,�ou�têm�contatos�indiretos�através�‒�e�sob�o�controle�‒�dos�centros.�(MOSQUEIRA,�Geraldo,�1994,�p.�12)

A�arte�periférica�internacional�se�apresenta�então�como�aquela�que�tem�perfil�designado�pelas�instituições�dos�centros�hegemônicos�que�por�sua�vez�detém�o�poder�de�legitimação�na�cena�(e�no�mercado)�atual�da�arte�contemporânea.�O�perfil�exigido�inclui�ser�politicamente�correto�através�de�um�pertencimento�ao�discurso�dominante�do�projeto�pós-colonial�e�de�uma�coerência�com�as�exigências�de�alteridade�do�mainstream.

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No�que�diz�respeito�ao�mercado,�sua�estrutura�repousa�em�uma�internacionalização�que�abrange�desde�as�grandes�salas�de�leilão�do�tipo�Christie�&�Sotheby�até�a�multiplicação�das�feiras�internacionais�de�arte�contemporânea�tais�como�Art�Chicago,�ou�Art�Basel�passando�pelas�grandes�bienais�como�as�de�Veneza,�São�Paulo,�Sidney,�Dokumenta�etc.

Esse�mercado�mundial�implica�em�uma�padronização�feita�através�das�escolhas�quer�dos�colecionadores�quer�dos�diretores�de�museu�ou�curadores�que�traduzem�as�tendências,�estilos�e�referências�com�o�mesmo�ritmo�que�as�grandes�coleções�de�alta�costura�costumavam�fazer�diluindo-se,�posteriormente,�no�prêt-à-porter�das�butiques�mais�refinadas�até�chegar�às�grandes�cadeias�de�lojas�populares.�

A�multiplicação�dos�mercados�implica�em�certa�descentralização�das�grandes�metrópoles�como�Paris,�Nova�York�ou�Londres,�o�que�geraria,�teoricamente,�uma�horizontalidade�na�difusão�e�comercialização�das�propostas�artísticas.�Entretanto,�seria�essa�descentralização�real,�uma�vez�que�só�os�Estados�Unidos�monopolizam�em�torno�da�metade�do�mercado�de�arte�mundial?

Os�países�periféricos�dificilmente�se�posicionam�nessa�cena�internacional�de�forma�competitiva.�Mesmo�com�a�ajuda�governamental�(imprescindível)�não�conseguem�colocar�a�sua�produção�artística�dentro�desse�mercado�de�cartas�marcadas.�E�como�o�mundo�da�arte�está�sempre�em�harmonia�com�o�mercado�de�arte�em�seu�processo�de�legitimação�como�fica�então�essa�produção�que�podemos�chamar�de�marginal�por�mais�que�ela�seja�“adotada”�pelo�centro�hegemônico?

A�intervenção�estatal�tem�marcado�presença�na�tentativa�de�projetar�internacionalmente�uma�produção�artística�nacional�ou�regional�que�não�tem�o�aval�da�paisagem�financeira�internacional�nem�o�apoio�de�um�público�comprador�de�arte.�Porém,�de�forma�aparentemente�contraditória,�essa�internacionalização�contribuiu�(e�contribui)�para�a�criação�de�meios�(mercados)�paralelos�

de�características�regionais�que�rejeitam�ou�tentam�sobreviver�através�da�negação�das�leis�de�mercado�internacionais.�Nasce,�dessa�forma,�um�circuito�paralelo�ao�das�zonas�de�maior�influência�(e�cotação)�artística.�

Segundo�Richard�Martel,�o�mercado�de�arte�periférico�-�de�mãos�atadas�em�relação�aos�países�exportadores�de�cultura�e�que�atuam�como�termômetro�financeiro�na�legitimação�artística�(aliado�a�todo�o�aparato�midiático�e�institucional�disponível)�‒�reage�como�pode�resistindo�”contra�a�autoridade�dominante�das�diversas�instituições�sob�o�controle�da�mercantilização”�(MARTEL,�Richard,�2009,�p.�17)�tendo�como�objetivo�quebrar�o�isolamento�que�teoricamente�não�existe�em�se�levando�em�conta�a�bandeira�da�alteridade�levantada�pelos�centros�dominantes.�O�teórico�canadense�Guy�Sioui�Durand�afirma�que

Uma�nova�dialética�geopolítica�entre�os�defensores�da�globalização�neoliberal�e�os�de�uma�“glocalização”�‒�pensar�global,�agir�local,�antiglobalização�neoliberal�‒�é�redefinir�o�contexto�das�relações�gerais�entre�a�sociedade�e�a�arte,�e�entre�arte�e�política.�(DURAND,�Guy�Sioui,�2009,�p.22)

Uma�afirmação�artística�e�cultural�de�caráter�regional�ancorada�na�realidade�das�comunidades�locais�seria�então�a�alternativa�lúcida�na�pos�modernidade?�Para�Rose�Marie�Arbour�”a�modernidade�foi�internacional�e�inimiga�do�local,�a�contemporaneidade�é�internacional�e�integra�o�local�por�via�direta�ou�indireta”.�(ARBOUR,�Rose�Marie,�1986,�p.�107)

Entre�integrar�e�digerir�estaria�situada�a�resistência�de�caráter�micropolítico�que�já�foi�teorizada�em�várias�ações,�inclusive�na�décima�bienal�de�Havana�(Resistência�e�integração�na�era�da�globalização).�Dentro�dessa�perspectiva�a�noção�tão�discriminada�de�resistência�não�seria�mais�necessariamente�associada�a�um�espírito�conservador�e�reacionário�que�sempre�esteve�ligado�às�lutas�antiglobalização.

O�conceito�de�micropolítica�está�ligado�à�ideia�da�inserção�na�vida�cotidiana.�Não�é�mais�um�fenômeno�totalizante.�Ela�pode�existir�à�margem�do�próprio�poder.�E,�no�caso�dos�artistas�e�teóricos�ligados�às�artes,�através�das�ferramentas�próprias�da�arte.

Pernambuco�caracterizou-se�por�ser,�culturalmente�falando,�berço�do�Movimento�Regionalista,�liderado�pelo�sociólogo�Gilberto�Freyre,�bem�como�por�ter�sido�um�dos�primeiros�espaços�sociais�brasileiros�a�abrigar�a�modernidade�no�sentido�de�atualizar�as�linguagens�artísticas�nacionais�com�as�vanguardas�europeias.�Essa�plataforma�regionalista�foi�reafirmada,�na�década�de�70,�através�do�Movimento�Armorial�sob�a�liderança�do�escritor�Ariano�Suassuna.�A�proposta�armorial�era�a�defesa�de�uma�arte�erudita�a�partir�do�popular�na�

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tentativa�de�combater�a�descaracterização�da�cultura�brasileira�e�da�nordestina�em�particular

Aparentemente�contraditória�essa�condição�ainda�aparece�na�produção�artística�contemporânea�pernambucana�juntando�linguagens�atuais�a�uma�tradição�estética�renovando,�dessa�forma,�nesse�momento�pós-colonialista,�seu�vocabulário�sem,�porém,�perder�o�vínculo�com�sua�memória.�Essa�resistência�&�integração,�em�plena�era�global,�se�processa�dentro�de�redes,�circuitos,�paralelos�e�vai�de�encontro�(de�forma�micropolítica)�à�hegemonia�centralizadora,�monopolizadora�e�uniformizadora.�Os�(por�assim�dizer)�“tentáculos”�que�desenvolvem�determinados�centros�de�artistas�permitem�ao�local�de�ser�visto�para�além�das�suas�fronteiras�sem,�necessariamente,�passarem�pelo�aval�hegemônico.

É�o�papel�dos�coletivos�de�artistas�que,�em�Recife,�fazem�parte�do�panorama�cultural�da�cidade.�Essa�ação�conjunta�faz�(ou�fez)�parte�da�vida�da�maioria�dos�artistas�atuantes�na�capital�do�Estado.�De�certa�forma�esse�fato�não�é�muito�comum�na�região.�Coletivos�como�o�Ateliê�Coletivo�(atuante�nos�anos�50)�foram�sucedidos�na�contemporaneidade�pelos�Quarta�Zona�de�Arte,�Submarino,�Branco�do�Olho,�entre�tantos�outros.�Cada�um�desses�grupos�permite�uma�abertura�para�a�produção�e�difusão�artística�além�de�se�tornar�uma�forma�de�resistência,�de�sobrevivência�e�de�alternativa�à�padronização.�Dentro�de�um�contexto�de�dominação�estético/político/econômico�de�um�país�por�outro�ou�de�uma�região�por�outra�essas�práticas�encorajam�reflexões�sobre�a�natureza�da�resistência�das�identidades�ameaçadas.�Nesse�contexto�essa�“resistência”�carrega�em�si�toda�uma�esperança�alternativa.�Com�a�internacionalização�dos�mercados,�a�nova�realidade�econômica�e�a�dominação�cultural�por�determinados�centros.�Dessa�forma,�tomando�emprestadas�as�palavras�de�Marc�Jimenez:

O�grito�dos�artistas�não�ressoa�de�maneira�diferente�e�não�se�afunda�mais�‒�pelo�menos�não�ainda�‒�no�oceano�da�comunicação,�diferentemente�da�arte�contemporânea�ocidental,�presa�na�armadilha�do�“cultural”,�do�mercado�de�arte�e�da�promoção�midiática�ou�institucional.�E�se�confirma�a�cada�dia�que�a�questão�filosófica,�estética�e�artística�continua�fundamentalmente�e�essencialmente�política.�(JIMENEZ,�Marc,�2009,�p.�7)

Estéticas�de�resistência�em�alguns�artistas�pernambucanos:�Bete�Gouveia�&�Maurício�Castro

“Feche�o�seu�olho�físico,�para�que�você�possa�ver�a�cena�com�o�seu�olho�espiritual,�então�faça�com�que�o�quadro�volte�à�luz�do�dia�e�com�que�os�outros�sintam,�de�fora�para�dentro,�aquilo�que�você�viu�no�escuro“.�Caspar�David�Fridrich

É�nesse�contexto�de�periferia�que�uma�nova�geração�de�artistas�emerge.�A�tradição�alia-se�então�à�experimentação�como�processo,�gerando�discursos�que�reúnem�uma�informação�estética�globalizada�a�uma�identidade�regional�e�pessoal.�Dessa�geração�faz�parte�a�artista�Bete�Gouveia�nascida�na�usina�Santa�Inês�situada�no�município�de�Água�Preta,�Pernambuco,�onde�passou�toda�a�infância�e�parte�da�adolescência�chegando,�ainda�adolescente,�a�Recife,�cidade�que�canaliza�a�sua�identidade�com�o�mundo.

Para�compreendermos�melhor�o�trabalho�de�Bete�é�preciso�uma�certa�reflexão�sobre��algumas�características�de�sua�época�e�seu�lugar.�Espaço�e�tempo.�O�processo�de�mudança�do�rural�para�o�urbano,�a�herança�romântica/�existencial�da�década�de�70,�a�transitoriedade�da�era�moderna�para�a�pós-moderna�e�o�momento�político�brasileiro�ainda�sob�regime�militar�interferem�na�formação�de�sua�personalidade�e�marcam�o�início�e�desenvolvimento�de�sua�pesquisa�artística.

As�mudanças�no�panorama�internacional,�num�mundo�globalizado,�têm�um�impacto�significativo�na�produção�artística�de�sua�geração:�a�atitude�de�vasculhar�memórias�pessoais�torna-se�uma�forma�de�resistência�contra�os�excessos�da�mídia�e,�a�crescente�sensação�de�anonimato,�de�indiferença,�gerada�pela�cultura�de�massa,�abre�caminho�para�a�busca�de�uma�nova�espiritualidade.�

Instrospecção,�momentos�de�desafio�e�amor�à�natureza�fazem�parte�da�sua�personalidade.�Trata-se�de�alguém�que�vive�em�um�estado�de�mutação�contínuo,�na�procura�constante�por�novos�horizontes.�Busca�que�abrange�um�universo�que�vai�da�investigação�sistemática�dos�processos�e�meios�do�seu�fazer�artístico�a�uma�viagem�constante�em�direção�ao�seu�próprio�interior,�o�infinito,�o�desconhecido.

A�compreensão�do�todo,�do�uno,�do�indivisível�gera�um�percurso�onde�momentos�de�pura�fruição�estética�não�são�descartados�e�expressam�uma�linha�de�pensamento�que�é�feita�de�indagações�sobre�a�efemeridade�da�vida,�a�banalidade�dos�dias,�o�mistério�do�vazio�que�é�origem�e�fim.�Bete�trata�sua�obra�como�uma�constante�especulação�filosófica�no�sentido�de�capturar,�imortalizar�o�efêmero�que�perpassa�os�seus�momentos.17

Marcando�sensivelmente�sua�trajetória,�vemos�também�sua�militância�política�que�se�volta�contra�o�obscurantismo�gerado�pelo�golpe�militar�de�64�de�forma�simbólica�e�romântica:�a�arte�contra�a�repressão�que�cerceia�as�possibilidades�de�novas�descobertas.�O�mesmo�romantismo�que�a�faz�criar�seus�diálogos�com�o�urbano�pernambucano�ou�com�seus�cenários�marcados�pelas�interrogações�introspectivas�como��sentimento�fundamental:�tema�que��encontra�sua�tradução�na�representação�de�uma�natureza�carregada�de�valores�simbólicos.�A�solidão�que�perpassa�suas�imagens�é�bem�característica�de�uma�juventude�que�viu�suas�palavras�de�ordem�transformadas�em�slogans�de�camisetas�e�que��tenta�um��diálogo�com�a�própria�solidão�do�espectador.�

Assim�vai�se�processando�sua�poética:�o�início�envolvendo�suas�primeiras�paisagens,�registros�do�litoral�de�Pernambuco.�Depois,�a�pesquisa,�tentando�uma�ponte�entre�a�imaginação�e�a�realidade.�A�paisagem�humana�(tipos�populares,�feiras,�paisagens�do�cotidiano�nordestino�que�ela�aborda�com�a�curiosidade�epicurista�de�um�flâneur)�se�constitui�em�outra�vertente�de�seu�processo�de�observação:�a�vida�em�sua�volta�interfere,�motiva�e�excita�seu�trabalho.�

Sempre�em�mutação�reelabora�suas�paisagens�recorrentes�que�têm�sua�identidade�pernambucana�marcada�nas�cenas�urbanas,�nas�marinhas,�na�intimidade�do�espaço�arquitetônico�(onde�a�memória�barroca�do�Recife�colonial�está�presente)�em�que�habita�(fig.�1).�Dessa�realidade�cotidiana�que�envolve�sua�memória�afetiva�e�geográfica�ela�vai�caminhando�cada�vez�mais�em�direção�ao�cosmos,�ao�infinito,�a�sua�maneira�de�sentir�o�sublime,�o�sagrado.

Fig.�1�-�Bete�Gouveia,�Claroescuro,�2009

Maurício�Castro�(cidadão�da�cidade�de�Recife,�nascido�em�1962)�se�interessou�bem�jovem�por�Artes�Visuais.�Fez�cursos�de�pintura�e�desenho�e�ingressou�no�de�arquitetura�da�Universidade�Federal�de�Pernambuco�que�abandonou�sem�concluir.�Iniciou�seu�aprendizado�investindo�em�algumas�parcerias.�Em�sua�trajetória,�a�ação�conjunta�foi�uma�constante.�Formar�ateliês�coletivos�está�na�gênese�de�sua�produção.�O�primeiro�aconteceu�quando�largou�arquitetura.�Posteriormente�fez�parte�do�Quarta�Zona�de�Arte�(1992),�Torre�de�Papel,�em�Barcelona�(1966),�Submarino�(2000),�Balneário�de�Água�Fria�(2004),�Branco�do�Olho�(2005).�Atualmente�faz�parte�do�Coletivo�Peligro,�um�novo�grupo,�um�novo�momento.�

Maurício�Castro�é�um�homem�urbano.�Suas�investigações�visam�à�metrópole�e�o�cotidiano�de�seus�habitantes�cujas�memórias�são�feitas�dos�restos�de�sua�civilização.�Maurício�não�é�um�flâneur�da�cidade,�mas�de�seus�detritos.�Ele�poderia�ser�definido�como�um�sujeito�do�tipo�que�desamassa�latarias�e�aperta�parafusos.�Alguém�que,�recuperando�carcaças�e�conectando�fios,�produz�objetos�portadores�de�uma�ironia�fina�sobre�seus�parceiros�nesse�início�de�século:�nós,�os�consumistas�desvairados�do�século�XXI.�Recriar�objetos�que�carregam�seu�olhar�irônico�ou�inventar�novos�sem�função�aparente�é�uma�das�vertentes�do�trabalho�de�Maurício�Castro,�o�mago�dos�lixões,�dos�ferros-velhos�e�do�riso�sobre�ele�e�sobre�todos�nós.�Seu�trabalho�traz�a�estética�dos�ready-mades�e�suas�brincadeiras,�permeadas�de�certo�nonsense,�mostram�certo�parentesco�com�Duchamp.�Em�boa�parte�destes�objetos�sem�função�a�citação�à�cultura�de�sua�região�está�presente.�No�Ventinho�Frio�(2001),�por�exemplo,�(fig.2)�ele�se�utiliza�de�um�ventilador�sobre�um�pote�de�barro�que�repousa�sobre�uma�estrutura�de�ferro�recuperada�que�por�sua�vez�está�fixada�sobre�uma�mesa�de�madeira.�

A�instalação/objeto�faz�referência�imediata�à�conservação�da�água�no�interior�do�Nordeste�em�vasilhas�de�barro�que�mantém�a�temperatura�desta�num�clima�quente�e�em�espaços�sociais�onde�a�presença�de�geladeiras�era�(e�ainda�é)�rara.

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Neste�momento,�Bete�e�Maurício,�partes�de�uma�sociedade�cada�vez�mais�hierarquizada,�controlada,�desigual,�hedonista�e�submissa�aos�interesses�da�rentabilidade�mercantil,�onde�parece�distante�o�pensamento�livre�ou�uma�arte�transformadora�que�seria�um�instrumento�de�educação�e�politização,�agem�como�educadores�através�do�resgate�de�suas�memórias.�Uma�ética�dentro�da�estética.�O�artista�é�a�memória�de�uma�cultura�a�partir�da�premissa�de�que�sua�obra�reflete�o�pessoal�e�o�social.�Ao�lado�da�construção�de�um�mundo�próprio�ele�pode�ir�mais�longe�e�interferir�no�coletivo�a�partir�da�fascinação�que�ele�produz�no�espectador.�Esse�“xamanismo”�está�na�origem�da�influência�que�a�arte�exerce�sobre�as�pessoas.

Vista�por�esse�ângulo,�por�estes�artistas,�a�obra�de�arte�é�um�espaço�de�manifestação�da�cultura,�da�história�e�mais�enfaticamente�de�uma�realidade�vivida,�sentida�e�compartilhada.�O�trabalho�deles�é,�portanto,�uma�arma�política,�um�espaço�de�resistência,�pois,�mesmo�entrecruzado�com�outros�universos�culturais,�ele�(através�da�memória,�preservada)�não�é�neutro�e�o�seu�autor�é�o�agente�catalisador�dessa�construção�que�incide�na�possibilidade�da�transformação�ou�de�preservação�do�social.�A�arte�contemporânea�pernambucana�aqui�e�agora�busca�linguagens�contemporâneas,�mas,�através�delas,�fala�de�sua�cultura,�de�sua�tribo,�da�sua�memória.

Fig.�2�-�Maurício�Castro,�Ventinho�frio,�Objeto,�2001

Madalena�Zaccara�é�doutora�em�História�da�Arte�pela�Université�Toulouse�II,�França,�Professora�Associada�do�Departamento�de�Teoria�da�Arte�da�Universidade�Federal�de�Pernambuco�e�Coordenadora�do�Programa�Associado�de�Pós-�Graduação�em�Artes�Visuais�UFPE-UFPB.�Faz�parte�do�Comitê�de�História�da�Arte�da�Associação�Nacional�de�Pesquisadores�de�Artes�Plásticas�(ANPAP)�e�tem�vários�livros�e�artigos�publicados.

Referências

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A�roupa�para�além�da�moda�

Neste�breve�estudo�discutiremos�o�objeto�roupa.�Mas�ao�contrário�do�que�seria�habitual,�não�trataremos�dela�como�um�simples�objeto�de�consumo,�e�sim�como�uma�interface�para�as�sensorialidades�do�corpo.�Pensaremos�sobre�a�roupa�como�uma�estimuladora,�ou�mesmo�como�uma�mediadora,�das�nossas�relações�com�o�Outro.��A�roupa�pode�ser�descrita�como�um�invólucro,�uma�segunda�pele�à�qual�aderimos,�a�partir�de�diversos�propósitos.�Segundo�Mendonça�(2006,�p.34),�as�principais�necessidades,�ou�finalidades,�a�que�as�roupas�servem,�se�resumem�basicamente�a�três:�proteção,�pudor�e�adorno.�Em�diversos�povos�e�em�diversas�épocas�estiveram�presentes�um�ou�mais�desses�propósitos�para�o�uso�de�roupas�e�adornos.�Desde�os�primeiros�adereços�e�pinturas�corporais,�pode-se�percebê-los:�a�proteção,�quando�o�homem�busca�na�vestimenta�o�abrigo�contra�as�intempéries,�ou�quando�ele�utiliza�a�roupa�para�sua�proteção�espiritual.�O�pudor�levando-o�a�cobrir�corpo,�tanto�por�motivos�religiosos,�quanto�por�motivos�estéticos.�E�o�adorno,�quando�o�homem�sente�a�necessidade�de�seduzir,�adornando�seu�corpo�para�encantar�o�sexo�oposto,�ou�para�reverenciar�alguma�entidade�espiritual.

A�vestimenta�é�um�meio�de�expressão�individual,�um�signo�identitário,�uma�forma�de�contato�com�o�mundo�exterior.�Podemos�dizer�ainda�que�a�roupa�é�o�contato�mais�próximo�que�temos�com�esse�exterior.�Castilho�e�Martins�(2005,�p.�36)�argumentam�ainda�que�é�através�da�roupa�e�os�adornos�do�corpo�que�se�estabelecem�“as�relações�com�mundos�possíveis�e�imaginários,�cujos�significados�são�atrelados�culturalmente�à�imagem�e�à�percepção�do�ser”.�

Contudo,�pensar�a�roupa�nos�dias�de�hoje,�nos�leva�a�situá-la�dentro�de�um�sistema�de�novidades�e�obsolescências�chamado�moda:�

Em�sentido�lato,�a�moda�compreende�todas�as�manifestações�exteriores�de�usos�e�costumes�consagradas�dentro�de�um�determinado�período,�desde�comportamentos�sociais�e�conceitos�morais,�até�o�estilo�

Costuras�poéticas:�sensorialidades�da�roupa

Aline�Basso�

prevalecente�nas�formas�dos�objetos�produzidos�e�do�vestuário�adotado.�Em�sentido�restrito,�o�termo�aplica-se�às�transformações�periódicas�nas�formas�dos�trajes�e�demais�detalhes�de�ornamentação�pessoal.�(MENDONÇA,�2006,�P.�17)

Esse�sistema,�cíclico�e�interminável,�que�alimenta�as�fantasias�das�aparências,�contribui�para�situar�a�roupa�dentro�de�uma�intrincada�trama�simbólica�de�subjetividades.�A�roupa�não�é�apenas�roupa,�mas�uma�afirmação�social,�intelectual�e�emocional�do�Eu.�Ela�não�serve�apenas�para�cobrir�o�corpo.�A�roupa�comunica�quem�eu�sou,�quais�as�minhas�preferências,�qual�o�meu�lugar�no�mundo.�Em�uma�grande�contradição,�ela�torna�o�indivíduo�único,�mas�ao�mesmo�tempo�pertencente�a�um�grupo.�Diferente,�porém�igual.

Mas�a�fim�de�cumprir�nosso�objetivo�nesta�empreitada,�é�preciso�pensar�a�roupa�para�além�das�questões�de�individualidade,�para�além�da�moda.�A�fim�de�explorar�as�questões�sensoriais�que�nos�propomos,�entraremos�em�outro�universo:�o�da�arte.�É�ali�que�os�temas�mais�subjetivos�são�discutidos,�é�ali�que�a�roupa�escancara�as�questões�do�corpo.�Somente�a�arte�pode�deslocar�a�roupa�de�seu�patamar�de�objeto�de�consumo/produtor�de�identidade,�e�inseri-la�no�âmbito�da�sensorialidade,�como�um�objeto�que�produz�sensações,�que�gera�indagações�e�desejos.

As�preocupações�com�a�vestimenta�e�com�a�moda�surgem�na�arte�a�partir�do�início�do�século�XX.�Até�então,�as�relações�entre�a�moda�e�a�arte�se�limitavam�basicamente�à�representação�do�vestuário�através�das�pinturas,�desenhos�e�gravuras.�Com�o�desabrochar�do�novo�século,�muitos�artistas�transpuseram�suas�questões�da�arte�para�o�cotidiano,�algumas�vezes�até�trazendo�grandes�propostas�de�reforma�social,�entre�elas�a�reforma�do�vestuário.�

O�movimento�Arts�and�Crafts�iniciou�a�discussão�sobre�o�vestuário�ao�apresentar�na�Alemanha�a�proposta�dos�vestidos�artísticos.�Concomitantemente�a�isso,�alguns�artistas�da�Secessão�Vienense,�em�especial�Gustav�Klimt,�também�iniciaram�suas�produções�no�âmbito�da�moda.�Futurismo,�dadaísmo�e�construtivismo�russo�são�alguns�

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dos�movimentos�de�vanguarda�que�introduziram�oficialmente�a�roupa�no�universo�artístico�como�Objeto�de�arte.�Em�seguida,�outros�movimentos�e�artistas�passaram�a�adotar�essa�preocupação,�como�o�Surrealismo,�o�Orfismo�e�a�Pop�art�(COSTA,�2009).�Nos�anos�de�1940�e�1950,�no�Brasil,�Flávio�de�Carvalho�inicia�suas�reflexões�sobre�um�vestuário�que�fosse�mais�adequado�ao�clima�brasileiro,�lutando�contra�a�importação�da�moda�europeia.�O�auge�de�suas�pesquisas�artísticas�se�dá�com�a�apresentação�de�sua�Experiência�n.�3,�uma�performance�na�qual�ele�desfila�pelas�ruas�de�São�Paulo�trajando�uma�veste�por�ele�desenvolvida�a�partir�de�suas�reflexões:�um�saiote�com�meia�arrastão�e�blusa�de�mangas�curtas.�Além�dessa�obra,�ele�ainda�desenvolve�vários�artigos�em�que�discute�a�moda�masculina,�e�que�são�posteriormente�publicados�em�um�livro.

Nos�anos�de�1960�outros�artistas�brasileiros�apresentaram�obras-roupa,�entre�eles�Hélio�Oiticica,�Lygia�Clark�e�Nelson�Leirner.�Após�os�anos�de�1980,�e�até�os�dias�de�hoje,�outros�artistas�como�Leonilson,�Martha�Araújo,�Elida�Tessler,�Nazareth�Pacheco,�Ayrson�Heráclito,�Karin�Lambrecht,�Ernesto�Neto,�Laura�Lima,�Viga�Gordilho,�Ana�Fraga,�Marepe,�Cristina�Carvalho�e�Chico�Dantas�(os�dois�últimos�paraibanos),�trouxeram�ao�mundo�obras�que,�através�de�roupas,�invólucros�e�fragmentos�de�roupas,�discutem�questões�sobre�o�corpo,�o�lugar,�a�memória,�a�presença/ausência,�o�consumo,�entre�outros�temas¹.

Hoje,�no�mundo�todo�se�pode�observar�obras-roupas,�seja�em�galerias,�museus�ou�coleções�particulares.�De�acordo�com�Costa�(2009,�p.�9),�ao�introduzir�em�seu�livro�a�“roupa�de�artista”,�a�autora�explica�que�ela�

[...]�hoje�designa�uma�produção�que�se�insere�no�campo�dos�novos�meios,�ao�lado�do�vídeo,�arte�postal,�cinema�de�artista,�web�art�e�outros,�já�esteve�presente�em�quase�todos�os�movimentos�artísticos�do�século�XX,�na�forma�de�vestimentas�singulares,�performances,�empacotamentos,�estamparias�exclusivas,�vídeos�e�outras�tecnologias�e�continua�contemporaneamente�em�transposições,�apropriações�e�vestuários�incomuns,�entre�outras�manifestações.�

Assim,�discutir�a�roupa�como�um�objeto�sensorial,�exige�que�ampliemos�nossas�fronteiras,�e�transitemos�entre�os�universos�da�moda�e�da�arte,�transfigurando�as�aparências�para�além�da�moda,�e�entrecruzando�os�significados.�Se�“[...]�a�moda,�em�grande�parte�alimenta-se�da�arte”�(COSTA,�2009,�p.75),�então�podemos�concluir�que�estudar�as�subjetividades�da�roupa�torna-se�uma�tarefa�mais�prazerosa�e�fácil�quando�apoiada�pelas�investigações�artísticas.�E�assim�o�faremos.

Roupas�sensoriais�

Para�ilustrar�as�discussões�sobre�as�possibilidades�sensoriais�da�roupa,�utilizaremos�a�obra�Hábito/Habitantes,�de�1984,�da�artista�Martha�Araújo.�Nossa�escolha�resulta�não�apenas�da�busca�por�um�artista�nordestino,�que�nos�represente�em�meio�à�arte�contemporânea.�Mas�também,�e�especialmente,�pela�relevância�que�a�obra�em�questão�pode�assumir�face�ao�nosso�estudo,�conforme�esclareceremos�mais�adiante.�

A�artista�Martha�Roberta�dos�Santos�Araújo,�conhecida�artisticamente�como�Martha�Araújo,�é�natural�de�Maceió,�Alagoas.�Iniciou�sua�formação�na�Bahia,�passando�ainda�por�São�Paulo,�Maceió�e�Rio�de�Janeiro.�De�acordo�com�Silva�e�Bomfim�(2007,�p.�313),�sua�obra�acabou�por�assumir�uma�linguagem�sincronizada�com�as�vanguardas�do�eixo�Rio/São�Paulo,�e�é�marcada�por�experimentações�sensoriais,�esculturas�interativas�e�discussões�sobre�o�corpo,�o�Eu�e�o�Outro.

Hábito/Habitantes�(Fig.�1)�é�uma�das�obras�criadas�pela�artista�a�partir�de�experimentações�realizadas�no�Rio�de�Janeiro.�É�composta�por�vestes�do�tipo�macacões,�que�possuem�vários�velcros²�costurados�em�sua�superfície�(ÁVILA,�2013,�s/n).�A�obra�exige�a�participação�do�expectador,�que�deve�vestir�a�roupa�e�interagir�com�outro�expectador,�igualmente�vestido.�Dessa�forma,�os�velcros�se�grudam�criando�ligações�entre�os�indivíduos,�exigindo�certo�esforço�para�desgrudar�e�promovendo�uma�experiência�sensorial�de�contato�entre�os�participantes.

Fig.�1�-�Martha�Araújo,�Hábito/Habitantes,�198421

Essa�experimentação�traduz�em�forma�de�roupa�algumas�questões�contemporâneas�da�arte�e�do�corpo.�Ela�nos�questiona�os�limites�do�corpo,�os�limites�do�Eu,�e�como�o�Eu�estabelece�relações�com�o�Outro.�Instiga�sensações,�no�momento�em�que�provoca�contatos�entre�os�participantes�da�experiência.�O�toque�é�o�sentido�primordial,�aquece,�reconforta.�Esse�mesmo�toque�é�evitado�e�repelido�por�nossas�roupas.�Simbolicamente�elas�nos�protegem�do�Outro,�imunizando-nos�das�experiências�sensoriais�da�pele.

A�roupa,�como�objeto�simbólico,�deve�ser�pensada�também�a�partir�do�ponto�de�vista�sensorial.�E�a�obra�de�Martha�Araújo�nos�coloca�diante�desse�questionamento:�como�o�Eu�pode�sentir�o�Outro?�A�moda,�enquanto�produtora�de�consumo�e�de�identidades,�em�geral�se�esquiva�das�questões�mais�profundas�que�envolvem�esse�objeto.�Ela�discute�a�forma�como�o�Eu�se�apresenta�ao�mundo,�mas�não�abrange�as�inter-relações�entre�os�sujeitos,�a�não�ser�no�que�tange�às�questões�do�pertencimento�do�indivíduo�a�um�determinado�grupo.�As�relações�que�pretendemos�discutir�aqui�estão�mais�ligadas�ao�toque,�ao�sentir�o�Outro,�ao�perceber.�E�disso�a�moda�não�trata.�Mas�a�arte,�sim.

Segundo�Ostrower�(1999,�p.�263),�

“a�temática�principal�da�arte�contemporânea�gira�em�torno�de�questões�íntimas,�questões�existenciais,�num�amplo�leque�de�sentimentos�que�vão�desde�a�angústia�e�o�medo,�à�coragem�face�ao�medo,�à�resignação,�à�esperança�e,�eventualmente,�a�novos�significados�humanos�encontrados�no�próprio�viver.”�

A�autora�ainda�discute�a�percepção,�do�ponto�de�vista�da�arte,�e�defende�que�ela�abrange,�dentre�outras�coisas,�

[...]�um�processo�altamente�misterioso,�que�os�cientistas�ainda�não�sabem�explicar:�o�da�conversão�de�dados�sensoriais�em�noções�não-sensoriais.�E�vice-versa,�a�passagem�do�não-sensorial�para�novos�dados�sensoriais.�A�partir�de�uma�condensação�seletiva�de�estímulos,�a�apreensão�sensorial�transforma-se�em�processo�de�compreensão�não-sensorial.�As�imagens�se�transformam�em�significados.�Inversamente,�criamos�imagens,�formas�sensoriais,�para�comunicar�os�significados.�(OSTROWER,�1999,�p.�51)

Isso�pode�denotar�que�uma�obra�de�roupa-arte�sensorial�como�a�de�Martha�Araújo�tem�condições�de�despertar�nos�expectadores/usuários�compreensões�que�vão�além�do�objeto.�Compreensões�relacionadas�ao�espaço�físico�do�corpo�em�contato�com�outros�corpos,�aos�seus�limites,�a�uma�grande�diversidade�de�experiências�táteis,�entre�outras.�E�a�própria�experiência�de�investir�força�para�se�desgrudar�do�Outro,�pode�se�tornar�uma�vivência�de�construção�do�Eu.�Estamos�falando�aqui�das�relações�resultantes�dessa�tatilidade�a�que�a�roupa�sensorial�nos�incita.�

E�a�moda�com�isso?�

Percebemos,�a�partir�desta�breve�investigação,�que�um�mesmo�objeto�pode�ser�abordado�de�diferentes�formas�pela�arte�e�pela�moda.�Como�objeto�utilitário,�a�roupa�nos�apresenta�ao�mundo,�define�quem�somos,�nos�situa�como�indivíduos.�Como�objeto�artístico�ela�pode�nos�levar�para�dentro,�nos�apresentar�para�nós�mesmos,�e�ainda�assim�nos�provocar�um�novo�olhar�para�o�mundo�exterior.

Pensar�a�roupa�como�um�artefato�que�estimula�e�media�as�sensorialidades�do�corpo,�nos�coloca�diante�dos�desafios�e�discussões�da�arte.�Mas�isso�também�pode�ser�discutido�e�pensado�pela�moda.�E�se�a�roupa�naturalmente�é�um�objeto�que�cobre�o�corpo,�nada�mais�apropriado�que�a�moda�também�discuta�essas�questões,�partindo�da�ideia�de�um�corpo�que�atua�

[...]�como�suporte�material,�sensível,�que�se�articula�com�diferentes�códigos�de�linguagem,�como�a�gestualidade,�com�a�sensorialidade�e�com�a�própria�decoração�corpórea,�e�a�moda�e�o�seu�design�como�projeto,�processo�de�transformação�da�aparência�que�objetiva�a�diferenciação�ou�a�similitude.�(CASTILHO�e�MARTINS,�2005,�p.�31)

Somos�seres�com�marcantes�características�táteis.�Sentimos�vontade�de�tocar,�sempre�que�visualizamos�alguma�superfície�interessante,�alguma�textura�macia.�Especialmente�as�mulheres�tendem�naturalmente�a�ʻpegarʼ�nas�roupas�de�suas�amigas,�para�sentir�o�toque�de�uma�renda,�ou�de�uma�seda�macia.�Se�estivermos�diante�de�uma�pessoa�vestindo�um�casaco�de�pele,�nosso�instinto�nos�leva�automaticamente�a�experimentá-lo�através�do�toque.�E�se�estivermos�em�uma�região�fria,�vamos�além�desse�instinto�de�toque,�sentindo�vontade�de�abraçar�a�pessoa,�para�poder�sentir�no�próprio�corpo�a�temperatura�e�a�textura�daquele�material.�

O�toque�nos�ajuda�a�perceber�o�mundo�e�sua�materialidade,�nos�ajuda�a�processar�as�informações�visuais�que�nos�chegam�dele.�“A�materialidade,�muitas�vezes,�vem�a�ser�um�componente�importante�na�edificação�do�sentido�e,�por�isso,�não�pode�ser�desconsiderada”�(CASTILHO�e�MARTINS,�2005,�p.�64).�22

Afinal�de�contas,�nossas�roupas�possuem�texturas,�sejam�lisas,�ásperas,�macias,�porosas�etc.,�e�nós�as�percebemos�com�maior�clareza�porque�podemos�tocá-las.�

Essa�sensorialidade�nos�leva�em�direção�ao�outro,�ao�que�veste.�Nos�leva�em�direção�ao�toque.�E�a�consciência�desse�instinto�tão�primitivo�pode�despertar�outras�possibilidades�na�moda.�Como�por�exemplo,�a�produção�de�roupas�que�instiguem�o�contato�entre�as�pessoas�‒�a�interação�‒�a�partir�de�construções�elaboradas�que�produzam�superfícies�estimulantes,�tecidos�de�diversos�tipos,�temperaturas,�texturas�etc.�Talvez�ela�possa�até�mesmo�partir�do�princípio�das�roupas-obras�sensoriais:�provocar�o�contato�do�Eu�com�o�Outro.�Assim,�um�projeto�artístico�pode�facilmente�ser�adotado�pela�moda,�gerando�produtos�provocantes,�interativos�e�inovadores.

Aline�Teresinha�Basso�é�designer�e�mestranda�em�Artes�Visuais�(UFPB/UFPE).�Professora�do�curso�de�Moda�(Unipê/�João�Pessoa�e�UFC/�Fortaleza).

Notas

¹�Os�dados�apresentados�sobre�artistas,�períodos�e�obras�baseiam-se�nas�pesquisas�realizadas�para�nossa�dissertação�de�mestrado�pelo�PPGAV�UFPB/UFPE.�Foram�utilizadas�em�sua�grande�maioria�fontes�de�internet,�onde�pesquisamos�diversos�sites�de�artistas,�galerias�de�arte�e�museus.�Alguns�dados�foram�coletados�diretamente�com�os�artistas,�e�outros�partiram�de�fontes�bibliográficas.�Catalogamos�107�artistas�e�mais�de�200�obras�envolvendo�a�produção�de�roupas,�em�diversas�partes�do�mundo,�do�início�do�século�XX�até�os�dias�atuais.�Essas�informações�fazem�parte�de�uma�tabela�que�desenvolvemos�como�material�de�apoio�ao�texto�da�dissertação.

²�De�acordo�com�o�Dicionário�Online�de�Português:�“s.m.�(marca�registrada,�do�fr.�velours�croché)�Tecido�fabricado�em�tiras�duplas,�aderentes,�usado�como�fecho�ou�para�fixar,�uma�na�outra,�duas�coisas�diversas�ou�duas�partes�de�uma�mesma�coisa.�Uma�das�tiras�tem�inúmeras�pequeninas�alças�e�a�outra,�outros�tantos�ganchinhos,�que�se�prendem�nelas�com�uma�simples�pressão�dos�dedos,�fazendo�as�duas�partes�aderirem�mutuamente”.�(Disponível�em:�<http://www.dicio.com.br/�velcro/>,�acessado�em�10�Jul.�2013)

Referências

ÁVILA,�Janayna.�O�Eu�na�Obra�de�Martha�Araújo.�In:�Graciliano�On-Line.�2012.�Disponível�em:�<http://graciliano.tnh1.com.br/2012/04/13/o-eu-na-obra-de-martha-araujo/>.�Acessado�em�07�Jul.�2013.CASTILHO,�Kátia.�MARTINS,�Marcelo�M.�Discursos�da�Moda:�semiótica,�design�e�corpo.�São�Paulo:�Editora�Anhembi�Morumbi,�2005.�112p.COSTA,�Cacilda�Teixeira�da.�Roupa�de�artista�‒�o�vestuário�na�obra�de�arte.�São�Paulo:�Imprensa�Oficial�do�Estado�de�São�Paulo:�Edusp,�2009.MENDONÇA,�Miriam�da�Costa�Manso�Moreira.�O�Reflexo�no�Espelho:�o�vestuário�e�a�moda�como�linguagem�artística�e�simbólica.�Goiânia:�Editora�UFG,�2006.�260p.�:�il.OSTROWER,�Fayga.�Acasos�e�Criação�Artística.�2ª.�Ed.�Rio�de�Janeiro:�Elsevier,�1999.�SILVA,�Enaura�Quixabeira�Rosa�e.�BOMFIM,�Edilma�Acioli�(org.).�Dicionário�Mulheres�de�Alagoas�Ontem�e�Hoje.�Maceió:�EDUFAL,�2007.�

23Marcos�Veloso,�Sertão�da�Paraíba,�1998

A�arte�correio�(Mail�Art)�surgiu�da�necessidade�de�comunicação�artística�com�o�público/interferidor�do�processo,�co-autor�de�um�resultado�no�qual�as�possibilidades�de�leitura�são�múltiplas,�variáveis.�O�veículo�correio,�signo�institucional�perde�sua�característica�original;�a�arte�subverte�a�norma�do�padrão�estético.�

Por�meio�da�arte�correio�circulam�as�mais�variadas�ideias,�as�mais�distantes�tendências,�e,�como�partes�integrantes�do�processo,�outros�media:�a�arte�no�processo�comunicacional�do�dia-a-dia,�linguagens�gerando�linguagens,�num�perpétuo�ciclo.�

O�crítico�francês�Jean�Marc�Poinsot,�em�seu�livro�Mail�art�comunication:�a�distance�concept�(1971),�cita�duas�obras�de�Duchamp�ligadas�ao�uso�do�correio,�que�podemos�considerar�precursoras�da�arte�postal:�uma�é�Domingo,�6�de�fevereiro�de�1916,�Museu�de�Arte�da�Filadélfia,�que�se�constituiu�de�um�texto�datilografado�sobre�quatro�cartões�postais�colados�borda�com�borda�(Cf.�Schwarz,�1969);�a�outra,�Podebal/Duchamp,�telegrama�de�Nova�York�datado�de�10�de�junho�de�1921,�enviado�por�Duchamp�ao�seu�cunhado�Jean�Crotti.�

Também�por�essa�época,�o�poeta�francês�Mallarmé,�endereçou�seus�envelopes�enigmaticamente,�daí�a�expressão�duchamp�mallarmé,�cunhada�pelo�poemúsico�americano�John�Cage.�

Em�recente�pesquisa�sobre�a�obra�do�pintor�Vicente�do�Rego�Monteiro,�o�artista�correio�pernambucano�Paulo�Bruscky�(2005)�constatou�o�pioneirismo�desse�pintor�modernista�brasileiro�como�criador�do�poema�postal�no�ano�de�1956,�em�Paris.�

Na�primeira�metade�da�década�de�60,�artistas�norte-americanos�do�grupo�Fluxus:�Ken�Fridman,�Yoko�Ono�e�John�Cage,�mais�o�alemão�Joseph�Beuys,�os�franceses�Robert�Filiou�e�Ives�Klein,�além�do�japonês�Chieko�Shiomi,�praticaram�a�arte�postal.�Ray�Johnson�fundou�em�Nova�York,�em�1962,�a�New�Correspondence�School�of�Art,�donde�foram�expedidos�poemas�postais,�projetos�e�ideias�sob�a�forma�de�um�sistema�de�intercâmbio�entre�

um�grande�número�de�artistas,�críticos�e�amigos.�Essa�escola�foi�transformada�no�MarcelDuchamp�Club,�em�1971.�

No�Brasil�desse�período,�surgem�os�primeiros�artistas�correio.�Em�seu�livro�Panorama�das�artes�plásticas�nos�séculos�XX�e�XXI,�o�crítico�de�arte�Frederico�Morais�(1989,�p.�83)�afirma�que�um�dos�primeiros�grupos�a�empregar�o�correio�como�veículo�artístico�no�Brasil�foi�o�Poema�processo,�ainda�nos�anos�sessenta.�Em�1970,�o�poeta�cearense�Pedro�Lyra�divulga�através�do�Jornal�do�Brasil�um�manifesto�do�poema�postal.�Não�se�pode�esquecer�da�faceta�sofisticada�dos�Cartemas,�de�1971,�de�autoria�do�designer�pernambucano�Aloísio�Magalhães,�mosaico�permutável�a�partir�de�um�único�cartão-matriz�gerador,�reduzido�e�reproduzido�múltiplo�e�diminuto�em�um�só�cartão�de�tamanho�normal.�Ainda�em�1971,�o�mesmo�Poinsot,�principal�animador�do�Centre�de�Recherches�DʼArt�Contemporain�de�la�Faculté�de�Lettres�de�Nanterre,�organizou�a�sessão�Envois�da�Bienal�de�Paris.�

Enquanto�isso,�no�Brasil,�a�prática�da�arte�correio,�concebendo-se�como�processo�de�interferência�criativa�sobre�o�“meio”,�toma�grande�impulso�a�partir�da�primeira�metade�da�década�de�1970�com�Paulo�Bruscky,�Daniel�Santiago,�J.�Medeiros,�Angelo�de�Aquino,�Regina�Vater,�Leonhard�Frank�Duch,�Unhandeijara�Lisboa,�Regina�Silveira,�Samaral,�Ypiranga�Filho,�Ismael�Assumpção,�Cláudio�Ferlauto,�Falves�Silva,�Ivan�Maurício,�Maurício�Fridman,�Gabriel�Borba,�AnnaBella�Geiger,�Bené�Fonteles�entre�outros.�Para�o�historiador�de�arte,�Walter�Zanini�(1977,�p.�5),�o�cartão�postal�criado�pelo�próprio�artista�e�o�cartão�postal�alterado�parece�ter�sido�os�primeiros�veículos�de�expressão�dessa�arte�essencialmente�processual.�

O�poeta�experimental�uruguaio�Clemente�Padin,�que�em�1968�havia�publicado�seus�Textos�signográficos�em�cartões�postais,�organizou�em�1974�a�primeira�exposição�de�arte�postal�da�América�Latina�‒�o�Festival�de�la�Postal�Creativa�‒,�realizado�na�Galeria�U�de�Montevidéu.�Um�ano�depois,�Paulo�Bruscky�e�Ypiranga�Filho�realizaram�a�I�Exposição�Internacional�de�Arte�Postal�no�Hospital�Agamenon�Magalhães,�na�cidade�do�Recife.�Por�essa�

Arte�correio:�a�ideia�em�processo

Jota�Medeiros�

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época�a�arte�postal�torna-se�alvo�da�censura:�a�II�Exposição�Internacional�de�Arte�Correio,�organizada�em�1976�pela�equipe�pernambucana�Bruscky�&�Santiago,�não�chegou�a�ser�realizada,�pois�seus�autores�foram�presos.�

Por�sua�vez,�o�artista�J.�Medeiros,�paraibano�radicado�em�Natal�desde�1967,�organiza�na�UFRN�a�I�Mostra�Internacional�dʼArte�por�Correspondência�(1977),�que�itinera�posteriormente�para�Campina�Grande�e�Belém,�na�Paraíba.�No�ano�seguinte,�Medeiros�realiza�na�UFPB�a�I�Exposição�Internacional�dʼArte�Correio,�em�João�Pessoa.�Outras�mostras�foram�realizadas�em�Natal,�a�exemplo�da�Expoética�77�comemorativa�dos�10�anos�do�poema�processo,�e�Olho�Mágico�(1978),�sob�a�curadoria�do�artista�Falves�Silva.�

Entre�as�décadas�de�1970�e�1980�surgiram�inúmeras�publicações�internacionais�sob�os�mais�diversos�lances�gráficos,�desde�o�envelope�como�invólucro�da�publicação�produzida�sob�sistema�cooperativo�onde�o�autor�emitia�determinado�número�de�cópias�de�seu�trabalho�correspondente�ao�número�de�exemplares�editados,�a�exemplo�de�Povis/Projeto,�de�Natal,�editada�por�J.�Medeiros;�Karimbada,�de�João�Pessoa�por�Unhandeijara�Lisboa;�fanzines�como�A�Gaveta,�editado�por�Marconi�Notaro,�e�A�Margem,�de�Natal,�edição�de�Falves�Silva�e�Franklin�Capistrano,�até�a�Doc(K)s,�revista�trimestral�de�vanguarda�com�mais�de�400�páginas,�editada�em�off-set�por�Julien�Blaine,�na�cidade�francesa�de�Marselha.�

Na�América�Latina�do�final�dos�anos�1970�e�início�dos�anos�80,�o�poeta�uruguaio�Clemente�Padin�editou�a�revista�Ovum,�ao�passo�que�o�argentino�Edgardo�Antonio�Vigo�editou�livros�coletivos;�no�Rio,�a�revista/envelope�Experiências�foi�produzida�pelo�grupo�Belaboca,�integrado�por�Samaral�e�João�Carlos�Sampaio;�em�Recife,�Bruscky�publicou�Multipostais�e�Punho,�enquanto�em�Natal�editamos�Contexto,�suplemento�especial�dʼA�República,�jornal�porta-voz�da�arte�correio.�Em�11�de�dezembro�de�1977,�Contexto�teve�edição�lançada�na�abertura�da�Expoética,�mostra�comemorativa�dos�10�anos�do�movimento�do�Poema�processo.�Em�1982,�o�artista�paraibano�Raul�Córdula�inicia�o�projeto�O�País�da�Saudade,�exposto�no�Museu�da�Cidade,�em�Olinda,�Pernambuco,�em�1985.�

Tendo�Júlio�Plaza�como�curador,�a�Arte�Postal�foi�destaque�em�1984�na�XVI�Bienal�Internacional�de�São�Paulo,�evento�artístico�realizado�sob�a�curadoria�de�Walter�Zanini.�Em�Natal,�a�arte�correio�tornou-se�uma�prática�intensa.�Além�dos�já�mencionados�artistas,�cabe�citar�nomes�como�os�de�Carlos�Jucá,�Venâncio�Pinheiro,�Avelino�de�Araújo�e�Carlos�H.�Dantas.�

Mais�recentemente,�outros�novos�produtores�se�inserem�nesta�prática�artística�do�dia-a-dia,�como�Fábio�di�Ojuara�e�Pedro�Costa.�Em�1992,�o�crítico�e�poeta�potiguar�Franklin�Jorge�realizou�o�projeto�Amazônia�vista�pelos� 25

Referências�BRUSCKY,�Paulo.�Arte-correio.�In:�PECCININI,�Daisy�Valle�e�Machado�(coord.)�ARTE�novos�meios/multimeios�Brasil�70/80.�São�Paulo:�Fundação�Armando�Álvares�Penteado,�1985,�p.�77-79.�MEDEIROS,�J.�Arte�correio,�arte�postal,�mail�art:�a�ideia�em�processo.�In:�PECCININI,�Daisy�Valle�Machado�(coord.)�ARTE�novos�meios/multimeios�Brasil�70/80.�São�Paulo:�Fundação�Armando�Álvares�Penteado,�1985,�p.�287-288.�MORAIS,�Frederico.�Panorama�das�artes�plásticas�nos�séculos�XX�e�XXI.�São�Paulo:�Instituto�Cultural�Itaú,�1989.�POINSOT,�Jean�Marc.�Mail�art�comunication�a�distance�concept.�Préface�de�Jean�Clair.�Paris:�CEDIC,�1971.�SCHWARZ,�Arturo.�The�complete�works�of�Marcel�Duchamp.�Londres:�Thames�and�Hudson,�1969.�ZANINI,�Walter.�A�arte�postal�na�busca�de�uma�nova�comunicação�internacional.�In:�PECCININI,�Daisy�Valle�e�Machado�(coord.)�ARTE�novos�meios/multimeios�Brasil�70/80.�São�Paulo:�Fundação�Armando�Álvares�Penteado,�1985,�p.�81-82.�

artistas,�reunindo�produtores�de�diversos�países�num�único�“protexto”�coletivo:�Amazônia�reinventada�por�artistas�do�mundo�inteiro.�Já�no�ano�2000,�comemorando�os�quatrocentos�anos�da�capital�do�Rio�Grande�do�Norte,�Fábio�di�Ojuara,�Falves�Silva�e�Diógenes�da�Cunha�Lima�homenagearam�a�Cidade�do�Natal�com�uma�Mostra�Internacional�de�Arte�Correio.�Em�junho�do�mesmo�ano�ocorre�a�mostra�Arte�Conceitual�e�Conceitualismos,�um�resgate�da�produção�intermedia�no�anexo�do�MAC/USP�durante�os�anos�70,�sob�a�curadoria�de�Cristina�Freire.�

Em�nossos�dias,�a�prática�da�arte�correio�veio�proporcionar�um�intercâmbio�permanente�entre�os�“media�intermedia”,�tais�como�a�xerox,�o�disco,�o�CD,�o�filme,�o�vídeo�e�o�corpo,�ou�seja,�a�performance�‒�meios�que�estão�no�circuito�das�ideias�e�dos�projetos�cotidianos�do�artista�“multimedia”.�A�divulgação�de�um�evento�relacionado�a�qualquer�desses�meios�é�feita�por�meio�do�correio,�no�qual�as�novas�propostas�aboliram�os�tradicionais�suportes;�esse�veículo�deixou�de�ser�mero�condutor�de�uma�mensagem�para�integrar-se�ao�seu�significado,�assumindo�assim,�um�novo�caráter�semântico.�

Nesta�era�da�telearte,�da�estética�fractal�e�da�robótica,�a�arte�correio�continua�em�processo�intensivo�no�mundo�inteiro,�caminhando�paralelamente�ao�e-mail�@rt,�o�correio�eletrônico,�que�pode�ser�utilizado�de�forma�conceitual�e�à�utilização�de�equipamentos�multimeios�como�o�fax�e�o�vídeo,�o�rádio�e�o�cinema,�dentre�outras�múltiplas�possibilidades�post-modernas�deste�complexo�contexto�arte/vida.�

Jota�Medeiros�é�artista�multimídia,�curador�e�coordenador�da�Mostra�Internacional�de�Arte�Postal�da�UFRN�(Natal,�2005).�

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O�direito�nunca�vai�suplantar�a�criação,�pois�ele�é�produto�dela.�

Vale�lembrar�ainda�que�uma�Lei�para�ser�concretizar�deve�ser�fruto�legislativo,�ou�seja,�passar�por�uma�digestão�que�muitas�das�vezes�não�corresponde�ao�verdadeiro�anseio�do�segmento�jurisdicionado.�Por�esse�motivo�é�que�sem�sombra�de�dúvidas�defendo�que�é�muito�melhor�uma�nova�Lei�de�Direitos�Autorais�para�substituir�a�Lei�9.610/98,�que�a�meu�ver,�trata-se�apenas�de�uma�mera�contrafação�da�Lei�de�5988/73�com�alguns�poucos�arremedos�para�parecer�coisa�diversa.�

Se�assim�pensarmos,�ao�invés�de�10�anos�passados�de�Lei�estamos�carregando�na�verdade�35�anos,�o�que�reforça�categoricamente�poder�dizer�que�a�atual�Lei�é�obsoleta,�ainda�mais�quando�pensamos�em�novas�tecnologias�e�suportes�utilizados�em�prol�da�criação.

É�bem�verdade�que�a�Lei�em�vigência�contempla�de�certo�modo�conceitos�de�tratados�internacionais�dos�quais�nosso�país�é�signatário,�porém�poderia�ir�muito�além�e�ainda�trazer�inovações.

Como�membro�efetivo�do�Colegiado�Setorial�de�Artes�Visuais�(2005-2010)�[e�2013-2014],�e�representando�uma�base�com�anseios�próprios�e�diferenciados�nesse�projeto�mentalizado�pelo�Ministério�da�Cultura/Funarte,�tive�a�oportunidade�ímpar�de�ter�uma�cosmovisão�da�área�de�atuação,�pois�os�trabalhos�realizados�na�Câmara�e�seus�grupos�chamados�transversais�fixaram�um�verdadeiro�panorama�da�cultura�e�seus�segmentos�no�país,�tudo�com�soluções�e�diagnósticos�que,�no�caso�das�artes�visuais,�jamais�os�próprios�intelectuais�da�área�poderiam�chegar�em�curto�espaço�de�tempo.�

Essa�participação�é�que�me�incutiu�um�posicionamento�diferenciado�sobre�a�gestão�cultural�e�também�sobre�a�própria�Lei�Autoral�que�protege�o�artista�e�sua�criação.

No�caso�específico�de�artes�visuais,�dentre�as�inovações�referentes�aos�Direitos�Autorais,�concluiu�que�a�Lei�especificamente�poderia�albergar�as�seguintes�situações:�

a)�Um�tratamento�mais�específico�para�o�campo�das�artes�visuais.

b)�A�necessidade�de�uma�regulamentação�específica�da�obra�derivada,�principalmente�daquelas�advindas�da�releitura,�colagem�e�refundição;

c)�A�necessidade�da�fixação�da�prescrição�do�direito�de�ação�no�prazo�máximo,�em�face�dos�reflexos�danosos�que�uma�ação�ilícita�pode�provocar�em�uma�obra.

d)�A�utilização�de�critérios�jurídicos�mais�nítidos�para�a�caracterização�do�plágio,�como�aplicação�da�inversão�do�ônus�da�prova�para�beneficiar�a�parte�que�possui�o�registro�da�obra,�dando�assim�maior�relevo�à�existência�de�registro�prévio.�

e)�Diante�da�falta�de�previsão�legislativa�do�quantum�a�ser�arbitrado�a�titulo�de�danos�materiais�nos�mesmos�moldes�do�parágrafo�único�do�artigo�103�da�lei�9.610/98,�sugerindo�para�imagens�um�valor�razoável�entre�40�e�100�salários�mínimos,�dependendo�da�utilização�ilícita,�sem�prejuízo�aos�danos�morais�do�autor.�

f)�A�previsão�automática�para�que�a�cessão�de�direitos�autorais�retorne�patrimonialmente�aos�familiares�do�autor�de�artes�visuais�falecido,�caso�não�haja�previsão�específica�contratual�em�contrário.

g)�No�caso�de�falecimento,�a�extensão�para�familiares�do�direito�irrenunciável�e�inalienável�do�autor,�de�perceber,�no�mínimo,�cinco�por�cento�sobre�o�aumento�do�preço�eventualmente�verificável�em�cada�revenda�de�obra�de�arte�ou�manuscrito,�sendo�originais,�que�houver�alienado,�inclusive�às�obras�de�domínio�público�e/ou�tombadas;

h)�A�criação�de�critérios�da�figura�do�“tombamento�de�obras�de�arte�visuais”,�de�forma�a�preservar�divisas�e�o�turismo�cultural,�dando�a�preferência�de�aquisição�à�União.

i)�A�necessidade�de�classificação�das�imagens�de�obras�que�não�estejam�mais�protegidas�pela�Lei�de�Direitos�

Deficiência�autoral�das�artes�visuais

Luiz�Vidal�

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Autorais,�para�livre�utilização�pela�população,�em�especial�na�educação�e�difusão�das�artes�visuais�e�sua�história.

j)�Regulamentação�das�licenças�Creative�commons�em�lei.

k)�A�criação�de�uma�instância�administrativa�especializada�para�atuar�na�resolução�de�conflitos�no�campo�dos�Direitos�Autorais,�como�referência�externa,�sem�defender�interesses�específicos.

l)�O�retorno�do�Conselho�Nacional�de�Direito�Autoral,�com�atribuição�de�fiscalização�do�Escritório�Central�de�Arrecadação�e�de�fixação�do�valor�de�taxas�referentes�a�arrecadação�e�distribuição�de�direitos.�

Voltando�à�Lei,�recordo�que�para�muitos�é�mais�cômodo�mantê-la�nos�padrões�atuais,�pois�uma�mudança�poderia�prejudicar�indelevelmente�a�situação�das�áreas�que�demandam�execução,�principalmente�quando�falamos�da�legião�dos�órgãos�que�atuam�na�gestão�coletiva,�os�quais�deveriam�sofrer�maior�regulamentação�específica.

Veja-se�que�a�liberdade�impingida�pela�lei�sem�nenhuma�interferência�estatal,�mesmo�que�mínima,�provoca�inúmeras�distorções�e�acaba�principalmente�dilacerando�a�função�social�dos�direitos�autorais.�

Cabe�ainda�lembrar�que�a�função�social�da�propriedade�começou�a�ser�tratada�em�nossa�legislação�nos�idos�da�nossa�Carta�Magna�de�1888,�e�que�nossa�lei�autoral�como�já�dito�vem�praticamente�de�1973.�

E�é�justamente�da�necessidade�de�supressão�de�lacunas,�das�quais�sempre�irão�existir,�que�se�faz�necessária�a�criação�de�um�Conselho�Nacional�com�respeitabilidade�e�credibilidade�para�suprir�inclusive�normas�em�branco,�as�quais�reputo:�corpos�sem�almas.�

Prova�de�que�isso�pode�funcionar�é�o�exemplo�do�reflexo�recente�que�o�próprio�Conselho�Nacional�de�Justiça�vem�causando.�

Espelhado�nisso,�e�pelo�fato�dos�artistas/criadores/�autores�necessitarem�de�tratamento�específico�sou�favorável�a�criação�de�um�Conselho�Nacional�de�Direitos�Autorais,�não�àquele�conselho�político�nos�moldes�que�já�existiu�outrora,�mas�sim�um�conselho�com�papel�muito�mais�definido,�independente�e�atuante,�inclusive�contendo�representantes�com�notável�saber�dos�diversos�segmentos�culturais,�segmentos�culturais�não�podem�ser�confundidos�em�hipótese�alguma�como�órgãos�particulares�de�gestão�coletiva,�digo�isso�porque�esses�é�que�devem�respeitar�e�serem�submissos�a�força�da�cultura,�do�criador�e�do�espectador�e�não�vice-versa.

Lembro�ainda,�que�além�da�revisão�da�Lei�de�Direitos�Autorais,�inclusive�para�que�sejam�efetivamente�albergados�os�direitos�que�atualmente�deixam�a�desejar�para�vários�segmentos�da�cultura�‒�a�exemplo�das�artes�visuais,�artes�cênicas,�circo,�teatro,�entre�outras�‒,�temos�ainda�a�nossa�porta�o�desafio�atual�do�crescente�bloco�do�MERCOSUL,�situação�que�não�deve�deixar�de�ser�relevada�e�da�qual�devemos�dar�exemplo�aos�países�irmãos.�

Outro�desafio�importante�é�o�de�redesenhar�o�papel�da�gestão�coletiva�de�direitos,�pois�dita�gestão�deve�ser�exercida�com�discernimento�social,�papel�relevante�que�só�encontrará�plenitude�por�meio�da�interferência�de�um�Conselho,�formado�não�só�pelo�Estado,�mas�pelos�próprios�segmentos�de�criação�cultural�até�para�que�não�haja�distorções�grosseiras�do�tipo�cobrar�pedágio�autoral�das�quermesses�das�igrejinhas,�festejos�das�associações�de�moradores,�ou�ainda�cercear�estudantes�a�terem�acesso�à�cultura�em�seus�livros�didáticos.

Mais�especificamente�quanto�às�artes�visuais,�minha�área�de�afinidade,�confesso�que�tenho�ressalvas�pelo�modelo�proposto�de�gestão�coletiva�e�seu�funcionamento,�situação�unânime�dentre�os�15�participantes�que�representam�15�estados�da�federação�no�Colegiado�Setorial�de�Artes�Visuais.�

Primeiro�porque�a�Lei�9.610/98�não�engloba�as�criações�de�imagens�em�seu�artigo�99�‒�imagino�que�talvez�pelo�fato�de�terem�um�tratamento�diferenciado�de�execução�28

‒,�segundo�porque�a�gestão�coletiva�não�se�resume�a�um�banco�de�dados�de�clientes�formados�para�interposição�de�ações,�principalmente�referente�a�artistas�consagrados�internacionalmente�por�meio�de�convênios,�situação�que�veladamente�não�passa�da�chamada�captação�de�clientela�tão�repudiada�pela�OAB.�

Terceiro�ainda�por�que�a�dita�Associação�que�se�intitula�Nacional�ante�aos�artistas�visuais�carece�de�regulamentação�efetiva�e�possui�salvo�engano�menos�artistas�brasileiros�inscritos�em�seu�banco�de�dados�‒�450�no�final�de�2009�(http://www.autvis.com.br/�noticias.�php?noticia=136)�‒�do�que�a�própria�Associação�Profissional�dos�Artistas�Plásticos�do�Paraná-APAP/PR,�da�qual�faço�parte�e�que�estatutariamente�além�de�poder�praticar�gestão�de�direitos�autorais�possui�um�cadastro�que�recentemente�ultrapassou�a�850�artistas�plásticos�somente�no�Estado�do�Paraná.

Lembro�ainda�que�o�fato�de�dita�Associação�Brasileira�dos�Direitos�de�Autores�Visuais�ter�supostas�parcerias�com�outras�33�associações�no�estrangeiro�para�defender�e�arrecadar�valores�aos�artistas�alienígenas�não�a�legitima�para�imperar�sozinha�sobre�o�assunto�em�nosso�território.�

Por�tais�razões�é�que�a�gestão�coletiva�das�artes�visuais�deve�ser�repensada�em�nosso�país,�desde�a�sua�regulamentação�efetiva�até�a�sua�estrutura�mínima,�lembrando�que�não�seria�conveniente�jogar�fora�o�esqueleto�conquistado�aos�longos�dos�anos�pelo�Escritório�Central�de�Arrecadação,�o�qual�muito�após�séria�reformulação�bem�poderia�dar�cabo�também�de�outras�áreas�da�produção�autoral�que�somente�a�música.�

Talvez�ainda�seja�de�se�ponderar�termos�um�único�órgão�para�todas�as�áreas�estruturado�para�dar�cabo�da�verdadeira�satisfação�de�sua�existência,�tudo�auditado�por�um�Conselho�Nacional�Permanente�de�Direitos�Autorais�como�uma�instância�técnica�com�estatuto�próprio�e�diretamente�desvinculado�de�comprometimento�governamental,�mas�com�participação�deste.�

Enfim,�se�a�própria�Lei�Autoral�é�inócua�em�vários�aspectos�no�campo�das�artes�visuais,�qualquer�discussão�sobre�um�órgão�de�gestão�coletiva�para�as�artes�visuais�dependerá�necessariamente�de�regulamentação,�pois�os�moldes�propostos�até�então�carecem�de�legalidade�e�não�cumprem�o�anseio�do�universo�a�qual�se�destina.

Luiz�Gustavo�Vardânega�Vidal�Pinto�é�artista�visual,�advogado,�sócio�do�escritório�Noronha�&�Vidal�Advogados�Associados,�Membro�do�Colegiado�Setorial�de�Artes�Visuais,�presidente�da�Comissão�de�Assuntos�Culturais�da�OAB�‒�Seção�Paraná,�diretor�jurídico�da�Associação�Profissional�dos�Artistas�Plásticos�do�Paraná�e�colaborador�do�Fórum�das�Entidades�Culturais�de�Curitiba.

29Marcos�Veloso,�Sertão�da�Paraíba,�1998

A�proliferação�de�bienais�de�arte�no�mundo,�nas�últimas�décadas,�chama�a�atenção�para�o�espetáculo�e�a�banalização�da�chamada�“arte�contemporânea”.�Conforme�o�tipo�de�público,�de�curador,�de�artista,�de�patrocinador�existe�um�modelo�de�bienal.�Cada�uma�com�suas�especificidades,�umas�privilegiam�a�universalidade,�outras�as�linguagens�regionais,�cada�uma�imprime�sua�marca.�Qualquer�coisa�pode�ser�transformada�em�material�artístico�e�qualquer�lugar�pode�ser�estetizado.�Tem�as�dos�grandes�centros�e�as�de�periferia.�Por�trás�está�um�sistema�econômico�que�envolve�negócios,�turismo,�entretenimento,�economia�criativa.�Essas�mostras�não�se�sustentam�de�demandas�culturais.�O�ingrediente�cultural�é�como�aquela�pitada�de�sal�lançada�sobre�a�porção�de�batata�frita.

Uma�bienal�de�arte�serve�para�apresentar�novos�produtos,�ou�“novos�autores”�de�um�déjà-vu�para�aquecer�a�sociedade�da�mercadoria.�Com�o�fim�da�modernidade�e�as�histórias�das�grandes�inovações�na�arte,�em�termos�de�novas�formas�e�técnicas�que�surpreendiam,�veio�uma�sensação�de�esgotamento�estético.�A�solução�do�mercado�foi�investir�no�inusitado�da�ideologia�da�juventude,�no�que�parece�ser�e�revelar�“novos�talentos”.�Não�temos�mais�as�surpresas�modernas,�a�exemplo�do�Cubismo,�então,�reinventam-se�outras�com�a�ajuda�do�departamento�de�marketing,�porque�o�consumo�se�abastece�através�do�fantasma�do�novo.�Mas�a�arte�precisa�mais�de�reflexão�do�que�de�talentos�surpreendentes.

As�bienais�estão�ligadas�ao�mercado�como�amantes�apaixonados,�dependentes�um�do�outro.�Se�elas�não�são�centros�diretos�de�consumo,�estão�indiretamente�a�serviço�do�consumo�de�mercadorias�culturais�e�de�lazer.�O�alto�custo�de�sua�realização�implica�na�participação�decisiva�de�investidores,�patrocinadores�com�expectativas�de�retorno.�O�montante�considerável�que�movimentado�anualmente�mostra�que�o�mercado�está�em�alta.�Entre�a�brincadeira�e�o�ininteligível�expostos,�a�mostra�é�uma�vitrine�onde�as�galerias�apresentam�jovens�artistas�e�suas�novidades�para�ser�valorizados�e�receber�o�selo�de�garantia�cultural.�Espera-se�do�artista�de�bienal�que�ele�tenha�prestígio,�reconhecimento�e�valor�de�mercado.

O�sistema�das�galerias�acaba�exercendo�forte�influência�na�escolha�dos�artistas,�muito�bem�justificado�e�disfarçado�no�discurso�do�curador.�Participar�de�uma�bienal�é�uma�experiência�no�currículo�de�uma�artista�que�contribui�para�a�sua�inserção�no�mercado�de�arte.�Até�trabalhos�gerados�pela�intuição,�na�total�ignorância�da�arte�produzida�no�passado,�são�valorizados�e�etiquetados.�A�história�da�cultura�não�interessa�para�o�mercado,�mas�a�culpa�não�é�do�mercado�nem�do�artista,�e�sim,�de�uma�sociedade�perversa�que�tem�como�referência�a�mercantilização�da�cultura.

Uma�quantidade�crescente�de�artistas,�curadores,�marchandes�reivindicam�e�apontam�como�alternativa�para�a�divulgação�e�desenvolvimento�da�arte,�a�criação�de�uma�bienal.�Em�centros�com�museus�precários,�com�dificuldades�de�manutenção,�ensino�de�arte�comprometido,�tem�um�crescimento�indiscutível�da�produção�de�“arte�contemporânea”.�Apelar�para�uma�bienal�é�uma�forma�de�escoar�e�dar�visibilidade�a�essa�produção.�A�cada�dois�anos�uma�safra�nova�de�artistas�desperta�a�atenção�da�mídia�e�do�comércio.�As�bienais�são�as�partidas�preliminares�das�feiras�de�arte,�elas�criam�público�e�incentivam�compradores.�

Almandrade�é�arquiteto�e�artista�visual.

na última páginaO�fenômeno�Bienal�de�Arte

Almandrade�

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expedienteSegunda�Pessoa���������������������������������������������������������������������������������������������Revista�de�Artes�Visuais���������������������������������������������������������������������������������������Ano�3,�Número�1�‒�Jun-Jul-Ago�de�2013

Editor-geral�|�Dyógenes�Chaves�Gomes�(ABCA/AICA)�Jornalista�responsável�|�William�Pereira�da�Costa�DRT-PB�792�Conselho�editorial�|�Dyógenes�Chaves�Gomes�|�Francisco�Pereira�da�Silva�Júnior�|�Gabriela�Maroja�Jales�de�Sales�|�Madalena�Zaccara�|�Maria�Cristina�de�Freitas�Gomes�|�Paulo�Rossi�|�Paulo�Sérgio�Duarte�|�Rodolfo�Augusto�de�Athayde�Neto�|�Valquíria�Farias�|�William�Pereira�da�CostaProjeto�gráfico�|�Dyógenes�Chaves�|�2ou4Fotografia�|�Arquivo�Projeto�HO�|�Marcos�Veloso�|�Raul�CórdulaColaboradores�|�Aline�Basso�|�Almandrade�|�Jota�Medeiros�|�Luiz�Vidal�|�Madalena�Zaccara�|�Raul�Córdula�|�Stênio�Soares�|�Walter�GalvãoImpressão�|�Gráfica�JB�Ltda.

Contatos�para�envio�de�artigos�e�colaborações:e-mail:�[email protected]�Editora/�Revista�Segunda�Pessoa����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������Rua�Protásio�Pontes�Visgueiro,�111,�Jardim�13�de�Maio������������������������������������������������������������João�Pessoa-PB�‒�58025-680�����������������������������������������������������������������������Telefones:�(83)�3042.7979�/�8808.7877www.segundapessoa.com.br

Os�artigos�publicados�são�de�total�responsabilidade�de�seus�autores.�Os�interessados�em�publicar�na�Segunda�Pessoa�devem�observar�as�normas�de�publicação�no�site�da�revista.

Esta�edição�de�Segunda�Pessoa�(ISSN�2237.8081)�foi�impressa�em�agosto�de�2013,�na�Gráfica�JB�Ltda.,�utilizando�os�tipos�da�família�Kozuka�Gothic�e�Caslon,�em�papel�pólen�(90g/cm²),�com�uma�tiragem�de�10.000�exemplares,�sob�a�responsabilidade�da�2ou4�Editora.�Edição�em�homenagem�ao�fotógrafo�Marcos�Veloso�(1950-2000).

expediente

Capa:�foto�de�Marcos�Veloso,�Feira�de�Campina�Grande,�Paraíba,�1997

9 772237 808001 01

ISSN 2237-8081

Este projeto foi contemplado com o Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010