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ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA Ambulatório de Psicologia Infantil do HCFMRP 1 ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA Edna Maria Marturano SUMÁRIO I - A observação clínica no processo diagnóstico II - Particularidades da observação clínica da criança em contexto psicopedagógico III - Base teórica: O Enfoque Estruturalista do Desenvolvimento IV - Roteiro de observação clínica da criança Referências Anexo - Categorias de observação clínica baseadas no EED I - A observação clínica no processo diagnóstico O objetivo da observação clínica é compreender a criança como um todo, antes de iniciar a aplicação de provas e testes que focalizam aspectos isolados de seu funcionamento. Se logo no primeiro contato com a criança você puder formular uma impressão global, ainda que imprecisa, sobre o desenvolvimento e o comportamento do seu pequeno cliente, essa impressão inicial será um esboço útil para integrar as informações dos testes que venha a aplicar depois; a cada novo encontro, o esboço ganha contornos mais precisos, modifica-se e se enriquece com novas informações, sem que se perca a visão do conjunto. Fundamental para quem trabalha em relação de ajuda, o treino em observação consiste em desenvolver certas capacidades inerentes ao ser humano e social que somos. Você será um observador proficiente quando conseguir usar esses recursos como instrumento de observação. Alguns requisitos de um observador clínico que dependem de treinamento: Observar em várias dimensões simultaneamente; monitorar conscientemente cada canal de comunicação empregado pela pessoa observada (gestual, vocal, corporal, espacial, expressivo, simbólico...). Distinguir entre observação e inferência; registrar suas observações originais em linguagem objetiva e precisa, deixando para a fase de análise dos dados as interpretações; formular seu relato deixando explícita a diferenciação entre o que foi observado e o que constitui impressão do observador sobre eventos internos, inferidos a partir do comportamento observado; ser capaz de precisar os indícios em que se baseou para formular suas inferências. Resistir à tendência para tirar conclusões com base em evidências insuficientes; formular suas interpretações, a partir do que observou, como hipóteses que irão ser testadas na continuação do processo diagnóstico.

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ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA

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ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA

Edna Maria Marturano

SUMÁRIO

I - A observação clínica no processo diagnóstico

II - Particularidades da observação clínica da criança em contexto

psicopedagógico

III - Base teórica: O Enfoque Estruturalista do Desenvolvimento

IV - Roteiro de observação clínica da criança

Referências

Anexo - Categorias de observação clínica baseadas no EED

I - A observação clínica no processo diagnóstico

O objetivo da observação clínica é compreender a criança como um todo, antes

de iniciar a aplicação de provas e testes que focalizam aspectos isolados de seu

funcionamento. Se logo no primeiro contato com a criança você puder formular uma

impressão global, ainda que imprecisa, sobre o desenvolvimento e o comportamento

do seu pequeno cliente, essa impressão inicial será um esboço útil para integrar as

informações dos testes que venha a aplicar depois; a cada novo encontro, o esboço

ganha contornos mais precisos, modifica-se e se enriquece com novas informações,

sem que se perca a visão do conjunto.

Fundamental para quem trabalha em relação de ajuda, o treino em observação

consiste em desenvolver certas capacidades inerentes ao ser humano e social que

somos. Você será um observador proficiente quando conseguir usar esses recursos

como instrumento de observação. Alguns requisitos de um observador clínico que

dependem de treinamento:

Observar em várias dimensões simultaneamente; monitorar conscientemente

cada canal de comunicação empregado pela pessoa observada (gestual, vocal,

corporal, espacial, expressivo, simbólico...).

Distinguir entre observação e inferência; registrar suas observações originais em

linguagem objetiva e precisa, deixando para a fase de análise dos dados as

interpretações; formular seu relato deixando explícita a diferenciação entre o

que foi observado e o que constitui impressão do observador sobre eventos

internos, inferidos a partir do comportamento observado; ser capaz de precisar

os indícios em que se baseou para formular suas inferências.

Resistir à tendência para tirar conclusões com base em evidências insuficientes;

formular suas interpretações, a partir do que observou, como hipóteses que irão

ser testadas na continuação do processo diagnóstico.

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II - Particularidades da observação clínica da criança em contexto

psicopedagógico

Interessam particularmente ao diagnóstico psicopedagógico em crianças os

aspectos relativos ao potencial de aprendizagem, que em última análise correspondem

a dois componentes amplos do seu funcionamento atual: o estágio de

desenvolvimento em que se encontra quanto à capacidade de elaboração da

experiência e o grau de flexibilidade de seus processos adaptativos.

Para compreender, descrever e avaliar o funcionamento atual da criança em

relação ao potencial de aprendizagem é necessário dispor de um referencial conceitual

do qual possam ser derivadas categorias de observação que dêem conta desses

processos de desenvolvimento. A moldura conceitual adotada para o treinamento em

observação clínica psicopedagógica é a do Enfoque Estruturalista do

Desenvolvimento (EED, Greenspan e Greenspan, 1993).

III - Base teórica: O Enfoque Estruturalista do Desenvolvimento

O EED aborda o modo como uma pessoa organiza a experiência em cada

estágio do desenvolvimento.Focaliza dois componentes do mundo experiencial de

uma pessoa: o nível de organização da experiência e o tipo de experiência organizada.

Usando uma metáfora dos autores, pode-se dizer que o nível de organização

corresponde ao palco e o tipo de experiência, ao drama, incluindo preocupações,

inclinações, desejos, medos específicos, etc. Em cada fase evolutiva, há características

que definem a capacidade de organização da experiência - estabilidade, contorno e

dimensões do palco - e dramas ou temas apropriados à idade, caracterizados por sua

riqueza, profundidade e conteúdo (Greenspan e Greenspan, 1993).

Essas características de organização e esses temas específicos a cada fase

oferecem um conjunto de indicadores clínicos baseados em comportamentos

esperados para cada estágio do desenvolvimento. Partindo desses indicadores, o EED

permite avalir capacidades adaptativas esperadas, limitações e conflitos.

Dois pressupostos sustentam o modelo: (a) a experiência é organizada

hierarquicamente, ao longo do desenvolvimento, em relação a uma série de desafios

ou tarefas evolutivas, específicas a cada estágio; (b) a capacidade de organização da

pessoa progride para níveis superiores à medida que esta amadurece.

Níveis de organização da experiência

De acordo com Greenspan e Greenspan (1993), a criança pequena pouco a

pouco organiza sua experiência interpessoal em quatro níveis de complexidade

crescente:

1º - Atenção Compartilhada e Engajamento

2º - Comunicação Intencional Não-verbal

3º - Elaboração e Compartilhamento de Significados

4º - Diferenciação Representacional ou Categorização de Significados

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1º Nível - Atenção Compartilhada e Engajamento

No bebê, este nível corresponde aos primórdios da regulação, do interesse pelo

mundo e da vinculação. A Atenção Compartilhada depende em parte da capacidade

para assimilar informações através de cada modalidade sensorial; reatividade

exagerada ou insuficiente afetam a atenção; tono muscular, coordenação motora e

planejamento motor também influem. O Engajamento, relativo à qualidade da relação

interpessoal, requer que ambas as partes sintam-se conectadas uma à outra.

2º Nível - Comunicação Intencional Não-verbal

Neste segundo nível, a criança já é capaz de envolver-se em comunicação

objetiva e começa a organizar um senso de “eu”. Gestos e mutualidade caracterizam

os processos de organização da experiência neste nível. As mensagens emocionais

básicas da vida são comunicadas através de gestos: expressões faciais, sons, postura,

tom e ritmo da voz, movimentos dos braços e pernas, etc. A mutualidade implica em

que a criança emite e recebe esses gestos. Com o tempo, a comunicação por gestos

ajuda a criança a organizar o comportamento, bem como um senso emergente de “eu”

mais e mais complexo; ela emite e recebe gestos que ajudam a definir esse “eu”

emergente, pela reação dos outros às suas manifestações.

A comunicação intencional e interativa estabelecida no segundo nível é a

base para o raciocínio verbal e para a adaptação emocional: a capacidade para

organizar o comportamento e as emoções e a habilidade para comunicar-se

intencionalmente com gestos e comportamentos andam lado a lado e ajudam a criança

a integrar e compreender o mundo.

3º Nível - Elaboração e Compartilhamento de Significados

Aqui, o uso funcional e interativo de palavras é realizado para comunicar

desejos ou intenções, sentimentos e pensamentos. O jogo simbólico atende às mesmas

funções. O significado compartilhado envolve a comunicação de idéias.

4º Nível - Diferenciação Representacional ou Categorização de Significados

Neste nível, o significado compartilhado é usado não só para elaborar desejos e

sentimentos, como nos jogos de faz-de-conta, mas também para categorizar

significados e solucionar problemas, como nas conversas lógicas. A criança pode

fazer conexões entre diferentes idéias ou sentimentos e equilibrar fantasia e realidade.

Já existe um "eu" simbólico e um "você" simbólico, permitindo que a criança possa

ter um diálogo lógico de "mão-dupla" e discriminar a fantasia da realidade. A

capacidade para categorizar a experiência ajuda a criança a elaborar seus sentimentos

com base em comunicações feitas por outros.

Os níveis de organização da experiência na entrevista clínica com crianças

Aos 18 meses, uma criança terá integrado o 1º e o 2º nível de organização da

experiência; por volta dos 42 meses, terá o domínio dos quatro níveis. Durante uma

entrevista clínica, é possível observar como crianças maiores transitam entre eles. Por

exemplo, na chegada da criança tem lugar um primeiro contato que corresponde ao

estágio de engajamento; nos primeiros contatos visuais e gestos, todo um sistema de

comunicação pré-verbal se manifesta.

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Formas de comunicação mais complexa e intencional surgem durante o

"rapport" e o início de atividades com materiais; se há brincadeiras ou desenho livre e

a criança elabora e comunica fantasias, pode-se observar seus modos de elaboração e

compartilhamento de significados. Por fim, o nível de categorização de significados

emerge quando a criança constrói pontes entre os domínios da experiência.

IV - Roteiro de observação clínica da criança

A entrevista orientada para a aprendizagem é um contexto propício à

observação clínica de crianças com dificuldades no aprendizado escolar. Diante de

uma diversidade de materiais pedagógicos e lúdicos é pedido à criança que mostre o

que já sabe fazer, o que aprendeu, e o que as pessoas lhe ensinaram. Em face desta

proposta, a criança poderá reagir de diferentes formas, cabendo ao entrevistador fazer

algumas intervenções que permitam a observação de mudanças de condutas em geral,

possibilidades de organização e desorganização do examinando, suas verbalizações,

omissões, esquiva e aproximação, entre outros. A intenção é que a criança construa a

entrevista de maneira mais espontânea, porém dirigida de forma experimental

(Medeiros e Loureiro, 2004).

Materiais

Os materiais a serem apresentados para a criança na fase escolar deverão ser

apresentados dentro de uma caixa fechada, tamanho 30 x 16 cm: folhas lisas tamanho

papel de carta, ofício ou A4, folhas pautadas tamanho pasta única, papel fantasia

(cortado em quadrados de 10 x 10 cm, em diversas cores), dois livros de estória (um

nível fácil e outro médio), duas revistas, dois lápis novos não apontados, um

apontador, uma caneta esferográfica, uma borracha, uma tesoura sem ponta, um frasco

de cola, uma régua, marcadores de livro, clipes e miniaturas (animais, veículos,

pessoas).

Para fins de treinamento do examinador e relato posterior da sessão, utiliza-se

um gravador de som e fita cassete.

Preparação

Verifique todo o material da caixa. Antes de trazer a criança ao local da

entrevista, faça um teste de gravação, verificando se o equipamento está em ordem e

se o som está regulado a uma altura suficiente para captar as falas. Após o teste,

verifique se você ligou corretamente o equipamento no modo de gravação.

Condução da entrevista

Como em todos os contatos feitos com uma criança, não se deve iniciar a

sessão diretamente com a instrução da técnica. Ao chegar com a criança na sala,

convide-a para entrar e dirija-se á mesa, oferecendo-lhe também uma cadeira.

Converse por alguns minutos antes de apresentar o material da entrevista; o conteúdo

desta conversa pode variar dependendo se você está vendo a criança pela primeira vez

ou se já teve contato prévio com a mesma.

A forma de administração da entrevista consiste em pedir à criança que mostre

o que já sabe fazer, o que aprendeu e o que as pessoas lhe ensinaram. Em face dessa

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proposta, a criança poderá reagir de diferentes formas como falar, ficar paralisada,

ignorar o material, entre outras. Cabe à entrevistadora fazer algumas intervenções ou

manobras que permitam a observação de mudanças de conduta em geral.

Após um breve rapport, introduz-se a entrevista com a seguinte frase: “Eu

gostaria que você me mostrasse o que sabe, o que lhe ensinaram e o que aprendeu”.

A seguir, indicando o material dentro da caixa: “Este material é para que você use se

precisar para mostrar-me o que falei que queria saber de você”.

Iniciada a aplicação com a instrução acima, a entrevistadora pode intervir para

facilitar a participação da criança e para a transição de uma atividade a outra. As

intervenções ou manobras podem ser em quatro níveis (Visca, 1987): (a) resposta

gestual (qualquer gesto da entrevistadora que tenha por sentido mobilizar a

criança: aceno da cabeça, sorriso, gesticulação como apontar); (b) proposição

aberta de mostrar outra coisa (“Agora eu gostaria que você me mostrasse outra

coisa que aprendeu, que sabe ou que lhe ensinaram”); (c) proposição fechada de

mostrar outra coisa (“Você já me mostrou como desenhar, agora eu gostaria que

você me mostrasse outra coisa qualquer que não seja desenhar”); (d) modelo de

alternativa múltipla (“Você pode desenhar, escrever, ler, fazer alguma coisa de

matemática ou qualquer outra coisa que lhe venha à cabeça”). Uma ordem de

preferência para utilização das manobras verbais é sugerida no Quadro 1.

Sugere-se que as sessões sejam gravadas em fitas cassetes e durante a

aplicação da entrevista podem-se fazer anotações das observações do comportamento

da criança para complementar o registro das sessões. A duração média da observação

clínica é de 30 a 45 minutos.

Quadro 1 Hierarquia de manobras para facilitar a transição de uma atividade a outra.

Manobra Quando usar Exemplo

1. proposição aberta

de mostrar outra

coisa

De preferência usar esta manobra,

por ser a que deixa a criança mais

livre na escolha do que fazer.

"Agora eu gostaria que você me

mostrasse outra coisa que

aprendeu, que sabe ou que lhe

ensinaram"

2. proposição fechada

de mostrar outra

coisa

Usar esta manobra apenas quando a

criança, após a manobra anterior,

meramente repetiu atividade já feita

(desenho, por exemplo).

"Você já me mostrou como

desenha, agora eu gostaria que

me mostrasse outra coisa

qualquer que não seja desenhar"

3. modelo de

alternativa múltipla

Usar esta manobra quando a criança

demonstra dificuldade para decidir o

que fazer (por exemplo, quando

permanece inativa após a intervenção

do examinador solicitando nova

atividade)

"Você pode desenhar, escrever,

ler, fazer alguma coisa de

matemática ou qualquer outra

coisa que lhe venha à cabeça"

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Análise

A análise consiste de duas fases: transcrição da entrevista e organização dos

dados.

1. Transcrição da Entrevista – Se possível mediatamente após o término da

sessão, deve ser feito o relato escrito da mesma, a partir do registro gravado

complementado pelas observações do examinador. Esse relato deverá

respeitar a seqüência em que os eventos ocorreram durante a sessão. Deverá

reproduzir as ações, verbalizações, expressões faciais, contatos visuais e

outros sinais emitidos pela criança.

2. Organização dos dados - Em um segundo momento, o conteúdo do relato

escrito da entrevista é organizado segundo as categorias de observação do

comportamento do EED, propostas por Greenspan e Greenspan (1993):

desenvolvimento físico e neurológico; humor; capacidade para

relacionamentos humanos; afetos e ansiedade; uso do ambiente;

desenvolvimento temático; reações subjetivas do entrevistador. A essa lista

devem ser acrescentadas as categorias desenvolvimento cognitivo e atitude

frente à avaliação da aprendizagem.

Relatório

O relatório contém a síntese da entrevista clínica. Nessa síntese são resumidos

os tópicos apresentados no roteiro de análise. Hipóteses são levantadas sobre o

funcionamento atual da criança.

O relatório da observação clínica compreende três partes:

1. descrição acurada do comportamento nas categorias analíticas do EED

2. avaliação da adequação aos padrões esperados para a idade, de acordo

com a formulação de Greenspan e Greenspan (1993)

3. formulação de hipóteses sobre o funcionamento geral:

- padrões adaptativos favoráveis ao desenvolvimento

- graus de restrição na flexibilidade do potencial adaptativo

- enfrentamento da situação de avaliação da aprendizagem

Referências

Greenspan, S. I. e Greenspan, N. T. (1993). Entrevista clínica com crianças. Trad.

Daise Batista. Porto Alegre, Artes Médicas.

Medeiros, P.C. e Loureiro, S.R. (2004). A observação clínica do comportamento de

crianças com queixa de dificuldade de aprendizagem. Em E. M. Marturano, M. B.

M. Linhares e S. R. Loureiro (orgs.) Vulnerabilidade e proteção: indicadores na

trajetória de desenvolvimento do escolar. (p. 107-136) São Paulo: Casa do

Psicólogo; FAPESP; 2004.

Visca, J. (1987) - Clínica Psicopedagógica - Epistemologia convergente. Porto

Alegre, Artes Médicas.

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Anexo - Categorias de observação clínica baseadas no EED

Múltiplas linhas de desenvolvimento: requerem categorias de observação

que permitam múltiplas leituras do mesmo evento, ou seja, observação da criança sob

diferentes ângulos na mesma situação. Greenspan e Greenspan (1993) apresentam as

seguintes categorias de observação do comportamento da criança, cuja leitura

recomendamos ao leitor:

1. Desenvolvimento físico e neurológico

motricidade:

tonus, postura, marcha, equilíbrio

coordenação motora grossa

coordenação motora fina

integração dos movimentos

fala; qualidade da voz; tom de voz

senso-percepção:

sistema sensorial: visão, audição, tato

intensidade da reação ao estímulo

processamento da informação: auditivo-verbal; visual-espacial

coordenação viso-motora

bem-estar físico geral:

altura, peso, tonalidade da pele, saúde geral

aparência

atenção:

nível de atividade: basal e variações

atenção / concentração

interferências na atenção e na atividade

2. Humor

Tom emocional geral: depressão / elação; tristeza / euforia; apatia / vigor; etc

3. Capacidade para relacionamentos humanos

Como a criança se relaciona com os outros, em particular o examinador;

como inicia o contato:

(a) como estabelece uma qualidade de vinculação e relacionamento: gradualmente

/ rapidamente / de modo intermitente;

(b) grau de profundidade dessa qualidade

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Níveis de negociação do relacionamento (os níveis organizacionais):

1. em nível não verbal: (a) atenção e engajamento; (b) comunicação gestual

intencional (gestos comunicativos simples / uso de gestos complexos para

negociar o relacionamento)

2. em nível verbal / simbólico: (a) comunicação verbal direta e simples; seqüências de

brincadeiras; uso da fantasia; (b) intercâmbio baseado na realidade, com

conexões lógicas entre idéias ou entre sentimentos

Conteúdos e temas particulares pelos quais a criança demonstra interesse, como parte

dos relacionamentos.

Aspectos a serem observados: relacionamentos na sala de espera; distância espacial

mantida em relação ao examinador, contato verbal e visual, reação ao examinador

comparada à reação aos materiais da sala.

4. Afetos e ansiedade

Afetos

Emoções elaboradas no início da entrevista; seqüência de emoções em torno de

atividades particulares durante a entrevista; mudanças no afeto ao longo da entrevista

Tópicos a serem observados:

Intensidade dos afetos

Faixa de afetos

Estabilidade dos afetos manifestados

Afetos dominantes

Riqueza e profundidade dos afetos

Adequação ao esperado para a idade

Uso dos afetos para negociar a interação

Níveis de comunicação dos afetos (os quatro níveis organizacionais): quais os

afetos mais presentes em cada nível de comunicação? nível de

desenvolvimento em que os afetos são organizados

Contexto em que os afetos surgem; variação e adequação em relação aos temas

que os suscitam

Ansiedade

Indicadores:

- perturbação súbita no desenvolvimento de um tema ou de um estilo de

relacionamento em curso

- mudança na comunicação:

-de um nível superior para um nível inferior

- de um modo adaptativo para outro mal-adaptativo no mesmo nível;

- estreitamento na faixa temática dentro do nível

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Importante: observar: reação da criança à ansiedade e grau até onde pode reorganizar-

se sem auxílio; temas que precedem a perturbação e seqüência de temas

que a seguem. Observar como a criança lida com a ansiedade antes de

interferir para confortá-la.

5. Uso do ambiente

Uso do ambiente pela criança, incluindo sala de espera e consultório, sendo

este com o examinador, os objetos e o próprio espaço; observar como ela integra o

ambiente do consultório.

6. Desenvolvimento cognitivo

Capacidade de planejamento e antecipação da ação; estratégias de resolução de

problemas; estilo cognitivo (impulsivo x reflexivo); recursos de linguagem;

compreensão verbal; uso, recuperação e processamento da informação (classificação,

associação, estabelecimento de relações); orientação temporal e espacial.

7. Desenvolvimento temático

Tema: inclui tanto o conteúdo da comunicação verbal como o modo como a criança se

comunica.

Tópicos a serem observados:

Organização: presença ou ausência de elos lógicos conectando os elementos

temáticos, segundo critérios de idade.

Níveis de organização dos temas

Sugestão de categorias temáticas para esta análise: dependência (ansiedade de

separação) e intimidade; prazer, excitação e sexualidade; assertividade, curiosidade,

competição, raiva e agressão (medo / preocupação); auto-estabelecimento de limites,

empatia e formas mais maduras de amor.

Riqueza e profundidade: superficial / complexo; fragmentado / significativo, segundo

critérios de idade; grau até onde a criança pode desenvolver uma história antes de

encontrar restrições ou bloqueios que impeçam seu desdobramento.

Seqüência temática: permite localizar indicadores de preocupações e questões centrais

da criança, bem como dos tipos de defesas usadas por ela contra as preocupações.

Adequação à idade: nível etário a partir do qual os conflitos da criança se derivam e

modo como lida com os conflitos.