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Antropolítica Niterói n. 25 p. 1-266 2. sem. 2008

ISSN 1414-7378

A n t r o p o l í t i c aNo 25 2o - semestre 2008

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

© 2009 Programa de Pós-Graduação em Antropologia UFF

Direitos desta edição reservados à EdUFF - Editora da Universidade Federal Fluminense - Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-900 - Niterói, RJ - Brasil - Tel.: (21) 2629-5287 - Telefax: (21) 2629-5288 - http:///www.editora.uff.br - E-mail: [email protected]

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.

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Secretária da RevistaPriscila Tavares dos Santos

Catalogação-na-Fonte (CIP)

A636 Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia — (n. 25, 2º sem. 2008, n. 1, 2. sem. 1995). Niterói: EdUFF, 2009.

v. : il. ; 23 cm.

Semestral.

Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense.

ISSN 1414-7378

1. Antropologia Social. I. Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-Graduação em Antropologia.

CDD 300

Editora filiada à

Conselho Editorial da AntropolíticaLuiz de Castro Faria (PPGA/UFF) (In memorian)Ana Maria Gorosito Kramer (UNAM – Argentina)Anne Raulin (Paris X – Nanterre)Arno Vogel (UENF)Charles Freitas Pessanha (UFRJ)Charles Lindholm (Boston University)Claudia Lee Williams Fonseca (UFRGS)Daniel Cefaï (Paris X – Nanterre)Edmundo Daniel Clímaco dos Santos (Ottawa University)Eduardo Diatahy Bezerra de Meneses (UFCE)Eduardo Rodrigues Gomes (PPGCP/UFF)João Baptista Borges Pereira (USP)Josefa Salete Barbosa Cavalcanti (UFPE)Lana Lage de Gama Lima (UENF)Licia do Prado Valladares (IUPERJ)Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UNB)Marc Breviglieri (EHESS)Mariza Gomes e Souza Peirano (UNB)Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho (UFRJ)Raymundo Heraldo Maués (UFPA)Roberto Augusto DaMatta (PUC)Roberto Mauro Cortez Motta (UFPE)Ruben George Oliven (UFRGS)Sofi a Tiscórnia (UBA)

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SumárioNota dos editores, 7

Dossiê: Estudos de imigração: novas abordagens e perspectivas, 9 Apresentação: Márcio de Oliveira e Jair de Souza Ramos

Tempo e estudo da Assimilação, 23Nancy L. Green

A imigração: o nascimento de um “problema” (1881-1883), 49Gérard Noiriel

O papel dos agentes administrativos na política de imigração, 75Alexis Spire

Artigos

Observação flutuante: o exemplo de um cemitério parisiense, 99Colette Pétonnet

Itinerários ocupacionais, juventude e gestão de empregabilidade, 113Delma Pessanha Neves

Performance e empreendimento nos assaltos contra instituições financeiras, 139 Jania Perla Diógenes de Aquino

A colonização alemã na região central do Rio Grande do Sul – capital social e desenvolvimento regional, 159 José Marcos Froehlich, Everton Lazzaretti Picolotto, Heber Rodrigues Silva e Matheus Alegretti de Oliveira

Narrar, redigir e escrever: o diário nos prontuários da assistência social, 179 Isabelle Csupor e Laurence Ossipow

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Resenhas

Livro: Pétonnet, Colette. L’observation flottante: l’exemple d’un cimetière, parisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r),p. 37-47Autor da resenha: Soraya Silveira Simões, 193

Livro: Marques, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e relações pessoais. Fortaleza, CE: Universidade Federal do Ceará/Funcap/CNPq – Pronex; Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.Autor da resenha: Leonardo Vilaça Dupin e Sheila Maria Doula, 197

Livro: Carneiro, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no Caminho de Santiago. São Paulo: Attar, 2007. 277p.Autor da resenha: Sílvia Regina Alves Fernandes, 205

Notícias do PPGA

Relação de dissertações defendidas no PPGA, 211

Relação de teses defendidas no PPGA, 237

Revista antropolítica: números e artigos publicados, 243

Coleção antropologia e ciência política (livros publicados), 261

Normas de apresentação de trabalhos, 265

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ContentsEditors note, 7

Dossier: Immigration Studies: new approaches and perspectives, 9

Foreword: Márcio de Oliveira e Jair de Souza Ramosa

The Time, and The Study of Assimilation, 23Nancy L. Green

The immigration: The beginning of a problem (1881-1883), 49Gérard Noiriel

The role of the administrative agents in the immigration policy, 75Alexis Spire

Articles

Floating Observation. A Parisian Cemetery as an Example, 99Colette Pétonnet

Occupational Itinerary, youth and employment management, 113Delma Pessanha Neves

Performance and enterprise in assaults against financial institutions, 139Jania Perla Diógenes de Aquino

The German colonizing in the central area of Rio Grande do Sul – Brasil - social capital and development of the region, 159

José Marcos Froehlich, Everton Lazzaretti Picolotto, Heber Rodrigues Silva and Matheus Alegretti de Oliveira

To narrate, to write and to compose: the diary in the handbooks of social assistence, 179Isabelle Csupor and Laurence Ossipow

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Reviews

Livro: Pétonnet, Colette. L’observation flottante: l’exemple d’un cimetière, parisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r), pp.37-47Soraya Silveira Simões, 193

Livro: Marques, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e relações pessoais. Fortaleza, CE: Universidade Federal do Ceará/Funcap/CNPq – Pronex; Campinas, SP: Pontes Editores, 2007. Leonardo Vilaça Dupin and Sheila Maria Doula, 197

Livro: Carneiro, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no Caminho de Santiago. São Paulo: Attar, 2007. 277p. Sílvia Regina Alves Fernandes, 205

PPGA NewsPhD Thesis defended at PPGA, 211

Thesis defended at PPGA, 237

Revista Antropolítica: numbers and published articles, 243

Published Books Coleção Antropologia e Ciência Política, 261

Norms for Article Submission, 265

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Nota dos Editores

A Revista Antropolítica nº 25 integra múltiplos intercâmbios de pesquisadores nacionais e estrangeiros, colaborações individuais e parcerias interinstitucio-nais. O dossiê temático Estudos de imigração: novas abordagens e perspectivas, or-ganizado por Jair de Souza Ramos, antropólogo, professor do Departamento de Sociologia e da Pós-graduação em Antropologia da UFF, e por Márcio de Oliveira, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPR, confere, pela tradução, facilidades para leitura de artigos até então publicados em língua francesa. Mas não só: também melhores oportunidades para se acompanharem desdobramentos temáticos de uma questão social e sociológica sempre renova-da, como estão enfatizados nos textos. Os autores anfitriões, organizadores e apresentadores do dossiê, põem em destaque o lugar que eles próprios e seus convidados ocupam no campo temático, destacando as diferenciadas modali-dades de valorização de problemáticas e de encaminhamentos metodológicos.

Na sessão de artigos, os editores da revista têm a honra de incorporar um dos textos de Colette Pétonnet – Observação flutuante: o exemplo de um cemitério parisiense –, graças ao empenho de Soraya Silveira Simões, responsável pela tradução, mas também por alguns comentários sobre a obra da antropóloga francesa (na sessão Resenha). Os demais artigos registram a elaboração de temas bastante diversos e instigantes. Um deles corresponde à contribuição de Delma Pessanha Neves, que focaliza os constrangimentos e as alternativas enfrentadas por jovens, residentes em espaços urbanos periféricos, para se constituírem como trabalhadores. A autora enfatiza o caráter institucional da economia de proximidade em que os jovens se apoiam para qualificar competências, habi-lidades e recursos de autorização da apresentação de si como trabalhadores. Contribuindo de maneira singular, dada a novidade da questão eleita para a pesquisa, Jania Perla Diógenes de Aquino, no artigo “Performance e empreen-dimento nos assaltos contra instituições financeiras”, problematiza novos espaços de trabalho de campo e aspectos racionais das ações ou dos empreendimentos que suportam tais atos de impositiva apropriação material. Pela análise de processos de imigração no sul do Brasil, José Marcos Froehlich lidera equipe de pesquisadores dedicados ao estudo da valorização da memória coletiva de grupos sociais. E, por fim, circulamos uma inovadora contribuição de duas antropólogas suíças, Isabelle Csupor, vinculada à Haute École de Travail et de Santé de Lausanne (HES-SO/HETS&S-VD, EEPS) e Laurence Ossipow, afiliada à Haute École de Travail Social de Génève (HES-SO/HETS), que, no artigo Narrar, redigir e escrever: o diário nos prontuários da assistência social, demonstram o caráter relacional ou interativo desse gênero de registro, todavia metafori-

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zado para valorizar as interdependências e cumplicidades entre os pró-prios profissionais que nele cristalizam práticas e performances.

Complementamos o investimento institucional do PPGA-UFF registrado no decorrer dos diversos números da Revista Antropolítica, como neste 25, pela circulação de conhecimentos produzidos pelo corpo discente, dando continuidade à apresentação de teses e dissertações aí defendidas. Este tem sido um recurso que adquire valor documental pelo acervo de títulos mais facilmente identificados.

Portanto, agregamos reflexões de autores nacionais e estrangeiros, sem perder de vista a importância da expansão do acervo de conhecimentos que as ciências sociais, nos últimos anos, vêm consolidando pelo trabalho de mestres e doutores no decurso da formação.

Ampliamos ainda as formas de comunicação acadêmica pela inclusão de uma sessão de resenhas, neste número da Revista Antropolítica, distin-guindo textos referidos a temáticas ligadas à ação política e à religião.

Com o objetivo de ampliar o alcance do público leitor às contribuições meritórias com que nos têm prestigiado os colegas que encaminham seus artigos para publicação, estamos, paulatinamente e em ordem decres-cente, disponibilizando Antropolítica em versão digital, cujo acesso pode ser obtido pela página do PPGA (www.uff.br/ppga).

Comitê Editorial

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Dossiê:Estudos de imigração:

novas abordagens e perspectivas

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Márcio de Oliveira*

Jair de Souza Ramos**

Apresentação

É com grande prazer que organizamos este dossiê sobre o tema da imigração, trazendo a tradução de três textos atuais mas inéditos para o público de língua portuguesa. Como se sabe, os estudos sobre imigração no Brasil foram inicialmente realizados, a partir de mea dos do século XIX, em relação às políticas imigratórias ( SEYFERTH, 2004). Do ponto de vista das ciên-cias sociais brasileiras, a realidade é bastante dife-rente, por exemplo, dos estudos norte-americanos em que o tema da imigração se tornou central (CHAPOULIE, 2001) e mesmo dos estudos rea-lizados na Argentina (DEVOTO, 2004). Deve-se lembrar ainda que o tema da imigração foi bas-tante trabalhado da perspectiva historiográfica, sendo muitas vezes considerado um objeto de estudo da disciplina da história, ou seja, tratado como a história dos deslocamentos de grandes contingentes populacionais da Europa para di-versos países americanos, sobretudo os Estados Unidos, que ocorreu principalmente entre 1840 e 1940 e o impacto disso na história das nações envolvidas (RYGIEL, 2007).

Não obstante, na maior parte dos países que acolheram imigrantes, os estudos produzidos tra-taram do fenômeno da imigração a partir da traje-tória, digamos inicialmente, da integração. Assim falando, percebe-se claramente que, embora a imigração seja um fato histórico e demográfico, repleto de estatísticas de partidas e entradas, con-troles sanitários, relatórios oficiais etc., a questão trazida junto com os imigrantes foi, em termos legais e administrativos, essencialmente política e social. Do ponto de vista intelectual e científico,

* Professor do Departamen-to de Ciências Sociais da UFPR. [email protected]

** Professor do Departa-mento de Sociologia e da Pós-graduação em Antro-pologia da Universidade Federal Fluminense.

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portanto, a questão da imigração foi fundamentalmente tratada como objeto da sociologia e da antropologia.1

Os imigrantes, migrando individualmente ou em grupos, eram, formavam ou ainda passavam a ser identificados, uma vez nos países de destino, como grupos sociais novos que deveriam ser controlados, integrados, assimilados e, por vezes, nacionalizados. Os estudos sobre imigração no Brasil seguiram tendência próxima a este esquema geral, com uma pe-quena ressalva. Entre nós, a questão da imigração esteve sempre ligada ao problema do povoamento e da ocupação do território, quando não, ainda de forma algo envergonhada, do embranquecimento da “raça brasileira”.

Da década de 1920 em diante, a imigração passa a ser ainda um pro-blema administrativo e legal, uma competência do Estado e dos seus serviços (RAMOS, 2006), mas sempre com prerrogativas negociadas ou executadas pelos estados. Nos anos 1930, com a ascensão de Vargas ao poder, a questão torna-se “nacionalista”, os imigrantes, sobretudo aqueles residentes em comunidades isoladas e relativamente homogêneas, indi-cando mesmo uma perda de soberania. É neste momento que o tema da assimilação (forçada no caso da “Campanha de Nacionalização”) entra na pauta dos estudos socioantropológicos, coincidindo justamente com a criação dos primeiros cursos de ciências sociais em São Paulo, assim como dos cientistas engajados que muito publicaram no Boletim do Serviço de Imigração e Colonização.

No campo das ciências sociais, ainda nos anos 1930-1940, é nos estudos de Vianna (1934), Willems (1940, 1946, 1948), Baldus e Willems (1941) e Freyre (1942, 1948) que o tema assume uma forma acadêmica. Na década de 1950, Carneiro (1950), Martins (1955), Ávila (1956), Schaden (1956, 1957) e Cardoso (1959) ainda perseguem o tema da assimilação das comunidades estrangeiras, insistindo aqui e ali no par imigração-de-senvolvimento dos estados do sul. À exceção deles, mas ainda neste perío-do, Ianni (1960), a partir de pesquisas de campo realizadas em Curitiba, apresenta original estudo sobre descendentes de imigrantes poloneses e práticas discriminatórias. Contudo, nas décadas de 1960 e de 1970, o tema da imigração e os estudos sobre imigrantes, ainda que enfocando perspectiva da assimilação e da etnicidade (DURHAM, 1966; SAITO; MAYEMA, 1973; SEYFERTH, 1974; WACHOWICZ, 1967, 1970), passam a ter suas problemáticas emolduradas pelo contexto do desenvolvimento do capitalismo no Brasil (DIEGUES JR., 1964; MARTINS, 1973).1 Com efeito, ambas as ciências pouco se diferenciavam quando se iniciaram os estudos sobre imigração, tanto

nos Estados Unidos quanto no Brasil.

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Os estudos sobre imigração renasceriam apenas nos anos 1980 e, prin-cipalmente, a partir dos anos 1990, emoldurados por novo contexto, no qual a emigração, fenômeno ainda irrelevante na história social do Brasil, surge pela primeira vez. A quantidade de trabalhos e perspectivas adotadas, a variedade das temáticas (do futebol aos estudos sobre políticas migratórias) nos impedem de resumir em tão pouco espaço a imensa gama de estudos de excelente nível produzidos nos muitos centros de pós-graduação das universidades brasileiras. O certo é que, finalmente, o tema teria sido resgatado, e não apenas por autores comprometidos com um ou outro grupo de imigrantes, mas em pesquisas que problematizaram o tema da imigração sob novas perspectivas teóricas, como novos estudos empíricos, tentando pensar os grupos de imigrantes em si (suas formas culturais e tradições), bem como suas trajetórias, inserções etc., em quase todos os estados brasileiros em que foram e são presentes.

É fato nessa nova esteira de trabalhos em que nos situamos e, por isso, decidimos organizar este número, trazendo contribuições de autores estrangeiros que têm os fenômenos migratórios como objeto de estudo e pesquisa. Senão, vejamos.

O primeiro texto, de Nancy Green, historiadora norte-americana e atual Diretora de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS/MSH) em Paris, é seminal. Em Tempo e estudo da assimilação, a au-tora apresenta ao leitor a trajetória do conceito mais central nos estudos sobre migrações, qual seja, o conceito de “assimilação”. É interessante observar como, durante muito tempo, o ato de migrar, o processo de migração, sempre esteve ligado ao país de chegada, à nova vida e à nova sociedade. É óbvio pensar que, nestas condições, os indivíduos isolados ou os grupos que migram (sejam eles familiares ou não) são sempre imensamente menores (em termos demográficos) do que os grupos que formam as comunidades já residentes nos lugares em que se instalam. Assim, é natural imaginar que deveriam ser “assimilados”, “integrados”, “igualados”, que tendessem a desaparecer naquele novo todo. A palavra “assimilação”, seja em inglês, seja em suas diversas acepções nas línguas latinas,2 não deixa dúvidas quanto a esta compreensão que tanto a So-ciologia quanto a Antropologia e a história emprestaram da Biologia.

Mas, e é aqui que o artigo se torna muito interessante, os diversos pro-cessos de assimilação encontraram a sociedade e a história. Assim, o que poderia parecer uma simples apresentação das formas e dos lugares em que o conceito foi utilizado, torna-se uma análise crítica e contextual so-bre as formas e os lugares em que o conceito foi, e como, utilizado. Para 2 Nestas línguas, “assimilar” vem do latim assimilare, que significa literalmente tornar-se semelhante.

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não dizer, é claro, sobre os autores (e suas filiações disciplinares) que o usaram e tudo que daí resultou. É neste sentido que se pode compreen-der a autora afirmar, inicialmente, que “houve inúmeras tentativas de definir assimilação” e que já se reclamou da “confusão de significados”.

Estabelecido o norte do artigo, a autora recupera os diversos usos da “as-similação”, tanto historiográficos quanto sociológicos e, dessa forma, inicia sua viagem analítica, a viagem de uma “categoria analítica construída por sociólogos e historiadores através do tempo usando diferentes quadros temporais” (p. 1). Iniciando com a definição de assimilação de Gordon (1964), que inclui os três principais processos de assimilação nos Estados Unidos, “angloconformidade, melting pot e pluralismo cultural”, a autora pode viajar tanto no tempo quanto no espaço, resgatando criticamente não só as histórias e os processos sociais ocorridos nos grandes países de destino de imigrantes, os Estados Unidos e a França, mas também os conceitos e modelos de sociedade e cidadania aí produzidos.

Não é o caso aqui de resenhar o artigo em questão, que os leitores poderão apreciar na íntegra nas páginas que se seguem. Mas convém, para con-cluir, apresentar três questões levantadas pelo trabalho. Primeiro, trata-se da importância do conceito de melting pot (primeiro questionamento da ideia de assimilação pura e simples de judeus na Inglaterra vitoriana do começo do século XX) e da tentativa de superá-lo através de um estudo das condições sociais e históricas (para quais grupos e em que momentos históricos) que tornaram possível pensar numa “amalgamação”, ou seja, como, onde e por que conceberam um conceito assim? Para em segui-da analisar o resultado desse processo social em três possibilidades: a) desaparecimento das culturas imigrantes no seio da cultura dominante; b) construção de um novo padrão cultural fruto da fusão da cultura do-minante com as culturas imigrantes; e c) metamorfose de cada uma das culturas (adventícias e dominante) em produtos novos, mas que ainda guardariam alguns de seus elementos tradicionais.

A segunda questão diz respeito à crítica do conceito de etnicidade (enten-dido como identidade cultural de grupos) e seu uso na esteira tanto dos movimentos sociais (Os Panteras Negras) quanto do pluralismo cultural e político (caso da história social dos judeus nos Estados Unidos e na Europa). Aqui, a assimilação assumiu contornos políticos claros, envere-dou-se pelos corredores jurídico-administrativos do Estado e chocou-se frontalmente com as constituições republicanas cidadãs e os direitos à diferença. Assimilação dura, assimilação leve, manutenção de padrões culturais, diversidade de sociabilidades e processos de identificação, in-dividualismo etc. Daqui surgiram os conceitos de adaptação, colonização,

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inserção, as políticas públicas assistencialistas e mesmo uma redefinição dos códigos de nacionalidade e das políticas de imigração, temas sempre sensíveis. O interessante aqui é ver como os conceitos não são neutros, como vão e vêm, como se enraízam ou não nas diversas sociedades e histórias, enfim, como a atividade científica é sempre engajada e atual.

Finalmente, a terceira questão diz respeito ao processo de migração stricto sensu, ou seja, à migração analisada a partir dos grupos, das gerações que migram e das diferentes formas de inserção que cada uma delas, dentro de cada período histórico específico, trilhou. Não há movimento linear ou universal; tudo varia dentro de um mesmo grupo em função do tempo, da idade, do gênero, da atividade profissional, do país de destino e dos laços sociais deixados ou rompidos nos países de origem e, enfim, dos processos de retorno e da construção dos espaços transnacionais. A variedade de casos é tão grande que se duvida mesmo da possibilidade de categorizá-los. Mas a conclusão da autora, após tão exaustiva análise, não deixará de surpreender os leitores por sua simplicidade e clareza.

O segundo artigo traduzido, do sócio-historiador francês e também dire-tor de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS/MSH) em Paris, Gérard Noiriel, é um trabalho-chave nos estudos de imigração. Isso, pelo simples fato de datar historicamente, na França, o surgimento da questão da imigração, analisando as diversas variáveis que permitiram transformar o fato – a imigração – em uma questão social, econômica e política, o “problema do imigrante”.

Neste artigo, várias dimensões são importantes e merecem comentários, ainda que breves. A primeira delas diz respeito ao contexto histórico. Como fica claro no artigo de Nancy Green, os conceitos têm lá suas his-tórias, suas trajetórias e seus significados. Um dos maiores pecados do cientista social continua sendo o do anacronismo que, muitas vezes, é resultado do insuficiente conhecimento da história. Ora, essa questão é exatamente o ponto de partida de Noiriel. Ele pergunta: mas de fato, na França, quem era o cidadão que imigrava, em que época este fenô-meno tomou proporções de monta e, finalmente, por que isso se tornou um “problema”?

As perguntas, como se vê, são simples e diretas. Mas são as respostas que obviamente nos interessam. De cara, a descrição das condições histórico-demográficas, a repartição da população nas cidades e nas zonas rurais e o analfabetismo que viceja nas últimas, enquanto as cidades, sobretu-do Paris, eram reduto da vida intelectual e política, ainda que, mesmo entre estas, outra clivagem oponha o “bárbaro” mundo operário à elite dirigente. Em seguida, a centralização administrativa, o fortalecimento

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do Estado e seu aparelho legislador e controlador. Aqui, chama a atenção a “invenção” do passaporte, revelando que a mobilidade, mesmo dentro do país, se fazia sob certas condições, inclusive legais. Finalmente, as pri-meiras consequências, sobretudo revolucionárias, da chegada maciça de camponeses e outros trabalhadores a Paris, mostrando as raízes do “pro-blema social” provocado pelo deslocamento das grandes massas ou como os migrantes rapidamente tornam -se um assunto de Estado. Percebe -se assim que, até então, a migração era um problema interno, desvinculado da questão dos estrangeiros.

O surgimento do imigrante e o “problema” que “vem” com ele são, deve-se notar, uma novidade, tanto conceitual quanto sócio -histórica. Para apreendê-la, Noiriel vai explorar, in loco e no detalhe, ou seja, na cidade de Marselha e através de uma primorosa descrição de fatos históricos e da consulta de jornais da época, como tantos e tantos trabalhadores urba-nos passam simplesmente de estrangeiros (italianos, alemães ou outros), a quem se permitia migrar nesta liberal Europa da segunda metade do século XIX e vivendo nas suas comunidades (a “pequena Alemanha de Paris”), a imigrantes, ou seja, cidadãos oriundos de outros Estados (o que implicava a própria definição de nacionalidade e de Estado-nação), a quem se devia temer e/ou controlar.

Deste ponto em diante, o artigo é rico, detalhista e instigante, e novamente datado. O ano de 1870, após a derrota na guerra franco-prussiana, é rico em consequências. Trata-se não apenas do início de uma nova República (a terceira), mas da elaboração político-ideológica de uma nova noção de povo, ou melhor, da incorporação do povo na vida política da nação, o que implicou, é claro, uma nova concepção de nação e de nacional. Com estas vieram, como os leitores descobrirão, as noções de estrangeiro e de imigrante, emolduradas por debates públicos e legislações específicas, movimentos de protesto e finalmente a transformação do imigrante em um “problema”.

Mas não pretendemos nos substituir ao autor e, assim, nos limitamos a comentar aqui uma última questão. O surgimento, na França, dos ter-mos imigração e emigração. De fato, foi exatamente em 1868, em um “dicionário das ciências médicas” que os termos aparecem pela primeira vez. Mas o problema de fundo não é da ordem da medicina ou da saúde pública, mas da demografia. É para esta nova ciência, que trata da na-ção e de seus habitantes como um todo, que estes termos têm utilidade. Eles explicam a entrada e a saída de indivíduos, procura compreender os benefícios (econômicos com os novos trabalhadores) e os problemas oriundos (manutenção da baixa natalidade) destes movimentos popu-

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lacionais, mas tudo isso a partir da perspectiva da nação (dos nacionais) e do Estado (dos benefícios e dos perigos e conflitos que os estrangeiros provocam). Percebe-se assim que o surgimento da “categoria imigrantes” constrói outras mais (a do cidadão nacional, sobretudo) e define algumas já existentes (piemonteses, bretões etc.), reposicionando o xadrez social e étnico no interior do Estado francês, provocando e acirrando rixas entre as comunidades e, finalmente, criando uma nova clivagem no seio da República – direita e esquerda –, cujos argumentos ideológicos em relação aos imigrantes reais manter-se-ão praticamente inalterados até hoje tanto no Parlamento quanto na imprensa! Eis como os imigrantes passam a ser um “problema” cada vez mais grave, envolto no tradicional corolário de situações (ausência de patriotismo, conflitos, violência etc.).

A publicação do artigo de Gerard Noiriel, e dos demais artigos desse dossiê, supre ainda uma lacuna importante na atualização da literatura contem-porânea sobre políticas de imigração. Noiriel é um historiador francês conhecido no Brasil pela sua participação no campo da epistemologia da história e, em especial, nos debates sobre o estatuto da história contempo-rânea a partir da constituição da chamada “história do tempo presente”. Contudo, a maior parte da sua carreira foi dedicada ao exame do tema da imigração. De fato, quando seu livro Le Creuset Français3 foi publicado em 1988, ele rapidamente foi recebido como uma síntese inovadora da história da imigração na França. Mais tarde, Noiriel afirmou que a intenção do livro era constituir um programa de pesquisa mais do que uma síntese, e efetivamente esta é uma pista fundamental para a compreensão dos des-dobramentos do livro porque desde então há um crescente investimento de jovens pesquisadores sobre o tema da imigração, especialmente em torno do exame das relações de poder envolvidas aí envolvidas.

O livro representou também uma renovação nos estudos de política de imigração, por encarar este objeto não mais nos marcos da análise da política que emana de um estado já constituído, mas como o lugar mesmo do qual se pode observar a construção do Estado e a cristalização de relações de poder entre grupos sociais na sociedade francesa, ambos os processos a partir dos fenômenos de imigração. Este interesse pela abordagem do Estado através da imigração reatualizou de modo bas-tante fecundo o argumento de Sayad de que a sociologia da imigração é a melhor entrada para uma sociologia do Estado.4

3 NOIRIEL, Gerard. Le creuset français. Paris: Éditions du Seuil, 1988. Sem tradução para o português. 4 Cf. SAYAD, Abdelmalek. Immigration et pensée d’État. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 129,

1999.

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O programa envolvido em Le Creuset Français não se resumia à história da imigração, mas já desenhava a abordagem que viria a ser chamada de sócio-histórica e que se inscreve na reaproximação crescente, desde os anos 1980, entre a história e as ciências sociais como a sociologia e a antropologia. Esta aproximação se alimenta, de um lado, da percepção crescente de que os fenômenos que os cientistas sociais estudam são fenômenos históricos; e de outro, que a história é uma disciplina no interior das ciências sociais e que os historiadores devem fazer uso dos instrumentos analíticos aí desenvolvidos para avançar na compreensão de seus objetos de estudo.

Contudo, não se trata simplesmente de uma associação interdisciplinar. No projeto da sócio-história, a articulação entre sociologia e história opera em torno de uma perspectiva fundamental que é a crítica da reificação das relações sociais. A perspectiva crítica aí assumida foi conduzida segundo uma lógica da desconstrução que se alimentava metodologicamente da influência de autores como Foucault, Bourdieu, Derrida, entre outros, e que tinha como alvo as categorias da vida cotidiana, especialmente aquelas que eram produto de um trabalho de consagração, como aquele que é empreendido por agentes estatais em torno de fenômenos natu-ralizados, tais como o registro civil e o passaporte.

Esta perspectiva sócio-histórica, de que Noiriel é um dos mais importantes autores, se desdobrou mais tarde em dois projetos de trabalho coletivo que ainda permanecem bastante ativos: a revista Genèses5 e o seminário de sciences sociales et imigration.6 Em ambos os projetos se trata de com-preender as sociedades contemporâneas à luz da história, restituindo os processos que as modelaram. No caso da revista, de modo mais amplo, e no caso do seminário, de forma mais restrita à centralidade do tema da imigração nas sociedades europeias contemporâneas.

O terceiro artigo, de Alexis Spirre, um jovem pesquisador francês que tem assumido a coordenação do seminário sciences sociales et imigration, se dedica ao exame das representações e práticas de agentes encarrega-dos de imigração nas prefeituras de polícia e é um excelente exemplo desta perspectiva, intitulada sócio-história, construída em torno de duas preocupações.5 Genèses é uma revista internacional de ciências sociais e história criada em 1990 e que tem por objetivo reunir

contribuições de pesquisadores que buscam compreender as sociedades contemporâneas à luz da história. 6 Inicialmente intitulado “seminário de história social da imigração”, o seminário foi inaugurado em 1997, em

uma associação entre a École Normale Superieure e a École des Hautes Études em Sciences Sociales, sob a direção de Gerard Noiriel e Philipe Rygiel, e vem se repetindo anualmente desde então, sempre sob a direção de novos pesquisadores. Ele tem por objetivo reunir pesquisadores franceses e estrangeiros de forma a partilhar informações e contribuições teórico-metodológicas no estudo da imigração.

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A primeira consiste em explicitar as relações entre passado e presente, isto é, de um lado, afirmar a historicidade do presente, o que implica fazer a sociogênese das categorias que ordenam o presente.

Em segundo lugar, a sócio-história privilegia a abordagem das instituições entendidas como complexos de relações interindividuais. Daí a centrali-dade de uma perspectiva metodológica baseada em Weber.7 Este também é um dos aspectos que aproximam a sócio -história de uma antropologia do estado, concebida como uma analítica do estado por uma perspectiva ascendente, isto é, de baixo para cima, mas, também, a partir das relações sociais estruturadas em torno da presença de agentes, recursos e autoridade estatais. Neste sentido, muitas análises sócio-históricas tentam mostrar que os indivíduos que falam e escrevem em nome do Estado fabricam persona-gens coletivos como o “espírito público”, a “opinião pública”, o “povo” etc.

Outro aspecto fortemente ligado à influência de Pierre Bourdieu8 e que aproxima a sócio-história de uma perspectiva antropológica é a análise dos processos de nominação e categorização dos indivíduos exercidos desde as posições legítimas no Estado e nas posições dominantes em campos específicos. Este processo de nominação é analisado como uma relação de poder que permite agir a distância sobre as identidades dos indivíduos e de orientar suas condutas.

Em seu texto, Spirre aborda as práticas estatais em relação aos imigran-tes numa perspectiva d’en bas, com base no modo de organização dos funcionários intermediários, suas representações e práticas diante dos “problemas” representados pelos imigrantes. Com isso, ele desloca o foco habitualmente centrado no exame da política de imigração a partir do texto da lei e das decisões ministeriais. Isto significa, de um lado, atualizar a advertência de Foucault, de que o poder deve ser estudado lá onde ele se investe diretamente sobre seus alvos visados; e de outro, abordar o Estado não como entidade genérica e abstrata, mas como entrelaçamento socialmente estruturado de ações individuais, no qual os destinos concretos de imigrantes são jogados à frente e atrás de guichês.

Em um detalhado trabalho de sociologia histórica, Spirre demonstra a existência de uma divisão de trabalho que hierarquiza funcionários graduados e subalternos e define as modalidades de sua relação com a letra da lei. Num achado sempre didático em um país como o nosso, prenhe de legislações de todo o tipo, o autor mostra como a proliferação de leis, decretos, portarias e circulares pode levar tanto à paralisia do 7 Cf. WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. Lisboa: Ed. 70, 1997.8 Cf. BOURDIEU, Pierre. Esprit d´État. Actes de la Recherche in Sciences Sociales, Paris, n. 96- 97, p. 49-62, Mars

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funcionário subalterno, temeroso de desobedecer o que quer que seja, quanto à maior autonomização do funcionário graduado, que “escolhe” a portaria que vai seguir. Nestes termos, como pensar a aplicação da lei, sem levar em consideração o modo como estão estruturados, em termos de divisão do trabalho e de ethos, os comportamentos dos agentes encar-regados da sua aplicação?

Tornar visíveis estes princípios estruturantes é uma das principais con-tribuições desse artigo.

Concluindo, acreditamos que estes textos podem representar uma impor-tante contribuição para todos aqueles que querem não apenas estudar o fenômeno da imigração no Brasil, mas também compreender a trajetória do conceito de imigração, tanto do ponto vista teórico quanto em suas dimensões empíricas no interior das mais diversas tradições nacionais das ciências sociais.

Eis, em síntese, o dossiê que apresentamos aqui, esperando que os artigos traduzidos possam abrir novas perspectivas para os estudos migratórios no Brasil.

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Nancy L. Green*

Tempo e Estudo da Assimilação**

* Professora da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França.

** “Time and Study of Assimi-lation”. Artigo originalmen-te publicado em Rethinking History, v. 10, n. 2, p. 239-258, June 2006, Tradução de Marcelo Teixeira de Oliveira.

Este artigo busca explorar as maneiras pelas quais os esforços para classificar a assimilação (e seus vários opostos) estão ligados a noções do tempo – a taxa relativa de incorporação –, elas mesmas sendo produzidas em diferentes períodos históricos. O conceito de assimilação incorpora diferentes escalas de tempo e gerações em sua análise, mas o uso deste termo tem também seus próprios ciclos de uso. “Assimilação”, portanto, precisa ser reexaminada não somente como uma descrição da história da imigração per se, mas como uma categoria analítica construída por sociólogos e historiadores através do tempo, usando diferentes quadros temporais.Palavras-chave: assimilação; imigração; gerações; tempo; historiografia.

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Assimilar ou não assimilar depende muito da definição. E certamente houve inúmeras tentativas de definir assimilação. Ela tem sido explorada como um conceito sociológico e tratada como um fenômeno histórico. No entanto, um historiador reclamou de uma “confusão de significados” (BARKAN, 1995). O que segue não é somente mais uma tentativa de identificar assimilação como uma realidade histórica, mas uma exploração da prática historiográfica que produziu o termo. Proponho explorar as maneiras como os esforços para classificar a assimilação (e seus vários opostos) estão ligados a noções do tempo – a taxa relativa de incorporação – e são, elas mesmas, produzidas em diferentes períodos históricos. O conceito de assimilação incorpora diferentes escalas de tempo e gerações em sua análise, mas o uso deste termo tem também seu próprio ciclo de uso. “Assimilação”, portanto, precisa ser reexaminada não somente como uma descrição da história da imigração, per se, mas como uma categoria analítica construída por sociólogos e historiadores através do tempo, usando diferentes quadros temporais.

Uma das mais citadas, e ainda válidas, definições de assimilação como sendo um conceito sociológico é aquela de Milton Gordon (1964). Nos Estados Unidos no início da década de 1960, Gordon distinguiu, dentre outros processos, a assimilação cultural (comportamental) da assimilação estrutural. A assimilação comportamental inclui a aquisição de padrões linguísticos, sociais, rituais e culturais da sociedade hospedeira enquanto permite a manutenção de certo sentido de alteridade. Assimilação estru-tural, a grande porta de entrada nos clubes e instituições da sociedade receptora, incluindo, eventualmente, intercasamentos, leva ao desapa-recimento final do particularismo (GORDON, 1964). Principalmente para o historiador, Gordon esboçou uma tipologia com três teorias principais da assimilação nos Estados Unidos e que correspondem a períodos históricos relativamente distintos: angloconformidade, melting pot1 e pluralismo cultural.

Outros tipos de distinções sociológicas foram criados em outros países, e as diversas preocupações de pesquisadores fora dos Estados Unidos devem ser lembradas. Na França, por exemplo, diferentes formas de identidade são frequentemente atribuídas a diferentes esferas. Em termos gordonianos, isto significa que alguém pode dizer que a esfera pública é o local da assimilação estrutural, enquanto a alteridade com-portamental é relegada à esfera privada. (Assim, ao legislar contra o uso de burcas mulçumanas em escolas públicas, o Estado francês enfatizou 1 A tradução mais exata de melting pot em português é “crisol de raças”. É, algumas vezes, traduzida também

por “caldeirão de raças”. Contudo, uma vez que se trata de expressão bastante corrente, decidimos mantê-la no original em inglês aqui e nos outros lugares em que ela foi empregada. (N. do T.)

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oficialmente que é o lugar em que se veste e não a burca em si – uma manifestação particular de religião – que está em questão.) Muitos his-toriadores e sociólogos franceses realçaram esta distinção e, se afastando do termo assimilação propriamente dito, enfatizaram a longa história da França como um melting pot integrador (GREEN, 1999; NOIRIEL, 1988; SCHNAPPER, 1991, 1994).

Entre as numerosas interpretações da questão da assimilação nos Esta-dos Unidos, o sociólogo William Newman propôs, uma década depois de Gordon, uma formulação mais sistemática das teorias da assimilação (NEWMAN, 1973). A abordagem de Newman é interessante por dois motivos: sua tentativa de “cientificizar” uma descrição do processo através de uma simples fórmula matemática e, sobretudo, seu esforço, ainda mais explícito que o de Gordon, de simular modelos de assimilação historicamente. Deste modo, a noção de assimilação (ou angloconfor-midade) foi expressa por Newman como A+B+C=A, onde A repre-senta a cultura principal. Como ele indicou, essa noção foi o produto do período de imigração maciça entre 1860 e 1940, e isso refletiu no ponto de vista da maioria, reagindo aos recém-chegados. Amalgação, para Newman, poderia ser esquematizada como A+B+C=D, onde D representa a definição de Israel Zangwill de melting pot. A emergência deste conceito, na primeira década do século XX, foi o resultado do ponto de vista próprio das “minorias” e, assim, uma reação à ideologia da assimilação. A noção do pluralismo cultural (A+B+C=A+B+C), que se originou nas escritos de Horace Kallen em 1915, foi também uma resposta imigrante, contrariando explicitamente a ideia do melting pot (ZANGWILL, 1908; KALLEN, 1924). Beyond The Melting Pot, de Nathan Glazer e Daniel Patrick Moinyhan, levou o ponto de vista da minoria um passo adiante – A+B+C=A1+B1+C1 –, no qual grupos de minoria se tornaram grupos de influência, uma posição que Newman (claramente assombrado pelo espectro dos Panteras Negras e da Liga de Defesa Judia) criticava. Com certeza, Newman tomou a teoria da assimilação (Milton Gordon) e a teoria da minoria (GLAZER; MOYNIHAN, 1970) como lição para admitir uma assimilação muito linear, de um lado, e um pluralismo indiferenciado, de outro.

Mas, acima de tudo, Newman enfatizou a necessidade de historicizar os conceitos. “As ideologias de assimilação, amalgação e pluralismo cultural”, ele escreveu, “devem ser entendidas no contexto das condições sociais que precipitaram os grupos sociais e os endossaram” (NEWMAN, 1973, p. 53). Eles não são conceitos a-históricos. Nós precisamos considerar que

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as maneiras nos diferentes períodos de tempo nos quais os pesquisadores enfrentaram o problema afetaram as análises da identidade.

Sobre sociologia e históriaSociólogos definiram e redefiniram o termo muitas e muitas vezes; os historiadores utilizaram-no. Muitos, mas nem todos os sociólogos (especialmente nos Estados Unidos) tentaram quantificar a assimilação estrutural; historiadores (apesar de haver quantificadores dentre eles) usaram, com mais frequência, o conceito de modo mais metafórico. Este não é o lugar para reexaminar as diferenças entre as disciplinas e os repetitivos contrastes entre a generalização sociológica e a narrativa histórica, sendo os historiadores criticados por deixarem a teoria para os outros cientistas sociais, enquanto os últimos eram repreendidos por ignorar a mudança no tempo. E isso ainda que realizar empréstimos (“esburacando” e “contrabandeando”, como disse William Swell) entre as disciplinas seja comum em assimilação/estudos étnicos como em outros campos (SWELL JR., 2005; ABOTT, 2001).2 Isso pode ser implícito ou mais explícito quando feito por sociólogos históricos ou historiadores sociais. Questões relativas à assimilação talvez transponham a divisão disciplinar mais do que nunca, desde que elas impliquem inerentemente um estudo sobre tempo que é ao mesmo tempo limitado por um tempo histórico e enquadrado por um conceito sociológico. A este respeito, os sociólogos voltados para esse estudo estão se engajando em uma discus-são sobre a mudança através do tempo, enquanto os historiadores estão buscando entender o mesmo com referência a um conceito sociológico. Deste modo, as distinções disciplinares são talvez menos importantes neste campo do que as temporalidades escolhidas por pesquisadores e o período sobre o qual eles escrevem.

No caso de estudos (étnicos) e de “assimilação”, eu argumentaria, assim, que as duas disciplinas usaram quase os mesmos conceitos (desconsideran-do qual das duas produziu-os primeiro ou quantificou-os melhor) mais ou menos simultaneamente, ao longo de uma linha do tempo similar de ascensão, queda e, mais recentemente, ressurgimento. Assimilação foi de início bastante conceituada, em processo de americanização, na década de 1920, por parte dos sociólogos da Escola de Chicago e acla-mada durante o consenso do pós-guerra, nas décadas de 1950 e 1960, 2 Sobre pesquisadores da imigração “crescentemente cruzando fronteiras disciplinares”, ver Rubault et al.

(1999, p. 1260); Brettel; Hollifiel (2000). Para ver sociologia e história “como uma única aventura intelectual”, ao mesmo tempo conclamando para um melhor entendimento da epistemologia de cada disciplina, ver Morawska (2003, p. 645).

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por sociólogos e historiadores como o ápice do melting pot americano. Isso foi então repetidamente criticado a partir dos anos 1960, quando o ressurgimento da etnicidade contestou sua insensibilidade em relação às identidades individuais e grupais e seu envolvimento em um processo de mão única. Os meados da década de 1990 marcaram uma virada de curso em direção a uma conversa sobre o renascimento de uma avalia-ção positiva da assimilação. Assim, embora historiadores e sociólogos da migração seguissem uma linha de tempo de interesse na assimilação praticamente igual, escrevendo como se estivessem no mesmo período histórico, a grande diferença teve a ver com a preferência do quadro temporal escolhido, que variou tanto entre os historiadores quanto entre os sociólogos.

O que segue é uma investigação sobre as maneiras pelas quais dois dife-rentes entendimentos e usos de tempo estão embutidos em estudos de assimilação: aquele do período de tempo sobre o qual estudiosos estão escrevendo; e aquele do quadro temporal (longo ou curto) escolhido para o estudo.

Estudiosos no tempo

A virada para a etnicidade

O cotidiano da assimilação é tedioso e não inspirador... A agonia e o esplendor da assimilação são relativamente breves, localizados, um episódio na história do mundo moderno... A particularidade (e pre-ferivelmente, a singularidade) se tornou o único atributo universal humano mundialmente louvado; toda a seriedade sobre assimilação adquire um curioso sabor arcaico. (BAUMAN, 1998, p. 321-322, 331)

O livro de Milton Gordon, publicado primeiramente em 1964, pode ser visto historiograficamente como talvez o último hurra da teoria da assimilação antes da investida étnica. Escritores como Newman, uma década depois, já estavam avisados (e neste caso ansiosos) da virada para identidades mais plurais. Criticados por seus pressupostos etnocêntricos, por sua natureza normativa, sua noção teológica de que imigrantes ne-cessariamente se transformam em nacionais indiferenciados, os estudos de assimilação entraram em colapso.

A história do surgimento da etnicidade, com sua crítica direta da assi-milação como um conceito sociológico e uma prática histórica, é agora bem conhecida. É um exemplo claro da maneira como a produção de categorias de estudo pode ser ligada a tendências sociais mais amplas

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(NOVICK, 1988). Os movimentos sociais da década de 1960 – dos mo-vimentos antiguerra e de Direitos Sociais passando pelo “ressurgimento da etnicidade” – tiveram um enorme impacto na consciência histórica e na escrita da sociologia e da história. O ativismo daqueles que, expli-citamente ou não, questionaram a homogeneidade do Estado-nação confrontou ou talvez induziu a pesquisa da ciência social a fazer o mes-mo. Na história da imigração e na sociologia, a assimilação se tornou duvidosa e ridicularizada. O novo ou renovado interesse em etnicidade questionou uma variedade de modelos anteriores, desde os sociólogos da Escola de Chicago – pelo seu implícito, se não explícito, endosso da americanização – ao historiador Oscar Handlin e sua destruição das origens, em seu tempo, The Uprooted.3 A crítica de Rudolph Vecoli ao The Uprooted tornou-se um clássico, enquanto o livro de Handlin passou a ser visto como um modelo ultrapassado de alienação no qual a assimi-lação permaneceu o resultado implícito (VECOLI, 1964, 1972, 1985). De forma semelhante, na história do trabalho, Herber Gutman criticou uma historiografia nacional que assimilou trabalhadores imigrantes a um todo indiferenciado. Ele clamou por um entendimento renovado do que eles haviam trazido – cultural e politicamente – para as costas do Novo Mundo e argumentou em favor de uma importante reavaliação das culturas imigrantes para entender a história americana do trabalho (GUTMAN, 1976, p. 3-78; BARRET, 1992).

Uma estória historiográfica a respeito da história francesa deve ilustrar as mudanças casuais do conceito. Quando Michael Marrus escreveu um livro publicado em 1971, intitulado The Politics of Assimilation, foi acla-mado como um estudo pioneiro no campo da história social do povo judeu (MARRUS, 1971). Ele analisou a reação dos judeus franceses ao Caso Dreyfus, explicando por que eles não testemunharam em defesa de Dreyfus até muito mais tarde no caso, e criticou-os implicitamente por sua covardia. No entanto, o livro de Marrus foi em seguida severamen-te criticado por sua visão (não crítica) da assimilação do povo judeu à França. Na verdade, o livro produziu uma segunda geração de livros e artigos de sentido inverso, tentando provar o quão judeus, os judeus franceses do século XIX realmente eram. Trata-se aqui de uma questão da assimilação histórica ou não de judeus franceses, ou de uma questão do empréstimo de um conceito sociológico por um historiador social logo antes da crítica do próprio conceito? Alguém poderia argumentar que a maneira de descrever os judeus franceses mudou com o tempo, 3 Sobre o impacto da Escola de Chicago na Europa, ver Oriol (1981). Sobre a Escola de Chicago, ver Kivisto;

Blanck (1990); Persons (1987); Smith (1988); Higham (1975, p. 214-217). O precoce clássico de Oscar Handlin apareceu pela primeira vez em 1951 e tem sido reimpresso desde então (HANDLIN, 1973).

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em sincronia com o tempo. Da década de 1970 até a década de 1990, à medida que a assimilação foi reduzida e o etnicismo se tornou importante, os judeus franceses se tornaram mais “judeus” em termos de história e de memória (ALBERT, 1982; BIRNBAUM, 1992; SIMON-NAHUM, 1991).

A virada em direção ao etnicismo não foi, contudo, o “fim da assimilação” como conceito ou prática. Isso não levou, como muitos debates subse-quentes mostraram, ao fim definitivo de toda e qualquer noção de inte-gração dentro do governo ou da sociedade. Quando, pela primeira vez, o historiador Marcus Lee Hansen sugeriu o que ficou conhecido como “Hansen’s Law” (Lei de Hansen) em 1937 – a ideia de que a primeira geração emigra, a segunda esquece (assimila), mas a terceira retorna às suas origens – o que ele propôs como princípio histórico pode ter descrito bem muitos historiadores de 1970 e 1980, estudiosos de terceira – ou quarta – geração interessados em aspectos das experiências de seus an-tepassados (HANSEN, 1937; KIVISTO; BLANCK, 1990).

Mais importante, a Lei de Hansen nos fornece uma percepção para di-versos assuntos relativos ao tempo. O comportamento do grupo pode se alterar com o tempo, assim como se altera a atividade dos observadores. Cada geração de historiadores e sociólogos escreve em um tempo espe-cífico e com questões diferentes daquelas que os precederam.

A década de 1990: o retorno da assimilação (redefinida)

Nos anos 1990 estudos étnicos tinham se tornado, até certo ponto, ins-titucionalizados nos Estados Unidos, principalmente nos programas de estudo universitários. Céticos questionaram se a etnicidade tinha che-gado para ficar e se a construção histórica da noção havia sido analisada (ALBA, 1990; COZEN et al., 1992; GANS, 1979; STEINBERG, 1981; WATERS, 1990).

Enquanto aquela consagração se estabelecia, dois movimentos políticos e históricos contraditórios estavam acontecendo simultaneamente. De um lado, uma etnicidade frequentemente reificada surpreendeu o pluralismo cultural dos anos 1970, argumentando em favor de um multicultura-lismo mais agressivo sob forma de uma identidade política. Do outro, e em resposta àquela radicalização, surgiram novas chamadas a favor de uma virtude cívica comunitária, variando dos apelos de Warner Sollors e David Hollinger por uma América pós-étnica, às várias ênfases tanto de culturas mestiças, transitórias e híbridas quanto à renovada celebração

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da assimilação de Anthony Appiah (APPIAH, 1992; HOLLINGER, 1995; MORAWSKA, 1994; NASH, 1995; SOLLORS, 1986).

Em outros países, o droit à la différence –4 uma forma de afirmação cultu-ral étnica – teve vida curta e nunca foi institucionalizado nos programas universitários. França, Inglaterra, Holanda etc., com algumas diferenças de época nos processos de sensibilização, tornaram-se crescentemente conscientes de suas histórias da imigração a partir das décadas de 1970 e de 1980 (DIGNAN, 1981; HOLMES, 1988; LUCASSEN; PENNINX, 1997; NOIRIEL, 1988). Não obstante, o episódio étnico foi tratado com cuidado, pois seu potencial de divisão era frequentemente temido. Deste modo, enquanto na França a duradoura relevância do modelo républicain d´intégration5 permaneceu forte entre políticos, sociólogos e historiadores, pesquisadores holandeses, de forma semelhante, puseram a assimilação em primeiro plano, fazendo estudos de longa duração sobre a imigra-ção na Holanda (LE BRAS, 1998; LUCASSEN, 1997; LUCASSEN; PENNINX, 1997; SCHNAPPER, 1991; TRIBALAT, 1996).6

Um número de sociólogos e historiadores dos dois lados do Atlântico retornou, deste modo, ao conceito de assimilação como forma de se afas-tar da controversa natureza sobre um multiculturalismo “duro” (ALBA; NEE, 2005; BRUBAKER, 2001; KAZAL, 1995; MORAWSKA, 1994).

No entanto, e de forma importante, eles fizeram isso redefinindo a as-similação no intuito de mudá-la de suas mais odiosas (e culturalmente repressivas) conotações e incorporando algumas das críticas da etnici-dade. Deste modo, os sociólogos Alejandro Portes, Rubén Rumbaut e Minzhou ou a historiadora social Ewa Morawska nos Estados Unidos, o sociólogo Dominique Schnapper na França, e o historiador Leo Lucassen na Holanda, todos eles perceberam o retorno ao que pode ser chamado de assimilação “leve”. Acredita-se assim em uma adaptação no longo prazo, sem aniquilar todas as diferenças (LUCASSEN, 1997; PORTES, 2000; PORTES; ZHOU, 1993; RUMBAUT, 1999; SCHNAPPPER, 1991).

A busca por um termo adequado

Durante a última metade do século, estas tentativas cambiantes de definir e usar o conceito de assimilação foram atrapalhadas pela dificuldade de encontrar um termo melhor. Enquanto as décadas de 1980 e 1990 pre-4 Em francês no original. Traduz-se como “o direito à diferença”. (N. do T.)5 Apenas “républicain” e “intégration” estavam em francês no original. Toda a expressão pode ser traduzida

como “modelo republicano de integração”. (N. do T.)6 Veja o debate entre Tribalat (1996) e Le Bras (1998).

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senciaram uma dramática queda no uso do próprio termo, numerosos críticos falharam em tentar achar um substituto satisfatório.7

Mesmo antes disso, dois demógrafos franceses (Girard e Stoetzel) haviam sugerido, nos anos 1950, os termos “inserção” ou “adaptação”, enquanto o sociólogo israelita Samuel E. Einsenstadt falou explicitamente, em 1954, de “absorção”. Do começo da década de 1980 em diante, e frente ao crescente criticismo, a busca por outro termo avançou depressa. O so-ciólogo alemão Hoffmann-Novotny era um antigo proponente do termo “integração”. Um historiador israelita (Ezra Mendelsohn) sugeriu “inte-gracionismo” (EINSENSTADT, 1954; GIRARD; STOTZEL, 1953-1954; GORDON, 1964; HOFFMANN-NOVOTNY, 1983; MENDELSOHN, 1993).

O sociólogo belga Gilles Verbunt alertou sobre a linearidade de uma lin-guagem na qual a consequência seria que a inserção (“la prise en charge par les instituitions du pays d’accueil”) levaria à adaptação (“de la part de l’immigré”) e então à integração (“dans le logement et dans le travail”),8 seguida pela assimilação (cultural) e finalmente pela naturalização. Ele preferiu o termo integração, considerando uma relação recíproca. Desde então o termo se espalhou pela linguagem sociológica francesa e foi até incorporado por uma comissão governamental: o Haut Conseil à l’Intégration,9 criado na França em 1990 (LONG, 1988; VERBUNT, 1985; WEIL, 1991).10

Mas, devido à sua utilidade, o debate continuou. Adrian Favell mostrou como, em muitos países europeus, a “integração” esteve fortemente li-gada ao paradigma do Estado-nação, enquanto Michael Banton rejeitou o termo por implicar uma totalidade matemática, preferindo “interação maioria-minoria” (BANTON, 2001; FAVELL, 2003).

Aquilo que pode funcionar em uma sociedade pode não funcionar em outra. Apesar das inerentes dificuldades de definição, os termos não são universalmente aplicáveis de uma língua para outra. A “integração”, construída com o significado de total rendição ao modelo dominante na Holanda, foi, portanto, vista como pejorativa por alguns historiadores.11

7 Na França, a própria ideia foi às vezes criticada como uma importação americana (ORIOL, 1981).8 Essas três expressões estão em francês no original. Traduzem-se, respectivamente, por “as instituições do país

que acolhe ficam encarregadas”, “da parte do imigrante” e “no local de moradia e no trabalho”. (N. do T.)9 Em francês no original. Traduz-se por “Alto Conselho da Integração”.10 Para uma história da política das políticas francesas de imigração, ver Weil (1991). 11 Portanto, Jan Lucassen e Rinus Penninx preferem o termo assimilação (LUCASSEN; PENNINX, 1997, p.

102-103). Comunicação pessoal de Jan Lucassen para Nancy Green, 29 de outubro de 2001. Não obstante, o Wet Inburgering Niewkomers foi traduzido como ato da integração dos recém-chegados (DE HEER, 2004).

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O termo teve outra, e mais específica, conotação nos Estados Unidos para os afro-americanos. O economista Michael Pior certa vez sugeriu “colonização” como um termo mais neutro, enquanto o historiador John Laslett aceitou “aculturação”, “acomodação” ou “adaptação” (LASLETT, 1985, p. 589-590; PIORE, 1979, p. 76-81). Os termos às vezes podem ser difíceis de “traduzir” de uma disciplina para outra. Quando os historia-dores começaram a falar de aculturação ao invés de assimilação, alguns antropologistas ficaram horrorizados, porque cultura é um construto em si complexo demais para o termo ser facilmente traduzido. Outros antropólogos aceitaram aculturação, apesar de definida mais especifi-camente. Os termos podem, deste modo, ser específicos em diferentes países, linguagens ou disciplinas. Ou podem migrar alegremente de um para outro.12

A análise da assimilação como uma realidade histórica pode, assim, ser uma questão de disciplina acadêmica e linguagem, mas não é somente isso. Ela está também relacionada à posição do próprio observador no tempo. Não é que simplesmente objetos históricos mudaram de assimi-lados para étnicos. Os pesquisadores também trouxeram novas questões e categorias para suas pesquisas, ancoradas em seu próprio presente.

Desse modo, precisamos estudar as gerações de migrantes e de estudio-sos. O que me interessa aqui não é mapear noções do tempo como uma experiência social,13 nem analisar a força do discurso político relativo à assimilação ou etnicidade através do tempo. É mais o uso de termos como assimilação, etnicidade, integração ou multiculturalismo por parte dos cientistas sociais, que incorporam na análise diferentes escolhas feitas por pesquisadores que estão eles mesmos enraizados no “tempo histórico”.

A mudança historiográfica e histórica do século XX, de assimilação para etnicidade e de volta para assimilação, é um fenômeno tanto histórico quanto historiográfico. Sincronicamente, em todo o período de tempo, houve frequentes e fervorosos debates sobre definições de identidade. Diacronicamente houve também tendências identificáveis através do tempo. No entanto, a maioria das análises sincrônicas ou diacrônicas presumem que um modelo é historicamente “correto”, o que pode ser chamado, usando a terminologia de William Swell, uma temporalidade teleológica (SWELL JR., 2005, cap. 3: “Três Temporalidades”). O mo-delo de etnicismo dos anos 1970 procurou triunfantemente derrubar o 12 Para os debates na história americana, ver, por exemplo, Gleason (1980, p. 32-58; 1992); Higham (1981); e

o debate entre Olivier Zunz e John Bodnar (1985).13 Ver, por exemplo, a interessante análise sobre a diversidade das percepções temporais por parte dos migrantes

como uma dimensão crucial de suas práticas culturais de Saulo B. Cwerner (2001).

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consenso assimilacionista do período pós-guerra, assim como a noção de hibridismo é hoje construída contra uma enrijecida política de etnicidade.

É essencial enfatizar a capacidade de mudança desses termos através do tempo. Etnicidade e assimilação não são apenas fenômenos situados em períodos históricos. Cada conceito é um construto historiográfico que comumente discute de uma maneira implícita ou explícita que ambos, o objeto e a análise dele, representam um tipo de “fim da história”. Na verdade, as normas profissionais encorajam uma individualidade histo-riográfica sobre interpretações anteriores. Enquanto pudermos traçar a popularidade: a) de um fenômeno histórico e b) as construções de análises através do tempo, precisamos ter em mente que são processos cambiantes e estão sempre sujeitos a novas críticas.

Estudiosos que escolhem o tempo

Múltiplas estruturas de tempo

No final, o que está em foco não é tanto a definição de assimilação ou o contrário disso. Alguém pode acreditar que a assimilação tem funcio-nado até agora e ainda estudar a diversidade étnica na curta duração. Mas é importante reconhecer que o conceito de assimilação – em suas várias transformações linguísticas – tem sido utilizado diferentemente através do tempo e utiliza o tempo de forma diferente em suas várias (e múltiplas) definições.

Além disso, para historicizar as tendências interpretativas do século passado, existe outro modo importante no qual analisar a assimilação (assim como, genericamente, analisar identidade) é uma questão de quadro temporal. Análises baseadas em diferentes escalas de tempo pro-duzem diferentes resultados. Isso pode ser verdade tanto para sociólogos quanto para historiadores. Eu sugeriria que existem várias maneiras de analisar assimilação como um fenômeno histórico, cada uma utilizando diferentes estruturas de tempo e cada tentativa contendo as sementes dos diferentes desfechos.

Em primeiro lugar, a assimilação pode ser, e frequentemente é, estu-dada como um fenômeno intergeracional. Ela tem sido, sem dúvida, a abordagem mais comum, apesar de a importância e de as implicações de escolher uma, duas, três ou mais gerações como uma estratégia ex-plícita de pesquisa não haverem sido suficientemente examinadas. O fato de se estudar um comportamento de um grupo ao invés de estudar o comportamento de várias gerações pende para o lado de entender

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a assimilação como um resultado (de longa duração). Duas outras abordagens relacionadas ao tempo foram ainda menos estudadas. Em segundo lugar, a renovação do grupo, ou o estudo de sucessivas levas de imigrantes da mesma origem através do tempo, é um tópico que pode questionar a formação da identidade como sendo fixada pelo tempo. Em terceiro lugar, assimilação como um fenômeno intrageracional – o impacto diferencial nos pais ou filhos – mal foi mencionada. E finalmente, então, retornaremos à assimilação como uma tendência historiográfica produzida por estudiosos.

Assimilação como um fenômeno intergeracional: a escolha e o impacto do estudo sobre o longo prazo

Das quatro opções sugeridas, a primeira vem sendo a mais usada, porém tem sido raramente teorizada como uma estratégia de pesquisa. Quanto tempo leva, quão rapidamente pode ocorrer, e qual critério conta: aqui-sição da língua, padrões de moradia, entrar para clubes, naturalizar-se, afrancesar ou americanizar o primeiro nome de alguém ou o último de outro? Quanto é muito pouco? Quantos “degraus” de assimilação são necessários para que a coisa aconteça? Uma geração é muito pouco tem-po? Duas são suficiente, como na “lei de Hansen”, mesmo se a terceira geração voltar às suas “raízes’? A avaliação da assimilação é tanto uma questão sobre a duração escolhida para o estudo quanto um dos fatores selecionados para serem apreciados.

A escolha do quadro temporal de longo prazo é crucial. Em seu útil artigo de revisão, Russel Kazal tomou três historiadores de estudos étni-cos – Herbert Gutman, John Bodnar e Paul Buhle – para justificar não estudar o destino dos grupos de imigrantes além das duas primeiras ge-rações (KAZAL, 1995, p. 458). Em suma, Kazal repreendeu estes autores por suas escolhas de estrutura de tempo. Deste modo, ele reconheceu implicitamente que uma visão da longa duração enfatiza a assimilação, enquanto um estudo de curta duração aumenta a diversidade e destaca as diferenças das culturas imigrantes.

Talvez ironicamente, Gérard Noiriel criticou a metodologia da longue dureé14 de Fernand Braudel porque, como consequência, ela tornou invisí-veis (assimilados) os imigrantes dentro da história francesa. Isto é, Noiriel sugeriu que a visão da longa duração de Braudel é estruturalista demais, imóvel demais, estática demais em sua ênfase do nacional. Entretanto, Braudel dedicou apenas breves 35 páginas em seu último (incompleto e 14 Em francês no original. Esta expressão aparece também em outros lugares, sempre citada em francês. A

tradução mais corrente é “longa duração”.

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póstumo) livro de três volumes (mais de mil páginas) sobre a identidade francesa. Como o próprio Noiriel notou, o assunto da imigração na Fran-ça (assim como nos Estados Unidos, eu acrescentaria), (simplesmente) não era um grande espaço de investigações historiográficas na época em que Braudel escreveu (NOIRIEL, 1988, p. 50-67; ver também BRAUDEL, 1969, 1986). No entanto, não há nada intrínseco no método histórico e no pensamento de Braudel que impeça sua aplicação aos estudos sobre migração. Certamente, existe também uma história de longue dureé nas mudanças e amálgamas de populações, tudo isso contribuindo para a criação da maioria dos “Estados-nação” como nós os conhecemos hoje (MATHOREZ, 1914, 1919-1921; LEQUIM, 1988).

A este respeito, um uso renovado da longue durée está no coração de qualquer estudo sobre migrantes e seus descendentes. No entanto, o que tanto as críticas de Kazal como as de Noiriel mostram são as maneiras como as escolhas dos quadros temporais definem o palco para o estu-do da diferença ou amalgamação na história da imigração. Como Leo Lucassen descreveu, existe um abismo entre as abordagens de longa e de curta duração nos estudos sobre imigração (LUCASSEN, 1997; ver também HUTCHINSON, 1956; TRIPIER, 1981).

A opção de um estudo longitudinal pode, assim, dentro e fora dela mesma, enfatizar assimilação como o desfecho final. Esta escolha é uma opção de pesquisa e deve ser reconhecida como tal. Pode ser a escolha dos otimistas em um mundo fragmentado ou xenófobo; pode ser uma escolha política, enfatizando a coerência de um ideal républicain15 acima de uma temida fragmentação. Os contos de transformação – de estrangeiros em nacionais – contados sobre a longa duração podem naturalmente tran-quilizar os temores de uma presumida não assimilabilidade, tornando-se todos os “novos” imigrantes finalmente “velhos” com o tempo.

Não obstante, um “final feliz” assimilacionista na longa duração pode minimizar as diferenças culturais, econômicas da primeira geração e suas dificuldades de adaptação. Ora, como Gary Gerstle nos lembrou, isso pode nos levar ao esquecimento daqueles elementos de coerção que acompanharam a liberdade de amalgamação (GERSTLE, 1997, 2001). Duas questões precisam, deste modo, ser explicitamente dirigidas aos estudos de migração e de etnicidade. Qual(is) período(s)/geração(ões) é(são) objeto de estudo? Quais são as comparações implícitas que salien-tam esta opção?15 Em francês no original. Traduz-se por “republicano”. (N. do T.)

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A escolha de qual período/geração do tempo a ser estudado(a) não é neutra. Como nos lembrou Herb Gans, “pesquisadores das novas e an-tigas imigrações têm estudado diferentes gerações de recém-chegados” (GANS, 1997). E mesmo dentre os (então) “novos” imigrantes, escolher imigrantes judeus ou italianos na virada do século em Nova York não é a mesma coisa que estudar seus descendentes nos anos 1970. É claro, escolher a primeira geração de imigrantes para estudar assimilação não é a mesma coisa que escolher a segunda, a terceira ou a quarta geração. Mas ao mesmo tempo, a escolha da geração também significa situar o estudo dentro de um período histórico específico. Ser uma terceira geração alemã ou irlandesa nos anos 1920 não é a mesma coisa que ser uma terceira geração de judeus ou italianos nos anos 1970. As escolhas da geração e de seu período histórico precisam, assim, ambas ser analisadas.

Além disso, a maioria das “avaliações” da assimilação – seus sucessos, seus fracassos – está baseada implícita ou explicitamente em pontos de par-tida comparativos, transitórios. Na verdade, uma das razões pelas quais o conceito de assimilação foi criticado inicialmente deve-se àquilo que pode ser chamado de linearidade teleológica inerente à análise: a ideia de que imigrantes seriam assimilados pela cultura receptora e, nisso, eles perderiam suas identidades originais. Esta crença implicava uma dupla estrutura comparativa temporal e espacial: aquela do “antes” (o país de origem) e aquela do “depois” (o país da colonização).

De forma semelhante, “comparações” intergeracionais – aquela do “pri-meiro” grupo imigrante e seus descendentes – dependem fortemente de dois outros tipos de comparações que eu chamei de divergentes e conver-gentes (GREEN, 1999, 2002). Comparações divergentes examinam um grupo em dois ou mais lugares, como fizeram Samuel L. Baily, Herbert Klein e Donna Gabaccia com os italianos ao redor do mundo ou como fez Karin Hofmeester com trabalhadores judeus de Paris, Londres e Amsterdã (BAILY, 1999; GABACCIA, 2000; HOFMEESTER, 2004; KLEIN, 1983). Comparações convergentes (mais frequentemente utilizadas) comparam grupos imigrantes através do tempo em um lugar, assim como Olivier Zunz fez com Detroit ou John Bodnar com Pittsburgh (BODNAR, 1977; ZUNZ, 1982). A escolha da estratégia comparativa, assim como a escolha da geração estudada ou do período considerado, deve ser toda concebida como parte do quadro temporal do estudo da assimilação. A assimilação é um processo de longa duração, mas certamente não é a-histórica.

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Grupo renovado através do tempo

Além do estudo intergeracional que considera um grupo indo adiante no tempo através de seus filhos e filhas, netos e bisnetos, outro processo de longa duração para se levar em conta é o que pode ser chamado homônimo na linha do tempo. Um grupo não é uma unidade estática. Ele está sempre sofrendo constantes redefinições, devido não apenas a opções de identidade de seus filhos, mas também à chegada de novas afluências de pessoas da mesma origem. Os novos membros podem afe-tar os padrões da assimilação do grupo de várias formas: acelerando ou segurando-os no grupo antigo, criando tensões dentro da comunidade, impulsionando as chegadas anteriores numa espécie de tutorial (tipo goste disso ou não) em direção àqueles que vêm depois deles. Os judeus e armênios na França, por exemplo, são na verdade categorias resul-tantes de um número de coortes do século passado. Os judeus em Paris sozinhos precipitaram-se da Alsácia-Loraine (nos anos 1870), do leste da Europa (a partir de 1880) e, mais recentemente, do norte da África (desde 1950). A partir de cada leva de imigrantes, o grupo predecessor é redefinido como “nativo” ou grupo “francês”. De maneira similar, os ar-mênios que fugiram da Turquia após o Genocídio de 1915 têm sido mais recentemente seguidos por armênios do Líbano, que chegaram, assim como diferentes coortes judias, com diferentes fantasias e expectativas (GREEN, 1989; HOVANESSIAN, 1992). Tanto para judeus como para armênios, as tensões realçaram relações intraétnicas com as repetidas mostras de solidariedade. Migração, como um fenômeno repetitivo, tem um impacto na aculturação, mas ele é complementar e, porém, distinto da abordagem multigeracional discutida anteriormente.

Assimilação como um fenômeno intrageracional

O próprio termo “geração” precisa ser definido com mais cuidado para os estudos sobre migração. Relativamente, foi feito pouco trabalho histórico a respeito das “gerações” como nós as conhecemos no cotidiano: pais e crianças, irmãos. O termo “gerações” foi muito usado e, com diferentes significados, para analisar coortes migrantes (judeus do leste europeu de 1880 a 1924; imigrantes asiáticos pós-1965...). Contando com o fato de que grupos migrantes são da mesma família, eles podem ser na ver-dade pelo menos duas gerações: pais e filhos (com, eventualmente, avós acompanhantes). Conflitos entre eles sobre língua, educação ou normas culturais foram estudados. Porém, essas variadas experiências dentro da primeira geração imigrante “primo” têm um impacto em qualquer análise da aculturação do grupo através do tempo.

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Conflitos entre pais e filhos podem ser concebidos como modos diferen-ciados de adaptação dentro da primeira geração imigrante. Tempo e gê-nero podem intervir diferentemente. Estudos sobre gênero provocaram questões a respeito dos padrões de adaptação de homens e mulheres. Mas pouco foi feito a respeito de dois outros fatores relacionados ao tempo: idade na chegada e classificação dentro da unidade familiar. Diferenças nas experiências com crianças jovens e mais velhas, dependendo da idade com que chegaram e oportunidades de educação ou obrigações no trabalho são outras instâncias no impacto das questões relacionadas ao tempo em relação à imigração, à instalação e ao gênero.

Transnacionalismo: onde diferem as disciplinas através do tempo

Embora eu tenha argumentado anteriormente que o engajamento das disciplinas em relação à assimilação/etnicidade/assimilação tenha seguido um padrão bastante parecido, existe um ponto muito importante em que a sociologia e a história diferem nas suas apreciações sobre assimilação. Cada disciplina tem um régime d’historicité16 ou relação ao tempo histó-rico globalmente diferente (HARTOG, 2003). Isso ficou especialmente claro com a “descoberta” do transnacionalismo e com o debate em torno de sua originalidade. Transnacionalismo é (o contrário presumido de assimilação) – a manutenção de elos e costumes através do espaço – um novo fenômeno ou não? Os sociólogos e antropólogos que inventaram o termo dizem que sim. Os historiadores, entretanto (auxiliados pela socióloga histórica Ewa Morawska), dizem que não, enfatizando a simi-laridade com fenômenos do passado (KIVISTO, 2001; MORAWSKA, 2002; SCHILLER et al., 1992; WALDINGER; FITZGERALD, 2004).

Quão novo é o transnacionalismo? Na verdade, o próprio termo foi cunhado (ou rejuvenescido) para expressar uma novidade, indican-do o contemporâneo crescimento do movimento e da comunicação para dentro e para fora das fronteiras, o que implica um afastamento da pertinência do Estado-nação. O debate a respeito de quão novo é o transnacionalismo parece ser essencialmente aquele da escala versus o escopo. Sociólogos e antropólogos argumentam que uma mudança na escala é uma mudança no escopo: o transnacionalismo é novo. Os his-toriadores argumentam que se trata de uma mera mudança de escala, o que finalmente não é novo.16 Em francês no original. Em português, traduz-se por “regime de historicidade”. (N. do T.)

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Pensando assim, cada disciplina tem sua própria percepção de tempo e novidade. Focando o passado, historiadores estão mais inclinados a uma forma de déjà vu17 no entendimento da migração atual e os padrões de abrigo (ou falta dele) do que os sociólogos e antropólogos que se preocu-pam com o mundo contemporâneo. Estes postulam uma diferenciação do passado para o presente, o que contrasta com o entendimento dos historiadores de possíveis continuidades temporais. Historiadores que contestam sua “realidade” não estão necessariamente descartando o “transnacionalismo”. Eles estão apenas afirmando que isso ocorreu no passado também.

Finalmente, contudo, nossas disciplinas, assim como nossas escolhas de termos, também mudam com o tempo. Por que, por exemplo, estudar essa novidade agora? Como eu já sugeri, as respostas têm muito a ver com os estudiosos e seus objetos. Uma mudança geral de interpretação nos últimos 30 anos afetou todas as ciências sociais. A ênfase nas estru-turas cedeu espaço para a atividade individual; pesquisas a respeito da opressão, constrangimentos e protestos coletivos cederam muito espaço para uma ênfase nos indivíduos e nas possibilidades de suas próprias ações e reações. A antiga literatura da assimilação estava presa a uma crença nas estruturas integracionistas dos países de chegada, visto que a literatura da etnicidade, desenvolvida dentro do contexto de aumento da atenção voltada para atividades individuais (ou grupais), expressava a continuidade com formas importadas de expressão cultural.

Conclusão: assimilação como um fenômeno historiográficoEscolher uma geração, um período, um curto ou longo período de tempo para estudar, focar-se em pais ou filhos, homens ou mulheres, tudo isso implica escolhas para construir um estudo sobre assimilação. Questões de tempo, sobre o tempo, contexto histórico e historiográfico afetam qualquer análise do processo de identidade. Assimilação ou aculturação não é somente uma questão histórica ou uma questão inter ou intrage-racional. É também uma questão historiográfica. Se o momento da che-gada de qualquer grupo imigrante precisa ser considerado em qualquer conta de assimilações subsequentes, também precisa ser o momento da chegada das novas gerações de historiadores na cena historiográfica.

Precisamos, deste modo, historicizar a historiografia. A historiografia da “eterna etnicidade”, que pretendia explicar a experiência imigrante para 17 Em francês no original. Em português esta expressão pode ser traduzida livremente para “já visto”. (N. do T.)

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sempre – assim como a abordagem da assimilação fez anteriormente –, teve seu próprio lugar no tempo: os anos 1970 e 1980. Um movimento historiográfico em direção a considerações sobre assimilação está agora em curso, e isso é uma questão tão importante na história da experiência de migração quanto o é na história da produção da pesquisa histórica. Tal-vez, na medida em que os estudos sobre migração desenvolvidos nos anos 1970 e 1980 foram, de um lado, institucionalizados (nos Estados Unidos) e, de outro, essencializados por alguns multiculturalistas dos anos 1990, não é de surpreender que estejamos vendo outro movimento de retorno feito por teorias de melting pots com qualquer outro nome (modificado), com seu corolário de interesse no longo prazo. Os próprios repertórios de investigações históricas mudam com o tempo. Mas eu argumentaria que esta nova corrente assimilacionista não está tão enraizada na pedra historiográfica quanto os trabalhos dos sociólogos de Chicago ou de Milton Gordon. Talvez seja um lance de sorte, no entanto, dizer quem mudou mais: os imigrantes ou seus historiadores. Certamente os dois.

AbstractThis article aims to explore the ways through which efforts towards the classification of the assimilation (and its various opposites) are connected to the notion of time - the relative rate of incorporation - being produced in different historical times. The concept of assimilation incorporates different time scales and generations in its analysis, but the usage of the term has its own use cycles. “Assimilation”, therefore, needs reexamination not only as a historical description of immigration per se, but also as an analytical category built by sociologists and historians through time using different time frames.Keywords: assimilation; immigration; generations; time; historiography.

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Nota da autoraEu gostaria de agradecer a Leo Lucassen, que primeiro me convidou a começar a pensar nestes assuntos durante uma conferência orga-nizada pelo Instituut Voor Migratie-em Etnischi Studies em Haia.

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Gérard Noiriel*

A imigração: o nascimento de um “problema” (1881-1883)**

* Historiador e professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris).

** Publicado originalmente na revista Agone, nº 40, p. 15-40, 2008. Tradução de Márcio de Oliveira, profes-sor de sociologia (UFPR). [email protected].

Os discursos sobre o “problema” da imigração se dividem em dois grandes capítulos, constantemente colocados no centro da atualidade. O primeiro diz respeito à entrada e à estada dos estrangeiros em território nacional. O segundo aborda a questão da integração destes estrangeiros (ou de seus filhos) na sociedade francesa. Eu mostrarei aqui que o termo “imigração” se impôs brutalmente no vocabulário político francês no começo dos anos 1880, para designar de início estes dois tipos de preocupação. Naquele momento a matriz que produziu e reproduziu todas as polêmicas sobre este assunto há 125 anos foi inventada.Palavras-chave: problema da imigração; França; identidade nacional.

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Os discursos atuais a respeito do “problema” da imigração se repartem em dois grandes capítulos, constantemente colocados no centro da atua-lidade. O primeiro diz respeito à entrada e à estada dos estrangeiros em território nacional. O segundo se refere à questão da integração destes estrangeiros (ou de seus filhos) na sociedade francesa. Nesta contribui-ção, eu mostrarei que a palavra “imigração” se impôs brutalmente no vocabulário político francês, no começo dos anos 1880, para designar de início estes dois tipos de preocupação. Naquele momento foi inventada a matriz que produziu e reproduziu todas as polêmicas sobre o assunto nestes 125 anos.

No tempo das “migrações”A mecanização dos deslocamentos humanos (invenção do barco a vapor e da estrada de ferro) provocou um desenvolvimento formidável da mobilidade a partir dos anos 1840.1 Se todas as partes do mundo foram afetadas por este processo, suas modalidades e seus efeitos variaram fortemente em função dos contextos históricos. A principal originalidade do caso francês deve-se ao fato de que, diferentemente do que se passa então em outros países da Europa, a mecanização dos transportes não acarretou uma intensificação da emigração.

Para compreender este fenômeno, deve-se parar um momento sobre a história das zonas rurais francesas. Como mostrou Marc Bloch, as lutas que opuseram o poder real ao poder senhorial a partir da Idade Média serviram finalmente aos interesses dos pequenos camponeses, muitos dentre eles tendo conseguido se tornar proprietários de seus pedaços de terra.2 Longe de romper com esta lógica, a Revolução francesa a ar-rematou, distribuindo as terras confiscadas das Igrejas. O peso enorme da pequena classe camponesa desempenhou um grande papel no de-senvolvimento da indústria rural desde a metade do século XVIII, até a metade do século XIX. A pluriatividade, baseada na complementaridade entre as atividades agrícolas e industriais, tornou-se, neste período, o modo de produção dominante nas zonas rurais, levando à multiplicação do número de operários-camponeses.1 Os especialistas estimam em 55 milhões o número de indivíduos que teriam deixado a Europa para se

instalar na América e nas colônias depois de 1840, números aos quais devem ser acrescentadas as migrações intraeuropeias. O desenvolvimento da grande indústria, a liquidação dos laços feudais e o agravamento das perseguições religiosas na parte oriental da Europa são outros fatores essenciais que explicam a intensifica-ção dos movimentos migratórios. Sobre esta questão, ler RYGIEL, Philippe. Le temps de migrations blanches: migrer en Occident (1840-1940). Paris: Aux lieux d´être, 2007. p. 33.

2 BLOCH, Marc. Les caractéres originaux de l´histoire rural française. Paris: Armind Collin, 1932; BLOCH, Marc. Seigneurie française et manoir anglais. Paris: Armind Collin, 1960.

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O êxodo rural foi igualmente perturbado por dois outros fenômenos. De um lado, a precocidade do sufrágio universal masculino (suprimido após a Revolução, mas restabelecido após 1848) conferiu aos camponeses os meios políticos para se opor a ele. De outro lado, as práticas maltusianas, que se desenvolvem nas zonas rurais francesas três quartos de século antes do que em outros países da Europa, provocaram uma forte diminuição da natalidade. A França, que era o país mais populoso da Europa em 1789, ocupava apenas a quarta posição um século mais tarde.

Para compreender a situação particular da França no plano das migra-ções, deve-se insistir também sobre as consequências sociais e políticas da sociedade da corte, implantada por Louis XIV para atrair para si uma nobreza que a burocracia embrionária do Estado monárquico não con-seguia disciplinar a distância. A primeira, sem dúvida a mais importante, está ligada à centralização precoce das atividades econômicas, culturais e políticas na capital parisiense. Primeira cidade operária da Europa, Paris é também incontestavelmente a capital da vida intelectual e concentra, dentro de seus muros, todos os órgãos dirigentes do Estado. Tal como o demonstra a história política do país entre 1789 e 1870, em Paris, uma revolta pode rapidamente se transformar em uma revolução por pouco que o povo se irrite. A capital surge assim como uma espécie de Estado dentro do Estado, que os poderes estabelecidos se esforçam para pro-teger, dotando-a de suas próprias forças de segurança (o comissariado de política).

A antiguidade e a centralidade do Estado monárquico explicam também a precocidade e a força do processo de afrancesamento das elites e a radicalidade com a qual o poder revolucionário conseguiu em seguida quebrar todas as barreiras corporativas, os privilégios das castas e o mo-saico de direitos particulares, característicos das sociedades do Antigo Re-gime. A Revolução francesa pode assim organizar um Estado fortemente hierarquizado (prefeitura, comissários de polícia, ministérios), capaz de impor o mesmo direito civil a todos os habitantes dispersos no território colocado sob sua soberania. É na direção destas subversões que a noção moderna de “fronteira” (como limite que separa dois Estados nacionais soberanos) se fixou, como testemunha a legislação napoleônica sobre os passaportes “exteriores” e os passaportes “interiores”.

Contudo, nunca se insistirá demasiado sobre o fato de que, nesta época, nos encontramos apenas na primeira fase da construção do Estado-nação. Tal fase é dominada pelo processo de nacionalização territorial (horizon-tal) do Estado, mas este último não se insere profundamente na sociedade francesa, a qual permanece dividida por uma clivagem fundamental,

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opondo os notáveis às “classes trabalhadoras”, assimiladas às “classes perigosas”. Especificamente, existem duas grandes linhas de fraturas nesta época. A mais fundamental opõe a França “civilizada” (agrupando todos aqueles que estão integrados no mundo da comunicação escrita) à França “selvagem” (que reúne todos os analfabetos), oposição que re-corta a clivagem cidades/zonas rurais. Ao final do Segundo Império, a maioria dos camponeses está ainda excluída da esfera da cultura escrita (ainda que eles saibam assinar seus nomes). Eles são incapazes inclusi-ve de se exprimir em francês (de Paris).3 A segunda linha de clivagem é própria do mundo urbano. Ela diz respeito principalmente a Paris e opõe a elite dirigente (nobres e grandes burgueses) ao mundo operário (artesãos e serventes, imigrantes recentes, estes últimos frequentemente apresentados nos textos das elites como “bárbaros”, em função da ameaça revolucionária que encarnam).4

Todos estes fatores se conjugam para explicar o fraco êxodo rural no século XIX. Não apenas os camponeses têm meios de se agarrar às suas terras, mas a própria classe dirigente procura frear a emigração devido ao medo de uma nova revolução.

Tal contexto não impede que a sociedade francesa seja afetada, desde esta época, pela intensificação da mobilidade. Esta apresenta dois grandes aspectos. De um lado, assiste-se a um forte desenvolvimento das migra-ções sazonais. Durante o Segundo Império, estima-se que em torno de 800 mil pessoas sejam afetadas por tal fenômeno. A partir de então, os operários-camponeses podem utilizar as estradas de ferro para procurar trabalho bem longe de suas residências durante a estação agrícola morta. De outro lado, mesmo se o êxodo rural é limitado, comparado ao dos outros grandes países europeus, suas consequências sociais e políticas são muito importantes, porque o grosso dos fluxos se dirige para a capital. Durante a primeira metade do século XIX, Paris conhece um crescimento vertiginoso, atraindo uma multidão de migrantes de todas as origens. A força da clivagem Paris/província (cidade/zona rural) explica os pontos em comum entre as migrações regionais e a imigração estrangeira do período seguinte. Estes trabalhadores desenraizados – que, em sua maioria, não falam francês e vivem amontoados nos arrabaldes da capital – vão en-grossar as fileiras do proletariado revolucionário. Esta emigração massiva será considerada, pelos observadores da época, como uma das principais causas da Revolução de 1848. É por isso que a politização do “problema” da migração se focaliza então sobre a questão da emigração dos rurais em 3 WEBER, Eugen. La fin des terroirs: la modernisation de la France rurale. Paris: Fayard, 1983.4 CHEVALIER, Louis. Classes laborieuses, classes dangereuses à Paris pendant la première moitié du XIXe siècle. Paris:

Librarie Générale de France. 1978. (Coll. “Pluriel”).

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direção às cidades. Em um mundo no qual ainda é o uso da força física que possibilita conquistar o poder do Estado, deve-se necessariamente evitar a concentração dos operários neste local nevrálgico que constitui a capital. Deve-se evitar também que, quando uma crise econômica se produzir, os mendigos cheguem à cidade e provoquem motins de fome. São estas as preocupações que explicam a legislação sobre os passaportes. Os passaportes interiores (e as cadernetas operárias) têm por objetivo vigiar e canalizar os deslocamentos dos migrantes, para evitar sua con-centração nas grandes metrópoles, principalmente em Paris.

A natureza do regime é outro fator que deve ser levado em conta para compreender como se coloca, nesta época, o “problema” dos migrantes. As classes populares estão excluídas de qualquer participação real na vida política, pois somente os notáveis, em função de sua educação e de seu senso moral, são considerados como verdadeiros cidadãos. Uma vez que as comunicações a distância estão ainda pouco desenvolvidas, os notáveis são intermediários obrigatórios entre a sociedade local e o poder central. Em um mundo em que a identidade e o pertencimento se definem principalmente a partir do interconhecimento, o enraizamento surge como uma garantia de estabilidade e de segurança. Toda a teo-ria do patronato, desenvolvida por Frédéric Le Play, eminência parda de Napoleão III, se baseia nesse princípio. Os notáveis, que ele chama de “autoridades sociais”, devem assumir suas responsabilidades residindo em suas terras, expostos ao olhar de todos. É o olhar de outro, conjugado ao respeito da religião, que é considerado, segundo o modelo dado pela família, o instrumento mais eficaz de disciplina coletiva. Consequente-mente, os notáveis rejeitam a intervenção do Estado na sociedade civil. O princípio republicano da igualdade perante a lei é contrário à sua concepção de liberdade individual. Ao contrário de Guizot, eles opõem à soberania da razão à soberania do povo. Parece-lhes algo totalmente sem sentido, difundido por demagogos que procuram manipular o povo em seus próprios interesses, que camponeses analfabetos possam ter o direito de voto. É a mesma lógica que explica a recusa de Le Play do método estatístico em proveito das monografias locais: sua visão de mundo combina a escala local e a escola europeia, sem realmente levar em consideração o nível nacional.5

5 Frédéric Le Play, mesmo sendo um engenheiro de minas, recusa o uso das estatísticas sociais em proveito das investigações monográficas (LE PLAY, Frédéric. La Réforme sociale en France déduite de l´observation comparée des peuples européens. Paris: Plon, 1864). As primeiras estatísticas de nacionalidades elaboradas sob a monarquia de Julho – a monarchie de Juillet (1830-1848) sucede na França o período conhecido como restauração –, no momento da “primavera dos povos”, têm por função principal contabilizar as ajudas distribuídas aos refugiados. Mas estas classificações nacionais são estabelecidas sobre a base da autodeclaração e não a partir de critério jurídico de pertencimento ao Estado. É por isso que os “poloneses” e os “italianos” já aparecem nos registros.

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Uma vez que as classes populares são percebidas como uma entidade exterior à nação, que ameaça a civilização, o discurso social dos notáveis é bastante malthusiano. Ao mesmo tempo em que procuram impedir as migrações, para não engrossar as fileiras do proletariado, eles tentam “moralizar” o povo para impedi-lo de crescer, reprochando-o de “se multiplicar excessivamente”. Como disse um advogado de Bordeaux em um ensaio sobre a população, publicado ao final do Segundo Império: “Esta excessiva pululação do proletariado torna-se uma causa perpétua das desordens e das revoluções”.6

Esta concepção do mundo explica por que antes da IIIª República a questão dos migrantes estava completamente desconectada da questão dos estrangeiros. Os discursos sobre os últimos são geralmente positivos e apreendidos através do prisma do “princípio de nacionalidade”. Os acordos de livre-troca assinados pela França com a Grã-Bretanha e a Bélgica levam esta lógica ao paroxismo, consagrando a livre circulação de mercadorias e de homens. Doravante, um belga ou um inglês pode vir à França sem passaporte, enquanto um habitante de Lille que quer ir a Nancy deve pedir uma autorização para sair de seu departamento. Um vento de otimismo liberal sopra então sobre as elites, sejam elas bo-napartistas ou republicanas. Em sua tese, Léonce Lehmann, advogado na corte, afirma assim que “as leis de uma nação relativas aos Estrangeiros indicam o tamanho de sua civilização”. Enquanto a questão dos estran-geiros não é associada à questão dos operários, este humanismo é fácil de defender. Segundo ele, “as necessidades do comércio, a amenidade do clima, um sentimento de curiosidade bem justificado, o desejo de se instruir, a paixão das viagens e mil e outros motivos podem trazê-los ao território francês”. Mas a ideia de que um estrangeiro possa vir à França para trabalhar não parece ainda despertar este jurista.7

Os raros textos que fazem a ligação entre a questão dos estrangeiros e aquela das migrações dos operários privilegiam o tema da caridade. Pode-se ilustrar este ponto citando um artigo do Tempo dedicado à “pe-quena Alemanha” de Paris. O autor parte da constatação de que a maior parte dos parisienses jamais viu a esquadra de varredores que se agitam desde o amanhecer nas ruas da capital. Assim, eles não percebem que 6 GIRESSE, J. L. Essai sur la population. [S.l.]: Guillaumin, 1867, p. 21-27.7 LEHMAN, Léonce. De la condition des esclaves en droit romain: de la condition des étrangers en France. Paris:

De Moquet, 1861. p. 99. Notemos de passagem que o autor se mostra bastante crítico em relação ao seu próprio meio. Ele indica que nenhum texto da lei “exige a nacionalidade francesa para exercer a profissão de advogado. As cortes imperiais admitem que os estrangeiros fazem juramento profissional, mas os conselhos de ordem os repelem, sem justificativa séria, quando eles querem começar seu estágio”. Isto “em contradição com as ideias liberais e o espírito de fraternidade que fazem a base da honra de nossa corporação” (LEHMAN, 1861, p. 115-116).

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“poucos são franceses, quase todos são emigrantes alemães que a miséria expulsou”. Eles esperam se empregar na construção. “Infelizmente, os emigrantes alemães, apesar de sua coragem e probidade, não encontram em nossa casa a terra prometida que eles tinham sonhado.” São assim obrigados a trabalhar como varredores. Felizmente, acrescenta o autor, uma missão evangélica protestante franco-alemã criou, em muitos bairros de Paris, salas de asilo, escolas e serviços religiosos para estes alemães. “Os emigrantes reencontram assim o culto, a língua, a proteção, a alma da pátria.” O responsável por essa missão evangélica é um pastor “que pertence a uma grande família prussiana”. Filho de um antigo minis-tro das finanças da Prússia, ele “se dedica inteiramente a esta colônia de miséria, espalhada na Chapelle, na Villete, em Belleville, aos pobres varredores de nossas ruas. Ele vive em uma pobre cabana, celebra seu ofício religioso”. Sua mulher é “originária como ele de uma grande fa-mília prussiana” – o jornalista indica que seu pai é o atual ministro das finanças da Prússia. Ela “mostra às meninas a costura e lhes faz executar em coro cantos alemães. [...] Suas pobres e insuficientes vestimentas atestam a miséria de suas famílias, mas ao menos eles adquirem hábitos de limpeza, de ordem, de trabalho e recebem cuidados higiênicos”. Em conclusão, o jornalista do Tempo extrai a moral da história. Ela prova tudo o que pode realizar “um estrangeiro por seus compatriotas na França” sem o socorro dos poderes oficiais.

Este texto é bastante esclarecedor da concepção de mundo que defendem os notáveis. Ele coloca em cena um “nós”, ao mesmo tempo cristão e cari-doso, que une todos aqueles que, em razão de sua posição social elevada, estimam ter uma responsabilidade moral em relação aos pobres (“eles”).

Para matizar estas observações, deve-se, contudo, indicar que já nesta época encontram-se discursos que apresentam sob um aspecto negativo os operários estrangeiros. Mas eles estão localizados nos departamentos fronteiriços, principalmente no norte da França (onde os belgas são numerosos). A principal razão desta animosidade deve-se ao fato de que as crianças dos estrangeiros podem escapar do serviço militar, o que os dá uma vantagem no mercado de trabalho, porque os patrões preferem empregar jovens que eles têm certeza de manter. Desde a Restaura-ção, os votos colocados pelos conselhos gerais, as petições, os projetos de lei apresentados pelos eleitos se sucedem para tentar resolver este “problema”. Em 1856 Pierre Legrand, deputado do Norte, denuncia o comportamento de “um grande número de jovens, nascidos no ambiente de nossos filhos, compartilhando seus estudos, seus trabalhos, falando a mesma língua, tendo os mesmos direitos, os mesmos costumes, os mesmos

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hábitos, [que] se valem, a um momento supremo, de sua qualidade de estrangeiro, para obter para si uma vantagem bastante considerável”, escapando às suas obrigações militares. O deputado conclui sublinhando que, faz 40 anos, este é sempre o mesmo argumento apresentado para impedir toda modificação na legislação. O serviço militar é considerado como um direito, uma honra “inerente à qualidade dos franceses”. Em consequência, não se pode obrigar aos filhos dos estrangeiros a servir a uma pátria que eles não reconhecem como sendo a sua.8

Se as reivindicações dos eleitos no norte que visavam impor o serviço militar aos filhos dos estrangeiros não produzem resultado, é também porque o poder central considera que se trata de um problema local e próprio às classes populares. (Nesta época, com efeito, os filhos da bur-guesia também escapavam do serviço militar pagando uma taxa.) É a mesma lógica que explica que os conflitos opondo os operários franceses aos operários piemonteses que afluíram a Marselha a partir dos anos 1860 nunca sejam evocados no Parlamento, nem mesmo na imprensa nacional.

A ruptura de 1870A derrota para a Prússia e o advento da IIIª República provocam uma ruptura histórica tão importante quanto aquela de 1789. Esta ruptura resulta do estabelecimento radical do princípio da cidadania republicana, proclamado durante a Revolução, mas que não pudera ser aplicada até este momento, pois não havia meios materiais para isso. As reformas mais importantes adotadas pelos fundadores da IIIª República tiveram por objetivo essencial integrar as classes populares no seio do Estado-nação. Para colocar um fim na dupla clivagem evocada anteriormente, era preci-so civilizar os camponeses, inserindo-os no modo de comunicação escrita, e pacificar os operários, permitindo-os participar verdadeiramente do jogo político eleitoral. É neste momento que começa a segunda fase da construção do Estado-nação. Após a nacionalização do território, é a nacionalização de toda a sociedade que começa.

Para compreender a coerência da estratégia desenvolvida pela IIIª Re-pública, é preciso dizer uma palavra sobre a natureza do regime demo-crático. Antes da Revolução de 1789, o poder soberano era exercido pelo rei, em nome de um princípio dinástico. O monarca era considerado o enviado de Deus na terra. Por ser de outra “essência”, diferente daquela do povo francês, é que ele podia “representá-lo”. Este é o mesmo tipo de 8 LEGRAND, Pierre. De l´assimilation des étrangers aux nationaux en matiére de recrutement. Paris: Imprimerie de

Leleux, 1856.

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argumento que os nobres põem à frente para justificar seus privilégios. O princípio democrático, que triunfa com a Revolução, marca uma ruptura total com o princípio dinástico. Doravante, o poder soberano é exercido por representantes que justificam sua função pelo fato de pertencerem ao mesmo povo representado. A concepção de cidadania que se impõe sob a IIIª República é inteiramente fundada neste princípio de identi-dade. Todos os cidadãos participam da elaboração das leis às quais eles se submetem. Todos devem aceitar pagar o “imposto do sangue” para defender a pátria e, por conseguinte, para lutar contra o aniquilamento da nação. Todo cidadão detém assim uma parcela do poder soberano. Isso significa que todo representado pode ser representante e vice-versa.

Os dirigentes da IIIª República vão conferir logo de cara um conteúdo concreto a estas considerações teóricas. Para eles, se a França perdeu a guerra diante da Prússia, foi justamente porque o regime antidemocrá-tico de Napoleão III manteve o povo fora da política. O imperador foi incapaz de mobilizar o conjunto dos cidadãos como os revolucionários o tinham feito em Valmy em 1792. Numa época em que o resultado de uma guerra depende cada vez mais do número de soldados que um Estado pode mobilizar e do número de operários que ele consegue fazer trabalhar nas usinas de armamento, a implicação do povo na vida coletiva da nação torna-se uma necessidade vital.

O levantamento da Comuna de Paris é outro acontecimento maior que os fundadores da IIIª República apresentam para denunciar o regime de Napoleão III. Para eles, para acabar com os levantes revolucionários de Paris, a única solução é democratizar a política.

Sem insistir aqui sobre uma questão que eu desenvolvi alhures, lembre-mos que as reformas adotadas no começo dos anos 1880 sob a égide de Jules Ferry vão permitir, em poucos anos, estruturar um novo espaço público em torno de três polos, ao mesmo tempo autônomos e profis-sionalizados, concorrentes e complementares: a política, o jornalismo e a ciência.9 A ruptura democrática mudou o sistema de poder porque doravante dominantes e dominados não formam mais dois blocos sepa-rados um do outro por um fosso intransponível. Eles estão ligados por relações de interdependência. Os dirigentes não podem mais governar impondo um sistema de constrições exteriores finalizadas por lições de moral. Os profissionais da política têm necessidade de seus eleitores para continuar a exercer seu ofício. Mesma coisa para os jornalistas em 9 Sobre a reestruturação do espaço público no início da IIIª República, ler NOIRIEL, Gerard. Immigraiton,

antisémitisme et racisme en France: discours publics, humiliations privées (XIXe-XXe siècle). Paris: Fayard, 1997, capítulo 2.

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relação a seus leitores. Quanto aos eruditos, eles não são mais notáveis esclarecidos, vivendo de rendas. São universitários remunerados pelo Estado, tendo apenas seus salários para viver.

O surgimento da palavra “imigração” no vocabulário político francês, no começo dos anos 1880, é a consequência de todas estas subversões. Ela é o resultado da conexão entre dois temas: a questão dos estrangeiros e a questão das migrações. Dois argumentos vão permitir estabelecer esta conexão a partir dos anos 1870. O primeiro diz respeito aos “espiões prussianos”. Em virtude do princípio de identidade governados/gover-nantes evocado antes, um estrangeiro é visto doravante como cidadão de outro Estado nacional, titular de uma parcela do poder soberano deste Estado. Se este está em conflito com a França, o estrangeiro será percebido como um “inimigo”, um suspeito em potencial, que deve provar sua lealdade. Um dos reproches mais frequentes endereçados a Napoleão III, nos anos que se seguiram à derrota de 1870-1871, é não ter confinado os 100 mil imigrantes alemães que trabalhavam na França. A ideia imposta então é que estes imigrantes teriam sido “espiões” que facilitaram as operações do exército prussiano.

O segundo argumento graças ao qual se estabelece um laço entre a questão dos estrangeiros e a questão das migrações é de ordem de-mográfica. Deve-se parar um momento neste ponto, pois é nos textos sobre tal assunto que se vê, pela primeira vez, aparecer uma definição da palavra “imigração”. Os métodos estatísticos, rejeitados pelos notáveis leplaysianos, mas encorajados pelo poder republicano, se impõem após 1870 nos estudos dedicados à população, revelando aos olhos de todos o declínio demográfico que atinge a França. No dicionário enciclopédico das ciências médicas, Louis-Adolphe Bertillon dedica vários artigos a esta questão. Seu estudo sobre a natalidade compara as estatísticas publicadas em um grande número de países para mostrar, com apoio de dados, que a França, devido à sua baixa natalidade, se diferencia na Europa. Passa-se brutalmente de um discurso que explicava a ameaça revolucionária recorrente pela “pululação” das classes populares a um discurso que vê na crise da natalidade uma ameaça para a nação francesa. O impacto da guerra de 1870 aparece aqui com força, pois todo o raciocínio é cons-truído a partir da comparação com a Prússia.10

10 Para Bertillon, a solução do problema passa pelo desenvolvimento de uma nova disciplina científica. “Esta ciência é a Demografia. Ela deveria ser para a arte do legislador e do administrador aquilo que a física e a química são para a arte industrial”. Infelizmente, acrescenta Bertillon, as pessoas do governo ignoram até o seu nome: “Nós somos (pelo menos na França) meia dúzia de desconhecidos a lhe dedicar nossa vigília”. E ele acrescenta patético: “Sentinela avançada, nós teremos feito nosso dever, lançado para a pátria amea-çada nosso grito de alarme” (BERTILLON. Natalidade. In: DICTIONNAIRE encyclopédique des sciences médicales. [S.l.]: Masson, 1868 -1889).

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O artigo das migrações ilustra bem, ele também, o novo olhar que decorre do uso intensivo das estatísticas do Estado. Doravante, é a escala nacional que se impõe inteiramente. Pela primeira vez, a questão migratória é concebida, com efeito, sob o ângulo da contabilidade nacional.

Do ponto de vista da contabilidade social, uma nação pode ser compa-rada a uma usina. Qualquer que seja a produção, homens ou coisas, o controle dos livros tem sempre as mesmas regras, as mesmas obriga-ções: registrar exatamente tudo que entra, tudo o que sai; estabelecer o balanço deste duplo movimento, e verificar pela situação do caixa e dos produtos na loja (inventário ou recenseamento) a exatidão da con-tabilidade dos movimentos (entradas ou saídas). [...] É assim que esta contabilidade é ao mesmo tempo um meio de controle, uma garantia e um instrumento de ciência e de progresso.

O objetivo é “permitir à direção suprema (chefe da usina ou chefe de Estado)” conhecer a marcha da empresa.

Partindo deste quadro nacional, Bertillon pode propor definições pre-cisas para os termos utilizados no estudo dos fenômenos migratórios. A migração “é o ato pelo qual um grupo mais ou menos considerável de seres vivos muda o local geográfico de sua residência. Diz-se emigração quando se considera a partida, a saída do país que se abandona e, pouco depois, imigração quando se pensa na chegada ao novo país adotado”.

A palavra “imigração” aparece assim como um termo novo, forjado por esta ciência nova que é a demografia. Contudo, a leitura destes artigos mostra que se está ainda em um período de transição. O raciocínio de Bertillon se inscreve em um quadro nacional, mas ele não leva em consideração a nacionalidade jurídica das pessoas. É isso que o permite afirmar: “Nós mesmos Celtas, Gauleses e Francos somos também imi-grantes”. Constata-se, além disso, que ele confere um lugar bem mais importante ao problema da emigração dos franceses ao estrangeiro (e às colônias) que ao problema da imigração dos estrangeiros à França. Ele estima, com efeito, que “de acordo com os números respectivos, as entradas e as saídas parecem bem próximas de se compensar”. Mas, segundo ele, no plano qualitativo, a França é perdedora porque os 20 mil emigrantes que partem, a cada ano, deixam definitivamente o país enquanto os imigrantes chegam à França de maneira temporária. O caráter nocivo da imigração se explica pelo fato de que a prosperidade econômica atrai os trabalhadores estrangeiros, o que impede a natalidade de se reerguer. Este fenômeno é muito deplorável,

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do ponto de vista da defesa nacional, pois estes imigrantes estrangeiros (alemães ou outros), tão ávidos em responder a um chamado de tra-balho para partilhar os benefícios, respondem bem raramente àquele do canhão para defender o território que os alimenta. [...] Existe aí, nestes nossos tempos cruéis, um ponto de vista sobre o qual nossos legisladores devem se preocupar.

O raciocínio de Bertillon em relação aos estrangeiros não é, contudo, sistematicamente negativo. Ele não só sublinha que a imigração é um “bom negócio” para os países receptores, uma vez que se beneficiam do trabalho de indivíduos que eles não tiveram a necessidade de formar, como também evoca os sofrimentos que vivem os que são obrigados a deixar seu país para sobreviver.11

Foi preciso esperar ainda alguns anos antes que os políticos e os jorna-listas, por sua vez, descobrissem o “problema” da imigração. O caso das “Vespas marselhesas”, que estourou em junho de 1881, pode ser con-siderado, em relação a isso, como um acontecimento fundador. Em 17 de junho de 1881, o corpo expedicionário enviado à Tunísia por Jules Ferry para domar os “rebeldes” argelinos infiltrados no país (os Kroumis) e afastar a Itália daquela região está de volta a Marselha. As bandeiras tricolores florescem nas varandas. Mas os italianos reagrupados nos locais de seu “círculo nacional” recusam se enfeitar e vaiam o cortejo. A multidão se concentra diante do imóvel para conspurcar os dissidentes. Choques se produzem. Durante os três dias que se seguem, a cidade é o teatro de enfrentamentos violentos que fazem três mortos.

Ainda que, até este momento, a violência entre operários interessasse apenas aos jornais locais, o caso das Vespas marselhesas é recuperado pela imprensa nacional. Contudo, estamos ainda no início do processo de “mediatização” do “problema” da imigração. Os dois jornais que consultei, Le Temps e Le Figaro, mencionam estes enfrentamentos apenas nas páginas interiores, citando a imprensa local e os comunicados da agência Havas. O simples fato de que as violências internas tenham sido selecionadas como uma “informação” suscetível de interessar os leitores da imprensa parisiense ilustra, apesar de tudo, a “generalização” que se opera em relação a tal tipo de assunto neste momento. A maneira pela qual estes diários dão conta dos acontecimentos reflete a clivagem direita/esquerda que domina então a cena política. Le Temps, jornal de centro-esquerda que apoia os republicanos moderados instalados no poder, se 11 Notemos também que a questão da “assimilação” é ainda abordada na perspectiva da “aclimatação”, no

prolongamento da antiga teoria dos climas: “Uma migração rápida só pode constituir uma colônia durável e próspera se ela se afasta pouco da mesma zona isotérmica” (BERTILLON. Migrations. In: DICTIONNAIRE encyclopédique des sciences médicales. [S.l.]: Masson, 1868-1889).

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contenta em relatar os fatos, insistindo no caráter patriótico e republicano do movimento de hostilidade aos estrangeiros. O diário sublinha que os manifestantes gritaram, diante do círculo nacional italiano tomado de assalto: “Viva a França. Viva a República”. Le Figaro, jornal conservador, recentemente e de forma bem moderada aliado ao regime republicano, trata o acontecimento, se apropriando do ponto de vista tradicional dos notáveis sobre as “classes perigosas”. Os agressores são apresentados como “vagabundos”. De acordo com o jornalista, “os mesmos que se encarniçam sobre os capuchinos e outros religiosos caçam os italianos nas ruas. Estes pobres diabos piemonteses são hospitalizados, roubados, jogados na fonte do pátio de Belzunce”. Alguns dias mais tarde, Le Figaro retorna aos “distúrbios de Marselha”, acentuando desta vez a crueldade dos italianos. Ele cita o caso de um francês “atingido por uma facada nas costas por um italiano que lhe enfiou a arma na espinha dorsal batendo com uma moringa. A cada golpe a moela da espinha esguichava” (21 de junho de 1881).

O caso das Vespas marselhesas marca também uma virada na gestão deste tipo de problema pelas autoridades do Estado. Ao longo dos anos precedentes, as rixas e os protestos contra os “piemonteses” haviam se tornado bastante frequentes, “sem que isso inquietasse as autoridades municipais de Marselha”.12 Em junho de 1881, os eleitos se envolvem totalmente no conflito. O prefeito ordena o fechamento do círculo italia-no e coloca cartazes na cidade, felicitando a população: “Vós provastes vosso patriotismo e vossa abnegação à República”.

Outra mudança de grande importância está ligada ao fato de que estas violências entre operários param de ser consideradas como assuntos puramente locais. Algumas semanas após os enfrentamentos, o ministro do interior encarrega o chefe de polícia do Bouches-du-Rhône de

estabelecer uma estatística exata dos operários italianos trabalhando em grupos mais ou menos importantes nas fábricas ou nas grandes vias nos trabalhos de canalização e de estradas. Esta estatística será feita no dia a dia e permitirá ao governo conhecer de uma maneira precisa o caráter de cada aglomeração de italianos e de franceses (Le Temps, 13 de julho de 1881).

Estes números conduzem ao mesmo resultado dos artigos dos jornais nacionais. Eles possibilitam centralizar e, assim, homogeneizar as rea-lidades disparates, reagrupando-as em uma nova rubrica intitulada “Conflitos entre operários franceses e estrangeiros”, que retomam tanto 12 DORNEL, Laurent. La France hostile: socio-histoire de la xénophobie (1870-1914). Paris: Hachette, 2004. p. 40.

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a imprensa quanto os relatórios de política. É a partir daquele momento que o termo “imigração” se impõe no vocabulário usual dos políticos e dos jornalistas. O exame dos quadros do jornal Le Temps mostra que o primeiro artigo que este diário de referência dedica à “imigração” data de 18 de setembro de 1881.13 Lá ainda, a cidade de Marselha é destaque porque Le Temps reproduz in extenso o “voto” de um membro do conselho geral da Bouches-du-Rhône, endereçado às autoridades centrais. O texto afirma que “a imigração exagerada destes estrangeiros à França [é] um fato inegável”. Ele acrescenta que Marselha é a cidade da França mais exposta a esta “invasão”, pois um terço da população “pertence a nacio-nalidades estrangeiras”. O conselheiro geral insiste em seguida sobre o fato de que ele é um grande partidário da união dos povos, razão pela qual ele não quer “reprochar aos estrangeiros suas origens”. Contudo, esta imigração massiva traz problemas. “Nós temos apenas que ler os jornais para constatar a gravidade do mal”. Estes estrangeiros concorrem com “nossos operários franceses” no mercado de trabalho. E as estatísticas dos tribunais mostram que existe uma forte proporção de criminosos entre eles. Para resolver o problema, o conselheiro geral pede uma ação enérgica dos poderes públicos.

A matriz do discurso republicano sobre a imigração aparece aqui claramen-te. Ela apresenta três grandes características. A primeira deve-se à postura de porta-voz adotada pelo político marselhês, que lhe possibilita se exprimir publicamente em nome dos trabalhadores franceses, “nossos operários”. A segunda característica reside na frase ritual sobre seu apego aos direitos do homem, que legitima a ladainha das censuras endereçadas aos estrangeiros. Enfim, deve-se doravante “provar” a gravidade do problema da imigração, convocando os escritos dos especialistas em estatística e dos jornalistas.

A matriz será definitivamente estabelecida em março de 1882, quando uma nova rixa entre operários franceses e imigrantes estoura em Salindres, fazendo um morto do lado italiano. O cônsul da Itália protesta oficialmente contra essa agressão fatal, e um deputado de direita intervém no Parlamento italiano para denunciar a frouxidão do governo. As autoridades francesas respondem deplorando estas violências e prometendo uma investigação, assim como medidas para que este tipo de drama não mais se reproduza (Le Temps, 24 de março de 1882). As rixas entre trabalhadores de diferentes nacionalidades, que alguns anos antes eram consideradas assuntos locais, e principalmente casos específicos das classes trabalhadoras, tornam-se as-suntos nacionais e também disputas diplomáticas de primeira importância.13 Institut français de presse, Tables du journal “Le Temps”, Ed CNRS, 1966-1972.

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No início de 1883, a maior parte dos argumentos que se encontram ainda hoje nos discursos sobre imigração está em vigor. Entra-se então em uma nova fase, marcada por uma reestruturação da clivagem direita/esquerda, que constitui o campo político nos regimes parlamentares. Enquanto, até aqui, esta clivagem opunha partidários e adversários da República, o alinhamento progressivo dos notáveis ao novo regime e o grande au-mento da nova ameaça social que faz pesar sobre os ricos o socialismo industrial provocam uma série de reclassificações que conduzirão ao caso Dreyffus. A clivagem direita/esquerda toma então a forma de uma oposição entre o polo nacional securitário e o polo social humanista. Esta mutação do campo político não é, evidentemente, exclusiva da França. Mas a originalidade do caso francês deve-se ao fato de que o “problema” da imigração foi uma questão central neste processo. É o que eu gostaria de mostrar na última parte deste texto.

A imigração no cerne da clivagem direita/esquerdaEnquanto, até o final dos anos 1880, a vida política francesa tinha sido dominada pela clivagem opondo os partidários e os adversários da Re-pública, a severa crise econômica que atravessa a França no início desta década provoca o começo de uma reclassificação das forças republicanas na cena parlamentar. É neste momento que os guedistas param de se dizer republicanos para se engajar no caminho do socialismo revolucionário. Aqueles que não querem romper com a democracia se dividem, contudo, em relação à questão da intervenção do Estado nos assuntos econômicos e sociais. Os liberais, que dirigem o governo, estimam com Jules Ferry que as crises econômicas resultam de grandes desequilíbrios sobre os quais os governos não têm ação. Eles estão assim convencidos de que só se deve tocar em “coisas delicadas” com as maiores precauções. Ferry está, aliás, persuadido de que não se trata de uma crise geral, mas sim que ela afeta simplesmente o setor de construção e obras públicas14 e a indústria do luxo. Por todas essas razões, ele recusa substituir a iniciativa privada pelo Estado.15 Inversamente, a esquerda radical, conduzida por Goerges Clemenceau, se engaja na via do protecionismo, inaugurada pela lei de 7 de maio de 1881, que prevê o estabelecimento de uma tarifa geral para taxar as mercadorias estrangeiras.

Assim como os tratados de livre-comércio assinados pela França a partir de 1860 instauram a livre circulação das mercadorias e dos homens, os 14 No original, BTP, sigla que em francês quer dizer “Bâtiments e Travaux Publics”. (N. do T.)15 Ler TOURNERIE, Jean-André. Le Ministère du travail: origines et premières développements. [S.l.]: Cujas,

1971.

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mesmos textos protecionistas fazem imediatamente o elo entre a esfera dos objetos e aquela dos indivíduos. Em 1883, dois projetos de lei são apresentados à Câmara, propondo taxar os estrangeiros que trabalham na França. O primeiro é de um deputado conservador do Gard, Adolphe Pieyre, e o segundo, de um deputado radical do Ain, Cristophe Pradon. O fato de que os eleitos de direita e de esquerda possam defender o mesmo tipo de medida mostra bem o papel que o “problema” da imigração está tendo na reconfiguração do campo político francês.

O texto de Pradon, publicado em uma brochura de umas 15 páginas, largamente difundido e comentado pela imprensa, tem o efeito de um verdadeiro obstáculo que impede a maré republicana. Pradon retoma para si os argumentos elaborados por seus amigos ao longo dos anos precedentes, mas ele os integra em um relato que estabelece um elo entre a guerra de 1870 e a crise econômica.

Nossas populações do leste, que viram retornar aos exércitos inimigos uma grande massa de estrangeiros que uma longa estada na França tinha feito considerar e tratar como concidadãos, experimentam senti-mentos bastante naturais de desconfiança e de cólera. Isso foi esquecido no grande esforço econômico que nos proporcionou, entre 1873 e 1880, de sete a oito anos de prosperidade. Mas com a paz e a prosperidade se renovou a invasão dos estrangeiros. Então reapareceram os mesmos alemães que se fizeram guias dos exércitos prussianos.

Pradon prossegue sublinhando que nunca a imigração foi tão importante na França. Cita os números dos últimos recenseamentos, indicando que eles são muito subestimados. Denuncia o tamanho da criminalidade dos estrangeiros e a enorme carga que eles representam para as repartições de caridade. “Nunca, na massa imigrante, se tinha visto tal proporção de elementos perturbadores. Nosso território parece ter se tornado um refúgio de gente suspeita de todos os países.” Ele afirma enfim que esses trabalhadores fazem uma concorrência insuportável aos franceses no mercado de trabalho, porque não têm encargos e porque escapam ao serviço militar. “O trabalhador francês, mais inteligente, mais cultivado, não menos trabalhador e valente, mas mais orgulhoso”, é vencido por “um estrangeiro cuja docilidade patente e tenaz aparece, por vezes, como um mérito”. Para proteger os nacionais, devem-se taxar os estrangeiros.

Como se vê, os argumentos denunciando a criminalidade dos migrantes, que tinham sido elaborados desde muito tempo no quadro da oposição cidade/zona rural, são reestruturados para alimentar um novo discurso securitário, apreendido então sob a perspectiva da clivagem entre o

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nacional e o estrangeiro. O impacto deste novo discurso é tal que o go-verno republicano, mesmo dominado pelos liberais, aceita a criação de uma comissão parlamentar, presidida pelo próprio Pradon, encarregada de propor medidas que possibilitem taxar os estrangeiros. É a partir das recomendações desta comissão que o governo adotará, em 1888, um decreto obrigando os trabalhadores estrangeiros a se registrar na comunidade em que residem e a carregar constantemente com eles o recibo provando este registro. É assim que se inicia a história do enqua-dramento dos estrangeiros.

Alguns meses após a primeira ofensiva contra os liberais, a esquerda radical obtém do governo a criação de um organismo de “estatísticas sociais permanentes” e o lançamento de uma vasta investigação, cujo objetivo é compreender as causas da crise econômica.16 O questionário elaborado por altos funcionários no quadro desta investigação confere um grande espaço ao “problema” da imigração, apreendido aqui na perspectiva da concorrência estrangeira. Mas quando se examinam as respostas fornecidas pelos eleitos locais, os militantes sindicais etc., vê-se claramente o papel que desempenhou este questionamento do poder central na inculcação de um novo discurso sobre a sociedade. Em muitas regiões, as questões 102: “Existem operários estrangeiros no seu atelier? Quantos?” e 103: “A presença deles determinou uma diminuição de salário?” ficam sem resposta. Mesma constatação para as questões 192: “O estrangeiro lhe faz concorrência no mercado francês?” e 193: “De onde provém a superioridade estrangeira?” O prefeito de Hannonville, uma pequena comunidade de Meurthe-et-Moselle, mostra o embaraço dos eleitos do mundo rural diante das preocupações da elite parisiense: “É quase impossível responder a um grande número de demandas co-locadas no questionário anexado, já que umas parecem se endereçar a um mestre-agricultor, outras, aos operários e que, em muitas delas, se perguntam coisas que não acontecem na nossa comunidade.” As reações dos correspondentes do mundo operário são sempre idênticas. Como confessa um deles, “todas as questões colocadas neste parágrafo estão acima do meu alcance, para mim simples operário que não teve e não pode ter mais do que a instrução primária”.

Compreende-se, através destes exemplos, por que os discursos sobre a imigração tiveram tal eficácia política. Não somente os eleitos repu-blicanos o utilizam para explicar a crise econômica e os sofrimentos do povo; graças aos questionários elaborados pela administração central, eles obrigam os militantes e os eleitos de base a retomar para si essa lin-16 Ler TOURNERIE, Jean-André. Le Ministère du Travail: origines et premières développements. [S.l.]: Cujas,

1971.

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guagem. A inculcação é mais eficaz quando os indivíduos que pertencem às classes operárias se sentem “envergonhados” por não compreender as preocupações das elites. Eles são mesmos levados a se apropriar deste novo vocabulário de Estado porque eles pensam (com justeza) que, uti-lizando a linguagem dos dominantes, terão mais chance de ver aceitas suas reivindicações.

A ofensiva conduzida pelos radicais contra o governo liberal se focaliza, como se acabou de perceber, na questão da concorrência entre operá-rios franceses e estrangeiros. Ela diz respeito assim à primeira face do “problema” da imigração: o controle das fronteiras. Mas quando Padron evoca, no seu projeto, “uma multidão de estrangeiros que uma longa estada na França tinha feito considerar e tratar como concidadãos” e que retornou aos “exércitos inimigos”, ele aborda, sem contudo insistir, a outra face do “problema”: aquela que diz respeito à assimilação dos estrangeiros. Este mito do trabalhador alemão que se tornou espião vai permitir conferir um conteúdo concreto ao princípio de identidade sobre o qual repousa a concepção republicana de cidadania.17 Sendo o estran-geiro doravante percebido antes de tudo como um representante de sua nação, todo conflito que o opõe a um francês, ou a ordem estabelecida, pode ser denunciado como um ato ameaçando a identidade nacional, ato que prova que o estrangeiro não está “assimilado”.

Este tipo de raciocínio já tinha sido esboçado nos comentários publicados por ocasião das Vespas marselhesas. Ainda que, até este momento, as elites tenham constantemente estigmatizado a violência popular como uma prova da selvageria ou da barbárie, doravante a cólera do povo apareceria como legítima quando ela pudesse ser apresentada como uma resposta patriótica contra os estrangeiros que ameaçavam a nação. É este raciocínio que incita o prefeito de Marselha a parabenizar os revoltosos. Este ponto de vista é imediatamente caucionado pelos membros mais eminentes da intelligentsia republicana parisiense. Por exemplo, Paul Lorey-Beaulieu, economista, líder do campo liberal, professor da Escola Livre de Ciências Políticas, publica um artigo sobre os “distúrbios de Marselha”, em que afirma: “Às vezes, os italianos parecem mais perto de insultar o patriotismo nacional do que de partilhar suas aspirações”.18 O fato de que imigrantes possam recusar enfeitar seus locais com as cores 17 As referências à guerra de 1870 são constantemente mobilizadas para sustentar este tipo de argumento.

Numerosos autores afirmam assim que os 100 mil prussianos que trabalhavam na França no final do Segundo Império foram auxiliares das tropas de Bismarck. Eles acrescentam que os italianos de Nice se aproveitaram do contexto da guerra para organizar um movimento separatista e acusa os estrangeiros de terem ficado à frente dos participantes da comuna que colocaram Paris sob fogo e sob sangue. Ler sobretudo LAUMONIER, Jean. La nationalité française. Paris: Bourloton, 1889-1892.

18 Artigo publicado na Revue politique et littéraire de 16 de julho de 1881.

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da França aparece agora como um sinal de ausência de lealdade para com a nação que lhes faz viver. Esta grade de leitura não se aplica apenas às ações dos imigrantes. Ela serve também para que se suspeite de sua “cultura”. Os estrangeiros que continuam a falar sua língua de origem ou que permanecem fiéis às suas tradições também são considerados in-divíduos que não se “assimilaram”. São, portanto, traidores em potencial. O espectro do “comunitarismo” (ainda que a palavra não seja utilizada nesta época) começa então a assombrar as noites dos republicanos.

É através desta nova grade de leitura que a questão do serviço militar dos filhos dos imigrantes é recolocada sobre a mesa. O fato de que a maior parte deles decline a qualidade de francês quando eles alcançam a maio-ridade é denunciada, agora, como uma falta de assimilação, como uma prova de que eles permaneceram fiéis à sua antiga pátria. Existe então um risco de que eles se sublevem contra a França em caso de guerra. O principal critério que permite medir a assimilação é a lealdade à nação, e esta é medida com a régua do respeito à ordem estabelecida. Quando se examinam as polêmicas suscitadas no projeto Pradon, vê-se bem que as divergências entre os liberais e radicais não se assentam sobre a realidade do “problema” da imigração. Todo mundo está de acordo com isso. A clivagem se assenta sobre as soluções que se deve levar a ele. O artigo publicado na primeira página do Le Temps no dia 9 de agosto de 1883 resume bem o ponto de vista liberal sobre a questão. “Falamos muito estes últimos tempos da invasão da França pelos estrangeiros. Fizemos cálculos, apresentamos números para tornar aterrorizante a imagem desta conquista sombria do solo francês pelos cada vez mais numerosos imigrantes. Eles eram algumas centenas de milhares faz quarenta anos, eles ultrapassam um milhão hoje”. Os belgas residindo no norte, os ale-mães no leste e os italianos no sudoeste são apresentados como fileiras do exército. Mas, acrescenta o autor, esta transposição do militar para a economia é somente “pura fantasmagoria”. Ele evoca os estrangeiros ricos que residem em Nice e em Paris para constatar: “É verdade que não são estes que a gente denuncia. Visamos principalmente à imigração operária.” O jornalista conclui rejeitando os projetos de taxação, porque o emprego de operários estrangeiros trabalhando por salários mais baixos do que aqueles dos nacionais permite que os produtos franceses sejam mais competitivos. Trata-se, portanto, de um meio de frear a importação de mercadorias estrangeiras.

O artigo aborda igualmente a questão da assimilação dos imigrantes. Ele denuncia o “preconceito de raça contra esta assimilação desejável e possível”, sublinhando que “a França é o único país, conjuntamente com

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a Suíça, onde este preconceito é proibido, pois a França é composta de numerosas raças iniciais”. Os neerlandeses, os bretões etc. foram assimila-dos à nação francesa através da Revolução de 1789. Ele conclui assim que “nós sabemos manter e assimilar estes recém-chegados. [...] O problema se coloca então de uma maneira diferente daquela compreendida pelos economistas chauvinistas e pede outra solução”. Deve-se “incorporá-los à própria nação”, facilitando as naturalizações. Para resolver este problema, é preciso então “uma boa lei assimiladora”.

Como se vê, para os liberais, a verdadeira solução ao problema da imigra-ção é a assimilação dos trabalhadores estrangeiros. Esta é possível porque o povo francês é o produto da fusão de raças concluída pela Revolução francesa. Transformar estes estrangeiros em franceses permitirá resolver o problema maior com que a nação francesa está confrontada: o deficit demográfico que gera uma escassez de mão de obra e de soldados. A “boa lei assimiladora” pregada pelo Le Temps será finalmente adotada em 1889. É a lei da nacionalidade francesa, cujos principais artigos estão ainda em vigor.

As polêmicas que precederam o voto deste texto marcaram a radicalização da corrente protecionista em direção ao nacionalismo. Sob a égide do general Boulanger, este movimento alcançará seu apogeu no final dos anos 1880, sacudindo as bases do regime republicano. O crescimento do nacionalismo é uma das consequências maiores do alinhamento pro-gressivo dos conservadores à ideologia nacional elaborada e defendida inicialmente pelos republicanos. Este alinhamento se fez dificilmente, pois os notáveis foram durante muito tempo reticentes em relação a uma política que consagrasse a intrusão do Estado na vida cotidiana dos cidadãos. Portanto, a lei de 1889 sobre a nacionalidade francesa, à diferença dos textos anteriores sobre a “qualidade dos franceses”, impôs pela primeira vez a vontade do Estado em detrimento da livre escolha das pessoas. Com efeito, a partir de então, os filhos dos estrangeiros nascidos na França de pais igualmente nascidos na França eram automaticamente franceses desde o nascimento. Em consequência, eles não podiam mais escolher sua pátria quando alcançassem a maioridade, como era o caso anteriormente. Trata-se de uma ruptura radical com a lógica do Código Civil elaborada por jurisconsultos e inspirada pela filosofia das Luzes e que tinham recusado a Napoleão o direito de “anexar”, contra seu consentimento, indivíduos vindos de outros países.

Após a guerra de 1870-1871, o argumento da soberania do povo tornou-se tão forte que os conservadores não podiam mais barrá-lo eficazmente. Eles vão então retomar para si o discurso do interesse nacional, mas

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modificando-o de forma a poder legitimar seus próprios interesses na cena parlamentar. Durante as polêmicas que precederam a adoção da lei de 1889 sobre nacionalidade francesa, o argumento principal atrás do qual se colocava a direita não consiste mais em negar a necessidade de uma lei geral que fixasse os critérios de pertencimento ao Estado-nação. Ela se limita a recusar as soluções apresentadas pelo governo para resolver o “problema” da imigração. A corrente nacionalista se estrutura e retoma para si os argumentos que radicais como Pradon tinham desenvolvido para justificar o protecionismo. Mas ela os leva até as últimas consequências, afirmando que não se muda por decreto o “sentimento de pertencimento” de um estrangeiro em relação à nação. Uma vez que a lei de 1889 “nacionalizou” à força indivíduos que, em sua imensa maioria, haviam recusado até então se tornar franceses para escapar ao serviço militar, os adversários deste texto tiveram facilidade em denunciar esta anexação pacífica, afirmando que ele não resolverá o “problema” da assimilação, pois a lealdade política não se fabrica através de medidas administrativas. Os nacionalistas invocarão o mesmo tipo de “prova” dos radicais. Exemplos, selecionados a partir da rubrica dos fatos diversos, para as necessidades da causa, permitirão demonstrar que os naturalizados não se “assimilam”. Contudo, se aquelas pessoas, que ju-ridicamente são francesas, continuam a agir como estrangeiras, não se pode mais afirmar que o direito é um critério confiável para definir a nacionalidade. Devem-se encontrar outros argumentos para responder a grande questão: o que é um (verdadeiro) francês?

A partir dos anos 1860, os textos dos antropólogos e dos filósofos posi-tivistas conferiram forte legitimidade científica à questão das raças e da hereditariedade. Os nacionalistas vão então se apoderar destes trabalhos para justificar seu pleito, se permitindo assim o luxuoso privilégio de combater os republicanos em sua própria seara. Para demonstrar a rup-tura que, ao longo dos anos 1880, se produz na maneira de apreender este assunto, tomarei o exemplo de Théodule Ribot, um dos filósofos mais influentes da IIIª República e líder da corrente positivista que combatia, desde o Segundo Império, os dogmas religiosos difundidos pela direita católica.

Em um dos livros que ele dedica à psicologia dos povos, Ribot afirma que “é a hereditariedade que mantém as características iniciais de uma nação”. Ele estima que “nos judeus a hereditariedade é mais percebida”. E acrescenta: “No aspecto físico, os judeus se fazem notar pela cor negra de seus cabelos e barbas, seus longos cílios, suas sobrancelhas grossas,

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saltadas, bem-arqueadas, seus olhos escuros grandes e vivos, sua pele cor de mate, seu nariz bastante aquilino”.19 Esta passagem, que poderia ser interpretada hoje como uma prova de antissemitismo, se inscreve de fato em uma problemática que se apoia sobre o princípio das nacio-nalidades. O raciocínio não tem por objetivo estigmatizar a população judia. Ao contrário, Ribot sublinha o grande valor intelectual e artístico desta “raça”, que ele julga pouco propensa à violência. Contudo, ainda que tenha sido elaborado por um filósofo republicano, este tipo de ar-gumento entra em contradição com o discurso oficial sobre a assimilação nacional, elaborado nos anos 1880, pois o fato mesmo de sublinhar que uma categoria de franceses conservou características específicas está em contradição com a definição de povo francês como produto de uma fusão de raças. Os nacionalistas podem então se apoderar dos discursos sobre as raças e sobre a hereditariedade para definir a nacionalidade francesa a partir do critério da origem comum, da religião católica e do enraizamento na região natal. Os antigos notáveis que tinham sido apartados brutalmente do poder pelos fundadores da IIIª República vão então utilizar o critério racial para pedir que os judeus e os naturalizados sejam excluídos das funções dirigentes por serem estrangeiros, e porque eles não representam o povo francês. Fortalecidos pelas descobertas da ciência antropológica, os notáveis reabilitam assim o velho princípio aristocrático em virtude do qual, para “representar” a nação, deve-se ser de raça nobre. Porém, o argumento é agora readaptado às realidades da democracia. A nobreza não procura mais legitimar seus privilégios afirmando que ela é de outra “essência”, diferente daquela do povo. O argumento racial é posto a serviço do princípio de identidade gover-nantes/governados. Apenas os nobres e, além deles, o povo “enraizado” podem representar a nação, porque somente eles pertencem à raça fundadora da nação. Aqueles que não fazem parte disso são “inimigos”, que se devem eliminar, pois ameaçam a existência mesma da França. É este tipo de raciocínio mobilizado, desde 1886, por Edourad Drumont em “A França judia” para legitimar o antissemitismo. O racismo como projeto político, adaptado aos impedimentos da soberania nacional, é apenas a consequência extrema desta nova estratégia conservadora.

No momento em que os sábios se enfrentam para saber qual deles vai descobrir a ciência que permitirá descobrir as leis de funcionamento das sociedades humanas, o discurso sobre a raça se propaga bastante no círculo dos especialistas. Utilizando uma linguagem de hoje, poder-se-ia dizer que o leitimotiv destes autores é afirmar que o “modelo republica-19 RIBOT, Théodule. L´hérédité: étude psychologique sur sés phénomènes, ses lois, ses causes, ses conséquences.

[S.l.]: Ladragen, [19--]. p. 128 et seq.

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no” fracassou em seu projeto de assimilação dos imigrantes porque os partidários da direita subestimaram a questão racial. Na sua obra sobre a nacionalidade francesa, Jean Laumonier dedica assim um capítulo inteiro à “imigração contemporânea da França”, no qual fustiga os “mo-ralistas e filósofos de quarto” que afirmam a universalidade do homem. Ele se apoia nos trabalhos da sociedade de antropologia para concluir que “até aqui não se levou suficientemente em conta a raça”, o que fez com que a influência do meio tenha sido privilegiada em detrimento da hereditariedade.20

Os textos publicados por Jacques Bertillon, eminente demógrafo do final do século XIX, que vem a ser filho de Louis-Adolphe Bertillon, antes citado, mostram bem tudo o que mudou em vinte anos no discur-so dos especialistas sobre a imigração. Jacques Bertillon retoma para si o problema que seu pai tinha contribuído para lançar nos anos 1870. Diante da crise demográfica que não para de se agravar, “como impedir a França de desaparecer?” Tal é a questão que estrutura a obra.21 Mas o autor responde a ela com argumentos bastante distintos daqueles de seu pai. Constata-se, por exemplo, que a questão da emigração está ca-duca. Jacques Bertillon sublinha que a “estatística da emigração francesa parou de ser publicada. Ela era incompleta e pouco interessante”. Além disso, não se encontram em seu texto reflexões sobre a contribuição positiva dos imigrantes ao desenvolvimento da economia francesa, e seus sofrimentos são completamente ignorados. Em contrapartida, o tema da invasão torna-se praticamente obsessivo. O comentário sobre os recenseamentos leva à constatação de que “existirá um dia na França uma Frendenfrage [questão de estrangeiros]”, tal como na Alemanha. Para justificar essa constatação pessimista, o sábio demógrafo cita os artigos de jornais dedicados às rixas e às greves envolvendo estrangeiros, tipo de prova que seu pai ainda não utilizara. Enfim, Jacques Bertillon ataca a lei de 1889 sobre a nacionalidade francesa, pois estima que o projeto assimilador que a subentendia fracassou. “Pode-se bem dar a certo nú-mero de estrangeiros um falso nariz francês, e os direitos que lhe estão associados, mas é mais difícil lhes inculcar o amor à França e o desejo de cumprir com seu dever a ela.”22

20 Jean Laumonier cita os sábios americanos que afirmam que “cada raça tem suas aptidões e tendências particulares”. E ele conclui: “Se a ciência histórica ficou tão para trás das outras ciências naturais, é porque tal ensinamento foi obstinadamente desconhecido” (LAUMONIER, Jean. La nationalité française. Paris: Bourloton, 1889-1892. p. 32-34).

21 BERTILLON, Jacques. De la dépopulation de la France et des remèdes à y aporter. Paris: Imprimerie de Berger-Levarult, 1896.

22 Ibid., p. 48.

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O termo “imigração” foi, portanto, inventado no começo dos anos 1880 para designar um dramático “problema” de sociedade, que era necessário resolver urgentemente para salvar a França. Mas constata-se que, desde esta época, quanto mais aumentou o número daqueles que se devotaram a esta nobre causa, mais o “problema” se agravou. Nada menos do que 35 projetos de lei visando taxar os estrangeiros foram apresentados ao Parlamento entre 1885 e 1902! O número de artigos da imprensa dedicados à imigração conheceu ao longo deste mesmo período um crescimento exponencial. E as medidas tomadas pelas autoridades para fazer diminuir isso que se chama, desde o começo do século, a “violência xenófoba”, ao invés de resolver o problema, o agravou. Enquanto duas dezenas de rixas entre operários franceses e estrangeiros tinham sido contabilizadas nos anos 1870, este número triplica na década seguinte e ultrapassa a centena nos anos 1890.

AbstractThe discourses about the “problem” of immigration are divided in two great chapters, constantly placed in the centre of current times. The first is related to the entry and the permanence of foreigners in national territory. The second approaches the question of the integration of these foreigners and their children in French society. I will show here that the term “immigration” has brutally imposed itself in the French political vocabulary since the beginning of the 1880s, to first refer to these two types of concerns. At that moment, the matrix that produced and reproduced all controversy on the subject for the last 125 years was invented.Keywords: immigration problem; France; national identity.

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Alexis Spire*

O papel dos agentes administrativos na política de imigração**

* Alexis Spire é charge de recherche au CNRS, mem-bro do comitê de redação da revista Politix-Sciences sociales du politique, chercheur do CERAPS desde 2003 e leciona na Universidade de Lille 2.

** Tradução de Jair de Souza Ramos

A partir da análise do papel desempenhado pelos agentes da prefeitura de polícia, este artigo examina a elaboração e a aplicação de uma política pública que teve por alvo os imigrantes entrados na França entre 1945 e 1980. Nesse sentido, representa uma ruptura com abordagens de políticas públicas que privilegiam exclusivamente a ação dos atores que intervêm no processo de produção da lei, em favor de um exame do modo como estavam estruturadas as representações e práticas de agentes encarregados de imigração nas prefeituras de polícia e do modo como estas condicionavam a interpretação do conjunto variado de leis, portarias e circulares na definição do tratamento dado aos imigrantes.Palavras-chave: política de imigração; antropologia do estado; sociologia do direito.

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A elaboração de uma política pública é frequentemente apresentada apenas como resultado da ação dos atores que intervêm no processo de produção da lei. Ora, o exemplo do tratamento dos estrangeiros na França entre 1945 e 1980 mostra que os agentes da administração podem desempenhar um papel preponderante na condução de uma política pública. Durante estas três décadas, o quadro jurídico que or-ganizava as condições de entrada e de estada de estrangeiros na França permaneceu estável. A ambição deste artigo é chamar a atenção para os agentes de polícia que durante tal período foram encarregados de aplicar esta legislação. O desafio é identificar o trabalho permanente de produção, de apropriação e de reinterpretação das regras jurídicas realizado por aqueles que qualificaremos de agentes intermediários de estado. Intermediários, eles o são tanto pela sua posição hierárquica, que os posiciona entre os altos funcionários e os agentes de execução, quanto por sua posição institucional, que os situa entre o poder central e o trabalho de terreno no local. Raramente consultados pelos gabine-tes ministeriais, eles aparecem muito pouco nos arquivos e têm uma visão muito desvalorizada de sua atividade profissional para restituí-la em suas memórias ou livros de lembranças. O método de pesquisa por entrevistas parece então o mais adaptado, porém a reserva que eles apresentam diante de qualquer observador torna-se rapidamente um obstáculo. Diferente de outros agentes do serviço público para os quais o “mito estruturante”1 é antes a defesa dos interesses dos usuários, eles se referem a um princípio de defesa dos interesses de estado que extrai uma parte de sua eficácia do segredo que os circunda. Para desfazer esta cultura da discrição, escolhemos realizar as entrevistas a posteriori como os antigos agentes da prefeitura de polícia de Paris que tiveram, entre 1945 e 1975, a função de instruir os dossiês individuais de estrangeiros.2 Menos habituados a serem questionados sobre a sua prática profissional que os diretores da administração, eles são também menos inclinados a respeitar um tipo de fronteira implícita que separa o dizível do indizível, o oficial do oficioso. A dimensão retrospectiva destas entrevistas não nos permite obviamente apreender diretamente as interações cotidianas tal como elas se desenvolveram nos guichês.3 Ela nos oferece, por outro lado, a possibilidade de estabelecer uma ligação entre a concepção que 1 LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: dilemnas in the Individual in Public services. New York: Russel Sage

Fundation, 1980.2 Para uma análise aprofundada das condições da pesquisa, ver SPIRE, Aléxis. Etrangers à la carte:

l’administration de l’immigration en France (1945-1975). Paris: Grasset, 2005.3 Nos trabalhos etnográficos, o estudo das práticas é concebido como a restituição de um conjunto de interações

observadas e de seu quadro temporal, histórico e institucional; em uma perspectiva histórica, não se trata de estudar tanto o desenrolar das interações quanto de seguir os traços que elas deixam no tecido social.

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estes agentes têm de seu trabalho e sua trajetória. Seu ponto de vista nos coloca imediatamente na perspectiva traçada por Michel Foucault, que preconizava que devíamos estudar o poder lá onde ele está em re-lação direta com seu alvo visado, lá onde ele produz seus efeitos os mais reais.4 O tratamento da imigração poderia então constituir um modo de entrada privilegiado para uma sociologia da administração. Mais do que qualquer outro domínio, ele ilumina a distância que separa a ação pública legal e a prática discreta de cada funcionário, a parte explícita da lei e a face escondida do estado.

A divisão do trabalho prefeituralEntre as diferentes instituições estatais encarregadas do tratamento da imigração, as prefeituras ocupam uma posição central. Em cada departa-mento, elas exercem um controle prévio a toda admissão dos imigrantes ao direito de estada e constituem um interlocutor incontornável para as outras administrações. A prefeitura de polícia de Paris abriga desde 1925 um serviço de estrangeiros no interior do qual está constituído um corpo de agentes especializados há bastante tempo no tratamento da imigração.5

Logo que um estrangeiro se apresenta pela primeira vez à prefeitura de polícia, ele é primeiramente recebido por um agente de acolhimento que o indica um guichê no qual será estabelecida sua “ficha de identificação”. Sua demanda é então transmitida aos outros agentes, encarregados de verificar, a partir de suas fichas de polícia, que ele não é objeto de processo judiciário, atingido por uma ordem de repatriamento ou procurado como “devedor do tesouro”. Se atende a estas condições, ele recebe então um recibo que vale por três meses, o tempo em que seu dossiê é examinado, mas nenhuma decisão é tomada no guichê. Os casos que correspondam exatamente aos critérios enunciados pelo regulamento são, em geral, tratados pelo chefe de sala. Por outro lado, desde que se trate de um dossiê que necessita de interpretação da regra de direito, ele é transmitido ao chefe do Bureau ou ao seu adjunto. Nesse dispositivo complexo em que as tarefas administrativas são fortemente divididas, propomos que se identifiquem duas categorias de funcionários: os funcionários subal-ternos, que têm o grau de agente ou de comissionado e que são alocados o mais frequentemente ao nível do guichê ou da instrução cotidiana dos dossiês individuais de estrangeiros, e os funcionários graduados, que, 4 FOUCAULT, M. Il faut défendre la société. Paris: Éditions du Seuil: Gallimard, 1997, p. 27.5 ROSENBERG, C. Une police de simple observation?: le service actif des étrangers à Paris dans l’entre-deux-

guerres. Genèses, [S.l.], 2004.

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tendo o grau de administrador ou de adjunto, ocupam as funções de adjunto ou de chefe de Bureau.

Os funcionários de base ocupam postos subalternos, que têm como ca-racterística comum corresponder a tarefas de execução: pode se tratar de secretarias administrativas, de comissões de administração, de datilógra-fos, de funcionários de guichê, ou ainda de chefes de sala encarregados de vigiar a atividade no guichê e de instruir os dossiês mais comuns. Os dois principais modos de acesso a essas funções são o concurso, que permite aceder ao grau de comissário ou de secretário administrativo, e o auxiliariat,6 que se traduz geralmente por um período, mais ou menos longo, passado nos postos mais subalternos, como a entrega de correio ou a classificação das fichas individuais de estrangeiros. Nos dois casos, o funcionário subalterno não tem jamais a escolha de sua ocupação; ele é lotado, num primeiro momento, nos postos vagos do serviço para o qual foi enviado, mas pode em seguida ser mudado, de acordo com a demanda ou com a necessidade do chefe do Bureau. Não é raro que alguns agentes permaneçam várias décadas no mesmo Bureau, sem mudar de posto, às vezes se beneficiando de uma progressão funcional que corresponde de fato a uma simples mudança de função. O pro-cesso de socialização administrativo específico a cada Bureau favorece uma ligação, isto é, uma identificação, dos agentes ao seu trabalho e ao seu posto que contribui igualmente para a grande estabilidade de sua carreira profissional.

Para os funcionários subalternos, uma clivagem importante separa o trabalho de guichê, que coloca os agentes em posição de receber os estrangeiros (os “postos avançados”), das outras tarefas administrativas (a “retaguarda”), que são a entrega do correio e a gestão dos diferentes fichários. A mais penosa das tarefas é sem dúvida nenhuma aquela efe-tuada nos arquivos do Casier Central: trabalham ali aqueles encarregados de encontrar e reclassificar um dossiê cada vez que acontece uma mo-dificação na situação de um estrangeiro. Os funcionários subalternos aí colocados permanecem constantemente de pé e não dispõem de nenhu-ma autonomia. A atividade de “recepção” oferece condições de trabalho muito diferentes: obedecendo a regras de apresentação relativamente estritas (como o uso obrigatório do uniforme), os agentes que ficam no guichê se beneficiam de maior independência em relação à autoridade hierárquica,7 mas são submetidos a um ritmo de trabalho mais contínuo. 6 O concours e o auxiliariat são modalidades de acesso a um posto estável no serviço público francês. (N. do T.)7 DUBOIS, V. La vie au guichet: relation administrative et traitement de la misere. Paris: Economica, 1999, p. 84.

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O ritmo se intensifica a partir do fim dos anos 1950, em razão do au-mento considerável do número de estrangeiros recebidos na prefeitura:

Nós recebíamos, na época, de 1.200 a 1.300 pessoas por dia, nos anos 1966 ou 1967 [...] E ademais, havia pessoas doentes, e havia as folgas, e não havia funcionários o bastante para lhes substituir. Então um empregado a menos significava umas 40 pessoas que não eram re-cebidas. Era infernal. Havia funcionários de guichê que diziam estar numa prisão. E você sabe, o público nem sempre é fácil. Havia moças que chegavam ao seu limite e não suportavam mais. (Entrevista com Jacques, Montrichard, em 18/9/2000)

Os números oferecidos por esse antigo funcionário de guichê, tornado chefe de sala em 1962, ilustram a amplitude que as atividades de recepção tomavam no cotidiano do Bureau de cartas de sejour. O fenômeno da massificação do acolhimento é acompanhado igualmente pelos primeiros controles de produtividade. Durante um longo tempo, esta vigilância era assegurada pelo chefe de sala que, a qualquer momento, poderia passar por trás dos guichês e medir, com a ajuda de um cronômetro, o tempo gasto por um agente para instruir um dossiê; ou então, um microfone era colocado em cada guichê, para que o chefe do Bureau pudesse a qualquer momento controlar a interação e intervir em caso de problema. A estes modos de vigilância quase militares se soma progressivamente um controle através de ferramentas estatísticas: cada pessoa emprega-da no guichê deve logo que possível assinalar sistematicamente sobre uma folha os números dos dossiês tratados ao longo do dia, para que o chefe de Bureau pudesse avaliar a produtividade de cada um de seus agentes. Esta forma de intensificação das tarefas de recepção é acompa-nhada de uma feminização do recrutamento que segue um movimento análogo àquele observado nas outras administrações: as mulheres “não substituem os homens, mas vêm completar os efetivos quando a inflam os trabalhos”.8 O recurso cada vez mais sistemático a auxiliares, mais do que a titulares, e a degradação das condições de trabalho em razão do aumento do número de estrangeiros recebidos, caminha em paralelo com a progressão dos efetivos femininos. A despeito dessas evoluções, o guichê permanece mais desejável que as outras tarefas administrativas mais subalternas:

No que diz respeito aos serviços, as tarefas nobres eram aquelas do guichê. A retaguarda, as pessoas que se ocupavam do fichário, do cor-

8 SCHWEITZER, S. Les femmes ont toujours travaillé: une histoire du travail des femmes aux XIXe et XX e siècles. Paris: Odile Jacob, 2002, p. 2.

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reio, que faziam todas as tarefas de organização do Bureau, preencher os impressos de consulta aos outros serviços, integrar o que vinha das informações gerais, o que vinha do Casier judiciário, ou, ainda, tirar e organizar as fichas. É verdade que o guichê era, ao mesmo tempo, uma tarefa nobre e difícil. (Entrevista com Carine, préfecture de Police em 10/10/2002)

A atividade de “recepção” de estrangeiros se encontra então em posição intermediária na divisão do trabalho prefeitural: nobre se comparada às tarefas mais penosas como o correio ou a classificação dos arquivos, o trabalho no guichê permanece uma atividade repetitiva, que era submetida a uma obrigação de produtividade e deixava abertas poucas possibilidades de promoção. O trabalho de instrução de dossiês é ao contrário mais valorizado e constitui, para os funcionários subalternos que conseguem chegar aí, o meio de escapar das tarefas administrativas subalternas e do guichê. Aqueles que conseguem ocupar estes postos são num primeiro momento encarregados de redigir os memorandos e de estabelecer a comunicação com outras administrações, podendo mais tarde ser levados a assumir mais responsabilidades. Em contato com os agentes da prefeitura mais experientes, eles aprendem como estudar um dossiê individual e como observar rapidamente os elementos importantes. São menos isolados dos outros serviços administrativos da prefeitura de polícia, mas são objeto de um controle de produtividade semelhante: sua ficha de avaliação compreende em detalhe cada operação que eles devem efetuar, bem como a parte de tempo que lhe consagraram ao longo do dia. Dispõem de uma fraca autonomia em relação à hierarquia, porém possuem mais chances que seus funcionários e que os funcioná-rios que trabalham no guichê de se tornarem redatores, isto é, de ter a responsabilidade de instruir dossiês e de decidir o tipo de permissão a ser atribuído aos imigrantes. A passagem do guichê para a redação permanece, entretanto, difícil e bastante rara:

– Você nunca desejou tornar-se redator?

– Não. Eu nunca tive talento para isso. É preciso ter talento para redigir uma carta. Seria necessário que eu trabalhasse mais. Você sabe, quan-do acabava um dia de trabalho no sexto Bureau, eu não tinha muita vontade de trabalhar ainda um pouco mais. Se tivesse um diploma, eu poderia ter acabado administrador. Mas bem, é preciso que a gente enxergue aquilo que a gente pode, é preciso permanecer simples. (Entrevista com Jacques, Montrichard, em 18/9/2000)

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Tendo um diploma de nível inferior ao baccalauréat,9 jamais se sentiu o suficientemente competente para tentar se transformar em redator e justifica retrospectivamente a justeza de sua própria posição social ao se atribuir a responsabilidade por ela. No quadro de um serviço exclusi-vamente administrativo e no qual o essencial da atividade é a instrução de dossiês individuais, o controle da expressão escrita e a capacidade de redação constituem um capital importante para subir os degraus e chegar até os níveis hierárquicos mais elevados, e até mesmo posição de quadro administrativo.

Os funcionários do quadro administrativo assumem uma atividade de direção de um ou de vários serviços, o que os coloca em posição de supervisionar os funcionários subalternos, mas que não os dispensa de todo o contato com a instrução de dossiês de estrangeiros. De fato, em caso de litígio ou de uma grande complexidade do dossiê, não é raro que o redator consulte o responsável do Bureau ou seu adjunto. Os funcionários do quadro administrativo devem igualmente receber as pessoas “recomendadas” pela direção da prefeitura de polícia ou pelo ministério do interior e instruir pessoalmente seu dossiê. Essa parte do trabalho administrativo é, entretanto, marginal na sua atividade, que consiste principalmente em enquadrar o trabalho dos chefes de sala e dos funcionários que trabalham no guichê, em corrigir os redatores e lhes transmitir as disposições contidas na circulares, a fim de que eles as levem em conta na instrução cotidiana dos dossiês. Os que chegaram a esses postos de quadro administrativo o fizeram através seja de promo-ção interna, seja, no caso dos titulares de uma licença, depois de terem passado com sucesso por um concurso de administrador.

A esta direção vertical do trabalho prefeitural se somam as distinções mais implícitas que atravessam as diferentes atividades administrativas no interior de um serviço encarregado de imigração. Cada possibilidade de promoção ou de mudança constitui um importante objeto de disputa, como mostram os propósitos deste antigo diretor da polícia geral que entrou na prefeitura em 1945:

Para o oitavo bureau, que era encarregado do repatriamento, procu-rava-se uma personalidade específica. Era preciso que a pessoa fosse, ao mesmo tempo, um bom conhecedor da legislação, que tivesse uma boa cultura jurídica porque às vezes tinha de lidar com advogados, mas era preciso também alguém que fosse extremamente firme, porque de repente poderia haver dez pessoas dos quatro cantos do mundo que

9 O Baccalauréat é uma qualificação acadêmica a ser obtida ao final do ensino secundário como requisito para o ingresso na educação superior. (N. do T.)

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deviam ser conduzidas no mesmo dia ao aeroporto. Então era preciso alguém que tivesse muita autoridade natural e que não fosse apenas uma sombra bruta. Por tudo isso, é preciso procurar; mas procuramos alguém que preenchesse verdadeiramente essas condições. Para os ou-tros, era preciso alguém que não fosse mole. Para o sexto Bureau, isto é, o Bureau das cartas de sejour, era preciso alguém bem organizado, que tivesse uma boa cultura jurídica porque lá também existem sempre questões que envolvem advogados, e que tivesse uma boa capacidade de se relacionar com as pessoas. O quinto Bureau, isto é, o Bureau de admissões, é o mais homogêneo, mas mesmo assim é necessário alguém que se faça respeitar. Existem pessoas que a gente não pode colocar em qualquer lugar, senão nós corremos riscos. (Entrevista com Armand, Paris, em 14/10/2000)

Essa descrição minuciosa das qualidades necessárias para dirigir os diferentes Bureaus revela um sistema de oposições que organiza o tra-balho da prefeitura, no seio da subdireção de estrangeiros, em torno da distinção entre atividades de repatriamento e atividades de admissão. A firmeza requerida para dirigir o Bureau de repatriamento se opõe à “boa capacidade de se relacionar”, indispensável para supervisionar a atribuição das cartas de sejour. Além disso, a cada qualidade (virtude) específica corresponde um risco padrão específico: o defeito maior na prática das expulsões é ser “uma sombra bruta” (polo negativo da autori-dade), ao passo que, para a admissão, é o fato de não se fazer “respeitar” e de ser “mole” (polo negativo da competência relacional). As qualidades de temperamento não têm o mesmo valor segundo o Bureau no qual serão exercidas; elas parecem intervir diretamente na seleção dos fun-cionários dos quadros administrativos que são distribuídos segundo uma divisão horizontal do trabalho, opondo admissão e repatriamento. Este modo de recrutamento ajustado à “personalidade” de cada candidato é acompanhado de um processo de socialização administrativo ao fim do qual se estabelece uma harmonia entre as exigências implícitas requeri-das por um posto de quadro administrativo e as qualidades do agente escolhido para ocupá-lo. O trabalho de ajustamento recíproco entre as “qualidades de temperamento” associadas a uma função e às disposições do agente que o ocupam se encontra além disso igualmente nas regras de distribuição dos postos subalternos. Armand descreve nos seguintes termos as competências necessárias para trabalhar na recepção no guichê:

Existe um problema permanente que é um problema de acolhimento. Existem pessoas que atendem bem, de forma cortês, e existem pessoas que são insuportáveis e que atendem mal. Mas isso não é porque o

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regulamento é mais duro ou mais mole, isso depende muito mais do temperamento. Atenção, é preciso que as pessoas também não sejam muito moles, porque isso também não funciona. É preciso pessoas com uma cortesia média, que não dão a impressão de rejeitar a priori, mas que também não dão a impressão de fazer qualquer coisa. (Entrevista com Armand, Paris, em 14/10/2000)

A preocupação constante dos altos funcionários da prefeitura é associar a “boa pessoa” ao posto que lhe corresponde, de maneira que as disposições dos agentes sejam perfeitamente ajustadas à atividade administrativa às quais elas são alocadas. No caso dos guichês, essa maneira de fabricar “vocações” constitui igualmente um meio de melhor garantia à legiti-midade da autoridade da prefeitura junto aos estrangeiros. A escolha dos agentes que não oferecem uma imagem de excessiva severidade, mas que expressa uma dureza necessária, constitui um meio de tornar crível a característica impessoal das decisões da prefeitura e de revelar, assim, uma neutralidade burocrática como garantia de imparcialidade.

A maneira de adequar disposições e qualificações dos agentes é igual-mente marcada pela característica sexuada da divisão do trabalho da prefeitura. Essa dimensão intervém sobretudo no recrutamento dos funcionários dos quadros administrativos. Se as mulheres chegam a essa posição, é em parte em razão da posição a que é relegado um serviço que tem a característica de receber um número considerável de dossiês. Os três Bureaus dirigidos por mulheres são aqueles que necessitam de maior massa de trabalho: o Bureau encarregado da admissão, que agrupa as atividades de verificação dos passaportes e dos vistos de todos os estrangeiros; o Bureau das primeiras cartas de sejour; e o Bureau das fichas de arquivos. Em contrapartida, a direção do Bureau de repatria-mento é estruturalmente reservado aos homens. A repartição sexuada da atividade administrativa na prefeitura revela então duas dimensões bem distintas, características dos empregos femininos: à segregação vertical, perceptível na oposição de funcionários subalternos e quadros administrativos, se combina uma diferenciação horizontal organizada em torno da oposição entre Bureaus. Aqueles para os quais se supõe que necessitem de autoridade e firmeza são implicitamente reservados a responsáveis masculinos, ao passo que aqueles que exigem maior vo-lume de trabalho e competência relacional são atribuídos às mulheres.

A presença das mulheres na direção dos Bureaus encarregados da ad-missão e da atribuição de cartas de sejour permanece, até o fim dos anos 1960, atípica em comparação com outros serviços da prefeitura. Mais tarde, a feminilização do pessoal dos quadros administrativos se estendeu

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ao conjunto da administração da prefeitura, mas é provável que a sub-divisão de estrangeiros tenha constituído um dos primeiros espaços da prefeitura de polícia no seio do qual as mulheres tiveram a possibilidade de adquirir certas responsabilidades. Depois da suspensão da imigração de trabalho em 1974, essa presença feminina foi ao contrário percebida às vezes como obstáculo à instauração de práticas mais restritivas. Em um relatório administrativo de inspeção interna, o antigo prefeito afirma por exemplo que “a feminilização crescente do pessoal das prefeituras não pode acontecer sem influenciar a ‘sensibilidade’ dos serviços”.10 Tal constatação retoma uma concepção tecnocrática da divisão do trabalho que consiste em opor uma disposição masculina para a “dureza” a ou-tra propriamente feminina para a “compreensão”. Em outras ocasiões, encontramos frequentemente esse tipo de oposição, em todas as escalas da hierarquia burocrática.

À repartição clássica das tarefas burocráticas entre atividade de recepção (“o front do escritório”) e às instruções de dossiês (“a retaguarda”) se somam então outras clivagens, mais específicas a um serviço responsável pela imigração: os Bureaus encarregados da admissão se opõem àqueles encarregados do repatriamento, e essa dicotomia recorta ainda outra posição entre as “qualidades femininas” de acolhimento e de sociabili-dade, e as disposições “masculinas” para a firmeza e para a autoridade.

As dimensões do ethos prefeituralPara além da divisão do trabalho prefeitural, funcionários subalternos e funcionários dos quadros administrativos partilham uma concepção do ofício feita de valores e de representações que fazem parte de um mesmo ethos, no sentido que Max Weber deu a este termo.11 A noção weberiana de ethos permite pensar relação entre representações e práticas sem as dissociar ou as opor: o ethos é precisamente aquilo por meio do qual uma visão de mundo feita de máximas e de regras é tornada coerente com as práticas cotidianas que surgem na sua singularidade. Nessa perspectiva, o ethos prefeitural pode, numa primeira aproximação, ser definido como um conjunto de princípios e de disposições para a ação que organizam a prática dos agentes da prefeitura; este ethos recobre certas caracte-rísticas comuns a um universo burocrático, mas no caso de um serviço 10 Relatório da missão de inspeção consagrada ao controle das regularizações em setembro de 1980, Centre des

Archives Contemporaines 1996 0048, art. 9.11 Max Weber utiliza este conceito para analisar as condições sociais e materiais que propiciam a emergência

de uma concepção de mundo que conduz uma elite protestante a se investir no trabalho e na indústria. Cf. WEBER, M. L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme. Paris: Flammarion, 2000, p. 94.

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encarregado da imigração, ele comporta certos traços específicos que convém explicitar.

A primeira particularidade de um serviço prefeitural encarregado da imigração reside no lugar preponderante que ocupam aí as circulares, em detrimento de outras referências jurídicas, que são as convenções internacionais, as leis ou os decretos. Instrumento privilegiado de comu-nicação entre a administração central e as prefeituras, a circular constitui um documento de uso interno que, como a etimologia da palavra indica, tem por vocação circular entre os serviços e entre os agentes. Em geral, é transmitida pelo prefeito ao diretor do serviço de estrangeiros, que comunica em seguida ao chefe do Bureau implicado, a fim de que ele extraia daí as diretrizes principais e que as transmita aos funcionários subalternos. Essa forma de circulação hierárquica, do alto até a base, deve, entretanto, ser nuançada pela margem objetiva de liberdade da qual dispunham os agentes para interpretar as diferentes disposições que podem estar contidas em uma circular.

Os usos administrativos da circular podem variar primeiramente segundo a posição hierárquica do agente e o poder de decisão que lhe é investido: desigualmente distribuído, esse poder também é desigualmente reivin-dicado e mobilizado. Para Jacques, antigo funcionário de guichê que se tornou chefe de sala, o sentimento de ser ilegítimo, ou insuficientemente competente, para intervir pessoalmente na instrução dos dossiês, se traduz por uma relação sacralizada com a circular:

– Você trabalhou com as circulares?

– Sim, claro. E eu tinha uma pilha inteira desses papéis. Porque eu lia as circulares, não me contentava de lê-las e depois guardá-las... Era preciso agir com base nas instruções. Nós não éramos nossos próprios chefes, veja bem. Não se tratava de dizer a qualquer um que chegava para nos ver “eu te dou um documento”. Não. Era preciso sempre se apoiar sobre as instruções, as circulares... Eu creio que, tirando os altos funcionários, os outros não têm nenhum poder. Isso é apenas para os níveis elevados. Quando os acontecimentos nos obrigam a tomar uma decisão, nós podemos ser punidos mais tarde quando nos acusam de havermos agido sem estarmos referidos ao regulamento. Isso é o tipo de coisa que eu não teria feito por mim mesmo. Ou então, teria sido necessário que isso fosse verdadeiramente uma coisa excepcional; nesse caso, eu me reportaria o mais rápido possível ao meu superior. (Entrevista com Jacques, Montrichard, em 18/9/2000)

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Todo o eventual poder de apreciação em relação à circular aparece aqui neutralizado por um reflexo de delegação à autoridade hierárquica que constitui, para o funcionário subalterno, uma proteção frente à comple-xidade das situações a gerir. Para os agentes que são alocados nos guichês ou encarregados de supervisionar sua atividade, a circular é utilizada como um meio de limitar a incerteza gerada pela diversidade de situa-ções a gerir e pela complexidade de determinados casos particulares. Esse sentimento de delegação, formulado por um funcionário tornado chefe de sala depois de ter permanecido quase vinte anos no guichê, pode parecer em desacordo com a percepção dos usuários que frequentemente superestimam o poder dos funcionários dos guichês que eles têm diante de si.12 Ele corresponde, no entanto, a uma estratégia em geral obser-vada nos escalões mais baixos da burocracia, consistindo em renunciar a reivindicar a menor margem de manobra e a se comportar como uma pessoa anônima e substituível. O formalismo da circular constitui então, para o funcionário subalterno, um meio de se prevenir contra toda a sanção ou pressão que emane da hierarquia interna e de se abrigar sis-tematicamente atrás da regra erigida pela autoridade superior.

Por outro lado, nos níveis hierárquicos mais elevados, a circular não tem de modo algum o mesmo estatuto nem as mesmas funções: os agentes se baseiam nelas, mas reivindicam a existência de uma esfera de autonomia no interior da qual eles podem tomar diferentes decisões:

– Você trabalhou com as circulares?.

– Nós éramos obrigados a tomá-las como referência, é claro, mas de todo modo havia uma margem de manobra na medida em que nós só tratamos de casos particulares: nem sempre nós podemos caber no molde... Existe uma grande parte de apreciação pessoal, conforme se seja uma madre Tereza ou um bicho-papão. Bom, existem os casos humanitários, existem aqueles que vêm se juntar à família ou então que têm necessidades de cuidados médicos. É evidente que aquele que vem como turista e que em seguida diz “como Paris é linda” não é um caso humanitário, então para ele a resposta é não. (Entrevista em Carine, préfecture de police, em 10/10/2002)

A relação que os agentes desenvolvem com a circular decorre em parte do estatuto que atribuem à escrita e então indiretamente da sua relação com 12 DUBOIS, V. La vie au guichet: relation administrative et traitement de la misere. Paris: Economica, 1999, p.

57 et seq.

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a cultura escolar.13 Como muitos de seus colegas, Carine saiu de um meio operário, mas conseguiu seguir seus estudos até a licenciatura e ensinou história e geografia durante quatro anos como professora auxiliar. Depois de ter fracassado no exame de professora permanente ela foi recrutada como assistente contratada da prefeitura de polícia e tornou-se em se-guida responsável pelo Bureau de admissões. Tal trajetória lhe permite desenvolver uma relação dessacralizada com a circular: para ela, a circular representa uma referência que fixa as orientações e os princípios gerais, mas que pode ser interpretada. A invocação do caráter geral da circular permite ainda ao funcionário do quadro administrativo justificar sua legitimidade em adaptá-la à situação local e a cada caso singular. Assim, quanto mais alto se está na hierarquia, mais aumenta a consciência (ou o sentimento de legitimidade) de estar à altura de exercer um poder de interpretação das regras ditadas pela administração central.

A abundância de regulamentações que caracteriza o tratamento burocrá-tico da imigração tende não a restringir o poder de decisão destes agen-tes intermediários de estado, mas, ao contrário, aumentar sua margem de manobra: eles podem ignorar certas disposições, ao enfocar outras de forma seletiva,14 ou ainda atribuir importância central a um texto que é apenas um entre outros. A interpretação da regra jurídica consiste assim em mobilizar os critérios de decisões que variam sem cessar no curso do tempo e da qual a definição é o objeto de constantes negociações entre agentes intermediários e altos funcionários:

Para decidir sobre a concessão desta ou daquela carta, existiam vários fatores a se levar em conta: era preciso verificar junto aos serviços ativos que o demandante não se tratava de um delinquente; isso depende também do interesse que podia despertar o estrangeiro. Existia mesmo um elemento utilitário na apreciação... Na condição de funcionário, nós estávamos investidos de uma missão de serviço público, de uma missão de defender o estado e os interesses do estado. (Entrevista com Bernard, Paris, em 16/10/2000)

Cada agente pode “investir” subjetivamente as categorias abstratas extraí-das das regras direito e as reinterpretar segundo suas próprias convicções. Para esse filho de politécnico, a referência a grandes princípios como a “missão de defender os interesses do estado” constitui um meio de eno-brecer uma condição profissional que apresentava todos os sinais de ser 13 Sobre as relações entre as classes populares e práticas escriturais, cf. LAHIRE, Bernard. Tableaux de familles.

Paris: Éditions du Seuil: Gallimard, 1995, p. 18 et seq.14 Essa constatação vai ao encontro da tese desenvolvida por Micahel Lipsky em sua obra Street Level Bureaucracy

(New York: Russel Sage Fundation, 1980).

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relegada a um papel secundário. A trajetória de Bernard poderia, no entanto, ter-se afastado dessa relação sacralizada com o estado: afastado da função pública em outubro de 1940 porque era judeu, ele retornou à prefeitura em 1945 e recuperou um cargo durante a Reconstrução, antes de tornar-se o responsável pelo Bureau e por admissões em 1950. Tal afeição à “defesa dos interesses de estado” pode então ser interpretada como uma adesão a um princípio ao mesmo tempo vago e consensual que, como todos os conceitos de geometria variável, deve a sua eficácia simbólica ao fato de que cada um pode ajustá-la aos seus preconceitos e às suas representações.15 Segundo as disposições do agente que a invoca, ela pode designar tanto a preocupação de preservar a “ordem pública”, quanto a necessidade de selecionar determinadas profissões ou ainda de privilegiar certas nacionalidades, cada um desses critérios se inscrevendo respectivamente em uma lógica da polícia, uma lógica da mão de obra e uma lógica da população. Assim, a abundância de circulares estava longe de significar um quadro mais restrito: para os funcionários do quadro administrativo, ele garantia, ao contrário, uma margem maior de interpretação e de iniciativa. Segundo as épocas e segundo o estado do equilíbrio de forças no interior do campo administrativo, uma ou outra dessas três lógicas podia então ser privilegiada no trabalho cotidiano de instrução de dossiês individuais.

Outra dimensão do ethos prefeitural que partilhavam os agentes en-carregados da imigração concerne à representação que eles faziam do seu poder e do seu lugar nos aparelhos de estado. Para um agente da prefeitura de nível subalterno, a missão de representar os interesses de estado constitui o aspecto o mais valorizado de sua atividade administra-tiva. Essa tensão entre uma grande modéstia de posição e o sentimento de uma responsabilidade em relação à “defesa da ordem pública” é específica do ethos prefeitural dos agentes encarregados da imigração. Ela se encontra igualmente no discurso daqueles que são alocados ao trabalho de instrução dos dossiês individuais de estrangeiros:

Meu chefe de Bureau acreditava que eu era incapaz de escrever, eu havia sempre lhe dito que não gostava desse tipo de trabalho. Então uma vez, ele me confiou um dossiê, e a partir do seu exame eu escre-vi uma carta. Eu o vejo ainda descendo as escadas, a porta se abre, ele vem até mim e me beija as faces (risos). Eu fiquei vermelho. Ele me disse “mas sua carta é formidável”. Ele estava contente. Era um assunto de nacionalidade, eu sempre adorei os contenciosos de nacionalidade. Des-de o oitavo Bureau, eu me ocupava de ver se as pessoas eram francesas

15 BOURDIEU, P. Vous avez dit populaire? Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 46, p. 98, 1983.

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ou estrangeiras, realmente eu amava isso. Eu havia provado por A + B que o demandante era argelino. Então, depois disso, o que é que ele fez? Ele copiou a carta e isso funcionou muito bem. Esse foi um renas-cimento para mim, a redação dessa carta. É muito grande, você sabe, o impacto que os chefes de Bureau têm sobre o pessoal. Quando existem pessoas que sabem conduzir dessa maneira, é formidável. Isso não é para todo mundo. (Entrevista com Christine, Stains, em 26/5/2000).

O interesse dessa antiga secretária administrativa pelo contencioso da nacionalidade se explica em grande parte pelo objeto de disputa em que se constituiu essa matéria jurídica complexa em um serviço encar-regado de imigração. No caso do dossiê de um estrangeiro em processo de repatriamento, a responsabilidade de decidir se pode ou não ser considerado como francês torna-se, por consequência, decidir se pode ou não ser expulso. Para os agentes limitados, a princípio, às tarefas de execução, da impressão de possuir uma espécie de monopólio dos usos administrativos do direito deriva o sentimento de ter um poder quase ontológico sobre a vida das pessoas. Sentindo-se investido de um man-dato para agir em nome da autoridade do estado, o agente da prefeitura pode ser levado a tomar decisões suscetíveis de transformar a situação administrativa de certos demandantes das cartas de sejour. O ethos pre-feitural reside então nessa tensão entre o sentimento de não estar jamais associado à elaboração da regulamentação e a certeza de dispor de um poder demiúrgico sobre cada dossiê de estrangeiro.

A capacidade de invasão na vida das pessoas de que dispõem os agentes das prefeituras não se reveste necessariamente de uma dimensão repres-siva. No cotidiano, ela se manifesta igualmente pela atribuição de novos estatutos e novos direitos, e essa dimensão pode se revelar preponderante na definição do posto ou da função:

O mais interessante era realmente o problema humano. Não era o dossiê, era uma vida humana, uma criatura humana. Eu mesma jamais gostei da papelada abstrata. Havia um ser humano no fim de tudo isso, com sua história, que esperava talvez por um emprego, por casar com uma moça, por qualquer outra coisa. E era isso o que havia de interessante. Todo o resto era supérfluo. Nós fazíamos assim mesmo uma pesquisa bastante detalhada sobre as pessoas, sobretudo sobre a forma de viver, sua residência, seus hábitos etc. E depois bastava ter um pouco de bom-senso, não era necessário ser um jurista emérito nem um filósofo. (Entrevista com Laurence, Paris, em 9/5/2000)

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Os agentes encarregados da instrução de dossiês individuais de estran-geiros podem desse modo se reapropriar das rotinas burocráticas de forma mais frequente que em outros serviços, apresentando ao mesmo tempo todas as características de procedimentos impessoais. Filha de professoras, Laurence também começou sua carreira como professora, e os significados que atribui à sua prática administrativa residem essencial-mente no poder de decisão sobre a vida das pessoas. Ela apresenta sua atividade no Bureau de naturalizações como um conjunto de decisões tomadas em função do “crédito” que ela atribui ao relato do estrangei-ro demandante. Uma tal concepção do seu ofício revela uma relação “artesanal” com o direito, por oposição ao uso puramente técnico ou teórico que dele fazem os juristas ou os altos funcionários.16 A substância mesma do ethos prefeitural resiste nesta casuística do caso particular que consiste em julgar os requerentes com base no seu estilo de vida, seus hábitos e a tomar a partir desses elementos uma decisão administrativa, independentemente de todo o formalismo jurídico. Para esses aplicadores do direito, a norma jurídica só ganha sentido em relação aos problemas práticos que ela permite resolver e em relação às decisões sui generis que ela permite fundar em direito. O primado de um tal uso empírico caminha, consequentemente, ao lado de um ensinamento “artesanal” e não formalizado: não existe nenhuma formação específica, nem nenhum estágio, para os agentes que acabam de ser alocados ao serviço encarre-gado de imigração. O conhecimento dos regulamentos se adquire pela prática, sobre a pilha de papéis: depois de ter sido familiarizado com as principais regras de instrução de dossiês, o funcionário recém-chegado é colocado sob a responsabilidade dos colegas veteranos que lhe ensinam, durante um curto período de socialização administrativa, as técnicas e os procedimentos em vigor no Bureau. Mais do que um conhecimento teórico do direito, é, sobretudo, um certo uso pragmático dos regula-mentos que lhe é transmitido assim.

O ethos prefeitural pode enfim ser analisado por meio da relação específica que os agentes desenvolvem com a instituição, tal como aparece através do conteúdo dos seus dossiês individuais de carreira. Encontramos aí julgamentos e avaliações que a autoridade hierárquica formula sobre cada um deles quanto ao seu devotamento à instituição. A avaliação do devotamento é medida de início a partir da quantidade e da qualidade do trabalho realizado. Um primeiro conjunto de avaliações agrupa ex-pressões comuns a outras administrações e valoriza os princípios de uma moral de trabalho segundo a qual nada se deve poupar na realização da tarefa: “trabalho assíduo”, “trabalhador incansável”, “consciencioso 16 WEBER, M. Sociologie du droit. Paris: PUF, 1986, p. 144.

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em seu trabalho” são as expressões que aparecem mais frequentemente. A esta temática do devotamento se agrega um imperativo de lealdade mais específico à prefeitura de polícia que se enquadra em um registro quase militar: “coragem excepcional”, a “energia sem falha”, ou ainda “sabe demonstrar autoridade” são algumas dessas avaliações destinadas a descrever as qualidades dos agentes mais valorosos. Um tal campo lexical não é surpreendente no seio de uma instituição policial. As referências ao universo militar parecem ainda mais “naturais” no seio da prefeitura de polícia, uma vez que a maioria dos seus agentes foi recrutada entre antigos funcionários do ministério da defesa. Eles se encontram profun-damente marcados, não apenas no vocabulário e nas representações, mas também nos comportamentos e nas relações que estabelecem com a hierarquia. As avaliações contidas nos dossiês de carreira dos agentes deixam assim transparentes as formas que pode tomar a exigência de lealdade em relação à instituição em um universo tão marcado por valo-res militares. O ethos prefeitural revela então um princípio de submissão à autoridade hierárquica, atestada por um controle burocrático que se exerce ao longo de toda a carreira profissional.

A exigência de lealdade em relação à instituição supõe igualmente uma certa atitude para lidar com a regra e adaptá-la aos interesses da pre-feitura. Em um serviço encarregado de imigração, essa possibilidade de tomar uma certa distância em relação à norma jurídica é tão mais frequente quanto menos a atividade dos agentes é objeto de algum tipo de controle da parte de uma instância exterior. Até o fim dos anos 1970, o juiz administrativo não intervém senão de forma excepcional, uma vez que os textos são redigidos de tal maneira que a administração dispõe de larga margem de poder de avaliação e, sobretudo, porque os estrangeiros não dispõem de recursos suficientes para estabelecer um contencioso.17 A intervenção dos profissionais de direito não é, no entanto, excluída, em particular no caso da colocação em prática de medidas de repatriamento que implicam, em princípio, certas garantias para o estrangeiro e que podem ser efetuadas sob o olhar de um advogado:

Nós tínhamos as fotocópias das condenações, e desde que um estrangei-ro saía da prisão, ele era conduzido sob escolta ao oitavo Bureau. Isso não era exatamente legal, pois quando o estrangeiro acaba de cumprir sua pena, nós não temos realmente direito de retê-lo. Então os advo-gados protestavam bastante contra esse procedimento. É por isso que o oitavo Bureau é difícil, porque nós temos que lidar com advogados

17 LOCHAK, D. Les étrangers face au pouvoir discrétionnaire de l’administration. Communication au colloque de l’IFSA, Le pouvoir discrétionnaire et le juge administratif, Paris, 5 mars 1977.

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e frequentemente com advogados especializados que conhecem muito bem os pequenos truques do procedimento. (Entrevista com Martin, musée de la préfecture de police, em 3/4/2000)

Filho de um ferroviário, Martin começou sua carreira como um simples agente da prefeitura de l`Aube, antes de passar em agosto de 1945 num concurso de administrador da cidade de Paris. E foi, a princípio, alocado no Bureau de repatriamentos, do qual assumiu a direção entre 1955 e 1963. Para ele, o imperativo da eficácia burocrática supõe poder agir com toda a independência em relação ao direito e aos profissionais que vivem dele, os advogados. A capacidade legal de interpretar a regra de direito se transforma aqui em um puro e simples poder de transgres-são da lei: para assegurar maior efetividade das medidas de expulsão e de recusa de vistos, os agentes da prefeitura retinham, de forma completamente ilegal, o estrangeiro em processo de repatriamento até que ele fosse conduzido sob escolta à fronteira. Na forma como Martin se apresenta, a confrontação com os advogados é sempre apresentada como um obstáculo à realização de suas obrigações, na medida em que a intervenção de profissionais do direito perturba o sigilo administrativo que habitualmente se impõe sobre a relação entre agentes da prefeitura e estrangeiros. A prática, ilegal na época, de prisão administrativa de estrangeiros em processo de repatriamento foi muito utilizada nos anos 1960, em relação aos imigrantes de nacionalidade argelina, até que ex-plodiu o escândalo da “prisão d’Arenc” em abril de 197518 e que esse tipo de prática tenha se tornado finalmente objeto, alguns anos mais tarde, de um controle mais sistemático da autoridade judiciária.

Em resumo, o ethos prefeitural dos agentes encarregados de imigração aparece como um conjunto de disposições, colocando em jogo qualidades aparentemente contraditórias: uso pragmático da circular de tal modo que não impede a preservação das margens de avaliação; modéstia de posição que se combina perfeitamente com o sentimento de ter um poder decisivo sobre o destino administrativo dos estrangeiros; e enfim exigência de lealdade em relação à instituição prefeitural, que é acom-panhada da aplicação de uma distância frente à norma jurídica. Nessa perspectiva, o ethos prefeitural deve ser compreendido não como um sistema unitário de disposições homogêneas, mas como um conjunto de princípios genéricos graças aos quais os agentes adaptam o direito às 18 Em abril de 1975, a existência de um hangar situado no interior do porto de Marselha foi revelado ao grande

público graças a um processo judicial engajado pelo Sindicato dos Advogados da França contra o sequestro de imigrante marroquino. Como resultado de uma campanha midiática e política exigindo o fechamento desta “prisão clandestina”, o ministério do Interior dará a posteriori uma base legal a esta prática de retenção.

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necessidades da prática e conseguem tornar coerentes injunções apa-rentemente contraditórias.

As modalidades de incorporação do ethos prefeituralResta-nos ainda perguntar como o ethos prefeitural que partilham os agentes encarregados de imigração é transmitido e se perpetua através do tempo. A aquisição deste ethos repousa a princípio sobre um processo de interiorização da divisão do trabalho prefeitural de que os agentes se apropriam, e não por uma inculcação qualquer, mas por uma socializa-ção difusa. Em um universo burocrático no qual a mobilidade é fraca, cada funcionário tem a tendência de se identificar com seu cargo e com seu local de trabalho, reforçando assim a divisão simbólica das tarefas. Christine por exemplo conta nos seguintes termos o que representou para ela o anúncio de sua mudança para o serviço de admissões, depois ter estado encarregada durante 13 anos do serviço de repatriamento de argelinos:

Depois eu passei a me ocupar apenas com os processos de admissão. Então para mim isso era esquisito, eu que não fazia senão expulsar os argelinos. As reconduções eram uma fonte de contenciosos com os advogados, com os juízes, a gente tem a impressão de ser útil. Era necessário realmente fazer malabarismos algumas vezes. Ao passo que as admissões não eram nada divertido... Nosso chefe me anunciou isso uma sexta-feira à noite. Eu chorava como um chafariz por ter de ir para a admissão. Eu não desejava confessar isso (risos). Não, eu não tinha vontade de mudar, eu tinha me tornado apegada ao já conhecido... Não, eu não tinha vontade de mudar de posto, eu não tinha vontade de estar na admissão. E depois eu refleti e no dia seguinte aceitei. Meu chefe de Bureau ficou contente porque ele havia se sentido muito mal de me ver chorar, ele me disse depois. (Entrevista com Christine, Stains, em 26/5/2000).

A expressão “fazer corpo” com seu cargo toma aqui todo o sentido: o anúncio de mudança de alocação provoca uma desorganização na relação que esta funcionária mantém com a sua missão no seio da instituição. Em um serviço encarregado de imigração, a identificação com um Bureau encontra seu lugar no seio da oposição entre admissão e repatriamento que estrutura a divisão horizontal do trabalho prefeitural: depois de ter adquirido o conjunto das qualidades necessárias para a atividade de repatriamento, Christine fica arrasada com a ideia de ter de admitir os estrangeiros. Além de ter incorporado certas normas do trabalho, ela

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sobretudo adquiriu a convicção de ter se tornado “útil” ao seu posto, a ponto de não poder mais imaginar a mudança. Seu apego à missão de repatriar os estrangeiros resulta de um longo processo de adequação entre suas próprias disposições e as qualidades associadas à função que ela ocupou. Essa forma de apropriação da divisão do trabalho prefeitural constitui um componente fundamental da identidade profissional dos agentes da prefeitura e revela ser um primeiro modo de incorporação do ethos que lhe corresponde.

No mesmo sentido, a organização das carreiras é um recurso importante utilizado pela hierarquia para suscitar a adesão dos agentes à instituição e para obter melhor interiorização do ethos prefeitural. Não se confor-mar com isso pode então significar receber a atribuição de uma “tarefa ingrata” e se encontrar privado de toda perspectiva de mudança. Assim, depois de ter trabalhado mais de vinte anos à frente de um Bureau de cartas de sejour, Gisèle pede para ser alocada em um outro serviço:

Mas sim, em uma ocasião, eu pedi para mudar de serviço. Porque eu já estava cheia, tinha muito trabalho e não aguentava mais. Eu queria qualquer outro serviço, desde que ele fosse menos sobrecarregado. No serviço de estrangeiros, havia uma enorme quantidade de trabalho, trabalho demais. Algumas vezes, eu tinha a impressão de puxar um caminhão de não sei quantas toneladas... Me acontecia de ter uma fila até o corredor... Eu queria mudar para ter alguma coisa menos sofrida em matéria de carga de trabalho. (Entrevista com Gisèle, Paris, em 18/3/2000)

Suspeita de ser uma funcionária demasiadamente autônoma e de ter um conhecimento da regulamentação melhor que o dos seus superiores hierárquicos, ela jamais obteve essa mudança e acabou por se manter em seu posto até a aposentadoria, em 1979. Os usos para a autoridade hierárquica da repartição entre “tarefas nobres” e “tarefas ingratas” afetam igualmente a repartição dos funcionários subalternos entre os diferentes postos. Os menos dóceis podem ser alocados aos guichês mais “expostos”, isto é, lá onde se efetua o acolhimento, onde o número de atendimentos alcança o máximo. Em contrapartida, os agentes que res-pondem melhor às expectativas da instituição são alocados nos guichês mais “abrigados”, isto é, os que são menos submetidos ao fluxo contínuo ou das chegadas de imigrantes.

O estudo de um serviço prefeitural de imigração permite apreender a dimensão prática da atividade dos agentes estatais envolvidos no controle da presença dos estrangeiros sobre o território. Chefes de Bureau, chefes

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de sala e redatores são permanentemente levados a reformular as regras do direito, as circulares e as normas administrativas, segundo sua traje-tória, sua posição hierárquica e sua alocação a um Bureau encarregado de admissão ou encarregado de repatriamento. Esboça-se assim uma divisão vertical e horizontal do trabalho que caminha lado a lado com a constituição de um ethos prefeitural que funciona segundo um sistema de pares de oposições: uma relação pragmática com a circular que não exclui as margens de interpretação, a consciência de ser excluído do processo de decisão que não impede de ter o sentimento de exercer um poder sobre a vida das pessoas, e a lealdade a toda prova à instituição prefeitural, que é acompanhada algumas vezes de certas liberdades to-madas em relação ao direito. Essas antinomias da razão prefeitural dão lugar a um conjunto de práticas que não se reduzem a uma aplicação neutra e uniforme dos textos. Examinar o modo como essas práticas se desenvolvem ao abrigo de todo o debate público é enxergar a influência determinante que elas podem exercer sobre as condições de sejour de estrangeiros em uma sociedade de acolhimento.

AbstractFrom the analysis of the role of the prefecture de police agents, this article examines the elaboration and the application of a public policy whose targets have been the immigrants that entered France between 1945 and 1980. Thus, it represents a break up with the public policy approaches that exclusively privilege the action of actors that interfere in the process of law production, in favor of the exam of the way the representations and practices of the agents in charge of immigration in the prefecturs de police were structured, and the way the prefecturs de police shape the interpretation of a complex compilation of laws and administrative rules, in the definition of the treatment given to immigrants.Keywords: immigration policy; state anthropology; juridical sociology.

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ARTIGOS

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Colette Pétonnet*

Observação flutuante: o exemplo de um cemitério parisiense**

* Antropóloga, fundadora e membro do LAU (Labo-ratoire d’Anthropologie Urbaine), CNRS, até 1995, quando se aposentou.

** “L’observa t ion f lo t tan te – l’exemple d’un cimetière parisien”, publicado em L’Homme, oct.-déc. 1982, XXII (4), p. 37-47. Tra-dução de Soraya Silveira Simões e revisão de Evelina Maria Cunha Carneiro da Silva (ver comentários da tradutora sobre a autora na sessão resenha deste número de Antropolítica).

A cidade, como lugar de todas as misturas, convém ser estudada em seus diversos meios. Entretanto, as variadas realidades urbanas, do mobiliário aos lu-gares públicos, resistem à investigação. O fenômeno urbano do encontro, em especial, não ofereceu os seus segredos. Caiba talvez ao etnólogo surpreendê-los. O método da “observação flutuante” consiste em perma-necer disponível, em não mobilizar a atenção sobre um objeto preciso. Colocado à prova no cemitério do Père-Lachaise, ele nos permitiu descobrir, em alguns dias, um uso insuspeitado do cemitério parisiense e a existência de verdadeiros profissionais da lembrança. Mas estes só oferecem o seu saber ao acaso do encontro.Palavras-chave: antropologia urbana; método etno-gráfico; observação flutuante; observação direta.

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A etnologia urbana está ainda por ser feita. Tentar teorizá-la será en-tão prematuro, e é preciso, ao contrário, aceitar o desconforto de suas hesitações. Entretanto, ela existe já há muito tempo para que suas ten-tativas autorizem algumas reflexões teóricas. O conceito que se impôs revela-se, aliás, insatisfatório naquilo que sugere uma dicotomia rígida no interior de uma mesma sociedade. O fenômeno dos supermercados implantados na periferia das cidades que atraem numerosos compra-dores citadinos ou camponeses é um fenômeno urbano ou pertence ao mundo industrial? Convém isolar os fenômenos urbanos? Melhor seria falar da etnologia do mundo moderno. O poder revelador das outras sociedades tende a lançar sobre a nossa um olhar diferente daquele da racionalidade. Mas isto não resolve as dificuldades metodológicas, e os problemas epistemológicos não param de ser debatidos pelos estudiosos envolvidos com a pesquisa. Se o conceito, redutor, de etnologia urbana se impõe com sucesso, é talvez precisamente porque ele reduz às dimensões urbanas uma realidade muito mais vasta. Eis por que não há perigo em aceitá-lo provisoriamente.

A cidade é conhecida desde suas origens por conter, ou deter, a au-toridade – civil, militar, religiosa –, o comércio e a indústria, e por se alimentar dos campos. Ela é desde sempre o lugar de todas as misturas, do movimento incessante, da circulação incontrolável dos homens e das coisas, da pluralidade, em suma. Como abordá-la? É provavelmente tão falacioso encará-la como uma unidade social quanto acreditar que um bairro é uma parte separada do todo. As cidades estão em relação umas com as outras, e quem estuda o comércio se verá imediatamente projetado fora das fronteiras nacionais.

Estudar diversos meios – profissionais, religiosos, estrangeiros... – é cer-tamente uma das maneiras mais seguras de não se arriscar, quer dizer, de permanecer fiel ao processo etnológico. Penetremos em uma dessas empresas familiares do faubourg Saint-Antoine cujo letreiro anuncia: “Ir-mãos Fulanos, sucessores de seus pais e avós”, e nós teremos o prazer de explorar as redes de parentesco da aliança, os circuitos econômicos, a tecnologia, sua evolução e sua transmissão, e de observar as práticas advindas da ideologia, da religião ou da festa; ou seja, nós chegaremos a um fenômeno social total. E se preferirmos começar uma enquete pelo conhecimento íntimo do templo que reúne pessoas diversas, o resultado obtido será similar.

Este método deve então ser assegurado, pois ele contribui eficientemente para a compreensão de nossa sociedade. Entretanto, nesse tipo de en-quete, o urbano é apenas uma interferência, ele toma a forma de trajetos

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preferenciais, de territórios: tal bairro, tal igreja, tal mercado ou clube representa um aspecto da cidade. Trata-se de estudos na cidade através dos quais ela pode aparecer apenas como um contraponto ou anedoti-camente. É verdade que no estudo dos Laocianos de Melun1 a cidade não apareça em primeiro plano. Mas, supondo que, para uma dada cidade, todos os meios sejam estudados, o crivo deixaria passar uma quantidade de objetos urbanos, do mobiliário2 aos transportes coletivos e aos lugares públicos ou, em outros termos, lugares frequentados por indivíduos geralmente desconhecidos uns dos outros.

Uma infinidade de desconhecidos não suscita tradicionalmente o inte-resse do etnólogo. Ou, lugares de passagem sem destinação particular, os espaços públicos desprovidos de obrigações são com toda a certeza um fenômeno urbano. Aqui se situa um dilema que o pesquisador deverá enfrentar sem guia e sem modelo. Pesquisar a coerência dos laços entre os seres esvaziaria efetivamente o fenômeno propriamente urbano do encontro: não um encontro esperado em um círculo de interconheci-mento, nem tampouco aquele de um rosto “conhecido de vista” surgido ao acaso de um cruzamento, mas o encontro nu, entre pessoas privadas de qualquer outro contexto senão aquele de suas roupas, e que consiste em dirigir a palavra a alguém de quem não sabemos nem de onde vem, nem o que faz, alguém de quem de nada sabemos. Estaria esvaziada ao mesmo tempo a dimensão do anonimato, como se ela fosse negativa ou nociva. Ora, é preciso levá-la em conta. Na cidade, “a gente vê gente”, “tem muita gente”. É isto que apreciam os camponeses que vão à cidade ou que lá passam a viver. O que dizem os imigrantes portugueses? “Al-guns fazem besteiras aqui porque ninguém os está olhando, enquanto que na cidadezinha...”

O espaço urbano pertence a todo mundo. Andar pela rua sem cumpri-mentar ninguém, atravessar incógnito a multidão, tais são os direitos dos citadinos. Que necessidade têm alguns de serem – ou de se dizerem – nostálgicos das tagarelices da cidade pequena? A cidade é a liberdade.

Se a multidão foi estudada como uma unidade psicológica, se a sintaxe oscila entre uma totalidade considerada coletivamente e uma pluralidade considerada individualmente,3 os encontros entre simples passantes não mostraram os segredos de seus ritos. E talvez caiba ao etnólogo a tarefa de surpreendê-los.1 Tese de doutorado em curso [na época da publicação do artigo] de Catherine Baix. (N. do T.)2 A evolução da forma e da disposição dos bancos públicos deveria especialmente ser objeto de um estudo

etnográfico, pois participam da história das mentalidades.3 “Uma multidão de visitantes veio – uma multidão de pessoas pensa que...” (definição do dicionário Robert).

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As linhas que vão seguir propõem um ensaio em seus primórdios, em um estado inacabado e compreensível, já que os materiais foram recolhidos no curso de um breve período do mês de março de 1982. O método utilizado é aquele que nós qualificamos de “observação flutuante” e ao qual nos dedicamos há algum tempo, ao longo dos trajetos parisienses impostos pelas atividades cotidianas ou pela necessidade de movimento que o sedentário experimenta. Ele consiste em permanecer vago e dis-ponível em toda a circunstância, em não mobilizar a atenção sobre um objeto preciso, mas em deixá-la “flutuar” de modo que as informações o penetrem sem filtro, sem a priori, até o momento em que pontos de refe-rência, de convergências, apareçam e nós chegamos, então, a descobrir as regras subjacentes. Não é preciso dizer que para obter de si mesmo esta disponibilidade de atenção é necessário se preservar da influência de pensadores contemporâneos, tal como J. Baudrillard, que denuncia os “citadinos separados e indiferentes”, a “cidade-gueto”, a “dessociali-zação”, a “socialidade urbana abstrata”.4 (Como uma socialidade pode ser abstrata?)

O etnólogo trabalha, como de hábito, em um tempo e espaço precisos. Há lugares de tal forma estudados que não pensamos que eles possam revelar outra coisa além do que já foi escrito.

***

Os cemitérios não têm nada de especificamente urbano, toda comunidade possui o seu, e eles foram, segundo Émile Poulat,5 muito mais estudados que os ritos funerários porque estão na junção da epigrafia e da semiótica. O cemitério do Père-Lachaise apresenta a particularidade de abrigar um grande número de personagens célebres e é regularmente visitado pelos turistas. Por todas estas razões ele não integraria nossas preocupações.

Em meados de fevereiro, uma primeira visita teve por finalidade sim-plesmente verificar a informação de uma estudante relativa à devoção popular da qual a tumba de um famoso espírita, Allan Kardec, era objeto. O pesquisador tomou a precaução de não se munir de um mapa a fim de ter que perguntar seu caminho. A verificação foi feita rapidamente: a primeira pessoa encontrada tinha indicado o local da sepultura, de fato muito florida e cercada de pessoas em meditação. Mas era tarde e a iminência de fechamento6 impediu de observar outra coisa. Todavia, não longe da entrada, um senhor guiava três mulheres, cada uma apa-4 J. BAUDRILLARD, L’Échange symbolique et la mort, Paris, Gallimard, 1976.5 Entrevista com o autor.6 17h30, no inverno.

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rentando uns 50 anos, por entre as sepulturas. Elas se inclinavam sobre uma inscrição, ele dava explicações. Ele indicava com o braço uma estela bordada de flores frescas em que estava gravado: À FRED. CHOPIN. “Eis aí Chopin”, disse ele sobriamente. “Ah, sim! Veja só! Alfred Chopin!”, fez uma das mulheres, e a outra acrescenta para nosso conhecimento: “Ele é do bairro, ele conhece tudo, ele passa aqui toda a tarde, é o seu jardim”. Então, era preciso atravessar a porta. Mas a decisão de voltar para flanar havia sido tomada.

Quem entra no Père-Lachaise é arrebatado pela beleza do velho parque, habitado por árvores e pássaros, que desposa a colina de Charonne desde 1804, quando foi aberto às sepulturas. O ar ali é vivo, menos poluído que sobre o boulevard.

Aos pés da capela, à meia altura, se estende um gramado cercado por bancos, todos ocupados por velhos que conversam, jovens que leem, mulheres grávidas que tricotam. Em volta da rotunda de Casimir Périer, de onde as aleias partem em estrela, os bancos também estão tomados. Uma simples olhadela é suficiente para ver que esse cemitério serve de jardim público, embora não encontremos vendedores de balões ou gu-loseimas nem crianças brincando sozinhas. É um espaço não associado ao consumo – salvo ao de flores, que lhe é específico –, um espaço em que tudo é marcado e datado mas onde se misturam sincronia e diacro-nia. Não apenas uma tumba nova ganha um lugar perto de uma estela invadida por heras, mas um novo defunto entra em uma tumba antiga. Os anos 1842 e 1979 estão gravados lado a lado. O tempo, aqui, tem um estranho perfume.

O pesquisador caminhou um bom tempo, em uma tarde ensolarada, descobrindo Balzac ou Géricault ao sabor das alamedas que se chamam aqui “avenidas” ou “caminhos”. Ele meditou sobre a arquitetura fune-rária, decifrou os epitáfios, leu os símbolos maçônicos, entre outros, apreciou as esculturas, se deixando levar pelo charme do cemitério. Ele marcou o tempo de parar diante da estátua de Victor Noir assassinado, muito realista, em bronze e polido pelos toques sobre a face, o nariz, os lábios e, à direita do sexo, onde o escultor tratou de representar a leve intumescência. Ele se lembrou que o busto de Allan Kardec era de um amarelo brilhante.

Depois, ele desceu até a entrada. No mesmo lugar do outro dia, um velho homem conversa com os marmoristas, e os coveiros o cumprimentam ao passar. Sobre seus conselhos, duas mulheres sobem a aleia e nos con-vidam a “ir ver uma artista enterrada na véspera”. As flores suntuosas juncam quatro metros quadrados. As mulheres se inclinam, admiram,

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leem as cartas dos floristas e as fitas de luto. Sobre uma delas: “Teatro Marie Bell”. Estimando o número, a qualidade e o preço das flores, elas supõem a idade da morta (“ela era jovem”), seus gostos (“ela gostava do azul, a coitadinha, olhe só essas almofadas”) e a afeição que a cercava. A alguns passos dali, em outra cova, elas se dedicam à mesma estimativa, do preço das flores à consideração familiar e social. Sobre uma placa provisória um nome caligrafado em anglaises: Walter. “É um W ou um V?”, pergunta a mulher com capa, a mais volúvel das duas.

Depois, como estamos perto da saída e já é quase a hora do fechamento, elas propõem mostrar algumas sepulturas célebres mais próximas: Carita, em seguida Colette, cuja lápide de granito traz apenas este nome. “Olhe atrás”, elas exigem, “há sua carteira de identidade”. “Eu não a conhecia antes, a Colette”, diz a mulher com a capa, “mas eu fui ver sua peça, no sábado, com Michele Morgan”. “Que peça?” “Ben! Querida, em cartaz no Variétés, que fica no boulevard. É bem encenada.” É preciso também ver a placa nua de Pierre Brasseur. “Era ele que não queria flores, mas seu filho podia assim mesmo colocar um vaso. Nesse ponto, isso não se faz.” Uma mão anônima plantou na areia da aleia, contra a placa, um pequeno buquê de violetas de plástico. Na frente de uma tumba chine-sa, negra, em forma de pagode, gravada de letras de ouro perpassadas por dragões, um velho senhor surge, admirado: “Isso custa muito caro, porque deve ser gravado à mão. Para as letras francesas, há os modelos, as máquinas, mas para essas é preciso encontrar os artesãos.” Ele repete: “é feito à mão”, como se estivesse reconhecendo as exigências chinesas de perpetuar a existência dos artesãos.

Uma das mulheres pega o ônibus para o XVIIéme arrondissement. A outra desce a pé a rue de la Roquette e, caminhando, me confia: “Eu não tenho muita instrução. Desde que eu me aposentei, eu vou quase todos os dias ao Père-Lachaise quando o tempo está bom. É um parque bonito, e os mortos não são chatos. É uma loucura o que eu aprendo ali. É ali que eu me instruo”.

Assim, o cemitério é um parque em que se pode descobrir as sepulturas daqueles que ignorávamos, medir o fervor e a notoriedade, ler a vida dos Grandes como em uma revista, e que torna o encontro fácil, cada um tendo a sua vez de transmitir ou perguntar algo.

3 de março – O tempo frio e coberto encurta uma nova exploração soli-tária. O velho senhor, bem-agasalhado, está sentado sobre um banco no lugar habitual. Ele tem 87 anos e vai ao cemitério religiosamente, faça chuva ou faça sol. Ele é inesgotável e recita o cemitério, “seus 44 hectares, suas 12 mil árvores e seus duzentos gatos (para se ocupar dos gatos há

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senhoras), os 25 mil compartimentos do columbário (o crematório não se visita, mas se você der uma nota aos coveiros...). Custa mais caro ser enterrado à margem da alameda que atrás”. Podemos evidentemente nos perguntar sobre sua relação com a morte. Mas isto não é nosso pro-pósito. Ele é parisiense? “E como!” Ele nasceu na rue de Clignancourt. A mulher de capa chega do alto. Ela maldiz os guardas e conta os disse me disse que circulam sobre os espíritos. Começa a chover mas ela se senta sobre o banco, e todos dois ficam conversando sob seus guarda-chuvas, que se tocam.

É ele o verdadeiro guardião, sempre ali, sabendo tudo e velando o lugar sagrado.

8 de março – Um pequeno grupo se formou em volta de duas mulhe-res que colocam comida nas vasilhas que elas dissimulam nas covas abandonadas e nas cavidades das árvores. Um visitante lhes assinala um cachorro errante. Elas vituperam contra aqueles que derrubam propositadamente as vasilhas e explicam seu papel: evitam que os gatos se contaminem, levam antibióticos, tem por vezes o socorro de um ve-terinário (precisam, então, capturar os bichos doentes). Ninguém lhes dá subsídios. Elas são consentidas. Uma senhora se detém e pergunta por Chopin. Uma outra nos arrasta em seu passeio: depois da rotunda uma escada desemboca sobre um caminho circular rodeado de bosques, entre dois níveis de sepulturas. “É terra, a gente pode se pensar num verdadeiro parque, vendo a primavera chegar.” O caminho estende-se ao longo de mausoléus barrocos, mulheres de pedra desoladas. Madame M. lê seus nomes, comenta o túmulo da baronesa Strogonoff e conta sua vida enquanto caminha. Ela era dançarina, um mal a abateu há trinta anos, arruinando a sua musculatura e lhe deixando com problemas de equilíbrio: “Eu engano, este guarda-chuvas é uma bengala, sem ele eu cairia.” A linha do seu discurso, entrecortado por episódios de sua vida e de reflexões sobre as tumbas, é impossível reconstituir. Mas chegando no “canto dos Marechais”, ela diz: “Ah! Há com o que se instruir aqui, você sabe! Podemos revisar a história!”, e ela conta uma segunda vez a origem dos crepes Suzette assim batizados pelo Príncipe de Galles com o nome de sua amante. Mas não se trata apenas de anedotas. Assim que lê os nomes, ela busca incansavelmente reunir os casais, reencontrar as alianças e as filiações. “A família deste aqui não se acabou, veja só: 1976.” Em seguida, surgem dois gatos. Ela os chama, tira uma lata de sua bolsa, lhes dá um pouco de alimento com a ajuda de um pequeno ramo que catou, o que não a impede de continuar dando suas opiniões: “Eu não sou a favor de Napoleão. Ele deixou a França debilitada, e todos esses

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presentes, princesa de Nápoles, rei de Roma, eu os desprezo!”. O passado é estimado no presente.

Há também tumbas em que seus passos a conduzem com frequência: “Eu o farei conhecer meus namorados, um casal que se amou por toda a vida, é bonito, não é? Eu tenho também uma pequena, linda, tem uma foto. Morrer aos 18 anos de uma bala perdida na Liberação não é aceitável, então eu vou vê-la, eu a imagino e tenho a impressão de que isso é bom”.

Assim o povo vem se instruir – a palavra volta obstinadamente – neste livro aberto do saber e do imaginário em que cada um pode se servir à sua ma-neira, vibrar ao seu modo. Ninguém foge ao contato efêmero diante dos túmulos cuja celebridade os tornou públicos. E todos se maravilham com esta fidelidade fervorosa da qual participam: “Chopin sempre tem flores frescas, eu tenho certeza, eu as toquei; é normal depois de tudo o que ele nos deixou”. O que aqui está sendo abordado pertence às culturas popu-lares, que se tornaram uma de nossas preocupações e das quais mostramos anteriormente que não dissocia o afetivo do saber.

A visita seguinte destinou-se a investigar sobre esta “instrução pública” difundida no Père-Lachaise. Um casal se detém diante do epitáfio de Desjar-dins, atingido em Moskowa: “Que nós o honramos ainda/os vencedores de tantas batalhas”. Ela: “Está marcado isso no teu livro sobre Napoleão?” Ele: “Não creio. Será preciso que eu o reveja”.

O que mais podemos aprender além das guerras e do parentesco desses personagens históricos? Podemos revisar seus departamentos7 (nascido em Bard, Cote-d’Or); nos iniciarmos na filosofia: “Agir como se não houvesse no mundo nada além de sua consciência e de Deus”, ou na língua antiga que, em 1827, não colocava ainda o “t” na palavra enfans e dizia: “Aqui repousa Dame Achille”; reler os poetas, alguns versos de Baudelaire gravados aqui e acolá; progredir nas ciências e na literatura com os inventores e as obras citadas, conhecer ainda mais as instituições, os títulos do defunto figurando por extenso, e formar seu julgamento estético. As esculturas são numerosas, e Madame M. diz: “Podemos saber, quando é mais ou menos a mesma data, se trata-se do mesmo escultor, apenas olhando as faces das mulheres. Elas se parecem porque o escultor representa sempre a mulher que ele ama, mesmo não o fazendo voluntariamente”. Não há nada além da religião que esteja, de modo paradoxal, simbolicamente representado pela cruz ou pela estrela de David, com algumas injunções à prece. Os prelados parecem raros. Podemos nos constituir, em suma, em boas figuras na sociedade ou ganhar “jogos do milhão”. O Père-Lachaise é uma enciclopédia.7 Unidade administrativa do território francês (N. do T.)

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Mas o pesquisador é perturbado por duas “mulheres dos gatos” já an-teriormente encontradas. Ele se oferece para participar das despesas e logo se vê encarregado das seguintes incumbências: “Você não colocará nunca comida sobre os túmulos, há sempre pratos ou caixas escondidas nas capelas. Traga o que você tiver, mesmo os restos de macarrão. Você sempre me achará aqui por volta das três horas, embaixo de Colette ou desta aqui, Ginette Neveu. A outra senhora fica lá em cima, perto de Kardec. É preciso dividir bem o terreno, nós somos ao todo apenas umas dez senhoras”.

Suas referências são estipuladas pelos túmulos que, por sua vez, nomeiam os setores que elas traçaram. O nome dos caminhos não serve para nada. Do cemitério elas têm um outro conhecimento: “Você já foi até os Ma-rechais? Você viu os gays? Quando eles têm uma chave junto deles, quer dizer que eles são livres. Tem muito verde lá em cima e grandes capelas, todas quase inteiramente abandonadas... – Você sabe das coisas! – A gente aprende desde quando começamos a vir aqui. Você também, você vai ver! Se você pegar o vírus...”

Elas conhecem todos os gatos que vêm ao encontro, assoam as filhotes que têm coriza, lhes dão uma pílula. Elas impedem a proliferação colocando clorofórmio nos recém-nascidos, “quando podemos, pois as gatas des-confiam”. São guardiãs do rebanho, em suma, a serviço da comunidade.

Nós saímos juntos, mas lhes falta ainda “alimentar os gatos da rue du Repos, dos quais ninguém se ocupa”. Observações anteriormente memorizadas passam, então, a convergir: sobre a praça de Aligre há um vendedor de cereais que vende tudo o que é preciso para pássaros e gatos. Uma pequena velha pergunta se o Gourmet está melhor que o Ron-Ron. Seu gato está doente? “Ah, não! Ela não tem gato, mas domingo ela oferece uma caixa àqueles da rue Beccaria. Era para mudar um pouco a comida.” Passagem da Main-d’Or, domingo de manhã, uma mulher enche vasilhas que depois dispõe sob os carros no estacionamento, com a ajuda de um bastão que ela guarda, em seguida, na cavidade destinada a receber as persianas de uma loja. Ela mora aqui? “Não, na rue d’Aligre. Domingo passado alguém colocou merda nos dois lados do seu bastão para impedi-la de alimentar os gatos da Main-d’Or.”

Assim a sociedade parisiense cuida de um rebanho de felinos semisselva-gem cujas voluntárias guardiães se dividem em territórios, de preferência longe de seus vizinhos imediatos, para darem conta desta atividade que desperta surdos conflitos exprimidos de maneira não verbal em meio ao anonimato urbano. Nova pista, nova pesquisa. Mas voltemos ao cemitério.

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16 de março – O tempo está bom mas o lazer de tomar notas não vai durar muito. Atrás do monumento, em forma de lampadário, do inventor da iluminação das cidades (Windsor), surge um pequeno padre, bem-conservado para a sua idade avançada. “Ah! Há com o que se instruir aqui, sobretudo!”, diz ele. “Você vê, ali, logo abaixo, duas pequenas mulheres esculpidas e entre elas uma locomotiva? É Seguin, o inventor da caldeira tubular. E ali, é o rei do açúcar. Você conhece aquele que inventou o gás de iluminação? Vou levá-lo até lá.” E durante três horas, ele agrimensará o cemitério em todos os senti-dos, dirigindo-se a passos firmes, cortando através dos túmulos, sem mesmo beneficiar-se de seus atalhos; ele é incansável, metralhando com perguntas e respostas seu aluno do dia, o qual deixará esgotado, a memória em destroços, incapaz de reter a localização, os nomes e as histórias, subjugada pela personagem.

Por vezes ele faz suas perguntas em forma de adivinhas: “Você sabe o nome do genro de George Sand? Quem era a mãe da mulher de Wag-ner?” Ele para, distante de uma alameda: “Quem desenhava a cabeça de Louis-Philippe em forma de pera?”, em seguida, voltando-se para um túmulo: “É Daumier!”, ou então ele simplesmente se interroga: “Aquele que fez as fortificações te diz alguma coisa? Você conhece o negro de Alexandre Dumas?” E como responder à questão: “Você conhece Mo-digliani?” Trata-se do pintor ou de sua sepultura? Ele prossegue: “Eu vou mostrá-lo a você”, ou, se um personagem está por perto: “Vamos passar por ali”, como costumamos passar na casa de alguém que esteja vivo. Passamos, então, na casa dos Hugo, “mas Victor não está ali, ele está no Pantheon”.

Ao final de um momento o pesquisador está cansado de confessar sua ignorância, que já ressente desagradavelmente, mas tendo conseguido uma pequena vingança graças a Proust e a Colette (você sabe seus ver-dadeiros nomes?), ele se apercebe de que essas não são as boas regras do jogo. O que o pequeno padre espera das gerações às quais ele quer transmitir o seu conhecimento é justamente que ela não saiba. Algo então se transforma, e o diálogo torna-se invariável: “Você sabe...?” “Não”, digo eu. “Venha! Eu vou lhe contar no local.”

Como os mais velhos contam o mito da tribo seguindo uma espiral com o dedo, ele espera contemplar a pedra tumular para contar o defunto. Se começou, ele se interrompe, apressa o passo, e uma vez ali, imposta uma voz de recitante. Proclama, assim, a vida e a obra, o verdadeiro nome – se ele existe –, a filiação para os bastardos, as alianças e os amo-res perdidos. A vida afetiva tem sempre a primazia, a não ser para os

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inventores. Sobre Apollinaire ele pergunta: “Você sabia que ele devia casar com Marie Laurencin? Mas foi Jacqueline quem o cuidou, então ele enamorou-se dela. É humano.” E diante de Modigliani: “A mulher com quem ele vivia, veja só, é a mesma data, ela se jogou pela janela quando ele morreu”.

Por vezes um detalhe no túmulo incita a algum julgamento de ordem afetiva: “Crozatier, você acredita que ele era marceneiro?” Por causa dos móveis? “Ele era bronzista, o melhor.” E diante do mausoléu do estatuário em cima de seu busto em bronze, ao lado daquele em pedra, decapitado, de sua mulher, ele estima: “Ele poderia até ter feito um bronze para sua mulher. Eu não acho bom de sua parte, um bronzista com tal talento!” É preciso notar que um membro da família de Leon Daudet está separado da cova: “Deve ter se passado alguma coisa, uma disputa entre eles”.

Mas se, como as mulheres, ele dá vida às famílias e aos seres, mais do que elas, ele se interessa pelas técnicas e pela história política, deixan-do discretamente filtrar suas opiniões. “E Juliette Dodu? É preciso conhecê-la, ela foi morta em 1970. Eu vou mostrá-la a você.” Seu périplo se estende pelo Muro dos Federados, sempre florido de cravos, passa diante da filha de Karl Marx. Lugares estão sendo reservados próximo a Marcel Cachin: “É para não deixar os burgueses chegarem perto”. De Victor Noir, ele confessa, pudico, que “dizem que as mulheres estéreis deitam-se sobre ele”, mas, não as tendo visto, ele prefere contar sobre o assassinato do jovem por Pierre Bonaparte.

Como ele constituiu o seu saber? Ele tem 80 anos. Desde os 16, vem três vezes por semana. Anota os nomes em uma lista, depois efetua as pesquisas em bibliotecas. “Na Pompidou tem muitos livros.” Antes ele se contentava com as bibliotecas de bairro. “Somos cerca de uma dezena de pessoas que sabem tudo do cemitério e nós nos passamos algumas dicas.” Mas ele se lamenta pelas depredações sistemáticas – quebra de cruzes e roubos de bronzes – das quais o Père-Lachaise tem sido alvo há quatro anos. Do pequeno padre nós não sabemos nada, a não ser que ele nasceu na rue Ordener mas, percebendo um frontão ornamentado com instrumentos esculpidos, ele nota: “Com o paquímetro e tudo, certamente um grande empreendedor!” E certamente ele é um velho operário parisiense.

Diante das inscrições apagadas pelo uso, ele ensina o que foi gravado: “São os pais de Fulano; é Mademoiselle Lenormand. – Como você sabe? – Antes, a estela não estava quebrada”, ou ainda: “Há 16 anos nós ainda podíamos ler”.

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Já são uma dezena a guardar o tesouro, depositários da memória coletiva, verdadeiros profissionais da lembrança e da revivescência, submetendo o cemitério aos seus interrogatórios, perpetuando a aliança entre vivos e mortos. Evitemos pensar no griot,8 por medo do ridículo. Claro que estamos em Paris e existem arquivos. Portanto, ali tocamos na ordem do mito, com esse percurso iniciático, esta voz recitativa, um mito de origem que oferece as sepulturas de tantos criadores, inventores, fundadores, aos velhos parisienses; e a tradição oral das culturas populares, sempre tão forte, depois de cem anos de certificado de estudos, mesmo quando ela se pretende culta.

O pesquisador não tem, então, mais do que uma ideia: reencontrar o pequeno padre. Mas em sua visita seguinte ele entra deprimido, furioso consigo mesmo por ter transgredido suas próprias ordens: ele não se deixou flutuar. Ele nada viu nem ouviu, perdido entre as tumbas, traído por sua memória, indisponível porque ele procurava o pequeno padre, que não apareceu. Todos os encontros no Père-Lachaise são de igual valor. Se nós queremos compreender a que serve esse cemitério, não devemos esperar por um informante privilegiado.

30 de março – Última lição. Está frio e úmido. Falta charme ao passeio, nenhum encontro se produz. E subitamente, é ele, sua veste azul e seu pequeno chapéu, que se dirige à saída. Alcançado, ele sorri: “O tempo nos expulsa, mas já que estamos aqui, vou te mostrar Bichat. É uma miséria! [uma humilde estela cercada de fusains], é tudo o que lhe fi-zeram! Um tão grande doutor! Tenon também está aqui. Sua pedra é no entanto melhor. Tem muitos judeus nesta parte antiga. Olha ali os Rothschild e depois os Fould. Mas eu tenho algo mais interessante”. E diante da velha estela de Kohen, “Cirurgião e Pedicure de Napoleão I”, ele conclui: “Os Grognards, eles fizeram Paris-Moscou a pé sem que ninguém se ocupasse deles, mas os outros, que iam a cavalo e de carroça, estes tinham pedicures”.

Ao nos deixar na praça Léon-Blum, ele diz: “Até uma próxima vez”, mas ele não marca um encontro, nem precisa os dias que costuma aparecer ali. A lição foi entendida: o encontro deve continuar a ser obra do acaso, e nossa pesquisa só seguirá com a condição de que seja jogado o verdadeiro jogo da descoberta pessoal dos mortos. Então ele e os outros oferecerão o que de bom lhes parecer ao grado do lugar ou de seus desejos.

Epílogo: para terminar, o pesquisador machucou gravemente a mão direita e terminou seu artigo escrevendo penosamente. Talvez tivesse 8 Menestrel pertencente a uma casta profissional endogâmica na África ocidental. (N. do T.)

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ele que transmitir oralmente os segredos dos antigos em vez de torná-los públicos através da escrita. Mas existe na comunidade científica um lugar para contar?

Paris, 15 de abril 1982.

AbstractMany aspects of urban life resist the application of orthodox research techniques. Notably, the urban phenomenon of anonymous encounters (“rencontres” in French) has yet to reveal its secrets. The anthropologist is perhaps particularly well prepared to meet this challenge. the “floating obser-vation” method consists in keeping one’s responsiveness, not focussing one’s attention upon any specific object. Several days’ trails in the Père-Lachaise cemetery of Paris bring to light a heretofore unsuspected use of this space and the existence of genuine memory collectors. The latter, however, reveal their knowledge only through chance encounters.Keywords: urban anthropology; ethnographic method; floating observa-tion; direct observation.

ReferênciaBAUDRILLARD, J. L’Échange symbolique et la mort, Paris, Gallimard, 1976.

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Delma Pessanha Neves*

Itinerários ocupacionais, juventude e gestão de empregabilidade

* Antropóloga, professora do Programa de Pós-gra-duação em Antropologia, bolsista de produtividade do CNPq. Email: [email protected].

Neste texto, a partir de entrevistas com alunos que, em horário noturno, se vinculavam a um dos Centros Integrados de Educação Pública sediado no município de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro, analiso processos de constituição de itinerários ocupacionais entre jovens de 16 a 25 anos. Pelos dados obtidos, caracterizo a formação prática de trabalhadores em escala familiar e vicinal, inserção pela qual eles se autorizam à apresentação em específicos mercados de trabalho. Definindo-se como dotados de um saber-lidar e, por vezes, de um saber-fazer, reconhecem-se como portadores de atributos demonstrativos de qualidades disciplinares valorizadas entre empregadores que alocam trabalhadores constituídos pela experiência prática. Esses atributos pouco qualificam trajetórias profissionais, mas principalmente processos de apren-dizagem na convivência com sistemas de disciplinas também centralizados em atributos de gestão pessoal dos empregadores.Palavras-chave: jovens trabalhadores; economia de proximidade; periferia urbana; itinerários ocupa-cionais.

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Proponho-me a desenvolver algumas reflexões em torno da gestão da empregabilidade entre jovens, mediante a análise de itinerários ocu-pacionais, organizados a partir de dados coletados em pesquisa junto a alunos da rede de ensino modelo CIEP (Centro Integrado de Educação Pública), unidade sediada no município de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro. O trabalho de campo equivalente se desenvolveu entre 2004 e 2007, mas neste artigo considero apenas uma das situações valorizadas no decorrer do levantamento de dados. O objetivo geral da pesquisa da qual este artigo é um dos produtos orienta-se pela intenção de construir aproximações em relação ao universo de expectativas dos jovens em constituição como trabalhadores; e de sistematizar as condições de pos-sibilidade de relativas objetivações de intenções e de ações práticas, todas voltadas para a construção de modelos de gestão de empregabilidade. Diante da situação de pesquisa, ou seja, segundo demarcação mais con-sensual dos próprios entrevistados, são considerados jovens os estudantes de ambos os sexos, solteiros ou casados, entre 17 e 25 anos. Pretendo assim demonstrar como os jovens em apreço, investindo na expansão do nível de ensino formal, tentam gerir ou se livrar das pressões que os conduzem à composição de segmento de trabalhadores desprovidos de direitos sociais formais correspondentes a esta posição.1

Os itinerários ocupacionais estão sendo compreendidos pela sucessão de vínculos de trabalho alcançados ou afiliações por desempenho de ativi-dade produtiva, nem sempre, por ocasião da entrevista, apresentadas de forma relativamente detalhada e linear, mas segundo a importância atribuída pelos entrevistados a cada situação. Este fato por si só é indica-tivo da atribuição diferenciada de importância aos vínculos, pelo menos no que diz respeito à possibilidade de apresentação de itinerários, isto é, organização de pertencimentos laborativos, de forma a exprimir a constituição de trajetórias individuais de trabalhadores em formação, objetivo fundamental dos entrevistados, embora nem sempre tão claro a si mesmos. Portanto, foi por provocação do pesquisador que os entre-vistados elaboraram a sucessão e foram estimulados a reelaborar outros modos de valorização ou desvalorização das diferenciadas inserções de trabalho. Mediante a sucessão, visava-se sistematizar o patrimônio in-dividual (e familiar) de relações e saberes constituídos a partir de cada situação de vínculo de trabalho.

No conjunto da pesquisa, os itinerários foram classificados por setores produtivos, identificados e sistematizados em consonância com o último 1 Sobre a problemática da relação entre jovens, formas de inserção social e formação profissional, afilio-me

às reflexões de outros pesquisadores, tais como: Groppo (2000); Guedes (1997); Lahire (1997); Pochmann (1998, 2007); Ramos (2004); Spindel (1989); Willis (1991); Zaluar; Leal (1997).

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vínculo de cada entrevistado, isto é, onde, tanto do ponto de vista da ascensão como do descenso, ele havia chegado. Foram também consi-derados em conformidade com as dimensões propostas para a pesquisa: ciclo de vida, diferenciação por gênero e modalidades de constituição da vida adulta; projetos e modos de viver as condições atuais de socialização para integração ao mundo do trabalho; mudanças geracionais de posição na estrutura ocupacional, especialmente entre pais e filhos, assim como entre faixas etárias diversas dos próprios entrevistados, posto que, na escola, alguns alunos ultrapassavam o ciclo por eles considerado como juventude e, por tal condição, foram entrevistados para criar alguns contrapontos analíticos.

Notadamente, adotando os já anunciados critérios de referência da pesquisa, os setores produtivos tomados para análise são comumente pouco interrogados, inclusive pela pesquisa acadêmica, porque também são secundarizados por perspectivas que valorizam as atividades que ganham hegemonia. Por conseguinte, na leitura deste texto, é preciso insistentemente considerar que estou operando em universos não atin-gidos por organização sindical, por levantamento estatístico oficial, nem representam ou exprimem, de imediato, as mudanças tecnológicas em curso associadas às transformações mais recentes dos padrões de orga-nização do trabalho.2

Tendo em vista os limites de espaço de um artigo, neste texto vou me restringir ao setor de comércio, um dos mais expressivos em termos de vínculos dos entrevistados, tomados em contato a partir da vinculação como alunos de curso noturno de um CIEP. Nesta situação, dos 16 casos aqui tomados em referência analítica, os entrevistados se situa-vam entre 17 e 25 anos. Dos quatro casos de entrevistados entre 17 e 19 anos, todos do sexo masculino, três se declararam sem vínculos de religiosidade formalmente institucionalizada, e um deles se afiliava ao universo religioso das Testemunhas de Jeová. Entre 20 e 25 anos, dos 12 entrevistados, oito eram homens e quatro mulheres. Também neste agrupamento, cinco se declararam sem identificação religiosa, seis eram evangélicos e um católico.

2 Para tal distinção, tomo em consideração diversos investimentos de construção da especificidade da or-ganização produtiva qualificada como globalização, de modo a não dissolver os significados do termo em onipresença presuntiva de homogeneizações. Valho-me, ao assumir essa perspectiva, de leituras de textos de Ricardo Antunes (2002a, 2002b) e Marcio Pochmann (1998, 2002, 2007).

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Atributos sociais dos entrevistadosIdade Sexo Estado

Civil Religião Escolaridade Ocupação atual

Período de exercício Local de trabalho Contrato/salário

17 M Solt. S. rel. Fundam. Balconista mai/5 a jul/5(3 meses)

Cantina em Funerária, Maruí, São Gonçalo

Contrato informal.Salário semanal.

18 M Solt. Evang. Médio Entregador dez/4 a fev/5(3 meses)

Ki-Água - Distribuidora de água, venda de comida caseira

Contrato informal.

18 M Solt. S. rel. Fundam. Faxineiro 15-16 anos(12 meses)

Farmácia, Jardim Catarina, São Gonçalo

Contrato informal.

18 M Solt. S. rel. Fundam. Vendedor ago/5 – atual(17 meses)

Disk Gás, São Gonçalo

Contrato informal.Salário semanal.

20 F Cas. Catol. Médio Panfleteira jul/4 a out/4(4 meses)

Ponta da Areia, Niterói, em Campanha Política de candidato a vereador

Contrato informal.Salário semanal.

20 F Solt. S. rel. Médio Ajudante de lanchonete

dez/4 a dez/4(5 dias)

Restaurante Vivenda do Camarão, Plaza, Niterói

Contrato formal.Salário mínimo + benefícios.

20 M Solt. S. rel. Médio Ajudante de cozinha

jul/5 – atual(6 meses)

Restaurante não identificado, Centro, Niterói

Contrato informal.

21 F Cas. Catol. Fundam. Ajudante de cozinha

18-19 anos(12 meses)

Restaurante não identificado, Volta Redonda

Contrato informal.

22 M Solt. Evang. Médio Garçom 20-22 anos(24 meses)

De Buffet - Freelance, São Gonçalo

Contrato formal.

22 F Sep. S. rel. Médio Operadora de caixa

mai/5 – atual(19 meses)

Supermercados Sendas, Barreto, Niterói

Contrato formal.Salário mínimo (1 1/2).

22 M Solt. Evang. Médio Auxiliar de serviços gerais

abr/4 a jun/5(14 meses)

Distribuidora de Doces e Biscoitos Vitoriosa, Niterói

Contrato informal.Salário mínimo (1).

23 M Solt. Evang. Fundam. Vendedor de rua

2000-atual(72 meses)

Centro, Rio de Janeiro

Contrato informal.

23 M Cas. S. rel. Médio Vendedor ambulante

10-23 anos (atual)

(26 meses)

Centro, Niterói Contrato informal.Salário comissionado.

23 M Solt. S. rel. Médio Servente de obras

23-23 anos(11 meses)

Sergen Engenharia - Empresa de construção civil, São Gonçalo

Contrato formal.Salário mínimo (1 1/2).

24 M Solt. Evang. Fundam. Peixeiro mai/97 – atual(36 meses)

Loja de revenda de peixe no Mercado São Pedro, Niterói

Contrato informal.Salário mínimo (1).

25 F Solt. Evang. Fundam. Panfleteira 25-atual(4 meses)

Consultório dentário da Clínica Santo André, São Gonçalo

Contrato informal.

Códigos: Solt. = solteiro; Cas. = casado; Sep. = separado; Div. = divorciado; S.I. = sem informação;S. rel. = sem religião; Evang. = evangélico; Catol. = católico; Fundam. = fundamental.Os entrevistados classificados no ensino médio se encontravam em fase de finalização do respectivo ciclo de formação.

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Os 16 entrevistados selecionados exerciam as seguintes funções: opera-dora de caixa, balconista, vendedor, entregador, panfletista ou vendedor de rua; garçom, ajudante de lanchonete e de cozinha, auxiliar de serviços gerais e faxineiro; serventes de obras e peixeiro.

Desse conjunto de entrevistados, apenas quatro detinham o vínculo formal para cumprimento do trabalho, incidindo sobre trabalhadores entre 20 e 23 anos, entre eles uma mulher e três homens. No setor co-mércio, os empregadores se distribuíam entre proprietários de cantinas, lanchonetes, restaurantes, farmácia, peixaria e distribuidoras de água e gás. Em um dos casos, embora se constituísse como consultório den-tário, a entrevistada operava na publicidade da oferta de serviço como panfleteira. Os casos de contrato formal incidiam sobre restaurantes situados em shopping ou no centro da cidade de Niterói, supermercado e empresa de construção civil.

Itinerários OcupacionaisLevando em consideração este restrito conjunto de dados obtidos por questionário, apresento a tabela subsequente, seguida de considerações sobre alguns dos itinerários elaborados.

Idade Estado Civil Sexo Religião Escolaridade Ocupação

atualOcupações anteriores

Período de exercício

Local de trabalho Contrato/salário

17 Solt. F S. rel.. Fundam. Balconista Entregador de bebidas

dez/2 a fev/3(3 meses)

Depósito de bebidas e gelo, Barreto, Niterói

Contrato informal.Salário semanal.

Pistoleiro de cartazes

16-16 anos(3 meses)

Madeireira no Barreto, Contorno

Contrato informal.Salário diário.

Montador de bicicleta

15-15 anos(2 meses)

Oficina de bicicleta, Rio das Ostras

Contrato informal.Salário semanal.

Camelô 16-16 anos(6 meses)

Camelô, Centro, Niterói

Contrato informal.Salário semanal.

Balconista mai/5 a jul/5(3 meses)

Cantina em Funerária, Maruí, São Gonçalo

Contrato informal.Salário mínimo (1)

18 Solt. M Evang. Médio Entregador Faxineiro jan/99 a abr/99(4 meses)

MSKE Produções - filmes, vídeo e fotografia

Sem contrato.

Entregador dez/4 a fev/5(3 meses)

Ki-Água - Distribuidora de água, venda de comida caseira

Contrato informal.Salário mínimo (1)

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Idade Estado Civil Sexo Religião Escolaridade Ocupação

atualOcupações anteriores

Período de exercício

Local de trabalho Contrato/salário

18 Solt. M S. rel. Fundam. Faxineiro Faxineiro 15-16 anos(12 meses)

Farmácia, Jardim Catarina, São Gonçalo

Contrato informal.

18 Solt. M S. rel. Fundam. Vendedor Ajudante de sacolão

jan/3 a jul/3(6 meses)

Sacolão, Amendoeira, São Gonçalo

Contrato informal.Salário semanal.

Vendedor ago/5 – atual(17 meses)

Disk Gás, São Gonçalo

Contrato informal.Salário comissionado.

20 Cas. F Cat. Médio Panfleteira Panfleteira jul/4 a out/4(4 meses)

Ponta da Areia, Niterói, em Campanha Política de candidato a vereador

Contrato informal.Salário semanal.

20 Solt. F S. rel. Médio Ajudante de lanchonete

Promotora de vendas

2004-2004(4 meses)

IBI - Crédito, Plaza Shopping, Niterói

Contrato formal.Salário mínimo + benefícios.

Promotora de vendas

2005(15 dias)

Credicard - Stand no Terminal, Niterói

Contrato informal.

Atendente de restaurante

out/2005-atual(15 meses)

McDonalds, São Gonçalo Shopping

Contrato formal.Salário mínimo (1).

Ajudante de lanchonete

dez/4 a dez/4(5 dias)

Restaurante Vivenda do Camarão, Plazza, Niterói

Contrato informal.

20 Solt. M S. rel. Médio Ajudante de cozinha

Ajudante de cozinha

jul/5 – atual(6 meses)

Restaurante, Centro, Niterói

Contrato informal.

21 Cas. M Cat. Fundam. Ajudante de cozinha

Doméstica 16-16 anos(10 meses)

Casa de família, Volta Redonda

Contrato informal.

Ajudante de cozinha

18-19 anos(12 meses)

Restaurante, Volta Redonda

Contrato informal.

22 Solt. M Evang. Médio Garçom Ajudante de padeiro

15-17 anos(20 meses)

Padaria, Centro, Niterói

Contrato formal.

Auxiliar de escritório

17-22 anos(60 meses)

Master pesquisa no Diário Oficial, Centro, Niterói

Contrato formal.

Garçom 20-22 anos(24 meses)

De Buffet - Freelance

Contrato informal.

22 Sep. F S. rel. Médio Operadora de caixa

Vendedora Avon

14 anos até 2003(36 meses)

Residência Contrato formal.Salário mínimo (1 1/2).

Vendedora Avon

2002(3 meses)

Papelaria, Bay Market, Niterói

Contrato formal.Salário mínimo (1 1/2).

Operadora de caixa

mai/5 – atual(19 meses)

Sendas, Barreto, Niterói

Contrato formal.Salário mínimo (1) + benefícios

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Idade Estado Civil Sexo Religião Escolaridade Ocupação

atualOcupações anteriores

Período de exercício

Local de trabalho Contrato/salário

22 Solt. M Evang. Médio Auxiliar de serviços gerais

Vendedor ambulante

fev/1 a mar/3(24 meses)

Rua Visconde do Uruguai, Niterói

Contrato informal.Salário mínimo (1).

Auxiliar de serviços gerais

abr/4 a jun/5(14 meses)

Distribuidora de Doces e Biscoitos Vitoriosa,Niterói

Contrato informal.Salário semanal.

23 Solt. M Evang. Fundam. Vendedor de rua

Sorveteiro 1998-2000(24 meses)

Kibon, Niterói Contrato formal.

Vendedor de rua

2000-atual(72 meses)

Centro, Rio de Janeiro

23 Cas. M S. rel. Médio Vendedor ambulante

Vendedor ambulante

10-23 anos (atual)(26 meses)

Centro, Niterói Contrato informal. Salário comissionado.

23 Solt. M S. rel. Médio Servente de obras

Faxineiro 20-22 anos(24 meses)

Empresa contábil, Rio de Janeiro

Contrato formal.Salário mínimo (1 1/2).

Servente de obras

23-23 anos(11 meses)

Sergen Engenharia - Empresa de construção civil,São Gonçalo

Contrato formal.Salário mínimo (1 1/2).

24 Solt. M Evang. Fundam. Peixeiro Serviços gerais

mar/97 a mai/97(104 meses)

Vigban Empresa de Segurança, Itaboraí

Contrato informal.Salário mínimo (1).

Peixeiro mai/97 – atual(36 meses)

Loja de Peixe no Mercado São Pedro, Niterói

Contrato formal.Salário mínimo (2).

25 Solt. F Evang. Fundam. Panfleteira Doméstica 9-12 anos(36 meses)

Casa de família, Icaraí, Niterói

Contrato informal.

Atendente de trailler

13-16 anos(36 meses)

Trailler, Ponta da Areia, Niterói

Contrato informal.Salário semanal.

Doméstica 16-16 anos(5 meses)

Casa de família, Rio de Janeiro

Contrato informal.Salário mínimo (1 1/2).

Garçonete 17-18 anos(12 meses)

Dásio Lanchonete, Rodoviária, Casimiro de Abreu

Contrato formal.Salário mínimo (1).

Babá 23-24 anos(12 meses)

Casa de família, Santa Rosa, Niterói

Contrato formal.

Panfleteira 25-atual(4 meses)

Consultório dentário da Clínica Santo André

Contrato informal.Salário mínimo (1).

Solt. = solteiro; Cas. = casado; Sep. = Separado; Div. = divorcidado; S.I. = sem informação; S. rel. = sem religião; Evang. = evangélico; Cat. = católico; Fundam. = fundamental.Os entrevistados classificados no ensino médio se encontravam em fase de finalização do respectivo ciclo de formação.

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Funções pelas quais os entrevistados já circularam (recorrência)Funções Homens Mulheres Total de citações

Ajudante de cozinha 1 1Ajudante de lanchonete 1 1Ajudante de padeiro 1 1Ajudante de sacolão 1 1Atendente de restaurante 1 1Atendente de trailler 1 1Auxiliar de escritório 1 1Auxiliar de serviços gerais 1 1Babá 1 1Balconista 1 1Camelô 1 1Doméstica 3 3Entregador 2 2Faxineiro 3 3Garçom 1 1 2Montador de bicicleta 1 1Operadora de caixa 1 1Panfleteira 2 2Peixeiro 1 1Pistoleiro de cartazes 1 1Promotora de vendas 2 2Servente de obras 1 1Serviços gerais 1 1Sorveteiro 1 1Vendedor ambulante ou de rua 4 4Vendedora Avon 2 2Total de funções 25 13 38

A média de circularidade de funções não se destingue conforme o sexo. Até a idade de 20 anos, todos os casos analisados apontam o predomí-nio da informalidade nos contratos. A formalidade tende a incidir em unidades comerciais voltadas para o consumo de alimentos e situadas em locais de mais fácil incidência de fiscalização quanto às relações de trabalho (lanchonetes, redes de fast-food) e construção civil. Nas demais unidades, situando-se em espaços mais dispersos sobre os quais menos incide fiscalização sistemática, a informalidade nas relações de trabalho é padrão predominante.

Destaca-se um caso de grande circularidade de ocupações do traba-lhador mais jovem, tendo mais extensamente permanecido no vínculo quando camelô. Esta circularidade também se reafirma para o jovem que se dedica à propaganda de cartões de crédito nos espaços de maior

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movimentação de transeuntes, propagandista, cuja função é valorizada sob o pomposo termo promotor de vendas. Nesse caso a remuneração é muito variável, na dependência do sucesso do convencimento na abertura de créditos.

Para as jovens, a função de operadora de caixa em supermercado tem se apresentado como correspondente a contrato formal e mais estabili-dade. Em condição relativamente excepcional, se apresenta o jovem de 23 anos, que manteve contrato formal desde os 20 anos, perpassando por empresas de prestação de serviços contábeis e construção civil. No momento da entrevista com 23 anos, mantinha há três anos a formalidade dos contratos. A entrevistada de mais idade, 25 anos, circulou desde a primeira ocupação por vínculos em prestação de serviços domésticos ou em preparação de alimentos, mas aos 25 anos se integra a uma ocupação por ela altamente desvalorizada, pois deve impor meios de divulgação aos transeuntes e recebe pelo sucesso alcançado. Alega que o trabalho é desgastante pela reação negativa dos transeuntes, por passar o dia inteiro de pé e sem banheiro previsto, recebendo remuneração insignificante.

Dessas considerações, pode-se perceber não apenas que os itinerários apontam para acúmulos positivos nas alternativas de inserção ao mer-cado de trabalho, mas também reconhecer que um vínculo em situação desvantajosa não significa acúmulo linear de limitações para inserções consideradas mais positivas.

O mercado de trabalho local e a inserção de jovens inexperientesPara responder parte das questões formuladas na introdução deste artigo, valorizarei, a partir dos dados obtidos em entrevista, alguns dos princípios fundamentais na constituição dos itinerários construídos, limitando-me a levar em conta basicamente as primeiras ocupações no mercado local, visto que estou considerando entrevistados até 25 anos.3 Destaco então que, na pesquisa, os itinerários não se correlacionam a um valor em si, mas orientam a formulação de questões que permitem compreender as condições imediatas de constituição de jovens trabalhadores. Os casos que a seguir analisarei privilegiam determinadas associações de fatores e correspondem a situações em que o trabalhador é solteiro e tenta se ingressar no mercado de trabalho. A maior parte possui primeiro grau completo, apenas um deles tendo alcançado o segundo grau. Em nenhum 3 Atenção contraposta tem sido investida por pesquisadores, ao focalizarem o trabalho de crianças e jovens

nas ruas, supostamente afastadas das referências familiares. Ver, por exemplo, Fausto; Cervini (1996).

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dos casos o melhor acesso ao ensino básico facilitou a entrada no mercado de trabalho, tendo todos eles obtido inserção mediante interferência de vizinhos ou pessoas da família.

A expansão urbana sem correspondente integração de estrutura de prestação de serviços, o custo de transporte assumido por moradores que se encontram afastados dos centros de concentração de serviços e comércio, a expansão do consumo por esses próprios moradores, o deslocamento de trabalhadores especializados e autônomos, tendo em vista o aumento do custo de pagamento de espaços nos centros urbanos, todos estes e muitos outros fatores têm levado à constituição de pequenas unidades produtivas de prestação de serviços e comércio em bairros periféricos, fenômeno relativamente singular por estar pre-sente neste tipo de expansão urbana e no contexto categorizado como economia de proximidade. Tais unidades de trabalho acompanham os movimentos e investimentos na resolução do aumento do desemprego e diminuição do valor do salário, muitos deles não suportando trabalhar distante das residências. É comum, na solicitação de vínculo trabalhista, tais moradores serem excluídos por pressuporem um valor inaceitável para pagamento de transporte. Visando eliminar o aumento deste custo de integração ao mercado de trabalho constituído por unidades produ-tivas situadas mais distante do local de residência e dotado de melhores alternativas, principalmente aquelas regidas pela formalidade legal, muitos moradores nestes bairros periféricos tentam montar seu negócio. O tipo de atividade corresponde a certa criatividade gerencial na oferta de serviços e bens que o convívio cotidiano permite projetar. Todos os bens e serviços correspondem a consumos domésticos, seja no que tange à alimentação, seja ao acesso a bens de modo mais pulverizado ou até que, por relações vicinais, asseguram deslocamentos de pagamento ou mesmo a subdivisão em parcelas.

A descapitalização do trabalhador que cria seu próprio emprego e a baixa capacidade de consumo da população circundante são alguns fatores que impõem uma impressionante instabilidade a essas unidades de produção, muitas delas tendo curtíssima existência. As condições de montagem são assim caracterizadas pelos baixos custos do empreendimento, até que a relação entre oferta e demanda assegure projeções mais alvissareiras. Todavia, tais trabalhadores, ou, como são hoje reconhecidos, pequenos empreendedores, assumem um papel fundamental na socialização dos jovens no mundo do trabalho, até porque, não sendo dotados de con-dições para concorrer em outras praças de oferta de postos de trabalho, empregador e trabalhador criam laços de interdependência, cada um

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investindo na minimização das dificuldades mútuas e tornando públicas as instabilidades, inseguranças e riscos de abandono da proposição.4

Esse mercado de trabalho local dificilmente absorve alternativas para pro-fissionalização, mas assegura aprendizados considerados fundamentais como o da disciplina inerente ao mundo do trabalho, a capacidade de compreender e aceitar a organização do trabalho segundo perspectivas personalizadas do patrão, as formas de autorização da apresentação pessoal na condição de trabalhador, experiências que emprestam atri-buto de dignificação à existência pública e individual, acessos que se contrapõem, por isso mesmo, à baixa remuneração, compensada pela proximidade casa-trabalho.5 Em se tratando de relações de trabalho de cunho mais personalista, as regras que presidem o contrato podem estar dotadas de maior arbitrariedade que, incidindo drasticamente sobre o aprendiz, podem terminar por negar o valor do salário recebido (como exprimem os casos de pagamento de multas por danificação de material, risco em grande parte inerente à atividade do aprendiz e às tarefas que exercem). Portanto, a precariedade dos pequenos empreendimentos, sua instabilidade em termos de funcionamento, ao mesmo tempo que facilitam acessos informais ao vínculo de trabalho, também integram os trabalhadores de forma precária e irregular, práticas justificadas pelo reconhecimento da incorporação de um trabalhador em formação e, por isso, definido como total ou quase totalmente desqualificado para assumir responsabilidades, mas correspondente a um patrão descapitalizado, que deve tornar a usura um dos recursos fundamentais de reprodução por poupança.

Ocorre então uma dívida do jovem trabalhador e da sua família em relação a tal benevolência, todavia fundamental para ultrapassar a inex-periência e a falta de identidade laborativa. Por isso mesmo, essas unida-des de produção dispersas em bairros residenciais são incorporadas na constituição informal dos trabalhadores e pensadas pela provisoriedade, pela avaliação de uma troca que rapidamente se esgota em termos de reciprocidade. Elas operam como trampolim para construção do itine-4 Etnografias sobre recursos de comércio e serviços em bairros periféricos de São Gonçalo foram elaboradas

por Garcia (2004) e Quitari (2006).5 Demonstrando a inexistência de alternativas formais para aprendizagem profissional, associo-me às preocu-

pações analíticas de outros profissionais que discutem os efeitos dessa secundarização das políticas voltadas para a juventude. Reflexões em torno de programas de inserção profissional têm sido ampliadas nos últimos anos entre sociólogos vinculadas à especialização disciplinar: sociologia da infância ou da juventude. Ver Leão ([199-]); Madeira; Rodrigues (1998); Neves (1999; 2000); Pochmann (1998, 2007), para citar alguns exemplos de crescente bibliografia.

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rário, razão pela qual a circularidade é considerável, tanto do ponto de vista dos trabalhadores como dos empregadores.6

Mantendo ainda o critério de restrição de alguns casos ou de situações no conjunto de dados, operarei doravante com mais uma redução, agora tomando apenas alguns casos de inserção laborativa de jovens solteiros entre 17 e 20 anos, todos tendo iniciado o primeiro vínculo entre 14 e 17 anos.

O pistoleiro de cartazes, 17 anos, dotado de ensino fundamental, começou a trabalhar aos 14 anos, entregando bebidas em depósito de distribuição, sob vínculo informal. Em se tratando de unidade de trabalho localizada em seu bairro residencial, ele mesmo se apresentou para a solicitação de vaga. Comenta: “Eu mesmo fui lá pedir vaga. Geralmente nessa época (fim de ano), eles empregam mais por causa das festas e carnaval. Traba-lhei como entregador de bebidas, gelo, água: entregava em domicílio”.

Para adquirir esse vínculo, contou ainda com o apoio da família, basi-camente de sua mãe, na gestão de alternativas para eles mais abertas, no entorno da residência, o empregador sendo seu vizinho. A mesma estratégia de inserção em mercado de trabalho foi posteriormente ativada por ocasião do período de campanha política, quando um exército de propagandistas é contratado temporariamente para tornar reconhecido publicamente o nome do candidato.

O que importa nesse período de vínculo provisório é o credenciamento dos trabalhadores em formação, é o reconhecimento de atributos funda-mentais à constituição de um trabalhador aberto às alternativas que vão se apresentando. Este modo de apresentação ou esta abertura talvez seja o requisito mais importante, pois que a atividade em si recorrentemente não é vista como fundamental, ao não configurar qualificação do saber-fazer, mas do saber-lidar.7

O trabalho mesmo era carregar o peso, não é nada de mais. Era perto de casa, o dinheiro era para ajudar, não tinha nada para fazer...! Mas aprendi a chegar na casa das pessoas: – Bom dia, muito obrigado, até logo, quando quiser, estamos às ordens, é só telefonar...

[...]6 Um dos trabalhadores, exercendo a função de pistoleiro de cartazes, assim comenta a interdependente

precariedade: “Quando faltava material, não tinha trabalho; contava com o dinheiro e não recebia por falta de trabalho”. Mais à frente na entrevista, referindo-se ao primeiro vínculo, comenta: “Acho que trabalhava muito e ganhava pouco”. E no segundo: “Acabou o trabalho: acabou o tempo de eleição, acabou o trabalho”.

7 Sobre essa importante distinção reivindicada por trabalhadores como parte de sua constituição social, ver Guedes (1997); Barbosa (2000).

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Fui lá pedi vaga, sempre dão vaga em época de eleição. Era pistoleiro, grampeava cartazes nos outdoors. Aprendi vendo as pessoas fazendo, fui observando. Têm uns colegas que são mais maneiros, outros que parecem ter medo da gente pegar o lugar dele, mas a gente vai apren-dendo a se virar.

Reconhecendo-se como alguém que nada ou pouco sabe exercer em termos de atividade a ser remunerada, os jovens entrevistados são condes-centes com as precariedades das condições de vínculo, criam o necessário consentimento para a aceitação e a legitimação de situações de trabalho desfavoráveis. Assim, o entrevistado que exercia a função de pistoleiro avalia os dois primeiros vínculos como equivalentes. No primeiro e no segundo, considerou que a situação de trabalho permanecia a mesma, pois que não tinha idade para trabalhar sob carteira assinada.

Importante então dar destaque aos termos em que os jovens vão sendo construídos nessas modalidades de mercado de trabalho, termos estru-turantes ou princípios constitutivos da qualificação de funções específicas que aí emergem no novo conjunto de prestação de serviços. As funções são expressivas de saberes integrados à divisão de trabalho, mas cuja aprendizagem deriva muito mais de um relacionamento entre mem-bros da equipe do que aprendizado instrumentalizado e operacional. A observação e a imitação são então recursos pedagógicos fundamentais.

“Aprendi vendo as pessoas fazendo, fui observando.”

Pais, tios e vizinhos na construção disciplinar e pessoal de jovens trabalhadoresOs familiares, os parentes e os vizinhos desempenham papel fundamental nessa intervenção mediadora, seja se valendo da rede de relações pessoais já constituídas no desempenho de atividades produtivas, seja se apoiando na condição do vizinho que, remunerando atividades de jovens, reafirma a autoridade comunitária na integração de novas gerações sociais.

Um dos jovens entrevistados, no momento da entrevista exercendo a função de balconista, com 17 anos, primeiro grau completo e evangélico, iniciou seu itinerário de trabalho aos 16 anos, como atendente de balcão numa cantina em cemitério em Niterói. Considerando-se em processo de aprendizagem diante de sua idade, aceitou positivamente o vínculo informal e as condições de acesso ao salário inferior ao valor mínimo. Começou a trabalhar mediante incorporação por uma tia, que era pro-prietária da cantina. Alega ele: “Ela precisava de uma pessoa para ficar no

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bar, porque os rapazes estavam de férias. Passei a ficar de vez em quan-do”. Neste trabalho, era balconista: servia cafezinho, salgado e fechava o caixa. Sua própria tia lhe ensinou a realizar todas as tarefas. Ele então avalia e orgulhosamente se contrapõe: “Em uma semana aprendi tudo”.

Essa distinção é indicativa do processo de seleção em jogo, revelando que há casos em que o jovem trabalhador não é aceito ou não perma-nece sob o vínculo, por enfrentar dificuldades maiores para exercer, em conformidade às exigências, às atividades comandadas, bem como explicitando uma das condições de trabalho, cuja socialização básica não se fundamenta em relações familiares: o vínculo é fundamental para se exercitar positivamente no investimento em ampliação do universo de relações, isto é, saber-lidar cordialmente com estranhos e aprender a con-trolar emoções diante de situações de tensão que o trabalho de prestação de serviços por vezes incorpora. Por isso este jovem balconista considerou o vínculo vantajoso porque: “Conheci bastante gente e aprendi muita coisa. A gente presta atenção no que as pessoas vão dizendo, abrindo a cabeça, se sentindo mais responsável e respeitado”.

Todas essas vantagens compensavam as condições precárias de trabalho, pois que eram por ele integradas como parte do investimento na cons-tituição de carreira e de futuro mais promissor. Não fugindo à regra, agora reafirmada pela relação de parentesco, sua empregadora (sua tia) investe na construção de padrões de qualidade que definem o patrão nes-sas condições de vínculo empregatício: “Era muito legal, compreensiva, do tipo que perdoa e ajuda muito”.

Esteve vinculado como balconista por pouco tempo, porque assim foi definido o seu contrato: deveria substituir o trabalhador em férias. E, no balanço dessa experiência, o jovem entrevistado só lamenta que te-nha permanecido desempregado e sem recursos próprios para manter gastos pessoais, voltando à dependência da família ou a uma condição infantilizada.

Reafirmando as dificuldades para ultrapassar universos, por estarem fechados pelo reconhecimento de relações pessoais, os trabalhadores aí constritos valorizam a possibilidade de ampliar tais redes e, contrasti-vamente, demonstram as potencialidades da apresentação formal por um curriculum que dissocie relativamente o saber-fazer da pessoa em si.

Outro jovem, 18 anos, que no momento da entrevista trabalhava como entregador, finalizando o curso de segundo grau e se apresentando como testemunha de Jeová, começou a trabalhar aos 13 anos, em 1999, mediante a interferência de um tio, que até então não o conhecia. O

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acesso se fundamentou assim em conhecimentos pessoais, construídos por redes familiares e de parentesco. E num segundo vínculo, ainda por relações de amizade dos pais. “Consegui trabalho através de uma colega da minha mãe. A loja era do marido da amiga da minha mãe. Precisava de entregador e eu fui trabalhar.”

Posteriormente, na loja de empréstimo de vídeo e revelação de fotogra-fias, através de contrato informal e pagamento de meio salário mínimo, dedicou-se à limpeza e ao cumprimento de mandados. “O que ele man-dava eu fazia. Ele me explicava, eu fazia.”

Desqualifica, em consequência, sua atividade pela simplicidade dos de-sempenhos: “O trabalho era simples, só entregava água de carrinho”.

As primeiras ocupações e o direito à reivindicação por trabalho remunerado: aprendizados fundamentaisO entrevistado, imediatamente destacado, começou a trabalhar aos 15 anos, contando com vínculos descontínuos e informais, em unidades produtivas próximas à sua residência. Seu primeiro vínculo foi em ofi-cina de bicicleta, obtido mediante indicação do pai, que era amigo do proprietário da oficina. Por este vínculo, montava e limpava bicicletas, bem como consertava pneus. Define-se, em decorrência das múltiplas e dispersas atividades e do cumprimento de mandados, como faz-tudo, mas orientado pelo proprietário do empreendimento e seu outro ajudante. Embora tenha permanecido pouco tempo sob este vínculo, avalia que: “Foi mais uma profissão que eu aprendi, porque tem que fazer tudo na vida”.

A qualificação dessa aprendizagem como profissão é expressiva dos objetivos e das motivações que gerem esses jovens trabalhadores: pela sua condição de trabalhador faz-tudo, ele adquire o reconhecimento da internalização da disciplina e o aprendizado de obediência a mandados. Ora, no caso do trabalhador sem autonomia em relação aos saberes consti-tutivos de certos exercícios e produtos finais, disciplinar-se para mútliplos mandados é em si uma qualificação nesse mercado de trabalho. Valorizan-do essa aprendizagem para construção do seu percurso de trabalhador, relativiza qualquer desvantagem que possa ter enfrentado durante tal forma de inserção. Pelo contrário, permanece grato ao empregador, pois que “Era gente boa, paciente, ensinava direito”. Deixou este vínculo porque sua família mudou de residência, de Rio das Ostras para São Gonçalo. No seu novo local de residência, permaneceu certo tempo desempregado, fato que avalia negativamente.

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Logo após, um colega de turma da escola, que trabalhava como camelô no centro de Niterói, convidou-o para se integrar à prestação de serviço. Vendia brinquedos e rádios e recebia em média R$100,00 por semana. Assim vinculado, avalia que nada aprendeu, salvo a demonstração de qualidades pessoais: “Isso não precisa aprender não, era ser simpático e saber atender os outros”.

Por isso, é a vantagem mais valorizada neste trabalho, ou seja, ultrapassar a dependência do domínio doméstico e apresentar-se como indivíduo aberto a inserções em outros universos de relações sociais: “O importante é que perdi a vergonha. No começo era tímido, mas depois fui me soltando”.

Mesmo sendo atividade qualificada como simples, exigiu dele um apren-dizado, quando nada, da concepção personalizada de organização do trabalho pelo empregador. No primeiro vínculo, avaliou: “Ele me explicava e eu fazia”. E no segundo: “O meu patrão foi ensinando e eu fui fazendo. Ele ensinava como amarrar a garrafa e como chegar ao cliente”.

Novamente os intentos na constituição do percurso do trabalhador são avaliados positivamente, mesmo que as atividades sejam por ele desclas-sificadas: “O trabalho em si não serve para nada, só vale mesmo a expe-riência de trabalhar”. Esta experiência expressa a integração de atributos curriculares, mesmo que o salário seja considerado incompatível com o valor desejado: “Eu ganhava muito pouco para o tanto que fazia”.

Ele então insiste na avaliação da aprendizagem adquirida pela obediência às ordens do empregador, embora o exercício das atividades inerentes fosse justificado pela ausência de perspectivas para construção de um saber autônomo. As atividades em si foram então por ele desqualificadas diante de outro objetivo: dominar o código de comportamento adequado ao trabalhador. “Esse trabalho não serviu para nada.”

Todavia, essa aprendizagem prática do saber-lidar com colegas, clientes e empregadores é objeto de reconhecimento e gratidão frente aos em-pregadores e mestres: “Ele era legal, me ensinava a fazer muitas coisas”.

Como o aprendizado é o patrimônio de saber e identidade acumulados e a contratransferência é o baixo rendimento, mesmo insatisfeito com o empregador, o trabalhador em constituição segue seu percurso, pro-jetando a expectativa de que, mais à frente, conseguirá ampliar seus rendimentos. A outra tentativa objetivada pelo entrevistado agora em causa fora como entregador de bebidas e refrigerantes para empresa de redistribuição. Mesmo tendo ultrapassado o primeiro grau de ensino, suas condições de vínculo não se alteraram. Sob contrato informal, o salário era de valor inferior ao mínimo.

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Os patrões locais e as situações iniciáticas dos jovens no mercado de trabalhoNesse quadro de relações, os patrões são avaliados por relacionamen-tos personalizados, na contraposição valorativa do bem ou do mal, do reconhecimento em termos de valores de salários transferidos e das referências para a relação face a face. “Tinha (o empregador) hora que brincava, tipo bobo. Mas pagava bem e não facilitava nas exigências.”

Por essas formas de avaliação, podem-se depreender os empenhos interdependentes no sentido da construção de tal modalidade de pa-trão ou empregador, sendo melhor avaliados os que correspondem às expectativas dos entrevistados: guardar reservas diante de relações constituídas sob tamanha desiguadade de posições e hierarquia. De um lado, um empregador concedente e percebido como independente do jovem trabalhador, porque, em contraposição, pode ser facilmente subs-tituído. E, de outro, um trabalhador totalmente dependente, por não corresponder ainda ao saber necessário e por ter que obrigatoriamente se submeter à experiência iniciática. O bom patrão, em correspondência, é educado, compreensivo e cumpridor do contrato informal, pagando de fato e principalmente nas datas delimitadas pelo acordo consentido. “Ele queria mais produção, ele pagava a produção por dia, mas se produzisse muito ou pouco, ele pagava.”

Avaliando tão positivamente as aquisições e diante de sua tenra idade como trabalhador, o entrevistado não considera as desvantagens dessas formas de vinculação ao trabalho. Avalia o patrão pela bondade e paciên-cia de lhe ensinar, pela compreensão e capacidade de perdoar quando errava. Portanto, menos que um patrão, o empregador é um professor e um socializador intermediário; e desta posição é então avaliado.

As funções dos pequenos empregadores, treinadores da força de trabalho e constituidores de jovens trabalhadores, são consideradas positivamen-te, revelando o processo institucionalizado, mesmo que informal, dessa forma de constituição. Todavia, o vínculo de trabalho corresponde a espaço social em que as alternativas e as potencialidades não podem ser avaliadas por essas primeiras experiências restritas. Elas são fundamen-tais a ponto de os trabalhadores estarem sempre considerando o papel desse empregador na constituição de seu itinerário ocupacional. Por isso mesmo, é recorrente a afirmação seguinte entre os entrevistados: “Ele era legal e ele me ensinava muitas coisas”.

Os trabalhadores, entrementes, de imediato afirmam o esgotamento das alternativas para esse aprendizado. As unidades empresariais são

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pequenas e instáveis, integrando a força de trabalho sob correspondente precariedade:

A primeira saí porque ganhava pouco, mas não tive problema com ele. Do segundo, eu saí porque pedi para sair, estava me sentindo mal, o trabalho era muito forçado, nem conseguia ir para casa. O patrão não tinha condições de me pagar, ia fechar a loja e me mandar embora. Ganhava muito pouco e atrapalhava os meus estudos.

Este outro trabalhador entrevistado, com 18 anos, exercendo a função de faxineiro, dotado de ensino fundamental, sem afiliação religiosa explícita, solteiro, durante 12 meses trabalhou na função, numa farmácia de bairro em São Gonçalo. Por este vínculo, conseguiu um contrato informal, rece-bendo meio salário mínimo. Explica sua entrada no mercado de trabalho por intermédio da mãe, que conhecia o dono da farmácia e pediu para que ele lá trabalhasse. Dedicava-se à limpeza da farmácia e aprendeu o exercício das funções por explicação do proprietário da empresa. Avalia a experiência como inexpressiva, pois não gostava de realizar as atividades para as quais era comandado, além de considerar seu salário muito baixo. Entrementes, avalia positivamente o patrão pela sua maneira de tratar os empregados, qualificado como legal. Mesmo com o baixo salário que o empregador oferecia, ele não teve condições de manter o jovem, 12 meses depois tendo interrompido o vínculo de trabalho. O entrevistado ficou satisfeito em deixar este vínculo, embora permanecesse desempregado por ocasião da entrevista. Na condição de faxineiro, também atendia ao balcão, e estes exercícios extras são valorizados pelo aprendizado dos nomes dos medicamentos, dados a serem agregados a seu currículo e, quem sabe, projeta ele, poder se apresentar como candidato ao posto de trabalho em outras unidades do mesmo ramo.

Avaliações do desemprego como imposiçãoÀ precariedade do acesso à remuneração e à instabilidade nas condições de reprodução desses pequenos empreendimentos em bairros periféricos os entrevistados contrapõem a ausência total de rendimento e seus des-dobramentos em termos de retorno à plena dependência dos pais ou à perda de autonomia para pequenos consumos pessoais. “Depois que saí do trabalho, piorou, pelo menos eu tinha dinheiro no final de semana.”

A insegurança e a provisoriedade dos pequenos empreendedores expli-cam em grande parte as formas de exclusão dos aprendizes do mercado de trabalho. Como tais condições de oferta de serviços e de absorção de trabalhador são bastante precárias e o vínculo ocorre por pouco tempo,

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os entrevistados, em reflexão compreensiva dos limites em que todos se encontram, lamentam a exclusão e principalmente quando ela incide sobre os empregadores. “Fiquei dempregado porque ele, coitado, logo depois de abrir o negocinho, fechou a barraca e desistiu de continuar o comércio.”

E lamentam mais ainda aqueles que, por relativo longo período de me-ses, tiveram que voltar à mesma condição de desemprego, necessitando insistir na procura de um vínculo produtivo.

Os projetos individuais de constituição como trabalhadorNa maior parte dos casos os jovens se apresentavam dotados de ensino fundamental, dando continuidade ao estudo em curso noturno. E por esse recurso, almejavam alcançar uma profissão formalmente reconheci-da. Projeta-se então um dos entrevistados na construção de seu percurso como trabalhador:

Estou fazendo curso de montagem de computador. Queria ser soldador, mas pretendo também fazer curso de soldador, acho que no Senai tem. É importante fazer cursos, mais cedo ou mais tarde a gente precisa ter um curso profissionalizante, precisa ter um curso para ser útil. Na minha família apenas meu tio tem profissão reconhecida. Meu tio é segurança. Acho bom, eu gosto da profissão que ele exerce.

O entrevistado, faxineiro de 18 anos, almejava, na ocasião do trabalho de campo, obter um vínculo de trabalho em que o computador fosse instrumento fundamental. No entanto, avaliava, precisava fazer um curso. Tentou começá-lo mas se manteve somente durante um mês, porque era pago e sua família não podia corresponder a esse tipo de gasto. Desejava também frequentar curso de inglês. Construiu boas ex-pectativas em relação ao vínculo futuro no mercado de trabalho, porque avaliou a função do seu pai como positiva. Ele era vendedor de livros em livraria no Rio de Janeiro. Considerava que o pai realizava trabalho interessante e ganhava bem.

Diante das dificuldades de inserção no mercado de trabalho, os en-trevistados que avaliavam positivamente as ocupações de familiares prejetavam-se a reproduzir-se na mesma posição; enfim, assegurar os recursos que os membros da família haviam conquistado.

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Portanto, embora não sendo alternativa totalmente eliminada, esses jovens trabalhadores tomam a circularidade de vínculos informais como princípios de sua condição de obtenção de rendimento. E se incluem assim em outro tipo de aprendizagem socializadora de sua posição no mercado de trabalho, em especial local, intencionalmente pouco explo-rado durante as entrevistas, mas alcançado por observação e dedução: a resignação diante dos limites de inserção social e produtiva e a incor-poração de cálculos de temporalidade mais imediata para a projeção da vida cotidiana e do futuro.

Considerações finaisA análise das condições de trabalho aqui apresentada, na medida em que tomou em conta formas menos conhecidas de políticas de ação familiares e vicinais, pôde ultrapassar os limites da organização de princípios de avaliação segundo as caricaturas patrocinadas pelos termos inclusão x exclusão. Não basta apenas advertir sobre o caráter fluido e impreciso ou mesmo o absurdo social do termo exclusão, afinal eles revelam e procuram esconder ou secundarizar relações nem sempre conhecidas por serem irreconhecidas. Uma forma de caracterizar a sociedade contemporânea tem sido especialmente formulada pela polarização que teóricos e ideólo-gos acentuam ou insistem em acentuar quanto ao caráter acumulativo da inserção precária, intermitente e dependente de laços outros que, longe de colocarem como perspectiva a autonomia, assentam-se na construção da interdependência, das trocas em momentos liminares que atingem potencialmente a todos os que se colocam em idade produtiva.

As situações aqui apresentadas estão longe de ser pensadas pelos ime-diatos efeitos das mudanças técnicas que caracterizam a globalização tout court. Elas revelam o fechamento de alternativas de trabalho para os jovens, mas muitos outros fatores são mais contundentes: ausência de uma política de formação de jovens para o mercado de trabalho; certo isolamento social num contexto da conclamada globalização comuni-cativa e de circularidade de certos conhecimentos; falta de alternativas aos meios de transporte de massa; enfim, modos de encantoar de parte da população em torno da periferia dos grandes centros. E talvez seja esta a razão pela qual eles mesmos recriam, na fronteira, outras formas de produção e engajamento interno, assentadas em suas condições co-tidianas de vida; e gerem, como possível, os efeitos de uma sociedade que conclama a dualidade: a uns a excelência dos postos de trabalho valorizados e bem pagos; e a outros a criatividade e o intercâmbio de parcos recursos para gerir circuito econômico próprio.

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Seguindo os parâmetros apreendidos na análise dos investimentos colo-cados em prática pelos entrevistados, os dados obtidos na pesquisa per-mitem considerar outras questões, algumas delas a seguir sistematizadas:

• Como, individualmente ou por apoio familiar e vicinal, os jo-vens tentam gerir, por processos de aprendizagens elaboradas no domínio das relações equivalentes, os efeitos de condições atuais de exploração e desqualificação mercantil da força de trabalho.

• Como gerem os estigmas decorrentes das imposições destina-das à desqualificação da força de trabalho e da remuneração.

• Como lutam para ultrapassar a autodesqualificação pela qual a maior parte dos entrevistados iniciou a inserção nos diversos mundos de trabalho.

• Como se negam a se posicionar enquanto um fora de lugar, mesmo que ainda se contrapondo a práticas que, no plano geral, venham sendo constituídas para protegê-los dessa própria exploração, mediante o prolongamento do tempo de inatividade (por exemplo, proibição do “trabalho infantil”.8

• Como, por essas práticas de formação enquanto trabalhadores, explicitam os limites de acenos social e moralmente consagra-dos, mas politicamente fundamentados em hipocrisias sociais, visto que, constritos às intenções, não se fazem corresponder a modos de financiamento da inatividade entre jovens que, pertencentes a camadas populares ou de baixa renda, não po-dem assegurar consumos sem a participação direta enquanto produtor direto? Por isso mesmo, não podem se constituir em beneficiários de política de financiamento dessa proteção ou da desejada melhor qualificação profissional, sendo cada vez mais empurrados para a vinculação informal; sendo cada vez mais levados a aceitar uma servidão voluntária à ilegalidade, engajando-se na elaboração de justificativas dignas para essa inserção por todos condenada. Em decorrência desses dile-mas por eles enfrentados, a questão imediata que se coloca para esses jovens é: Como negar e ser negado do vínculo do

8 O número de pesquisas em torno do trabalho infantil, acompanhando os programas sociais cujas intenções prenunciam a erradicação dessa forma de inserção produtiva de crianças e jovens, tem se ampliado nos últimos anos. Citaria o investimento que realizei, posto que muitas das reflexões aqui desenvolvidas foram elaboradas diante desse acúmulo de problemáticas situacionais. Ver Neves (1999, 2000, 2002a, 2002b, 2003, 2004).

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trabalho, se o trabalho não deixou de ser questão central para a reprodução do grupo social a que pertence?

Neste artigo, não levei em conta as desistências, os descréditos ou a aceitação de um pressuposto destino social já dado, contra o qual lutas mais projetivas não são objeto de crédito. Entrementes, procurei não perder de vista a distinção de contextos segundo sistemas de diferencia-ção e hierarquia, visto que resultados positivos ou negativos explicitam privilégios ou inviabilidades relativas, mas nem em todos os casos com tendência a se desenvolver acumuladamente. Por este efeito, procurei qualificar os desdobramentos quanto ao projeto de constituição social como trabalhador, na maior parte das vezes mais dependente de gestão de acasos e alternativas imediatas, e menos de qualquer projeção idea-lizada de gestão de formas de integração produtiva. Por tal motivo, cada alternativa de vínculo citada foi qualificada, segundo a solicitada avalia-ção pelos entrevistados, por valorização positiva ou negativa quanto à construção do itinerário ocupacional.9

Se a diferenciação social – por sexo, constituição de família conjugal ou pertencimento à família de origem, inserção em ciclo fundamental ou médio do sistema de ensino, afiliações religiosas, além da situação de vínculo no mercado de trabalho – deve sempre ser levada em con-sideração, essa perspectiva não pode, nas condições propostas pela pesquisa, secundarizar o trabalho coletivo de aproximação. Considero assim as semelhanças e as diferenças, mas entendendo-as como partes de sistemas de relações e de forças entre concorrentes, alternativas situa-cionais dos setores da atividade econômica aos quais os entrevistados estão referenciados, expressões de formas como cada grupo familiar de trabalhadores procura e constitui sua identidade na diferença (quando nada de comportamento moral), condições diferenciadas de investimen-tos dos membros da família. Por isso é importante entender os jogos que ocorrem, no caso, entre forças de integração e forças de dispersão, influências dissolventes e pressões para interiorização de estilos de vida e normas próprias, modos de reprodução e transmissão de heranças constituídas pelo saber e pela rede de apoio, possíveis demonstrações de tendências sociais a que cada geração ou grupos diferenciados podem ser mais ou menos tocados.

As posições sociais citadas pelos entrevistados, próprias de sua condição de iniciação no universo de trabalhadores, como já destaquei, na maior parte dos casos em apreço foram por eles mesmos desvalorizadas. Essa 9 As reflexões em torno dos itinerários ocupacionais são devedoras das inspirações construídas a partir da

leitura dos seguintes autores: Dubar (1998); Godard; Bouffartigue (1988).

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desvalorização equivale também à percepção de que elas são vistas como passageiras e necessárias. Enfim, são concebidas como constitutivas de rituais de iniciação na constituição do trabalhador, e, por isso, elas, em tese, são negadas no que diz respeito à reprodução da respectiva trajetó-ria. Não consideradas dignas de serem longamente ocupadas, ao menos pelos que as ocupam, nas entrevistas, mesmo que fossem suprimidas pelo entrevistado, elas eram insistentemente lembradas pelo pesquisador. Por tais recursos de relacionamento próprio aos atos de entrevistas, devem ser incorporados como dados. E por efeitos de análises estabelecidas em ato, exprimem o processo de desautorização da autoformação, da endogamia da reprodução do trabalhador, da sua falta de autonomia pela imposta condição de fazedor de mandado. Mas também ressalta que a desautorização é constitutiva das dificuldades a serem enfrentadas no âmbito da gestão de formas de projeção do futuro e de construção da empregabilidade. Os entrevistados só reconhecem a reivindicada condi-ção de empregabilidade a partir do princípio básico de autoapresentação individualizada a empregadores. Este saber e consciência das relações que presidem a inserção no mercado de trabalho revelam também outras modalidades de expropriação das condições de constituição e repro-dução de trabalhadores, quando nada os genericamente condenados ao desemprego ou ao emprego precário. Ora, se não bem geridas, tais ocupações ou empregos precários podem se constituir em forma prévia de inatividade ou dispensa; em prelúdio ao desemprego; em imposta aprendizagem da gestão familiar ou individual dos sucessivos tempos de inatividade e exclusão de consumos que ultrapassam a reprodução imediata. Como o próprio recrutamento se faz sob forma instável ou limitada, desdobrando-se, sob certos traços, para a objetivação da con-dição de desemprego, os familiares, para que o jovem alcance algum resultado mais positivo, devem assegurar os apoios financeiros e morais nos momentos de desemprego. Por fim, os dados levam a destacar que tais condições adversas não podem, como tão decantadas por versões oficiais, ser atribuídas apenas ao baixo nível de instrução. Ora, muitas vezes jovens com ensino fundamental e médio, sob os mesmos vínculos informais, realizam basicamente as mesmas ou aproximadas tarefas e se submetem às mesmas condições desfavoráveis ou precárias de trabalho. A inserção no ensino universitário é que se apresentaria então como solução última? Poderia a escola, dotada de tão limitados recursos, res-ponder aos afrontamentos do mercado de trabalho? Ora, mesmo que se alegue que as diferenças de níveis de ensino são pequenas, esta não é a perspectiva dos entrevistados quando, após desgastantes jornadas de trabalho, cambaleam entre cochilos e interesses inquestionados nas

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carteiras da sala de aula. Estimulando os desânimos, os próprios entrevis-tados relativizam o empenho. Todavia, em resposta a acusações oficiais, investem na ampliação do ensino para se autorizarem a reivindicar postos de trabalho mais valorizados. Mas os tetos dos salários recebidos, comumente inferiores ao valor mínimo, reafirmam o peso de jogos de força constitutivos do mercado de trabalho. O patamar de salário recor-rentemente aparece invertido: o portador de ensino médio recebendo salário menor que aquele dotado de ensino fundamental. A crença na versão oficial é constitutiva não só dos recursos que os jovens investem ao associarem trabalho e estudo em horário noturno, como também das respostas que os agentes de governo a eles oferecem: tão somente o ensino noturno, precedido a cada dia pela oferta de um jantar.

Enfim, o reconhecimento da segmentação do mercado de trabalho (no caso formal e informal) ou da denunciada escamoteação de regras legais pelos entrevistados permite compreender a existência de mercados dota-dos de características perversas, mesmo que fundadas em solidariedade e contingências. Todavia, sendo alternativa de trabalho para grande parte da população, especialmente jovem, é preciso então entender o conjunto de atributos comportamentais e de relacionamentos, bem como de instituições que participam da elaboração de tais disposições, que ge-rem, constituindo, o que se pode chamar de um mercado local, espaço de circulação não profissional, de vínculos dotados de regras próprias e personalizadas, razão pela qual o acesso pode ser por eles eventualmente controlado. São setores produtivos cujo tecido social incorpora condições instáveis de ocupação e emprego, salários baixos, pouca qualificação, mas condições de gestão de formação da mão de obra, nos termos em que ela é efetivamente avaliada. Aos trabalhadores assim constituídos cabe, se possível, gerir as possibilidades difíceis de passagem a outras situações.

AbstractIn this text, from interviews of students that, at night time, were connected to one of the Integrated centers of public education (Centros Integrados de Educação Pública), located in the city of São Gonçalo, in the state of Rio de Janeiro, I analyze processes of constitution of occupational itineraries among youths between 16 and 25 years old. From the gathered data, I characterize the practical formation of workers in family and neighborhood scales, an insertion through which they feel self authorized to present themselves in specific work markets. Defining themselves as owning certain know-how to handle, and, sometimes, know-how to do, they recognize themselves as people that own demonstrative attributes of knowledge that is estimated among employers that interested in workers whose constitution comes form practical

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experience. These attributes do not really qualify professional paths, but, mainly, learning processes that take place during the contact with a system of subjects that are also centralized in the personal management of employees.Keyword: young workers; proximity economy; urban outskirts, occupa-tional itineraries.

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Jania Perla Diógenes de Aquino*

Performance e empreendimento nos assaltos contra instituições financeiras

* Doutoranda do programa de Pós-graduação em Antropo-logia Social, da USP. Email: [email protected].

O artigo analisa assaltos contra instituições finan-ceiras, apresentando-os como operações sofisticadas, resultantes de elaborados planos e mobilização de uma complexa infraestrutura. Eximindo-se da ênfase atri-buída à dimensão criminosa e violenta destas ocorrên-cias, são privilegiados os elementos significativos para seus protagonistas, que vivenciam a organização de um assalto como atividade econômica e “trabalho” de alto risco. O desempenho dramático ou as performances escoltadas diante de reféns, com o intuito de amedrontá-los e levá-los a colaborar com o roubo, constituem habi-lidades relevantes e denotativas de competências, entre “profissionais” desta modalidade de crime. A definição de empreendedor de J. Schumepter e as perspectivas de análise da performance de E. Goffman, V. Turner e R. Schechner constituem o referencial teórico do texto.Palavras-chave: performance; empreendimento; crime.

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IntroduçãoA expressão assaltos contra instituições financeiras é utilizada pelos repre-sentantes das Polícias brasileiras para denominar ocorrências de roubos e furtos1 contra agências bancárias, carros-fortes, empresas de guarda-valores e arrombamentos de caixas eletrônicos.

Até meados dos anos 1980, no Brasil, esta modalidade de crime era efetuada somente contra bancos e se restringia aos grandes centros urbanos. Todavia, houve significativas alterações em suas características e alvos: os assaltantes começaram a visar agências bancárias, localizadas em cidades de pequeno e médio porte; a interceptar carros-fortes nas rodovias que ligam a capital ao interior dos estados; a roubar empresas de guarda-valores e caixas eletrônicos – estes, tão logo se propagaram no país, em meados dos anos 1990, tornaram-se alvos de roubos e furtos.

Demonstrando estarem informadas sobre rotinas internas de funciona-mento das instituições financeiras, as quadrilhas passaram a efetuar roubos e furtos exatamente nos dias em que bancos, empresas de guarda-valores e carros-fortes movimentam maiores quantias líquidas.

Além da organização e do planejamento, outra característica proeminente destas operações é a infraestrutura: mobilizam instrumentos arrojados, tais como veículos potentes, armamentos de grosso calibre e dispositivos de comunicação modernos. A própria atuação dos assaltantes tornou-se mais calculada e cuidadosa. Com base em uma acentuada divisão de tarefas entre os participantes dos roubos, habilidades como pontaria e manuseio de diferentes modelos de armas são continuamente exercitadas. Assim, o gerenciamento de informações precisas, de equipamentos que condensam tecnologia de ponta e de “mão de obra qualificada” se tor-nou a base dos assaltos. Esta modalidade de crime não apenas se elevou estatisticamente e ampliou sua gama de alvos, mas também se tornou mais elaborada, resultando em subdivisão de maiores quantias para as equipes que a organizam e executam.

O caráter performático e a dimensão de negócio que os assaltos contra instituições financeiras assumem, para os indivíduos que os articulam, emergem como características proeminentes. Neste texto, estou me baseando em três fontes de dados principais: notícias de periódicos de 1 Furto é uma categoria jurídica, correspondente ao artigo 155 do Código Penal Brasileiro. Refere-se ao ato

de “subtrair para si, ou para outrem, coisa alheia móvel”. Roubo também é uma modalidade de crime contra o patrimônio e equivale ao artigo 157 do mesmo texto jurídico, designando a ação de “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. Ocorrências de “roubos” e “furtos” são usualmente denominadas “assaltos”.

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maior circulação nas capitais brasileiras das regiões Nordeste e Sudeste; entrevistas com delegados de Polícia, nas duas regiões mencionadas; entrevistas e conversas informais com mais de três dezenas de indivíduos que participaram ou participam destas ações criminosas.

Crimes e NegóciosAlém de uma contundente sofisticação no âmbito das ocorrências, há indícios de ter havido, a partir dos anos 1980, uma mudança no perfil dos indivíduos e grupos que protagonizam tais assaltos. Estes crimes ganham visibilidade no país, nos anos seguintes ao golpe de 1964. Na-quele período, roubos contra agências bancárias, junto com sequestros de importantes figuras no cenário político, foram artifícios utilizados por militantes de grupos políticos contrários ao regime militar. Os “ganhos” destas ações eram canalizados para suas reivindicações na luta contra o regime ditatorial ou para o financiamento de guerrilhas. Posteriormente, tais ocorrências tiveram como protagonistas mais notórias associações nascidas nas prisões, resultantes do convívio entre os chamados “crimi-nosos comuns” e os “presos políticos”, tendo o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, sido a mais conhecida nos anos 1970 e 1980. Tal grupo, segundo seus integrantes, utilizava o dinheiro roubado dos bancos para organizar fugas de detentos e otimizar o comércio de entorpecentes. No decênio atual, a organização criminosa que adquiriu maior visibilidade e tem sido apontada pela Polícia e meios de comunicação de massa como responsável por assaltos contra instituições financeiras, em todas as regiões do país, é o Primeiro Comando da Capital (PCC). Tal “comando” teria sua base nos presídios situados no Estado de São Paulo, e suas ativida-des principais seriam os assaltos contra instituições financeiras, o tráfico de entorpecentes e o tráfico internacional de armamentos.

Sem estar interessada em delinear contornos do PCC ou de outras “organizações criminosas congêneres”, nem pretender mapear seus vínculos com a modalidade de crime que estou pesquisando, enfatizo somente a “dimensão de negócio” que tais atividades criminosas, atual-mente, assumem para aqueles que as empreendem. Entrevistas por mim realizadas vêm demonstrando que assaltantes vivenciam suas tarefas de planejamento, organização e execução de grandes operações de assalto como o desenvolvimento de uma atividade econômica.

Da mesma maneira que negócios legais e juridicamente regulamenta-dos, a organização de um assalto de “grande porte” requer dispêndios monetários – neste caso, investe-se em veículos e armamentos a serem

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utilizados na operação, imóveis para estada e reunião da equipe que vai executá-lo, subornos de funcionários dos estabelecimentos visados, dentre outros gastos.

Constituindo protagonistas destes “empreendimentos”, assaltantes atuam como exímios homens de negócio: investem dinheiro na viabilização de roubos, elaboram complexos planos de fugas e abordagens dos alvos, calculam riscos, possibilidades de êxitos e falhas. O discurso de policiais e a narrativa dos meios de comunicação de massa, baseados em códigos jurídicos e valores socialmente instituídos, classificam estes indivíduos como “criminosos”, enfatizam o caráter ilegal e a violência desprendida em suas ações. Praticantes de assaltos, no entanto, tendem a classificar estas “operações” como um “negócio arriscado” e que exige habilidades específicas. Vejamos a narrativa de um dos meus interlocutores:

É um campo que oscila. Na maioria das vezes dá certo, a gente investe e tira o dobro, ou até mais, do dinheiro que a gente pôs. Mas quando não dá certo, quando acontece algo que a gente não planejou, a gen-te perde tudo, a gente perde o dinheiro que gastou e não tem com quem reclamar, não tem a quem recorrer para cobrir nosso gasto. É você sozinho, você e sua experiência e o seu traquejo, não há garantia nenhuma. Você não tem o direito de errar, por isso tem que planejar, tem que trabalhar direito, tem que tomar todos os cuidados e precau-ções. (Trecho de entrevista com Rafael, condenado por roubos contra bancos e carros-fortes, realizada em maio de 2003)

A interpretação que alguns assaltantes concedem a tal “ofício” apresenta semelhanças com o modelo schumpeteriano de “empreendedor”. Em sua Teoria do Desenvolvimento Econômico, J. Schumpeter (1961) discorre sobre ciclos econômicos, teoria de créditos, fatores de produção, lucro empresarial, dentre outros temas. O autor define o homem de negócio empreendedor como “tipo especial de empresário” que se distingue pelo ato de “se lançar em tarefas jamais realizadas por outros homens de negócio anteriormente”. Autoridade, previsão e coragem são características do personagem. O “gosto pela inovação” e a “disposição de se expor ao risco” seriam suas marcas preponderantes (SCHUMPETER, 1961, p. 108-109).

A coragem de se aventurar em um “negócio” sem garantias e a necessida-de de renovar constantemente seus métodos, inovando nos formatos de operações e estratégias de abordagens do alvo, aproximam os criminosos, sobre os quais venho discorrendo, dos empreendedores schumpeterianos. Ambos ousam ir de encontro ao acaso, enfrentando-o com competência, racionalização e previsão de riscos.

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Performances e ferramentas delitivasA elaboração de assaltos, cujos alvos são instituições que integram o sis-tema financeiro do país, conforme venho assinalando, desencadeia um detalhado levantamento de informações, planejamento e viabilização de equipamentos sofisticados. Assumindo contornos de “empreendimento econômico”, estes crimes demandam investimento monetário, resultam em acumulação de altas quantias aos seus organizadores e requerem uma equipe de pessoas “habilidosas”. Cada procedimento é calculado em mi-núcia: tarefas são divididas, instrumentos são testados com antecedência, bem como estratégias para interagir com as vítimas são discutidas entre os indivíduos que vão participar do assalto.

As formas de conduzir agressões físicas e pressões psicológicas também são calculadas. Os assaltantes cogitam sobre maneiras eficazes de intimi-dar as vítimas, não deixando a estas possibilidade de reagir sem arriscar suas vidas. A força física é empregada como um meio de “apavorar” os funcionários e as pessoas presentes nos estabelecimentos assaltados.

O uso da violência é um dos pré-requisitos para o êxito, mas o apelo a este modo de ação não ocorre de forma instintiva ou descontrolada. Durante um roubo, assim como em outras modalidades de crime violento contra o patrimônio, a situação não se define como uma disputa entre inimigos ou como um “acerto de contas”, advindo de antigas “rixas”. Não se trata de um momento de resolução de conflitos entre partes em contenda. A agressividade é empregada de forma calculada. O momento do assalto, quase sempre, é o primeiro contato direto dos assaltantes com seus reféns. Não há raiva ou ódio anterior de um oponente pelo outro. A violência é empregada por meio de ataques súbitos e brutais ou a partir de ameaças verbais, funcionando como subterfúgio dramático ou uma representação diante das pessoas que sofrem o assalto.

Se, de um lado, o assaltante tem que ser “duro” para conseguir se impor, de outro, não é positivo para as equipes criminosas que suas investidas resultem em morte ou ferimentos de vítimas. Nestes casos, os assaltos não são considerados por seus praticantes como bem-sucedidos. Matar ou ferir pessoas que não reagem são atitudes interpretadas como amadoras. Aqueles que se “excedem” no uso da violência física são negativamen-te avaliados por seus comparsas. Na perspectiva dos personagens do “mundo do crime”, a linha de separação entre uma atuação considerada profissional e procedimentos tidos como irresponsáveis é tênue. A rigor, os assaltos que resultam em mortes deixam de ser juridicamente classi-ficados como roubo, passando a ser considerados latrocínio, um tipo de

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roubo qualificado pelo resultado, ao qual corresponde uma pena mais rigorosa do que aquela referente aos roubos sem agravantes. Quanto à visibilidade pública, incidência de mortes ou “derramamento de sangue” nas ocorrências implicam maiores repercussões nos meios de comuni-cação de massa, levando a Polícia a um maior empenho na busca dos criminosos. Portanto, a recorrente determinação de poupar vítimas não se baseia em razões humanitárias: antes, deve ser considerada como medida preventiva das quadrilhas (AQUINO, 2004, p. 97).

Para ser considerado um grande assaltante entre seus pares, uma “boa atuação” no momento de efetivar um roubo é relevante. Esta se expressa no ato de adentrar a um grande estabelecimento, expondo-se a câmeras, sensores, alarmes e vigilantes armados. Estes profissionais desenvolvem, conscientemente ou não, técnicas de desempenho dramático, produzindo movimentos, expressões faciais e entonação da voz ajustados às suas ta-refas na execução das ações criminosas das quais participam. Segundo os entrevistados, as pessoas que sofrem o assalto não podem sentir fraqueza ou hesitação nas ameaças recebidas. Os reféns devem acreditar que serão assassinados ou fisicamente agredidos se reagirem.

Assaltos no vapor e assaltos no sapatinhoOs inúmeros formatos que pode assumir uma ocorrência de assaltos contra instituições financeiras costumam ser classificados por seus pra-ticantes a partir de duas denominações genéricas: assaltos no vapor e assaltos no sapatinho (AQUINO, 2004, p. 38). Trata-se de um sistema de nomeação “nativa” ou uma categorização êmica.

Os assaltos no vapor são aqueles que apresentam uma grande quantidade de homens e veículos, armamento pesado e abordagens abruptas. Estes também podem ser chamados assaltos bomba ou no arrebento. Em tais ações, as quadrilhas dominam subitamente o local do assalto, efetuam disparos, gritam e ameaçam as pessoas presentes. Segundo os entrevistados, os alvos adequados a esse tipo de abordagem são carros-fortes e caixas eletrônicos. Os modelos de veículos que utilizam são caminhonetes e picapes com trações nas quatro rodas. Estes, além de velozes, permitem o transporte e manuseio de armamento pesado, como fuzis e metralhado-ras. Nestas ocorrências, a performance do grupo criminoso se caracteriza pelo impacto visual e sonoro, evocando uma estética bélica, do confronto: armas em punho, posições marcadas, disparos e gritos. Trata-se de uma violência material e explícita.

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Os assaltos no sapatinho, por sua vez, baseiam-se em abordagens mais discretas ou silenciosas. Nestes casos, as quadrilhas atuam por meio de investidas traiçoeiras ou disfarçadas, utilizando, inclusive, armas de me-nor volume como revólveres e pistolas. Ao invés de uma demonstração de força imediata e direta, apela-se para a “astúcia” e a “malandragem”. Um dos entrevistados apresenta a seguinte definição:

Sapatinho é assim, quando você consegue entrar em um local. Você sem acionar muita gente, sem que você seja notado. Sem dar um tiro, você pega o dinheiro e sai normalzinho, sem chamar a atenção. Porque você só precisa anunciar o assalto no momento certo. Não precisa atirar, não precisa que a cidade inteira fique sabendo que você está fazendo um assalto. Um tiro que sair dali já aciona todo mundo. Eu gosto de bolar um truque e esperar o momento certo para meter a parada. Porque quem faz o ladrão é a oportunidade. (Trecho de entrevista com Helio, condenado por roubos e furtos contra agências bancárias, realizada em abril de 2003)

Diversos estratagemas podem ser utilizados para a introdução de armas no interior de uma agência bancária, sem que seja necessário efetuar disparos. No caso dos bancos, um dos artifícios frequentes é a utilização de armas de brinquedo. Portando revólveres de plástico, os assaltantes passam pelas portas giratórias das agências sem acionar os detectores de metais, e em seguida rendem os vigilantes do estabelecimento com as falsas armas, tomando destes as armas verdadeiras, que permitem a finalização do plano.

Uma estratégia apontada pelos interlocutores como sendo a mais se-gura e elaborada para atuar no sapatinho é o sequestro de famílias dos funcionários das instituições financeiras responsáveis pelos cofres dos estabelecimentos (gerentes e tesoureiros). Tais assaltos, precedidos do sequestro de famílias inteiras, efetivam-se contra agências bancárias e empresas de guarda-valores. Os reféns são capturados na noite anterior ao assalto e permanecem em cárceres privados, que podem ser suas pró-prias residências ou locais adaptados para funcionar como cativeiros. Na manhã do dia seguinte, o gerente ou tesoureiro, cujos familiares estão em poder do grupo, é obrigado a se dirigir ao local de trabalho e entregar todo o dinheiro dos cofres da instituição.

Nestes casos, apesar de portarem armas, os praticantes da ação criminosa apelam, sobretudo, para o poder da intimidação verbal. É por meio de ameaças proferidas calmamente e quase sempre em baixo tom de voz que os funcionários das instituições financeiras são coagidos a atender

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as exigências da quadrilha. Vejamos a fala de um dos meus entrevistados, cujos assaltos se baseiam no “sequestro” das famílias de funcionários de instituições financeiras:

Todo o segredo de fazer esse tipo de assalto está na casa do gerente. Tudo começa com a família dele: os filhos, a mulher, as pessoas que ele tem mais afeto. A gente pega essas pessoas e, na hora que ele chega, a gente pega ele também. A gente pega as famílias no final da tarde ou à noite. Então, a gente segura o pessoal. O telefone tocou, a gente deixa a pessoa atender e manda ela falar normalmente. Mas a gente fica na linha com a pessoa, ouvindo o que ela vai falar. Então a gente fica com as pessoas na casa, até determinadas horas. Quando a gente vê que ninguém mais vai chegar, que o telefone não vai tocar, então, por volta de meia-noite, a gente leva todo mundo pro cativeiro. Depois que está todo mundo no cativeiro, tudo certinho. Aí a gente começa a trabalhar o gerente. Conversar com ele, convencer o homem a fazer o que a gente quer. Nisso aí tem que ser esperto, tem que saber conversar. Tem que falar com firmeza e não pode falar demais, pois ele pode achar que a gente tá blefando, entendeu? Aí ele vai pôr mil obstáculos, vai falar que não entra na empresa, que não dá para entrar. Porque os gerente e tesoureiros de bancos e dessas empresas de segurança, eles têm pa-lestras, com o pessoal do GATE (Grupo de Ações e Táticas Especiais da Polícia Militar, do Estado de São Paulo). A Polícia fala para eles que a gente vai só fazer pressão psicológica, que não vai matar ninguém. Então, na hora que a gente tá com eles, eles pensam em tudo, pensam nas ameaças que a gente faz e também pensam nas palestras que eles ouviram. Por isso é que a gente precisa ser firme e falar com firmeza, mostrar que não está brincando, perguntar com firmeza, dar ordens, que é para eles ver que a gente está determinado a pegar o dinheiro e que se ele não facilitar, a gente vai matar a família dele. (Trecho de entrevista com Daniel, condenado por roubos contra bancos e empresas de guarda-valores, realizada em maio de 2003)

Verifica-se uma acirrada consciência de que suas “atuações” devem ser convincentes. Expressões, frases, argumentos e gestos utilizados para ameaçar e intimidar as pessoas que mantêm sob jugo são escolhidos com antecedência e discutidos entre os vários componentes de uma qua-drilha. Seus comportamentos, em alguma medida, constituem “textos” dramatizados diante dos reféns. Nas semanas anteriores ao assalto, são levantadas informações, não somente sobre a rotina de funcionamento da instituição financeira, junto com horários de chegada e saída de seus funcionários. Nos casos dos assaltos precedidos de sequestro, são

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coletados, também, detalhes íntimos e confidenciais, referentes aos ge-rentes e tesoureiros. Tais informações são canalizadas para o momento em que estão ameaçando e coagindo estes agentes a colaborarem com a ação criminosa. Trata-se de dados que são incorporados ao “texto” dos assaltantes diante de seus reféns.

Em seu clássico Representação do eu na vida cotidiana,2 Erving Goffman (1992) lança uma analogia das circunstâncias sociais de interação com a “representação teatral”. Para ele, os indivíduos, quando se apresentam a outros indivíduos, nas diversas formas de interação social, procuram ter o domínio das impressões que serão construídas acerca dele. Para tanto, empregam técnicas semelhantes àquelas adotadas por atores profissionais diante de suas plateias. Em sua metáfora da sociedade teatro, Goffman elabora o conceito de “fachada” que se refere ao equipamento padronizado de tipo intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação (GOFFMAN, 1992, p. 29). A “fachada” é composta por:

[...] um cenário que inclui mobília, decoração, a disposição física e outros elementos de pano de fundo que vão constituir o cenário e os suportes do palco para o desenrolar da ação humana executada dian-te, dentro ou acima dele e a “fachada pessoal” que designa os itens do comportamento expressivo [...] aqueles que de modo mais íntimo identificamos com o próprio ator e esperamos que o sigam onde quer que vá. (GOFFMAN, 1992, p. 29)

Roubos no vapor, como visto, contam com o desempenho dramático dos assaltantes, que devem demonstrar segurança ao anunciarem a ação vio-lenta e se locomoverem com desenvoltura no local do crime, proferindo ameaças, intimidando seus oponentes. Todavia, estas ações “apostam”, sobretudo, na construção de um “cenário”, marcado pela imponência das armas com alto poder de destruição. Por outro lado, ações no sapa-tinho privilegiam a “fachada pessoal”. Segundo Goffman (1992), esta corresponde a uma série de itens “fixos” e “não fixos”:

Entre os itens da fachada pessoal pode-se incluir os distintivos da fun-ção ou categoria, vestuário, sexo, idade e características raciais, altura e aparência (atitude, padrões de linguagem, expressões faciais, gestos corporais e semelhantes). Alguns desses veículos de transmissão de

2 Na edição americana, o livro de E. Goffman, cuja primeira tiragem é de 1959, intitula-se The Presentation of self in Everyday Life. A tradução mais adequada para o português seria: A apresentação do eu na vida cotidiana. Todavia, na edição brasileira, a obra ganhou o nome de A Representação do Eu na Vida Cotidiana. O termo presentation foi traduzido como “representação” e não como “apresentação”. Outro ponto que convém ressaltar é o título do primeiro capítulo, cuja versão em português da editora brasileira é Representações; no entanto, o nome dado ao mesmo capítulo, no original, por E. Goffman foi Performances.

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sinais, como as características raciais, são extremamente fixos e dentro de um certo espaço não variam de uma situação para outra. Em com-paração, alguns desses veículos de sinais são relativamente móveis ou transitórios, como a expressão facial, e podem variar, numa situação de um momento para outro. (GOFFMAN, 1992, p. 32)

Nas operações no sapatinho, a atuação dos assaltantes tem importância decisiva. Embora sejam utilizadas armas potentes, a tarefa de amedrontar os reféns é atribuída aos executores da ação criminosa, que se utilizam, principalmente, de elementos não fixos da fachada pessoal: expressões corporais e faciais, linguagens, vocabulários, maneiras de falar e olhar, gestos específicos, capazes de produzir nos oponentes a impressão de que a quadrilha é capaz de matar. Um dos entrevistados, que se diz “es-pecializado” em “assaltos precedidos de sequestro”, ressalta a relevância de personagens “fortes” ou verossímeis, diante das vítimas:

Esse negócio de você lidar com os sentimentos dos outros é muito sério. Você passa a noite com as famílias e você não pode demonstrar que você tem sentimento, que é capaz de sentir piedade. Você tem que ser muito forte para alcançar seu objetivo. A gente passa uma noite com aquelas pessoas, ameaça, diz que vai matar, mas não pode deixar que elas vejam nossa fraqueza. A gente não pode demonstrar que fica toca-do com o sentimento delas. Quando a gente tá trabalhando, não pode demonstrar esse lado. Porque se percebem que você não tá querendo matar, eles não vão entregar o dinheiro. E se eles não entregam o di-nheiro, aquele serviço já fracassou. Então, a gente tem que dizer que quer matar e que a vida deles não significa nada pra gente. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada em maio de 2003)

Devendo demonstrar “frieza” e “firmeza” como “fachada pessoal” de agressor, cabe ao assaltante emitir impressões capazes de promover volubilidade e obediência.

Os entrevistados costumam enfatizar que, nas operações precedidas de sequestros das famílias dos gerentes ou tesoureiros, a quadrilha fica desincumbida de atacar o alvo em pleno horário de seu funcionamento comercial, tarefa que envolveria maiores riscos.

Se você assalta diretamente, invadindo o banco, aí você tem a chance de ter confronto com a Polícia. Mas se você pensa um pouco, você vai fazer da forma que você se arrisca menos. Se você conversa com o gerente antes, você não vai invadir o banco. Você vai evitar um encontro não desejado com a Polícia. Eu não digo sequestro, como você diz, porque

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sequestro é uma palavra muito forte. A gente leva o gerente e também a família dele para um passeio, para uma conversa, aí a gente procura chegar a um denominador comum. (Trecho de entrevista com Jorge, condenado por roubos e furtos contra bancos, carros-fortes e empresas de guarda-valores, realizada em março de 2003)

Nesta modalidade de ataque, a quadrilha nem ao menos precisa “anunciar o assalto”, pois a companhia de funcionários da instituição financeira facilita o acesso às agências bancárias e empresas de guarda-valores. Coagidos, entregam numerários sem esboçar reação. Desta maneira, quem vai de fato concluir o assalto é o gerente e não o assaltante.

O gerente participa do roubo, sabia? Participa mais do que o ladrão, porque ele é obrigado a colaborar, ele entrega o dinheiro na nossa mão. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada em maio de 2003)

Portanto, nestes casos, funcionários das instituições financeiras deixam de ser plateias e atuam como atores no espetáculo de um grande roubo.

Há consideráveis diferenças entre os “assaltos precedidos de sequestro” e aqueles denominados no vapor, em que ocorre uma intensa exposição dos assaltantes. Por empreender ações barulhentas e espalhafatosas, seus praticantes se colocam como o centro das atenções, em “apresentações” elaboradas para “grandes plateias”. Já os assaltos no sapatinho constituem intervenções performáticas que têm como alvo um “público seleto”. No caso de “assaltos precedidos por sequestros”, a maior parte do drama se desenvolve no ambiente privado das residências dos reféns, ou em “cativeiros” viabilizados pela quadrilha. São ocorrências desprovidas do impacto e tensão explícita, que caracterizam os assaltos no vapor.

Em suas observações das performances cotidianas, Goffman (1992) chama a atenção para as informações que os atores veiculam à plateia, por meio dos estímulos constitutivos de sua fachada pessoal. O autor faz uma dis-tinção entre aparência e maneira.

[...] pode se chamar de aparência aqueles estímulos que funcionam no momento para nos revelar o status social do ator [...] Chamaremos de maneira os estímulos que funcionam no momento para nos informar sobre o papel na interação que o ator espera desempenhar, na situação que se aproxima. (GOFFMAN, 1992, p. 31)

De acordo com Goffman (1992), há uma expectativa de compatibilidade entre aparências e maneiras nas fachadas, por parte das plateias. Transpon-do as considerações do autor para a análise dos assaltos contra instituições

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financeiras, pode-se afirmar que nos casos dos roubos no vapor se verifica consonância entre aparência e maneira. Nestes eventos, os praticantes da ação criminosa revelam a condição de assaltante, desde o primeiro mo-mento: chegam às instituições efetuando disparos, aterrorizam, ameaçam, agem com brutalidade. Em larga medida, esse é o comportamento que a plateia – identificada com as vítimas de um assalto – espera de criminosos, personagem portador de estigmas e estereótipos.

No caso dos assaltos no sapatinho, seus protagonistas disfarçam a condi-ção de assaltantes. É recorrente as quadrilhas, na abordagem de alvos, utilizarem características ou habilidades de seus integrantes, socialmente associados à “boa aparência”, tais como: pele branca, cabelo liso, nariz afilado, porte altivo, elegância nos gestos e vestimentas. Graças à imagem de distintos cidadãos de classe média, os interlocutores afirmam se apro-ximar dos gerentes ou tesoureiros dos estabelecimentos que pretendem roubar. As duas narrativas a seguir expressam a utilização que concedem aos itens fixos e não fixos de suas fachadas pessoais:

Essa parte de pegar o gerente da instituição tem que ser uma pessoa cuidadosa, que seja capaz de se aproximar dele em qualquer lugar. Tem que ser capaz de abordar ele, onde ele estiver, sem que ninguém perceba que naquele momento tá começando um assalto a banco. Por isso tem que ser uma pessoa educada. Eu gosto de fazer essa parte, porque se eu for, eu consigo pegar sem ninguém perceber. Eu me aproximo dele, invento qualquer desculpa, tiro ele do meio do povo e levo para um particular. (Trecho de entrevista com Daniel, realizada em abril de 2003)

Precisa de uma aparência mais ou menos, porque a maioria do pessoal, gerentes de empresas, tesoureiros, moram em bairros requintados. Então não pode botar qualquer um, pra ir naquele bairro, porque vai chamar a atenção da vizinhança. Tem que ser alguém que pareça ser morador daquele bairro. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada em abril de 2003)

Os assaltantes que atuam no sapatinho trapaceiam suas vítimas no “jogo” da representação social. Pois se apresentam sob aparências dissonantes de estereótipos identificados com o “bandido”, apostam na “boa impressão” causada por suas fachadas pessoais. Desta maneira, aproximam-se de seus alvos e conseguem atacá-los, discretamente. Somente minutos depois que foram abordados, os reféns tomam consciência do assalto. A incompati-bilidade entre a aparência de “cidadãos bem-educados e bem-vestidos” e as maneiras insolentes de criminosos somente se manifesta depois que

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o roubo é anunciado. A partir deste instante, suas características físicas e vestimentas, responsáveis pela imagem emitida inicialmente, já não se farão acompanhar por um comportamento amistoso, mas por ameaças e coações (AQUINO, 2004, p. 67).

Em se tratando das performances diante dos reféns, praticantes de assaltos cujas abordagens se efetuam no vapor são coerentes com suas plateias. Estes, em todos os momentos do roubo, demonstram a condição de “as-saltantes”. Como tais, agem com “brutalidade” e “truculência”, modos correspondentes às atitudes esperadas de criminosos, por seus oponentes. Por outro lado, quadrilhas que atuam no sapatinho utilizam a “expectativa de compatibilidade entre aparência e maneira” para se aproximar de suas vítimas sem despertar suspeitas e ter chances de “anunciar o assalto”. Nestes casos, a violência não transborda para o espaço público das ruas; é dada por um diálogo assimétrico, em que um dos participantes tem como argumento o poder sobre a vida do outro.

A elaboração de assaltos como uma “sequência total da performance”Como visto, há múltiplos formatos e modos operandis a partir dos quais podem se efetivar assaltos contra instituições financeiras. Estes envolvem um conjunto de fases: escolha de um alvo, elaboração de um plano, viabilização de infraestrutura para a ação, assalto e fuga, dentre outras. Trata-se de eventos que se desenrolam a partir de etapas sucessivas. A chamada Antropologia da Performance, “campo teórico” desenvolvido por Vitor Turner e Richard Schechner, oferece um referencial profícuo para a análise das sequências imersas nestas operações.

Nos anos 1960 e 1970, Schechner, diretor e estudioso do teatro, faz sua aprendizagem antropológica com Turner, antropólogo consagrado por suas análises dos rituais. Este, na sua relação com Schechner, torna-se um aprendiz do teatro (DAWSEY, 2005b).

Em toda a sua trajetória intelectual, Turner esteve interessado em mo-mentos extracotidianos, instantes e eventos de interrupção da estrutura – pensada pela antropologia social britânica como o conjunto de relações empiricamente observáveis – nos quais as sociedades “sacaneiam-se a si mesmo, brincando com o perigo e suscitando efeitos de paralisia, em relação ao fluxo da vida cotidiana” (DAWSEY, 2005a, p. 164-165). Nos anos 1950, ele observa como as aldeias ndembu, na África setentrional, ganham vida em momentos de crise. A partir deste período, Turner enfatiza que estruturas sociais são carregadas de tensões. Ele opera um

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“desvio metodológico” nas diretrizes da escola de Manchester, argumen-tando que para entender a estrutura é preciso suscitar um desvio, olhar para a antiestrutura, buscando elementos não óbvios das relações sociais, momentos de tensão e rupturas (DAWSEY, 2005a).

Quando ocorre sua interlocução com R. Schechner, Turner está inte-ressado em eventos das culturas pós-industriais, tais como cultos, festas, carnavais, músicas, danças, teatro, procissões, rebeliões e outras formas expressivas.

Se a perspectiva de análise da performance de Erving Goffman (1992) privilegia o corriqueiro e o ordinário, Turner e Schechner se interessam por instantes de interrupção do cotidiano e momentos extraordinários. Estes autores pensam o teatro e as performances como vivências, cuja in-tensidade está relacionada à excepcionalidade e à quebra de uma rotina.

Em Between Theater & Anthropology (1985), Schechner enumera “pontos de contatos” entre a antropologia e o teatro. Uma das interfaces assinaladas entre estes dois “mundos” é a cadeia de etapas constitutivas dos eventos performáticos que ele denomina sequência total da performance. Esta seria composta pelos seguintes momentos: treinamento, oficinas, ensaios, aqueci-mento, performance propriamente dita, esfriamento e desdobramentos. Tomando a ideia de uma sucessão performática para analisar operações de assaltos, podem-se pensar as fases de treinamento, oficinas, ensaios e aquecimento como correspondentes às tarefas desenvolvidas ou situações vivenciadas por seus praticantes antes de efetuarem os roubos.

A performance propriamente dita viria a ocorrer durante a realização dos assaltos e das fugas, circunscrevendo o instante em que o roubo é anun-ciado até o momento em que a equipe criminosa consegue chegar a um esconderijo. Esta etapa compreende situações decisivas e imprevisíveis, conforme argumentei anteriormente. Seus contornos serão considera-velmente modelados pelas habilidades dramáticas dos executores da ação. As fases intituladas por Schechner de esfriamento e desdobramento começam quando a quadrilha consegue chegar ao(s) lugar(es) designado(s) anteriormente como ponto de apoio ou esconderijo. Trata-se de um conjunto de momentos vivenciados como uma “quebra”. Verifica-se um contraste entre a tensão experimentada, durante o assalto e a fuga, e o alívio sentido quando a equipe chega a um local considerado seguro ou protegido de perseguição policial. Segundo alguns dos entrevistados, a chegada ao “ponto de apoio” detona uma espécie de “ressaca”, demar-cada por cansaço físico e mental, decorrentes do dispêndio de energia e a sensação de medo, vividos durante o assalto. Tal estado de “ressaca”

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quase sempre é ofuscado pela consciência de êxito, traduzida em euforia, que lhes domina nestas ocasiões.

Nos momentos seguintes, o grupo criminoso trata de dividir o dinheiro roubado, e os assaltantes procuram sair da cidade em que o roubo foi efetuado. Inicia-se uma investigação policial para desvendar detalhes do crime, notícias acerca da ocorrência são veiculadas na imprensa escrita e televisiva, suscitando comentários e avaliações diversos, no “mundo do crime” e no “mundo da legalidade”.

Para um profissional, a vivência da performance envolve um conjunto de práticas e aquisição de saberes, sendo algumas habilidades decorrentes de uma longa trajetória em atividades ilegais. Embora o “desempenho dramático” diante das vítimas não resulte de um aprendizado sistemático, como ocorre com o ator profissional, o praticante de assaltos se torna um bom performer pela vivência de seu ofício, interagindo em um meio de “especialistas”. Segundo Jorge (assaltante tido pela Polícia Civil do Ceará como o maior articulador de ações criminosas contra bancos e carros-fortes da região Nordeste), o “bom assaltante é aquele que sabe o que tem que fazer e o momento de fazer, que não tem de ser ensinado, que a gente não tem que tá o tempo todo se preocupando em dizer a ele o que ele tem que fazer”.

A habilidade descrita pelo entrevistado, em alguma medida, pode ser identificada com habitus, tal como o formula Bourdieu (1990). Para este autor, tal disposição funciona como uma espécie de sentido do jogo incorpo-rado. Trata-se de um saber praxiológico ou não tematizado, interiorizado pelos agentes sociais, a partir de suas posições em determinados campos. Configurando-se numa “segunda natureza”, o habitus orienta julgamentos éticos e estéticos, sendo também capaz de se exteriorizar em práticas, ajustadas às demandas de um dado contexto.

Instantes referentes à efetivação do assalto, que tendem a ser considera-dos pavorosos ou excepcionais pelos reféns, costumam ser interpretados por protagonistas da operação criminosa como ocasiões arriscadas, porém necessárias e repetitivas em suas trajetórias.

Ao tratar das intersecções entre antropologia e teatro, Schechner (1985) assinala também a transformação do ser ou da consciência, vivida pelos per-formers. Para o autor, mesmo não deixando de ser ele mesmo para se transformar em outro diante do público, o artista assume características do papel interpretado. Embora não consiga se livrar dos desígnios do seu himself, o ator absorve e incorpora traços do personagem encenado e sofre uma tensão entre sua própria identidade e a que ele representa.

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A fala de um dos assaltantes que entrevistei, em alguma medida, elucida a indefinição ou crise detonada pela vivência de diferentes papéis:

Você me vê aqui manso, falando numa boa com você, mas você nem imagina como é que eu sou quando estou trabalhando. Tinha um amigo meu que dizia que eu me tornava outra pessoa. A minha voz muda, as minhas maneiras mudam. Ele disse que não me reconhecia, porque eu pareço outra pessoa. Não é que eu não me lembre do que eu faço depois, mas eu mudo. Eu sou eu, mas faço e digo coisas que eu não faço normalmente, que não têm a ver com o meu jeito de tratar as pessoas. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada em abril de 2003)

Da mesma maneira que os atores, dançarinos e religiosos pesquisados por Schecnher (1985), o “assaltante profissional” não pode imergir no personagem a ponto deixar de ser ele mesmo ou perder a consciência dos seus atos. Tanto o é que uma das qualidades mais enaltecidas entre os praticantes desta modalidade de crime é o autocontrole. A falta de do-mínio de si pode desencadear atitudes nocivas aos reféns, a eles próprios e aos seus comparsas. O pavor da perda do autodomínio foi apontado por alguns entrevistados como um dos elementos que os impedem de consumir álcool ou entorpecentes, quando estão “trabalhando”.

A ideia de transformação do ser, enfatizada por Schechner (1985) na repre-sentação do ator, decorre da noção de liminaridade, categoria construída a partir dos estudos de Van Gennep, sobre rites de passage, depois expan-dida por Turner, em suas pesquisas entre os ndembu. Van Gennep (1978) havia mostrado que todo rito de passagem ou transição se caracteriza por três fases: separação, margem e agregação. A segunda fase do ritual, margem, foi também chamada pelo autor de limem, que, em latim, significa limiar. Esta etapa é caracterizada pela disparidade entre o estado anterior ao ritual e a transição. Trata-se de um momento de “suspensão”, marcado pelo contraste entre a posição na estrutura anterior ao rito e aquela que o indivíduo passará a ocupar depois dele. Para Turner, a liminaridade experimentada durante a performance envolve uma maneira subjuntiva de os indivíduos se situarem no mundo, orientada por um como se e vivenciada por estranhamento da realidade. Se a vida ordinária se or-ganiza pelo modo indicativo, em que pessoas e posições são ou foram ou serão, a subjuntividade, inerente ao momento ritual, instaurando o como se, produz em seus participantes um efeito de “espelho mágico” do real, concedendo-lhes a capacidade de ser não eu.

Percebe-se que a suspensão e a liminaridade, próprias dos rituais, caracteri-zam o momento de duração de um assalto. Nestes eventos, ao apresentar

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e experimentar intensamente suas performances, os protagonistas da ação violenta têm consciência de que tais desempenhos repercutirão no futuro, de forma relevante, em diferentes esferas de suas vidas. Identificam-se “passagens” nas trajetórias destes profissionais; trata-se de mudanças decorrentes da participação em ocorrências que ganharam repercussão nos meios de comunicação de massa, seja pela ousadia do plano, a forma de violência utilizada ou as altas cifras adquiridas. Nestes casos, o roubo de elevadas quantias, seguido por uma fuga “bem-sucedida”, confere fama aos executores do crime, permitindo-lhes difundir imagens positivas de si, entre outros assaltantes, além de torná-los cotados para tomar parte em futuros negócios ilegais. Por outro lado, o “sucesso profissional” os leva a serem considerados “bandidos de alta periculosidade” e a sofrerem forte perseguição policial (AQUINO, 2004, p. 106).

Referindo-se às artes dramáticas e às experiências religiosas, Schechner (1985) enfatiza que as avaliações das performances variam em função das características das “plateias”. Sobre as “atuações” de praticantes de as-saltos, evidencia-se que estas também recebem interpretações diversas e produzem desdobramentos específicos em diferentes círculos sociais. Desta maneira, ações positivamente significadas, no universo dos grandes roubos, são incriminadas ou estigmatizadas por critérios emanados de sistemas jurídicos e valorativos, vigentes no “mundo da legalidade”.

Considerações FinaisA concepção schumpeteriana de empreendedor e as perspectivas de compreensão da performance de Turner, Schechner e Goffman têm consti-tuído um valioso panorama teórico para minha análise dos assaltos contra instituições financeiras. A metáfora da sociedade teatro de E. Goffman e sua ênfase no “desempenho de papéis” por atores sociais, em situações de interação, como vistas, revelam afinidades entre estratégias expressivas de elaboração do comportamento, mobilizadas por atores sociais na vida cotidiana, bem como artimanhas adotadas por praticantes de assaltos, diante de seus reféns. Por sua vez, as elaborações apresentadas por Turner e Schechner possibilitam sublinhar a liminaridade destes eventos, interpretando a atuação dos seus protagonistas como expressão de uma experiência e parte de uma cadeia ou “sequência” de ações.

Trata-se de elaborações teóricas que propiciam um alargamento de pers-pectivas para a compreensão do objeto de estudo, impedindo-me de reduzi-lo à dimensão de ocorrência criminosa ou ação violenta. Por outro

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lado, possibilitam enfatizar o caráter de atividade econômica e desem-penho dramático imerso nestas ocorrências “sofisticadas” e “arguciosas”.

AbstractThis article analyzes hold-ups against financial institutions, presenting them as sophisticated operations resulting from elaborate plans and mobilization of a complex infra-structure. Exempting itself from the emphasis given to the criminal and violent dimension of these occurrences, it privileges the significant elements for their protagonists, who consider the organization of a hold-up a moneymaking activity and high-risk “work”. The dramatic action and the performances done before hostages, intended to frighten them and make them collaborate with the robbery, constitute relevant abili-ties and denote competences among “professionals” of this type of crime. J. Schumepter’s definition of entrepreneur and E. Goffman’s, V. Turner’s and R. Schechner’s perspectives of analysis of the performance constitute the theoretical referential of the text.Keywords: performance; undertaking; crime.

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José Marcos Froehlich* Everton Lazzaretti Picolotto**

Heber Rodrigues Silva*** Matheus Alegretti de Oliveira****

A colonização alemã na região central do Rio Grande do Sul – capital social

e desenvolvimento regional

* Prof. dr. do Programa de Pós-Graduação em Ex-tensão Rural (mestrado e doutorado) – UFSM. E-mail: [email protected]

** Bacharel em Ciências Sociais e MSc. em Extensão Rural – UFSM; doutorando em Ciências Sociais – CPDA/UFRRJ. E-mail: [email protected]

*** Acadêmico de Agronomia – UFSM. E-mail: [email protected]

****Acadêmico de Agronomia – UFSM. E-mail: [email protected]

O presente trabalho objetivou levantar aspectos histó-ricos da colonização alemã na região central do Rio Grande do Sul que podem ser considerados importantes fatores para a sua consolidação e contribuição ao de-senvolvimento regional. As informações foram obtidas através de pesquisas bibliográficas, documentais e relatos orais a partir de entrevistas não padronizadas com vinte produtores rurais descendentes de imigrantes germânicos. Após o estabelecimento dos colonos alemães na região central do Rio Grande do Sul, verificou-se que as inovações conduzidas por eles no espaço rural e na agricultura resultaram numa rápida consolidação econômica, impulsionando novas condições sociais que atenderam às intenções do governo da época e também as suas próprias aspirações. Com o dinamismo da agricultura colonial, logo surgiram as agroindústrias e associações de produtores, bem como se difundiram no tecido social os valores culturais e religiosos dos colonos, consolidando a colonização alemã na região central do Rio Grande do Sul. Ressalta-se neste processo a religiosidade ancorada no protestantismo luterano e a origem diversificada de muitos imigrantes, oriundos de centros urbanos e com habilidades técnicas e culturais amplas, o que favoreceu o desenvolvimento tecnológico e o estabelecimento de redes de sociabilidade, constituindo desde logo capital social favorável ao desenvolvimento regional.Palavras-chave: colonização alemã; capital social; desenvolvimento territorial.

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IntroduçãoEmbora a imigração europeia para o Brasil meridional, especificamente para o Rio Grande do Sul (RS), já viesse ocorrendo desde os primeiros séculos de ocupação da América do Sul,1 o fluxo mais intensivo de imi-grantes de origem europeia para o Rio Grande do Sul se insere no fenô-meno das migrações transoceânicas recorrentes entre a Europa e o Brasil no século XIX. Conforme Pesavento (1994), a imigração é um processo que se insere na dinâmica de desenvolvimento do capitalismo na medida em que se formou, em determinadas nações europeias, um excedente populacional que, sem terra e sem trabalho, se convertia em foco de tensão social. Esta população sobrante necessitava ser alocada em outros países que oferecessem, além da terra, condições de reprodução social. O fenômeno da imigração, no Brasil, vincula-se ao momento histórico em que se dá no país a transição das relações de trabalho escravistas para as relações assalariadas.

A introdução do imigrante europeu alemão no RS, além de ter o objetivo de ocupar áreas “virgens” com pequenos proprietários produtores de alimentos e fazer certo contrapeso político frente às oligarquias locais, teve também a intenção de superar a agricultura praticada pelos “cabo-clos”, pois, segundo o discurso predominante na época, estes não eram capazes de produzir os alimentos necessários para abastecer os núcleos urbanos (PESAVENTO, 1994). Esta foi uma situação que requereu e justificou, por parte do Estado, medidas para a implantação de colônias para produção diversificada de excedentes.2 Com esse intuito, foram instaladas colônias de imigrantes alemães em regiões “desabitadas”, consideradas estratégicas: instalaram-se as primeiras colônias na região de São Leopoldo – próximo a Porto Alegre – e, posteriormente, ocorreu a expansão das colônias para a encosta do Planalto Riograndense, onde instalaram-se colônias como a de Santa Cruz e a de Santo Ângelo, esta última na região central do RS (ROCHE, 1969).

A criação oficial da Colônia Santo Ângelo, atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca e Cachoeira do Sul (região 1 Imigração que contava principalmente com elementos humanos provenientes das áreas de domínio dos

impérios de Portugal e Espanha.2 De acordo com Roche (1969), a imigração no RS teve duas fases. A primeira, que contou com a entrada de

imigrantes de origem alemã, vai de 1824 a 1845 e ficou a cargo do governo Imperial. Nesta fase se verificou um período de escassez de entrada de imigrantes, tendo como causas a falta de dinheiro para pagamento das despesas de transporte e as crises políticas decorrentes da renúncia de D. Pedro I e da Regência, além da deflagração da Revolução Farroupilha em 1835, que opôs a Província ao governo Imperial. A segunda, que vai de 1845 a 1889, marcou o início da colonização provincial e privada, que não tinha ocorrido antes por falta de recursos.

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central do RS), constituiu-se em um resultado concreto das aspirações do governo provincial em estabelecer um núcleo de produção agrícola nesta região, até então desprezada pelos criadores de gado por ser uma região de banhados, matas fechadas e terreno montanhoso.

A vinda de imigrantes alemães, por motivos múltiplos, trouxe inova-ções à paisagem agrária da região central do Rio Grande do Sul, onde, anteriormente, predominava a pecuária extensiva. O estabelecimento dos colonos germânicos propiciou, de um lado, a implantação de novas culturas agrícolas, técnicas diferenciadas de manejo de solo e plantas, e o nascimento de um formato de organização comunitária e de agricultura de base familiar até então pouco conhecidos e praticados nesta região. De outro lado, os imigrantes alemães, ao contrário do que almejavam as autoridades da época, não se constituíam somente em agricultores. Existiam entre os imigrantes várias habilidades profissionais, desde carpinteiros, marceneiros e ferreiros, até comerciantes, professores e artistas. Estes diferentes profissionais vinham para a América a fim de melhorar de vida e, apesar de terem sido obrigados a se dedicarem ini-cialmente a atividades agrícolas – para ser “colono” se exigia que esse se dedicasse a atividades agrícolas –, muitos logo passaram a desenvolver outras atividades nas colônias ou nas cidades próximas. Com o desen-volvimento da produção agrícola das colônias, novas oportunidades se abriam para comerciantes, artistas, professores, entre outros profissio-nais, transformando as colônias e as cidades fundadas pelos alemães em polos dinâmicos de desenvolvimento. Outro elemento de destaque que a implantação das colônias germânicas no RS possibilitou foi a introdu-ção do protestantismo luterano e a sua carga cultural em um meio de catolicismo predominante.

Estas inovações trazidas pelos imigrantes germânicos logo geraram mu-danças na economia e na vida cultural da região central gaúcha, gerando certo dinamismo econômico e fortalecimento da organização social, o que tornou possível o desenvolvimento da colônia e sua integração na economia do Estado (MELLO, 2006; ROCHE, 1969; WERLANG, 2002).

Cabe questionar os fatores que possibilitaram o desenvolvimento das colônias alemãs em regiões desprezadas pelos primeiros colonizadores (portugueses). O processo de desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo pode fornecer alguns indicativos para esta questão. E o conceito de ca-pital social pode auxiliar nesta investigação, tendo em vista que estudos

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feitos em outras regiões do mundo e do Brasil3 mostram que a aplicação da noção de capital social pode ajudar a desvendar processos de desen-volvimento de territórios específicos, onde estão envolvidos elementos materiais e culturais próprios.

Este trabalho tem por objetivo investigar como ocorreu a implantação e que fatores foram importantes para a consolidação e o desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo, na região central do RS. Procurou-se realizar uma análise qualitativa, fazendo-se, inicialmente, um levantamento biblio-gráfico, fotográfico e documental, além de entrevistas sobre os processos de imigração alemã na região central do RS. Posteriormente, buscou-se relacionar as experiências dessa colônia de imigrantes com a discussão sobre a noção de capital social dos territórios e as suas possibilidades de desenvolvimento. A coleta de dados foi realizada no verão de 2006, no município de Agudo, parte da antiga Colônia Santo Ângelo. Os dados foram coletados mediante entrevistas não padronizadas realizadas com vinte produtores, a título de informantes qualificados, todos descendentes de imigrantes germânicos com mais de 50 anos de idade.

O artigo está estruturado em duas partes: a primeira trata da formação e do desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo até sua fragmentação e formação dos atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca e Cachoeira do Sul; e a segunda parte trata propriamente da análise do processo de desenvolvimento da colônia, à luz da noção de capital social.

Formação e desenvolvimento da Colônia Santo ÂngeloEm novembro de 1857 desembarcaram na margem esquerda do rio Ja-cuí, em Cerro Chato, atual município de Agudo, os primeiros imigrantes germânicos, pioneiros da Colônia Santo Ângelo na região central do RS.

Os mais antigos diziam que, de primeiro, tudo era muito difícil, que foram abandonados nesta terra. [...] Aqui era tudo mato, e que com bastante dificuldade e com união e trabalho foi se abrindo picada tudo a facão. Até as mulheres e as crianças ajudavam. (V. W., agricultor aposentado, 71 anos)

A ocupação da colônia na segunda metade do século XIX, segundo Mello (2006), pode ser dividida em duas fases: a primeira, que comporta um 3 Putnam (1996) cita exemplos que vão desde uma aldeia Ibo na Nigéria até os fundos rotativos animados

por certas organizações internacionais de desenvolvimento (passando pelas regiões “cívicas” do Norte da Itália, para cujo funcionamento virtuoso está voltado seu livro). No Brasil, a respeito, citam-se os trabalhos de Abramovay (2000); Boschi (1999); Mayorga; Tabosa (2006), entre outros.

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boom inicial de ocupação com ritmo posterior decrescente; e a segunda, em que se acelera esse ritmo, como se pode observar na Tabela 1. A pri-meira fase engloba os quatro primeiros quinquênios, os quais apresentam ritmo de ocupação decrescente. Após a rápida ocupação das primeiras linhas mais próximas das vias de transporte (linhas do Rio, Morro Pela-do e Teutônia), que abarcaram 6 mil hectares no primeiro quinquênio (1857 a 1861), houve um decréscimo sucessivo das ocupações para as áreas mais distantes das vias de transporte. Em uma segunda fase, a partir do quinto quinquênio (1877 a 1881), ocorre uma aceleração da ocupação da fronteira agrícola em direção ao nordeste da colônia, em área equivalente ao boom da primeira fase. O crescimento populacional nas quatro primeiras décadas da colônia atingiu uma taxa média de 5,5% ao ano, dois pontos percentuais acima da taxa para o Rio Grande do Sul no último quartel do século XIX (MELLO, 2006).

Tabela 1 – Evolução da área ocupada, da população e da densidade demográfica na Colônia Santo Ângelo, 1859-1886

Ano Área (hectares) População (habitantes)

Densidade demográfica

(hab/ha)

Taxa de crescimento anual estimada (%)

Área População1858 2.829 241 0,085 - -1860 5.823 825 0,142 43,5 85,01869 12.598 1.269 0,101 9,0 4,91874 13.994 1.862 0,133 2,1 8,01886 23.775 3.820 0,161 4,5 6,21890 24.590 4.674 0,190 0,8 5,21900 24.832 6.908 0,278 0,1 4,0

Fonte: Dados básicos em Werlang (1995, 2002); Mello (2006). Obs.: Crescimento anual estimado entre os períodos expostos na tabela.

Mesmo vivendo em condições precárias e adversas ao desenvolvimento, utilizando a força de trabalho familiar, os colonos transformaram o pano-rama da região, considerada improdutiva e indesejada pelos pecuaristas por serem áreas pantanosas, alagadiças e montanhosas, de difícil acesso. Ao enfrentarem estes problemas, os imigrantes consagraram a produção de várias culturas, tornando o seu território uma área benquista aos olhos rigorosos da província.

Os primeiros anos foram marcados pela preocupação – devido à expe-riência da escassez vivenciada na Europa – em garantir a produção de alimentos para o próprio consumo (FROEHLICH; DIESEL, 2004). No ano de 1858, os agricultores da Colônia Santo Ângelo cultivaram 7,73% da área plantada de feijão preto, 14,95% de milho e 77,32% de batata

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inglesa, sendo esta predominante ao passar um ano da chegada dos primeiros imigrantes (Tabela 2).

Tabela 2: Descrição da produção agrícola da Colônia Santo Ângelo (computado somente o que foi vendido em outros centros)

nos anos de 1859 e 1866Cultura 1859 1866Milho 6.304 sacas 2.701 sacasTrigo 8 sacas 13 sacasFeijão 479 sacas 1.511 sacasBatata 70 sacas 338 sacasArroz 42 sacas 221 sacasFumo 1.140kg 3.765kg

Fonte: Froehlich; Diesel (2004).

É importante analisar que a produção agrícola na Colônia Santo Ângelo aumentou significativamente no decorrer dos anos. As primeiras safras eram destinadas ao consumo interno. Já em 1866, nota-se um aumento da produção para o mercado externo, fator este que situou a colônia como um dos expoentes da economia regional da época. A exportação só não foi válida totalmente para a cultura do milho, já que as condições das estradas para o tráfego das carretas de boi que transportavam o grão eram precárias, tornando elevados os custos dos fretes e, aliado a isso, a grande rentabilidade em utilizar o milho na forma de forragem e ração para o engorde de porcos. Assim, a criação de suínos propiciou a pro-dução de banha, o chamado “ouro branco”, um dos primeiros produtos comercializados pelos colonos (FLORES, 2004).

O transporte era na base de carreta de boi, e também tinha as balsas que cruzavam o rio Jacuí, mas a balsa não era muito usada, mais eram as carretas de boi que cortavam os campos. O transporte era ruim e tinha um preço alto para fazer o transporte da produção. (P. T. P., agricultor, 52 anos)

O milho era mais usado na alimentação dos porcos do que no comércio, na forma de grão, porque tinha mais retorno financeiro engordar o porco e fazer a banha, porque a banha de porco custava naquela época três vezes mais que o quilo de carne. (H. S., arrozeiro, 69 anos)

A criação de porcos constituiu-se numa das primeiras atividades de ren-dimento financeiro para os colonos. A evolução do número de porcos por estabelecimento da colônia pode ser visualizada na Tabela 3.

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Tabela 3 – Número de porcos por estabelecimento na Colônia Santo Ângelo (1858 a 1864)

Ano 1858 1860 1862 1864Porcos/estabelecimento 2,6 6,6 22,8 33,5Fonte: Froehlich; Diesel (2004).

A Colônia Santo Ângelo despontou como primeira produtora de arroz irrigado da província do RS. Inicialmente a produção do arroz se dava de forma precária, mas, a partir da segunda década do século XX, pas-saram a ser utilizadas máquinas a vapor (Dampfbetrieb) e bombas para irrigação nas várzeas do rio Jacuí, além de trilhadeiras e descascadores (Reischalmaschine) importados da Alemanha (WERLANG, 2002). A produção de arroz ampliou o rendimento financeiro dos proprietários das lavouras, das casas de comércio, dos transportadores, dos moinhos e entre as pequenas manufaturas (como a fundição de Gerdau).4 O relativo desenvolvimento já se evidenciava em 1878, quando a Colônia Santo Ângelo constituía-se no maior exportador de arroz de toda a Província.

Eles plantavam arroz medindo a quantidade em um dedal, e colocando num buraco aberto com a enxada (covas).

– E como funcionava o sistema de irrigação?

Ah, inicialmente era realizado com água desviada de sangas e arroios, alguns aproveitavam águas de vertentes. Só em 1925 e 1927 foram instaladas as máquinas a vapor ou locomóvel, onde se colocava a lenha que fazia o vapor, movimentando o pistão que puxava a água.

– E a colheita, como era feita?

Primitivamente predominava o corte manual, a foice ou o facão e mais adiante trilha com trilhadeiras. (I. G., engenheiro agrônomo, 66 anos)

Da introdução da agricultura ao surgimento da agroindústria foi um processo relativamente rápido. Surgida da necessidade de subsistência após as primeiras safras, a agroindústria teve a importante capacidade de agregar valor aos produtos e consequentemente capitalizar a economia 4 O Grupo Gerdau atualmente é uma das maiores multinacionais de capital doméstico, com atuação concen-

trada no setor siderúrgico. Seu acelerado crescimento no pós-1980 o colocou entre os 15 maiores grupos siderúrgicos mundiais, estando cotado para ser um dos dez maiores quando terminar a era de consolidação da indústria siderúrgica mundial. Na indústria, o Grupo Gerdau iniciou suas atividades em 1901; no entanto, a acumulação primitiva de capital originou-se três décadas antes, enquanto capital comercial em região de fronteira agrícola no Rio Grande do Sul, iniciado pela imigração alemã na Colônia Santo Ângelo (MELLO, 2006).

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da colônia. Em 1858, a cevada era utilizada, basicamente, para a pro-dução de cerveja, em modestas fabriquetas, pelos próprios imigrantes. Da cana-de-açúcar provinha, além do açúcar bruto (mascavo), o melaço e a aguardente. Os colonos também cultivavam plantas oleaginosas e têxteis, sendo que o linho e o algodão foram amplamente trabalhados pelas rodas de fiar, em suas próprias casas, onde confeccionavam panos e logo após os revestiam e pintavam.

Vale destacar que grande parte dos imigrantes, como pode ser visualiza-do na Tabela 4, eram oriundos de centros urbanos, onde não exerciam atividades agrícolas em sua pátria de origem, mas dedicavam-se às mais diversas profissões, desde soldados, artistas e professores, até engenhei-ros, carpinteiros e agrimensores. Todas estas habilidades profissionais ti-veram de adequar-se às intenções do governo provincial, o qual almejava o desenvolvimento e crescimento da produtividade agrícola. A colônia foi então nivelada numa única classe, a de agricultores, que, com um lote de terras, passaram a produzir, utilizando-se da exploração da mão de obra familiar (WERLANG, 1995). Pois, como lembrado, a principal condição para a posse do lote colonial era nele residir e também cultivá-lo pelo prazo mínimo de dois anos (ROCHE, 1969).

Meu avô veio para o Brasil em 1885. Na Alemanha ele possuía o ofício de marceneiro e inspetor de madeiras, mas chegando aqui, ele teve de se dedicar a atividades agrícolas, pelo menos nos primeiros anos. [...] Ele, junto com a família, plantou fumo de galpão secado em paióis, mandioca, milho e batata. (A. J. D., professor aposentado, 81 anos)

Tabela 4 – Profissão e opção religiosa dos imigrantes da Colônia Santo Ângelo entre 1857 e 1900

Profissão Imigrantes Protestantes Católicos Agricultor/ lavrador 14 10 4Agrimensor/ eng. agrônomo 2 1 1Alfaiate 2 2 0Brummer* 9 9 0Carpinteiro 6 5 1Comerciante 3 3 0Construtor de pontes 1 0 1Coveiro 1 1 0Engenheiro 1 0 1Escrivão civil 1 1 0Ferreiro 4 3 1Fotógrafo 1 1 0Jardineiro 1 1 0

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Profissão Imigrantes Protestantes Católicos Lapidário 1 1 0Marceneiro 5 5 0Médico e pintor 1 1 0Militar alemão 1 0 1Moleiro 2 2 0Músico 2 2 0Oleiro 1 1 0Pedreiro 1 1 0Professor 2 2 0Retratista 1 1 0Sapateiro 4 3 1Tecelão 5 5 0Torneiro 2 2 0Técnico instalação de moinhos 1 1 0Tipógrafo 1** - -Vidraceiro 1 1 0Total 77 66 11Fonte: Werlang (1995). * Militar mercenário. ** Judeu.

A colonização trouxe, além de novos profissionais para o meio rural, novos padrões culturais que também influenciaram a dinamização da economia da região. Em termos religiosos, foi introduzida uma grande novidade, o luteranismo, tendo em vista que a maioria dos imigrantes da Colônia Santo Ângelo era protestante (conforme indicado na Tabela 4). No ano de 1862, segundo Werlang (1995), foi realizado o primeiro culto, pelo pastor Erdmann Wolfram, no moinho de Augusto Pötter. Quando não havia pastor, os próprios colonos presidiam cultos, batismos, casamentos e enterros.

Manter a fé luterana era uma questão de manter a sua confissionalidade. Os imigrantes não tinham a intenção de converter os católicos para a sua confissionalidade.

– O que o senhor diria sobre a instauração do luteranismo na região?

É difícil isolar a religiosidade dos demais setores da vida, como é o caso da colonização, do trabalho; a confissionalidade luterana trazia no bojo a mentalidade do trabalho; o luteranismo veio, então, para incentivar o desenvolvimento regional como apoio à força de trabalho. (E. H., Pastor da IECLB, 60 anos)

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O ensino era ministrado em alemão até a Segunda Guerra Mundial (quando então foi proibido pelo governo central brasileiro na Campanha de Nacionalização) e não passava de uma instrução primária, ministrada pelo pastor ou professores homens, que incentivavam o germanismo, a cultura da pátria de origem e, ainda, disponibilizavam orientações conjugais aos colonos.

A cultura alemã era muito incentivada na escola, através de festas; nas festas eram feitos teatros em alemão. [...] A Bíblia era uma forma de incentivo ao cultivo do germanismo na colônia, pois eram lidos textos da Bíblia todos os dias aos alunos, sempre em alemão. (A. J. D., professor aposentado, 81 anos)

As associações (de variadas finalidades como canto, dança, bolão, tiro ao alvo, damas, entre outras), que eram praticadas como forma de recreação e integração social, também foram um legado marcante na criação das estruturas sociais coloniais.

Havia muito incentivo nas sociedades e associações. As mais tradicionais eram as de dança, de bolão, de tiro ao alvo e sociedade de damas. Ainda tinham as schützenverein, que mantinham o tiro ao alvo com espingardas mais potentes, que terminaram, foram proibidas com o advento da Segunda Guerra Mundial, por serem consideradas ofensivas à pátria. (A J. D., professor aposentado, 81 anos)

Tinha muito rigor nos bailes e festas, onde a bebida principal nas festas populares era a schnaps (cachaça), mas também tinha chopp. Nos casa-mentos a bebida tradicional era o vinho. (E. T., técnico agrícola, 55 anos)

Assim, as associações contribuíram para desenvolver atividades culturais, originando as sociedades de jogos, canto e dança, que serviam ao “en-trosamento” social dos colonos, assim como para manter ativa a cultura germânica. Este sentimento de cooperação transcendia os limites destas associações, reportando-se, em momentos de necessidade, bastante fre-quentes à ajuda mútua nas atividades agrícolas, como nos momentos de colheitas, por exemplo. Isso estreitava os laços de amizade e confiança, firmando a relação entre cultura e atividades rurais. No início do século XX estas pequenas experiências de associações diversas deram origem a um complexo sistema de Uniões Coloniais organizado em todo Estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo de preservar a cultura germânica e de promover o desenvolvimento econômico das colônias (SCHAL-LENBERGER, 2001).

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Ainda um elemento de destaque na trajetória da colônia foi o desenvolvi-mento do comércio. Para Mello (2006), o desenvolvimento mercantil da colônia foi lento em seu início, uma vez que a capacidade de escoamento da produção era limitada. O centro regional de vendas dos produtos agrícolas era Cachoeira do Sul, cerca de 70 quilômetros a sudeste da colônia, e que era atingido pelos modais terrestre e fluvial. A estrada era precária em virtude da quantidade de rios a serem atravessados e que não permitiam a passagem a vau, exigindo a construção e reforma de pontes, que muitas vezes o governo não executava.

Os meios de transporte parecem ter-se desenvolvido desde então (1867), pois a fronteira se expandiu e, com ela, a produção e exportação de produtos agrícolas. Com os dados disponíveis, pode-se supor a pas-sagem, nessa época, de uma economia de subsistência para outra, de exportação de excedentes, pois, conforme os dados da Tabela 5, já na terceira década de existência da Colônia Santo Ângelo, os valores das exportações e importações reais foram dez vezes superiores àqueles do final da primeira década, a renda per capita com as exportações cresceu três vezes e a produtividade da área ocupada, cinco vezes.

A análise dos dados esparsos permite inferir que a colônia experimentou uma dinâmica virtuosa, pois o ritmo de crescimento de suas exporta-ções foi superior ao do conjunto das colônias. Segundo Mello (2006), enquanto em 1859 as exportações da Colônia Santo Ângelo equivaliam a 0,3% do valor de exportação agrícola do Rio Grande do Sul, já em 1867 respondiam por 1% e, vinte anos mais tarde, alargariam sua par-ticipação para 17% .

Tabela 5 – Evolução dos valores reais de exportação, de importação, do saldo comercial, da renda real per capita

de exportações e do valor real da produtividade por área ocupada na Colônia Santo Ângelo,

1859-1887 (em valores de 1887)

AnosValor real das exportações (em mil-réis)

Valor real das importações (em mil-réis)

Saldo comercial(em mil-

réis)

Renda real per

capita de exportação (em réis)

Gasto real per

capita com importações

(em réis)

Valor real da produtividade

da área ocupada

(em réis)*1859 10.016 n.d. 10.016 22$462 n.d. 1$8141867 18.584 14.207 4.377 16$115 12$320 1$6681887 198.700 135.500 63.200 49$457 33$726 8$153

Fonte: Werlang (1995, 2002); Mello (2006).* O valor real da produtividade é a razão entre o valor real das exportações e a área ocupada na colônia.n. d. = dados não disponíveis.

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O crescimento do valor da renda per capita de exportação permitiu maior interação da população com o mercado, alterando seu padrão de deman-da, que incorporou ao consumo baseado na autossuficiência (feijão preto com abóboras, mandioca, batata-doce assada ou cozida em molho azedo, espigas de milho cozidas ou assadas, broa de milho cozida) a demanda de vários tecidos importados, de açúcar, sal e cachaça, mais alguns insumos, como soda e prego (MELLO, 2006). O aumento da produtividade por hectare indica maior dedicação à produção de exportação, bem como a introdução de inovações tecnológicas.

O crescimento do volume de comércio em dez vezes no período 1867-1887 permitiu o surgimento de pequenas vendas dispersas entre as linhas abertas pela expansão da fronteira agrícola, pequenas manufaturas, como oficina de carroças, ferrarias e moinhos (WERLANG, 1995). Como a economia no âmbito colonial não era monetarizada, mas de moeda es-critural, o saldo comercial positivo indicava a geração de capital de giro em mãos dos comerciantes, que lhes permitia aumentar e diversificar estoques, bem como realizar empréstimos.

Deve-se destacar também que, em 1882, a Colônia Santo Ângelo teve abolida a sua autonomia administrativa e foi incorporada como distrito à administração do município de Cachoeira do Sul. Enquanto, sob o regime anterior, a colônia era isenta de tributação na circulação de mercadorias, como distrito passa a recolher tributos para a sede do município. Nesse período, então, acaba o regime especial de colonização patrocinado pelo governo provincial, sob o qual eram concedidos isenção de impostos, pagamento para instalação nos lotes coloniais e subsídios em dinheiro para a manutenção do colono até esse conseguir ser autossuficiente (WERLANG, 2002).

Capital social, organização e desenvolvimento colonialComo apontado na seção anterior, o próprio processo de formação da colônia com elementos humanos que compartilhavam elementos cultu-rais comuns (germanidade e luteranismo) e com diversas habilidades socioprofissionais parece indicar que a Colônia Santo Ângelo contou com formação diferenciada em relação a outras colônias instaladas ape-nas com agricultores ou com cristãos católicos. Especula-se, portanto, se esta formação diferenciada foi fator determinante no desenvolvimento socioeconômico da colônia. Neste sentido, a noção de capital social pode ser uma ferramenta útil à análise dos processos de desenvolvimento

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das colônias de imigrantes europeus no Sul do Brasil, como a Colônia Santo Ângelo.

A noção de capital social, apesar de não ser nova nas ciências sociais, resgata com propriedade uma discussão que esteve presente em algumas obras clássicas fundadoras.5 A primeira análise sistemática contemporâ-nea do capital social foi produzida por Pierre Bourdieu, que definiu o conceito como “o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (BOURDIEU, 1980, p. 2). O tratamento que Bourdieu dá ao conceito é de índole instrumental, centrando-se nos benefícios angariados pelos indivíduos por participarem de grupos e na construção deliberada de sociabilidades, tendo em vista a criação de capital social.

Para Portes (2000, p. 134) a originalidade e o poder heurístico da noção de capital social provêm de duas fontes: a primeira “incide sobre as conse-quências positivas da sociabilidade, pondo de lado as suas características menos atrativas”; e a segunda “enquadra estas consequências positivas numa discussão mais ampla acerca do capital, chamando atenção para o facto de que as formas não monetárias podem ser fontes importantes de poder e influência”.

A noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem in-dependentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de maneira isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta. Neste sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor. Na perspectiva de Putnam, capital social diz respeito a “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (apud ABRA-MOVAY, 2000, p. 2). Segundo Coleman (1990, p. 302), capital social é uma “variedade de diferentes entidades que possuem duas caracterís-ticas em comum: consistem em algum aspecto de uma estrutura social e facilitam algumas ações dos indivíduos que estão no interior desta estrutura”. O capital social, neste sentido, é produtivo, já que ele torna possível alcançarem-se objetivos que não seriam atingidos na sua ausên-cia. Quando, por exemplo, os imigrantes formaram associações variadas para manterem costumes germânicos e criaram certa organização social comunitária e de ajuda mútua, criaram ou acionaram também relações 5 Alguns autores – como Portes (2000) – destacam que Durkheim e Marx já tratavam de noções com sentido

bastante próximos. Na obra de Durkheim a vida em grupo serve como antídoto para a anomia e a autodes-truição. Já em Marx, ocorre a distinção entre uma “classe em si”, atomizada, e uma “classe para si”, mobilizada e eficaz (PORTES, 2000).

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de cooperação e confiança que podem ser entendidas como geradoras de capital social fundante da base do desenvolvimento da colônia.

Desta forma, segundo a perspectiva de Putnam e de Coleman, o capital social é um conjunto de recursos (boa parte dos quais simbólicos), de cuja apropriação depende em grande parte o destino de certa comunidade. Neste sentido o capital social, na obra de Putnam e na de Coleman, está próximo ao uso precursor que Bourdieu faz desta noção. Para Bourdieu, o capital social é definido como um conjunto de “recursos e de poderes efetivamente utilizáveis” (BOURDIEU, 1979, p. 128), cuja distribuição social é necessariamente desigual e dependente da capacidade de apro-priação de diferentes grupos. Embora Putnam não enfatize esta desigual-dade, a acumulação de capital social é um processo de aquisição de poder (empowerment) e até de mudança na correlação de forças no plano local.

Tanto Coleman como Bourdieu sublinham a intangibilidade do capital social em comparação com outras formas. Enquanto o capital econômi-co se encontra nas contas bancárias e o capital humano na cabeça das pessoas, o capital social reside nas estruturas das suas relações. Para possuir capital social, um indivíduo precisa se relacionar com outros, e são estes – não o próprio – a verdadeira fonte dos seus benefícios. Assim, o capital social corresponde a recursos cujo uso abre caminho para o estabelecimento de novas relações entre os habitantes de uma determi-nada região. Em outras palavras, “capital social é diferente de outros tipos de capital humano, pois é transmitido por mecanismos culturais, tais como: religião, tradição, hábito histórico, costume e sobrevivência” (BAQUERO, 2003, p. 29). Alguns destes elementos, sem dúvida, foram mobilizados no processo de desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo.

A organização comunitária dos imigrantes, a busca da preservação do germanismo, a instalação da Igreja Luterana, com certeza, foram fato-res que contribuíram para a superação das condições adversas iniciais e para estruturação de uma organização social relativamente sólida. Os excedentes de produção logo geraram a necessidade de organização de uma rede de agroindustrialização e de comércio; e estruturados estes setores econômicos, a colônia dinamizou-se e tornou-se um centro de desenvolvimento na região.

O protestantismo luterano professado pela grande maioria dos imi-grantes germânicos que se instalaram na Colônia Santo Ângelo foi um elemento religioso que alicerçou as bases culturais e as trocas sociais do grupo de colonos. Pode-se afirmar que compôs o capital social deste grupo na medida em que reforçou os laços de sociabilidade, pois esta-vam em terra estrangeira, inóspita, cuja língua e a própria fé não eram

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compartilhadas pelos demais grupos sociais residentes no entorno da colônia. Assim, o grupo de colonos intensificava suas relações muito mais internamente do que se voltando para a relação com outros grupos étni-cos. Cabe observar, ainda neste sentido, que o protestantismo luterano trazia em sua profissão de fé e visão de mundo uma ética do trabalho e de valorização da poupança (WEBER, 1992). E que tais valores podem ter sido propulsores poderosos na geração de riquezas e investimentos que dinamizaram a economia e a vida da colônia como um todo, em suas décadas iniciais.

Outro fator importante a destacar no processo de colonização alemã no Rio Grande do Sul, e portanto também na Colônia Santo Ângelo, deve-se à comunicação permanente por meio de cartas que os colonos mantiveram com seus parentes e conhecidos que ficaram na Alemanha. Esta comunicação, embora bastante morosa devido às condições da épo-ca, além de servir como elemento de manutenção de contato familiar e com a pátria-mãe, ainda servia como um instrumento de atualização cultural e tecnológica. Através das trocas de correspondências, em meio aos assuntos pessoais e familiares, também eram relatadas novidades sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que estavam tendo lugar na Europa. Novos produtos ou instrumentos de trabalho, por exemplo, po-diam ser mais rapidamente conhecidos pelos imigrantes nestes contatos com os seus que haviam ficado na pátria-mãe, inclusive podiam mandar buscar, recebiam ou tentavam mesmo replicar tais avanços nas paragens da própria colônia. Tal rede de relações, sem dúvida, constituiu-se em capital social diferenciado que possibilitou e resultou em maior dina-mismo socioeconômico.

Esta rede de relações que foi estabelecida e mantida, mediante tais trocas de correspondências, entre a comunidade de colonos assentados na região central do RS e seus compatriotas na Alemanha, inclusive, reveste-se de particular importância no que toca às considerações sobre a noção de capital social. Para muitos autores, o capital social é produzido (acumulado e reproduzido) sempre em um local, ou seja, mediante a vivência histórica de um dado agrupamento humano em um território delimitado. Esta vivência por parte de um dado coletivo humano necessi-taria ser sempre sedimentada histórica e localmente. Redes abertas, que não se constituem como sujeitos, não fornecem evidências suficientes de serem usinas de capital social. Ou seja, redes não localizadas não seriam produtoras de capital social. No caso da Colônia Santo Ângelo, entre-tanto, ao se constituir em comunidade de recém-imigrados e enquanto grupo social localizado, pode-se dizer que suas vivências comuns eram de

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curto prazo, não apresentando sedimentação histórica nas suas relações enquanto comunidade, nem mesmo com o próprio território em que foram assentados. No entanto, não se pode negar que o sentimento de germanidade expresso na língua e, talvez principalmente, na religião, acionou rapidamente os vínculos sociais que permitiram que constituís-sem redes de relações intragrupais fortalecidas; e, a partir destas redes, rapidamente reconstituíram redes de relações com familiares e conhe-cidos na Europa. Assim, o caso da Colônia Santo Ângelo parece indicar que a vivência com sedimentação histórica e localizada não é sempre tão fundamental na produção de capital social.

Considerações finaisO presente trabalho objetivou levantar aspectos históricos da colonização alemã na região central do RS, particularmente na Colônia Santo Ângelo, que foram fatores importantes para a sua consolidação e contribuição ao desenvolvimento regional. A chegada destes imigrantes alemães em 1857, por motivos múltiplos, trouxe inovações à paisagem agrária da região central do Rio Grande do Sul, onde, anteriormente, predomi-nava a pecuária extensiva. No contexto de se indagar sobre os fatores que possibilitaram o desenvolvimento das colônias alemãs em regiões desprezadas pelos primeiros colonizadores (portugueses), o processo de desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo apresenta alguns indicativos interessantes, sobretudo se olhados desde a perspectiva da noção de capital social.

O estabelecimento dos colonos germânicos propiciou, de um lado, a im-plantação de novas culturas agrícolas, técnicas diferenciadas de manejo de solo e plantas; de outro, o nascimento de um formato de organização comunitária e de agricultura de base familiar até então não muito conhe-cidos nesta região. Tais inovações trazidas pelos imigrantes germânicos logo acarretaram mudanças na economia e na vida cultural da região central gaúcha, gerando certo dinamismo econômico e fortalecimento da organização social, o que tornou possível o desenvolvimento da colônia e sua integração na economia do Estado.

Por outro lado, os imigrantes alemães, ao contrário do que almejavam as autoridades da época, não se constituíam somente em agricultores. Existiam dentre os imigrantes várias profissões, desde carpinteiros, marceneiros e ferreiros até comerciantes, professores e artistas. Estes diferentes profissionais vinham para a América com o propósito de melhorarem de vida e, apesar de terem sido obrigados a se dedicar

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inicialmente a atividades agrícolas, muitos logo passaram a desenvolver outras atividades nas colônias ou nas cidades próximas. Com o desen-volvimento da produção agrícola das colônias, novas oportunidades se abriam para comerciantes, artistas, professores, entre outros profissionais, transformando as colônias e as cidades fundadas pelos alemães em polos dinâmicos de desenvolvimento. Ressalta-se, portanto, neste processo, a origem diversificada de muitos imigrantes, oriundos de centros urbanos e com habilidades técnicas e culturais amplas. Tal aspecto favoreceu o de-senvolvimento tecnológico e o estabelecimento de redes de sociabilidade, tanto na própria Colônia quanto com a pátria de origem, constituindo desde logo capital social favorável ao desenvolvimento regional.

Destaca-se, ainda, como elemento catalisador do capital social na referida colônia, a presença e o culto do protestantismo luterano e a sua carga cultural diferenciada em um meio de catolicismo predominante. A profissão de fé do luteranismo dos colonos imigrantes trouxe uma visão de mundo em que desempenhavam papéis centrais a ética do trabalho e a valorização da poupança, elementos que podem ter sido poderosos no impulso para a geração de riquezas e investimentos, dizimando a economia e a vida da colônia como um todo.

AbstractThe present work had the aim to search for historical aspects of the German colonizing in the central area of Rio Grande do Sul which were important for the consolidation of the state and contributed to the development of the region. The data was obtained through bibliographic and documental research and from oral narratives and non-standardized interviews with twenty rural producers of German descent. It was verified that the changes conducted by the German colonizers in the rural area and in agriculture after they settled downin the central area of Rio Grande do Sul resulted in a fast economic consolidation and brought up´new social conditions which responded to the intentions of the government at the time, as well as their own aspirations. As the agriculture at the colonial period was very dinamic soon appeared the agronomic industries and the associations of rural producers. On the other hand, the social and religious beliefs of the colonizers were disseminated in he society, contributing to the consolidation of the German colonizing in the central area of Rio Grande do Sul. The religious faith based on the protestantism of Luthero and the diversified origin of many of the immigrants stand out in this process. Many of them came from urban centers and had wide technical and cultural habilities and this contributed to the technological development of the area and helped to establish social nets which worked as social capital and favoured the development of the region.

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Keywords: german colonizing; social capital; development of the territory.

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RESENHAS

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* Antropóloga, pesquisadora do LeMetro/IFCS-UFRJ e Clersé/Université Lille.

Soraya Silveira Simões*

PÉTONNET, Colette. L’observation flottante: l’exemple d’un cimetièreparisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r), pp.37-47

Observação flutuante: uma observação “desendereçada”

(comentários a respeito da obra de Colette Pétonnet, especialmente ao método de trabalho de campo)

A oposição cidade-campo foi durante um longo perío-do objeto rigorosamente examinado pela sociologia e antropologia, vindo estabelecer-se no campo acadêmico especialmente através dos estudos realizados em Chicago a partir dos anos 1930.1 Devido ao vertiginoso crescimen-to das cidades e aos fluxos migratórios que lhes davam cor e forma, a dicotomia rural-urbano tornou-se, assim, um objeto de tal modo prestigiado que só muito recente-mente, a partir dos anos 1960,2 iniciou-se toda uma série de críticas das oposições cujos modelos se fundavam em paroxismos de “cidade” e “campo” e segundo olhares não imunes a certo etnocentrismo.3

O argumento da antropóloga Colette Pétonnet, que ora temos a oportunidade de traduzir para o português, não é indiferente a esse debate. Contudo, Pétonnet propõe observarmos antes um método que um objeto. E aí reside a originalidade de sua contribuição para uma etnologia propriamente urbana.1 A esse respeito, cf. em especial os trabalhos originais de Robert Redfield (1930 e

1947) e de Louis Wirth (1938).2 Gidéon Sjoberg, em The Preindustrial City (1960), apresenta neste livro uma crítica

explícita a algumas das hipóteses levantadas por Louis Wirth em Urbanism as way of life (1938), embora muitos outros, antes e depois da publicação do livro de Sjoberg, tenham participado desse debate. A esse respeito, ver HANNERZ (1980), especial-mente o capítulo 3 e, ainda mais precisamente, os autores citados na nota 3 deste capítulo.

3 HANNERZ desenvolve esse tópico no livro Exploring the City (1980).

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Publicado no ano de 1982 em uma edição da revista L’Homme4 consagrada à antropologia urbana, logo após o simpósio organizado pela Association Française des Anthropologues (AFA) realizado em Sèvre, no ano anterior, o artigo L’observation flottante – l’exemple d’un cimetière parisien, de Colette Pétonnet, abriria “novas vias”, segundo palavras de Jacques Gutwirth, em um momento em que antropólogos franceses recusavam e excluíam veementemente da disciplina o campo da pesquisa urbana.5

Seu primeiro livro, Ces gens-là,6 publicado em 1968, é um estudo realiza-do em uma cité de transit dos arredores de Paris.7 Trata-se de um marco fundador da antropologia urbana francesa, prefaciado por Roger Bas-tide. E talvez uma boa introdução ao estilo de pesquisa pouco ortodoxa orientada por André Leroi-Gouhan,8 professor de Colette Pétonnet e de toda uma geração de etnólogos franceses que enveredaram pela chamada pesquisa urbana.

Se um endereço – uma residência, um estabelecimento comercial ou mesmo um cemitério – é um indicativo de que estamos em uma cidade, evoca, igualmente, o comportamento adequado, uma vez se estando lá. Afinal, não se vai a uma igreja em trajes sumários e tampouco a uma praia em hábitos cerimoniais – pelo menos em princípio.

A observação flottante, ao se deixar flutuar – ou, dito de outro modo, ao se mostrar desatenta ao conhecimento apriorístico –, se deixa conduzir pelo inesperado, pelo modo como as pessoas se apresentam num dado momento e determinado lugar da cidade – em um dado endereço, portanto –, cuja destinação de uso pode parecer insuspeitada.4 L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r), p. 37-47.5 Em nossa correspondência para a finalização da presente tradução do artigo, mme. PÉTONNET escreve a

propósito do interesse em publicá-lo no Brasil: “[...] il fallait attendre les jeunes générations, car mes contemporains n’estimaient pas que mes travaux fussent de l’anthropologie, et des jeunes d’alors n’ont pas osé me suivre” (correspondência pessoal, 16 de junho de 2007). A esse respeito, ver também o testemunho de GUTWIRTH no artigo Science et Amitié: parametres inseparables, in Paroles offertes à Colette Pétonnet à l’ocasion de son départ à la retraite, DAPHY (org.), 1996.

6 Paris, Maspero, 1968.7 As cites de transit eram conjuntos residenciais concebidos por Abbé Pierre, nos anos 1950, para alojar mora-

dores das bidonvilles francesas. No Brasil, iniciativa similar foi a de Dom Helder Câmara, na mesma época, através da Cruzada São Sebastião. A esse respeito, ver SIMÕES, 2008.

8 André Leroi-Gouhan (1911-1986) fundou o Centre de Formation à la Recherche Ethnologique (CFRE), do Musée de l’Homme, em 1947, um ano após assumir o posto de vice-diretor do museu. Durante alguns anos, o CFRE foi o único centro de formação na França para o exercício do métier de etnólogo. Aluno de Marcel Granet e de Marcel Mauss, que dirigiu sua tese Archeologie du Pacific Nord, Leroi-Gouhan desde muito cedo se interessou pela evolução técnica e pela circulação dos objetos entre as mais variadas sociedades. Foi professor de arqueologia na Université de Lyon e titular da cadeira de Etnologia da Sorbonne. Publicou, entre outros trabalhos, La civilisation du Renne (1938), L’Homme et la matière (1943, v. 1, e 1945, v. 2) e Le Geste et la Parole (1964, v. 1, e 1965, v. 2).

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Descobrimos, na companhia de Colette Pétonnet, os usos que habitantes de Paris fazem do cemitério do Père-Lachaise e percebemos, através des-se tipo de observação “sem endereço”, os múltiplos significados que os citadinos dão aos mais variados lugares da cidade e ao espaço de tempo em que suas vidas neles transcorrem.9

Deixando momentaneamente de lado as proposições distribuídas no es-paço urbano pelo planejamento oficial, nos encontramos com a dimensão cotidiana, mais íntima e individual que constitui os mapas cognitivos, os “planos” do citadino ele mesmo.

O método da observação participante, por muitos atribuído a Malinowski, mas efetivamente trazido à luz por Foote-Whyte, pressupõe um partilhar algo, um fazer junto ou um fazer com – em síntese, participar reserva para o observador algum tipo de constrangimento, na medida em que a ideia de participar revela um modo de fazer, um sentido para a ação, uma direção para o ato. Consequentemente, neste caso, devemos dar conta de uma submissão, ainda que sutil, a um tempo: ao tempo do outro, ao tempo de um fazer. Se observar pode ser um gesto solitário, participar exige um savoir-faire compartilhado.

A observação flutuante, por sua vez, exige do observador um grau con-siderável de disponibilidade para, em um encontro fortuito, sem hora marcada, identificar o início de uma viagem. Uma viagem muito parti-cular ao sentido que o outro dá àquilo que ali veio fazer. A observação flutuante, por princípio, termina onde começa a observação participante. Ela não tem endereço, ela não se destina, ela não conhece, nem partilha nada antecipadamente. É um tipo de observação “desendereçada” – mas não desinteressada – e, portanto, capaz de captar a expressão mais etérea do que é o urbano.

Livros publicados por Colette Pétonnet1968 – Ces gens-là, Paris, Maspéro, 253 p. [prefácio Roger Bastide].

1972 – L’intégration des Harkis de Vanvey et de Baigneux-les-Juifs (Côte d’Or) à la société française. Paris: Institut d’ethnologie (Archives et documents), 9 Freud, já em 1912, recomenda a técnica da atenção flutuante aos que exercem a psicanálise. Esta consiste “numa

suspensão tão completa quanto possível de tudo aquilo que a atenção habitualmente focaliza: tendências pessoais, preconceitos, pressupostos teóricos”, de maneira que o psicanalista não privilegie a priori qualquer elemento do discurso do paciente, “o que implica que deixe funcionar o mais livremente possível a sua própria atividade inconsciente e suspenda as motivações que dirigem habitualmente a atenção” (Cf. LAPLANCHE e PONTALIS, 1998: 40). Segundo essa definição, a recomendação técnica para uma atenção flutuante “constitui o correspondente da regra da associação livre proposta ao analisando”. Agradeço aos antropólogos Letícia de Luna Freire e Marco Antonio da Silva Mello por essa lembrança e esclarecimento.

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microfiches 60 p. [micro-édition de 1968, mimeo, realizada no âmbito da cooperação dirigida por M. RAULIN].

1973 – Those People. The Subculture of a Housing Project. Westport Con-neticut: Greenwood Press (Contributions in Sociology 10), 293 p. [trad. Rita Smidt, 1968, Ces gens-là].

1979 – On est tous dans le brouillard. Ethnologie des banlieues. Paris: Galilée (Débats). 259 p. [préfacio André Leroi-Gourhan].

1982 – Espace habités. Ethnologie des banlieues. Paris: Galilée (Débats). 174 p.

1985 e 2002 (nouvelles editions revues et augmentées) – On est tous dans le brouillard. Ethnologie des banlieues. Paris: Comitê des travaux Historiques et Scientifiques. 320 p.

ReferênciasGUTWIRTH, Jacques. Science et Amitié: parametres inseparables. In Paroles offertes à Colette Pétonnet à l’ocasion de son départ à la retraite, DAPHY, Eliane (org.). Paris: Laboratoire d’anthropologie urbaine, CNRS, 1996.

HANNERZ, Ulf. Exploring the City. New York: Columbia University Press, 1980.

LAPLANCHE, Jean & PONTALIS, Jean B. Vocabulário da Psicanálise. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998. 552p.

REDFIELD, Robert. Tepoztlan, a Mexican Village. Chicago: University of Chicago Press, 1930.

. The Folk Society. American Journal of Sociology, 41: 293-308.

SIMÕES, Soraya Silveira. Cruzada São Sebastião do Leblon: uma etnografia do cotidiano e da moradia dos habitantes de um conjunto habitacional na Zona Sul do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Niterói: PPGA/ICHF-UFF, 2008. 424p.

SJOBERG, Gidéon. The Preindustrial City. New York: Free Press, 1960.

WIRTH, Louis. Urbanism as a Way of Life. American Journal of Sociology, 44: 1-24.

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* Mestrando em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa, membro do Grupo de Pesquisa sobre Cultura e Políticas Culturais no Meio Rural (Paiol).

** Professora do Programa de Pós-graduação em Exten-são Rural da Universidade Federal de Viçosa, Coor-denadora do Grupo de Pesquisa sobre Cultura e Políticas Culturais no Meio Rural (Paiol).

Leonardo Vilaça Dupin* Sheila Maria Doula **

MARQUES, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e relações pessoais. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; Campinas, SP: Pontes, 2007.

Debater conflitos e relações pessoais no âmbito das ciências sociais, segundo Ana Claudia Marques, é colo-car em primeiro plano dois importantes temas que por décadas foram – e ainda são – “periféricos” nesse campo de conhecimento. Segundo ela, há algumas décadas estudar “conflitos” era se debruçar sobre momentos de anomia, que se opunham à ordem social; porém, a partir de novos estudos, os conflitos passam a ser pensados e analisados como constitutivos dessa ordem, compondo de diferentes maneiras as distintas relações cotidianas.

Já as relações pessoais, que para a autora não devem ser dicotomizadas de uma ordem mais abrangente de relações sociais, eram – ainda são – para as ciências so-ciais o sui generis, incapazes de bastar-se como princípio ordenador da sociedade. “A sociologia não cabe o hete-rogêneo, que escapa à regra ou aos desvios regulares” (MARQUES, 2007, p. 10). Desse modo, o indivíduo perde sua razão sociológica de ser.

Esse lugar um tanto periférico que classicamente se destina às relações pessoais, nas ciências sociais, e na antropologia em particular, parece derivar antes de nossos postulados, pressupostos e implícitos não discursivos do que de constatações empíricas. (MAR-QUES, 2007, p. 9)

Os dois temas são os eixos que perpassam os artigos or-ganizados em seu terceiro livro: Conflitos, política e relações pessoais, editado em 2007 pela editora Pontes. Doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atualmente professora da Universida-de de São Paulo (USP), Marques vem se dedicando há

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mais de uma década ao estudo de temas como conflitos, família, honra e política no Nordeste do país.

Seu primeiro livro – Andarilhos e cangaceiros: a arte de produzir território em movimento,1 organizado em parceria com Jorge Mattar Villela (UFSCAR), que contribui também com um artigo na publicação tratada aqui – re-laciona-se com o tema de sua dissertação de mestrado em Antropologia Social, Domínios de Lampião: Nomadismo e Reciprocidade, realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina e defendida em 1995.

Os ensaios de Andarilhos e Cangaceiros retratam a produção territorial de certos grupos, como cangaceiros, trecheiros e pardais, cuja qualificação do espaço não se dá em torno de um lugar pontual de habitação. Esses são personagens coletivos que não habitam aldeias, cidades ou vilas, não são rurais ou urbanos e cujas atividades econômicas não giram em torno do comércio, agricultura, artesanato ou indústria. Os casos abordados nesta obra descrevem o que os autores chamam de a difícil arte de produzir território em movimento, de viver – com o auxílio de certas diretrizes, instrumentos, equipamentos e tecnologia – apoiados numa logística específica, sem um ponto fixo do território que seja con-siderado um lar.

Já em seu segundo livro, Intrigas e questões: vingança de família e tramas sociais no sertão de Pernambuco,2 Marques analisa as chamadas “questões de família” no sertão de Pernambuco. Esta publicação se origina, sobretudo, de sua tese de doutorado realizada no Museu Nacional de Antropologia (UFRJ), entre 1999 e 2001, em que a autora se propôs inicialmente a estudar as relações de solidariedade que compunham aquela ordem social e logo constatou a iminência de conflitos de família vivos na memória e no presente (MARQUES, 2007, p. 29).

Objetivando compreender o meio social em que essas “questões” ocor-rem, ela buscou em sua tese estudar esses fenômenos em suas caracterís-ticas e repercussões sociais. Procurando menos iluminar um sistema de vingança e mais descrever as rupturas e ligações fomentadas por esses episódios, sua preocupação não são tanto os conflitos, mas o espaço entre eles, no qual uma série de elementos vai dar impulso a esse movimento que deslocará as relações sociais.1 MARQUES, A. C. D. R.; BROGNOLI, F. F.; VILLELA, J. L. M. Andarilhos e cangaceiros: a arte de produzir

território em movimento. v. 1. Itajaí: Ed. da Univali, 1999.2 MARQUES, A. C. D. R. Intrigas e questões: vingança de família e tramas sociais no sertão de Pernambuco. v.

1. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

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É desse trabalho que provém a abordagem “contratualista”,3 utilizada agora, que demonstra que os “conflitos” são parte constitutiva da socieda-de e não simplesmente um elemento desintegrador de uma ordem social, gerada pela solidariedade, como acreditava a sociologia funcionalista. Segundo Marques, estas “questões” tanto desagregam quanto congre-gam, demarcam e apagam fronteiras de grupos, “não há contradição entre esses vínculos e os conflitos”.

Segundo a autora, ainda em Intrigas e questões, essas disputas são ocasiões em que os vínculos de vários tipos, as relações de solidariedade, de poder e dependência, os valores culturais, as formas de apaziguamento, a arti-culação de múltiplas esferas sociais, como a familiar e a jurídica, expõem-se muito agudamente, em momentos que mobilizam coletividades cuja insígnia principal é representada pelo nome de família, sobreposto pela remissão a determinado território ou localidade.

Outro ponto tratado por ela anteriormente, e resgatado na atual publi-cação por Linda Lewin, Jorge Mattar Villela e Irlys Alencar, é a drama-tização social que está por trás desses “conflitos” e que os torna eventos públicos. As formas como tais conflitos são assimilados, a posição que passam a ocupar na vida dos que ali se envolvem, as expectativas em torno das vinganças, a enorme preocupação com a manutenção ou re-torno da paz, a imagem exterior de uma família homogênea, ou mesmo a produção de épicos sertanejos gerados que vão sendo produzidos são elementos-chave nessa dramatização.

O livro Conflitos, política e relações pessoais se inicia com um artigo da própria organizadora, em conjunto com John Comerford (UFRRJ) e Christine de Alencar Chaves (UFP). Traições, intrigas, fofocas, vinganças: notas para uma abordagem etnográfica do conflito é a sistematização de um debate promovido pelo Núcleo de Antropologia da Política (Nuap), em Fortaleza (2003), sobre três teses etnográficas realizadas pelos próprios autores do artigo em diferentes contextos – famílias no sertão de Per-nambuco, sindicatos na Zona da Mata mineira e uma marcha nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) – e com propósitos distintos, mas que apresentam substratos partilhados.

O principal ponto comum dessas teses é novamente a questão dos confli-tos, que operam como dimensões da vida social. As etnografias descrevem o modo como são vividos, que relações acionam, os significados portados e a sorte de efeitos que produzem na constituição dessas sociedades. Temas como a publicidade dos conflitos, o discurso como parte do en-3 Abordagem contratualista ou processualista: presume uma precedência analítica do conflito em relação à

ordem. Esta se instauraria como seu controle ou se reforçando através dele (MARQUES, 2007, p. 7).

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frentamento, a unidade e as fronteiras construídas ao longo do conflito, simetrias e assimetrias necessárias ao confronto são também abordados como matéria compartilhada de realidades diferenciadas.

O segundo artigo, Sobre o estado de guerra: perspectivas socioantropológicas, de autoria de Piero C. Leirner (UFSCAR), é uma crítica a uma linha da antropologia que vem se dedicando a “estudos da guerra” e que, segundo o autor, tem atrelado os estudos antropológicos às teorias sociológicas que ligam o Estado à Guerra. Segundo ele, o controle estatal sobre a guerra passa a ser o fundamento da tipologia da “verdadeira ou falsa” guerra. É o que ele chama de domesticação da guerra pelo Estado:

O que quero mostrar é que os resultados de parte da antropologia que se ocupou de entender o fenômeno da guerra acabam por reproduzir o que a boa sociologia do mundo já havia feito: supor que há uma imanência do Estado em relação à guerra. (LEINER em MARQUES, 2007, p. 57)

O autor constrói um histórico “do que” e “do como” as ciências sociais têm abordado o tema guerra e, em seguida, mapeia como a antropolo-gia se apropriou dele sem ir além dos conceitos preexistentes. Por fim, propõe pensar a guerra em outros parâmetros: como uma relação social de inimigos recíprocos.

O terceiro texto é de Linda Lewin, da Universidade da Califórnia, e se difere dos outros artigos pela abordagem menos antropológica e mais histórica. Ela narra uma história interessante que constitui um dos pontos altos do livro. Suas fontes de pesquisa são livros de literatura de cordel, documentos escritos e a história oral, que mantém vivo, através da constante reprodução, um conflito que se iniciou no século XIX.

Dois repentistas de classes sociais antagônicas, um senhor de terras e um escravo analfabeto, se enfrentam em um desafio poético no interior da Paraíba, no ano de 1874. Em jogo está o título de “rei dos cantado-res”. O primeiro e atual campeão utiliza a viola e ritmos portugueses adaptados para o desafio; já o segundo, desafiante, vale-se do pandeiro que reproduz a batida do coco, som afro-brasileiro, seguindo a tradição dos emboladores. O resultado do confronto está na boca do público, que repercute, por décadas, o desafio em várias versões.

Como afirma a autora, esse desafio de cantadores, que opõe personagens claramente desiguais por confrontar hierarquias do período colonial, ganhou uma ordem simbólica que extrapolou a noite de São Pedro:

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Inácio (desafiante) colocou em questão a atitude fundamental que a sociedade sancionava para manter a ordem social – a negação da huma-nidade de um escravo. [...] Ao apagar a distância social e literalmente cantar sua inteligência, Inácio lançou insultos poeticamente sancionados que invertiam a hierarquia dentro do contexto de evento-performance. Que ele o tenha feito, contudo, ante uma grande audiência iletrada, significou que a subsequente oralidade da cultura popular preservaria Inácio na memória coletiva. (LEWIN em MARQUES, 2007, p. 100)

O quarto artigo, de Jorge Mattar Villela (UFSCAR), Violência e mediação de vingança de sangue no sertão de Pernambuco, Nordeste do Brasil, é resulta-do de uma etnografia feita no Vale do Pajeú, sertão de Pernambuco. O curioso é que, na mesma data e local, a organizadora dessa publicação realizava também sua etnografia de doutorado, já citada anteriormente. Porém, é bom ressaltar que os dois não se detiveram em sua coleta nas mesmas fontes.

Villela classifica ali como uma feuding society, local onde os insultos sofridos devem ser pagos com atos de violência. É interessante mencionar que ele dispensa no artigo qualquer referência bibliográfica por considerar seu trabalho puramente etnográfico (MARQUES, 2007, p. 112). Ao longo do texto, ele demonstra que os grupos de vingança assumem a linguagem do parentesco como força aglutinadora capaz de dar impulso a esses atos de violência que vão alterar suas próprias fronteiras e que recebem a classificação nativa de “intrigas e questões”.

O autor coloca os vários sentidos que abrangem o termo família, sendo esta uma terminologia polissêmica que opera em diversos níveis e se atualiza ao longo dos conflitos. Para ele, a questão básica dessas brigas que envolvem certas coletividades é a desmoralização.

Diante da ameaça da desmoralização, um indivíduo ou, mais frequente-mente, uma coletividade de dimensões e identificação flutuantes põe-se diante do seguinte dilema: ou ser encarada por todos os demais como frouxos ou reagir violentamente aos insultos recebidos e construir, individual ou coletivamente, sua fama. (MARQUES, 2007, p. 127)

O artigo seguinte, Um levantamento introdutório das práticas de violência física dentro das cadeias cariocas, também é resultado de uma etnografia, só que dessa vez feita no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, nos anos de 2000 e 2001. Tem a autoria de Antônio Rafael Barbosa, que a realizou como tese de doutorado pelo Museu Nacional (UFRJ).

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O tema tratado são as práticas que envolvem violência física e tratamento moralmente degradante dentro das cadeias cariocas. Sua abordagem segue uma linha foucaultiana. Barbosa inicialmente analisa a formação histórica dos meios de confinamento (famílias, escola, prisão, fábrica) e o estabelecimento de uma rede disciplinar que atravessa todo o campo so-cial, ligando aparelhos e instituições (2007, p. 134). Em seguida, procura mapear as várias relações de poder que escapam a essa rede disciplinar, fazendo com que a violência se multiplique dentro daqueles espaços e impedindo o controle efetivo dos castigos físicos.

O sexto artigo, A violência e o tráfico: para uma comparação dos narco-mercados, de Manuela Ivone P. da Cunha, da Universidade de Minho (Portugal), é um estudo comparativo de dois modelos de tráfico que se organizam de maneiras diferenciadas: o primeiro chamado Freelance, que se carac-teriza pela sua fluidez, assentando operações na iniciativa individual ou na cooperação pontual e variável entre indivíduos. Nele quase não há divisão do trabalho; se houver, ela é meramente técnica e não se traduz em uma estrutura vertical; o segundo é o Empresarial, que, em oposição, apresenta uma rigidez, constatável numa forte hierarquização interna de largas equipes fixas, com assalariados submetidos a uma estreita supervisão e controle, sendo a violência utilizada como método para assegurar a disciplina.

O objetivo da autora com esse artigo é demonstrar que a violência não é constitutiva dos sistemas de tráfico enquanto ordem social, estando mais presente em modelos de tráfico fortemente organizados.

E por fim, Do sangue à palavra: expressões políticas de um conflito familiar, de Irlys Alencar (UFC). O texto, que também é resultado de uma etnografia realizada no município de Aracaú (CE), quer mostrar como os discursos familiares, de cunho altamente pessoais, são apropriados com argumentos políticos e, portanto, como se confundem os interesses públicos e privados nos conflitos ali existentes. Com uma estratégia semelhante à utilizada por Marques em Intrigas e questões, ao invés de constatar a penetração e ocupação do público pelos interesses privados ou o contrário, ela se detém no trânsito complexo que envolve as tramas familiares e políticas como parte de um mesmo enredo.

Trata-se, na realidade, de observar o encontro das significações próprias da política com os sentidos e as representações que se organizam no interior da família, não como um cruzamento insólito, mas como rede de relações que se alimenta com base em valores e práticas sociais,

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orquestrados em torno de um conflito. (ALENCAR em MARQUES, 2007, p.182-183)

Longe de ser simplesmente o preenchimento pelo “poder privado” de uma ausência ou deficiência do “poder público”, trata-se de mútuo con-dicionamento e apropriação, em processos de negociação e composição provisória que contextualizam as relações sociais locais.

O livro é uma boa coletânea de textos para quem deseja estudar no âmbito antropológico conflitos e suas diversas implicações sociais, assim como um meio para conhecer alguns dos melhores pesquisadores na-cionais que se dedicam ao tema atualmente. Como boa parte dos artigos presentes nessa obra faz parte de pesquisas já publicadas integralmente, a maioria pela coleção Antropologia da Política, do Museu Nacional de Antropologia (UFRJ), vale a pena extrapolar essa concisa publicação e buscar as pesquisas completas.

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* Doutora em Ciências So-ciais, é professora adjunta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) – e-mail: [email protected].

Sílvia Regina Alves Fernandes*

CARNEIRO, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no Caminho de Santiago. São Paulo: Attar, 2007. 277p.

Modernização religiosa e ressemantizações da matriz católica – O caso de brasileiros

peregrinos no Caminho de Santiago

Espiritualidade, mística, religiosidade, magia, religião, self, catolicismo. Se fôssemos eleger as principais pala-vras que permeiam este estudo, seriam essas a merecer destaque. Quem analisa o campo religioso brasileiro e enfrenta a árdua tarefa de compreender como o pro-cesso de modernização nos chega, encontra na pesquisa de Sandra Carneiro preciosas contribuições ou chaves de leitura para esse empreendimento analítico.

O livro, fruto de sua tese de doutorado, busca analisar a experiência de brasileiros na peregrinação a Santiago de Compostela. Ao longo de cinco capítulos, Sandra nos revela pouco a pouco o ethos dos peregrinos, os percalços do Caminho compostelano que ela prefere denominar jacobeo, a intricada rede de atores envolvidos que vai desde as Associações difusoras do Caminho de Santiago, passando pelo clero, pelos hospitaleiros, pelos agentes de turismo e pelos peregrinos. A peregrinação não é apenas uma antiga tradição que resiste às transformações, mas um fenômeno que se reinventa de modo dinâmico, não sem tensões e negociações entre os vários atores envol-vidos. Essa formulação traduz sua hipótese de trabalho que é apresentada ao leitor nas páginas iniciais.

A leitura do texto, entretanto, indica que essas tensões ocorrem embaladas por uma ressignificação do indiví-duo diante dele mesmo, diante da Igreja católica e do mundo social. Assim, a ideia de mudança, de transforma-ção pessoal e, por que não dizer, de conversão perpassa todos os relatos dos peregrinos que, ao fazerem o Cami-nho, se convertem a uma religião do self curiosamente

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composta por muitos elementos da matriz católica. O estudo evidencia que a catolicidade dos peregrinos manifesta-se numa dinâmica de pre-sença e ausência; num jogo de revelações e ressemantizações, ora para acionar símbolos ou santos de devoção, ora para simplesmente responder de acordo com o que os agentes oficiais querem ouvir como motivações principais para a peregrinação. Ficam postas, assim, as vicissitudes que enfrentam o discurso sobre a autenticidade da motivação peregrina e sua consequente legitimidade.

“Peregrino é aquele indivíduo que declara ter percorrido o caminho, independentemente dos motivos apontados e levando em conta a au-todeclaração.” Embora construindo essa definição, a autora assegura em seu primeiro capítulo não ser esta a sua preocupação, mas antes descobrir o valor ou o sentido que os indivíduos atribuem ao ato de pe-regrinar. Como bem lembrou Hervieu-Léger,1 o peregrino é um velho conhecido da história de todas as grandes religiões e denota a religião em movimento, mas na modernidade a condição peregrina define-se primordialmente a partir da construção biográfica. “A pé e com fé” é também uma história de pequenas biografias entrecortadas pela análise antropológica que tenta desvendar os múltiplos significados atribuídos pelos peregrinos de Compostela.

No primeiro capítulo o livro de Sandra aborda perspectivas teóricas dos rituais, passando brevemente por alguns autores tais como Durkheim, Turner, Levi-Strauss e Tambiah. A autora explica que a religião está sendo tratada em sua pesquisa na perspectiva de Geertz, ou seja, está sendo en-tendida como uma forma particular de construir o mundo. O leitor tem acesso também aos percalços do campo e ao debate (já tradicional na área) sobre a relação pesquisador e objeto; imparcialidade/envolvimento; abordagem que propicia uma contribuição importante aos iniciantes no fazer antropológico.

O texto é rico no relato da formação do mito histórico de Santiago, e a autora explica, no capítulo dois, um pouco da tradição do Caminho, dando destaque ao seu caráter multidimensional e catalisador de culturas. A relação dos hospitaleiros com os peregrinos tem também uma conota-ção de retribuição: quem fez o Caminho retribui acolhendo quem o faz. Neste capítulo o leitor vai percebendo os diversos atores na interpretação e na difusão do Caminho. Entram em cena na descrição de Sandra o papel da Igreja católica e sua influência para a produção do turismo; do governo da Espanha; da Comunidade Europeia. As múltiplas faces do turismo e da peregrinação são aí trabalhadas. A autora dialoga com Steil 1 HERVIEU-LÉGER, Daniele. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Lisboa: Gradiva, 2005.

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para apresentar a noção de turismo religioso e os aspectos constitutivos da moderna peregrinação, lembrando que os elementos profanos estão presentes e favorecem o câmbio e os arranjos das identidades de turista e de peregrino.

O conhecimento mais detalhado do perfil dos peregrinos o leitor obtém a partir do terceiro capítulo. Considerando-se a análise dos dados dispo-nibilizados pela Oficina do Peregrino – órgão que registra os peregrinos a fim de emitir a Compostela ou o certificado de peregrinação –, é pos-sível constatar a evolução do número de peregrinos que receberam tal certificado. Nesse sentido, é importante o alerta da autora a respeito da imprecisão dos dados quantitativos disponíveis. Analisando-se o período de 1986 a 2001, nota-se com clareza a evolução do número de peregri-nos de acordo com a Oficina do Peregrino, mas a autora não explora o fato de que, curiosamente, apenas no ano de 1990 registrou-se uma involução de quase 15% no número de fiéis. Que fatores teriam levado a essa diminuição exatamente nesse ano?

Voltando ao perfil dos caminhantes, a maioria faz o percurso a pé; são predominantemente homens e adultos; supostamente de camada mé-dia – em função da ocupação observada por Sandra – e com motivação categorizada genericamente como “religiosa”. É exatamente o desnu-damento dessa categoria que Sandra pretende realizar ao longo de seu texto. De modo especial, a partir dos depoimentos dos peregrinos, a dimensão religiosa vai se revelando em fluidez, em emotividade e ain-da no vínculo refeito com uma religião de berço, a saber, o catolicismo. Entretanto, trata-se de um catolicismo ressemantizado, talvez em quase nada diferindo do que se vê nas grandes metrópoles brasileiras, já que, como analisa a autora, os peregrinos brasileiros evocam uma espécie de bagagem religiosa que legitima de certo modo suas crenças preexistentes.

A fragmentação marca o que hoje é conhecido como o Caminho, e Sandra analisa a diversidade de sentidos atribuídos ao exercício da peregrinação. Através de fatos do cotidiano do caminhante, o leitor vai sendo conduzido à “via-crúcis cristã”, que explicita bem a matriz católica pelo uso frequente da expressão “com pão e vinho se faz o Caminho”. O “chão de estrelas”, denotando o próprio percurso, é analisado no quarto capítulo do livro, no qual se tem acesso à experiência da própria pesquisadora durante os 35 dias em que realizou a peregrinação. Nesse capítulo também é explo-rada com mais propriedade a analogia que os peregrinos fazem entre o percurso e a caminhada da vida e o caráter emocional do mundo jacobeo.

Não apenas a matriz católica está presente na experiência religiosa dos caminhantes, mas sobretudo uma matriz cristã, na qual a ideia de Cha-

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mado emerge como um arcabouço fundante da experiência religiosa dos que fazem o Caminho de Santiago. Assim, os relatos revelam a crença dos peregrinos nessa força maior ou superior que convoca cada um a fazer o Caminho. Nada mais cristão do que a ideia de que se é convo-cado a uma missão, chamado a exercer um determinado ministério na Igreja ou chamado a um determinado tipo de vocação religiosa. Assim, no discurso católico, a ideia de Chamado aparece carregada de certa inevitabilidade, algo diante do qual o indivíduo não possui forças para resistir e, se resistir, não alcançará uma realização plena. No contexto de Santiago de Compostela, entretanto, a ideia de Chamado aparece como uma convocação que fará de cada pessoa alguém renovado, dife-rente, mais espiritualizado, mais ou menos católico, mas sempre um ser humano melhor do que se foi antes da realização da peregrinação. O elenco das principais motivações dos brasileiros para o empreendimento do Caminho é apresentado também no quarto capítulo: aventura, férias diferentes, história e arquitetura, fé e experiência religiosa, busca inte-rior, dentre outras, são algumas das motivações reveladas à pesquisadora pelos caminhantes. Sandra destaca, entretanto, que muitos indivíduos não apresentam uma única motivação, resultando em alguma dificuldade do analista em matizá-las. Essa multiplicidade de motivações estaria a indicar a diversidade dos indivíduos, segundo a autora, que se expressa também na consolidação de um tipo de sociabilidade que forma uma espécie de grande família de peregrinos. São pessoas que se escutam, se amparam e se esforçam no entendimento de umas às outras; são pesso-as que exercitam a prática da convivialidade que integra a parceria no cansaço, na dor, nas emoções.

Diante do debate corrente sobre o processo de desregulação institucio-nal, a experiência dos peregrinos de Compostela funciona como um ato emblemático e comprobatório desse processo, que tem se instalado em nossas sociedades de modo aparentemente irreversível, mas não sem am-biguidades e ambivalências. Ao analisar a dimensão da fé dos peregrinos, a autora chama a atenção do leitor para o debate acadêmico que demarca o caráter privado da experiência religiosa e assegura que seu objetivo era exatamente “refletir sobre o significado do experimentalismo”.

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NOTÍCIAS DO PPGA

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RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM ANTROPOLOGIA

CURSO DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

1 TíTULO: Um abraço para todos os amigosAutor: Antonio Carlos Rafael Barbosa Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues Data da defesa: 16/1/1997

2 TíTULO: A produção social da morte e morte simbólica em pacientes hansenianos

Autor: Cristina Reis Maia Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues Data da defesa: 2/4/1997

3 TíTULO: Práticas acadêmicas e o ensino universitário: uma etnografia das formas de consagração e transmissão do saber na universidade

Autor: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa:16/6/1997

4 TíTULO: “Dom”, “iluminados” e “figurões”: um estudo sobre a representação da oratória no Tribunal do júri do Rio de Janeiro

Autor: Alessandra de Andrade Rinaldi Orientador: Prof. Dr. Luiz de Castro Faria Data da defesa: 3/1/1997

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5 TíTULO: Mudança ideológica para a qualidadeAutor: Miguel Pedro Alves Cardoso Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 7/10/1997

6 TíTULO: Culto rock a Raul Seixas: sociedade alternativa entre rebeldia e negociação

Autor: Monica Buarque Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues Data da defesa: 19/12/1997

7 TíTULO: A cavalgada do santo guerreiro: duas festas de São Jorge em São Gonçalo/Rio de Janeiro

Autor: Ricardo Maciel da Costa Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 23/12/1997

8 TíTULO: A loucura no manicômio judiciário: a prisão como terapia, o crime como sintoma, o perigo como verdade

Autor: Rosane Oliveira Carreteiro Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 6/2/1998

9 TíTULO: Articulação casa e trabalho: migrantes “nordestinos” nas ocupações de empregada doméstica e empregados de edifício

Autor: Fernando Cordeiro Barbosa Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 4/3/1998

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10 TíTULO: Entre “modernidade” e “tradição”: a comunidade islâmica de Maputo

Autor: Fátima Nordine Mussa Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 11/3/1998

11 TíTULO: Os interesses sociais e a sectarização da doença mental

Autor: Cláudio Lyra Bastos Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 21/5/1998

12 TíTULO: Programa médico de família: mediação e reciprocidade

Autor: Gláucia Maria Pontes Mouzinho Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 24/5/1999

13 TíTULO: O império e a rosa: estudo sobre a devoção do Espírito Santo

Autor: Margareth da Luz Coelho Orientador: Prof. Dr. Arno Vogel Data da defesa: 13/7/1998

14 TíTULO: Do malandro ao marginal: representações dos personagens heróis no cinema brasileiro

Autor: Marcos Roberto Mazaro Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 30/10/1998

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15 TíTULO: Prometer-cumprir: princípios morais da política: um estudo de representações sobre a política construídas por eleitores e políticos

Autor: Andréa Bayerl Mongim Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 21/1/1999

16 TíTULO: O simbólico e o irracional: estudo sobre sistemas de pensamento e separação judicial

Autor: César Ramos Barreto Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues Data da defesa: 10/5/1999

17 TíTULO: Em tempo de conciliaçãoAutor: Angela Maria Fernandes Moreira-Leite Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 15/7/1999

18 TíTULO: Negros, parentes e herdeiros: um estudo da reelaboração da identidade étnica na comunidade de Retiro, Santa Leopoldina – ES

Autor: Osvaldo Marins de Oliveira Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 13/8/1999

19 TíTULO: Sistema da sucessão e herança da posse habitacional em favela

Autor: Alexandre de Vasconcellos Weber Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 25/10/1999

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20 TíTULO: E no samba fez escola: um estudo de construção social de trabalhadores em escola de samba

Autor: Cristina Chatel Vasconcellos Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 5/11/1999

21 TíTULO: Cidadãos e favelados: os paradoxos dos projetos de (re)integração social

Autor: André Luiz Videira de Figueiredo Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 19/11/1999

22 TíTULO: Da anchova ao salário mínimo: uma etnografia sobre injunções de mudança social em Arraial do Cabo/RJ

Autor: Simone Moutinho Prado Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 25/2/2000

23 TíTULO: Pescadores e surfistas: uma disputa pelo uso do espaço da Praia Grande

Autor: Delgado Goulart da Cunha Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 28/2/2000

24 TíTULO: Produção corporal da mulher que dança

Autor: Sigrid Hoppe Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 27/4/2000

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25 TíTULO: A produção da verdade nas práticas judiciárias criminais brasileiras: uma perspectiva antropológica de um processo criminal

Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 21/9/2000

26 TíTULO: Campo de força: sociabilidade numa torcida organizada de futebol

Autor: Fernando Manuel Bessa Fernandes Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 22/9/2000

27 TíTULO: Reservas extrativistas marinhas: uma reforma agrária no mar? Uma discussão sobre o processo de consolidação da reserva extrativista marinha de Arraial do Cabo/RJ

Autor: Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 29/11/2000

28 TíTULO: Patrulhando a cidade: o valor do trabalho e a construção de estereótipos em um programa radiofônico

Autor: : Edilson Márcio Almeida da Silva Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 8/12/2000

29 TíTULO: Loucos de rua: institucionalização x desinstitucionalização

Autor: Ernesto Aranha Andrade Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 8/3/2001

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30 TíTULO: Festa do Rosário: iconografia e poética de um ritoAutor: Patrícia de Araújo Brandão Couto Orientador: Profª Drª Tania Stolze Lima Data da defesa: 8/5/2001

31 TíTULO: Os caminhos do leão: uma etnografia do processo de cobrança do Imposto de Renda

Autor: Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 7/8/2001

32 TíTULO: Representações políticas: alternativas e contradições – das múltiplas possibilidades de participação popular na Câmara Municipal do Rio de Janeiro

Autor: Delaine Martins Costa Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 27/9/2001

33 TíTULO: Capoeiras e mestres: um estudo de construção de identidades

Autor: Mariana Costa Aderaldo Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 29/10/2001

34 TíTULO: Índios misturados: identidades e desterritorialização no século XIX

Autor: Márcia Fernanda Malheiros Orientador: Profª Drª Tania Stolze Lima Data da defesa: 17/12/2001

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35 TíTULO: Trabalho e exposição: um estudo da percepção ambiental nas indústrias cimenteiras de Cantagalo/ RJ – Brasil

Autor: Maria Luiza Erthal Melo Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva, Prof. Dr. Carlos Machado de Freitas (co-orientador) Data da defesa: 4/5/2001

36 TíTULO: Samba, jogo do bicho e narcotráfico: a rede de relações que se forma na quadra de uma escola de samba em uma favela do Rio de Janeiro

Autor: Alcyr Mesquita Cavalcanti Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 20/12/2001

37 TíTULO: Mãos de arte e o saber-fazer dos artesãos de Itacoareci: um estudo antropológico sobre socialidade, identidades e identificações locais

Autor: Marzane Pinto de Souza Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva Data da defesa: 6/2/2002

38 TíTULO: Do alto do rio Erepecuru à cidade de Oriximiná: a construção de um espaço social em um núcleo urbano da Amazônia

Autor: Andréia Franco Luz Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 27/3/2002

39 TíTULO: O fio do desencanto: trajetória espacial e social de índios urbanos em Boa Vista (RR)

Autor: Lana Araújo Rodrigues Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues Data da defesa: 27/3/2002

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40 TíTULO: Deus é pai: prosperidade ou sacrifício? Conversão, religiosidade e consumo na Igreja Universal do Reino de Deus

Autor: Maria José Soares Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 1 /4/2002

41 TíTULO: Negros em ascensão social: poder de consumo e visibilidade

Autor: Lidia Celestino Meireles Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 1/4/2002

42 TíTULO: A cultura material da nova era e o seu processo de cotidianização

Autor: Juliana Alves Magaldi Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 20/7/2002

43 TíTULO: A Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis, Goiás: polaridades simbólicas em torno de um rito

Autor: Felipe Berocan Veiga Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 1/7/2002

44 TíTULO: Privatização e reciprocidade para trabalhadores da CERJ em Alberto Torres/RJ

Autor: Cátia Inês Salgado de Oliveira Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva Data da defesa: 4/7/2002

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45 TíTULO: Cada louco com a sua mania, cada mania de cura com a sua loucura

Autor: Patricia Pereira Pavesi Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 7/1/2003

46 TíTULO: Linguagem de parentesco e identidade social, um estudo de caso: os moradores de Campo Redondo

Autor: Cátia Regina de Oliveira Motta Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva Data da defesa: 7/1/2003

47 TíTULO: Vila Mimosa II: A Construção do Novo Conceito da Zona

Autor: Soraya Silveira Simões Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 20/1/2003

48 TíTULO: Tão perto, tão longe: etnografia sobre relações de amizade na favela da Mangueira no Rio de Janeiro

Autor: Geovana Tabachi Silva Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa Data da defesa: 20/1/2003

49 TíTULO: O mercado dos orixás: uma etnografia do Mercadão de Madureira no Rio de Janeiro

Autor: Carlos Eduardo Martins Costa Medawar Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 20/1/2003

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50 TíTULO: Para além da “porta de entrada”: usos e representações sobre o consumo da canabis entre universitários

Autor: Jóvirson José Milagres Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 10/6/2003

51 TíTULO: E o verbo (re)fez o homem: estudo do processo de conversão do alcoólico ativo em alcoólico passivo

Autor: Angela Maria Garcia Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 12/6/2003

52 TíTULO: Le souffle au coeur & damage: quando o mesmo toca o mesmo em 24 quadros por segundo (Louis Malle e a temática do incesto)

Autor: Débora Breder Barreto Orientador: Profª Drª Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto Data da defesa: 24/6/2003

53 TíTULO: O faccionalismo xavante na terra indígena São Marcos e a cidade de Barra das Garças

Autor: Paulo Sérgio Delgado Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 24/6/2003

54 TíTULO: Cartografia nativa: a representação do território, pelos guarani kaiowá, para o procedimento administrativo de verificação da Funai

Autor: Ruth Henrique da Silva Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 27/6/2003

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55 TíTULO: Nem muito mar, nem muita terra. Nem tanto negro, nem tanto branco: uma discussão sobre o processo de construção da identidade da comunidade remanescente de Quilombos na Ilha da Marambaia/RJ

Autor: Fábio Reis Mota Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 27/6/2003

56 TíTULO: Pendura essa: a complexa etiqueta de reciprocidade em um botequim do Rio de Janeiro

Autor: Pedro Paulo Thiago de Mello Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 30/6/2003

57 TíTULO: Justiça desportiva: uma coexistência entre o público e o privado

Autor: Wanderson Antonio Jardim Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima, Profª Drª Simoni Lahud Gue-des (co-orientadora) Data da defesa: 30/6/2003

58 TíTULO: O teu cabelo não nega? Um estudo de práticas e representações sobre o cabelo

Autor: Patrícia Gino Bouzón Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi Data da defesa: 5/2/2004

59 TíTULO: Usos e significados do vestuário entre adolescentes

Autor: Joana Macintosh Orientador: Profª Drª Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes Data da defesa: 16/2/2004

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60 TíTULO: A cientifização da acupuntura médica no Brasil: uma perspectiva antropológica

Autor: Durval Dionísio Souza Mota Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima; Profª Drª Simoni Lahud Gue-des (co-orientadores) Data da defesa: 19/2/2004

61 TíTULO: Das práticas e dos seus saberes: a construção do “fazer policial” entre as praças da PMERJ

Autor: Haydée Glória Cruz Caruso Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 19/2/2004

62 TíTULO: O processo denunciador – retóricas, fobias e jocosidades na construção social da dengue em 2002

Autor: Anamaria de Souza Fagundes Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 29/3/2004

63 TíTULO: Rua dos Inválidos, 124 – a vila é a casa deles

Autor: Marcia Cörner Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 29/3/2004

64 TíTULO: Santa Tecla, Graça e Laranjal: regras de sucessão nas casas de estância do Brasil Meridional

Autor: Ana Amélia Cañez Xavier Orientador: Profª Drª Eliane Catarino O’Dwyer Data da defesa: 25/5/2004

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65 TíTULO: Desemprego e malabarismos culturaisAutor: Valena Ribeiro Garcia Ramos Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 31/5/2004

66 TíTULO: Dimensões da sexualidade na velhice: estudos com idosos em uma agência gerontológica

Autor: Rosangela dos Santos Bauer Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 9/6/2004

67 TíTULO: Lavradores de sonhos: estruturas elementares do valor cultural na conformação do valor econômico. um estudo sobre a propriedade capixaba no município de vitória

Autor: Alexandre Silva Rampazzo Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves Data da defesa: 26/7/2004

68 TíTULO: Responsabilidade social das empresas: quando o risco e o apoio caminham lado a lado

Autor: Ricardo Agum Ribeiro Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva Data da defesa: 28/1/2005

69 TíTULO: A escolha: um estudo antropológico sobre a escolha do cônjugue

Autor: Paloma Rocha Lima Medina Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves Data da defesa: 3/2/2005

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70 TíTULO: Agricultores orgânicos do Rio da Prata (RJ): luta pela preservação social

Autor: Pedro Fonseca Leal Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 23/2/2005

71 TíTULO: Uma comunidade em transformação: modernidade, organização e conflito nas escolas de samba

Autor: Fabio Oliveira Pavão Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi Data da defesa: 28/2/2005

72 TíTULO: Esculhamba, mas não esculacha: um relato sobre uso dos trens da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, enfatizando as práticas e os conflitos relacionados a comerciantes ambulantes e outros atores, naquele espaço social

Autor: Lênin dos Santos Pires Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 28/2/2005

73 TíTULO: O porteiro, o panóptico brasileiro: as transformações do saber-fazer e do saber-lidar deste trabalhador

Autor: Roberta de Mello Correa Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 18/3/2005

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74 TíTULO: Tempo, trabalho e modo de vida: estudo de caso entre profissionais da enfermagem

Autor: Renata Elisa da Silveira Soares Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data da defesa: 8/4/2005

75 TíTULO: Espaço urbano e segurança pública: entre o público, o privado e o particular

Autor: Vanessa de Amorim Pereira Cortes Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 18/4/2005

76 TíTULO: Vida após a morte: salvo ou condenado?Autor: Andréia Vicente da Silva Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves Data da defesa: 9/5/2005

77 TíTULO: Dramas sociais, realidade e representação: a família brasileira vista pela TV

Autor: Shirley Alves Torquato Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes Data da defesa: 11/5/2005

78 TíTULO: Consumidor consciente, cidadão negligente?Autor: Michel Magno de Vasconcelos Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes Data da defesa: 18/5/2005

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79 TíTULO: Paixão pela política e política dos Paixão: família e capital político em um município fluminense

Autor: Carla Bianca Vieira de Castro Figueiredo Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra Data da defesa: 6/3/2006

80 TíTULO: Quando a lagoa vira pasto: um estudo sobre as diferentes formas de apropriação e concepção dos espaços marginais da Lagoa Feia–RJ

Autor: Carlos Abraão Moura Valpassos Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 6/3/2006

81 TíTULO: O dono da rota: etnografia de um vendedor no centro urbano do Rio de Janeiro

Autor: Flavio Conceição da Silveira Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 6/3/2006

82 TíTULO: Os caminhos da Maré: a turma 302 do CIEP Samora Machel e a organização social do espaço

Autor: Lucia Maria Cardoso de Souza Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 7/3/2006

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83 TíTULO: Os ciganos de calon do Catumbi: ofício, etnografia e memória urbana

Autor: Mirian Alves de Souza Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 9/3/2006

84 TíTULO: Disque-denúncia: a arma do cidadão. Processos de construção da verdade a partir da experiência da Central Disque-denúncia do Rio de Janeiro

Autor: Luciane Patrício Braga de Moraes Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 9/3/2006

85 TíTULO: Quando o peixe morre pela boca: Os “casos de polícia” na Justiça Federal Argentina na cidade de Buenos Aires

Autor: Lucía Eilbaum Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 10/3/2006

86 TíTULO: A dádiva no mundo contemporâneo: um estudo do dom monádico

Autor: Fabiano Nascimento Orientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro Neves Data da defesa: 10/3/2006

87 TíTULO: A fumaça da discórdia: da regulação do consumo e o consumo de cigarros

Autor: Patrícia da Rocha Gonçalves Orientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro Neves Data da defesa: 10/3/2006

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88 TíTULO: Família, redes de sociabilidade e casa própria: um estudo etnográfico em uma cooperativa habitacional em São Gonçalo, RJ

Autor: Michelle da Silva Lima Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 10/3/2006

89 TíTULO: Identidade, conhecimento e poder na comunidade muçulmana do Rio de Janeiro

Autor: Gisele Fonseca Chagas Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu Pinto da Rocha Data da defesa: 10/3/2006

90 TíTULO: Comércio ambulante na cidade do Rio de Janeiro: a apropriação do espaço público

Autor: Marcelo Custódio da Silva Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi Data da defesa: 10/3/2006

91 TíTULO: Revitalização urbana em Niterói: uma visão antropológicaAutor: André Amud Botelho Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes Data de defesa: 31/3/2006

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92 TíTULO: Educandos e os educadores: Imagens Refletidas. Estudo do processo de constituição de categoria ocupacional

Autor: Arlete Inácio dos Santos Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves Data de defesa: 28/4/2006

93 TíTULO: Sobre a disciplina no futebol brasileiro – uma abordagem pela Justiça Desportiva Brasileira

Autor: André Gil Ribeiro de Andrade Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data de defesa: 25/5/2006

94 TíTULO: Polícia para quem precisa: um estudo sobre tutela e repressão do GPAE no Morro do Cavalão (Niterói)

Autor: Sabrina Souza da Silva Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data de defesa: 30/6/2006

95 TíTULO: Mobilidade espacial e campesinato: gestão de alternativas escassas

Autor: Gil Almeida Félix Orientadora: Profa Dra Delma Pessanha Neves Data da defesa: 30/6/2006

96 TíTULO: A igreja ortodoxa antioquina na cidade do Rio de Janeiro: construção e manutenção de uma identidade religiosa diaspórica no campo religioso brasileiro

Autor: Houda Blum BakourOrientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha PintoData da defesa: 27/2/2007

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97 TíTULO: O programa justiça terapêutica da vara de execuções penais do Rio de Janeiro

Autor: Frederico Policarpo de Mendonça FilhoOrientador: Prof. Dr. Roberto Kant de LimaData da defesa: 27/2/2007

98 TíTULO: Etnicidade, processo de territorialização e ritual entre os tuxá de rodelas

Autor: Ricardo Dantas Borges SalomãoOrientador: Profª Drª Eliane Cantarino O´DwyerData da defesa: 28/2/2007

99 TíTULO: Tempo(s) ecológico(s): um relato das tensões entre pescadores artesanais e ibama acerca do calendário de pesca na lagoa feia – RJ

Autor: José Colaço Dias NetoOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 6/3/2007

100 TíTULO: Atafona: formas de sociabilidade em um balneário na região norte-fluminense

Autor: Juliana Blasi CunhaOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 6/3/2007

101 TíTULO: Com que roupa eu vou? códigos que orientam as escolhas do vestuário feminino na classe média do Rio de Janeiro

Autor: Solange Riva Mezabarba Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves Data da defesa: 9/3/2007

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102 TíTULO: Notting hill: notas etnográficas sobre um british carnival

Autor: Iara Gomes de BulhõesOrientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva MelloData da defesa: 6/6/2007

103 TíTULO: Maranhão sou eu: tambor de mina e construção identitária – o caso do terreiro cazuá de mironga, em serpédica – rj

Autor: Wilmara Aparecida Silva Figueiredo Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 31/8/2007

104 TíTULO: A praia de copacabana: uma reflexão sobre algumas das estratégias de construção e manutenção da imagem de um espaço de consumo e lazer da cidade do rio de janeiro

Autor: Flávia Ferreira Fernandes Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes Data da defesa: 31/8/2007

105 TíTULO: Ciranda e prestação de serviços: os coros cirandeiros em busca da profissionalização

Autor: Lysia Reis Condé Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves ata da defesa: 10/9/2007

106 TíTULO: Família e redes de parentesco em uma política da velhice: análise de um programa governamental de gestão do envelhecimento

Autor: Felipe Domingues dos Santos Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 31/1/2008

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107 TíTULO: Sobre o modo de justificação dos ascensos e descensos nos organismos governamentais dos dirigentes do partido justicialista (p.j.) de Salta, Argentina, nos anos 1995-2005 (narrativas de obediência e lealdade)

Autor: Maria Fernanda Maidana Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra Data da defesa: 6/3/2008

108 TíTULO: Diga espelho meu, se há na avenida alguém mais feliz que eu! estudo sobre identidatidade e memória da g.r.e.s união da ilha do governador

Autor: Paulo Cordeiro de Oliveira Neto Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi Data da defesa: 11/3/2008

109 TíTULO: Entre barracões e módulos de pesca: pescaria e meio ambiente na regulação do uso de espaços públicos na barra do jucu

Autor: Marcio de Paula Filgueiras Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 24/3/2008

110 TíTULO: Processos de construção e comunicação das identidades negras e africanas na comunidade muçulmana sunita do rio de janeiro

Autor: Cláudio Cavalcante Júnior Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto Data da defesa: 10/4/2008

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111 TíTULO: Explicadoras na nova holanda: um processo informal de escolarização

Autor: Beatriz Arosa de Mattos Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 25/4/2008

112 TíTULO: Na “pegação”: encontros homoeróticos masculinos em juiz de fora

Autor: Verlan Valle Gaspar Neto Orientador: Prof. Dr. Ovídio Abreu Filho Data da defesa: 25/4/2008

113 TíTULO: Feijoada completa: reflexões sobre a administração institucional e dilemas nas delegacias de polícia da cidade do rio de janeiro

Autor: Érika Giuliane Andrade Souza Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 30/4/2008

114 TíTULO: Gosto não se discute: atores, práticas, mecanismos e discursos envolvidos na construção social do gosto alimentar infantil entre crianças de 0 a 10 anos

Autor: Bonnie Moraes Manhãs de Azevedo Orientador: Profa Dra Laura Graziela F.F. Gomes Data da defesa: 4/8/2008

115 TíTULO: A viagem da gente de transformação: uma exploração do universo semântico da noção de transformação em narrativas míticas do noroeste amazônico

Autor: Felipe Agostine Cerqueira Orientador: Profa Dra Tânia Stolze Lima Data da defesa: 29/8/2008

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116 TíTULO: De volta para casa: a vida nas residências terapêuticas e o trabalho dos cuidadores, em barbacena – mg

Autor: Rafael Pereira Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 2/9/2008

117 TíTULO: Vitória sobre a morte: a glória prometida o “rito de passagem” na construção da identidade das operações especiais

Autor: Paulo Roberto Storani Botelho Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 5/9/2008

118 TíTULO: Os trabalhadores da política: uma corrente do pt de niterói

Autor: Bruner Titonelli Nunes Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra Data da defesa: 25/9/2008

119 TíTULO: A busca pela união: estudo sobre o modo de atuação de uma liderança comunitária

Autor: Leandro Mascarenhas Matosinhos Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra Data da defesa: 26/9/2008

120 TíTULO: A gente faz de tudo um pouco: um estudo de construção social de trabalhadores nas relações familiares e de vizinhança

Autor: Julia Mitiko Sakamoto Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 30/9/2008

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RELAÇÃO DE TESES DEFENDIDAS NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM ANTROPOLOGIA

1 TÍTULO: A mulher-sujeito:subjetividade, consumo e trabalho

Autor: Cesar Ramos Barreto Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi Data da defesa: 29/9/2007

2 TÍTULO: O ritual judiciário do tribunal do júriAutor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 9/3/2007

3 TÍTULO: Igualdade e hierarquia no espaço público: análise de processos de administração institucional de conflitos no município de niterói

Autor: Kátia Sento Sé Mello Orientador: Prof.Dr. Roberto Kant de Lima Data da defesa: 29/3/2007

4 TÍTULO: O direito ao lugar: situações processuais de conflito na reconfiguração social e territorial no município de itacaré – BA

Autor: Patrícia de Araújo Brandão Couto Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 30/3/2007

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5 TÍTULO: A adolescência na medicina: um olhar antropológico

Autor: Fernando César Coelho da Costa Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 20/4/2007

6 TÍTULO: Das reportagens policiais às coberturas de segurança pública: representações da ‘violência urbana’ em um jornal do rio de janeiro

Autor: Edílson Márcio Almeida da Silva Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes Data da defesa: 25/4/2007

7 TÍTULO: Sobre culpados e inocentes: o processo de criminação e incriminação pelo ministério público federal brasileiro

Autor: Gláucia Maria Pontes Mouzinho Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra Data da defesa: 28/9/2007

8 TÍTULO: Cruzada de são sebastião no leblon: uma etnografia da moradia e do cotidiano dos habitantes de um conjunto habitacional na zona sul do rio de janeiro

Autor: Soraya Silveira Simões Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello Data da defesa: 26/2/2008

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9 TÍTULO: Campo intelectual e gestão da economia do babaçu: dos estudos científicos às práticas tradicionais das quebradeiras de coco babaçu

Autor: Cynthia Carvalho Martins Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves Data da defesa: 28/2/2008

10 TÍTULO: Maneiras de beber: sociabilidades e alteridadesAutor: Ângela Maria Garcia Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves Data da defesa: 28/2/2008

11 TÍTULO: O melhor de niterói é a vista do rio. políticas culturais e intervenções urbanas: mac e caminho niemeyer

Autor: Margareth da Luz Coelho Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes Data da defesa: 7/3/2008

12 TÍTULO: Do mito ao... cinema: a incestuosa gemeidade. um close sobre a figura dos gêmeos nas narrativas contemporâneas

Autor: Débora Breder Barreto Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira Data da defesa: 13/3/2008

13 TÍTULO: Entre a estrutura e a performance: ritual de iniciação e faccionalismo entre os xavantes da terra indígena são marcos

Autor: Paulo Sérgio Delgado Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 31/3/2008

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14 TÍTULO: A semântica do intangível. considerações sobre o registro do ofício de paneleira do espírito santo: ritual de iniciação e faccionalismo entre os xavantes da terra indígena são marcos

Autor: Lucieni de Menezes Simão Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira Segala Data da defesa: 30/4/2008

15 TÍTULO: Identidade(s) e nacionalismo em cabo verdeAutor: João Silvestre Tavares Alvarenga Varela Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer Data da defesa: 25/4/2008

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ARTIGOS PUBLICADOSRevista Antropolítica

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Revista no 1– 2o semestre de 1996

Artigos

Brasil: nações imaginadasJosé Murilo de Carvalho

Brasileiros e argentinos em Kibbutz: a diferença continuaSonia Bloomfield Ramagem

Mudança social: exorcizando fantasmasDelma Pessanha Neves

Ostras e pastas de papel: meio ambiente e a mão invisível do mercadoJosé Drummond

Conferências

Algumas considerações sobre o estado atual da antropologia no BrasilOtávio Velho

That deadly pyhrronic poison a tradição cética e seu legado para a teoria política modernaRenato Lessa

Resenha

Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas. Marisa G. Pei-rano Laura Graziela F. F. Gomes

Revista no 2 – 1o semestre de 1997

Artigos

Entre a escravidão e o trabalho livre: um estudo comparado de Brasil e Cuba no século XIXMaria Lúcia Lamounier

O arco do universo moralJoshua Cohen

A posse de Goulart: emergência da esquerda e solução de compromissoAlberto Carlos de Almeida

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

In córpore sano: os militares e a introdução da educação física no BrasilCelso Castro

Neoliberalismo, racionalidade e subjetividade coletivaJosé Maurício Domingues

Do “retorno do sagrado” às “religiões de resultado”: para uma caracterização das seitas neopentecostaisMuniz Gonçalves Ferreira

Resenhas

As noites das grandes fogueiras – uma história da coluna PrestesJosé Augusto Drummond

Os sertões: da campanha de Canudos, Euclides da Cunha; O sertão prometido: massacre de Canudos no nordeste brasileiroTerezinha Maria Scher Pereira

Revista no 3 – 2o semestre de 1997

Artigos

Cultura, educação popular e escola públicaAlba Zaluar e Maria Cristina Leal

A política estratégica de integração econômica nas AméricasGamaliel Perruci

O direito do trabalho e a proteção dos fracosMiguel Pedro Cardoso

Elites profissionais: produzindo a escassez no mercadoMarli Diniz

A “Casa do Islã”: igualitarismo e holismo nas sociedades muçulmanasPaulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto

Quando o amor vira ficçãoWilson Poliero

Resenha

Nós, cidadãos, aprendendo e ensinando a democracia: a narrativa de uma ex-periência de pesquisaAngela Maria Fernandes Moreira-Leite

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Revista no 4 – 1o semestre de 1998

Artigos

Comunicação de massa, cultura e poderJosé Carlos Rodrigues

A sociologia diante da globalização: possibilidades e perspectivas da sociologia da empresaAna Maria Kirschner

Tempo e conflito: um esboço das relações entre as cronosofias de Maquiavel e AristótelesRaul Francisco Magalhães

O embate das interpretações: o conflito de 1858 e a lei de terrasMárcia Maria Menendes Motta

Os terapeutas alternativos nos anos 90: uma nova profissão?Fátima Regina Gomes Tavares

Resenha

Auto-subversãoGisálio Cerqueira Filho

Revista no 5 – 2o semestre de 1998

Artigos

Jornalistas: de românticos a profissionaisAlzira Alves de Abreu

Mudanças recentes no campo religioso brasileiroCecília Loreto Mariz e Maria das Dores Campos Machado

Pesquisa antropológica e comunicação intercultural: novas discussões sobre an-tigos problemas.José Sávio Leopoldi

Três pressupostos da facticidade dos problemas públicos ambientaisMarcelo Pereira de Mello

Duas visões acerca da obediência política: racionalidade e conservadorismoMaria Celina D’Araújo

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Revista no 6 – 1o semestre de 1999

Artigos

Palimpsestos estéticos y espacios urbanos: de la razón práctica a la razón sensi-bleJairo Montoya Gómez

Trajetórias e vulnerabilidade masculinaCeres Víctora e Daniela Riva Knauth

O sujeito da “psiquiatria biológica” e a concepção moderna de pessoaJane Araújo Russo, Marta F. Henning

Os guardiães da história: a utilização da história na construção de uma identidade batista brasileiraFernando Costa

A escritura das relações sociais: o valor cultural dos “documentos” para os tra-balhadoresSimoni Lahud Guedes

A Interdisciplinaridade e suas (im)pertinênciasMarcos Marques de Oliveira

Revista no 7 – 2o semestre de 1999

Artigos

Le geste pragmatique de la sociologie française. Autour des travaux de Luc Bol-tanski et Laurent ThévenotMarc Breviglieri e Joan Stavo-Debauge

Economia e política na historiografia brasileiraSonia Regina de Mendonça

Os paradoxos das políticas de sustentabilidadeLuciana F. Florit

Risco tecnológico e tradição: notas para uma antropologia do sofrimentoGlaucia Oliveira da Silva

Trabalho agrícola: gênero e saúdeDelma Pessanha Neves

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Revista no 8 – 1o semestre de 2000

Artigos

Prolegômenos sobre a violência, a polícia e o Estado na era da globalizaçãoDaniel dos Santos

Gabriel Tarde: Le monde comme féerieIsaac JosephEstratégias coletivas e lógicas de construção das organizações de agricultores no NordesteEric Sabourin

Cartórios: onde a tradição tem registro públicoAna Paula Mendes de Miranda

Do pequi à soja: expansão da agricultura e incorporação do Brasil centralAntônio José Escobar Brussi

Resenha

Terra sob água – sociedade e natureza nas várzeas amazônicasJosé Augusto Drummond

Revista no 9 – 2o semestre de 2000

Artigos

Desenvolvimento económico, cultural e complexidadeAdelino Torres

The field training project: a pioneer experiment in field work methods: Everett C. Hughes, Buford H. Junker and Raymond Gold’s re-invention of Chicago field studies in the 1950’sDaniel Cefaï

Cristianismos amazônicos e liberdade religiosa: uma abordagem histórico-antropológicaRaymundo Heraldo Maués

Poder de policía, costumbres locales y derechos humanos en Buenos Aires de los 90Sofía Tiscornia

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

A visão da mulher no imaginário pentecostal Marion Aubrée

Resenha

Reflexões antropológicas em tópicos filosóficosEliane Cantarino O’Dwyer

Revista no 10/11 – 1o/2o semestres de 2001

Artigos

Profissionalismo e mediação da ação policialDominique Monjardet

The plaintiff – a sense of injusticeLaura Nader

Religião e política: evangélicos na disputa eleitoral do Rio de JaneiroMaria das Dores Campos Machado

Um modelo para morrer: última etapa na construção social contemporânea da pessoa?Rachel Aisengart Menezes

Torcidas jovens: entre a festa e a brigaRosana da Câmara Teixeira

O debate sobre desenvolvimento entre o Brasil e os EUA na década de cinqüen-taW. Michael Weis

El individuo fragmentado y su experiencia del tiempoCarlos Rafael Rea Rodríguez

Igreja do Rosário: espaço de negros no Rio ColonialLuitgarde Oliveira Cavalcanti Barros

In nomine pater: a ciência política e o teatro intimista de A. StrindbergGisálio Cerqueira Filho

Terra: dádiva divina e herança dos ancestraisOsvaldo Martins de Oliveira

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Resenha

Estado e reestruturação produtivaMaria Alice Nunes Costa

Revista no 12/13 – 1o/2o semestres de 2002

Artigos

Transição democrática e forças armadas na América LatinaMaria Celina D’Araújo

Mercado, coesão social e cidadaniaFlávio Saliba Cunha

Cultura local y la globalización del beber. De las taberneras en Juchitan, Oaxaca (México)Sergio Lerin Piñón

Romaria e missão: movimentos sociorreligiosos no sul do ParáMaria Antonieta da Costa Vieira

“O estrangeiro” em “campo”: atritos e deslocamentos no trabalho antropológicoPatrice Schuch

A transmissão patrimonial em favelasAlexandre de Vasconcelos Weber

A sociabilidade dos trabalhadores da fruticultura irrigada do platô de Neópolis/SEDalva Maria da Mota

A beleza traída: percepção da usina nuclear pela população de Angra dos ReisRosane M. Prado

Povos indígenas e ambientalismo – as demandas ecológicas de índios do rio SolimõesDeborah de Magalhães Lima

Raízes antropológicas da filosofia de MontesquieuJosé Sávio Leopoldi

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Resenhas

A invenção de uma qualidade ou os índios que se inventa(ra)mMercia Rejane Rangel Batista

China’s peasants: the anthropology of a revolution João Roberto Correia e José Gabriel Silveira Corrêa

Revista no 14 – 1o semestre de 2003

Dossiê

Esporte e modernidadeApresentação: Simoni Lahud Guedes

Em torno da dialética entre igualdade e hierarquia: notas sobre as imagens e representações dos Jogos Olímpicos e do futebol no BrasilRoberto DaMatta

Transforming Argentina: sport, modernity and national building in the peripheryEduardo P. Archetti

Futebol e mídia: a retórica televisiva e suas implicações na identidade nacional, de gênero e religiosaCarmem Sílvia Moraes Rial

Artigos

As concertações sociais na Europa dos anos 90: possibilidades e limitesJorge Ruben Biton Tapia

A (re)construção de identidade e tradições: o rural como tema e cenárioJosé Marcos Froehlich

A pílula azul: uma análise de representações sobre masculinidade em face do viagraRogério Lopes Azize e Emanuelle Silva Araújo

Homenagem

René Armand Dreifusspor Eurico de Lima Figueiredo

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Revista no 15 – 2o semestre de 2003

Dossiê

Maneiras de beber: proscrições sociais Apresentação: Delma Pessanha Neves

Entre práticas simbólicas e recursos terapêuticos: as problemáticas de um itine-rário de pesquisa Sylvie Fainzang

Alcoólicos anônimos: conversão e abstinência terapêutica Angela Maria Garcia

“Embriagados no Espírito Santo”: reflexões sobre a experiência pentecostal e o alcoolismo Cecília L. Mariz

Artigos

Visões de mundo e projetos de trabalhadores qualificados de nível médio em seu diálogo com a modernidade tardiaSuzana Burnier

O povo, a cidade e sua festa: a invenção da festa junina no espaço urbanoElizabeth Christina de Andrade Lima

Antropologia e clínica – o tratamento da diferençaJaqueline Teresinha Ferreira

Mares e marés: o masculino e o feminino no cultivo do marMaria Ignez S. Paulilo

Resenhas

Antropologia e comunicação: princípios radicaisJosé Sávio Leopoldi

Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética Fátima Portilho

Criminologia e subjetividade no BrasilWilson Couto Borges

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2ª prova – JLuiz – 26 nov 2009

Revista no 16 – 1o semestre de 2004

Homenagem

Luiz de Castro Faria: o professor emérito por Felipe Berocan da Veiga

Dossiê

Políticas públicas, direito(s) e justiça(s) – perspectivas comparativas Apresentação: Roberto Kant de Lima

Drogas, globalização e direitos humanos Daniel dos Santos

Detenciones policiales y muertes administrativas Sofía Tiscornia

Os ilegalismos privilegiados Fernando Acosta

Artigos

Estado e empresários na América Latina (1980-2000) Álvaro Bianchi

O desamparo do indivíduo moderno na sociologia de Max WeberLuis Carlos Fridman

A construção social dos assalariados na citricultura paulistaMarie Anne Najm Chalita

As arenas iluminadas de Maringá: reflexões sobre a constituição de uma cidade médiaSimone Pereira da Costa

Resenhas

Ética e responsabilidade social nos negóciosPriscila Ermínia Riscado

Novas experiências de gestão pública e cidadaniaDaniela da Silva Lima

Uma ciência da diferença: sexo e gêneroFernando Cesar Coelho da Costa

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Revista no 17 – 2o semestre de 2004

Dossiê

Por uma antropologia do consumo Apresentação: Laura Graziela F. F. Gomes e Lívia Barbosa

Pobreza Da Moralidade Daniel Miller

O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma Sociedade Pós-Moderna

Colin Campbell

Por uma sociologia da embalagemFranck Cochoy

Artigos

A Antropologia e as políticas de desenvolvimento: algumas orientaçõesJean-François Baré

Arquivo público: Um segredo bem guardado?Ana Paula Mendes de Miranda

A concepção da desigualdade em Hobbes, Locke e RousseauMarcelo Pereira de Mello

Associativismo em rede: uma construção identitária em territórios de agricultura familiarZilá Mesquita e Márcio Bauer

Depois de Bourdieu: as classes populares em algumas abordagens sociológicas contemporâneasAntonádia Borges

Resenhas

Modération et sobriété. Études sur les usages sociaux de l’alcoolFernando Cordeiro Barbosa

Governança democrática e poder local: A experiência dos conselhos municipais no BrasilDébora Cristina Rezende de Almeida

Uma ciência da diferença: sexo e gêneroFernando Cesar Coelho da Costa

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Revista no 19 – 2o semestre de 2005

DossiêFronteiras e passagens: fluxos culturais e a construção da etnicidadeApresentação: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto Eliane Cantarino O’DwyerEtnicidade e o conceito de culturaFredrik BarthEtnicidade e nacionalismo religioso entre os curdos da SíriaPaulo Gabriel Hilu da Rocha PintoEntre iorubas e bantos: a influência dos estereótipos raciais nos estudos afro-americanosStefania CaponeOs quilombos e as fronteiras da AntropologiaEliane Cantarino O’Dwyer

ArtigosEngajamento associativo/sindical e recrutamento de elites políticas: “empresários” e “trabalhadores” no período recente no BrasilOdaci Luiz CoradiniCrônicas da pátria amada: futebol e identidades brasileiras na imprensa esportivaÉdison GastaldoO duro, a pedra e a lama: a etnotaxonomia e o artesanato da pesca em Ponta Grossa dos Fidalgos Arno Vogel e José Colaço Dias NetoDe antas e outros bichos: expressão do conhecimento nativoJane Felipe Beltrão e Gutemberg Armando Diniz Guerra

ResenhaLivro: A revolução urbanaHenri LefèbvreAutor da resenha: Fabrício Mendes FialhoLivro: Ser polícia, ser militar. O curso de formação na socialização do policial militarFernanda Valli NummerAutora da resenha: Delma Pessanha NevesLivro: Reflexões sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tichesBruno LatourAutora da resenha: Verlan Valle Gaspar Neto

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Revista no 20 – 1o semestre de 2006DossiêDa técnica, estudos sobre o fazer em sociedadeApresentação: Gláucia Silva

Sobre a distinção entre evolução e históriaTim Ingold

A potência do fogo e a bifurcação da história em direção à termoindústria. Da máquina de Marly, de Luís XIV, à central nuclear de hojeAlain Gras

As duas faces da incerteza: automação e apropriação dos aviões Glass-cockpitCaroline Moricot

Um laboratório-mundoSophie Poirot-Delpech

ArtigosA poética da experiência: narrativa e memóriaDiego Soares

Neocomunidades no Brasil: uma aproximação etnográficaJavier Lifschitz

Liberdade e riqueza: a origem filosófica e política do pensamento econômicoAngela Ganem, Inês Patricio e Maria Malta

ResenhasLivro: Ciência e desenvolvimentoJosé Leite LopesAutora da resenha: Cátia Inês Salgado de Oliveira

Livro: Le temps du pub. Territoires du boire en AnglaterreJosiane Massart-VicentAutora da resenha: Delma Pessanha Neves e Angela Maria Garcia

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Revista no 21 – 2o semestre de 2006DossiêAntropologia, mídia e construção social da realidade Apresentação: Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes“Cantando espalharei por toda a parte, se a tanto me ajudar engenho e arte”: propaganda, técnicas de ven-das e consumo no Rio de Janeiro (1850-1870)Almir El KarehIdentidades flexíveis como dispositivo disciplinar: algumas hipóteses sobre publicidade e ideologia em sociedades “pós-ideológicas”Vladimir SafatleRemediação e linguagens publicitárias nos meios digitaisVinícius Andrade Pereira

ArtigosO sorriso da luaEli BartraAlimentos transgênicos, incerteza científica e percepções de risco: Leigos com a palavra Renata MenascheTécnicos e usuários em programas de assistência social: encontros e desencontrosHeloísa Helena Salvatti PaimA economia moral do extrativismo no médio Rio Negro: Aviamento, alteridade e relações interétnicas na AmazôniaSidnei PeresEducação e ruralidades: por um olhar pesquisante pluralJadir De Morais Pessoa

ResenhasLivro: Buenos vecinos, malos políticos: Moralidad y política en el gran Buenos Aires. Buenos Aires: Prometeo, 2004. 283 p.Sabina FredericAutor da resenha: Fernanda MaidanaResenhando o conceito de “Double Bind” de Gregory Bateson em seis autores das ciências humanas contemporâneasAutora da resenha: Mônica Cavalcanti Lepri

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Revista no 22 – 1o semestre de 2007

DossiêDemocracia, espaço público, estado e sociedade em uma perspectiva comparadaApresentação: Roberto Kant de Lima e Fábio Reis Mota Organisation et pouvoir: pluralité critique des régimes d’engagementLaurent ThévenotO caleidoscópio identitário dos professores dos liceus do ensino oficial nos anos 1960: julgamentos críticos e disposições práticasJosé Manuel ResendeViolencia institucional y sensibilidades judiciales. El largo camino de los hechos a los casosMaria Josefina MartínezA formação do Estado em Angola na época da globalizaçãoDaniel dos Santos

ArtigosIntrodução a O que é um animal?Tim IngoldUm mundo sem antropologiaClara MafraDiscutindo classificações raciais, étnicas e o racismo no futebol brasileiro a partir de um olhar desconstrutivista Marcel FreitasDefendendo privilégio: os limites da participação popular em Salvador, Bahia Bernd Reiter

ResenhasLivro: La relation médecins-malades: information et mensonge da autoria de Sylvie Fainzang Autora da resenha: Jaqueline Ferreira

Revista no 23 – 2o semestre de 2007

DossiêA Política e o Popular: reflexões sobre militância e ações coletivasApresentação: Marcos Otávio Bezerra Militantes políticos y militantes sociales: reconocimiento, persona y espacio publicoSabina FredericMobilizações de bairro, repertórios de ação coletiva e trajetórias pessoaisMarcos Otávio Bezerra

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Militantismo partidário e experiência de poder. O caso do PT no Distrito FederalDaniella de Castro RochaPara além do MST: o impacto nos Movimentos Sociais BrasileirosMarcelo C. Rosa

ArtigosA sociologia da capacidade críticaLuc Boltanski e Laurent ThévenotO ensino religioso em sala de aula: observações a partir de escolas fluminensesEmerson GiumbelliReflexões sobre a figura do narrador como “guardiã da memória” no distrito de Icoaraci, Belém (PA): incursão etnográfica na barbearia São JorgeFlávio Leonel Abreu da Silveira e Pedro Paulo de Miranda Araújo SoaresO luto dos arrozeiros: uma etnografia dos impactos sociais da seca de 2005 numa cidade dos pampas gaúchos Carlos Abraão Moura ValpassosDesastre e Indiferença Social: o Estado perante os desabrigadosNorma Felicidade Lopes da Silva Valêncio, Victor Marchezini e Mariana Siena

ResenhasLivro: Carman, Maria. Las trampas de la cultura: los intrusos y los nuevos usos del barrio de GardelAutora da resenha: Michele Andrea MarkowitzLivro: Bestor, Theodore. Tsukiji – The fish market at the center of the worldAutora da resenha: Wilma Leitão

Revista no 24 – 1o semestre de 2008

DossiêDe volta ao mundo da vida de pernas pro ar: Contribuições para os estudos em corporeidade, linguagem e memória da capoeiraApresentação: Julio Cesar de TavaresDa “destreza do mestiço” à “ginástica nacional”: narrativas nacionalistas sobre a capoeiraMatthias Röhrig AssunçãoA memória do corpo na narrativa de mestre João GrandeMaurício Barros de CastroAdaptação em movimento: o processo de transnacionalização da capoeira na FrançaDaniel Granada da Silva Ferreira

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A luta da capoeira: reflexões acerca da sua origemPaulo Coêlho de Araújo e Ana Rosa Fachardo JaqueiraAngola e o Jogo de capoeiraMaduka T. J. Desch Obi

ArtigosImigração brasileira na Guiana: entre elocubrações e realidadeIsabelle Hidair caminho niemeyer: os “usos” da cultura em niteróiMargareth da Luz CoelhoA socialização das meninas trabalhadorasJoel Orlando Bevilaqua MarinEntre muros e rodovias: os riscos do espaço e do lugarEduardo Marandola Jr

ResenhasDeslocamentos, movimentos e engajamentos: as formas plurais da ação humana na perspectiva de Laurent ThévenotAutor da resenha: Fabio Reis Mota

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COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA

1. Os fornecedores de cana e o Estado intervencionista Delma Pessanha Neves2. Devastação e preservação ambiental no Rio de Janeiro José Augusto Drummond3. A predação do social Ari de Abreu Silva4. Assentamento rural: reforma agrária em migalhas Delma Pessanha Neves5. A antropologia da academia: quando os índios somos nós Roberto Kant de Lima6. Jogo de corpo: um estudo de construção social de trabalhadores Simoni Lahud Guedes7. A qualidade de vida no Estado do Rio de Janeiro Alberto Carlos Almeida8. Pescadores de Itaipu (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro) Roberto Kant de Lima9. Sendas da transição Sylvia França Schiavo10. O pastor peregrino Arno Vogel11. Presidencialismo, parlamentarismo e crise política no Brasil Alberto Carlos Almeida12. Um abraço para todos os amigos: algumas considerações sobre

o tráfico de drogas no Rio de Janeiro Antônio Carlos Rafael Barbosa13. Escritos exumados – 1: espaços circunscritos – tempos soltos L. de Castro Faria14. Violência e racismo no Rio de Janeiro Jorge da Silva15. Novela e sociedade no Brasil Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes16. O Brasil no campo de futebol: estudos antropológicos sobre os

significados do futebol brasileiro Simoni Lahud Guedes

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17. Modernidade e tradição: construção da identidade social dos pescadores de Arraial do Cabo (RJ) (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)

Rosyan Campos de Caldas Britto18. As redes do suor – a reprodução social dos trabalhadores da

pesca em Jurujuba (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro) Luiz Fernando Dias Duarte19. Escritos exumados – 2: dimensões do conhecimento antropoló-

gico L. de Castro Faria20. Seringueiros da Amazônia: dramas sociais e o olhar antropológi-

co (Série Amazônia) Eliane Cantarino O’Dwyer21. Práticas acadêmicas e o ensino universitário Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto22. “Dom”, “Iluminados” e “Figurões”: um estudo sobre a repre-

sentação da oratória no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro Alessandra de Andrade Rinaldi23. Angra I e a melancolia de uma era Gláucia Oliveira da Silva24. Mudança ideológica para a qualidade Miguel Pedro Alves Cardoso25. Trabalho e residência: estudo das ocupações de empregada do-

méstica e empregado de edifício a partir de migrantes “nordes-tinos”

Fernando Cordeiro Barbosa 26. Um percurso da pintura: a produção de identidades de artista Lígia Dabul27. A sociologia de Talcott Parsons José Maurício Domingues28. Da anchova ao salário mínimo: uma etnografia

sobre injunções de mu dança social em Arraial do Cabo/RJ (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)

Simone Moutinho Prado29. Centrais sindicais e sindicatos no Brasil dos anos 90:

o caso Niterói Fernando Costa30. Antropologia e direitos humanos (Série Direitos Humanos) Regina Reyes Novaes e Roberto Kant de Lima

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31. Os companheiros – trabalho e sociabilidade na pesca de Itaipu/RJ (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)

Elina Gonçalves da Fonte Pessanha32. Festa do Rosário: iconografia e poética de um rito Patrícia de Araújo Brandão Couto33. Antropologia e direitos humanos 2 (Série Direitos Humanos) Roberto Kant de Lima34. Em tempo de conciliação Angela Moreira-Leite35. Floresta de símbolos – aspectos do ritual Ndembu Victor Turner36. Produção da verdade nas práticas judiciárias criminais brasilei-

ras: uma perspectiva antropológica de um processo criminal

Luiz Figueira37. Ser polícia, ser militar: o curso de formação

na socialização do policial militar Fernanda Valli Nummer38. Antropologia e direitos humanos 3 Roberto Kant de Lima (Organizador)39. Os caminhos do leão: uma etnografia do processo de cobrança

do imposto de renda Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto40. Antropologia – escritos exumados 3 – Lições de um praticante L. de Castro Faria41. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva

cultural Arjun Appadurai42. Dramas, campos e metáforas: ação simbólica

na sociedade humana Victor Turner43. Políticas públicas de segurança, informação e análise criminal Ana Paula Mendes de Miranda e Lana Lage da Gama Lima44. O caminho do mundo: mobilidade espacial

e condição camponesa numa região da Amazônia Oriental Gil Ameida Felix

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Normas de apresentação de trabalhos1. A revista Antropolítica, do programa de Pós-Graduação em

Antropologia da UFF, aceita originais de artigos e resenhas de interesse das Ciências Sociais e da Antropologia em parti-cular.

2. Os textos serão submetidos aos membros do Conselho Editorial e/ou a pareceristas externos, que poderão sugerir ao autor modificações de estrutura ou conteúdo.

3. Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos artigos, e 8 páginas, no caso das resenhas. Eles devem ser apresentados em duas cópias impressas em papel A4 (210 x 297 mm), espaço duplo, em uma só face de papel, bem como em disquete ou CD no programa Word for Windows, em fonte Times New Roman (corpo 12), sem qualquer tipo de formatação, a não ser:

• indicação de caracteres (negrito e itálico);• margens de 3cm;• recuo de 1cm no início do parágrafo;• recuo de 2cm nas citações; e• uso de itálico para termos estrangeiros e títulos de livros e periódicos.

4. As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto, entre parênteses, com as seguintes informações; sobrenome do autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; vírgula; abreviatura de página (p.) e o número desta.

(Ex.: PEREIRA, 1996, p. 12-26)5. As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deve-

rão ser apresentadas no final do texto.6. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final

do texto, obedecendo às normas da ABNT (NBR-6023).Livro:MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos.

2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 208p. (Os Pensadores, 6)LÜDIKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:

abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

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FRANÇA, Junia Lessa et al. Manual para normalização de publica-ções técnico-científicas. 3. ed. ver. e aum. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1996, 191 p.

Artigo:ARRUDA, Mauro. Brasil: é essencial reverter o atraso. Panorama

da Tecnologia, Rio de Janeiro, v. 3, n.8, p. 4-9, 1989.

Trabalhos apresentados em eventos:AGUIAR, C. S. A. L. et. al. Curso de técnica da pesquisa biblio-

gráfica: programa-padrão para a Universidade de São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAÇÃO, 9., 1977, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Associação Rio-Grandense de Bibliotecários, 1977. p. 367-385.

7. As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma boa reprodução gráfica. Elas deverão ser identificadas com título ou legenda e designadas, no texto, como figura (Figura 1, Figura 2 etc.)

8. Os textos deverão ser acompanhados de título e resumo (má-ximo 250 palavras) em português e inglês, bem como de 3 a 5 palavras-chave também em português e em inglês.

9 Os textos deverão ser precedidos de identificação do autor (nome, instituição de vínculo, cargo, título, últimas publicações etc.), que não ultrapasse 5 linhas.

10. Os colaboradores na modalidade artigos terão direito a três exemplares da revista; e na modalidade resenha, a um exemplar.

11. Os originais não aprovados não serão devolvidos. 12. Os artigos, resenhas e demais correspondências deverão ser

enviados para:Comitê Editorial da Antropolítica

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Campus do Gragoatá, Bloco “O”, sala 325

24210-350 - Niterói, RJTels.: (021) 2629-2866

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Este livro foi composto na fonte Baskerville Win95BT, corpo 11. Impresso na Flama Ramos Manuseio e Acabamento Gráfi co,

em Papel Off-Set 75 gramas (miolo) e Cartão Supremo 250 gramas (capa).Tiragem: 400 exemplares.

PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL

Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br) após a implementação de um Programa Socioambiental

com vistas à ecoefi ciência e ao plantio de árvores referentes à neutralização das emissões dos GEE´s – Gases do Efeito Estufa.

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