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Revista VARAU #1 - Outubro de 2014

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Edição inaugural da revista eletrônica do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília.

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Revista CAU/UCB | 2014 | Editorial

EDITOR CHEFE

CONSELHO EDITORIAL

PROJETO GRÁFICO

COLABORADORES

Marcio Oliveira

Aline Zim | Carolina da R. L. Borges

Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

Foto capa: Cleber Figueiredo

Perfil: Carla Freitas

Artigos: Aline Zim | Carolina da R. L. Borges

| Marcio Oliveira | Maurício P. da C. Souza |

Yara Regina Oliveira

Explicando:Carolina da R. L. Borges

Relatos: Valeria A. Bertolini | Aline Zim |

Clay Rodrigues

Acontece no CAU: Carolina da R. L. Borges |

Daniel C. Brito | Fernanda Moreira

Arq Cartoon: Daniel C. Brito

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Revista CAU/UCB | 2014 | Sumário

PERFIL

MS AYRTON | ARQUITETO E URBANISTA

ARTIGOS

1- EDIFÍCIO SEDE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL | BRASÍLIA 2- BRASÍLIA E OS PEDESTRES | UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO 3- ESPAÇOS E PERCURSOS NA CATEDRAL DE BRASÍLIA

EXPLICANDO O DESENHO E O PROCESSO CRIATIVO DE LEONARDO DA VINCI

RELATOS 1- PROFISSÃO ARQUITETO | RELATO DE UMA VIVÊNCIA 2- VIAGEM DE ESTUDO À OURO PRETO | MG 3- PARC DE LA VILLETTE | PARÍS

ACONTECE NO CAU 1- PALESTRA NO CECB 2- PALESTRA SUSTENTABILIDADE 3- DO DIGITAL AO FÍSICO 4- POESIA DESENHADA

ARQ CARTOON VIDA DE ARQUITETO

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Prof.ª Carla Freitas - Como foi a esco-lha da arquitetura na sua vida?

MS Ayrton - Bem, isso remota lá aos seis anos, em torno de cinco ou seis anos de idade. Morava numa casa e ao lado esquerdo (tinha um terreno vazio). Meu pai contratou um senhor chamado André Fernandes para construir a nossa casa ali. E eu com esta idade tinha este cenário da construção, um cenário todo movimenta-do, operários carregando sacos de cimen-to, e abrindo valas, e subindo em andai-mes, etc. Achei aquilo muito interessante e acompanhava diariamente esse anda-mento da construção, e sabia até o nome das pessoas que trabalhavam ali. Eles, no trabalho, iam conversando e eu aprendi o nome de cada um ali, olhando de cá, do lado de cá do muro! E num dado momen-to, vinha um cidadão, um senhor, o André Fernandes, entrava no canteiro de obras e ficava ali uma meia hora, gesticulava e os operários chegavam próximo dele e ele faziam gestos e tal, e dai meia hora ia em-bora. Abria a porta do canteiro e ia para a cidade.

E num belo dia, presenciei meu pai falan-do com um parente de que quem estava

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construindo a casa dele era o senhor. An-dré Fernandes. E eu pensei: não, não é o André Fernandes, porque ele entra lá, fica um tempo e sai, não carrega um saco de cimento ali, não abre uma vala nem nada, quem constrói lá é fulano, fulano e fula-no. Então meu pai me chamou e disse: olha a gente diz que o senhor André Fer-nandes é quem está fazendo a casa por-que o projeto é dele, ele que desenhou a casa, ele que criou a casa, ele que sabe dirigir o que vai ser a futura casa. Os ope-rários executam, mas o mentor de tudo isso, é ele, o Sr. André. Então, eu ainda criança conclui que para fazer aquilo que eu estava gostando de ver, aquele movi-mento todo da construção, e ver evoluin-do e tudo... Eu conclui que trabalhar com a cabeça, pensar, era melhor do que estar carregando saco de cimento e tal.

Bom, a partir daí eu comecei a fazer mo-delos de residência, de prediozinhos, na-quela época os prédios eram poucos na minha cidade, eu sou de Uberaba, Minas. E isso era 1940, 41 e existiam poucos pré-dios, mas faziam se casas... Foi essa a ra-zão da minha vocação para a arquitetura.

Prof.ª Carla Freitas - Como foi o pro-cesso para ingressar na faculdade?

MS Ayrton - Eu tentei primeiro (vestibu-lar) em Belo Horizonte, sai de Uberaba,

pois não havia Faculdade de Arquitetura lá naquela época. Então, em 55 eu me transferi para Belo Horizonte para cursar o terceiro ano do segundo grau e dar se-quência ali na arquitetura. E lá chegando eu fui completar o terceiro ano no Colé-gio Anchieta e trabalhava como “Office boy” no Consulado de Portugal, era um menino que ia ao correio buscar corres-pondência para o Consulado e ficava ali... Belo Horizonte não oferecia espaço para o interessado em arquitetura estagiar ou trabalhar na área. Então fiquei ali fiz o ter-ceiro ano e ano seguinte prestei o vesti-bular de arquitetura na UFMG. E não fui aprovado. Não fui aprovado e fiquei mais um ano e tentei novamente, isso foi janei-ro de 56. Em 57 prestei novamente o ves-tibular, não fui aprovado... Na época eram trinta vagas, os candidatos eram em gran-de número e era só uma vez por ano o vestibular. Então eu pensei, não vou ficar aqui em Belo Horizonte. Eu vou procurar um centro maior, porque aqui eu fico só trabalhando no Consulado de Portugal e não vejo nada de arquitetura e não entro em contato com a vida nas construções. Então, fui para São Paulo, e comecei a tra-balhar em empresa porque lá havia mais oportunidade de escolha dos trabalhos. Fui trabalhar em construtoras, na parte de estruturas metálicas e aí também me envolvi e perdi mais dois vestibulares em São Paulo.

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Mas em São Paulo já comecei a procurar a parte de desenho, de desenho técnico. Comecei a trabalhar e me envolvi mais com essa parte e o estudo ficou meio em segundo plano, mas sempre com a vontade de fazer arquitetura... E em 60 eu entrei no Mackenzie e aí como eu ti-nha perdido esses anos nessa tentativa de mudar de Belo Horizonte para São Paulo para procurar trabalhar e me informar so-bre arquitetura, quando eu entrei, entrei com vontade de levar a sério o curso. En-trei com um pouco mais de idade, porque perdi 3 ou 4 vestibulares. Então eu levei a sério o curso, assistia a todas as aulas... E dai um conselho... Eu hoje olho para trás não noto que tenha perdido nada com es-tes quatro anos, de 56 a 60. Fiz o curso todo, terminei em dezembro de 64, e em janeiro 65 eu já estava em Brasília a pro-cura de trabalho. E enquanto eu estudava no Mackenzie tive a oportunidade de fa-zer estágios em escritórios de ex-macken-zistas e que disponibilizavam o escritório para trabalhos, tinha uma pequena remu-neração. E exigia-se muito e isso eu acha-va bom porque tinha a oportunidade de aprender cada vez mais. Depois quando eu vim para Brasília a procura de trabalho estes estágios me valerem muito, porque quando eu fiz a entrevista com o Milton Ramos, ele indagou: você já estagiou em São Paulo em algum escritório? E eu digo,

estagiei. Ele então respondeu: você fica aí durante um período pra gente ver o seu trabalho. Eu fiquei ali uns quinze dias e depois, já em Brasília, na obra do Palácio do Itamaraty. Um grande canteiro! O de-senvolvimento do projeto do Palácio do Itamaraty é do Milton Ramos (do escritó-rio dele). O Niemeyer fez o anteprojeto, os estudos e tal, mas quem realmente de-talhou o projeto do Itamaraty foi Milton Ramos.

Prof.ª Carla Freitas - O escritório do Milton Ramos funcionava na Vila Pla-nalto, na vila dos engenheiros?

MS Ayrton - Não, não o Milton Ramos residia na Vila Planalto, mas o escritório era dentro do canteiro de obras do Itama-raty, e tudo era tratado ali. Deslocava-se do escritório até a obra que era próxima e íamos vendo desde o início, fundações, a execução... Ali (no Palácio do Itamaraty) tem estruturas de concreto convencional ousadas, são vãos de 36 metros que hoje só se faz isso com (concreto) protendido. Lá foi feito com concreto convencional. Então foi uma experiência boa, mesmo a convivência com o, Milton que hoje já é falecido...com a convivência com ele eu aprendi muito. Ele era um arquiteto de dentro do canteiro, ele dava o detalhe e ia lá executava, mandava executar, via, conferia, corrigia e tal. Era bem preocupa-

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do com esses detalhes da execução. Ou-tro (arquiteto) modelo para mim também foi o Lelé, eu entendia que o Lelé seguia um caminho assim como o do Milton, do arquiteto se colocar além do projeto, ele se colocar junto à obra, isso é importan-te! Acho que o arquiteto vale por 1,8, ele é quase dois profissionais quando ele lida com essas duas áreas; de projeto e obra. Porque senão ficar só em projeto fica meio... é ... susceptível de se perder o controle do que foi projetado.

Prof.ª Carla Freitas - Como foi a sua permanência em Brasília?

MS Ayrton - A experiência de 4 anos e meio lá no Itamaraty, a obra terminou e eu achei melhor procurar o meu espaço. Então fui procurar uma empresa que esta-va iniciando o processo de pré-moldados aqui em Brasília que era a Construtora Ra-belo. Tinham feito um primeiro protótipo que era o chamando R2, os blocos R2 em pré-moldados. Fazia-se a primeira laje, o teto do térreo em concreto convencional e dai vinham as máquinas fazer a monta-gem dos painéis em três pavimentos, cai-xa d’água, caixa de escada, reservatório de água, e tal. E então eu me interessei por essa área e procurei um dos arquite-tos que trabalhavam lá, que era o Rubens Boriolano. Ele era mais da parte adminis-trativa, e eu falei olha quando você tiver

uma oportunidade ai nesta área eu tinha vontade de entrar para conhecer. E por sinal era um projeto do Milton, mas não teve influência da presença do Milton aí. E eu fui a procura desse Rubens, e ele falou olha para o futuro nós vamos necessitar. E um dado 1º de abril ele me liga às 7 da manhã e diz: olha você tem a oportuni-dade aqui, a Rabelo está necessitando de arquitetos para tocar essa obra do Milton, e você trabalhou com o Milton, quer fa-zer? Quer pegar esse trabalho e vir traba-lhar conosco? Eu respondi: isso pra mim é 1º de abril, você está me ligando às 7 da manhã... E ele disse: não, é verdade... E ai eu fui e fiquei lá mais uns quatro anos e meio, cinco anos e fiz 49 blocos de apar-tamentos pré-moldados. Eu dirigia o can-teiro, era pré-moldado então não tinha outra influência, Milton tinha passado já os projetos para aplicação e eu atuava no canteiro, já chegando os painéis, montava e dava o acabamento.

Prof.ª Carla Freitas - Então ali tinha uma sequência, uma série de ativida-des e certa padronização?

MS Ayrton - Ah, sim. Tinha uma padro-nização. Tínhamos um prédio iniciando e tínhamos outro a meio caminho e outro já em acabamento e tal. Tocávamos cinco, seis prédios ao mesmo tempo em diferen-tes fases, e várias equipes.

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Prof.ª Carla Freitas - Como se deu o processo de fundação do seu próprio escritório?

MS Ayrton - Na fase de término dos 49 blocos da Rabelo, eu fui convidado pele direção da Rabelo para ir para a Argé-lia, onde havia lá em Argel a construção de uns blocos pré-moldados, projeto do Niemeyer e ofereciam certas vantagens... Mas nesta altura eu tinha quatro filhos. E isso (ir para Argélia) não posso! Ah, mas você vai para a Argélia leva a família, nós pagamos tudo. Eu disse, não! Eu não que-ro. E isso foi uma decisão acertada que eu acho que eu fiz. Porque se eu tivesse ido, eu teria ficado preso ainda a Construtora e a esse esquema de trabalho. Eu pensei, eu vou “causar” minha independência agora, eles querem me levar pra Argélia e eu não quero ir, porque eu não vou le-var minha família para um país diferente. Então eu vou ficar aqui em Brasília mes-mo. E fiquei! Montei um escritório e me lembro de que relacionei vinte pessoas, vinte homens de ouro que poderiam me dar alguma encomenda de projeto, né. Uns contatos que eu tinha, e tal. E dai, a Rabelo voltou a me procurar para fechar um conjunto de cinco blocos na 403. Fiz um contrato à parte com eles e fui tocar meu escritório de projetos. Nessa época, para manter a família ainda dava aulas a

noite de geometria descritiva na Funda-ção Educacional, no Colégio Setor Leste, para poder ter uma receita certa. Porque essa questão de projeto é muito sazonal, dai me mantive lá um certo período e ou-tro trabalhando no escritório.

Prof.ª Carla Freitas - Como foi criado o nome MS Desenho?

MS Ayrton - O MS Ayrton arquiteto é independente da MS desenhos. O MS do Ayrton não é o mesmo d MS desenhos. Eu, ali no trabalho, percebi que as pessoas para fazer trabalhos de projeto de arqui-tetura, trabalharem em escritório, ou elas tinham que se dedicar a trabalhar ao lado de alguém que se dispusesse a ensinar, ou elas tinham que fazer uma faculdade de arquitetura. Não havia outra opção! Ou aprender ao lado de alguém que queira e saiba ensinar ou fazer uma faculdade de arquitetura. Então eu digo não isso não está bem! Melhor eu organizar um curso de desenho técnico arquitetônico, e por módulos. Daí eu criei essa questão dos módulos para que fossem autossuficien-tes, quer dizer a pessoa chega e pega o módulo e vai executar aquele trabalho e um instrutor vai orientar. Mas o estudan-te toma a iniciativa de ir fazendo os dife-rentes exercícios. E eu passei a fazer isso dentro do próprio escritório, quer dizer as minhas pranchetas. Eu utilizava num

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determinado horário para aquelas pesso-as que tivessem interesse de desenvolver o desenho arquitetônico por módulos. Pois bem, aí foi, e comecei a fazer isto. De-pois veio a UnB. Eu tenho quatro filhos e o primeiro decidiu fazer arquitetura e fez o concurso e entrou, prestou o vestibular. A minha outra filha, a Beatriz, que hoje é professora aqui na Católica, foi se ins-crever e veio com a notícia de que a UnB estava exigindo uma prova de habilidade em desenho antes de entrar no vestibular. Ah, eu digo, traga essa exigência, o pro-grama que a UnB pede e eu vou organizar uns exercícios pra você aqui no escritório. Você faz e eu vou corrigir. E depois você vai prestar a prova. E ela fez isso, termi-nou o terceiro ano no Marista, prestou a prova e passou. E veio dela a ideia de organizar aqueles exercícios para que eu passasse a informação para os amigos dela que tinham perdido a prova ou que não tinham sido aprovados. Então surgiu aí o MS Desenhos, bom então vamos or-ganizar este curso, já tínhamos o curso de desenho arquitetônico por módulos, mas esse da UnB. E eu peguei M de Melo (mãe da Beatriz, minha primeira esposa já fale-cida a 15 anos), pois bem, peguei o M de Melo que é dela e S de Santos que é meu sobrenome também e coloquei MS Dese-nhos e estamos aí a 26 anos com estes cursos. E ampliamos mais, além da habi-

lidade específica para o vestibular, hoje a gente tem autocad, revit, desenho a mão livre, desenho técnico, pintura digital. E dos 8 aos 80 anos a gente tem cursos lá.

Prof.ª Carla Freitas - Então como foi a criação do nome MS Ayrton?

MS Ayrton - Assim que eu fui terminan-do o curso de arquitetura, eu digo, olha tenho que arrumar um nome que fique fá-cil de ser gravado e .... Fazer os impressos, as notas fiscais...enfim. E vi que o nome Ayrton, mais Magalhães da minha mãe e Santos do meu pai era um nome longo, comprido para funcionar como arquite-to. Então peguei o M de Magalhães e o S de Santos pus na frente e Ayrton que é o arquiteto e em seguida a palavra arqui-teto. E desse jeito eu requeri no CREA, na época e agora no CAU/ BR esse timbre de MS Ayrton arquiteto e assino assim. Meus projetos todos estão colocados assim des-de o início. Porque se a gente já começa com o nome de batismo aí é difícil depois mudar, aí eu digo, não, eu vou começar já de uma forma mais sintética... E aí, Carla, que eu vejo que aqueles quatro anos que eu perdi antes de entrar para a arquitetu-ra, para a faculdade me deram uma visão maior dentro do campo da arquitetura, como lidar com o cliente, lidar com os au-xiliares, como lidar com a própria criação, quer dizer, eu como pessoa física tenho

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que criar um projeto agora para atender a este programa e que prazo eu tenho que entregar, não posso deixar passar o prazo! Eu tenho que ter uma metodolo-gia de trabalho para produzir o projeto. Então isto tudo eu tenho ao longo da vida já esquematizado para poder marcar uma data e apresentar corretamente, naquele horário e naquele tempo certo.

Prof.ª Carla Freitas - Qual o seu conse-lho para os alunos de arquitetura?

MS Ayrton - Em primeiro lugar, o aluno enquanto estudante de arquitetura tem que procurar estágios em escritórios. Por-que o curso de arquitetura dá um leque grande de opções e na prática ele vê que o profissional tem que ser ou urbanista, ou arquiteto de edificações - que é o meu caso -, ou arquitetura de interiores, ou paisagismo. Isso dependendo da aptidão de cada um e também daquilo que ele vi-veu ou vivenciou nos estágios. Então, um estudante pode fazer um ano de estágio num local, outro ano em outro escritório com outro perfil e assim por diante. E no final do curso ele pode ver qual aquela área que ele mais se identificou, porque é impossível trabalhar em todos os leques, não é possível! Eu não posso ser arquiteto de interiores e ao mesmo tempo do edi-fício e ao mesmo tempo paisagismo e ur-banismo... As ferramentas são diferentes.

O cliente é diferente, o perfil do cliente é diferente. O cliente para Urbanismo é diferente; é o governo, é o escritório de governo, serviço público, etc. O edifício você trata com empresas, com entida-des, com organizações para construir, por exemplo, um hospital, um prédio comer-cial, uma fábrica. Arquitetura de interiores você tem que tratar com a madame, com a senhora, dona de casa, esposa do clien-te e que quer os detalhes. Paisagismo, eu acho que tem que ter um vínculo com a parte de botânica, conhecer e gostar dis-so e interpretar. Então são áreas distintas, e aconselhando o jovem de hoje seria isso... Ele fazer estágios e fazer uma auto analise daquilo onde ele pretende traba-lhar. A profissão é rentável, ela da uma satisfação imensa de se trabalhar nela. A gente trabalha em arquitetura quase que brincando, né. Sempre um estado otimis-ta, a gente vê a coisa realizada, a gente guarda desde a primeira entrevista com o cliente até a inauguração, o cortar da fita, a gente lembra disso todo dia! É quase aquilo que se diz, toda pessoa tem que escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore, eu acho que substituo um desses por projetar um edifício, fazer um bom projeto de arquitetura e ver realizado compensa qualquer um desses três aí.

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Prof.ª Carla Freitas - Como você en-xerga o ensino do desenho no Brasil hoje?

MS Ayrton - Na realidade o desenho.... O arquiteto não se faz pelo desenho. Ar-quitetura é obra realizada. É algo em 3 dimensões fisicamente implantada. O de-senho pode ser o desenho de um prédio, um desenho de um jardim, o desenho de um interior, mas ele só se torna obra de arquitetura quando é executado, não é! E o arquiteto é preparado na cabeça, ele se torna arquiteto na cabeça, não é através da mão ou do desenho que ele vai reali-zar. O desenho é uma mensagem que a gente passa gravada no papel para que outras pessoas possam executar aquilo que eu planejei, que eu criei, idealizei para atender um determinado programa, para um determinado cliente, e num determi-nado terreno e numa determinada épo-ca. E a época vai levar em consideração os processos construtivos, o local, a mão de obra disponível.... Então o arquiteto tem que fazer este jogo, criar na cabeça e passar através desta mensagem que se chama desenho. Desenho contém uma mensagem, desenha-se a mão, desenha- se no computador. Então a lembrança é essa, se o arquiteto se instrumentaliza neste instrumental disponível no momen-to ele vai ter condição de passar o que

ele imagina para terceiros, para o clien-te, para a obra, para o orçamentista, para a compra de materiais. Mas o arquiteto tem que ser o coordenador, ele que cria, que faz nascer o projeto e tem que ser o coordenador de tudo, ele não pode criar um projeto, entregar e sair correndo pela porta dos fundos. Não pode! Ele tem que criar e coordenar este trabalho, porque se ele não coordenar outras pessoas virão e vão coordenar e vão modificar o proje-to. Se ele é o pai da criança, ele tem que acompanhar tudo até o final. E aí é que às vezes o profissional perde a oportunidade de vender mais o seu trabalho, quer dizer, prestar mais esse serviço que o cliente está querendo. O arquiteto deve ter condição de dar apoio a esse cliente do começo ao fim, assim ele estará bem assessorado pelo arquiteto. Agora se o arquiteto não ofere-ce sustentabilidade para prestar ao cliente tudo que ele precisa durante o processo da obra... No meu caso é só o desenho, entregar pra você e deixa eu ir embora ... O resto você resolve aí...isso é errado, eu acho que está errado! Os jovens de ago-ra deveriam já ir pensando nisso, quer di-zer assumir a responsabilidade de tudo, de fazer, de assessorar, de coordenar, e depois entregar aquela obra pronta. E aí valoriza o nosso trabalho também. Eu te-nho lá na escola, e faço uma vez por mês, uma palestra para os jovens estudantes

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de arquitetura ou que estão querendo en-trar em arquitetura, porque tem sempre aquela dúvida, arquiteto ou engenheiro, como é que é isso? O arquiteto foi fazer arquitetura porque não era tão bom em matemática, e fica este tipo de deboche, né... E na realidade não é isso, nem tudo é feito só com matemática. Cada um tem a especialidade dele, o médico precisa sa-ber muito para tratar da saúde, o piloto de avião internacional precisa saber mui-to de navegação aérea e talvez pouco de matemática. O engenheiro tem que saber muito de matemática para calcular estru-tura do prédio projetado pelo arquiteto, mas o arquiteto tem que saber muito para compor, para criar em cima de um progra-ma, em cima de um terreno complicado diante de normas e condicionantes que dominam aquela área, no caso de normas e gabaritos. Tem que saber se relacionar com os órgãos públicos para que o pro-jeto seja aprovado, tem que saber se rela-cionar com o cliente, e existem diferentes tipos de clientes. Então o profissional tem que ser o mais completo para prestar este serviço tão bom que e a arquitetura.

“Na realidade o desenho.... O arquiteto não se faz pelo desenho. Arquitetura é obra

realizada. É algo em 3 dimen-sões fisicamente implantada.”

MS Ayrton

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Resumo

Durante uma visita de campo com alu-nos do curso de arquitetura e urbanismo, surgiu a motivação de fazer este exercí-cio de estilo por dois motivos principais: o primeiro por se tratar de uma das última obras de Oscar Niemeyer em vida, cujo a descrição de certos elementos caracterís-ticos do arquiteto podem ser observados, no âmago de sua realização, de maneira pedagógica. Em seguida pelo fato onde, história, arquitetura e engenharia intera-gem e são perceptíveis no processo de execução da estru-tura do conjunto do edifício do Tribunal Regional Federal da 1° Região, no Setor Administrativo Fe-deral de Brasília., Permitindo-se acompanhar o processo de opções estruturais, autoria do engenheiro Bruno Contarini e apresen-tados com pertinência pelo engenheiro Maurício Baccini, dos aspectos cons-tru-tivos em harmonia à composição arquite-tônica. O artigo aborda, em primeiro um paralelo da evolu-ção plástica de implan-tação dos diferentes volumes do STR com relação aos três outros Tribunais Federais geminados realizados em datas distintas. Fenômeno que é comparado com a me-táfora dos princípios de atrações exercida

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entre as massa planetária e suas expan-são. Em seguida, são apresentas duas outras abordagens históricas vinculadas à plástica, ao uso e a estrutura do edifício; a) Espaços genuínos de engenharia entre as cisternas romanas e estacionamentos em subsolo do STR. b) A forma plástica histórica da arquitetura de retas, curvas e balanços e as soluções estruturais que guardam a coerência entre arquitetura e a engenharia contemporânea.

Palavras chaves: história, poesia, território, arqui-tetura, engenharia.

O artigo visa uma leitura do conjunto ar-quitetônico como uma crônica histórica, desenvolvendo por exemplo, a analise na sinergia existente entre os volumes en-contramos os elementos do barroco, neo--clássico e do período eclético, – tensão e equilíbrio. Tal como descrito por Argan (1999; considerando a história como re-cusa da tradição para encontrar uma au-

tenticidade profunda nas suas relações de causa e efeito, foi durante o período do Barroco, o jogo de côncavo convexo que fez com que as estru-turas parecessem plásticas, elásticas, ”distorcidas” por pres-sões que nenhuma construção anterior po-deria ter suportado. A simplicidade da curva revelada por uma esfera aparece no período subsequente, do neoclassicismo, onde a estética busca a “limpeza” dos excessos do edifício realizada no período barroco. No livro do Barroco, do quadra-do à elipse, Sant’Anna (2005) por exem-plo explora, entre diversos aspectos do Barroco, o desenvolvimento e a importân-cia da matemática naquele período. Este período coincide também com a “busca do universo da precisão”, onde Carla Al-meida (2005) tenta aproximar a intuição e a razão, o mágico e o científico.

Concluído-se na relação do continente e conteúdo da expressão e impressão.

Fig 1 - Localização dos quatro Tribunais STJ/TST/TSE/TRE no Plano Piloto. Base google earth

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O novo complexo arquitetônico pareceu evidenciar, de certa forma, um desenvolvi-mento de algo que já estava presente nos seus edifícios vizinhos, permitindo uma exposição sob a perspectiva cronológi-ca da obra de Niemeyer.

Tratam-se dos seguintes tribunais em or-dem cronológica de implantação. 1995 - Superior Tribunal de Justiça; 2006 - Supe-rior Tribunal do Trabalho; 2011 - Tribunal Superior Eleitoral e, em construção, Tribu-nal Regional Federal.

A arquitetura será abordada aqui como um conjunto de sistemas, sejam eles cons-trutivos ou visuais, resultante da combina-ção de fatores que envolvem a condição física dos materiais nela empregados, bem como do comportamento cognitivo do olhar humano.

Quando pensamos na obra de Oscar Nie-meyer, logo pensamos nas suas referên-cias às linhas sinuosas, como dizia o pró-prio: inspiradas no corpo da mulher ou no universo curvo de Einstein. Mas há nessa arquitetura também outros aspectos. Tra-ta-se de contraposição de suas formas com outra realidade, matemática, ineren-te à própria estrutura e suas soluções. De beleza euclidiana - entre linhas e planos em três dimensões - e da física newtonia-na – regida pela gravidade e sobre a qual se formulam as equações do concreto ar-mado ou protendido.

Robert. M. Pirsig comenta algo sobre essa relação, que se pretende aqui enfocar, de forma bastante poética e ao mesmo tem-

po realista. Retrata o convívio da realidade dos edifícios, projetada pelo ho-mem, e a manifestação espontânea da natureza so-bre eles:

Nas rachaduras do concreto cres-cem plantas daninhas, capim e flores sil-vestres. Linhas perfeitas, diretas e eretas adquirem uma curva aleatória. As massas uniformes de cores e pintura fres-ca adquirem uma suavidade matizada e gasta. A natureza tem uma geometria não-euclidiana própria, que parece suavi-zar a objetividade deliberada destes edifícios com uma espécie de espontanei-dade fortuita que os arquitetos d e -viam estudar.

Percebe-se neste conjunto de quatro ter-renos a busca pela forma espontânea, quase orgânica, onde segmentos de reta e curvas se aproximam, ou mesmo se to-cam, criando num jogo de massa que pa-re-cem se relacionar gravitacionalmente. Esta relação pode ser observada em seu conjunto, quando vista em planta baixa e percebida parcialmente, quando visitada in loco.

A visão parcial, obtida in loco, se completa com percepção serial, de Gordon Cullen, que, ao invés de dar-nos diversas sub lo-calidades de um local ou conjunto hetero-gêneo, estabelece a sucessão de cená-rios que retratam um todo concebido.

No âmbito da sucessão cronológica dos projetos de cada um dos tribunais, o que se propõem é uma leitura de avanço de ideias, ou mesmo uma concepção a prio-

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ri, de avanço formal entre eles.

Repete-se nos quatro terrenos a geome-tria do edifício longo em curva e elemen-tos menores soltos, ou “querendo” se sol-tar, como no exemplo do STJ.

Neste, o primeiro a ser construído, obser-vando sua implantação em planta, embo-ra se articule com certa curvatura, é o úni-co que não utiliza a curva nem o ângulo reto.

O bloco das salas de sessões e o plenário se apresentam com pequenos organismos derivados do prin-cipal, e como tal se sol-tam, como num movimento de mitose entre célula-mãe e células-filhas.

As extremidades do bloco central se alon-gam e delas surgem os volumes destaca-dos. O menor já com-pletamente solto, unido apenas pela proximidade ao bloco central, o maior ainda preso por uma tê-nue massa construída, destinada à circu-lação entre eles.

No segundo, o complexo destinado ao TST, no terrenos sua frente, os objetos são de geometria menos irregular, pode--se dizer menos amorfa. O retângulo e o arco são claramente identificáveis. Um em contraposição ao outro e com dimensões semelhantes.

Do segmento de arco - o bloco dos ga-binetes - surge uma volume menor e in-termediário entre os dois blocos maiores. Este elemento aparece como que des-prendendo do bloco curvo e sendo atra-ído pelo retângulo, mas ainda mais preso

que no TST, como se ainda não fosse um objeto individual, ou uma célula nova.

A curvatura do arco é convexa em rela-ção ao retângulo, numa manifesta ten-são compositiva criada por aproximação dos objetos. Como se houvesse “mag-netismo” entre eles, que enfatiza a tal espontanei-dade fortuita, que suaviza a objetividade deliberada dos edifícios, mencionada por Pirsig.

Apesar das formas mais definidas deste complexo, em relação ao anterior, este elemento menor de forma bastante irre-gular, é um elo de ligação dos temas utili-zados nos os dois complexos.

No terceiro, destinado à sede do STE, ve-mos os mesmos temas aplicados separa-damente nos exemplos anteriores agluti-nados, resultando numa terceira solução de composição.

Nesta, observa-se a presença dos blocos que se soltam, como pequenos organis-mos independentes, células perfeitamen-te circulares que gravitam próximas ao bloco maior. Desta vez o lado côncavo como que se retrai, numa razão de causa e efeito entre ele e os blocos menores.

Um bloco administrativo repete o tema do edifício retangular que margeia a linha reta do limite do terreno.

A presença do novos volumes reduz a tensão da solução anterior, afastando e rotacionando o conjunto de blocos curvo e circulares do retangular. A comparação entre TST e STE denota uma flagrante re-

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-presentação de movimento como de or-ganismos vivos.

No quarto e último conjunto de edifício, ainda em construção, e foco da investiga-ção, estão presentes os temas anteriores, sendo ainda inseridos novos elementos dessa representação do processo orgâni-co.

No caso do TRF o aspecto espontâneo já se manifesta visivelmente nas formas e, principalmente, na implantação do edifí-cios propriamente ditos. Não apenas em contraposição com a natureza, mas bus--cando ser sua representação, ou mesmo continuidade.

O desafio estrutural do conjunto é pon-tuado entre as proteções em curva sus-tentadas por apenas oito pilares do bloco de gabinetes e a cobertura helicoidal do plenário, conjugadas com imensos vãos, que se aproximam dos limites formais e estruturantes do concreto.

Vãos que mais descrevem um sistema es-trutural de pontes, que se lançam em lar-gos vãos sobre a água, buscando o terre-no sólido, do que um edifício sobre terra firme.

O projeto do TRF apresenta os dois com-ponentes que aparecem separados no STE e TST: os blocos menores soltos na com-posição e a articulação tangente entre os edifícios curvo e retangular. A ideia ain-da é de movimento cronológico entre os quatro complexos arquitetônicos.

Uma longa passarela (segmento BB e seg-

Fig 2 - Planta de situação do TRF

Fig 3 - Vista Oeste dos bloco A (administrativo) e bloco B (bloco de gabinetes) -março 2014

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Fig 4 - Foto Fachada Sul Bloco B (gabinetes)

Fig 5 - Foto sub solo Fachada Sul Bloco B (gabinetes)

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Fig 6 - Foto sub solo Bloco B (gabinetes) 03/2014

Fig 7 - Foto sub solo Bloco B (gabinetes) 03/2014

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mento BC fig. 2), abaixo dos blocos de gabinetes interliga todo o conjunto, sua-vizando sua presença, liberando as mas-sas construídas em volumes praticamente independentes.

Em uma extremidade do arco do bloco de gabinetes, a forma circular dá lugar a curva de revolução espiral logarítmica - o plenário (volume C fig. 2). Nem tão es-tática quanto a de Arquimedes, nem tão dinâmica quanto a de Fibonacci. Na extre-midade oposta, outro arco menor repre-senta as salas de ses-sões.

As tensões visuais da composição estão aqui em frenética energia, sugerem mo-vimento. As tensões das cargas aplicadas sobre o concreto protendido também, e seus pontos culminantes são o topo da espiral que cobre o plenário e os oito pi-lares que sustentam os 175 metros de ex-tensão do bloco de gabinetes (B).

Toda a carga é dirigida ao terreno, resu-midamente, passando pelos seis trechos de laje unidos por en-caixe de juntas Ger-ber, distribuídas numa modulação de 10 metros de delgados pilares de 90 cm de diâmetro.

Neste misto de poesia e esforços, as ten-sões foram estudadas, implementado os vetores fisicamente retilíneos às curvas do poeta. Com o desenvolvimento da prote-ção abre-se um novo caminho para rom-per os arcos romanos e voltamos a Sto-nehenge – as pedras suspensas - com vãos maiores e mais complexos, demonstrando a simplicidade dos apoios, rompendo a

complexidade dos momentos .

Pode-se observar com ajuda do esque-ma da fig 7 que na medida que reduz o momento M de apoio entre viga/pilar, ou laje/pilar entre os planos verticais e hori-zontais, tende a reduzir a massa entorno dos arcos.

A força de protenção reduz o vetor força vertical. No TRF além das forças dos eixos x e y utilizadas em todos os exemplos do esquema da fig 8, foi acrescida a força do no sentido eixo z (o da cur-va)dando o efeito de curvatura do edifício.

E por fim apresenta-se a correlação do rit-mo das colunas no binômio claro escuro, assim que a mo-numentalidade, existen-tes entre as cisternas subterrâneas roma-nas e os espaços do primeiro sub solo do TRF, destinado a garagens; vão vencido e catedral composta por floresta de pilares.

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Fig. 8 Esquema de evolução histórica dos estilos arquitetônicos e da distribuição dos esforços. Iberê Pinheiro, março de 2014.

Fig 9 - Vista do primeiro subsolo TRF 2014 Fig 10 - Vistas das Cisternas romanas em Istambul

Fig 11 - Vista 3 primeiro subsolo TRF 2014 Fig 12 - Vista 4 primeiro subsolo TRF 2014

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARGAN, Giulio Carlo, Clássico e Anti-clássico ‘Renascimento de Brunelleschi a Bruegel Companhia das Letras São Paulo 1999

PANOFSKY, Erwin. Arquitetura Gótico e Escolástica. Sobre e analogia entre arte, filosofia e teolo-gia na Idade Média. Edi-ção e posfácio de Thomas Frangenberg. Martins Fontes. São Paulo 1991. Tex-to original GOTISCHE ARCHITEKTUR UND SCHOLASTIK. Trad. Wolf Hornke

PIRSIG, Robert M. Zen and the Art of Mo-torcycle Maintenance. 21 de Abril 2009.

ROBERTSON, D.S. Arquitetura Grega e Romana Martins Fontes São Paulo 1997 Tradução Júlio Fischer.

SANT’ANNA, Affonso Romano. Barroco, do quadrado a elipse. Belo Horizonte MG Global Editora 2003

Brasilia est peut-être la seule ville où une voie

express soit l`artère prin-cipale de la zone résiden-tielle: c’est l’expression

parfait de l’ère de l’auto.”

Bacon, 1967

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RESUMO

Erguida em tempo recorde de três anos, Brasília foi planejada em relação à neces-sidade de o Brasil conquistar fisicamente, culturalmente e economicamente seu pró-prio território. A capital brasileira é, sem dúvida, o exemplo mais claro dos ideais de ‘modernização’ implacavelmente per-seguido pelos países latino-americanos durante a primeira parte do século 20.

Esta cidade utópica, porém, foi construída para ser mais do que simplesmente o sím-bolo da chamada “era moderna”. Em vez disso, Brasília realizou um dos principais objetivos do planejamento moderno: a redefinição da função urbana de tráfego, mudando completamente a relação tra-dicional entre pedestres, veículos e a rua. Este ensaio pretende analisar e demostrar algumas das principais características do layout de Brasília e seus efeitos sobre o comportamento dos pedestres.

INTRODUÇÃO

Na paisagem urbana de Brasília, a cidade central, ou Plano Piloto, é composta por dois núcleos residenciais distintos, defi-

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nidos como asas sul e norte. Cada asa é dividida em nove faixas, de números 100 a 900. O número da faixa indica a sua po-sição ao leste ou ao oeste da estrada axial. As faixas de 100 a 400 contêm as super-quadras, que constituem o coração da área residencial, onde habitam cerca de setenta por cento da população do plano--piloto. Existem duas faixas de superqua-dras de cada lado da principal via arterial que cruza esta área, o Eixo Rodoviário, popularmente conhecido como “eixão”.

O modelo que Lucio Costa desenvolveu para as quadras claramente incorporou idéias modernistas fundamentais de auto-nomia e organização comunitária. Cada quadra foi projetada como uma unidade autônoma, livre de trânsito, cercada por um cinturão de árvores e contendo insta-lações desportivas e de lazer para o uso social dos moradores.

Ao comparar as quadras de Brasília com o tradicional arranjo de bairro das cida-des brasileiras, um componente impor-tante deste ideal residencial emerge, que é a relação entre moradores e a rua. A descoberta de que Brasília é uma cidade sem esquinas produz uma sensação de desorientação naqueles que a experimen-tam pela primeira vez. O fato de que a maioria das vias não possuem cruzamen-tos “tradicionais”, juntamente com o uso de um sistema único de endereçamento, contribuiu para a criação de um compor-tamento urbano totalmente novo, o que significou que tanto os pedestres e moto-ristas tiveram que aprender a negociar sua locomoção urbana de uma maneira com-pletamente diferente. Num sentido mais amplo, os novos padrões de circulação estabelecidos em Brasília mostraram que o cidadão motorizado teve, finalmente, a sua influência e seu poder reconhecido

Fig 1 - Croquis representando a ocupação de uma superquadra (Lucio Costa, Relatório do Plano-Piloto, 1990).

Fig 2 - Croquis representando a Unidade de Vizinhança (Lucio Costa, Relatório do Plano-Piloto, 1990).

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em um contexto urbano mais amplo.

Embora o desenho do Plano Piloto tenha incorporado o princípio da separação de tráfego motorizado e de pedestres, por meio do uso de princípios da engenharia rodoviaria aplicada à técnica de planeja-mento urbano, Lúcio Costa deixou claro que tal sistema não deveria ser levado a extremos, afirmando que:

“...não se deve esquecer que o automóvel, hoje, deixou de ser um inimigo mortal do homem, do-mesticou-se, já faz, por assim dizer-se, parte da família. Ele só se ‘deshumaniza’, readquirindo vis-a-vis do pedestre feição ameaçadora e hostil quando incorporado à massa nônima do tráfego. Há então que separá-los, mas sem perder de vista que em determinadas condições e para comodida-de recíproca, a coexistência se impõe.”

(Costa, 1957)

Na cidade tradicional brasileira - caso do Rio, São Paulo e Belo Horizonte - o pe-

destre normalmente caminha até o can-to da rua, aguarda o sinal e, com variá-vel grau de segurança, se aventura para o outro lado. Em Brasília, onde balões e tesourinhas substituiram a esquina e onde praticamente não existem cruzamentos para ordenar o direito de passagem entre pedestres e veículos, o rito de passagem de rua é claramente mais complexo e, de fato, mais perigoso. O resultado é um de-sequilíbrio de força que tenderia a reduzir ou mesmo eliminar a figura do pedestre.

Projetado para ser, essencialmente, uma via expressa, ligando as partes sul e nor-te da cidade, em um trajeto non-stop, o eixão é o reflexo mais claro do plano para uma cidade do automóvel. Também aqui se encontra uma das principais desvanta-gens do plano: apesar de Lucio Costa ter cuidadosamente projetado o interior das superquadras para obter o máximo de se-

Fig 3 - Croquis representando uma perspectiva do conjunto da super-quadras (Lucio Costa, Relatório do Plano-Piloto, 1990).

Fig 4 - Eixo rodoviário (Foto Augusto Areal, 1996)

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gurança para pedestres, é praticamente impossível para o pedestre atravessar a ci-dade no sentido leste-oeste sem arriscar a vida. Como veículos, os pedestres sempre exigirão medidas adequadas para garantir a sua mobilidade, segurança e prazer. Ao analisar a configuração da asa sul e com a disponibilidade de rotas, a segurança dos pedestres é claramente a preocupação mais importante.

Como principal solução para evitar que os pedestres cruzassem a perigosa via ex-pressa, o plano de Costa forneceu passa-gens subterrâneas “estrategicamente lo-calizadas” no canto de cada superquadra. Esta solução logo provou ser ineficaz em seus objetivos. Apesar de relativamente confortáveis, estas passagens não ofere-cem nenhuma outra característica atraen-te que possa chamar a atenção do pedes-tre habitual. A falta de segurança também é uma preocupação importante para a maioria dos usuários. Durante a noite, como no caso da maioria das passagens subterrâneas urbanas, estas se tornam locais escuros e perigosos, frequentemen-te usados como “banheiros alternativos” por mendigos e moradores de rua.

Reconhecendo o fracasso desta caracte-rística particular do plano original, a co-missão municipal de trânsito introduziu, anos atrás, um pacote de medidas de se-gurança que visava aumentar a capacida-de do motorista de prevenção de aciden-tes, adicionando sistemas de iluminação de rua mais potente e utilizando a cons-cientização com campanhas informativas.

Fig 5 - Passarela subterrânea. (https://biciclotheka.wordpress.com/tag/brasilia/).

Fig 6 - Passarela subterrânea durante a noite. (http://andabrasilia.blogs-pot.com/2013/03/passarela-subterranea-ou-beco-enterrado.html)

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Apesar de todas estas medidas revelarem--se úteis na redução do número de aci-dentes fatais, o problema ainda continua, especialmente nas superquadras localiza-das mais perto do centro da cidade, onde o tráfego é particularmente intenso. A maioria das pessoas, no entanto, prefere a arriscar suas vidas no confronto com o tráfego de veículos do que usar passagens ainda sujas e inseguras.

Um novo elemento introduzido na es-trutura urbana de Brasília, o sistema de transporte metrô, trouxe certa comodida-de, com estações estrategicamente loca-lizadas ao longo do eixo da asa sul. Sem dúvida, acrescentou-se outra dimensão para a situação. O metrô tem sido visto como uma solução potencial para o pro-blema do movimento de pedestres ao lon-go do eixo da asa sul, e, portanto, algo interessante para as mentes dos arquite-tos e urbanistas, que vêm propondo dife-rentes formas de interligar as passagens de pedestres existentes com as novas es-tações de metrô.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Projeto utópico de Lucio Costa para Brasí-lia foi um dos assuntos mais discutidos no mundo da arquitetura, desde a sua imple-mentação no início da década. Apesar do fato de que ele tem sido constantemente interpretado como uma solução beaux--arts por alguns críticos e observadores, o desenho de Brasília é de fato um con-ceito interessante para o desenvolvimen-to urbano linear. A idéia de Costa para o superbloco residencial livre de trânsito do

tipo parque, que fornece cerca de vinte e cinco metros quadrados de área verde por habitante, vem sendo cada vez mais reconhecido como um ambiente salubre e agradável, que propicia excelente qualida-de de vida a seus moradores.

No entanto, apesar de todas estas quali-dades, uma dos aspectos em que o plano apresentou falhas foi no tratamento dado ao eixo rodoviário e à sua relação com as áreas residenciais que a rodeiam. A solu-ção de passagens subterrâneas mostrou--se inadequada e insuficiente, por si só, afetando tanto os pedestres quanto os motoristas em sua liberdade de movimen-to.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Holston, James. The Modernist City: An Anthropological Critique of Brasilia. Chi-cago,1989.

Holanda, Frederico. Brasília: A inversão das prioridades urbanísticas. ANPUR - VI, Brasília, 1995.

“Nossa Senhora do Cerrado

Protetora dos pedestres

Que atravessam o eixão

Às seis horas da tarde

Fazei com que eu chegue são e salvo

Na casa da Noélia

Fazei com que eu chegue são e salvo

Na casa da Noélia”

Legão Urbana - Travessia do Eixão

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RESUMO

A análise discorre sobre as particulari-dades estéticas da Catedral de Brasília a partir do percurso, onde o sujeito/ obser-vador estabelece um diálogo com a obra na medida em que desenvolve sensações, visões e interpretações próprias. Entende-mos que, como qualquer manifestação artística, a arquitetura é composta por conceitos e significados que são inter-pretados pelo sujeito de uma forma livre, pessoal e única, passando a pertencer não só ao artista, mas ao mundo. Daí a razão para a sua transcendência no tempo e no espaço.

PALAVRAS-CHAVE modernismo, Catedral de Brasí-lia, estética, Oscar Niemeyer, semiótica.

INTRODUÇÃO

Conforme dito por Oscar Niemeyer, o projeto de uma catedral é um dos temas mais atraentes, pois seu estudo permite uma maior liberdade de concepção, dada a simplicidade do programa. Não se trata de resolver pequenos ambientes, mas sim de criar os grandes espaços livres que ca-racterizam uma catedral. Disse ainda que a estrutura é fundamental, principalmen-

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te quando ocorre a especulação e o em-prego da técnica mais avançada.1

No caso da Catedral de Brasília, tem-se uma relação extremamente íntima entre estrutura e arquitetura onde, uma vez pronta a estrutura, tem-se a arquitetura. É uma obra escultural no sentido de não haver uma “fachada – se considerarmos o volume em si, seja qual for o ponto de vista, a imagem é a mesma.

Em termos de percurso, a obra é o con-trário da noção de labirinto, onde é ne-cessário percorrer todo o espaço para apreender o conjunto – percepção das partes para o todo. Na Catedral, o sujei-to apreende mnemonicamente o volume externamente a partir de um único ponto de vista. Não obstante, o percurso é fun-damental para que haja relação entre o espaço externo e interno, sendo a chave para o entendimento da Catedral.

Trata-se de uma obra bastante diferente de uma igreja típica cristã ocidental, tan-to volumetricamente quanto nos espaços internos. A volumetria constitui não so-mente um traço único na obra de Oscar Niemeyer, como também na arquitetura mundial. Sobre o assunto, o próprio Nie-meyer afirmou algumas vezes:

Você pode ir a Brasília e gostar ou não dos palá-cios, mas você não pode dizer que viu coisa pareci-da. Pode ter visto melhor, parecida não. Ninguém viu um prédio como o Congresso Nacional, com cúpulas soltas em cima de uma placa. Nem a Ca-tedral. Pode ter outras melhores, mas igual não. O importante é a invenção. Brasília é isso. (...) Eu fiz,

1 Niemeyer, Oscar. A catedral de Brasília. Módulo, v.2, n.11, p.8-9, dez.1958.

por exemplo, o Museu de Niterói, Rio de Janeiro. Eu cheguei e tinha uma paisagem diante de mim. O mar, as montanhas, eu tinha de preservar. Assim é muito fácil. A arquitetura tem de ser diferente, mas também ter função.

Oscar Niemeyer em entrevista concedida à revista Istoé Dinheiro2

Brasília é única, a obra de Niemeyer é úni-ca, pois tem-se a concretização de con-ceitos vislumbrados por pensadores livres, aliada a um período sócio-político em que era possível se criar arquitetura visando o fazer artístico, principalmente pela noção de coletividade frente ao individualismo, buscando assim um bem comum e uma sociedade melhor. Niemeyer fez uma obra que tem muito de si, do pensar sobre a vida – se dizia ateu e criou uma Catedral que privilegia o homem, em um percurso que tem como simbologia a possibilidade de redenção e a generosidade do mundo com relação às pessoas.

No entanto, acreditamos que a obra de arte não é fechada em um único significa-do, como aquele entendido pelo artista. A interpretação do artista é tão impor-tante quanto a de todas as pessoas que apreendem e estabelecem um diálogo com a obra. Assim como as pessoas são diferentes, as interpretações e visões são diversas, mediadas pela vivência, persona-lidade e até momentos da vida cada um. Dessa forma, uma obra de arte não per-tence ao artista que a concebeu, pertence ao mundo. É infinita, pois são infinitas as formas de diálogo com o sujeito.

2 http://www.terra.com.br/istoedinheiro-temp/especiais/niemeyer/nie-meyer.htm

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A leitura da Catedral acontece por meio de um percurso, aonde o tempo também se torna uma variável importante na me-dida em que o caminho é feito em uma sequencia de impressões. O sujeito é parte da obra, preenchendo os espaços e inte-ragindo de um modo direto e ativo. Nesse sentido, obra e sujeito se completam, pois este se vê através da primeira, ou seja, a obra é um veículo para que o sujeito se enxergue e se reconheça.

1 - SOBRE A CATEDRAL

Uma das mais importantes obras do ar-quiteto Oscar Niemeyer, a Catedral foi o primeiro monumento a ser criado em Bra-sília. Teve sua estrutura pronta em 1960 com uma área circular de setenta metros de diâmetro, da qual se elevam dezesseis colunas de concreto (pilares de secção pa-rabólica) num formato hiperboloide que pesam noventa toneladas. O engenheiro Joaquim Cardozo foi o responsável pelo cálculo estrutural que permitiu a constru-ção da catedral.3

3 http://catedral.org.br/historia

Fig 1 e Fig 2 – Catedral de Brasília no período de construção. http://www.archdaily.com.br/br/01-14553/classicos-da-arquitetura-catedral--de-brasilia-oscar-niemeyer

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Durante muitos anos, a Catedral perma-neceu com a sua estrutura em concreto aparente aberta porque não se encon-travam empresas que executassem os vidros naquelas dimensões. Somente em 1970 foi realizado o fechamento em vidro transparente. Em 31 de maio de 1970, a Catedral foi inaugurada de fato, com os vidros externos transparentes e a estru-tura em concreto aparente. Nos anos 80, as estruturas foram pintadas de branco e Marianne Perreti realizou um vitral no espaço entre as estruturas curvas.

Os vitrais de Perreti são compostos por dezesseis peças em fibra de vidro em tons de azul, verde, branco e marrom inseridas entre os pilares de concreto. Cada peça insere-se em triângulos com dez metros de base e trinta metros de altura. Talvez essa solução de cores tenha desagrada-do Niemeyer, que pretendia que os vidros fossem de coloração neutra, de modo a manter o interior em ambiente de suave recolhimento.4

O campanário, composto por quatro grandes sinos doados pela Espanha, não estava previsto no projeto. O batistério foi concluído em 1977 e conta internamente com painel de Atos Bulcão. O altar foi do-ado pelo papa Paulo VI e a imagem da pa-droeira Nossa Senhora Aparecida é uma

4 Revista Acrópole, ano 22, n. 256, Fev. 1960.

réplica da original que se encontra em Aparecida – São Paulo. A via sacra é obra de Di Cavalcanti. Na entrada da catedral, encontra-se um pilar com passagens da vida de Maria, mãe de Jesus, pintados por Athos Bulcão.

Na praça de acesso ao templo, encon-tram-se quatro esculturas em bronze com 3 metros de altura representando os evangelistas; as esculturas são de Alfredo Ceschiatti, com a colaboração de Dante Croce. No interior da nave, estão as escul-turas de três anjos, suspensos por cabos de aço. As dimensões e peso das escultu-ras são de 2,22 m de comprimento e 100 kg a menor; 3,40 m de comprimento e 200 kg a média; e 4,25 m de comprimen-to e trezentos kg a maior.5

Enquanto escultura e arquitetura, a Cate-dral de Brasília faz uma integração entre as artes (esculturas, pinturas, cerâmicas) com tamanha integridade que parece que fazem parte do projeto. É uma obra para-digmática, onde a concepção arquitetôni-ca é reduzida ao mínimo, à sua estrutura, ao mesmo tempo que a concepção estru-tural é levada ao máximo de suas possibi-lidades. Como disse o próprio arquiteto: “quando a estrutura está feita, o edifício está pronto”.

5 http://catedral.org.br/historia

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Fig 3 – Catedral nos anos 70 com estrutura em concreto aparente. http://www.archdaily.com.br/br/01-14553/classicos-da-arquitetura-catedral-de--brasilia-oscar-niemeyer. Fig 4 - Catedral atualmente. http://www.niemeyer.org.br/obra/pro078

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2 - OBJETIVOS/ METODOLOGIA DE ANÁLISE

Faremos uso de um método de pesquisa que visa traduzir uma interação entre su-jeito e objeto, estando organizado em três etapas, sabidamente, entretanto, indisso-ciáveis na prática. A intenção é descrever o modo como a obra se oferece à consci-ência daqueles que a percebem.

Durante a primeira etapa (análise da for-ma), a obra será objetivamente descrita considerando a realidade exterior ao su-jeito, na sua exterioridade objetiva. Feito isso, verificar-se-á que a interação entre o sujeito e a obra resulta na criação de im-pressões, que são individuais e resultantes da vivência e das capacitações sensíveis e intelectivas de cada um. Tem-se, então, a análise subjetiva da obra, onde o sujeito passa a fazer parte do objeto na medida em que é levado a desenvolver interpreta-ções próprias.

Vencidas as etapas anteriores, a investiga-ção se volta para a obra enquanto suporte de significados que se instaura perante o indivíduo e a sociedade (enquanto lingua-gem). Ou seja, esta etapa se ocupa do processo de objetivação do sujeito que, ao identificar-se com a forma de um obje-to fora dele, vê-se intimamente conciliado com a realidade exterior, percebendo-se

como ser individual e social ao mesmo tempo. É quando o sujeito extrai valores universais das particularidades plásticas da obra que, devido ao ordenamento in-terno de suas partes, é percebida como um todo articulado, como expressão de uma totalidade.6

Aspectos de ordem histórica comparece-rão como meio de corroborar algumas hipóteses levantadas no decorrer do tra-balho, procurando-se, contudo, em evitar o risco de se confundir valores estéticos com valores históricos. Tais informações favorecem a apreciação estética não por completar a obra, que pressupomos com-pleta em si mesma, mas como um ele-mento enriquecedor para a análise.

6 Entende-se por totalidade o conjunto das prerrogativas e possibilida-des humanas exercidas de forma integrada; quando o lado sensível e o lado racional da consciência se desenvolvem não fragmentados – seja em condições de plenitude ou de adversidade. Com isso o indivíduo se reconhece como indivíduo particular e sensível motivado pela razão prática e a de ser genérico – social – que se afirma como tal pela universalidadede seu pensamento lógico e cognitivo; vale dizer sua dupla condição de ser individual e coletivo. (Gorovitz, 1993, p.26)

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3 - DESCRIÇÃO DA OBRA

3.1 – Obra Enquanto Objeto

3.1.1 – Volume

Para a Catedral de Brasília, procuramos encontrar uma solução compacta, que se apresentasse ex-ternamente - de qualquer ângulo - com a mesma pureza. Daí a forma circular adotada, que além de garantir essa característica, oferece à estrutura uma disposição geométrica, racional e construtiva. (...) A entrada em rampa leva, deliberadamente, os fiéis a percorrer um espaço de sombra antes de se atingir a nave, o que acentua pelo contraste os efeitos de luz procurados.

Oscar Niemeyer, 19587

A Catedral de Brasília tem quarenta me-tros de altura, capacidade para quatro mil pessoas e é composta por três volumes independentes – nave, campanário e ba-tistério. Nota-se a simetria dos volumes se analisados separadamente e, quando as-sociados, um equilíbrio dinâmico das for-mas numa organização assimétrica.

A forma dos paraboloides de sua estru-tura, com a linha tangenciando a curva, promove, segundo Niemeyer8 , uma com-posição e ritmo como de ascensão para o infinito. Ao definir o edifício por meio dos elementos estruturais, alcança a unidade

7 NIEMEYER, Oscar. A catedral de Brasília. Módulo, v.2, n.11, p.8-9, dez.1958.8 NIEMEYER, Oscar. A catedral de Brasília. Módulo, v.2, n.11, p.8-9, dez.1958.

Fig 5 – Catedral de Brasília. Relação entre eixos x e y

da forma. Sobre a estrutura da Catedral, Underwood discorre:

Dezesseis nervuras em forma de bumerangue, presas na sua base por um anel de concreto de se-tenta metros e, no topo, apenas por uma delgada laje de concreto, estendem-se para o céu “como um grito de fé e esperança”. O volume assim de-finido pelas nervuras e pelos painéis de vidro loca-lizados entre elas é uma hiperboloide de notável pureza e graça.

David Underwood, 2002, pag 101

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Fig 6 – Catedral, vista posterior (arquivo pessoal).

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O Batistério tem forma ovoide e paredes revestidas de painéis de lajotas nas cores verde, azul e branca, criados por Athos Bulcão. Conecta-se com a nave por um corredor interno e, com a Praça, por uma escada helicoidal. A pia batismal está co-locada bem no centro, em plano mais ele-vado.

Acredita-se que o arquiteto quis evitar as tradicionais Catedrais escuras que evocam a ideia de pecado. Ao contrário, fez uma igreja extremamente iluminada, como se estivesse aberta para a abóbada celeste. Está um nível abaixo do plano de acesso, ou seja, o edifício é sua cobertura:

“Queria igreja em um bloco uniforme, simples e puro. Um objeto de arte. Por isso, rebaixei a nave, criando a galeria subterrânea com a rampa de acesso, uma solução adotada também para as li-gações do batistério, da sacristia e do presbitério.”

Oscar Niemeyer, Texto e desenhos de Oscar Nie-meyer – Raízes do Memorial Niemeyer 90 anos

Por último, o campanário possui pilares com uma forma semelhante à estrutura da Catedral, base maior que se afunila, unindo reta e arco. Estes se unem ao to-car o retângulo, lembrando uma flor que brota no meio do descampado.

Fig 7 – Batistério da Catedral de Brasília ao fundo (arquivo pessoal). Fig 8 – Batistério da Catedral de Bsb. Vista interna. http://catedral.org.br/guia/o-batisterio

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3.1.2 – Espaços

“Se o arquiteto desejar dar ao volume interior que criou maior imponência, uma das soluções é o contraste espacial, isto é, projetar um acesso mais estreito, dando ao visitante – pelo contraste – a impressão da amplitude desejada. É a explosão da qual nos falava Le Corbusier, princípio que se repete por toda arquitetura. Quando desenhamos a Catedral de Brasília, desenhamos como acesso uma galeria estreita. O objetivo era dar aos que a visitam, ao entrarem na nave, uma impressão de grandeza multiplicada e, fazendo-a escura, acen-tuar a luminosidade e o colorido previsto.”

Oscar Niemeyer, 1999, pag. 23

Possui 3 espaços muito bem definidos e separados: interno, externo e transição (rampa). No exterior, o espaço amplo que circunda a catedral enfatiza o caráter au-tônomo de seus volumes e a monumen-talidade do volume principal. Tem-se um espaço ilimitado, homogêneo e universal, configurando um espaço-vazio. O céu de Brasília e o horizonte acentuam esse espa-ço infinito.

A catedral é o elemento principal da com-posição do conjunto, logo possui uma hie-rarquia. O acesso ao interior do volume se realiza por meio de uma rampa que desce três metros desde o nível térreo – praça. O visitante caminha por um túnel escuro até chegar, com as pupilas dilatadas pela escuridão, ao espaço principal, um local inundado por luz e cor.

Fig 9 – Catedral de Brasília. Campanário (arquivo pessoal).

Fig 10 – Croquis de Niemeyer para pilares da Catedral e dos palácios. http://catalogo.artium.org/book/export/html/7752#sthash.SvQOuZ0T.dpuf

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O Interior caracteriza-se por um espaço amplo, limitado se analisado em planta (circular) e ilimitado no sentido ascenden-te (eixo vertical – disposição e forma dos pilares) onde não há referências verticais para mensurar a altura. As esculturas ati-rantadas reforçam o eixo vertical.

A percepção varia em função da forma com que a edificação se relaciona com os

três espaços (externo, interno, transição). Externamente, a percepção da Catedral é melhor apreciada à distância, como nas pirâmides do Egito, onde o espaço infinito e amplo enfatizam o caráter monumen-tal: “E o mesmo se repete pelos tempos afora, a partir das pirâmides do Egito. Ar-quitetura – escultura, forma e dominado-ra sob os espaços infinitos. “ (Niemeyer, 1978, pp.18 – 19)

Fig 11 – Croquis de Niemeyer. NIEMEYER, 1999, pag. 23.

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Fig 12 – Catedral de Brasília. Planta Baixa. Revista Acrópole, Ano 22, N. 256, Fev. 1960

Fig 13 – Catedral de Brasília. Planta de Situação. Revista Acrópole, Ano 22, N. 256, Fev. 1960

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3.1.3 – Eixos

Em planta, predominam os eixos radiais. Em vista/ corte, eixos curvos e vertical. O acesso dá-se por um caminho direciona-do por quatro esculturas, representando os evangelistas, que levam a uma rampa descendente, estreita e escura.

Uma vez na rampa de acesso ao interior, a medida em que nos deslocamos, percebe-mos o espaço como confinado e escuro, ocasionando a introspecção. Aqui o ob-servador, diferentemente do exterior, tem um percurso onde as dimensões físicas são reduzidas. Ao entrar na nave, ocorre uma mudança de escala e de iluminação, como discorre Frederico de Holanda:

O acesso à nave impressiona pelo jogo de luz/ sombra/ luz do percurso que leva da claridade brilhante do espaço aberto do Planalto Central, passando pela rampa em declive da entrada, de-pois pelo túnel negro até o interior, novamente iluminado, através de coloridos vitrais. Impressio-na também pela ilusão óptica de escala: ao des-cermos a rampa e entrarmos no túnel, deixamos de ver a nave pelo exterior (...); da visão externa, a mente guarda certa impressão de tamanho; ao entrarmos na nave (...) ela parece bem maior do que antecipávamos.

Frederico de Holanda, 2010, pp. 87-91.

Fig 14 – Catedral de Brasília. Vista frontal (arquivo pessoal)

Fig 15 - Catedral de Brasília. Corte. Revista Acrópole, Ano 22, N. 256, Fev. 1960

Fig 16 – Catedral de Brasília. Vista aérea editada (google Earth).

Fig 17 – Rafael Sanzio. O Casamento da Virgem. http://www.pinterest.com.

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3.2- Obra Enquanto Imagem

A catedral possui uma forma em planta seguindo um sistema axial – planta cen-tral, onde os elementos se desenvolvem a partir de um centro, tal como uma man-dala. Tal configuração é muito comum no Renascimento Italiano e remete a um sim-bolismo antropocêntrico, onde o homem é a medida de todas as coisas.

A perspectiva com ponto de fuga cen-tral possui não só um valor na orientação espacial, mas também é dotada de uma simbologia onde todo o espaço é confi-gurado em função da visão de um úni-co observador estático. Este se encontra no centro geométrico da composição, o centro do universo, o mais importante ex-pectador daquele ponto de fuga central, enaltecendo assim sua individualidade e sua importância.

Assim como a Catedral de Brasília (o vo-lume e o próprio desenho dos vitrais – va-zios), a composição renascentista pode ser facilmente inscrita dentro de formas geométricas como triângulos ou círculos. Além disso, possui um centro (uma hierar-quia) no qual os outros elementos estão subordinados. O olhar do sujeito é con-dicionado a seguir a orientação a partir do centro e seguindo para as partes. No desenho urbano da cidade renascentista,

novamente inscrita dentro de um círculo, também possui um elemento central hie-rárquico (uma torre ou um monumento) e um traçado radial, com ruas convergin-do para um centro, direcionando assim o olhar e o caminho a ser seguido.

Fig 18 – Catedral de Brasília, vista frontal (arquivo pessoal).

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Fig 19 e Fig 20 – Sandro Botticelli, A Alegoria da Primavera (1482) e o Nascimento de Vênus (1486). Galeria delle Ufizi. http://www.uffizi.org. Fig 21 – A Cidade Ideal, artífice florentino (aproximadamente 1.500). Galeria Nazionalle, Urbino. http://www.urbinomultimedia.it

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Fig 22– Estudos de planos de cidade estrelar Renascentista. http://www.urbanamente.net

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3.3 – Linguagem

Niemeyer procurou uma forma límpida, um volu-me único seja qual fosse o ângulo de visão. Sua planta é circular, espaço rebaixado que reúne a nave e o altar. Ateu convicto, Niemeyer revolu-cionou o programa de igrejas: planta circular que rompe todas hierarquias das divisões e elementos da planta tradicional de igrejas(...). Tradicional-mente, o espaço de igrejas e catedrais é escuro, convite à introspecção, recolhimento e contrição que levaria à elevação do espírito. Na catedral as trevas são deixadas para trás no corredor de aces-so: o espaço de culto divino é pleno de luz, alegria.

Lauro Cavalcanti, pag. 437

O sujeito apreende o conjunto por meio de um percurso individual, do exterior para o interior. Exteriormente, tem-se um espaço amplo, onde a catedral se carac-teriza por sua autonomia. No espaço de transição, Niemeyer privilegia o indivíduo na sua consciência individual e particular (escala cotidiana).

Tal passeio arquitetônico do espaço exter-no para o interno revela um paralelo com o itinerário da alma humana a caminho da redenção. Em seu interior, o espaço ce-lebra a confraternização, onde a partir de um caminho individual se chega ao espa-ço amplo e democrático.

O espelho d’água que circunda o edifício enfatiza a distância, contribuindo para qualificar o caráter sublime e universal. O

Universo, o infinito, o sublime, como sal-vação do homem, como se um dia todos fossem fazer parte desse espaço infinito:

Os maiores objetos da natureza, penso eu, (...) de-pois da ampla abóboda do céu e das ilimitadas regiões povoadas de estrelas, não há nada que eu contemple com tanto prazer quanto o vasto mar e as montanhas. (...) Em circunstâncias assim, o pensamento se eleva naturalmente a Deus e à sua grandeza e tudo aquilo que tenha tão somente a sombra ou a aparência do infinito (...).

Thomas Burnet, 1681.9

O sublime, o assombramento, o emo-cional, o intuitivo, o imaginativo. Diante do sublime, o sujeito experimentaria um estado de elevação, um sentir-se peque-no diante do infinito do universo, e, ao mesmo tempo, um sentir-se grande por perceber tal dimensão.10

9 http://www.victorianweb.org/authors/ruskin/atheories/3.1.html10 Kothe, F. Ensaios de semiótica da Cultura, 2011, pg. 118-119.

Fig 23 – Catedral de Brasília, vista frontal (arquivo pessoal).

Fig 24 – Vista dos vitrais internos (arquivo pessoal).

Fig 25 - Caspar David Friedrich, Wanderer above the Sea of Fog, 1817, Kunsthalle Hamburg. http://www.hamburger-kunsthalle.de/index.php/19th_Century.html

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HOLANDA, F. Oscar Niemeyer: de Vidro e Concreto. Brasília: FRBH, 2010.

KOTHE, R. F. Ensaios de Semiótica da Cul-tura. Brasília: Editora Universidade de Bra-sília, 2011.

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Modernismo de Formas Livres no Brasil. Tradução de Betina Bischof. São Paulo: Cosac e Naify, 2002

Revista Módulo, v.2, n.11, dez.1958.

Revista Acrópole, ano 22, n. 256, Fev. 1960.

Sites Pesquisados:

http://www.victorianweb.org/authors/ruskin/atheories/3.1.html

“Você pode ir a Brasília e gostar ou não dos palácios, mas você não pode dizer que viu coisa parecida. Pode ter visto

melhor, parecida não. ”

Oscar Niemeyer

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Primeiramente, ao desenhar, tente dar ao olhar uma indicação da intenção e invenção feitas antes em sua imaginação; em seguida, prossiga retiran-do e adicionando até ficar satisfeito; deixe mode-los vestidos ou desnudos se posicionarem da ma-neira em que você colocaria a obra; e certifique-se de que eles correspondam em medida e escala à perspectiva, de modo que nada haja na obra que não esteja de acordo com a razão e os efeitos na-turais.

Leonardo da Vinci apud Freud, 1910.

A ideia de que desenhar corresponde a pensar é fundamental para todo o desen-volvimento da a teoria do desenho desde o início do Renascimento até hoje. O pin-tor e arquiteto italiano Federico Zuccaro, em 1607, diz que desenho “não é maté-ria, nem corpo, nem acidente (...) e sim forma, concepção, ideia, regra e finalida-de.”1 Talvez pela herança renascentista, o desenho ainda é uma forma do homem perceber, refletir e se relacionar com o mundo.

1 Costa, D. R. Desenho como Forma de Pensamento, 2009.

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No Renascimento, o desenho ganha cidadania. E se de um lado é risco, traçado, mediação para expressão de um plano a realizar, linguagem de uma técnica construtiva, de outro lado é designo, intenção, propósito, projeto humano no sentido de proposta do espírito. Um espírito que cria obje-tos novos e os introduz na vida real. O disegno do Renascimento, donde se originou a palavra para todas as outras línguas ligadas ao latim, como era de esperar, tem os dois conteúdos entrelaçados. Um significado e uma semântica, dinâmicos, que agitam a palavra pelo conflito que ela carrega con-sigo ao ser a expressão de uma linguagem técnica e de uma linguagem para a arte.

Villanova Artigas, 1999, pag. 73.

A geometria tinha não só uma impor-tância no entendimento do desenho e na percepção espacial no Renascimento, mas também possuía um valor simbólico, onde o homem como o centro da pers-pectiva, centro do universo, passa a ser o mais importante expectador daquele ponto de fuga central, enaltecendo assim sua individualidade e sua importância. A composição renascentista, que facilmente pode ser inscrita dentro de formas geo-métricas como triângulos ou círculos, pos-sui um centro (uma hierarquia) no qual os outros elementos estão subordinados. Deste modo, o olhar do sujeito é condi-cionado – do centro para as partes. No desenho urbano, a cidade inscrita dentro de um círculo também possui um elemen-to central hierárquico (monumento) e um

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Fig 1 – Leonardo da Vinci. O Homem Vitruviano. (http://www.leonardoda-vinci.org/the-complete-works) Fig 2 – Projeto para a cidade de Palma-nova, 1598, inspirado no projeto de Filarete para Sforzinda. (http://www.pinterest.com/ebrusevk/urban-design) Fig 3 e Fig 4 – Projeto de Donato Bramante para o Tempietto de S. Pedro, Roma. (construída em 1502). (http://www.GreatBuildings.com/buildings/Tempietto_of_San_Pietro.html)

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traçado radial, com ruas convergindo para um centro, direcionando assim o olhar e o caminho a ser seguido.

Com relação ao processo do desenho neste período, a substituição da imitação dos mestres pelo processo de estudo da natureza foi realizada pela primeira vez, teoricamente, por Leonardo da Vinci. Sua arte mostra que a relação entre mestre e aluno mudou por completo em função da emancipação da arte frente a produção nas guildas.2

Leonardo utilizava o esboço do desenho como parte de um processo criativo que, segundo Gombrich (apud Woodfield, 2012, pag. 213), foi uma inovação na produção artística diante dos artistas do trezentos, que valorizavam a manutenção de um padrão de representação, sendo desaprovada a confusão no desenho e a expressão artística. Ainda no início dos quatrocentos, os aprendizes deveriam co-piar as obras dos mestres escolhidos até conseguir reproduzi-las com perfeição (traço controlado e cuidadoso), sem pen-sar em termos de erro e acerto sobre um mesmo traço. Leonardo da Vinci justifica seu modo de produção e a ruptura com o processo dos quatrocentos comparan-do poetas com artistas na representação artística:

2 nold Hauser, pag. 332

Então você nunca pensou sobre como os poetas compõe seus versos? Não se preocupavam em traçar letras belas nem se incomodavam ao riscar várias linhas para melhorá-los. Por isso, pintor, es-boce a disposição das extremidades de suas fi-guras e considere primeiramente os movimentos apropriados ao estado mental das criaturas que fazem parte de seu quadro, e só depois, considere a beleza e a perfeição das partes.

Leonardo da Vinci apud Gombrich (org. Wood-field), 2012, pag 213

Para Leonardo, realçar o capricho da exe-cução de um desenho é tão rude e inú-til quanto julgar o esboço de um poeta com base na beleza de sua caligrafia. O que preocupava o artista era a capacidade de inventar, não de executar. O desenho deveria ser um veículo e uma ferramenta para invenção, acompanhando o pensa-mento do artista por meio de traços so-brepostos onde a imaginação alcançasse a liberdade. Ensina aos artistas a esboçar as pinturas com pessoas rapidamente e sem dar muito acabamento aos membros, indicando suas posições para assim poder elaborar com tranquilidade (Gombrich apud Woodfield, 2012, pag. 214).

O esboço, segundo da Vinci, além de re-gistro de uma inspiração ou a preparação para uma obra específica, poderia ser tam-bém fonte de outras inspirações e parte de um processo que está constantemente em desenvolvimento na mente do artista.

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Fig 6 – Leonardo da Vinci. Estudo para Madona com o menino e gato (1478). Pena e nanquim sobre papel. (http://www.leonardoda-vinci.org/the-complete-works)

Fig 5 – Leonardo da Vinci. Estudos diversos (1478). Pena e nanquim sobre papel. (http://www.leonardoda-vinci.org/the-complete-works)

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Gombrich analisou isso pela primeira vez e o historiador da arte Martin Kemp resu-me de modo claro o processo de desenhar de Leonardo:

Leonardo foi um dos mais inovadores e férteis desenhistas de todos os tempos. Em suas mãos, a prática do desenho tornou-se uma extensão de seu pensamento criativo, não apenas expressando uma série de novas ideias em abundante profu-são, mas também tornando-se, através de uma rápida confusão de alternativas esboçadas sobre-postas umas sobre outras, um modo de permitir que as configurações ao acaso ajudassem o pro-cesso inventivo. O desenho tornou-se uma forma de pensamento visual mais do que um mero meio para desenhar uma pintura.

Martin Kemp apud Kickhöfel, 2011

Além de da Vinci, Giorgio Vasari também acreditava que por meio do desenho, a partir da percepção da natureza, se for-mava uma visão de mundo. Escreve em 1568 que “da percepção da natureza se forma um juízo, um conceito, que pode ser expresso enquanto desenho”, ou seja, o desenho “não é senão a expressão e manifestação do conceito que existe na alma ou que foi mentalmente imaginado por outros e elaborado em uma ideia”.3

Leonardo tinha uma obsessão em conhe-cer profundamente o objeto a ser repre-sentado, não começava a obra sem an-tes fazer um estudo científico profundo, sendo que a obra poderia ser facilmente interrompida caso este estudo não desen-volvesse: “coisas confusas incitam a men-te a novas invenções; mas assegurem-se primeiramente de conhecer todas as par-tes das coisas que deseja representar, se-3 Costa, D. R. Desenho como Forma de pensamento, 2009.

jam animais, paisagens, pedras, plantas ou outros”. (Leonardo da Vinci in Freud, 1910).

Esse processo de criação é bastante váli-do, mas muitas vezes limita o desenvolvi-mento lúdico, a imaginação e a liberdade, resultando em uma obra excessivamente técnica em função de um entendimento racional e científico da realidade, conver-tendo-se em linguagem artística. Dá-se uma grande importância aos aspectos objetivos da arte e uma menor ênfase à subjetividade. Segundo Hauser, as coisas que são sentidas como “belas” no Renas-cimento são a conformidade lógica das partes individuais de um todo, a harmo-nia aritmeticamente definível das relações e o ritmo calculável de uma composição, a exclusão de discordâncias na relação das figuras com o espaço que ocupam e o re-lacionamento mútuo das várias partes do próprio espaço.4

Apesar dessa prática, Leonardo fala em vários momentos em liberdade artística, criação e invenção, mas percebe-se que esta era limitada por sua ânsia no conhe-cimento científico profundo do objeto. Chega a afirmar que só é possível amar qualquer coisa se houver um completo entendimento desta coisa. Sobre a rela-ção entre técnica e imaginação, discorre:

Pois, você deve entender que, se apenas tiver obtido uma composição desordenada de acordo com o tema, a satisfação será muito maior de-pois, quando ela estiver revestida com a perfeição apropriada a todas as suas partes. Já vi inclusive formas em nuvens e muros manchados que me

4 Arnold Hauser, 1998, pag. 285.

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espertaram para invenções belas de várias coisas; e, embora tais formas careçam totalmente de aca-bamento em qualquer uma de suas partes, ainda assim não eram desprovidas de perfeição em seus gestos ou outros movimentos.

Leonardo da Vinci apud Freud, 1910

A conclusão que se pode tirar é que o pesquisador que nele existia nunca li-bertou totalmente o artista, limitando-o muitas vezes e talvez chegando a elimi-ná-lo. O artista usara o pesquisador para servir à sua arte, agora o servo tornou-se mais forte que o seu senhor e o dominou. (Freud, 1910). Se preocupava tanto com a lógica, observação e representação fiel da natureza que sua obra muitas vezes se tornou menos afetiva e pessoal e mais fria e distante, com a ideia de dignidade e res-peito. Por fim, o desenho não só se defi-nia como um pensamento investigativo e especulativo que refletia suas aspirações, desejos e visões em relação ao mundo, mas também era um veículo para se criar novas visões e aspirações de vida.

Fig 8 – Leonardo da Vinci. A Adoração dos Magos (1481). Óleo sobre madeira, 240 × 250 cm. Uffizi, Florence. (http://www.leonardoda-vinci.org/the-complete-works)

Fig 7 – Leonardo da Vinci. A Virgem, o Menino, Sant’Ana e São João Batista (1499–1500). Carvão e giz preto e branco sobre papel colorido, 142 × 105 cm. National Gallery, Londres. (http://www.leonardoda-vin-ci.org/the-complete-works)

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WOODFIELD, R. (organizador). Gombrich Essencial: Textos Selecionados Sobre Arte e Cultura. Tradução de Alexandre Salva-terra. Porto Alegre: Bookman, 2012.

“O desenho tornou-se uma forma de pensamento visual mais do que um

mero meio para desenhar uma pintura.”

Martin Kemp apud Kickhöfel, 2011

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Primeiros contatos e motivações ini-ciais

Como a maioria dos estudantes de arqui-tetura, eu tinha em mente me formar e trabalhar em áreas urbanas. Ainda no pe-ríodo estudantil, comecei a me interessar por questões sociais e problemas urbanos, chegando a fazer projetos na periferia de Belo Horizonte/MG, como lavanderia co-munitária em favela e creche em conjunto habitacional de baixa renda. Os primeiros contatos com a realidade do campo ocor-reram nesse período da faculdade.

Por intermédio de amigos, eu e uma ami-ga atendemos uma solicitação para ela-borar projetos de moradias em agrovila de assentamento rural. Ficava no município de Governador Valadares/MG, próximo à área urbana e ao rio que corta o municí-pio. Chegando ao local, nos deparamos com uma questão interessantíssima: a or-ganização da comunidade. Todos os pon-tos do projeto eram debatidos em assem-bleias ou reuniões em núcleos de famílias, com a participação de mulheres, homens e crianças. Estavam levantando a necessi-dade de saneamento na agrovila e ques-tionando o modelo de casa determinado

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pelos órgãos públicos. Eles não queriam a proposta que estava sendo imposta sem a legitimação das famílias. De nossa par-te, o trabalho consistiu na elaboração de duas alternativas de plantas – segundo a discussão das necessidades da comunida-de – e de uma proposta para disposição adequada de dejetos. Chegamos a casas de 80m², sendo que a planta indicada pelo órgão governamental (EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) não chegava a 40m². Esses valores foram possíveis de ser executados graças à organização das famílias, que compra-ram os materiais de forma coletiva, di-vidiram tarefas, fizeram construção em mutirão e com revezamento nas escalas de trabalho. Em relação à destinação dos dejetos, a proposta consistia num sistema condominial e com tratamento adequado antes de chegar ao rio. O saneamento foi executado posteriormente pela prefeitu-ra. Embora tenha executado o sistema condominial, ela não realizou o tratamen-to proposto, finalizando a canalização di-retamente no rio.

Ao discutir com as famílias, nos depara-mos com uma realidade distinta da nossa. De um lado, havia questões técnicas e a visão de estudantes de arquitetura vindos de uma realidade urbana e, do outro, as necessidades concretas daquelas famílias, as questões culturais e a visão de traba-lhadores rurais que passaram e passavam por um processo de luta e exclusão social. Questões técnicas de conforto entravam em choque com necessidades reais como, por exemplo, a colocação de laje nas ca-

sas, aumentando o calor, mas garantindo a ampliação futura da casa da agrovila para os filhos e suas famílias. A discussão de materiais alternativos (tão empregados de forma criativa pela comunidade no pe-ríodo de acampamento), como as casas de taipa, entrava em choque com ques-tões culturais: o sonho das famílias era a casa de tijolo... como aquela da ‘sede da fazenda’. O linguajar técnico do arquiteto como ‘área de serviço’ não cabia naquela realidade. O aprendizado foi recíproco.

O apoio à comunidade poderia se restrin-gir a mais um trabalho de auxílio social e oportunidade de aprendizado. Mas ha-via ali elementos novos, perspectivas de mudança. Aquelas famílias estavam dis-cutindo seu futuro. O local de moradia seria também o local de produção, de convívio social, um sistema reduzido em relação à escala das cidades e com carac-terísticas próprias. O planejamento não se dava apenas no âmbito da casa, envolvia a utilização do lote ou parcela, as áreas comunitárias, o planejamento espacial do assentamento como um todo e todas as questões ambientais envolvidas. Via ali naquelas famílias sofridas, mas com espe-ranças, algo distinto da situação das famí-lias das favelas nas cidades. A possibilida-de do controle do processo produtivo lhes dava autonomia em relação às famílias na cidade. Os projetos de saneamento e me-lhoria das casas nas favelas não lhes ga-rantiam fontes de renda. Não deveria nem existir a ocupação no local, pois a maioria delas encontra-se em encostas de morros, em locais ambientalmente frágeis. A me-

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lhoria das situações das favelas corre ain-da o risco de facilitar a especulação imo-biliária no local e ao redor.

Outros planos de recuperação dos centros e áreas degradadas, mesmo com projetos sociais, vão paulatinamente expulsando a população original para áreas mais afas-tadas. E ainda, projetos de habitação de interesse social em bairros distantes do centro, após a implantação da infra-es-trutura, acabam por auxiliar a especula-ção imobiliária ao redor. O poder público, além de ter fomentado o processo históri-co de inchaço das cidades, atua correndo contra o prejuízo, apagando incêndios en-quanto o planejamento das cidades segue regulado pelos interesses de um mercado imobiliário.

Pautada pelos questionamentos e impres-sões acima, procurei uma aproximação maior da realidade desses assentamentos em meu trabalho de graduação (projeto de uma agrovila). Neste período, mudei de Belo Horizonte para Brasília e vim co-nhecer a realidade de assentamentos ru-rais em Minas Gerais e Goiás na área de influencia da Capital Federal, a RIDE-DF (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno).

Entendendo um pouco da realidade que viria a trabalhar - os assentamen-tos no entorno de Brasília

Na região do Distrito Federal, ao longo dos anos, a paisagem do cerrado sofreu modificações, principalmente após o in-cremento da modernização conservado-

ra com grandes áreas de monocultura de grãos. Fazendas produtivas de soja foram se instalando em áreas férteis dos altos das chapadas, onde há abundância de água (marcadas por veredas de buri-tis), necessária para a instalação de pivôs centrais. Grandes extensões de terra eram limpas para a instalação de lavouras, em-pregando insumos agrícolas de forma in-tensiva durante todo o processo.

Fig 1 - Assentamento Menino Jesus em UNAI/MG

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Os agravos no ecossistema local, frutos do desmatamento e das monoculturas plantadas de forma indiscriminada em grandes extensões, eram observados nas fazendas destinadas a assentamentos de reforma agrária da região. Considerando--se os problemas ambientais observados nos assentamentos e o avanço da frontei-ra agrícola no cerrado pelas grandes mo-noculturas, observava-se enorme tendên-cia de segregação espacial. O agronegócio ficava com as melhores terras no alto das chapadas; e os assentamentos nos fundos de vale em fazendas antigas, degradadas e com as piores terras. A configuração espacial das fazendas destinadas aos as-sentamentos rurais caracterizava-se por topografia irregular, terras com desgaste intenso do solo, falta d’água e desmata-mento até o leito dos rios (em raros casos a mata ciliar encontrava-se preservada).

Agravando o processo, o tempo médio de implantação de um assentamento na região variava de 1 a 5 anos, consideran-do-se desde a ocupação, o acampamen-to, os trâmites legais (laudo de vistoria, desapropriação, portaria de criação) até o parcelamento e a liberação dos créditos. Porém, segundo os técnicos do próprio INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), não havia nenhum as-sentamento local que estivesse totalmen-te implantado. Em relação à caracteriza-ção das famílias, havia camponeses com uma cultura típica da região e migrantes de outras regiões do país; também mi-grantes de caráter urbano e rural. Quanto mais próximo de Brasília, mais diversifica-

da era a origem e o processo anterior de trabalho das famílias. Neste emaranhado de origens e realidades, ia-se conforman-do a cultura dos trabalhadores rurais sem terra da região.

Relação com movimentos sociais

Os assentamentos, geralmente, são áreas de antigos latifúndios1 , conquistados por trabalhadores rurais sem-terra por meio do processo de ocupação (acampamento no local). A área dessas fazendas passa por uma nova dinâmica de ocupação es-pacial, com características econômicas e sociais distintas das antigas propriedades. De forma a viabilizar a implantação do as-sentamento, são realizadas alterações na conformação do espaço local, no sistema produtivo e nas relações sociais.

Atuar em assentamentos de reforma agrá-ria implica em conhecer os mecanismos de organização daquelas famílias, mais preci-samente a organização ou o movimento social em que elas estão inseridas. Os as-sentamentos que conheci pertenciam, em sua maioria, ao Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST). Ainda no período em que as famílias se encontra-vam acampadas, iniciava-se uma aprendi-zagem de organização e vida comunitária. A participação das famílias de trabalhado-res rurais sem-terra no planejamento do assentamento corresponde a um dos ele-mentos do processo de aprendizagem e mudança de consciência - pautados por este movimento social. Tem-se o plane-1 Palavra empregada desde a Roma antiga para designar grande área de terras sob a posse de um único proprietário. No Estatuto da Terra (1964) foi empregada para designar grandes propriedades improdutivas.

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jamento e a participação como processo de aprendizagem através da formação da cidadania e transformação da realidade. A preservação e o desenvolvimento da vida, no centro do projeto, remontam a uma visão ecológica e preocupação com a sus-tentabilidade das famílias.

A apropriação social do espaço físico de um latifúndio implicava no planejamen-

to espacial seguindo as novas demandas. Buscavam-se modelos de assentamentos que estimulassem a convivência e a parti-cipação. O planejamento do assentamen-to e o corte da terra tornavam-se formas de manter o controle político do assenta-mento pelas famílias. Neste sentido, há uma gama de variações empregadas ao longo do tempo e em diversas regiões do país. Há lotes familiares, lavouras comu-nitárias, agrovilas, núcleos de moradias...

Na região do cerrado predominam os lo-tes individuais e uma nova proposta de núcleos de moradias. Nesta, o assenta-mento é parcelado em lotes individuais com desenho que facilite a proximidade entre as diversas moradias. Dentro dele,

existem vários núcleos de 10 a 15 famílias, em média, cujo tamanho varia de acordo com a topografia, a hidrografia e as estra-das existentes. No interior de cada núcleo reserva-se uma área coletiva para aquelas famílias. As figuras a seguir caracterizam essa situação.

Fig 2 - Moradia no assentamento Menino Jesus em UNAI/MG

Fig 3B - Desenho de crianças do núcleo de moradia do assentamento Menino Jesus em UNAI/MG

Fig 3A - Desenho de crianças do núcleo de moradia do assentamento Menino Jesus em UNAI/MG

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Atividades desenvolvidas

As primeiras atividades desenvolvidas consistiam em assessorias ainda no perí-odo da faculdade. Mas como realmente um arquiteto trabalharia no campo? De que forma? Onde atuar e em que?

Comecei atuando dentro do corpo técni-co de cooperativas de trabalhadores ru-rais. A definição das atividades a serem desenvolvidas seguia a demanda dos as-sentamentos. Independente do trabalho a ser desenvolvido, sempre se apresenta-vam duas questões básicas: a participação das famílias e a discussão política com en-volvimento de coordenações locais e esta-duais no processo.

Na gama de atividades encontravam-se: projetos arquitetônicos voltados a rea-lidade rural, parcelamentos de assenta-mentos, assessoria em oficinas, cursos, participação em equipes de planejamento de novos assentamentos, (PDA – Plano de Desenvolvimento do Assentamento) e recuperação de assentamentos antigos (PRA – Plano de Recuperação de Assen-tamento).

Os projetos arquitetônicos voltados à re-alidade local correspondiam a moradias, reforma de moradias, agroindústrias, sede de cooperativas, galpões comuni-tários, plenárias, cozinhas comunitárias e alojamentos. Porém, devido a carência de recursos, muitos não chegaram a ser construídos ou o projeto teve de ser sim-plificado em função do orçamento.

As assessorias nas oficinas e cursos ocor-riam, principalmente, nas áreas de sane-amento, qualidade da água, habitação e cuidado com o meio ambiente. Nas casas de alguns assentamentos foram encontra-das fossas construídas acima das cisternas. Outra realidade vivenciada era a ausência de banheiros. Dentre as razões, estavam a falta de recurso (constrói-se a casa, mas não se consegue terminar o banheiro), a falta de água e questões culturais.

A elaboração das propostas de parcela-mento, como apresentado acima, repre-sentava uma oportunidade do controle político do espaço do assentamento. Ini-cialmente, eram realizadas caminhadas transversais com as famílias para o reco-nhecimento da área da fazenda. Parale-lamente, agrônomos e topógrafos faziam o levantamento das áreas de reserva, qualidade da terra e tipos de vegetação. A partir desse material, realizávamos dis-cussões com a comunidade para delimitar o modelo final adequado a sua realidade. As ilustrações a seguir apresentam alguns modelos de parcelamento desenvolvidos junto às comunidades.

No planejamento dos assentamentos não havia como utilizar modelos padrões. Era preciso associar as características do sítio natural com a organização social, a cul-tura das famílias e a exploração das uni-dades produtivas. O processo de reforma agrária deveria ser encarado como políti-ca de desenvolvimento socioeconômico, abrindo perspectivas de recuperação de áreas degradadas e estimulando novos modelos de produção.

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Fig 4 e 5 - Oficinas de modelos de moradia Fig 6 e 7 - Oficina de saneamento no assentamento Mãe das Conquis-tas (Buritis/MG) com a confecção de maquetes de sistema de esgota-mento sanitário e trabalho prático de oficina sobre saúde e ambiente no assentamento Cunha (Cidade Ocidental/GO).

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Fig 8 - Modelo do pré assentamento Índio Galdino em UNAI/MG. Foram adotados lotes individuais com o levantamento de áreas comunitárias.

Fig 9 - Modelo do pré assentamento Eldorado dos Carajás em UNAI/MG. Neste caso foram adotados lotes individuais com a definição de uma área comunitária ao centro.

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Fig 10 - Caminhada transversal e apresentação final do modelo de parcelamento adotado no pré assentamento Oziel 1 em Planaltina/DF. Neste caso foram adotados modelos de núcleos de moradia.

Fig 11 - Caminhada transversal e apresentação final do modelo de parcelamento adotado no pré assentamento Oziel 1 em Planaltina/DF. Neste caso foram adotados modelos de núcleos de moradia.

Fig 12 - Discussão sobre modelo de assentamento em núcleo de famílias

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Potencialidades e desafios

Dentre os desafios vivenciados nos assen-tamentos, encontramos um enorme des-caso governamental e ausência de políticas públicas adequadas. Os recursos, quando chegavam, estavam atrasados. Havia difi-culdades de acesso a água, transporte, sa-neamento, escolas e serviços de saúde. Na questão ambiental, observavam-se as pio-res terras destinadas aos assentamentos rurais e, para agravar a situação, parce-lamentos desconsiderando o sítio natural. Em relação ao trabalho do arquiteto nesse contexto, a ação técnica era determinada pelas decisões políticas das comunidades. O INCRA não valorizava a atuação do ar-quiteto no planejamento e parcelamento de assentamentos, bem como a neces-sidade de equipes multidisciplinares nas elaborações de PDA’s e PRA’s. O trabalho junto a movimentos sociais caracteriza-se por uma constante: ‘pouca gente, poucos recursos e muito trabalho’.

Por outro lado, a realidade dos assenta-mentos rurais abre um leque de opções de estudo. Durante os trabalhos, realizei também um mestrado na arquitetura, aprofundando conhecimentos sobre a re-alidade dos assentamentos do entorno de Brasília. Essa experiência propiciou visões distintas nas áreas de planejamento, ar-quitetura, técnicas construtivas, questões ambientais e a necessidade das interações entre as áreas rurais e urbanas de um mu-nicípio.

Mesmo não sendo usual, houve um apro-fundamento da profissão de arquiteto. E,

dentre as questões mais marcantes nesta vivencia, estão as mudanças verificadas na vida daquelas famílias. Os processos de formação e educação das famílias eram observados no amadurecimento de suas atitudes em relação ao meio ambiente, na capacidade organizativa e no domínio do processo de planejamento dos assenta-mentos. Embora não seja a melhor pala-vra a ser empregada aqui, era um proces-so de construção de cidadania!

Fig 13 e 14 - Crianças almoçando alimentos do assentamento e coleta de frutos do cerrado em oficina sobre questões ambientais (Buritis/MG)

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Perder-se numa cidade é talvez o modo mais interessante de conhecê-la. Os per-cursos, porque dependem da experiência individual, tecem narrativas urbanas sub-jetivas e, portanto, roteiros originais.

Diferente do roteiro turístico, perder-se na cidade, no sentido da deriva1 , significa menos uma angústia e mais uma entrega. O percurso espontâneo - mais interessan-te, talvez, que as indicações dos mapas turísticos - pressupõe que a cidade deva oferecer diversidade. Toda paisagem ur-bana, nesse sentido, deveria ser interes-sante enquanto espaço arquitetônico e deveria ser vivenciada como tal.

As ruas históricas da cidade de Outro Pre-to oferecem passeios estreitos e ruas sinu-osas. A paisagem é emoldurada por um campo visual que se revela lentamente enquanto arquitetura e monumento, sob diferentes paisagens. As ruas estreitas e íngremes impedem a visão ampla e pano-râmica, conduzindo os pedestres e moto-ristas aos caminhos sinuosos.

1 Deriva é o modo de comportamento experimental ligado às condições da sociedade urbana: técnica de passagem apressada por vários ambien-tes. Mais particularmente, também designa a duração de um exercício contínuo desta experiência (CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: Ed. Gilli, 2013, p. 90).

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A cidade histórica é compreendida por suas frações, seus quadros, e nunca em sua totalidade. A arquitetura, por sua vez, é revelada aos caminhantes a partir dos seus múltiplos roteiros; o lugar é desco-berto aos poucos, por fragmentos. O casario colonial incorpora-se aos edifícios monumentais, resultando numa composi-ção arquitetônica que respeita a escala do lugar.

Durante uma caminhada, a paisagem ali é uma sequência inesperada de fragmen-tos de paisagem. A cidade não se revela facilmente ao observador. Apresenta uma geografia rebuscada, de textura específi-ca, que mantém o caminhante atento ao chão.

Uma certa noite, enquanto a cidade dor-mia, decidimos caminhar pela Ouro Preto histórica de ruas íngremes em busca da paisagem plena - arquitetura e silêncio. Quando o sono avisou a hora de voltar, nos perdemos. Subindo, a rua íngreme apresentou a fachada lateral da Igreja da Nossa Senhora do Pilar. Já é muito tarde. A passagem lateral é estreita e não per-mite o afastamento necessário para que a obra se apresente ao observador. Se-

guimos, então, com atenção ao caminho irregular. A parede lateral é robusta e se estende muito acima do campo de visão, trazendo a angústia de não se compreen-der a escala do edifício.

Logo na esquina, ao contornar a grande estrutura de pedras, surge a igreja em sua fachada principal como um gigante adormecido. O passeio noturno, inespera-damente, trouxe um dos maiores monu-mentos da arquitetura barroca brasileira.

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O parque situado na “zona 1” de Paris é um projeto do suíço Bernard Tschumi, concebido em 1982 após ter sido o pro-jeto escolhido por meio de um concurso dentre 470 concorrentes. A ideia do ar-quiteto era construir um parque urbano futurista no lugar de um matadouro que existia naquela zona.

Hoje, o local é um símbolo do desconstru-tivismo arquitetônico, abrigado em 135 hectares onde, além do parque, existem dois grandes importantes centros: o Cité des Sciences e de l’Industrie (Museu de Tecnologia e Ciência) junto ao La Géode (O maior cinema 3D do mundo) e a Cité de la Musique (cidade da Música).

A mistura do natural com o artificial é um dos aspectos de destaque no parque, pois o espaço não foi pensado apenas nos moldes do paisagismo tradicional, mas in-tegrando a paisagem natural com obras concebidas a partir da teoria do descons-trutivismo de Jacques Derrida - “Origem da Geometria”- que tem como funda-mento a desmontagem ou decomposição dos elementos.

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Dos 135 hectares, 85 são de espaços ver-des usados para lazer e grandes exposi-ções. Nas noites de verão, o espaço se torna um grande cinema ao ar livre para cerca de 3.000 pessoas.

O espaço é diferenciado principalmente por se tratar de um parque urbano. En-tende-se como uma oposição ao pensa-mento difundido no século 19, onde a cidade não deveria existir dentro do par-que, muito comum no paisagismo feito por Olmstead, por exemplo – aquele do Central Park.

O la Villette também é um lugar que pro-põe atividades que incluem oficinas, gi-násio e instalações de banho, parques in-fantis, exposições, concertos, experiências científicas, jogos e competições. Dentro desses usos, destacamos o Museu de Ci-ência e Tecnologia e a Cidade da Música.

Cité des Sciences et de l’Industrie é o maior museu de ciências da Europa. A “fachada bioclimática” de frente para o parque, as Serres Les, foi a primeira pare-de de vidro estrutural a ser construída sem enquadramento.

Dentro da Cidade da Música podemos visitar o museu, o restaurante, os espa-ços para concerto e a escola de música de Paris. O projeto é do arquiteto Chris-tian de Portzamparc e recebe mais de 250 concertos por ano dedicados ao público jovem e adultos.

Fig 1 - Passarelas dão movimentos referentes à ondas do mar.

Fig 2 - Grandes espaços verdes do parque se tornam locais de convi-vência em dias de sol.

Fig 3 - Um dos 12 jardins temáticos, muitos deles são lúdicos e desen-volvidos para crianças.

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PALESTRA SUSTENTABILIDADE

Gabriel Xavier Bizzotto, natural de Lille, França, mestre em ciências da compu-tação pela Université des Sciences et Te-chnologies de Lille, atualmente reside no Brasil atuando na área de análise de sis-temas. Com um trabalho fortemente en-gajado em causas ambientais, foi o fun-dador do movimento hortas urbanas em Águas Claras.

Nos dias 17 e 19 de setembro apresentou aos alunos das duas turmas da disciplina Projeto Arquitetônico VII (arquitetura sus-tentável), ministradas pela profª Fernanda Moreira, alguns vídeos sobre sustentabi-lidade e sua visão como analista de sis-temas sobre o problema do impacto am-biental. Sua análise explica que a falta de sustentabilidade não é um desafio técnico ou tecnológico, mas sim um problema so-cioeconômico e cultural.

PALESTRA NO CECB

No dia 12/08 foi realizada uma palestra do CAU/ UCB para a turma do último ano do ensino médio do Centro Educacional Católica de Brasília. O professor Wagner Pangoni, juntamente com alguns alunos do curso, tiveram uma conversa animada com os estudantes, que puderam enten-der um pouco mais sobre a profissão de arquiteto. Os nossos alunos deram seus depoimentos sobre o momento de tran-sição da escola para a universidade, inclu-sive alguns deles fizeram o ensino médio na mesma instituição, como foi o caso da aluna Daniela Caparelli (2º semestre). No final, os alunos puderam ver de per-to alguns trabalhos produzidos no curso, como desenhos e maquetes.

Cadeira SegmentoClaudinei Nascimento

Cadeira RetrátilJoão Pedro Macêdo

Cadeira FerdassiJhonatas Ferreira

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DO DIGITAL AO FÍSICO

Na disciplina de computação gráfica 01, os alunos assimilam conceitos básicos de modelagem digital e os exercitam em ati-vidades programadas durante o semestre. Em uma delas, o aluno projeta uma cadei-ra e a modela em ambiente virtual. Com o intuito de promover a integração entre as disciplinas e a utilização dos recursos tec-nológicos que o CAU oferece, o professor Daniel, em parceria com o professor Thia-go, promoveram um concurso interno en-tre os alunos das turmas de computação gráfica 01, no qual foram elegidos três projetos de cadeira. Como premiação, o primeiro colocado terá seu projeto exe-cutado em madeira na oficina de mode-lo reduzido, em escala 1:1 . O segundo e terceiro colocados terão seus projetos executados na impressora 3D, em escala reduzida.

“Não é o angulo reto que me atrai.

Nem a linha reta, dura, inflexível,

criada pelo homem.

O que me atrai é a curva livre e

sensual. A curva que encontro nas

montanhas do meu país, no curso sinuoso

dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo

da mulher amada.

De curvas é feito todo o Universo.

O Universo curvo de Einstein.”

Oscar Niemeyer

Poesia Desenhada

Trabalho desenvolvido na disciplina de De-senho 02 pela aluna Daniela P. Leão, onde interpreta através de formas, o poema da curva, escrito por Oscar Niemeyer.

Nossa,Interessante

esteprojeto!Estamos

adorando!

é a casa dasnossas vidas!

Será queo projeto vai ser

aprovado?

os dias de trabalhofinalmente sendorecompensados!

vocE captou todasas nossas vontades!

Nossa,Interessante

esteprojeto!Estamos

adorando!

é a casa dasnossas vidas!

Será queo projeto vai ser

aprovado?

os dias de trabalhofinalmente sendorecompensados!

vocE captou todasas nossas vontades!

mas que tal se vocemudasse somente essas

janelas, portas, paredes... ?nao vai alterar quase nada!

só a fachadada casa!