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Romantismo O Romantismo foi uma corrente estético-filosófica que surgiu no último quarto do século XVIII na Europa, inicialmente em três países: Itália, Alemanha e Inglaterra. No entanto, foi na França que o movimento eclodiu com a força necessária para depois se irradiar pela Europa e pela América. A França apresentava clima propício, devido às grandes mudanças sociais, culturais e políticas causadas pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial. O Romantismo estendeu-se ainda por um grande período do século XIX. Essa nova tendência impregnou-se dos ideais de liberdade da Revolução Francesa e das reflexões do filósofo Jean-Jacques Rousseau, que desempenhou importante papel na composição do ideário que fundamentou a estética romântica. Em um de seus postulados, Rousseau afirmava que todo homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. O Romantismo opôs-se ao racionalismo e ao rigor exacerbado do Neoclassicismo. Influenciado pela ideia de liberdade e pela valorização do indivíduo, contestou os princípios da “idade da razão” do período neoclássico e estabeleceu, durante os anos de 1800 a 1850, a chamada “idade da sensibilidade”. Fez prevalecer em suas obras uma série de elementos relativos à emoção, à intuição, ao individualismo, à liberdade de criação, ao amor platônico. Além disso, abordou temas religiosos, históricos e contribuiu para a formação do moderno nacionalismo. Os pensadores românticos retomaram a Idade Média, procurando afirmá-la, contrariamente à ideia concebida pelos racionalistas, como um momento importante da história europeia. Muitos afirmavam um “espírito do povo” (folkgeist) proveniente do período medieval. Estudos de folclore foram realizados com vistas a afirmar a identidade nacional. Dessa forma, podemos perceber que o Romantismo abandonou os dogmas do Neoclassicismo, como o racionalismo e o caráter ilustrativo e formal que caracterizava a produção neoclássica. Era um basta nas cópias de modelos greco-romanos e renascentistas e uma afirmação de busca pelo genuíno, pelo próprio, pelo particular que só poderia vir do sentimento, da vivência, das emoções. Esse foi o grito dos artistas românticos. Romperam com as convenções e os ensinamentos acadêmicos praticados nas escolas de belas-artes. Buscavam valorizar os sentimentos e a criatividade e defendiam a livre expressão do artista, que deveria se guiar pelos sentimentos e não mais pela lógica, pela frieza da razão. Nesse sentido, a produção artística do Romantismo tornou mais intenso o individualismo, uma vez que se baseava em valores emocionais subjetivos e imaginários, adotando como temática para suas obras lendas heroicas, temas nacionais e dramas amorosos. Assumiu caráter educativo, contribuindo para reforçar o conceito de pátria e exaltar valores cívicos. O Romantismo manifestou-se inicialmente na literatura e na filosofia, para depois surgir nas artes plásticas, com destaque para a pintura, uma vez que a escultura e a arquitetura tiveram manifestações menos expressivas. A pintura prestou grande contribuição ao Romantismo, pois, valendo--se de temas dramáticos retirados da literatura, criou obras que causariam grande impacto em seus espectadores. O nome do novo movimento nasceu do grande interesse dado às lendas medievais, chamadas de “romances”. A obra melancólica do poeta inglês Lord Byron contagiou as demais literaturas, despertando o gosto pelos temas obscuros, como a morte, o sobrenatural e os amores impossíveis. O pessimismo imperava nessas temáticas e às vezes a morte era a única solução. A essa tendência foi dado o nome de “mal do século”. Também estavam em voga histórias góticas de horror, que faziam referências ao sinistro, ao macabro e ao oculto. Fazia-se, também, uma crítica ao poder da razão, da ciência em dominar a natureza. Um exemplo de tal postura observa-se em Frankenstein, obra literária de Mary Shelley publicada em 1818 e, posteriormente, adaptada para teatro, rádio, televisão e cinema. Essa obra coloca em questão o poder do homem de decidir sobre a vida. Até a arquitetura tentou reviver elementos do gótico nas torres das Casas do Parlamento de Londres e um grande número de castelos pseudogóticos foi construído nessa época. Pintura A pintura romântica caracterizou-se pelo subjetivismo e pela espontaneidade. Usou temas como a exaltação à natureza, retratando paisagens e animais selvagens. Mostrou também narrativas de lutas heroicas e lendas. Tecnicamente, utilizou-se de cores fortes, ricas em tons, aplicadas com pinceladas rápidas e vigorosas. Acentuou em suas figuras o forte contraste entre a luz e a sombra. Na composição das obras, aparece o uso da diagonal, que imprime ao quadro força e dinamismo. França

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Romantismo O Romantismo foi uma corrente estético-filosófica que surgiu no último quarto do século

XVIII na Europa, inicialmente em três países: Itália, Alemanha e Inglaterra. No entanto, foi na França que o movimento eclodiu com a força necessária para depois se irradiar pela Europa e pela América. A França apresentava clima propício, devido às grandes mudanças sociais, culturais e políticas causadas pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial. O Romantismo estendeu-se ainda por um grande período do século XIX.

Essa nova tendência impregnou-se dos ideais de liberdade da Revolução Francesa e das reflexões do filósofo Jean-Jacques Rousseau, que desempenhou importante papel na composição do ideário que fundamentou a estética romântica. Em um de seus postulados, Rousseau afirmava que todo homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

O Romantismo opôs-se ao racionalismo e ao rigor exacerbado do Neoclassicismo. Influenciado pela ideia de liberdade e pela valorização do indivíduo, contestou os princípios da “idade da razão” do período neoclássico e estabeleceu, durante os anos de 1800 a 1850, a chamada “idade da sensibilidade”. Fez prevalecer em suas obras uma série de elementos relativos à emoção, à intuição, ao individualismo, à liberdade de criação, ao amor platônico. Além disso, abordou temas religiosos, históricos e contribuiu para a formação do moderno nacionalismo. Os pensadores românticos retomaram a Idade Média, procurando afirmá-la, contrariamente à ideia concebida pelos racionalistas, como um momento importante da história europeia. Muitos afirmavam um “espírito do povo” (folkgeist) proveniente do período medieval. Estudos de folclore foram realizados com vistas a afirmar a identidade nacional. Dessa forma, podemos perceber que o Romantismo abandonou os dogmas do Neoclassicismo, como o racionalismo e o caráter ilustrativo e formal que caracterizava a produção neoclássica. Era um basta nas cópias de modelos greco-romanos e renascentistas e uma afirmação de busca pelo genuíno, pelo próprio, pelo particular que só poderia vir do sentimento, da vivência, das emoções. Esse foi o grito dos artistas românticos. Romperam com as convenções e os ensinamentos acadêmicos praticados nas escolas de belas-artes. Buscavam valorizar os sentimentos e a criatividade e defendiam a livre expressão do artista, que deveria se guiar pelos sentimentos e não mais pela lógica, pela frieza da razão. Nesse sentido, a produção artística do Romantismo tornou mais intenso o individualismo, uma vez que se baseava em valores emocionais subjetivos e imaginários, adotando como temática para suas obras lendas heroicas, temas nacionais e dramas amorosos. Assumiu caráter educativo, contribuindo para reforçar o conceito de pátria e exaltar valores cívicos. O Romantismo manifestou-se inicialmente na literatura e na filosofia, para depois surgir nas artes plásticas, com destaque para a pintura, uma vez que a escultura e a arquitetura tiveram manifestações menos expressivas. A pintura prestou grande contribuição ao Romantismo, pois, valendo--se de temas dramáticos retirados da literatura, criou obras que causariam grande impacto em seus espectadores. O nome do novo movimento nasceu do grande interesse dado às lendas medievais, chamadas de “romances”. A obra melancólica do poeta inglês Lord Byron contagiou as demais literaturas, despertando o gosto pelos temas obscuros, como a morte, o sobrenatural e os amores impossíveis. O pessimismo imperava nessas temáticas e às vezes a morte era a única solução. A essa tendência foi dado o nome de “mal do século”. Também estavam em voga histórias góticas de horror, que faziam referências ao sinistro, ao macabro e ao oculto. Fazia-se, também, uma crítica ao poder da razão, da ciência em dominar a natureza. Um exemplo de tal postura observa-se em Frankenstein, obra literária de Mary Shelley publicada em 1818 e, posteriormente, adaptada para teatro, rádio, televisão e cinema. Essa obra coloca em questão o poder do homem de decidir sobre a vida. Até a arquitetura tentou reviver elementos do gótico nas torres das Casas do Parlamento de Londres e um grande número de castelos pseudogóticos foi construído nessa época.

Pintura

A pintura romântica caracterizou-se pelo subjetivismo e pela espontaneidade. Usou temas como a exaltação à natureza, retratando paisagens e animais selvagens. Mostrou também narrativas de lutas heroicas e lendas. Tecnicamente, utilizou-se de cores fortes, ricas em tons, aplicadas com pinceladas rápidas e vigorosas. Acentuou em suas figuras o forte contraste entre a luz e a sombra. Na composição das obras, aparece o uso da diagonal, que imprime ao quadro força e dinamismo.

França

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Jean-Louis André Théodore Géricault (1791-1824) lançou o Romantismo na França com a obra

A balsa do Medusa. Teve carreira meteórica, com apenas uma década de duração, pois

faleceu aos 32 anos. Apesar de ter feito apenas três exposições, deixou para o Romantismo

um legado muito rico.

Géricault, Figura 7.10. A balsa do Medusa (1818-19), óleo de 40,64 cm x 59,69 cm exposto

no Museu do Louvre, em Paris. Retrata um acontecimento da época, que comoveu a

França e causou grande escândalo político: o naufrágio, em 2 de julho de 1816, na costa

de Marrocos, da fragata francesa Medusa, que transportava colonos franceses para o

Senegal. O naufrágio se deu pela incompetência do capitão, que havia sido nomeado

politicamente, e grande número de mortes aconteceu por não haver número suficiente

de botes salva-vidas a bordo. Restos do navio serviram como balsa para 149

sobreviventes, que foram arrastados, sem rumo, por mar aberto, durante 27 dias. O

dramático episódio sensibilizou Géricault, que estudou todos os detalhes do episódio,

procurou pelos sobreviventes e enfermos, viu os mortos e, horrorizado, traduziu a íntima

realidade humana em pintura. O desespero, a doença e a loucura, que afetam a condição

humana, tornaram--se temas favoritos de Géricault durante uma fase de sua vida.

Chegava a visitar hospitais e necrotérios para desenhar esse lado obscuro da existência

humana.

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Delacroix, Figura 7.11. A Liberdade guiando o povo (1830), exposta no Museu do Louvre, em Paris. Nesta obra, Delacroix expressa toda a força e aspiração do Romantismo, quando a Liberdade, representada pela figura de uma mulher empunhando a bandeira francesa, conduz seu povo à vitória.

Após a morte de Géricault, Eugène Delacroix (1798-1863) tornou-se o principal representante do movimento romântico francês. Também se utilizava de temas comoventes, baseados em fatos reais e da literatura, para suas obras. Em 1832, visitou o Marrocos e ficou fascinado pelas figuras exóticas dessa cultura, com suas roupas de cores intensas. Produziu inúmeros esboços e, a partir daí, por décadas, impôs um ritmo intenso em sua obra, com cores e formas voluptuosas, representando animais, como tigres, leões e cavalos, todos em cenários de batalhas.

Espanha Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) trabalhou para a corte espanhola, retratando seus nobres, mas também se interessou por retratar pessoas do povo. Cenas mitológicas e históricas e os horrores da guerra também foram temas de suas obras.

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Goya, Figura 7.12. Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808, exposta no Museu do Prado, em Madri. Na obra, que retrata o fuzilamento de cidadãos espanhóis contrários à ocupação de seu país por soldados franceses, a mando do imperador Napoleão I, a disposição das figuras e da luz na tela cria uma diagonal que dá força e movimento à composição. A luz incidente no homem de camisa branca, que mantém os braços levantados, focaliza sua coragem diante do iminente fuzilamento. Seu rosto tem expressão, enquanto os soldados, que matam, não têm rostos, são anônimos. Goya traduz a revolta do povo contra a tirania e a opressão.

Goya, Figura 7.13. La Maja desnuda (1790-1800), obra exposta no Museu

INGLATERRA

Dois nomes se destacam no romantismo inglês: Joseph Mallord William Turner (1775-1851) e John Constable (1776-1837), que tinham em comum o interesse pela pintura paisagística, gênero que já vinha sendo cultivado desde o século XVIII. Enquanto Constable retratava a natureza, principalmente os lugares em que viveu, com uma técnica suave e delicada, sempre mostrando paisagens calmas, com grande realismo e riqueza de detalhes, Turner, que também começou pintando paisagens bucólicas e com técnica semelhante à de Constable, logo se desviou deste caminho, desenvolvendo um estilo bastante distinto. Passou a se interessar pelos aspectos mais selvagens e intranquilos da natureza, abandonando as paisagens campestres e adotando a instabilidade da atmosfera como tema para suas obras. Priorizou a

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luz e as cores em seus trabalhos, tornando-se gradativamente mais abstrato, sem que tivesse esta intenção. Por isso, Turner é considerado um precursor do impressionismo francês, movi-mento que só surgiria algumas décadas depois.

Constable, Figura 7.14. A carroça de feno (1821), exposta na National Gallery de Londres

Turner, Figura 7.15. Chuva, vapor e velocidade (1844), exposta na National Gallery de Londres. O artista usa a paisagem como pretexto para seu trabalho, pois está mais preocupado em captar a luz e as cores do local. Pela primeira vez aparece, numa pintura, uma máquina: a locomotiva que desponta em meio às nebulosas pinceladas.

Romantismo no Brasil

O Romantismo no Brasil manifestou-se com maior intensidade no campo da literatura, com destaque para Casimiro de Abreu (As primaveras, coletânea de poemas), José de Alencar (Senhora, Lucíola), Castro Alves (A cachoeira de Paulo Afonso, A Revolução de Minas,

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Espumas flutuantes), Álvares de Azevedo (Lira dos vinte anos), Joaquim Manuel de Macedo (A moreninha, O moço loiro) e Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um sargento de milícias). A arte no Brasil dependia do governo, que declarara o Neoclássico como estilo oficial do império, sob a direção de artistas da Missão Francesa, trazidos pelo príncipe-regente D. João. Alguns pintores brasileiros, embora ainda contagiados pelo academicismo, que se irradiava da Escola Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, buscando valorizar o nacionalismo, retrataram fatos históricos de nosso país e com isso contribuíram para a formação de uma identidade nacional. As obras principais deste período são: A batalha do Avaí, de Pedro Américo, e A batalha de Guararapes, de Victor Meirelles.

Victor Meirelles, Figura 7.16. A batalha dos Guararapes (1879), exposta no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro