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cultura cotidiano e memória 2014 - Número 1

Santo André em revista

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culturacotidiano e memória

2014 - Número 1

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Embora eu não seja natural e nem more em Santo André, uma sementi-nha da curiosidade foi plantada por meus pais ao me apresentar, desde criança, o lugar no qual nasceram e cresceram. Eu ainda era bebê de colo

quando fiz minha primeira viagem para lá e quem conta essa história é meu pai. Depois disso, era comum visitar meus avós em feriados, fins de semana ou, claro, nas festas juninas. Sim, eu me lembro do quanto achava interessante ir para casa de vô Biu. Éramos recepcionados na cozinha, xerém com leite e bolo de coco feito no forno à lenha. Quando anoitecia, eu gostava de acender as lamparinas e, quando era a hora, apagar também. Antes de dormir, lembrava a vó Zefinha que me acordasse bem cedo, para fazer o que ela fazia ao levantar: Alimentar as galinhas jogando milho que ela pegava com a cuia e gritando “ti ti ti”... Confesso que não gostei muito quando chegou luz elétrica na cidade porque o que era diferente que me atraía. Inclusive passear na carroça de boi quando íamos ou voltávamos da feira. Ia sozinha explorar o roçado, olhar a paisagem, ficar à sombra do pé de manga. Gostava de sair até às casas vizinhas para visitar as pessoas e prosear junto com meu pai. Interessava-me pelos ob-jetos que antes eu não entendia o que eram nem para que serviam; E também pelas histórias de assombração contadas por vó. Mais ainda, dos banhos de açude pela região. Ao ir crescendo, a frequência dessas visitas foi diminuindo devido aos compromissos de estudo e também de trabalho. Mas, então, surgiu a ideia de oficialmente arriscar em compreender e conhecer mais de Santo André por meio desta produção. Foi um trabalho desafiador não só por ser um Tra-balho de Conclusão de Curso, mas principalmente por tentar, nessas páginas, pincelar um pouco de um lugar que fez parte da vida dos meus pais, da vida da minha família e também da minha infância. Com a esperança, claro, de que o produto final seja lido e compartilhado por meio do acesso livre a cada cidadão santoandreense, parentelas e agregados. Divirtam-se e boa leitura!

editorial

Jaqueline Oliveira

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06 Nos tempos do ouro branco

08 Como não botar lenha na fogueira

10 Colheita do conhecimento

12 Santo André na II Guerra

14 Viva o São João

15 Cariri de fé

18 O mundo [a]fora de casa

23 Sanfona que rastapé

24 Valeu boi

28 Turismo Arqueológico

40 Uma aula sobre cordel

42 O nó que une as duas Marias

46 Cenário passado ainda presente

Expediente

Universidade Estadual da ParaíbaComunicação Social - JornalismoTrabalho de Conclusão de Curso

Orientadora: Agda Patrícia Pontes de Aquino

Banca Examinadora: Adriana Alves RodriguesMaria do Socorro Tomaz Palitó Santos

Orientanda, repórter: Jaqueline Oliveira

Fotografia: Jaqueline OliveiraCapa e Editorial - Maria Clara MonteiroMuseu Professora Maria Pereira de BritoFoto divulgação BanFaS Prf. CarlinhosArquivo pessoal Alícia Braziliano

Ilustração e fotografia ilustrativa:Internet

Logotipo:Chateaubriand Almeida

Projeto gráfico:Fernanda CastroJaqueline OliveiraRaylane Barros

Diagramação e edição de fotos:Fernanda CastroRaylane Barros

Edição número 1Julho de 2014

sumário

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A distância até a capital, João Pessoa, é de 235 km

Fonte: IBGE

O processo de povoamento de Santo André está relacionado à doação de terras para colo-

nização em 1669. Os registros exis-tentes foram analisados em pesquisa pelo atual padre da região, João Jorge Rietveld. E, por dados de 1775, ele chegou à conclusão que Santo André era uma fazenda ligada a um enge-nho no litoral, de mesmo nome. Ou seja, o gado do interior a serviço dos engenhos no litoral, já que lá o espaço era dedicado apenas à cana-de-açú-car: “A minha visão é que a economia açucareira e a economia pecuária eram ligadas naquele tempo, mas em espaços diferentes”, comenta.

De 1856 a 1861, houve um surto

de cólera e os habitantes fizeram uma promessa a São Sebastião para cessar a doença. Então, em 1908, houve a construção de uma capela na região. Mais tarde, padre Cícero doou a ima-gem do Sagrado Coração de Jesus à cidade. Esses fatos, ligados ao surgi-mento da feira, contribuíram para o crescimento da vila Santo André. Que era um ponto de parada de almocre-ves e tropeiros tanto para comércio como para descanso. Eles conduziam animais de carga e eram responsáveis pelo abastecimento do interior de alguns estados do nordeste, como Pernambuco e Rio Grande do Norte. Vendiam produtos como feijão, fari-nha, milho, arroz e rapadura.

Surgimento

Área da unidade territorial: 2.638km²

Limites: Gurjão, Taperoá, Parari e Juazeirinho

Mesoregião: Borborema

Microregião: Cariri Ocidental

Bioma: Caatinga

Clima: Semi-árido

Fundação: 29 de Abril de 1994

População estimada 2013: 2.565População 2010: 2.638

Densidade demográfica (hab/km²): 11,72

População residente, religião católica apostólica romana: 2.116

População residente, religião espírita: 4

População residente, religião evangélica: 50

Dados

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Santo André, a princípio, tinha apenas a Rua Norte e a Rua Sul, havendo muito estabelecimentos comerciais. Duas árvores eram responsáveis pelas sombras que serviam de local para a venda de frutas.

Em 1941, chegou a imagem do apóstolo Santo André, comprada pelo Padre João Noronha e doado a Ursulina Alves de Medeiros, maior proprietária daquele povoado. Os dois decidiram que o padroeiro merecia um lugar ao lado do Sagra-do Coração de Jesus. Veio de Recife para Taperoá e, então, de Taperoá a Santo André em uma procissão de cinco léguas

acompanhada por flores, homenagens e cânticos.

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A economia de Santo André, entre os anos de 1965 e 75, esteve em alta com o chama-

do ouro branco. O termo se referen-te à cultura do algodão que foi de considerável importância no contexto econômico-social da região nordeste e base da agricultura naquele período.

O algodão possibilitou a chamada agricultura familiar, pois seu pro-cesso de plantio e colheita envolvia toda a família. Até as crianças que ainda não andavam eram levadas ao roçado, colocadas sob um lençol em uma sombra e enquanto dormiam, o trabalho continuava. O agricultor

José Dimas, que viveu essa realidade, comenta que “existia uma cultura na família que era o seguinte: Se o meu filho conseguisse apanhar um mon-tinho de algodão, no final de semana eu trazia um bombom da feira. E aí você ia motivando. Todo mundo trabalhava”.

A renda possibilitada pelo algodão era aplicada para fazer as compras, pagamentos e organizar a própria safra. Segundo Dimas, a exceção se dava no encerramento desse ciclo, outubro e começo de novembro, quando “ficava a catarge – os últimos algodões a ficarem verdes. Aquele

dinheiro, a família juntava para com-prar a roupa do Natal”.

A cada safra, cerca de 10 cami-nhões de algodão eram tirados em Santo André. Para viabilizar seu comércio, existia a figura do inter-mediário, comprador da cidade que repassava o produto. Os intermedi-ários mais conhecidos eram Alcino e José Bolacha. Eles compravam o algodão de Santo André e vendiam, geralmente, para os municípios de São Mamede e Campina Grande. Tudo era aproveitado, inclusive o caroço, que servia exclusivamente de alimento para o gado.

economia

Nos tempos do ouro branco

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A praga do bicudo e a deca-dência do algodão

Primeiramente, a praga do bicudo, inseto nocivo ao algodão, foi desco-berta na região Sul e Sudeste do Brasil. Após dez anos, ele chega no Nordeste, atingindo o estado de Pernambuco e se espalhando até o cariri da Paraíba. Desde sua chegada no cariri, levou também cerca de dez anos para o algodão ser extinto devido a ação do bicudo.

As estratégias de combate à pra-ga não foram eficientes, visto que a informação que se tinha era mínima. Segundo José Dimas, o que deveria ter sido feito, assim como na região sul, seria pulverizar a plantação todos ao

Retomada do algodão e a praga da cochonilha

Se quando o bicudo atingiu o algodão na Paraíba e no Nordeste em geral, faltou da parte dos órgãos públicos pesquisa e ação visando o combate da praga, atualmente, por meio de um projeto da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária), está havendo na região de Prata e Monteiro, nesses últimos três anos, uma tentativa da retomada do algodão. A ideia é alternar as fileiras de plantio em relação ao produto. Ou seja, não deixar o algodão muito próximo um do outro. Dessa forma, ainda que possa haver uma infestação, não atinge todo o cultivo. O projeto tem o objetivo, ainda, de produzir com consciência agroecológica, sem utilização de veneno e afins.

Segundo Denys Cavalcante, secretário de agricultura de Santo André, já havia destino, desde seu planejamento, da produção alcan-

mesmo tempo e exterminar o cam-pos após a safra investindo, então, na produção de outro tipo de cultivo. Ou seja, manter uma rotatividade de cultura. Porém, devido a espécie de algodão cultivada em Santo André, a questão se complicava, pois as safras consistiam não no replantio do algo-dão, mas em manter a mesma planta e apenas podá-la e aguardar seu florescimento. Então, “você elimina-va seu campo aqui, mas seu vizinho não eliminava o dele. O bicudo não conseguia sair de forma nenhuma”, explica Dimas.

Como não houve de fato uma forma eficiente para a exterminação do bicudo, o que restou ao agricul-tor de Santo André foi redirecionar a produção. Momento esse que se acentuou a caprinocultura e, com os grandes criadores de bois, a expansão da bovinocultura com foco na produ-ção de queijo.

çada nessas cidades por meio desse método. Ele defende que existe, sim, mercado atualmente, o único pro-blema é que precisa conter a questão da praga: “O Estado enquanto nação quando vai pensar em uma forma de controle, é quando está praticamente se erradicando a cultura. Isso era pra ter pensado assim, surgiu o bicudo hoje, então vamos começar a traba-lhar, estudar e pesquisar. Da mesma forma com a palma. Eu diria que nós vivemos isso hoje com a palma, que sustentava o rebanho. E agora sem, passa a depender diretamente das chuvas”.

Nos tempos do ouro branco, o agricultor tinha uma renda porque tinha o algodão, que não era para con-sumo, mas uma renda extra. “Depois do algodão, ele passou a depender diretamente das questões climáticas porque quando tem o milho e feijão, assim mesmo é para subsistência”, ob-serva Denys. Essa produção que não é significativa em quantidade, quando precisa ser vendida, não dá lucro, pois tem que vender por um preço total-mente irrisório.

“Hoje a questão da evolução vai melhorando e eu acho que tinha tudo ainda para na nossa região ter algo-dão”, relata José Dimas. Segundo ele, mais um impasse a se resolver seria justamente por causa dessa tecnologia atual a favor mais das indústrias que do homem do campo. Pois, além de terem que competir, em termo de pro-dução, com as regiões Sul e Sudeste, que da preparação do solo à colheita contam com os recursos maqui-nários, o contexto cultural e social sofreu também alterações. A mão de obra é escassa: “Você não vê hoje jovem na agricultura. Primeiro, ele vai estudando. Então, não vai querer trabalhar agora. Ele pode até voltar para agricultura, se já tiver nesse processo uma parte já mecanizada. Algo para que não precise fazer como era feito no passado, morrer de trabalhar”, argumenta.

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Quem pensa que em cidade do interior a madeira é apenas utilizada para mantimento

do fogão à lenha, se engana. Embora mais escassa nos dias atuais a produ-ção artesanal dessa matéria-prima, podemos encontrar, em Santo André, o senhor João Martins de Araújo. Mais conhecido como João Venâncio e exemplo que não é bem assim que as coisas por lá funcionam.

Aos 77 anos, em seu tempo livre, gosta de dedicar atenção para dar forma e vida à sua arte. Fruto da curiosidade ao ver seu cunhado tra-balhar com essa vertente do artesana-to, começou a ajudá-lo na produção quando passou um tempo hospedado

na casa de sua irmã, em Campina Grande, depois de uma viagem ao Rio de Janeiro. Ao pegar a prática, já confeccionava sozinho suas próprias peças.

São diversas frutas esculpidas por meio de ferramentas que ele mesmo improvisou por falta de condições para custear o equipamento espe-cífico. Inclusive o processo de lixar: “Uso a lixa manual, é tudo na mão. Dá uma poeira na vista e um entupi-mento no nariz”... Para completar o roteiro, ele ainda só gosta de traba-lhar exposto ao sol. Como ele diz, “O sol pode ‘tá tinindo’, quanto mais no sol, melhor para trabalhar”. É uma bandeja de opções, literalmente: Caju, pera, carambola, uva, pitanga, laranja, maçã. Não deu por suficiente e incorporou também o abacaxi e a graviola na receita. Suas peças, de bom acabamento e qualidade, são resultado, primeiramente, de muito esforço e coragem.

Há aproximadamente 15 anos que desenvolve esse trabalho, ten-do oportunidade até de apresentar suas obras no Centro de

Convenções Raimundo Asfora, em João Pessoa. Ele diz que pela experi-ência que teve, sua produção é mais valorizada em outras regiões do que na própria cidade: “Fui a João Pessoa, me apresentei lá, gostaram muito, fui bem aceito. Quando eu chego lá, não dá em nada porque eu levo pouco por trabalhar sozinho. Mas o pessoal daqui não gasta dinheiro com essas coisas”, observa.

O fato de sua família ser peque-na, apenas uma filha professora, não permitiu a João Venâncio passar seu aprendizado adiante. Trabalha, então, sozinho. Na verdade, com preocu-pações voltadas para a agricultura e outros afazeres como a criação de suínos, nunca se dedicou exclusiva-mente para a produção artesanal. Por questões de saúde, pausou o projeto por um tempo, quando fez cirurgia para melhorar a visão e passou tam-bém a usar óculos. Ressalta que o fato de mirar muito as peças enquanto trabalha e, principalmente, pela sua idade, pode contribuir para o cansaço na vista.

Apesar de todas as dificuldades encontradas tanto decorrer da pro-

dução como também no âmbito da comercialização na cidade onde

nasceu e reside, Santo André, João Venâncio não desanima:

“É um trabalho que adiantaria muito o meu lado sobre

ganhar dinheiro. Apesar da falta de apoio e de trabalhar só, eu tenho muita prática e vou en-frentar. Pretendo ainda

levar o trabalho à frente”, confessa.

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A partir da madeira de imburana, árvore já escassa na região, João Venâncio desenvolve seu artesanato inspirado na composição presente em uma bandeja de frutas.

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intelectual, estou estudando a fim de

aperfeiçoar os conhecimentos

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Colheita do conhecimentoO sonho de obter uma melhor condição de vida

esteve presente em muitos que nasceram e cresceram em Santo André. Uns iam à busca de

trabalho nas metrópoles; mas outros tinham o objetivo de estudar para aquisição de conhecimento que per-mitisse um futuro com mais conforto e realização por atingir tais ideais.

Para ingressar na jornada de estudante visando um curso superior, de fato, era fundamental coragem, esfor-ço e determinação. As dificuldades enfrentadas por esses sonhadores estavam além do trabalhar da mente para compreender e dar conta das lições passadas. E quanto mais se volta no tempo para analisar a questão, mais fica evidente que embora hajam barreiras no percurso e por mais sofrível que possa ter sido, existe uma enorme sa-tisfação ao término desse ciclo – se é que este possui fim.

Ancelmo Araújo tem muito a contar do que viven-ciou até chegar ao posto de professor nas escolas esta-dual e municipal da cidade. Da primeira à quarta série, estudou com a professora Maria José de Araújo no sítio Campos, onde morava. Nos três anos seguintes, saía do sítio a pé às 15h30 num percurso de quatro quilôme-tros, para pegar um caminhão com destino a Gurjão, 18 quilômetros distante de Santo André. Ao chegar à cidade, por volta da meia noite, retornava os mesmos quatro quilômetros a pé, chegando em casa uma hora depois. Quando estava prestes a iniciar a oitava série, foi fundado o ensino fundamental na escola que atualmen-te leciona. Assim, ele estuda um ano em Santo André e novamente enfrenta mais três anos do Ensino Médio estudando em Gurjão.

Dois anos após ter concluído o Ensino Médio, passou no vestibular para o curso de Licenciatura em Química na Universidade Estadual da Paraíba, campus de Campi-na Grande. Mais um desafio para Ancelmo: 124 quilô-metros que precisavam ser vencidos para a realização de um sonho, na maioria das vezes, dependendo da exis-tência de carona para a viagem. Em Campina, teve apoio familiar dos que moravam na cidade e, então, apenas nos fins de semana retornava para casa. Ainda assim, duran-

te o curso, três vezes foi preciso ir de Juazeirinho ao Sítio Campos a pé, 24 km, porque não tinha dinheiro para o transporte.

Perto de concluir o curso de Química, em 2001, estu-dou paralelamente o curso a nível médio para professor Logos II. De 2004 a 2007, cursou Pedagogia em regime especial, aos sábados, pela Universidade Vale do Acaraú (UVA) em Campina Grande. Nesse período, já existia transporte oferecido pela cidade de Santo André aos estudantes da região que também cursavam um nível técnico ou superior em outra cidade. Mas Ancelmo não parou no segundo curso de graduação. Novamente quando já estava a terminar Pedagogia, ingressou na especialização em Ensino Aprendizagem pela Faculda-de de Ciências Sociais Aplicadas – Facisa. Ele comenta que nessa época já se encontrava casado e com um filho: “mas, com força de vontade e apoio da esposa, conse-gui concluir, considerando a força de vontade um dos pré-requisitos para vencer”, ressalta.

Achando pouco, Ancelmo fez ainda o curso de Coor-denação Pedagógica pelo sistema de Estudo à Distância na Universidade Federal da Paraíba, programa Escola de Gestores do MEC. No momento, é estudante de mes-trado em Ciências da Educação e Multidisciplinaridade pela Furne-CG com a Facnorte do Paraná. Sobre sua ousadia, ele comenta que: “Mesmo casado, com dois filhos e trabalho, mas na certeza de que o conhecimento é fundamental para a vida social e intelectual, estou estu-dando a fim de aperfeiçoar os conhecimentos”.

Sem dúvida, Ancelmo é um batalhador e exemplo a ser observado por qualquer jovem que deseja um futuro que, a princípio, possa estar longe de ser alcançado. Seja pela distância física de um curso ou pelas dificuldades. Até porque, fruto das conquistas para melhoria de vida dos habitantes de Santo André, hoje existe uma facilita-ção para quem quer persistir nos estudos: Há disponível transporte gratuito que, ainda que o bate-volta diário possa ser cansativo, é uma opção que não existia em ou-tros tempos e que não só os jovens podem utilizar, mas qualquer sonhador com desejo de vencer.

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Foi em Outubro de 1943 que José Cícero de Araújo, aos 20 anos, foi convocado pelo Exército

Brasileiro, por meio do escrivão de Santo André, Sr. Aprígio Ribeiro de Brito, a servir ao país na II Guerra Mundial. Zé de Nêga, como ainda é conhecido, era o mais jovem dos sete pracinhas da cidade que combateram no exterior.

Iniciada a guerra há quatro anos, antes de ser enviado à Europa, passou por uma espécie de treinamento, assim como seus conterrâneos. Para isso, permaneceu no quartel do 40 BC, em Campina Grande, até receber ordens do Exército Brasileiro a respei-to de onde ficaria. Feita a distribuição, ele passou 14 meses em Natal, no estado do Rio Grande do Norte, e 40 dias no Rio de Janeiro.

Ao ser encaminhado para a guerra, desembarcou em Nápoles, no sul da Itália. Ele fazia parte da artilharia, ficando até 12 km de distância da

infantaria, que é quanto um canhão alcança o alvo. À medida que havia baixas na infantaria, as tropas com-batentes a pé, era dever da artilharia substitui-los. Além de reforçar dando cobertura por meio do lançamento de projéteis e afins.

Eles sabiam pelo mapa as zonas que estavam em combate conforme eles avançavam. O lápis azul indicava o avanço, enquanto o lápis verme-lho, o atraso. Segundo Zé de Nêga, a artilharia não funcionou porque não tinha mais combustível para o avião. E também não foi preciso que ele mudasse de posto: “O que eu sofri, foi ter a inteligência para não cair em armadilha, que tanta gente caía. Teve muita gente desaparecida”, relembra.

A respeito do que presenciou na Europa durante os sete meses até o final da II Guerra, em 8 de Maio de 1955, quando a sirene tocou por 24 horas, relata que “era uma tristeza a vida lá. Fome, ‘nueza’, doença”. São

lembranças não muito agradáveis do passado vivenciado e que ainda ocu-pam com frequência seus pesadelos. Ele comenta que sonha muito indo novamente à guerra. Mas sempre che-gava atrasado, perdendo o carro que já havia saído da cidade: “Sinal que não vai mais para lá, não é?”, brinca.

Apesar da idade, 90 anos atual-mente, Zé de Nêga tem consciência de que caso necessário, ele ainda pode ser convocado novamente a qualquer mo-mento: “Eu estou ganhando do exérci-to. Tem serviço, faxina, para gente de até 200 anos”, argumenta. Receptivo homem de fé, há 11 anos organiza junto à Paróquia de Santo André, a Missa da Luz. Todo mês de Novembro, frente às ruínas de uma das primeiras igrejas da cidade, na área que faz parte de suas terras. Após a celebração, abre suas portas a todos para um momento de descontração com amigos e vizi-nhos oferecendo lanche, sua amizade e muito bom humor.

Santo André na II Guerra

história

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Um dos pracinhas de Santo André, José de Araújo, aos vinte anos, foi convocado pelo Exército Brasileiro a combater na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.

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Cenário passado ainda presenteEm Santo André, é possível en-

contrar vestígio ativo de como consistia o sistema habitacio-

nal na região: a casa de taipa ou pau à pique. Essas denominações reme-tem ao estilo não só arquitetônico característico de um determinado tempo, mas também a um estilo de vida de um conjunto de moradores que utilizaram o que havia disponí-vel em seu ambiente a fim de possuir habitação própria que suprisse suas necessidades.

No Sítio Ilha dos Caibos, por exemplo, encontramos a residência de Luiz Ananias e Luzia Messias. Há mais de 60 anos Luiz mora nessa casa de taipa, permanecendo nela mesmo quando casou, há 28 anos. Eles têm duas filhas e um filho, cujas moças não querem deixar o lar para viver na zona urbana de Santo André.

Sobre as vantagens de se morar em uma casa assim, Luzia diz que

o material favorece tanto no verão quanto no inverno: “Faz calor, não. E em tempo de frio, também não faz frio, não”. Porém, esse tipo de moradia favorece a presença do barbeiro, inseto causador da doença de Chagas. Apesar de, vez ou outra, encontrarem alguns que são atraídos pela claridade das lâmpadas, Luzia afirma que, até hoje, nunca tiveram problemas maiores e que não existe pretensão de mudarem-se.

De acordo com o agente de saúde pública Francisco das Chagas, atu-almente, as pessoas estão mais bem informadas sobre como agir ao cons-tatar barbeiros em suas residências: “Se alguém encontra um barbeiro, eles captam e mandam para mim. Eu envio para Campina Grande, para o laboratório e o laboratório analisa. Aí a gente envia para a Fundação Nacional de Saúde, também em Campina Grande, e é feito o exame para saber se ele está infectado ou

não. Quando está infectado, a gente toma as providências de borrifação da casa e as pessoas são examinadas”, explica.

Em meados de 50 a 70, era co-mum o caso da Doença de Chagas em Santo André. Francisco comenta que vários moradores que chegavam a óbito naquele período, geralmente não sabiam exatamente as causas da morte, mas que, já havia algumas deduções a respeito da atuação do barbeiro na região. E relata que há 25 anos, a cidade não tem tido casos da doença, com exceção dos casos antigos que vieram a ser identifi-cados apenas mais tarde: “Mas os últimos casos aqui que nós temos conhecimento, até porque não tinha um acompanhamento naquela época que a saúde era uma coisa muito precária, a gente não tem dados. Nem o posto médico tem. E de ter casos começados de 10 anos para cá, não tem”, expõe.

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Um elemento importante presente com tamanha força na cultura local é a fé do povo caririzeiro. A maioria da população, em Santo André, é católi-

ca, e o Cristianismo vivido por meio dessa religião deixa marcas e costumes que permanecem até os dias atuais. É comum, assim, a realização de eventos como missas, nove-nas, procissões e romarias.

Sobre as romarias, seja por devoção, pedir graças ou pa-gar promessas, exprimem um ato de fé e de coragem. Este ato é unido com a fé e coragem do outro, que se organizam a fim de cumprir suas peregrinações. No mês de setembro, sempre sai um grupo de romeiros de Santo André com destino a cidade São João do Cariri. É um percurso mata adentro de aproximadamente 28 km, feitos a pé. Ao chegar lá, quem quer, segue o cronograma completo da festa de Nossa Senhora dos Milagres.

Nas paisagens pelos sítios e estradas, facilmente ve-rificamos a presença dos cruzeiros. Em algumas casas, principalmente pelo costume dos mais velhos, há um lugar reservado para o oratório. É um altar que geralmente é composto por imagens de santos, Bíblias, velas e flores. No mês dedicado à Maria, em maio, todas as noites, cada co-munidade se reúne a fim de rezar o terço. Falando em rezar, quem nunca teve pelo menos uma dor de cabeça curada após ir até um rezador?

As festividades religiosas têm bastante impacto não só quando é comemorado o dia em homenagem ao padroeiro da cidade. São realizadas, também, no decorrer do ano, missas peculiares dedicadas exclusivamente a causas especí-ficas. Cada uma, com sua história e valor, sendo expressões de fé que envolvem os fiéis, da criança ao idoso. Conheça duas dessas missas celebradas na região.

religião

Cariri de fé

Oratório da Casa Grandeno Sítio Balanço, atualmentepertencente a José de Araújo

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A Missa da Luz teve início em 2003, implanta-da pelo Padre João Jorge quando assumiu a Paróquia de Santo André. E como estrangei-

ro, teve a curiosidade de pesquisar a região com o objetivo de conhecer e entender a história e rea-lidade local. Foi assim que descobriu, na Fazenda Balanço, uma ruína do que seria a primeira igreja da cidade.

Essa capela é ligada ao nome de Padre Custódio, que veio, a princípio, de Portugal à Paraíba, porém sem ligação direta com a Igreja Católica. No final do século XIX, quando tinha por volta dos 50 anos, comprou a fazenda e se instalou junto com uma irmã portuguesa, uma beata de Parari e uma escrava chamada Thomazia, trazida do município do Con-go/PB.

Pesquisas feitas por Padre João através de con-sultas a documentos como livro de batismos, o fez olhar com atenção o passado. Chegou à conclusão que “a mãe dessa escrava foi colocada numa fazen-da, sem pai e sem mãe, e os fazendeiros a criaram. Por volta dos 13 anos, engravidou. Naquele tempo, tinha a crença que homens com doenças venéreas podiam se curar tendo relações com uma virgem. Então, tudo indica que ela foi usada para isso. Dan-do à luz a Thomazia”, explica.

Ao se estabelecer, Padre Custódio deu início à construção de uma igreja, com aval do bispo da época. O problema que se deu foi pelo conflito en-volvendo questões de terras com o dono da Fazenda Santo André, Francisco Medeiros. Este recorreu ao mesmo bispo solicitando autorização para cons-trução de uma nova capela, em sua propriedade, que também foi concedida. Como consequência, os seguidores de Francisco não queriam mais assistir

as missas na Fazenda Balanço e esse fato fez o padre rogar uma praga sob a recém-construída capela.

Em 1922, Padre Custódio faleceu e a primeira capela nunca foi terminada. Ele tinha o desejo de ser sepultado lá, onde ruía seu sonho, porém tal vontade não foi permitida pelo padre da época, sen-do sepultado em Parari. Paralelo a isso, a outra ca-pela foi reformada, depois construída uma nova e, no decorrer desse tempo, foi surgindo ao redor da mesma um povoado que, mais tarde, conheceríamos como Santo André. O curioso é que esse nome san-to da cidade não corresponde com seu padroeiro. A princípio o era, porém, como presente do famoso Padre Cícero a Francisco Medeiros, visando à paz em relação aos conflitos de territórios, foi doado a imagem do Sagrado Coração de Jesus à cidade.

Padre João, comovido com a história por trás dessas ruínas, pensou: “Vamos celebrar uma missa uma vez por ano naquela capela com os descenden-tes daqueles ex-escravos. E uma missa um pouco mais com cheiro de africanismo, de escravidão. Visando o trabalho daquele padre que trabalhou 50 anos no Cariri, e a família da escrava que ele criou”.

A Missa da Luz recebe esse nome porque os fiéis vão até a fazenda em procissão com luzes e vesti-dos de branco, além de ser acesa uma fogueira no local, já que a missa é ao ar livre. No ano passado, a fogueira foi cancelada devido à ameaça de chuva. Porém, pela primeira vez, foi notada a presença especial de um grupo de capoeira composto por crianças que praticam o esporte na cidade vizinha de Gurjão. Um espaço que é aberto para a valoriza-ção da cultura existente e fruto de uma mistura de outras culturas, mas que tem sua própria relevância no contexto histórico e social.

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A Missa do Vaqueiro teve sua origem por meio do assassinato de Raimundo Jacó em oito de Julho de 1958, no sítio Lajes, em Serrita- PE.

O cantor Luiz Gonzaga, primo da vítima, solicitou ao padre João Câncio a celebração de uma missa em sua memória. Então, a primeira missa do vaqueiro aconte-ceu ao ar livre no local do crime.

A partir disso, conforme leitura apresentada na introdução dessa missa em Santo André, no ano pas-sado, “Raimundo foi consagrado como protótipo do vaqueiro, símbolo de dedicação e coragem. Essa missa não é somente uma homenagem a Raimundo, mas a todos os corajosos vaqueiros que desafiam no seu dia a dia a seca, a fome e o perigo do sertão nordestino”.

Padre João trouxe o evento não só na cidade, como também para algumas regiões circunvizinhas. Por ano, ele celebra cerca de dez missas do vaqueiro, que

têm início com uma procissão a cavalo e, na qual, o padre acompanha de perto, também montado. Outro diferencial é o repertório escolhido: “A gente canta só Luiz Gonzaga porque quem inventou a missa do vaqueiro foi Gonzaga. A ideia existe um pouco de quem não vai à missa todo domingo, não é católico. Mas eles têm a sua cultura. Damos oportunidade para cantarem e fazerem seus versos. Ficam sentados a cavalo com a roupa típica deles. Então, nós temos que valorizar a cultura do campo na pessoa deles”, explica Padre João.

Além disso, são levados ao altar, como representa-ção da cultura do cariri e sertão, alguns elementos da vida do vaqueiro. A exemplo da palma, do capim, do chocalho, do gibão. Inclusive o queijo e a rapadura, que são distribuídos entre os vaqueiros para serem saboreados entre eles em um momento de comunhão.

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O mundo[a]forade casaHá ciência de que, no decorrer

da história, principalmente no que diz respeito à região

Nordeste do país, o índice do êxodo rural era fator comum na realidade das cidades interioranas. E quando não se tinha emancipação política, essa situação em Santo André era ain-da mais complicada. Pois o mercado de trabalho de fato se resumia apenas à agricultura, e esta, geralmente para subsistência. Questões como perío-dos de seca rígida, que atrapalham a produtividade no setor agrícola e a falta de oportunidade de trabalho que rendesse uma vida financeira inde-pendente são as causas que levaram vários homens do campo a encarar uma nova vida na cidade grande.

De acordo com o geógrafo Denys Cavalcante, antigamente o perfil dos cidadãos que saíam à procura de melhores condições de vida consistia na figura do chefe de família. Tra-balhava distante de sua terra com o objetivo de adquirir renda para enviar à esposa e filhos na esperança

de contribuir com a sobrevivência e bem estar dos mesmos. Já nos tempos atuais, os jovens que estão saindo da cidade natal para ajudar seus pais nos gastos de casa: “Porém, ao chegarem lá se deparam com uma realidade totalmente complicada. Porque a mão de obra que é oferecida exige uma condição às vezes de estudo ou até uma profissão; e muitas vezes, eles chegam com a mão de obra braçal e ficam meio que presos lá. Porque o dinheiro acaba dando condição deles sobreviverem, mas eles não podem, muitas vezes, retornar porque ficam totalmente dependentes daquele re-curso que recebem”, expõe Denys.

Um exemplo que observamos na cidade é o agricultor Ilton Pimentel que, aos 16 anos, decidiu acompanhar o tio e morar no Rio de Janeiro. Tra-balhou como servente de pedreiro, depois como pedreiro, como moto-queiro, em farmácia, entre outros. Ele comenta que a dificuldade encontra-da assim que chegou diz respeito ao processo de adaptação. Tanto porque

o Rio é uma metrópole gigantesca para um rapaz do interior se perder, conhecer e entender seu sistema, como por ficar longe dos pais. Após conquistar sua independência finan-ceira e passar um período de, em média, 15 anos fora, Ilton pesquisa algum meio para retornar: “Eu vinha passear, passar férias aqui, e fui pro-curando alguma coisa que eu pudesse voltar para cá, que era o meu sonho voltar para junto de minha família, minha cidade”, declara.

Sobre em que área precisamente deveria se investir para combater o êxodo em Santo André, Denys observa que “uma das saídas é a pro-dução do leite, a criação de galinhas e a produção de hortaliças; já que se consome muito de fora, podendo ter aqui no próprio município. E já existe a possibilidade de você produzir e fornecer à própria escola a merenda escolar, que é uma comercialização que, inclusive, já é garantida. Mais na frente, as grandes cidades não vão mais comportar nem quem está lá.

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O mundo[a]forade casa

Já está acontecendo isso. Às vezes eu ganho razoavelmente, mas moro em um ambiente tão inseguro, que não oferece nenhuma condição de infraestrutura, que é melhor eu viver aqui na agricultura ganhando menos, mas com uma qualidade de vida bem melhor. Se não tivermos essa visão, o êxodo vai continuar do mesmo jeito. Se não investir no jovem, na família como um todo”, ressalta.

O Ministério da Saúde atua também na cidade por meio do Programa do Leite, que tem como ideal propiciar o consumo do leite às famílias que se encontram em estado de insegurança alimentar e nutricio-nal e incentivar a produção familiar. Foi por essa atuação que Ilton iniciou seu investimento na caprinocultu-ra após voltar a Santo André. Ele desenvolve, junto com sua esposa no Sítio Ramada, a criação de caprinos para a produção de queijo e iogurte. Embora o negócio ainda tenha pouco tempo, menos de um ano, as expec-tativas segundo ele, são as melhores.

Trabalha agora independente e forne-ce os laticínios tanto para o mercado local como cidades circunvizinhas. Viaja para comercializar seus produ-tos nas feiras livres em Soledade, São João do Cariri, mercados e padarias em Campina Grande e na capital João Pessoa.

Denys afirma que foram iden-tificados alguns retornos, sendo assim positivo para a cidade e que “a mudança das políticas públicas tem favorecido para que isso venha ocorrendo. Apesar da seca ainda ser um fator que a gente precisa levar em consideração, é o que às vezes desmotiva um pouco. Mas se você também implementar estratégias dentro da sua propriedade de convi-vência com o semiárido; que sejam barragens subterrâneas, que sejam cisternas, barragens trincheiras, mas que você vai armazenar água ali, ter também o banco de forragem para alimentar o seu rebanho em uma hora mais crítica; eu acho que é pos-sível tranquilamente”, argumenta.

DAP: Uma alternativa para o jovem do interior

A DAP é uma declaração de ap-tidão ao Programa Nacional de For-talecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Ou seja, o Ministério do Desenvolvimento Agrário abriu oportunidade do jovem filho de agricultor desenvolver uma atividade no meio rural por meio do acesso ao crédito. Há como investir em um negócio próprio na zona rural se sentindo útil e produtivo e para que o jovem não fique totalmente em dependência dos pais, como ressalta Denys: “Agora é preciso que o jovem não acesse ao crédito sem ter antes uma formação e que ele se sinta parte daquele processo da agricultura. Que também já possa investir em uma atividade que ele já venha desenvolvendo, para ter uma visão de mercado. Eu acredito que é possível sim os jovens começarem a se fixar, sem estar saindo do municí-pio”, conclui.

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Sebastiana Maria Messias ou, simplesmente, Dona Bastinha, aos 82 anos, não vê motivos

para uma vida pacata. Herança de uma infância ativa, desde que apren-deu a costurar na pequena máquina de sua vó, não quis mais parar com esse tipo de atividade. Principalmen-te quando foi destaque, aos 17 anos, na sua turma da escola, ao desenvol-ver muito bem a técnica do bordado segundo as instruções passadas por sua professora naquela época.

“Eu costurava mais roupa de homem que de mulher; calça e ca-misa”, relata dona Bastinha sobre as

encomendas que mais produzia em sua juventude. Quando os negó-cios começaram a diminuir devido à facilitação de acesso a roupas já prontas, ela deu um jeito de não ficar parada. Introduziu o fuxico em suas criações ao aprender a técnica pela TV e, então, passou a aplicar em lençóis, bolsas, capas para almofadas e panos de prato junto ao crochê e ao bordado.

Dona Bastinha comenta que mesmo que se divirta e considere ser um passatempo sua dedicação nesse trabalho, gostaria que o mesmo fosse mais valorizado. Por exemplo, ao

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produzir uma colcha de cama prati-camente completa com a técnica do fuxico e finalização com o crochê, depois de pronta, é difícil encontrar quem queira comprar pagando, no mínimo, o preço justo pelo trabalho que teve e material gasto. Embora na cidade, no momento atual, não tenha mais o interesse do povo como antes, ela não desanima. E apesar de todas as dificuldades, leva a vida com alegria, muita conversa com os vizinhos e amigos e, é claro, levando um pouco de sua arte como mimo até eles ao presenteá-los vez ou outra com alguma de suas peças.

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Alícia tem apenas 16 anos e, além do tempo para o estudo, abre espaço também para aprender coisas novas. O investimento se deu no trabalho artístico manual, interesse que rende mais que diversão e criatividade. Ela faz de tudo um pouco: ponto-cruz, macramê, pintura em azulejo e em tecido, bijuterias.

Sua mãe, que desde moça já bor-dava, foi a maior incentivadora deste hobby: “Ela começou a me ensinar ponto-cruz. Aí, depois, tentou me en-sinar o crochê. Só que eu não aprendi de jeito nenhum, tem que ter muita paciência”, confessa Alícia.

Ainda que não tivesse êxito no crochê, ela usou sua curiosidade alia-da às oportunidades que apareceram em seguida. A Casa da Família, em Santo André, oferece cursos gratui-tos de arte e artesanato. Foi lá que empregou sua dedicação: “A partir do momento que vou conhecendo, vou tendo a curiosidade de produzir também. Quando vejo alguma peça que acho interessante, tento aprender para que eu consiga desenvolvê-la. Sempre gosto de aprender de tudo”, conta Alícia.

De suas produções, a que teve mais sucesso foi o macramê. É uma técnica de tecer fios que não se utiliza de ferramenta alguma além das próprias mãos. É por meio do entrelaçamento de vários tipos de fios e também de nós. Esse tipo de produção, inclusive, foi a que mais teve aceitação onde mora. Rendendo, assim, a venda de muitas peças com a aplicação do macramê, como panos de prato e toalhas.

Sobre a possibilidade de comer-cializar os tecidos trabalhados com pintura, ela relata: “Eu gosto de fazer a pintura. Mas para vender mesmo eu acho que não, pelo fato do público ser muito pequeno e a pessoa não ter muita oportunidade de estar fazendo e produzindo para vender. Porque, senão, acumula muito material e você acaba, um dia, sem ter nem onde bo-tar a produção. E o pessoal daqui, da cidade mesmo, não valoriza”.

Alícia Brasiliano Barreto

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curiosidades

Cemitério da Cólera

Na Fazenda Açude do Rio, é possível encontrar algumas sepulturas de vítimas da cólera e varíola que atingiram a região na década de 80. As covas, que são rasas e possuem pedras sobpostas, foram feitas próximo a um rio existente naquele período. Finelon Medeiros, proprietário das terras onde foi localizado, conta que justamente pelas pessoas não poderem atravessá-lo, que surgiu o cemitério nesse exato local.

Times de Futebol

Um dos lazeres mais antigos da população masculi-na de Santo André são as “peladas”. O interesse dos homens e rapazes no esporte persiste até hoje que, inclusive há a existência de um torneio anual de fu-tebol na cidade. E os times que disputam consistem em grupos formados pelos moradores de cada sítio. A exemplo, na foto, integrantes do time do Sítio Mucuitu, em torneio no ano de 2013.

Banda Fanfarra Simples Professor Carlinhos

A banda foi fundada em 2000 pelo ex-prefeito José Herculano Marinho Irmão. Sem finalidade competi-tiva, tinha o objetivo de não ser preciso a contratação de bandas nas apresentações da cidade. Recebeu o nome em homenagem ao primeiro regente do grupo, após o seu falecimento. Atualmente, é composto por cerca de 50 membros e regido pelo maestro Fábio Dantas e o percussionista André Neres. Possui, em seu repertório, músicas da cultura nordestina e brasi-leira como: Asa Branca – Luiz Gonzaga, Eu só quero um xodó – Dominguinhos, e Jesus Cristo – Roberto Carlos.

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Para comprar sua primeira sanfona, Joca pediu dinheiro emprestado e fez negócios

em São José da Batalha – PB. O investimento deu tão certo que lá foi o primeiro local onde começou a tocar. Não teve professor além de observar um sanfoneiro de Bana-neiras em suas apresentações e, mais tarde, tentar reproduzir o que via. Após isso, com a experiência que foi sendo adquirida nos bailes de forró e todo São João na Roça que tocava, veio o reconhecimento. Ele era o responsável, junto com os amigos que o acompanhavam em outros instrumentos, por animar as festas da região.

Por meio da sanfona, ele adqui-riu propriedade, moradia e melhor condição de vida. Além embalar o som da sanfona, ele arrisca como compositor. Assina hoje 15 músicas de sua autoria e, sobre seu dom, diz que: “Foi um presente de Deus que nunca desunera”. Hoje, aos 72 anos, diz que já acabou 14 sanfonas tocando e que sua inspiração vem de Luiz Gonzaga. Toca e canta mais de 50 canções dele, dentre as quais, Boiadeiro é a sua preferida.

Joca brinca um pouco no pan-deiro, mas expõe que seu amor mesmo é pela sanfona. Amor este que seu filho também comparti-lha, seguindo os caminhos do pai. Ao ver que seu legado deixa mais que simples memórias de quando o povo arrastava o pé nos forrós, Joca se sente realizado. Faz sua festa com prazer e amor, e assim como canta o seu ídolo, o que resta é transformar a música em oração para que a chuva chegue logo no sertão.

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Sanfona que rastapé

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Esporte popular na região Nordeste do Brasil, a vaquejada é a diversão do vaqueiro. Consiste em derrubar o boi em um perímetro delimitado pela cal na parceria do batedor de esteira e o puxador. O primeiro auxilia empare-lhando seu cavalo junto ao cavalo do puxador que, ao receber o rabo do boi, derruba-o quando alcança a linha

que marca o local da queda. O esporte não serve apenas para diversão como também gera lucro. Nas competições, para as duplas participarem, a cada rodada tem de se pagar para a aquisição da senha. E claro, ao final da competição, é entregue aos finalistas prêmios que podem ser tanto em material, geralmente motocicletas, como em dinheiro. Conheça alguns vaqueiros de Santo André e algumas curiosidades sobre eles:

esporte

Maurício ImperianoSua vida de vaqueiro começou aos 17 anos, com o seu primeiro cavalo. Naquele tempo, nem todas as proprie-dades de terra possuíam cerca. Então, quando os seus donos precisavam reunir o gado, que era marcado a ferro em brasa, eles pagavam a grupos de vaqueiros para fazer o serviço. Geral-mente, isso ocorria quando havia a troca e venda dos bois. Sobre vaque-jada, Maurício diz que sempre gos-tou, porém, em seu tempo, envolvia mais diversão que negócios. Devido a sequelas deixadas por uma queda de cavalo, há quatro anos, ele não pode mais montar: “Não posso correr, mas olho e acho bonito. Para mim, é uma diversão. A saudade é grande demais. Eu posso nem ver, dá vontade até de chorar. Apaixonado por vaquejada. Ainda hoje, estou velho, mas morro gostando de vaquejada”, confessa. Atualmente, com ajuda dos filhos, mantém sua criação de cavalos. E se anima muito ao vê-los treinando e se divertindo ali com o restante da famí-lia, que sente na pele também o amor pelo animal e pela vaquejada.

Valeu boi!

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Márcio Ramos: O amor de montar cavalos, seja a passeio ou vaquejadas, também não tem idade. Nessa família, pai, filho, neto e também bisneto comparti-lham do sentimento. Márcio tem seis anos e, acredite, desde mais novo ele se garante sem medo no cavalo. Inclusive, junto com o tio, treina para a vaquejada mi-rim. Já tem o próprio cavalo, bota e chapéu de couro. Tem curiosidade em aprender tudo que envolve este universo, observando e praticando com a família, ao alimentar e cuidar do bicho. Ser vaqueiro é uma cul-tura que não tem restrição. É necessário apenas que se compreenda e viva a coragem e amor que o rege.

Alícia Brasiliano: E para quem pensa que o esporte é exclusivamente masculino, está enganado! Seu avô era va-queiro e, após seu falecimento, Alícia desencadeou um amor por vaquejada que não sabe explicar: “E comecei a tomar gosto pelos animais, pelo esporte, pelo jeito de viver dos vaqueiros, que é um jeito muito cativante”. Desde os 13 anos, ela ia para os treinos e pedia cavalo emprestado para poder correr também. No começo, foi difícil. Nem os pais aprova-vam a ousadia. Só depois que viram que ela levava jeito mesmo, foi ganhando mais incentivo, inclusive dos donos das pistas: “A maioria dos patrocinadores prefere patrocinar homens. É um meio em que a mulher é um pouco que excluí-da. Mas hoje eu já tenho muita amizade aqui e fora também. Não é uma coisa muito habitual e os homens não confiam muito na capacidade da mulher. Mas eu estou para tomar meu espaço mesmo!”, expõe Alícia.

Evandi Freire: É mais conhecido como Mara, filho de Maurício. Desde criança, montava nos cavalos de seu pai. Mora em Campina, mas, todos os finais de semana, viaja para Santo André, com seu irmão Orlando. Os dois cuidam de suas próprias criações e também as do pai. Mara tem participado de vaquejadas há mais de um ano, quando tem opor-tunidade: “A vaquejada é um dos melhores esportes, muito gostoso de brincar”, comenta. Seu filho, de 11 anos, diverte-se com o pai, tios e primos, ao montar, sempre que vai ao sítio do avô. Ou seja, já reflete a influência familiar que perpassa gerações.

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O Museu Professora Ma-ria Pereira de Brito foi fundado em Novembro

de 2006 e nomeado em home-nagem à primeira professora da cidade. A idealizadora foi sua filha, Maria da Paz Pereira de Brito, professora aposentada de História e autora do livro Santo André Antigo – história de um lugar. Ao começar sua pesquisa, por meio do relato oral das pes-soas da região, reuniu o acervo que, atualmente, se encontra no museu. Para saber como se deu a realização desse projeto, confira a entrevista realizada com Da Paz, que conta o processo de fundação do museu e as principais dificul-dades. Tanto no que diz respeito à sua administração, já que reside em Campina Grande, como as perspectivas para o futuro.

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Santo André em revista: Qual é a importância desses objetos para o cidadão santoandreense e a popula-ção em geral?Da Paz: É muito importante para a história de vida de uma comunidade, de uma cidade. Esses objetos repre-sentam aspectos dessas pessoas que viveram na época. Até mesmo o pró-prio nível social, os costumes, os va-lores que se davam às coisas materiais ou não. E também para as relações sociais de trabalho. (...) Uma “cui-nha”, por exemplo. As pessoas de hoje não sabem o valor que tinha uma cuia para uma comunidade porque, principalmente nesses interiores, não existiam objetos de plástico. As coisas de alumínio eram muito difíceis e os objetos mais usados eram mais de barro e de cuia. De modo que o obje-to, por simples que seja, tem um valor de muita significação para o estudo antropológico, sociológico e histórico dessa comunidade. Um museu é qua-se um sonho vivo da história daquela comunidade. Um comprovante, um denunciante, um veio histórico. Dali você pode tirar muitas conclusões da história de vida daquele povo.

Santo André em revista: Como foi possível reunir o acervo que repre-senta parte da cultura e história de Santo André?Da Paz: Quando eu fui fazer a pesquisa sobre Santo André, não havia quase nada de documentos e

registros. A gente tinha que recorrer a São João do Cariri. Então, quando eu comecei a entrar nas casas e fazer a minha pesquisa oral, e chegava nessas casas, às vezes eu via algum objeto. Por mais simples ou rude que fosse, me sentia atraída e preocupada. Fui instruindo o povo para preservar e valorizar aquelas peças, porque um museu histórico se faz a partir desses objetos. E foi através da minha pes-quisa histórica que eu resolvi fundar o museu.

Santo André em revista: Atualmente, qual é a situação do museu? Da Paz: Devido à falta de apoio financeiro para restaurar o primeiro clube da cidade e transformá-lo em museu, eu tive uma ideia. Solicitei um quarto que era um ponto comercial para colocar o museu provisoriamen-te. É muito apertadinho. E eu resolvi preservar as fotos das famílias. (...) O museu é uma coisa muito delicada, tem que haver o ambiente próprio. Isso tudo tecnicamente falando é outra história. Mas, as portas têm muitas “frestas” e, tanto a luz do sol como a frieza e o respingo da chuva penetraram. As fotos expostas nas paredes úmidas também estão preju-dicadas. Está bem deteriorado.

Santo André em revista: Como as pessoas podem ter acesso ao que lá está presente?Da Paz: Eu quis marcar três dias da

semana para abrir, convidando a secretária do museu Marinete Medei-ros para mostrá-lo de vez enquanto. Ficou fazendo isso, mas ela não tinha muito tempo. Eu teria que colocar uma pessoa de confiança. Então ficou assim: Eu deixei a chave com Lourdes Lima, que mora perto ao museu, de modo que, quando uma pessoa quer ver alguma coisa lá, se eu não esti-ver, ela pega a chave na nossa casa e mostra. Ou seja, o museu oficialmen-te não tem dia nem horário específico aberto à visitação, infelizmente.

Santo André em revista: Já houve alguma proposta ou há possibilida-des de parceria para manter o local aberto à visitação visto a impor-tância do mesmo para a sociedade local?Da Paz: Não houve apoio efetivo até hoje. Políticos que passaram pela gestão da cidade souberam da iniciativa. Alguns se dispuseram a ajudar para modificar a situação do museu. Porém, atitude, de fato, a favorecer as melhorias necessárias, não houve. A atual prefeita Silvana Marinho participou de uma reunião que discutiu os problemas do museu e as perspectivas para o futuro do mesmo. Aguardamos, com esperan-ça, que esse caso se resolva o mais rápido possível. Pois o museu é um patrimônio cultural inestimável que enriquece e valoriza a vida de todos os santoandreenses.

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história

arqueológico

Dois mil sítios arqueológicos já foram identificados na região dos Cariris Velhos. As

artes rupestres deixadas são registros de povos indígenas que passaram pelo lugar. Santo André também se inclui nessa estatística. A Tribo Ta-rariús que foi responsável por deixar inscrições rupestres nas mediações do Sítio Pipa. Surgiu, assim, o Com-plexo Turístico Serrote do Cabôclo Bravo Nossa Senhora Aparecida.

Os registros estão localizados em formações de pedras soltas arredon-dadas, os matacões. Interpretações sobre as inscrições são baseadas nos estudos da pesquisadora em Arqueo-logia Niède Guidon. Elas são enqua-dradas na perspectiva da Tradição Agreste. Ou seja, cenas isoladas re-presentando o cotidiano por meio de objetos de caça, pesca, animais, etc. Alguns elementos presentes estão

sem identificação devido ao desgaste natural. Do que foi observado, há figuras humanas, peixes e pés de ema – ave típica da região que servia de alimento.

Segundo a professora de histó-ria Aline Nunes, os Tarariús eram semi-nômades. Eles não se fixavam por muito tempo num mesmo lugar. Protegiam-se do sol forte e tempes-tades em abrigos naturais, como entre formações rochosas. Aline comenta que “andavam em bandos de até vinte pessoas, eram altos e passaram por lá há cerca de quatro mil anos”.

Quando os portugueses chega-ram à Paraíba, houve o encontro com a tribo dos Tarariús. Após isso, foi enviada uma missão jesuíta para a Fazenda Mucuitu. O objetivo era a catequização destes que, como afirma Aline, “eram animistas, acre-

ditavam na força da natureza”. Sobre como eles lidavam com a morte, foram localizadas algumas sepul-turas pré-históricas próximas aos matacões: “Se fazia uma cova rasa, enterravam o morto e colocavam várias pedras em cima”, conclui.

Atualmente, no complexo turísti-co, há também uma pequena capela. Muitos confundem fazendo relação desta com a tribo que passou ali. Mas a verdade é que ela é recente: “Meu pai fez uma promessa para fazer aquela capela para chover em um ano fraco, aí choveu”, explica Amador Se-veriano, atual proprietário da terra. O pedido foi realizado a Nossa Senhora Aparecida no período de seca. Há cerca de quatro anos, no local, é cele-brada uma missa na data comemora-tiva da santa. E quando não é possível a missa, os moradores se reúnem para a realização de novenas.

Turismo

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à esquerda: ins-crições rupestres são resquícios da passagem da tribo Tarariús, em San-to André; abaixo: capela construída como pagamento de promessa de mo-rador da região a Nossa Senhora Apa-recida após alcançar seu pedido.

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Mal nasce o sol e a rua já exala o seu som. Carros chegando, pessoas mon-

tando barracas, organizando as verduras, frutas, legumes. Retirando dos sacolões as roupas, pendurando nos cabides e encaixando no alto das tendas. O sapateiro põe o seu ban-quinho perto de suas ferramentas e já tem trabalho para fazer. Seu colega, ao lado, já colocou a mesa e sentou a consertar os relógios que pararam de funcionar. O senhor do bar coloca o carvão para pegar fogo e prepara os tira-gostos de quem aproveita a ocasião para tomar aquela pinga com os amigos conterrâneos.

Enquanto isso, a movimentação vai crescendo. Os sons se acentuam tanto pelo caminhar quanto pelo falatório de quem está fazendo suas compras: seja a feira do mês; um brinquedo para o filho ou afilhado ou neto; um novo lençol de cama; fazer a barba ou cortar o cabelo. As frutas e verduras enfeitam e colorem o ambiente, atraindo não só pela vista como pelo cheiro e aspecto saboroso, que mesmo sem ter tido a intenção de levar, não dá para resistir. Ali mesmo

já se leva a primeira acerola à boca para comprovar se além de tão ver-melhinha, está também docinha.

Aproveita-se o espaço de encon-tros para colocar o papo em dia com o primo distante ou amigo ou “cum-padi” ou vizinho. E, dessa forma, a conversa rola solta. Tanto fazem negócios quanto socializam a falar de tudo um pouco. Inclusive de Fulano que chegou, depois de muito tempo, das bandas de São Paulo como de Beltrano que foi conhecer o Cristo Redentor e as famosas praias do Rio de Janeiro.

Só não pode fofocar demais e esquecer-se de ir à missa que, ao ba-dalar do sino, o convite é relembrado. Até porque toda primeira sexta do mês, além de ter feira, é dia de missa também. Afinal, não importa se faça chuva ou faça sol, se é feriado ou não, existe em Santo André o clima agra-dável e hospitaleiro que se repete toda semana. Onde a explosão de sons e cores e sorrisos que ali estão presen-tes resplandecem a cada encontro e é renovada pela magia que alegra e circunda o espírito da conhecida e tão frequentada feira-livre.

Espírito de aroma e alegria em cor

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Direção: Jaqueline OliveiraFotografia: Maria Clara Monteiro

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Inácio Medeiros Rangel, 47 - JuazeirinhoHá 6 anos trabalha na feira de Santo André

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Jurandi dos Santos Ferreira, 59 - JuazeirinhoHá 2 anos trabalha na feira de Santo André

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Waldemar Souza Filho, 59 - JuazeirinhoHá 25 anos trabalha na feira de Santo André

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Edilson de Souza Farias, 35 - GurjãoHá 13 anos trabalha na feira de Santo André

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Vânia Lúcia Campos B. Sales, 46 - ParariHá 6 anos trabalha na feira de Santo André

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Pedro Borges Souto, 66 - GurjãoHá 54 anos trabalha na feira de Santo André

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Gabriel Alves de Sousa, 50 - Serra BrancaHá 15 anos trabalha na feira de Santo André

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Eduardo Sales Camilo, 33 - Santo AndréHá 15 anos trabalha na feira de Santo André

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Jucedi Nunes Xavier, 50 - Serra BrancaHá 12 anos trabalha na feira de Santo André

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literatura

Uma aulasobre

cordelA paixão da professora

Antonina dos San-tos pela literatura de

cordel começou quando ainda criança. O seu pai, analfabe-to, ia até Santo André para as feiras toda sexta e trazia para os filhos cordéis. Seu Fausti-no reunia a família para um momento de união e estímu-lo à leitura e, ao assistir as histórias sendo contadas, ia decorando os romances e se interessando ainda mais em manter esse costume em casa. Antonina lembra que quando ia ler algum romance, o fazia cantando. E que sua apren-dizagem, tanto da leitura quanto da escrita, foi acom-

panhada pelo cordel. Ao começar a facul-

dade de Pedagogia, arriscou os primeiros rabiscos na literatura. Por sua aproximação e gosto pelo cordel, foi a vertente que mais a atraiu e na qual se inspira para desenvolvimento de suas poesias. Suas temáticas

são voltadas, geralmente, para o contexto regional, mas tam-bém utiliza de seus versos como forma de crítica aos problemas da sociedade. Inclusive o caso do Mensalão foi referência em uma de suas produções, que ela, há 21 anos em sala de aula, vem incor-porando na sua metodologia de ensino.

São trabalhadas não só a leitura e interpretação de corde-listas consagrados, mas também as produções da professora. Ela distribui algumas cópias e se sur-preende com o fato de que seus alunos passam suas obras adiante ao compartilhar a leitura com seu irmão, com sua família.

Se Antonina mostra o univer-so do cordel aos seus alunos, eles não poderiam deixar de se en-cantar e começar a produzir tam-bém. São textos que ela guarda com carinho e que também faz questão de apresentar expondo na escola. As crianças, por meio de um olhar sincero e ingênuo, descrevem seus sentimentos e a região onde vivem colocando tudo isso em papel. Papel que é cultura, que é vida, que é história nossa e com seu devido valor.

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Aos vinte e dois de agostoTem cantigas de rodaE canções de ninarNuma linguagem bem simplesPois isso é folclorear

Tem provérbios, tem comidasPara quem quiser provarNum dia de muita festaNuma linguagem modesta Também é folclorear

Tem vaqueiro e pescadorTem carro de boi a cantarNum clima de muita alegriaEra vovó quem dizia E vamos folclorear

Adivinhas e crendicesE os ditos popularesAcompanham as parlendasNuma troca de saberesTambém é folclorear

O artesanato de rendasE a medicina popularFotos de linhas e folhagensÉ uma senhora bagagemPra quem quer folclorear

Aqui também nós estamosE queremos partilharCom vocês nossa alegriaQue a todos contagiaQuerendo folclorear

[Vamos folclorear Antonina dos Santos]

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O nó que une as duas Marias

Maria do Carmo Beijamin Dantas, 67. Maria do Carmo Guimarães, 66.

Elas têm em comum mais do que o primeiro e segundo nomes. Mais do que a cidade natal e profissão. Mariquinha e Do Carmo, embora apelidos diferentes, porque alguma coisa haveria de diferenciá-las, são apaixonadas pelo que fazem des-de crianças. E o que fazem não se resume apenas a um trabalho que contribuiu ou ainda possa contri-buir na renda familiar de cada uma, ainda que, de alguma maneira, as dificuldades a tenham estimulado a aperfeiçoar este dom de que vos falo. Sim, o que as duas Marias têm em comum é um dom; é uma paixão, uma arte, uma terapia que lhes foi entregue por Deus – mesmo que só tenham percebido esse detalhe mais para frente.

Costurar ajudou ambas não só no sentido financeiro em determi-nado período de suas vidas. A linha utilizada por elas não foi a mesma, mas teve o mesmo objetivo. E foi por meio dela, aos cinco anos, que Do Carmo ingressou na costura, ao ousar colocando botões invertidos nas roupas da família. Tirar medi-das, cortar tecidos, montar peças, ajustar, bordar... Foi por meio do pontilhar manual com pedaços de pano desgastados que Mariquinha, ganhadora do diminutivo por seu tamanho, na época, inventava de

fazer suas próprias bonecas de pano para brincar. Por volta dos 10 anos, Mariquinha já fazia camisas para seus irmãos trabalharem na roça.

Do Carmo, no período que hoje se chama adolescência, tinha na cabeça preocupações outras. Sempre que podia, dava um pulo na casa de Rosa só para ficar-lhe observando costurar na máquina. Bem, essa era a desculpa no começo. Porém, aos 18 anos ela já tinha como primeiro tipo de sua produção, calças masculinas.

Casando-se nova, aos 14 anos, Mariquinha costurava apenas en-quanto seus filhos dormiam e, claro, na casa da sogra, usando a máquina de costura emprestada. Do Carmo também desejava sua própria máqui-na, mas primeiro, teve de presenciar sua irmã mais velha ganhando uma e se corroia de inveja por isso. Aquela inveja boa, com ideais positivos. Do gosto pela costura à aquisição de uma máquina própria, levou tempo e alguns sacrifícios tanto para Ma-riquinha quanto para Do Carmo. A primeira, vendeu o fogão à gás – que não era tão comum e barato naquele tempo – parcelando ainda o que faltava para realização de seu sonho. A outra, realmente teve que esperar até que, aos 19 anos, como presente de casamento de seu pai, pudesse ganhar sua desejada máquina.

Anos de experiência foram adquiridos a partir de dedicação e o reconhecimento foi inevitável. Nos

anos dourados dos muitos pedidos, da boa demanda, Mariquinha pro-duzia de tudo: Peças de cama, mesa e banho; Roupas para casamentos, batizados, quadrilhas. Inclusive trabalha até hoje com o aluguel dessas roupas para eventos. Porém, há de ter existido, também, crises no mercado. Afinal, Santo André, era uma cidade interiorana bem menor do que conhecemos atualmente. Quando via que a seca começava a ficar braba, deixava com o marido seus filhos e coragem e fé era seu nome. Mariquinha ia passar uma temporada ou outra no Rio de Janei-ro para trabalhar – e de sua costura, sim senhor! Seu palco agora são os barracões de escolas de samba. Lu-gar onde aperfeiçoava suas técnicas à medida que produzia roupas para as festas carnavalescas amplamente divulgadas na mídia do país.

Do Carmo, por sua vez, compra-va em Campina Grande os tecidos para fazer suas produções: Além de lençóis, roupas para momentos especiais como colação de grau, festa de padroeiro, ternos, palitós, vesti-dos de noiva. Lá também comprava inclusive as revistas para utilizar os modelos e que serviam de inspira-ção. O curioso é que ainda com o molde vindo na revista, Do Carmo sempre preferiu fazer as roupas a olho mesmo. Ao contrário de Mari-quinha, que sempre gostou de seguir as instruções-padrão.

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Há 48 anos Do Carmo costura sem nunca ter feito curso algum. E ela reconhece o quanto foi im-portante essa escolha em sua vida: “Quando eu chego na máquina, eu esqueço os problemas. Eu perdi uma filha, sofri muito... Mas costurar ajudou muito. Foi e é uma terapia”, confessa. Paralelo ao trabalho de costura, Dona Mariquinha conse-guiu, com muito esforço, formar-se em Pedagogia e especializar-se na Psicopedagogia. Hoje é aposentada, mas assim como Do Carmo, conti-nua com a costura, que teve e tem importância compartilhada por ambas. Mariquinha também perdeu um filho e reconhece o quanto a persistência em seu trabalho cola-borou para amenizar sua dor: “Não devemos abandonar a cultura da nossa terra. Tenho vontade de juntar um grupo de pessoas que tenham o dom da costura para montar uma escola de corte e costura. Para que outras pessoas adquiram também essa experiência”, comenta.

A jornada das Marias tem em comum o gosto e também suas di-ficuldades. Tem em comum o preto e também as cores vivas dos vários carretéis de linhas e botões coloridos que foram costurados às suas casas. Tem em comum alguns cortes que a tesoura chamada vida não poupou deixando cicatrizes estampadas, porém sem precisar de miçanga, lan-tejoula ou renda para disfarce. Tem em comum o ponteado constante de quem não para seu bordado porque a linha arrebentou, pois se sabe bem atar o nó firme necessário quando isso acontece. O que as Marias têm em comum chama-se simplesmente fé. Palavra monossilábica carrega-da de significado presente em seus corações - que não há fita métrica que meça sua grandeza ou alfinete que possa incomodá-la a ponto de desistir. Foi produzida por elas pró-prias com uma ajudinha da vida para servir de revestimento dessa vez não para o corpo, mas para o espírito. E quando o mesmo se encontra reves-

Dona Mariquinha, à direi-ta, trabalha não só com costura como também aluguéis de roupas para eventos. Do Carmo conti-nua costurando paraamplo público, inclusive, produzindo vestidos para formaturas escolares.

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Surgiu em novembro de 2004 por iniciativa de Maria de Fátima Queiroz, pouco antes do falecimento de seu pai, Oriol Correia de Queiroz. Ele era autodidata,

organizado, de boa memória e acompanhava livros, revis-tas e jornais de seu tempo. Mesmo que não fosse formado, entendia e gostava de discutir sobre medicina, inclusive tirar as dúvidas das pessoas que iam até ele pedindo orien-tação. Assim, os objetos pessoais da família foram reuni-dos e colocados à exposição nesse memorial, que fica no Sítio Novo, próximo à divisa de Santo André e Parari. Fá-tima conta que “seria uma forma de perpetuar a memória de seu pai por meio das coisas que lhe pertenciam”. A ideia era apenas essa. Não pensava em torná-lo público, mas por sua importância, há de se entender que várias pessoas se interessam em visitar. Conhecendo mais sobre a cultura e estilo de vida ao observar as peças que compõem o acer-vo. É possível também visitar a capela que fica ao lado do memorial e a Casa Grande da Família Queiroz. Apesar da idealizadora morar fora do estado, existem funcionários para manter conservado todo o fruto da história que foi posto em atenção e dedicação especial nesse espaço.

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As festas juninas são famosas manifestações cultu-rais responsáveis por animar e colorir o nordeste durante todo o mês de junho. São dedicadas à

comemoração dos três populares santos católicos: Santo Antônio, São João e São Pedro. Para homenageá-los, é cos-tume acender fogueiras na véspera de cada data comemo-rativa. Numa explosão de luzes e cores embelezando a noite e o céu, existe também a queima de fogos, que é a diversão garantida da criançada.

A aquarela se complementa na decoração, na vestimenta e, claro, na mesa. É tanta fartura para os olhos e para o es-tômago, que o jeito é gastar toda a energia arrastando o pé com os autênticos trios de forró. Ah! Mas o arraiá não fica por conta só das quadrilhas, não! Nem tampouco apenas ao som do triângulo, da sanfona e da zabumba. A festa reper-cutiu de tal forma que, com devida antecedência, é produ-

zida toda uma programação especial a fim de comemorá-la. E, em Santo André, não se foge à regra.

Além das bandeirinhas enfeitando a cidade, observamos também a animação envolvente desse evento no próprio povo da região. Nos finais de semana do mês junino, em vários sítios são organizados forrós completamente rechea-dos de muita alegria e comidas típicas.

Crianças e também adultos se dedicam a cada ensaio para fazer bonito dançando na apresentação. E para quem ficou de fora, não tem problema, tem repescagem. É o quadrilhão improvisado e liberado para todo mundo lá na praça. Mas só até dar o tempo de anoitecer. Calma! Não acabou a festa ainda. Só chegou a hora de passar mais uma vez em casa para se aprontar oficialmente pro São João. Depois da janta, é só voltar pra dança ao som das bandas que embalam a noite no Serenão.

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Modo de preparo

1º passo: CuscuzColoque o fubá num recipiente;Acrescente aos poucos 4 xícaras de água e mexa bem;Deixe a massa descansar por dez minutos;Leve à cuscuzeira para cozinhar. Após começar a ferver, deixe por 5 minutos.

2º passo: Mel de rapaduraQuebre a rapadura em pedaços menores e coloque em uma panela;Adicione 1 xícara de água e leve ao fogo até ficar em consistência de mel.

3º passo: BoloJunte o cuscuz, o mel e os demais ingredientes e bata à mão até a massa ficar homogênea; Coloque em um recipiente untado com margarina e farinha de trigo;Leve ao forno aquecido de 40 a 45 minutos.

Ingredientes

1 quilo de fubá

5 xícaras de água

2 xícaras de açúcar

1 rapadura preta

Cravo e canela

Bolo de milhocom rapadura preta

Receita fornecida por Creuza Barbosa de Araújo, moradora do Sítio Campos{

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