Seguranca Justica e Cidadania

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Seguranca justica e cidadania

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  • 1DIRE

    ITOSHU

    MAN

    OS

    SEGURANA,JUSTIA E

    CIDADANIA

    U M A P U B L I C A O G A J O P - F E V ' 9 8

  • 2

  • 3SEGURANA,JUSTIA E

    CIDADANIA

  • 4REVISTA DIREITOS HUMANOS GAJOP uma publicao do Gabinete de AssessoriaJurdica s Organizaes PopularesRua do Apolo, 161, 1 andarBairro do Recife - Recife - PECEP: 50220-030 - Fone: (081) 224-9048E-mail: [email protected] visual: Clara NegreirosTiragem: 2000 exemplaresApoio Financeiro: Diakonia Sucia

    GAJOPJayme Benvenuto - CoordenadorValdnia Brito - Coordenadora AdjuntaAnlia Belisa Ribeiro - PsiclogaEudeses Rocha - TelogoKtia Costa Pereira - AdvogadaNeiva Barros - Assistente SocialRivane Arantes - AdvogadaMaria Lgia Soares - Estagiria

    Equipe de apoioLia Marques - SecretriaItamar Miguel da Silva -Banco de Dados

    ColaboradoresLena Zetterstrm - JornalistaFernandoMatos - Advogado

  • 5N

    DI

    CE

    07 Apresentao

    08 A Luta pelos DireitosHumanos:Uma Nota a Favor doOtimismo

    11 Reformas das Polcias:S em Interao coma Sociedade

    18 Pulp Fiction:Matar e Morrer emPernambucoem 1996 e 1997

    27 O "Q" da Violncia...Como mudar essaCultura?

    32 Globalizao:A Eficcia dos DireitosEconmicos, Sociais eCulturais na ConstituioFederal de 1988

    45 Sade Mental:Garantir Sade Mental Assegurar Direitos

    51 Cidadania:Esquecemos que todosNs somos o Estado

  • 6

  • 7APR

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    TAO

    Valdnia Brito Monteiro*

    * Valdnia Brito Monteiro advogada e coordenadora adjunta do Gajop - Gabinete de Assessoria Poltica s Organizaes Populares

    crianas e adolescentes.

    Como viso geral dos Direitos Huma-nos, destacamos os textos A Luta pe-los Direitos Humanos: Uma Nota aFavor do Otimismo e A Eficcia dosDireitos Econmicos, Sociais e Cultu-rais na Constituio Federal de 1988.

    Por fim, dois textos que tratam daquesto da cidadania e da proteoa testemunhas: Garantir Sade Men-tal Assegurar Direitos e Esquecemosque todos ns Somos o Estado.

    A revista Direitos Humanos visa fo-mentar a discusso sobre temas rela-cionados aos direitos humanos, almde pretender se constituir num espa-o destinado ao exerccio de repen-sar a prtica em torno das questessuscitadas. Esperamos sua colabora-o, enviando crticas, sugestes e,eventualmente, textos para publica-o.

    Esta revista publica artigos de vrioscolaboradores do Gajop - Gabinetede Assessoria Jurdica s Organiza-es Populares, a respeito de temasque a instituio vem discutindo e a-profundando no marco da questoda Segurana, Cidadania e Justia.

    Entre os vrios temas, destacamos al-guns que refletem o trabalho da ins-tituio no monitoramento do sis-tema de segurana e justia. So e-les: Reformas das Polcias: S emInterao com a Sociedade, temamuito debatido em nvel nacional,inclusive com a nossa colaborao;Fico Barata: Matar e Morrer emPernambuco 1996-97, que faz aanlise dos homicdios no Estadonos ltimos anos, a partir de esta-tsticas do banco de dados doGajop/MNDH; e o texto, O Q daViolncia: Como Mudar Essa Cultu-ra?, sobre a violncia envolvendo

  • 8 invarivel: sempre que participo deum colquio sobre direitos humanosno Brasil, no momento dos debatesalgum pede a palavra e desfia umrosrio de eventos de violaes des-ses direitos, perpetradas por agentesda represso estatal, para concluircom uma reflexo meio desoladasobre o vo combate dos seus mili-tantes, condenados qual o Ssifo damitologia a rolar a pedra at o cimoda montanha, para v-la em seguidaescorregar ladeira abaixo. Depois deCarandiru, Candelria; depois daCandelria, Vigrio Geral; Depois deVigrio Geral, Eldorado dos Carajs;depois de Eldorado dos Carajs,Diadema... - e assim por diante. Emseguida, vem a pergunta que o con-ferencista mais teme nesses momen-tos: que fazer? Procurarei aqui, porescrito e com tempo para refletir, ar-

    ticular uma resposta que nem sem-pre ocorre no momento em que es-tamos submetidos imediatez daoralidade.

    Minha resposta, na verdade, dupla.Ou,melhor dizendo, situa-se em doisnveis. O primeiro, o da tica. Quefazer? simples: continuar lutandocontra a violao dos direitos huma-nos, porque aquele que est com-prometido com a sua causa, nopode fazer outra coisa seno isso! Emtermos bem concretos: o que ummilitante deve fazer ao tomar conhe-cimento de mais uma sesso de tor-tura numa delegacia de roubos e fur-tos? Resignar-se, cruzar os braos etransformar-se em maioria silenci-osa? Ou protestar, denunciar pelaimprensa, ir falar com o Secretrio eexigir a punio dos culpados? A

    * Luciano Oliveira Professor dos Mestrados de Cincia Poltica e Direito da Universidade Federal de Pernambuco OT

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    A Luta pelos DireitosHumanos: Uma Nota aFavor do Otimismo

    Luciano Oliveira*

  • 9atmesmo internacional que ele pro-vocou, o nmero de mortos anual-mente pela polcia de So Paulo caiudrasticamente: em 1992, ano domassacre, eles foram 1.359; no anoseguinte, esse nmero assustador ti-nha cado para 329! O que issoseno uma evidncia tangvel de queo trabalho nem sempre vo?

    A verdade que, aqui como noutrosassuntos, nossa memria seletiva eguarda prioritariamente as notciasque nos contrariam, prejudicandouma avaliao correta e objetiva dasque constituem sinais positivos. Maisexemplos: rigorosamente falando,no se pode dizer que os eventos daCandelria, de Vigrio Geral ou deDiadema ficaram completamenteimpunes. Houve expulses dos qua-dros da polcia, prises, julgamentose at mesmo condenaes. Ou seja:a impunidade generalizada dos cri-mes contra os direitos humanos, umlugar-comum em tantas intervenesnos colquios a que aludi, no sepode dizer semmaiores cautelas queela a mesma o tempo todo. Pense-mos, por exemplo, em tempos maisrecuados, quando o tema dos direi-tos humanos e os movimentos de suadefesa sequer existiam. H cem anosatrs, nos sertes da Bahia, 25 milcamponeses, sob o aplauso geral danao, forammassacrados pelo Exr-cito brasileiro em Canudos. Hoje,apesar dos pesares, no se pode deforma alguma dizer que os sem-terraso reprimidos na mesma proporoou com idntica ferocidade. Certo,houve Eldorado dos Carajs. Mas,mesmo correndo o risco de ser mal-interpretado, no seria til lembrarque os mortos foram mais de mil ve-zes menos?... E que os seus verdugos,ao invs de serem recebidos com j-bilo na capital da repblica, foram deum modo geral condenados pelaopinio pblica da nao?...

    No deixa de ser verdade que esseargumento padece de um certo ana-cronismo: o de julgar o passado com

    nica resposta possvel a segunda. aquilo que Kant chamaria de umimperativo categrico, e Weber cha-maria de uma tica de convico.Nesse caso, a atitude do militante,rigorosamente falando, no se pau-ta por critrios de eficcia, porque oimpulso para a sua ao repousanum terreno que no o da razoutilitria. Quem contra a pena demorte em razo de princpios ticos,por exemplo, continuar sendo con-tra independentemente do potenci-al dissuasrio da pena sobre os cri-mes que ela pune. Age-se assim por-que no se pode agir de outra for-ma, e ponto final.

    Ponto final, vrgula, porque na ver-dade reconheo que o argumentoacima, apesar de rigorosamente l-gico, no chega a ser muito entusias-mante. aqui onde me acudo da se-gunda resposta, situada desta veznum nvel mais convincente do queo da primeira, porque capaz de suge-rir resultados apesar de tudo: o dasociologia. Na verdade, a desilusodo militante de direitos humanos, aover suas violaes se repetirem, noleva em conta um problema meto-dolgico com que se defronta todosocilogo que investiga a eficcia dasleis penais. Por um lado, pode-seconstatar que, apesar de existirem,elas no foram capazes de evitar aocorrncia de um certo nmero decrimes, e conclui-se rapidamenteque elas so ineficazes. Mas se elasno existissem, ser que o nmerode crimes no seria maior? O proble-ma que, nesse caso, no se podeconstatar quantos comportamentoscriminosos ela dissuadiu, exa-tamente porque eles no ocor-reram... Trazendo a questo para onosso tema: omilitante constata que,apesar de sua ao, as violaes con-tinuam ocorrendo; mas pode ser quemuitas outras tenham deixado deocorrer exatamente porque a suaao existe! Um exemplo concreto:logo em seguida ao massacre doCarandiru, e da onda de indignao

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    critrios de validade do presente.Mas a questo justamente essa:como julgar os acontecimentos se-no com os nossos critrios? No caso,os direitos humanos so um doscritrios de validade por excelnciada modernidade na qual, bem oumal, estamos inseridos. claro queseria anacrnico julgar com os mes-mos critrios sociolgicos os solda-dos que massacraram os jagunos deCanudos e aqueles quemassacraramos presos na Casa de Deteno, por-que a sociedade de cem anos atrs muito diferente da atual: o nvel deinformao, a cultura poltica, asensibilidade social etc. de forma al-guma so as mesmas. Mas podemosjulgar, sim, no sentido de que, comos valores de hoje, no aceitamosmais uma sociedade em que era nor-mal degolar os inimigos da repblicacomo h cem anos ou, ainda nosanos 30, cortar a cabea de canga-ceiros mortos, exibi-las em praapblica e depois envilas ao museu

    na Bahia - onde, alis, ficaram expos-tas at os anos 70...

    Se hoje essas aes so percebidascomo violaes dos direitos huma-nos, porque a noo de direitoshumanos, hoje, existe. E existe por-que existem os movimentos que asustentam. Ns sabemos como omundo em que vivemos. H nelemuito sofrimento, muita violncia,muita injustia e crueldade. Comotambm h o combate a tudo isso,em nome justamente dos direitoshumanos. E se esse combate no exis-tisse? pelo menos razovel suporque sem a Anistia Internacional, semo Tortura Nunca mais, sem o Movi-mento Nacional de Direitos Huma-nos, sem o Gajop - enfim, sem aqui-lo que DomHlder Cmara chamounuma bela expresso de minoriasabramicas, o mundo seria aindamais cruel. Acho que essa a melhorresposta que poderia dar ao meupessimista debatedor.

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    A democratizao das polcias inse-re-se no processo histrico mais am-plo de democratizao das institui-es sociais, do repensar crtico domodelo scio-econmico vigente edos aspectos formais e imaginriosda civilizao e cultura brasileiras.

    As polcias no exerccio do seu po-der de polcia, atravs dos sculos,caracterizaram-se como instrumentodo poder constitudo e a servio dasclasses dominantes, um fator de de-fesa do Estado muito mais que do ci-dado, uma forma de conter os con-flitos sociais dentro dos limites esta-belecidos pelos interesses das elitesdo que garantir o efetivo cumprimen-to da lei.

    O autoritarismo que tem permeadoa conjuntura poltica nacional, parti-

    cularmente neste sculo, remonta aonosso processo de colonizao e for-mao econmico-social que tevecomo base as capitanias hereditriase o grande latifndio domodelo agr-cola exportador, que instrumentali-zava o processo poltico e postava-se no cotidiano quase sempre reve-lia da lei e da justia, manipulandoo sistema policial-jurdico-penal.

    A cultura do arbtrio e do apadrinha-mento acompanhou o processo deindustrializao e modernizao dasociedade brasileira, onde os deten-tores do poder poltico-econmicoimpem os seus interesses num qua-dro bem caracterstico de impunida-de e de favorecimento aos seus pro-tegidos, burlando ou violando nor-mas e princpios estabelecidos, maisuma vez comprometendo a imagem

    * Adalberto Sales Psiclogo e Coronel da Polcia Militar de PernambucoDEMOCR

    ATIZA

    O

    Reformas das Polcias:S em Interaocom a Sociedade

    Adalberto Sales*

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    de imparcialidade e eficincia da jus-tia e da polcia.

    Nesse quadro histrico o poder depolcia assimilou e foi condicionadopelo autoritarismo disseminado pe-las instituies sociais, as pblicas emparticular, reproduzindo os mecanis-mos arbitrrios do sistema poltico-institucional do qual instrumento,caracterizando, assim, o perfil deuma polcia distante da comunida-de, predominantemente repressiva ecomprometida com uma ordem quepenaliza e discrimina a maior parteda populao.

    A concentrao urbana desordenadaao lado de um crescimento econ-mico concentrador de renda e depouco estmulo a uma ampliao domercado interno, gerador de empre-gos e poupana, agravaram os pro-blemas nas grandes cidades e regiesmetropolitanas do pas, tendo comopano de fundo um modelo poltico-social excludente e discriminatrio,estabelecendo, assim, as condiesprprias para o estmulo violnciae criminalidade.

    Seja pela prpria necessidade de so-brevivncia e busca de alternativas devida, principalmente por parcelas dapopulao pobre e/ou desemprega-da, carente das mnimas condiesde existncia digna e de servios b-sicos de infra-estrutura, em decorrn-cia da ausncia de polticas pblicasefetivas e voltadas para as camadasmais sacrificadas, ou, ento, pelaampliao do crime organizado, pre-dominantemente integrado por pes-soas da classe mdio-alta da socie-dade, que na busca de um status quodemaior poder e relevncia inserem-se no jogo do mercado, onde predo-mina a tica do lucro maior e domximo usufruto dos bens social-mente produzidos, os fins justifican-do os meios quase sempre ao arre-pio da lei, incrementou-se, por con-

    seguinte, historicamente, um quadrode excluso social em um universopermeado pelo trfico de interesses,fisiologismos, transaes esprias,corrupo e impunidade.

    A violncia institucionalizada atravsdos desmandos e escndalos envol-vendo autoridades e funcionrios deinstituies pblicas ou privadas, aimpunidade, e as distores nas o-portunidades de realizao na vidae a tica do cotidiano contradizen-do a tica do discurso, criaram umclima de desencanto, falta de pers-pectiva e at desespero, entre mui-tos, traduzindo-se, inmeras vezes,em reaes de violncia e desrespei-to s leis e s normas sociais, ora demaneira romntico-agressiva (as ga-leras), ora em forma de confrontaocomo represlia s mazelas e s in-justias histricas da questo agrria(MST)1 ou, ento, sob o aspecto demovimento grevista face falnciadas polticas pblicas na rea de se-gurana (as PPMM)2 .

    Nesse contexto as polcias passaramcada vez mais a serem cobradas emtermos de aes efetivas no comba-te criminalidade como se fossem apanacia para todos os males e dis-tores sociais que se escondem portraz da violncia e do desrespeito lei, exigindo-se das mesmas uma pre-sena mais ativa e integrada junto comunidade, quando elas no forampreparadas histrica e formalmentepara tal, vendo, a populao civil,muitas vezes, de maneira desconfi-ada e distante.

    Para no retroagir muito no tempopoder-se-ia, nessa segunda metadedo sculo, destacar trs momentospara as PPMM que propiciaro sub-sdios para melhor entender os as-pectos de fora e autoritarismo queainda esto presentes na atuao eorientao doutrinria dessas organi-zaes.

    1 Movimento dos Sem Terra2 Polcias Militares

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    der interesses outros, esses perma-neceram sob disfarces e formas mo-dernizadas, para poder contornar osavanos conseguidos na construode instrumentos mais democrticosde vida em sociedade, assim como,para fazer frente s presses da co-munidade organizada e dos organis-mos internacionais do campo dos di-reitos humanos, sem, contudo, per-der o carter clientelista e fisiolgicoao sabor das convenincias nemsempre claras e legtimas dos quemanipulam o poder em benefcioprprio.

    Aps a redemocratizao do pas ecom o advento da Constituio de1988, o papel das polcias e da segu-rana pblica passou a ser ampla-mente discutido pelos diversos seg-mentos sociais, pelas autoridadesconstitudas e pelos prprios polici-ais, questionando-se o modelo vi-gente e propondo-se alternativasmais eficientes e eficazes em adequa-o com as novas correlaes de for-as e relaes sociais do final do s-culo.

    Cumpre-se assinalar alguns pontosque caracterizam o novo cenrio dasegurana pblica, e que tm norte-ado a discusso do problema a nvelestadual e nacional, antes de se tra-tar propriamente da natureza daredemocratizao das polcias.

    A Constituio de 1988 estendeu odireito de voto a todos os policiais(cabos e soldados anteriormente novotavam).

    A Constituio tambm garantiu atodos cidados e categorias profissi-onais, inclusive policiais, o direito deassociao.

    A cidadania do policial, em parti-cular do policial-militar, passa a seranalisada e discutida dentro e forados quartis.

    O novo contexto scio-econmicoaumentou a demanda por empregos,

    Aps a democratizao de 1945 osorganismos policiais continuaram aexistir e atuar com o um perfil, decerto modo autoritrio e repressor,herdados do imprio, passando pelarepblica velha e pela ditadura doEstado Novo, ou seja, um instrumen-to muito mais controlador dos movi-mentos e reivindicaes sociais, porum lado, e de defesa dos interessesespecficos das e oligarquias domi-nantes, pelo outro, que dos ditamesda lei e da justia. Nesse perodo aformao policial, em particular dasPPMM, baseada mais na viso dadefesa do Estado e no do cidado,do homem comum encarado comoum possvel delinqente em poten-cial, da ao policial como predomi-nantemente repressora, do policialcomo algum que no deveria mis-turar-se com os paisanos, manten-do sempre a devida distncia da co-munidade, e da concepomilitar dasegurana pblica em que se tem uminimigo a combater (destruir) e node cidados que podem transgredira lei e a ordem e, nessas circunstn-cias, devem ser controlados, mesmousando-se a fora necessria e o po-der coercitivo legal exigido, especi-almente quando trata-se do crimeorganizado.

    Em um segundo momento, com oadvento do golpe militar de 1964, aspolcias, particularmente as militares,passaram a ter uma formao em sen-tido estrito orientada (anteriormen-te era mais geral) para a dicotomiaideolgica democracia X comunismo,onde cada cidado que antes era umprovvel delinqente em potencialpassa, agora, a ser um subversivoemergente. Reforaram-se, assim, ostraos militaristas da ao policial, afuno da polcia atrelou-se s For-as Armadas no combate aos movi-mentos tidos como subversivos, e oafastamento da comunidade cresceu,face ao perigo de contaminaoideolgica. Quanto aos aspectos deautoritarismo e de instrumen-talizao da ao policial para aten-

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    crescendo o nmero de candidatos vagas em cursos policiais com umperfil diferente das dcadas anteri-ores: uma parcela cada vez maiorcursando ou j tendo concludo o 3grau e nomais predominando a pro-cedncia do interior do pas.

    A matria direitos humanos torna-se obrigatria nos currculos dos cur-sos policiais.

    O Programa Nacional de DireitosHumanos (PNDH) prope o debatesobre direitos humanos nos organis-mos policiais, bem como, nas diver-sas capacitaes e qualificaesdaqueles rgos.

    O PNDH ainda sinaliza para a im-portncia da aproximao do polici-al com a comunidade, atravs, entreoutros instrumentos, da chamadaPolcia Interativa, em que se propea trabalhar os problemas da se-gurana a partir da viso e da par-ticipao da prpria comunidade.

    As tragdias do Carandiru (SP), Vi-grio Geral (RJ), Diadema (SP) eEldorado dos Carajs (PA), entre ou-tras, envolvendo a atuao das pol-cias militares, bem como, a partici-pao de policiais (civis e militares)em grupos de extermnio, grupos deseqestro, quadrilhas do chamadocrime organizado (assalto a bancos,narcotrfico, contrabando de armas,furto de veculos, turismo sexual, etc),levantaram a desconfiana da popu-lao sobre o papel preventivo e pro-tetor das polcias e dos policiais, as-sim tambm, sobre a competncia ea eficcia policial dentro da atual es-trutura do modelo de segurana p-blica vigente.

    O movimento dos policiais milita-res que envolveu a maior parte dosestados brasileiros em 1997, inclusi-ve os demaior poder poltico-econ-mico (SP, MG, RJ, BA, RS, PE), rom-peu historicamente com o paradigmade que policial-militar no deve, no

    pode(?) e no faz(??) greve. Demons-trou a vulnerabilidade da estruturapolicial militar face conjuntura s-cio-econmico e carncias das pol-ticas pblicas na rea social e da pr-pria segurana pblica, atingindo emcheio o policial como cidado e paide famlia.

    As polticas pblicas para a rea desegurana deterioraram-se nas lti-mas duas dcadas (80, 90) no quereferem-se aos investimentos e recur-sos oramentrios, tornando o apa-relho policial desatualizado em ter-mos de viaturas, armamentos,comunicaes, etc a gravidade deconfrontar-se com uma maior densi-dade populacional e o crime organi-zado melhor estruturado e armado,incluindo-se, nesse caso, a PolciaMilitar de Pernambuco, que agoracomea a receber novas viaturas eequipamentos dentro do programade reequipamento das polcias pro-movido pelo governo do Estado dePernambuco.

    O Brasil, por sua parte, carece deuma poltica de segurana pblicaque estabelea parmetros para umtrabalho integrado na rea de justi-a e segurana e para o desenvolvi-mento de programas e aes efetivasno combate criminalidade e vio-lncia. No Estado de Pernambucoessa integrao prenuncia-se com acriao do Conselho de Defesa Soci-al (CDS) e a sua regulamentao emfase de elaborao, competindo aomesmo assessorar o Governo paraviabilizar uma poltica de seguranae justia para o Estado.

    Finalmente, as polcias militares eparte dos policiais vivem hoje umacrise de identidade ao questionaremqual o seu perfil, se policial ou se mi-litar, pois o hibridismo policial-mili-tar est eivado de inmeras contra-dies que passam pelo papel pro-fissional que ele deve ter at omodusoperandi do servio prestado comu-nidade, considerando-se, ainda, as

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    cobranas desta em relao a umanova postura a ser adotada peloprofissional do campo da seguranapblica.

    Em funo de tudo o que foi coloca-do desde as origens policiais ligadasao arbtrio e ao autoritarismo ineren-tes formao scio-cultural da na-cionalidade brasileira, passando pelacrise de identidade profissional e osproblemas atrelados futura organi-zao policial e o papel a ser desem-penhado pelo profissional de se-gurana pblica, destacam-se algu-mas proposies que se acredita con-tribuir, no apenas para uma demo-cratizao mais efetiva dos organis-mos policiais, como tambm para re-definir o prprio papel do policialdentro da Sociedade e do Estado deDireito, a partir de uma viso do pro-fissional de segurana pblica infe-rida da cidadania, dos direitos huma-nos e da interao com a comuni-dade, tais quais elementos balizado-res da formao e atuao dos queagem na esfera da segurana.

    As medidas tomadas at o presente,no que tange reestruturao e/oudemocratizao das polcias, aindatm limitado-se s aes pontuais,formalidades curriculares, bem co-mo, eventos conjunturais que ficama reboque da descontinuidade admi-nistrativa que marca registrada daspolticas pblicas brasileiras.

    Por outro lado, os ltimos aconteci-mentos envolvendo a greve dos po-liciais-militares fizeram com que osmais diversos segmentos da socieda-de e suas instituies tomassem po-sio no sentido de cobrar medidasefetivas por parte das autoridadesconstitudas, levando, essa presso, tramitao no Congresso Nacionalde diversas emendas relacionadoscom a segurana pblica e o papeldas polcias na atual conjuntura naci-onal e num futuro bem prximo.

    Independente domodelo que venha

    a ser adotado, ao final das discussesque esto sendo travadas a nvel na-cional e no Congresso em particular,a democratizao das polcias passapor alguns princpios e proposiesbsicas analisadas a seguir como pro-postas alternativas para um debate,em busca de uma segurana pblicamais eficiente, eficaz e democrtica.

    Urge, em primeiro lugar, estabeleceruma poltica de segurana pblicapara o pas na qual fiquem estabele-cidos princpios e diretrizes nortea-dores da atividade policial em todosos estados da federao, objetivandoformular uma doutrina de seguranapblica com estratgias bem defini-das e, de outra parte, dar sustent-culos s polticas pblicas de segu-rana dos Estados da unio face sdescontinuidades administrativasdecorrentes das mudanas de gover-nos nos estados. Essas poltica e dou-trina de segurana pblica a nvelnacional devem ressaltar a importn-cia do trabalho sistmico e integra-do das polticas pblicas na rea desegurana, evitando soluo decontinuidade, respeitando-se, entre-tanto, as peculiaridades regionaisquando da elaborao de programasespecficos de ao policial.

    Um segundo aspecto a destacar que a formulao de uma nova dou-trina/filosofia do trabalho policialdeve enfatizar os princpios dacidadania e dos direitos humanoscomo postulados essenciais forma-o do policial, perpassando por to-dos os cursos de formao, especia-lizao, aperfeioamento ecapacitaes em geral, atingindotambm todos os nveis para quepossam os resultados refletirem-se nocotidiano da ao policial.

    Entretanto, a democratizao dos or-ganismos policiais no ter os efeitosdesejados se no passar por um traba-lho permanente de interao junto scomunidades e outros rgos e ins-tituies no-governamentais, particu-

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    larmente as entidades de direitos hu-manos, onde haja um sistmico inter-cmbio de infor-maes, debates, cur-sos e discusso crtica da realidade so-cial e da segurana do cidado.

    Essa integrao acima referida deveinserir-se num trabalho especficorelacionado com cada comunidadea que o policial serve, onde a ques-to da segurana e as alternativas epropostas de soluo sejam discuti-das e construdas com a efetiva parti-cipao das comunidades e suas lide-ranas. Um projeto especfico aPolcia Interativa que no Estado dePernambuco teve o seu projeto pilo-to implantado nomunicpio do Cabode Santo Agostinho, levando em con-siderao as experincias bem suce-didas no Esprito Santo, Sergipe, Bra-slia, Rio de Janeiro e outras locali-dades brasileiras.

    O quarto ponto a ser repensado oda democratizao dos regulamen-tos e normas disciplinares vigentesnas instituies policiais, retirando-se deles os resqucios de autorita-rismo e assegurando a ampla defesado policial face aos seus direitos, bemcomo, a reformulao dos procedi-mentos administrativos vigentes que,pelos entulhos burocrticos acumu-lados, dificultam e criam bices aopleno exerccio da cidadania e desuas garantias, por parte dos polici-ais. Nesse sentido encontra-se em es-tudo, na Polcia Militar de Pernam-buco, um anteprojeto com esse in-tuito.

    Outro passo a ser efetivado o tra-balho dos comandos e chefias dascorporaes policiais junto s asso-ciaes policiais, em todos os nveis,para poder discutir as questes da se-gurana e o papel a ser desempenha-do por aquelas associaes dentro deum novo quadro poltico-instituci-onal e das mudanas que processam-se a nvel nacional.

    Um sexto ponto est relacionado

    com uma poltica de recursos huma-nos bem definida e estruturada paraa classe policial, comeando por umprocesso de recrutamento e seleode qualidade e passando por um r-gido acompanhamento de desempe-nho durante a formao, propici-ando, ao mesmo tempo, quando noexerccio da funo, programas deapoio e estmulo profissional ao po-licial, bem como, assistncia nas re-as psico-social, educacional, sani-tria, jurdica, habitacional, ao poli-cial e a sua famlia.

    A ascenso profissional outro fatorpreocupante e motivo de inmerasreclamaes e queixas por parte dospoliciais, tendo em vista as ingern-cias polticas intra-extra corpore, tor-nando-se urgente a elaborao deuma poltica de promoo profissio-nal erigida sobre princpios e critri-os de avaliao de desempenhoobjetivos e claros e com o amploacesso, por parte do postulante, sua ficha avaliatria, propiciandotransparncia tica nas relaes ava-liadores/avaliados, direito do contra-ditrio e referencial para correo defalhas de conduta profissional.

    A democratizao das polcias tam-bm passa por uma poltica pblicade investimentos na rea de seguran-a, no sentido de possibilitar condi-es adequadas demateriais, equipa-mentos e infra-estrutura bsica parafuncionamento do sistema, semoqueficar inviabilizado um trabalho comeficincia e eficcia que leve umamaior tranquilidade a cada cidado,ou seja requer-se por parte das auto-ridades, em particular as politicamen-te constitudas, a vontade poltica dequerer realizar e fazer acontecer. Nes-se ponto, vale-se destacar a importn-cia e a necessidade dos convnios edas parcerias com a sociedade civilorganizada, com o empresariado,com os poderes pblicos em nvelmunicipal, estadual e federal, bemcomo, com organismos e instituiesinternacionais para a captao de re-

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    cursos e investimentos.

    Finalizando essas proposies, umapoltica concreta de cargos e salri-os, com ampla discusso junto aossegmentos representativos da comu-nidade, faz-se urgente, considerandoas distores histricas acumuladas,no sentido de valorizao profissio-nal e de resgate da cidadania do po-licial e dos agentes da rea da justiae segurana, enfatizando-se semprea viso sistmica e interdisciplinarque regem todas as atividades da so-ciedade contempornea.

    Ao concluir o que foi colocado nesteartigo poder-se-ia eleger quatro pon-tos fundamentais para se viabilizarmudanas efetivas na rea da segu-rana pblica, da justia e da defesasocial:

    1) uma formao e capacitao dopolicial e do agente do sistema de se-gurana e justia erigida sob a gidedos direitos humanos e da cidadania;

    2) o desenvolvimento de uma cons-cincia crtica, em cada policial e ci-dado da sociedade, de que so a-gentes transformadores da histria,devendo trabalhar, armados ouno, lado-a-lado em busca de umasociedade mais justa;

    3) a capacidade de mobilizao e co-brana, por parte da sociedade civil or-ganizada e deoutras categorias de fun-cionrios, demedidas efetivas no cam-po da segurana pblica, no apenasem termosmateriais e salariais,mas depolticas pblicas conseqentes e quedem resposta demanda portranquilidade e paz social;

    4) e, por fim, Vontade Poltica dosque exercem cargos poltico-admi-nistrativos e tm poder de deciso,para honrarem o compromisso assu-mido, como agentes pblicos erepresentantes do povo, na constru-o de uma sociedade justa, iguali-tria e democrtica.

    LAZZARINI, lvaro: As polcias militares e corpos de bombeirosmilitares como instrumento de defesa da cidadania, Revista da For-a Policial, n.1, p 29-45, jan-mar 1994

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    CARTA DE FOZ DO IGUAU, CONSELHO NACIONAL DE CO-MANDANTES GERAIS DAS POLCIAS MILITARES E CORPOS DEBOMBEIROSMILITARES DOBRASIL, Foz do Iguau, agosto 1997

    UNIDADE: Revista de Assuntos Tcnicos de PolciaMilitar Ano XV,Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, N30, abril-junho 1997

    Artigos de jornais publicados no ano de 1997 abordando a ques-to da Segurana Pblica.

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    DA SILVA, Jorge: Controle da criminalidade e segurana, 2a ed. Riode Janeiro, FORENSE, 1990

    Participao conquista, 2a ed. So Paulo, Cortez Editora, 1993

    FALEIROS, Vicente de P: O que poltica social. 2a ed. So Paulo,Brasiliense, Coleo Primeiros Passos, n. 168, 1986

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    HELLER, Agnes: O cotidiano e a histria, So Paulo, Paz e Terra,1992

    HIRSCHMAN, Alberto: A retrica da intransigncia, So Paulo,Companhia das Letras, 1992

    HOBSBAWM, Eric: Sculo dos extremos, Revista Veja, ed 1386, n.14, p 7- 10, abr 1995

  • 18

    Se os dados de 1996 se repetiremem 1997, teremos em torno de 2400homicdios por ano em Pernambuco,escreve o socilogo Jos Luiz deAmorim Rattn, depois de analisaro Banco de Dados desenvolvido peloMovimento Nacional de DireitosHumanos/GAJOP (BDV-MNDH) noestado. Essa uma tendncia desdeo incio do desenvolvimento do Ban-co de Dados em Pernambuco, emque as caractersticas dos homicdiosso as mesmas e nada animadoras...

    As taxas de mortalidade por homic-dio em Pernambuco, superiores a 35por 100 000 habitantes, caracterizamo estado, seguramente, como umdos cincomais violentos do pas, ten-

    dncia esta j observada no incio dadcada de 1980 e tristemente con-firmada para a dcada de 1990. Astaxas do Banco de Dados, entre1992 e 19971, no sofreram grandesmodificaes, parecendo indicar cer-to acomodamento em patamaresbastante elevados. Em 1996 foramregistrados mais de 1100 assassina-tos, excludos os acidentes de trnsi-to. De 1994 para 1995 h uma que-da que logo recuperada em 1996,sugerindo em 1997 uma elevaoem nveis superiores ao de todos osanos do perodo. Os diferentes go-vernos, no perodo, com plataformasideolgicas supostamente diferenci-adas, no alteraram, seja atravs depolticas sociais, seja atravs de pol-

    * Jos Luiz de Amorim Ratton Jr. socilogo e mestrando no curso de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco

    1 Onde se l 1997, entenda-se janeiro a junho de 1997. A comparao entre os outros anos, especialmente 1996, e 1997 s possvel porque estamos utilizando percentuais. Advirto que estas informaes devem ser tratadas com alguma reserva (o queno impede a anlise) pois a dinmica dos homicdios no estado pode obedecer a fatores que talvez s autorizem anlises paraperodos idnticos. Por isto, algumas vezes no texto utilizamos comparao de semestres. FICO

    BARA

    TA

    PULP FICTION:Matar e Morrerem Pernambucoem 1996 e 1997

    Jos Luiz de Amorim Ratton Jr.*

  • 19

    ticas de segurana pblica, o compor-tamento das taxas de homicdio, quepermaneceram altas. Este tipo de in-formao pode sugerir inclusive umaautonomia das organizacionais poli-ciais e prisionais em relao s dife-rentes prioridades polticas dos vri-os governos, resultando em um pa-dro institucional de baixa eficinciae alta recalcitrncia mudana.

    PORQUE SE MORRE EMPERNAMBUCO?

    Qualifiquemos agora os tipos de ho-micdio2. Utilizando a classificaomencionada acima percebemos quemais da metade dos homicdios commotivo/circunstncia estabelecido praticado por cidados sem envolvi-mento em carreiras criminosas. Note-se que a seqncia de perodos apon-ta para uma elevao ligeira deste tipode homicdio.

    Outro tipo de homicdio que pareceestar em elevao bem mais acentua-da que o tipo anterior, so os homic-dios em que os acusados tm envol-vimento com carreiras criminosas ouso conseqncias de um crime an-terior (roubos, seqestros, estupros,etc), os homicdios decorrentes dacriminalidade de rua. Este dado con-sistente comuma srie de informaes(que devem ser testadas atravs depesquisa) compartilhadas pelos queparticipam do debate na rea de pol-ticas pblicas de segurana, a saber: aincapacidade de modernizao, nasltimas duas dcadas, das organiza-es policiais pernambucanas, sejaatravs da deficincia crnica da pol-cia cientfica responsvel pelaelucidao de crimes, que deveria serpraticada pela polcia civil, seja atra-vs da tambm crnica falta de meiosda polciamilitar (compare-se o nme-ro de viaturas da polcia militar no in-cio da dcada de 80 e o nmero deviaturas atual). Some-se a isso a expan-so nos ltimos anos das atividades docrime organizado no Estado dePernambuco, em que assaltos a ban-co e trfico de drogas se articulam emgrupos com elevado poderio militar,

    empresarial e organizacional, e temosum quadro favorvel expanso des-ta modalidade de homicdio. Exata-mente aquela que mais pnico pro-voca na populao (inclusive gerandocondies psicossociais, atravs da sen-sao de insegurana do cidado co-mum, para que indivduos temerososse armem, supostamente para se de-fenderem da violncia das ruas, e pro-voquem assim situaes em que con-flitos triviais entre cidados comunstambm resultem em assassinatos.

    Em outros termos, pode-se dizer queo aumento dos homicdios relacio-nados criminalidade de rua, em umcontexto de baixa eficincia das ins-tituies do sistema de justia crimi-nal, combinado aos efeitos amplifi-cadores da sensao de inseguranaem relao ao crime predatrio, pro-pagados pelos meios de comunica-o de massa, provoca efeitos sist-micos no previstos: um grande n-mero de indivduos armados, capa-zes potencialmente de resolveremseus conflitos e desacordos sem re-curso ao poder pblico (que afinal,funciona mal), cenrio dos maisindesejveis do ponto de vista doque consideramos convivncia hu-mana minimamente civilizada3.

    Os homicdios institucionais se ele-vam e novamente caem no perodo,o que parece indicar uma estabi-lizao em torno de certos valoresque, proporcionalmente mais baixosfrente s duas modalidades discuti-das acima, no deixam de preocuparos que se interessam pelo funciona-mento das polcias sob o imperativosda lei e conseqentemente do res-peito aos direitos fundamentais,especialmente o direito vida.

    Os homicdios de extermnio, se ob-servarmososdadosdoprimeiro semes-tre de 1997, parecem estar em reflu-xo. Contudo, talvez seja preciso verifi-car se houve mudana na forma denoticiamento deste tipo de homicdio,com reflexo no seu registro no BDV-MNDH, como tambmnamaneira de

  • 20

    2 No grfico 3, as inmeras motivaes e circunstncias de homicdios presentes no bloco A do BDV-MNDH foram agrupadasem quatro modalidades de homicdio (procedimento que realizei no livro Criminalidade Violenta no Brasil Contemporneo,1996): homicdios de proximidade (praticados por cidados comuns tanto por motivo ftil quanto em situaes onde osindivduos j se conhecem com antecedncia e mantm algum tipo de relao duradoura anterior ao evento); homicdiosrelativos criminalidade de rua (praticados por indivduos envolvidos de alguma forma em carreiras criminosas ou associadosa outro tipo de crime como roubos, seqestros, guerra de quadrilhas, trfico de drogas, etc); homicdios institucionais (praticadospor membros do Sistema Estadual de Justia Criminal, em servio); homicdios de extermnio (praticados por grupos e emsituaes caracterizadas como de extermnio).

    3 As taxas de homicdio so calculadas dividindo-se o nmero de homicdios pela populao no mesmo perodo. Como stnhamos a populao referente ao Censo de 1991 utilizamos as projees populacionais feitas por Hlio Moura et alii(198...). No se trata de um retrato demogrfico do estado, mas projees feitas por um notrio especialista, com uma margemde erro tolervel que pode perfeitamente servir de artifcio para a anlise.

    agir dos grupos de extermnio queobviamente podem ter aumentado asua eficincia exatamente atravs dadiminuio da sua visibilidade.

    QUANDO E A QUE HORAS SEMATA E MORRE EMPERNAMBUCO?

    A observao dos grficos 5 e 6 con-firma o que as publicaes anterio-res do MNDH afirmavam: quase se-tenta por cento dos assassinatos sopraticados no perodo noturno e emtorno de cinqenta por cento de to-dos os homicdios ocorrem no sba-do e domingo.

    Curiosamente, os fins de semana noite so os dias/horrios em que osefetivos policiais esto reduzidos, di-minuindo seu poder de dissuaso eaumentando, de forma agregada, asfacilidades ambientais para que cri-mes violentos seguidos de morteaconteam.

    COMQUE ARMA SE MATA EMPERNAMBUCO?

    Tanto em 1996 quanto em 1997, emtorno de 80% dos homicdios pratica-dos emPernambuco, segundo oBDV-MNDH, foram cometidos com armasde fogo4. Tais dados revelam um pa-dro moderno de produo demortes violentas (diferente de um pa-dro tradicional observado em al-guns estados do Norte e mesmo noNordeste, onde a arma branca empa-ta e at supera as armas de fogo co-mo instrumento causador de morte)no estado. Alertam tambm para ofato de que um controle de armasmais efetivo talvez funcione como ele-mento redutor de mortes violentas,

    tornando menos disponveis, ou commais difcil acesso, os meios mais efi-cazes de provocar homicdios.GNERO E MORTES VIOLENTASEM PERNAMBUCO

    No que diz respeito ao sexo de vti-mas e acusados (ver grficos 8 e 9), opadro de vitimizao aponta ohomicdio como uma atividadepreferencialmente masculina, o queinmeros estudos j indicam h al-gum tempo. Como tambm j foidito, tipos diferentes de socializaoprovavelmente contribuem para tor-nar os homens mais vulnerveis a si-tuaes de conflito, seja com oucomo criminosos, seja com indivdu-os prximos, em que desavenas edesacordos em locais pblicos soresolvidos de forma privada, sem re-curso autoridade legal. Talvez pos-sa ser dito que homens se arriscammais no espao pblico, se expondomais aos riscos de confronto e viti-mizao, sendo que nos espaos dacomunidade, da vizinhana, do pa-rentesco, o fato de ser mulher confe-re uma imunidade diferencial a estegrupo social, tornando a resoluode conflitos, com recurso fora, umatarefa preferencialmente masculina.Um dado importante diz respeito aoque se convencionou chamar de vi-olncia conta a mulher. Se dirigirmosnossa anlise apenas para os assas-sinatos praticados por cnjuges (ob-viamente um contra o outro), no es-pao domstico as mulheres morremmais do que os homens. Em 1996,como mostra o grafico 10, dos 53casos de homicdio praticado por umdos membros do casal, 37 vtimasforam mulheres e 16 homens. Em1997, at junho, o padro pareceprosseguir: das trinta e duas mortes

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    violentas, 23 foram de mulheres e 9de homens. Note-se, assim, que ocrime domstico um sub-tipo dehomicdio onde as mulheres tmmaior participao tanto como acu-sadas (pois para os homicdios rela-tivos criminalidade de rua, homic-dios por motivo ftil, homicdios emlocais de lazer, e diversas outras sub-modalidades deste tipo de crime vi-olento, as mulheres tm uma parti-cipao muito menor), quanto comovtimas (no lar, o homem per-manece, ainda que em menor pro-poro do que fora dele, como o acu-sado mais freqente).

    PADRES GERACIONAIS E HO-MICDIOS EM PERNAMBUCO

    A anlise dos grficos 11 e 12 confir-ma um fato do qual muito j se faloumas que no deixa de ser chocante.Mais de setenta por cento das vti-mas e acusados de homicdios so deindivduos jovens, com idade at 35anos. Do lado das vtimas, isto par-ticularmente grave, pois provavel-mente formas de sociabilidade novasdevem estar resultando deste tipo defato: se homens jovens estomorren-do muito, provavelmente tipos fami-liares novos esto sendo criados, compadres de sobrevivncia mais inst-veis (lembre-se que o sustento do larainda atividade prioritariamentemasculina) e repercusses na edu-cao das crianas e na qualidade devida dos que permanecem vivos. Cer-tamente este quadro mais dra-mtico nos setores menos privile-giados scio-economicamente.

    Do lado dos acusados talvez se possapensar que o tipo de sociedade emque vivemos no conseguiu criar ain-damecanismos de controle social quesubstituam os controles que no pas-sado, em um tipo de sociedade me-nos complexa, menos diferenciada,menos populosa, etc, funcionavamsatisfatoriamente: famlia, escola, co-munidade, etc. Certamente os indiv-duos mais vulnerveis ao desvio, es-pecialmente s formas violentas de

    desvio, so os mais jovens, ou aque-les que os processos de socializaotpicos de perodos de mudana soci-al (em que o perfil das oportunidadesde crime se altera de forma combina-da manuteno, em nveis indese-jveis, do grau de eficincia das insti-tuies responsveis pelo controle docrime) atingem de maneira preferen-cial.

    Um olhar mais atencioso para os grfi-cos 11 e 12 permite observaes adi-cionais. O grupo etrio de indivduoscom at 17 anos, em 1996 e 1997, responsvel pormais de 10% tanto dasvtimas quanto de acusados. Ou seja,por inmeros motivos (violncia do-mstica, envolvimento em atividadescriminosas e suas conseqncias, etc)a infncia e a adolescncia esto tovulnerveis vitimizao e a participa-o em assassinatos quanto o grupode indivduos com idade entre 36 e 49anos (note-se que no grupo dos acu-sados, menores de 18 anos matammais do que os grupos etrios 36 a 49anos e acima de 50 anos, separada-mente). Talvez se possa afirmar que osprocessos de mudana social acele-rada vividos nos ltimos 30 anos nopas atingem os setores mais jovens dasociedade tornandocada vezmais pre-coces os papis outrora desempe-nhados por adultos. Inclusive os pa-pis criminosos.

    GUISA DE CONCLUSO

    A anlise dos dados sobre homicdi-os do BDV-MNDH para o estado dePernambuco em 1996 e 1997 confir-ma algumas concluses de trabalhosanteriores (Oliveira, 1994 e Ratton,1996) e acrescenta novas tintas a estequadro nada animador. Homens jo-vens so as vtimas e acusados prefe-renciais de homicdios. A violncia nolar atinge principalmente asmulheres.O envolvimento de crianas e adoles-centes em homicdios tanto comoagressores quanto como vtimas. Ho-micdios praticados por cidados co-muns constituem a maior parte des-tes crimes violentos mas assassinatos

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    decorrentes da criminalidade derua, os temidos crimes predatrios,so uma parcela importante dos ho-micdios. Armas de fogo so o princi-pal instrumento de produo demor-te. As taxas de mortalidade por ho-micdio continuam altssimas emPernambuco.

    Se os dados de 1996 se repetiremem 1997, teremos em torno de 2400homicdios no ano (os nmeros doBDV-MNDH em 1996 so de 1101homicdios; como o BDV-MNDHno-tcia provavelmente na razo de umpara dois vrgula dois em relao aoSIM-SUS5 temos o nmero encon-trado). A tarefa de controle do crimeem uma sociedade democrtica nopode ser adiada. O ponto mais sen-svel e que pode ser atacado a curtoprazo o aumento da eficincia dasinstituies do sistema de justia cri-minal (Polcias, Ministrio Pblico,Tribunais, Prises). O desenvolvimen-to de processos sociais em cujo inte-rior se observa o incremento das pos-sibilidades de prtica de homicdiostem no Estado o elemento estratgi-co para a interrupo deste motocontnuo de mortes violentas. Certa-mente no se trata de qualquer pro-posta de Estado autoritrio ou deordem acima da lei. Trata-se, sim, defortalecer as instituies de controledo crime, quantitativa e qualitativa-mente, capacitando-as a prevenir ereprimir a ocorrncia de crimes vio-lentos. Uma Polcia que interaja coma comunidade e que pr-ativamen-te se antecipe a ocorrncia de homi-cdios respeitando os direitos funda-mentais dos indivduos, um Judici-rio menos elitista e capaz de garantira proviso de justia para todos e emtempo compatvel com as necessida-des da sociedade, um Ministrio P-blico fiscalizador efetivo da ativida-de policial e decididamente articu-lado com o trabalho de polcia judi-ciria, so pontos de partida para oestabelecimento de um programamnimo de controle da violncia.Como se v, trata-se de exigir do Es-

    tado (em suas esferas municipal, es-tadual e federal) o cumprimento deobrigaes bsicas. Vale ressaltar quea participao da sociedade em par-cerias com as instituies governa-mentais essencial. A abertura doConselho Estadual de Defesa Sociala esta participao (no caso de Per-nambuco restrito s instncias gover-namentais) e a criao de Conselhosde Defesa Social nos municpios ebairros, talvez constituam passos ini-ciais na construo de estratgias deinterao entre poder pblico e so-ciedade no controle do crime, tantomais democrtica quanto eficazes.

    Desta maneira talvez possamos evi-tar que Pernambuco e, claro, o pas,se tornem um espao social de umafico barata, onde a banalidade daviolncia no provoque mais indig-nao e onde as respostas pblicasa este mal pblico sejam substi-tudas por lgicas privadas de impo-sio de ordem a qualquer custo, ex-cludentes, sem controle da lei e gera-doras de novas formas de violncia.

    BIBLIOGRAFIA

    Oliveira, Luciano (1994) A dupla face da Violncia, Recife,MNDH-Nordeste.

    Ratton, Jos Luiz de Amorim (1996) Violncia e Crime no BrasilContemporneo, Braslia, MNDH.

  • 23

    4 Tanto no grfico 3 (Tipos de Homicdio) quanto no grfico 7 (Homicdios por tipo de arma) os percentuais ultrapassam cem porcento porque o pesquisador pode entrar como dois cdigos para o mesmo evento. A soluo para tal problema (que no oelimina, mas o minimiza) foi realizar uma regra de trs e ajustar os percentuais para tipos de homicdio e tipos de arma comose a sua soma em cada grfico correspondesse a cem por cento.

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    5 Continuam vlidas as advertncias feitas tanto por Oliveira (1994) quanto por Ratton (1996) a respeito doslimites e possibilidades da utilizao do BDV-MNDH como fonte de informaes para anlise.

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    C R I A N A /

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    h pois, a necessidade de inventarrespostas; muito delas j existem eforam colocadas das mais diferentesformas, porm, sempre com o mes-mo peso: o peso das ideologias do-minantes...

    Outra vez as pesquisas1 confirmamque mais de 70% das vtimas e dosacusados por crimes de homicdioem Pernambuco, dizem respeito ahomens jovens, com idade at 35anos. Alm disso, mais de 10% socrianas e adolescentes com at 17anos de idade, o que segundo dadosdo Instituto de Medicina Legal emPernambuco, at Novembro/97, re-presentava ummontante de 243 cri-anas e adolescentes mortas2 .

    Por que insistimos na prtica perver-sa do extermnio ?

    Como explicar a violncia na nossasociedade: opo ou ausncia de al-ternativas?

    O que est por trs do patamar demais de 10% de vitimizao e de de-linqncia, em Pernambuco, dasnossas crianas e adolescentes ?

    Sermos interlocutores nesse dilogo,implica em desafiarmo-nos a fazeruma leitura atenta aos sinais que aprpria sociedade tem emitido aolongo desses anos, principalmentediante de toda exploso de violaoaos Direitos Humanos, sejam elasdas mais sutis s mais explcitas. No

    * Rivane Arantes advogada do Gajop - Gabinete de Assessoria Jurdica s Organizaes Populares

    1 RATTON, Jos Luiz de Amorim. Fico Barata: Matar e Morrer em Pernambuco em 1996 e 1997. Recife, 1997. Anlise doBanco de Dados da Violncia do MNDH/Gajop.

    2 Levantamento estatstico sobre ndice de homicdios de Crianas e Adolescentes em Pernambuco. Fonte: DPCA - Departamentode Polcia da Criana e do Adolescente. Secretaria de Segurana Pblica do Estado de Pernambuco. 1997.AD

    OLE

    SCEN

    TE

    O Q da Violncia...Como Mudar Essa Cultura ?

    Rivane Arantes*

  • 28

    Constatamos assombrados que maisda metade dos homicdios so prati-cados por cidados comuns (o mes-mo vale para as vtimas), sem ne-nhum envolvimento em atividadescriminosas ou, no caso de criana eadolescente, sem passagem pelo De-partamento de Polcia da Criana edo Adolescente (DPCA). Das 243crianas e adolescentes assassinadas,apenas 24 tinham registro naqueledepartamento3 . Em cerca de 80%dos casos de homicdio, o instrumen-to causador do crime a arma defogo, com a devida ressalva s armasbrancas, que no Nordeste podemchegar a empatar com as anteriores.Aliado a isso, uma boa dose de inse-gurana institucional que tem leva-do a populao a um processo dearmamento, na v iluso de defen-der-se da violncia generalizada.

    Dos 243 casos registrados de crian-as e adolescentes assassinadas, ape-nas 13 foram solucionados peloDPCA, 36 esto ainda emtramitao4 e o restante no h re-gistros de qual o encaminhamentoadotado, muito embora haja um de-partamento policial especializadopara solucionar tais ocorrncias cri-minosas.

    Ainda no se consegue explicarcomo chegamos a um ndice de 243mortes violentas s de crianas e ado-lescentes em Pernambuco, quandojustamente aqui, avanamos desdea vigncia do Estatuto da Criana edo Adolescente, na criao de espa-os plurais, paritrios ou no, desensibilizao, articulao, capacita-o e cobrana no que diz respeitoaos direitos desse grupo to vulner-vel. Para se ter uma idia, existemhoje prestando atendimento na linhada promoo, da vigilncia e da res-ponsabilizao (defesa jurdica) mui-

    tos fruns, comisses, conselhos, re-des, entidades no-governamentaise at rgos governamentais estrita-mente voltados para o estudo e paraa ao na rea da promoo e defe-sa daqueles direitos. De onde vemento, o ndice de mais de 10% devitimizao e de delinqncia atribu-dos s crianas e adolescentes per-nambucanas5 ?

    No momento em que uma criana-trabalhadora do corte da cana-de-acar responde que no sabe o quevai ser do seu futuro porque no so-nha, questionamo-nos sobre qual oprojeto que ns, sociedade dos adul-tos, estamos oferecendo como alter-nativa para essas crianas e adoles-centes, cuja infncia, foi / perdi-da quando justificamos a ausnciado sonho pela necessidade do tra-balho e / ou, quando calamos pelavoz do extermnio.

    Ento, momento de perguntamo-nos: Onde est localizado o n nes-sa teia ?

    A resposta, mais uma vez, no tosimples. Nessa procura, alguns indi-cadores merecem ser abordados.

    Estamos afeitos a uma estrutura so-cial que optou pela vinculao dosparadigmas aos ideais de mercado,e por via de conseqncia, capaci-dade de especializao e de compe-titividade. Para que tal investida dcerto, urge a necessidade da famige-rada globalizao, o que de formasingular tem significado a uniformi-zao das coisas (lngua, moeda,cultura, necessidades, viso de mun-do, etc.), a diluio do especfico, doespecial e sua conseqente massifi-cao, a sufocao do plural, a des-responsabilizao do Estado6 , queno dizer de Dom Pedro Casaldliga,

    3 Levantamento estatstico sobre ndice de homicdios de Crianas e Adolescentes em Pernambuco. Fonte: DPCA - Departamentode Polcia da Criana e do Adolescente. Secretaria de Segurana Pblica do Estado de Pernambuco. 1997.

    4 Id.

    5 Ratton. Op. cit.

    6 CASALDLIGA, Dom Pedro. Neoliberalismo: Voc sabe o que ? REB, Set/97, pp. 544-545.

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    implica na desresponsabilizao dasociedade, a excluso das maioriassobrantes, reinaugurando o proces-so de sobrevivncia dos mais ap-tos.

    Herdamos uma sociedade excluden-te e de forma assustadora, solidifi-camos e justificamos a idia da ex-cluso social, moral, econmica, po-ltica, cultural, etc. Quando introje-tamos a violncia como opo e / oufalta de alternativa de proteo, con-tra grupos que reputamos ameaa-dores aos nossos direitos, e no acompreendemos como conseqn-cia de uma realidade deshumani-zadora, estamos na verdade, na-turalizando o problema chamado vi-olncia e via de regra, justificando porexemplo, que grupos vulnerveis dasociedade (crianas e adolescentes,negros, mulheres, ndios, etc., todossob a gide da pobreza) mereamreceber um tratamento diferencia-do. Podem ser humilhados, tortura-dos e at exterminados, sem que dis-so resulte nenhuma conscincia deque se est violando seus direitoshumanos. Quantas vezes muitos dens surpreendemo-nos, das formasmais sutis s mais explcitas, utilizan-do tais justificativas?

    Qual , de fato, o rebatimento queem ns, dados de extermnio de cri-anas e adolescentes aqui demons-trados podem causar, diante de umarealidade to normalizada? Muitosainda acreditamos que a delin-qncia infanto-juvenil, por exem-plo, no passa de uma escolha pes-soal. Acreditamos que os aparelhosde represso do Estado, principal-mente as polcias, tmmais que tor-turar e se for o caso, at exterminar,como forma de limpar a sociedadedaqueles que so indesejveis. Ali-s, tem sido um requisito imposto

    pela prpria modernidade: cidadeslimpas, asspticas, onde a misria -j que no pode ser mais escondidae / ou administrada - deve ser elimi-nada. Eliminao no pela supera-o, no mais pelo silenciamento,pelo aniquilamento daqueles que aexpem, incomodando os olhos,ouvidos e narizes das classes maisabastadas7 .

    Estamos vivendo um perodo de pro-fundo descrdito nas instituies go-vernamentais, legislativas e judiciri-as, o que tem posto em xeque a es-trutura do prprio Estado, ao mes-mo tempo em que tem impulsionadoa sociedade a reformular o seu con-ceito de civilidade, frente a fen-menos sociais como a violncia, res-tringido a sua capacidade decidadania. A violncia nesse univer-so, passa a desempenhar um papelsocial e torna-se moralmente maisdefensvel quando se consegue con-vencer as pessoas de que no exis-tem sadas no violentas, de queforam esgotados todos os meios,subsidiando quelas, para que emdeterminados contextos, permitam-se reconstruir o significado de porexemplo, matar8 . Esta reformulaomoral no s retira os mecanismosde autocontrole, mas engaja as pes-soas em atos destrutivos, de talmodo que o que antes era moral-mente condenado, torna-se merit-rio9 .

    Essa mesma sociedade, em sua maisabsoluta maioria, rompeu, ou, me-lhor dizendo, relativizou o conceitode cidadania e portanto de justia(regras, valores, sanes, mereci-mento). No h mais o limite da pa-cincia e da tolerncia, no h tam-bm mais predisposio e consci-ncia para indignao ante uma vio-lao. Pode-se dizer tambm que em

    7 COIMBRA, Ceclia Maria B. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10 dez. 1997.

    8 CARDIA, Nancy. Direitos Humanos: ausncia de cidadania e excluso moral. Princpios de Justia e Paz. Comisso de Justiae Paz. SP. Jan. 1995.

    9 BANDURA, Albert. Selective activation and disengagement of moral control. Journal of Social Issues. 1990. In: Princpios deJustia e Paz, Comisso de Justia e Paz. SP. Jan. 1995.

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    dado momento, para algumas pes-soas, a experincia de privao de di-reitos em um contexto de insegu-rana pessoal, onde sentem-se mui-to ameaadas na integridade fsica,no se transforma em indignaocontra os responsveis pela no rea-lizao de seus direitos, mas sim, con-tra aqueles iguais a si mesmos ouinferiores (grifo nosso), que so per-cebidos como auferindo algum be-nefcio imerecido (grifo nosso)10 .

    A situao de desrespeito aos direi-tos mais elementares e a marca daviolncia nas circunstncias mais co-muns da vida, acabou por aneste-siar a capacidade de nos escandali-zarmos diante de tudo que ferir fron-talmente os direitos humanos, comose estivesse em curso, um processocoletivo de desativao dos me-canismos de autocontrole moral.Essa situao torna-se mais difcilquando essa mesma incapacidadepara perceber a gravidade da viola-o dos direitos humanos dos ou-tros, leva necessariamente, a noentender que, por uma lgica perver-sa e inelutvel, perpetua-se a possi-bilidade, sempre presente, da viola-o de nossos prprios direitos11 .

    Rompendo com a prtica do respei-to aos direitos humanos, abrimosmo dos limites para uma convivn-cia saudvel, naturalizando aquiloque sempre foi reprovvel: violnciainstitucional, assassinatos, maus tra-tos, tortura, etc. Esse processo de des-vinculao, facilitado pela desres-ponsabilizao individual, deslo-cando-se a responsabilidade para ocoletivo, negando-se as conseqn-cias deshumanas do comportamen-to (no houve massacre) e culpan-do-se as vtimas ou, ainda deshuma-nizando-as (so subhumanas, notm sensibilidade, exigem mtodosbrutais)12 . Nessa lgica, alguns gru-pos sociais vulnerveis, como as cri-

    anas e os adolescentes, so exclu-dos da convivncia social e as rela-es do Estado e da sociedade comesses, passam no mais a serem ba-seadas em princpios de justia (logo,podem ser excludos).

    J no se acredita mais na polcia ena justia, estas, so percebidascomo ineficazes para conterem a vi-olncia. O sistema penitencirio percebido como no punindo e noregenerando. A violncia estnormalizada; procedimentos injus-tos so aceitos; a polcia pode ma-tar, torturar ou bater em presos. Gru-pos considerados inferiores (meno-res, camels, nordestinos, favelados,etc.) so rotulados; justificativas mo-rais para se causar dano so usadas.Ocorre a deshumanizao das vti-mas; a culpa das violaes atribu-da a eles. Denigrem-se as vtimas eh uma grande distncia psicolgicaentre as vtimas da excluso e aque-les que excluem. Por fim, o campode preocupao com justia est res-trito s pessoas mais prximas: a fa-mlia13 .

    Esse patamar de excluso, tem de-monstrado que tal discusso nopode mais ficar na observao ape-nas dos direitos civis e polticos. Urgecompreendermos que, pelo menosnos chamados pases em desenvol-vimento, como o caso do Brasil,essa discusso deva necessariamen-te passar pela busca da efetivaodos direitos sociais, econmicos eculturais. Para termos uma idia dainterdependncia entre esses direi-tos, em democracias julgadas con-solidadas como os Estados Unidos,que tm a pior distribuio de rendaentre os sete pases mais industriali-zados, tambm so, nesse conjunto,aquele com a mais alta taxa de ho-micdios. Em 1997, os FederalCenters for Disease Control andPrevention mostraram que a taxa de

    10 Cardia. Op. cit.; 11 Id.; 12 Id.; 13 Id.

    14 PINHEIRO, Paulo Srgio (org). Crime, violncia e poder na sociedade. Programa de ps-graduao em Cincia Poltica, USP,primeiro semestre de 1997.

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    morte de crianas de 0 a 14 anos porarmas de fogo doze vezesmaior quequalquer pas do mundo industriali-zado14 . A violncia portanto, tantoproduto da ausncia de polticaspblicas capazes de equilibrar a des-nvel econmico e social, quanto daconscincia deturpada de apartheidsocial.

    Ento, a tarefa de frear o fenmenoda violncia no cabe apenas ao Es-tado enquanto provedor, mas aoutros sujeitos sociais (inclusive in-ternacionais), e prpria sociedadecivil, nos seus aspectos individuais ecoletivos. Nesse sentido, para enfren-tar os problemas globais e constituira governabilidade possvel em nvelmundial os Estados so obrigados adividir este papel comoutros atores15 .

    Lendo esse contexto a partir dos ex-cludos, percebemos claramente v-rios interrogantes, que a ns parecemdar avisos. Quando o cotidiano peem xeque as vrias instituies dasociedade (esta entendida na sua di-menso macro: igreja, entidades, Es-tado); quando ainda existe/resisteuma cultura arraigada, perversa esedimentada de extermnio de crian-as e adolescentes em particular;quando as nossas tentativas de de-safiar o Judicirio, numa atitude res-ponsabilizadora, como a misso desolucionar casos exemplares de vio-lao aos direitos humanos, alcan-am apenas uma parte diminuta doproblema e ainda assim, com umaenorme distncia entre o data da vi-olao e a data da tutela estatal dosdireitos; quando exigimos doExecutivo transparncia e atendi-mento prioritrio s crianas e ado-lescentes e ao final disso tudo, cons-tatamos perplexos que 243 crianase adolescentes tiveram seus direitos vida antecipadamente tomados(em alguns casos pelos prprios agen-

    tes estatais, cuja atribuio a segu-rana dos cidados), questionamo-nos sobre qual realmente tem sido anossa contribuio, enquanto enti-dades no-governamentais de defe-sa dos direitos humanos e especifi-camente dos direitos da criana e doadolescente, na mudana de con-cepes dessa natureza e na assimi-lao de novos paradigmas. Qual oalcance dessas entidades dentro deuma realidade que condena as cri-anas e adolescentes morte.Estamos, de fato, prestando um ser-vio de qualidade, capaz de tirar deordem essa lgica do extermnio?

    Essa mesma realidade tem dito quemuito j foi feito, contudo ainda nomarcamos o gol da cidadania. Por-tanto, h muito o que fazer! Isso noslembra que tempo de mensurar aeficcia de nossas aes e repensan-do nossa prtica, luz da realidadeque nos deixa a todos perplexos, des-construirmos alguns de nossos para-digmas, como a possibilidade dereinventarmos, intervindo, realidadesmais humanas. S assim, poderemossonhar com a desconstruo dessevelho modelo de sociedade e expe-rimentarmos um novo, mais demo-crtico, e portanto civilizado; quese baseie no respeito aos DireitosHumanos; que opte por uma indig-nao ativa, ou seja, eficaz e plane-tria; que absorva a lgica da solida-riedade e da criatividade; que vigieas aes governamentais e dos agen-tes estatais como um todo, na pres-tao dos servios comunidade, emespecial, os essenciais; que se possautilizar e reinventar os mecanismosde proteo dos cidados contra pro-vveis abusos do poder pblico; pois,s assim, poderemos vislumbrar arevitalizao dos ideais de justia ede cidadania, com a democratizaodos espaos sociais, reincluindo osque desses foram alijados.

    15 ALMEIDA, Wellington. Globalizao dos Direitos Humanos. Subsdios INESC. Braslia, no 34, ano 5, dez. 1997.

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    ao qual o Brasil veio a aderir logoaps a promulgao da Constituio.

    Os Direitos Econmicos, Sociais eCulturais na Ordem Internacional

    Os direitos econmicos, sociais eculturais esto presentes na OrdemInternacional desde a DeclaraoUniversal de Direitos Humanos (arts.22 ao 28), adotada pela ONU em 10de dezembro de 1948, instrumentointernacional que procurou combi-nar o valor liberal da liberdade como valor social da igualdade. A idiade proteo a esse tipo de direito en-volve a crena de que o bem estarindividual resulta, em parte, de con-dies econmicas, sociais e cultu-rais, bem como a viso de que o go-

    A abordagem dos direitos eco-nmicos, sociais e culturais - e, valedizer, dos direitos humanos em geral- na Constituio brasileira de 1988,teve uma relevncia especial. O cons-tituinte ptrio, seja movido por pres-ses da prpria sociedade brasileira,seja por presses da comunidade in-ternacional, seja ainda por pressesadvindas dos dois lados, procuroudotar o Brasil de normas que podemser consideradas avanadas para osnveis de desenvolvimento social dopas e, mais ainda, em comparaocom a Constituio Federal anterior.Neste breve estudo, tentarei demons-trar que h na Constituio brasilei-ra de 1988 uma influncia funda-mental do Pacto Internacional deDireitos Econmicos, Sociais e Cul-turais, adotado pela ONU em 1966,

    * Jayme Benvenuto Lima Jr. advogado e coordenador do Gajop, atualmente mestrando na faculdade de Direito na UniversidadeFederal de Pernambuco GLO

    BALI

    ZAO

    A Eficcia dos DireitosEconmicos, Sociaise Culturais naConstituio Federal de1988

    Jayme Benvenuto Lima Jr.*

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    verno tem a obrigao de garantiradequadamente tais condies paratodos os indivduos1 . Ao faz-lo, aDeclarao Universal de DireitosHumanos adotou a concepo con-tempornea, pela qual os direitoshumanos so concebidos como umaunidade interdependente e indivi-svel2 . Trata-se da viso de que a clas-sificao dos direitos humanos emgeraes no significa que uma subs-titua a outra, mas que uma interagecom a outra. At porque, cada vezmais, srios questionamentos so fei-tos a tal classificao, em funo deno explicar, como pretende, a ori-gem e a validao dos direitos huma-nos3 .

    Tanto o Pacto Internacional de Direi-tos Econmicos, Sociais e Culturaiscomo o de Direitos Civis e Polticosforam adotados em 1966, embora stenham entrado em vigor dez anosdepois, tempo em que conseguiramo nmero de adeses necessrio. Elesrepresentaram a jurisdicizao daDeclarao Universal4 , ento enten-dida como uma mera carta de inten-es, destituda, portanto, de forade lei. Representam tambm odetalhamento de direitos, definidosmuito genericamente na DeclaraoUniversal5 . Nesse sentido, so instru-mentos de adicional proteo dosDireitos Humanos, destinados a en-trar em cena quando falham as insti-tuies nacionais6 .

    Os direitos consagrados nos dois pac-tos deveriam constituir um s instru-mento normativo, mediante a visoda indivisibilidade dos Direitos Hu-manos. Presses de muitos pases fi-zeram com que eles fossem reunidosem dois pactos, para o que alega-vam, principalmente, que os direitoscivis e polticos eram auto-aplicveise passveis de cobrana imediata, en-quanto que os direitos econmicos,sociais e culturais eram program-ticos7 . Por trs dessa alegao esta-va realmente a guerra fria entre ospases capitalistas e socialistas, que

    fazia com que uns e outros no acei-tassem os direitos supostamenteconsagradores de suas ideologias.

    O Pacto Internacional de DireitosEconmicos, Sociais e Culturais criouobrigaes para os Estados-partes,atribuindo-lhes responsabilizaointernacional nos casos de violaesaos direitos enumerados. Essas obri-gaes, no entanto, so tnues, emfuno da alegada progressividadedos referidos direitos.

    O primeiro direito nominado peloPacto o direito autodetermi-nao, que a rigor seria, de acordocom a classificao dos Direitos Hu-manos em trs geraes, um direitode terceira gerao, na medida emque atribui direitos e obrigaes en-tre os pases, no sentido do respeitoe da solidariedade recprocos, embusca de uma convivncia pacfica.A definio desse direito no aludidoPacto tem a funo de, a partir dele,basear a liberdade dos Estados paraassegurar o seu desenvolvimentoeconmico, social e cultural, nos ter-mos do art. 1o.

    O Pacto Internacional de DireitosEconmicos, Sociais e Culturais apre-senta um extenso rol de direitos, quevai muito alm daqueles apre-sentados na Declarao Universal.Entre os direitos estabelecidos estoos seguintes: ao trabalho (em condi-es justas e favorveis); associa-o em sindicatos; greve (exercidoem conformidade com a lei nacio-nal); previdncia social; consti-tuio e manuteno da famlia (emcondies dignas); proteo espe-cial de crianas e adolescentes con-tra a explorao econmica e no tra-balho; proteo contra a fome; cooperao internacional (para au-xiliar no desenvolvimento dospises); sade fsica e mental; educao (que vise o pleno desen-volvimento da personalidade huma-na e do sentido de sua dignidade e afortalecer o respeito pelos Direitos

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    Humanos e liberdades fundamen-tais); ao respeito cultura de cadapovo e regio; e ao progresso cien-tfico e tcnico (em colaborao comoutros pases). Trata-se, portanto, doestabelecimento de deveres aos Es-tados, diferindo assim do Pacto In-ternacional de Direitos Civis e Polti-cos, que estabelece direitos para osindivduos dos Estados.

    O Pacto Internacional de DireitosEconmicos, Sociais e Culturais, as-sim, estabelece direitos para teremvalidade a depender da atuao dosEstados, que devem adotar medidaseconmicas e tcnicas, isoladamen-te e atravs da assistncia e coope-rao internacionais, at o mximode seus recursos disponveis, com vis-tas a alcanar progressivamente acompleta realizao dos direitos pre-vistos pelo Pacto.8

    Diversamente do Pacto Internacionalde Direitos Civis e Polticos, que ins-tituiu um Comit de Direitos Huma-nos para monitorar sua aplicao,bem como o sistema de co-municaes inter-estatais e a siste-mtica das denncias individuais, oPacto Internacional de Direitos Eco-nmicos, Sociais e Culturais estabe-leceu o monitoramento de sua apli-cao meramente atravs da sis-temtica de apresentao de re-latrios9 ao secretrio geral da ONU,consignando as medidas adotadaspelo Estado-parte para conferir aobservncia aos direitos estabele-cidos no Pacto. A inexistncia de san-es claramente definidas dificulta aexigibilidade dos direitos em nvelinternacional, o que termina porconstituir um srio limite aplicabilidade do Pacto. Os limites aplicabilidade do Pacto so coloca-dos tambm pelos questionamentos forma como, at hoje, tm-se esta-belecido o controle por meio dos re-latrios, nem sempre exigidos e nemsempre avaliados adequadamente10 .Por conta de tais limites, nos dias de

    hoje pacfico que se tem que bus-car novos caminhos a fim de viabilizara efetivao dos direitos econmicos,sociais e culturais no plano interna-cional.

    Ao fundamentar sua criao, o Pac-to, no seu prembulo, reconhece queo ideal do ser humano livre, libertodo temor e da misria, no pode serrealizado a menos que se criem con-dies que permitam a cada um go-zar de seus direitos econmicos, so-ciais e culturais, assim como de seusdireitos civis e polticos. O mesmoreconhecimento feito pelo PactoInternacional de Direitos Civis e Po-lticos aos direitos econmicos, soci-ais e culturais, tambm em seu pre-mbulo. Essa foi a frmula encon-trada para articular as duas categori-as de direitos, afastadas pela intole-rncia ideolgica dos governantes dapoca.

    No Pacto Internacional de DireitosEconmicos, Sociais e Culturais, essavinculao tambm feita pelo art.2o., 2: Os Estados-partes no presen-te Pacto comprometem-se a garantirque os direitos nele enunciados seexercero sem discriminao algumapor motivo de raa, cor, sexo, lngua,religio, opinio poltica ou de qual-quer outra natureza, origem nacio-nal ou social, situao econmica,nascimento, ou qualquer outra situ-ao.

    Os Estados, pelo Pacto, se com-prometem a adotar medidas, tantopor esforo prprio como pela assis-tncia e cooperao internacionais,principalmente nos planos econmi-co e tcnico, at o mximo de seusrecursos disponveis, que visem asse-gurar, progressivamente, por todos osmeios apropriados, o pleno exerc-cio dos direitos reconhecidos (...), emparticular, a adoo de medidaslegislativas. Como vemos, a crenana lei, como instrumento de trans-formao da realidade, patente noPacto.

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    Garantias (Formais) Constitucio-nais dos Direitos Econmicos, So-ciais e Culturais no Brasil

    A Constituio brasileira de 198811possui influncia fundamental doPacto Internacional de Direitos Eco-nmicos, Sociais e Culturais, a come-ar pelo seu prembulo, que reveladiversos elementos tendentes a as-segurar tal categoria de direitos, aolado dos direitos civis e polticos. Oprembulo aludido faz referncia sexpresses direitos sociais, bemestar e desenvolvimento, comovalores (supremos) da sociedade bra-sileira. O art. 1o. da ConstituioFederal, por seu lado, institui os va-lores sociais do trabalho como umdos fundamentos do Estado Demo-crtico de Direito. O art. 3o. estabe-lece a solidariedade, o desenvol-vimento nacional e a erradicaoda pobreza e da marginalizao,alm da reduo das desigualdadessociais e regionais, como objetivosfundamentais da Repblica Federa-tiva do Brasil.

    Em coerncia com a viso inter-nacionalista do Pacto Internacionalde Direitos Econmicos, Sociais eCulturais, a Constituio de 1988,em seu art. 4o., estabelece o direito autodeterminao, a nointerveno, a igualdade entre osestados, a soluo pacfica dos con-flitos; a defesa da paz; o repdioao terrorismo e ao racismo; acooperao entre os povos para oprogresso da humanidade; e aconcesso de asilo poltico comoprincpios a reger as relaes do Bra-sil no mbito internacional. Essa vi-so internacionalista serve de base atoda a defesa dos direitos humanospreconizada na Carta de 1988, umavez que esta reafirma a insero doBrasil na Ordem Internacional naperspectiva da proteo dos direitosfundamentais.

    Abaixo, so elencados os principais

    direitos econmicos, sociais e cultu-rais definidos na Constituio brasi-leira, os quais nem sempre gozam dapossibilidade de exigibilidade con-creta, conforme veremos no decor-rer deste texto.

    Entre os direitos e garantias funda-mentais, o direito propriedade umdos que mais detalhadamente sodefinidos pela Constituio de 1988,com o que o Brasil mantm a tradi-o de atribuir importncia especial propriedade. Os incisos XXII aoXXXI, do art. 5o., estabelecem nor-mas gerais relacionadas proprieda-de e limites a esse direito, decorren-tes da compreenso (positivada noinciso XXIII) de que a propriedadedever atender a sua funo social.

    A garantia do direito ao trabalho, nostermos do art. 5o., inciso XIII, e, prin-cipalmente, do art. 7o. e incisos, sefaz toda na conformidade das nor-mas internacionais, especialmente oPacto Internacional de Direitos Eco-nmicos, Sociais e Culturais. Exem-plo importante o salrio mnimo,definido no inciso IV da Constituio,que busca, em termos formais, aten-der s necessidades bsicas e s desua famlia com moradia, alimenta-o, educao, sade, lazer, vestu-rio, higiene, transporte e previdnciasocial, de modo a preservar o po-der aquisitivo dos trabalhadores. Omesmo se refere previdncia sociale proteo famlia, inclusive dascrianas e adolescentes, tendo comobase, alm do Pacto Internacional deDireitos Econmicos, Sociais e Cul-turais, a Conveno Sobre os Direi-tos da Criana.

    A concesso da mais ampla pro-teo e assistncia possveis fam-lia, preconizada pelo art. 10 do Pac-to Internacional de Direitos Econ-micos, Sociais e Culturais, est pre-sente em diversos incisos do art. 7o.da Constituio, ao estabelecer ga-rantias ao trabalho (salrio famlia,licena paternidade, etc), particular-

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    co de Sade estatal.

    A educao e a cultura tm regula-mentao estabelecida pelo Captu-lo III da Constituio. A educao,tambm definida como direito detodos e dever do Estado, tem regula-o semelhante sade, na medidaem que tambm est aberta explo-rao da iniciativa privada. Com isso,a Constituio, diga-se de passagem,compatibiliza os direitos sociais comum dos fundamentos do Estado bra-sileiro, segundo o art. 1o., inciso IV:o respeito aos valores da iniciativaprivada. Destina-se a educao, nostermos do art. 205, ao pleno desen-volvimento da pessoa, seu preparopara o exerccio da cidadania e suaqualificao para o trabalho, parao que estabelece como principaisprincpios, a igualdade de condiespara o acesso e a permanncia naescola; o pluralismo de idias e deconcepes pedaggicas; a gratu-idade do ensino pblico em estabe-lecimentos oficiais; a gesto demo-crtica do ensino pblico; e a garan-tia de padro de qualidade.

    Os arts. 215 e 216 procuram aten-der concepo pela qual a univer-salizao dos direitos deve ser com-patvel, na medida do possvel, como respeito s culturas emanifestaesculturais dos povos e regies dos pa-ses e entre os pases. Pelos referidosartigos, o Estado brasileiro se com-promete a garantir o pleno exercciodos direitos culturais, por meio daproteo das manifestaes popula-res, indgenas e afro-brasileiras, assimcomo de outros grupos participantesdo processo civilizatrio nacional, natentativa de garantir respeito aopatrimnio cultural do pas, em re-paro s injustias cometidas no pas-sado, notadamente em relao dospovos indgenas e negros. O incenti-vo ao desenvolvimento cientfico etecnolgico, constante dos arts. 218e 219, procura atender s exignciasexpressas pelo art. 15 do Pacto In-ternacional de Direitos Econmicos,

    mente ao trabalho da mulher, comreflexos para a famlia (licena ma-ternidade, proteo do mercado detrabalho da mulher, etc); e nos arts.226 ao 230, constantes de garantiasao casamento civil, unio estvel, proteo da criana e do adoles-cente e dos idosos, pelo Estado e pelasociedade. Ainda no tocante ao Di-reito do Trabalho, o art. 170, VIII,estabelece como princpio daOrdemEconmica do pas a busca do ple-no emprego, revelando uma dasmais utpicas positivaes de direi-tos proporcionadas pelo constituin-te de 1988, tendo em vista o sistemaeconmico vigente.

    Entre os direitos sociais (no enten-didos apenas como os direitos traba-lhistas), encontram-se tambm aque-les ligados poltica urbana e pol-tica agrria, constantes dos arts. 182,183, e 184 ao 191, respectivamente.As polticas definidas ali tm inteiravinculao, do ponto de vista formal,com o ideal de busca do pleno de-senvolvimento e do bem estar dapopulao, consagrados no prem-bulo da atual Constituio. Tmvinculao, igualmente, com a bus-ca da diminuio das diferenas re-gionais e a erradicao da pobreza eda marginalizao, definidas no art.3o.

    No Ttulo VIII - Da Ordem Social,Captulo II - Da Seguridade Social,alm dos direitos relacionados pre-vidncia social, so reunidos os di-reitos sade, que obtiveram espe-cial ateno do Pacto Internacionalde Direitos Econmicos, Sociais eCulturais. A sade definida pelaConstituio de 1988 como um di-reito cabvel a todos os brasileiros eum dever do Estado; cabendo a estegarantir o direito por meio de um sis-tema de sade de acesso universal eigualitrio (art. 196). Apesar dessadefinio, a sade de livre explora-o por parte da iniciativa privada,que inclusive pode participar, de for-ma complementar, do Sistema ni-

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    Sociais e Culturais, que tambm serefere ao direito cultura.

    A importncia dada aos direitos hu-manos pela Constituio brasileira de1988 parte de um processo deinternacionalizao do Brasil12 . Esseprocesso fez com que o constituinteptrio estabelecesse status especialpara as normas de direitos humanose inclusive para os tratados inter-nacionais de direitos humanos, quepassaram, por fora de dispositivoconstitucional, a integrar a prpriaConstituio. Essa condio faz comque, do ponto de vista formal, os di-reitos constantes dos tratados inter-nacionais de direitos humanos pos-sam ser, segundo parte da doutrina,exigidos imediatamente no mbitointerno13 .

    Limites Constitucionais Exigibilidade dos Direitos Econ-micos, Sociais e Culturais no Brasil

    Como vimos, patente a influnciado Pacto Internacional de DireitosEconmicos, Sociais e Culturais naconformao da Constituio bra-sileira de 1988, no que se refere aosdireitos respectivos. O constituinteptrio, por presso internacional14ou da sociedade brasileira, ou, ain-da, em funo de ambas as razes,dotou o pas, do ponto de vista le-gal, de todo um elenco de direitosfundamentais no campo econmico,social e cultural.

    Mais importante, no entanto, que talinfluncia, perceber que a preva-lncia que a Constituio deu aosdireitos humanos, representa o com-promisso com a incluso dos temasde direitos humanos na realidadebrasileira e, mais, a insero dos tra-tados internacionais de direitos hu-manos no prprio corpo constituci-onal15 . Tal postura constitucionalimplica na adoo do princpio daaplicabilidade imediata dos direitose garantias fundamentais, inclusive osconstantes dos tratados internacio-nais de proteo dos direitos huma-

    nos, os quais passam a integrar oelenco dos direitos constitucional-mente consagrados e direta e imedi-atamente exigveis no plano doordenamento jurdico interno16 , nostermos assegurados pelo art. 5o.,pargrafo 1o., da Constituio de1988.

    Se podemos acompanhar talposicionamento de parte da doutri-na, levantamos, todavia, nossas sri-as dvidas sobre a possibilidade deexigibilidade prtica imediata dosdireitos econmicos, sociais e cultu-rais, na medida em que inexistem,como visto anteriormente, mecanis-mos internacionais especficos deconcretizao de tais direitos; e mes-mo em nvel nacional, so precriosos mecanismos constitucionais deexigibilidade especfica dos direitoseconmicos, sociais e culturais.

    Em que pese a boa vontade do cons-tituinte, a disparidade do texto cons-titucional com a realidade brasileira fenomenal17 . Passados j dez anosda promulgao da atual Constitui-o, persistem gravssimas violaesaos direitos econmicos, sociais eculturais, sem que se tenha avana-do em termos da definio de garan-tias efetivas e eficazes, especficaspara os referidos direitos. partebasicamente os direitos trabalhistas,previdencirios e do consumidor,que encontram diversos recursos le-gais destinados a garanti-los na pr-tica, poucos so os instrumentos con-cretos de exigibilidade dos direitoseconmicos, sociais e culturais.

    A disparidade ainda maior em re-lao aos direitos civis e polticos -comumente vistos como mais hu-manos que aqueles -, que possuemdiversos mecanismos deexigibilidade em nvel interno, dosquais so exemplos notrios ohabeas corpus, o habeas data, o di-reito de resposta e o mandado desegurana. Entre os mecanismosconstitucionais capazes de prestaralgum respaldo exigibilidade dos

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    direitos econmicos, sociais e cultu-rais a ao popular (destinada aanular ato lesivo ao patrimnio p-blico ou de entidade de que o Esta-do participe, moralidade adminis-trativa, ao meio ambiente e aopatrimnio histrico e cultural) (art.5 LXXIII); da ao civil pblica (paraa proteo do patrimnio pblico esocial, do meio ambiente e de ou-tros interesses difusos e coletivos) (art.129, III), interveno da Unio nosEstados ou no Distrito Federal (paraprover a execuo de lei federal, or-dem ou deciso judicial, ou para as-segurar a observncia dos princpiosconstitucionais pertinentes formarepublicana, ao sistema representa-tivo, ao regime democrtico e aosdireitos da pessoa humana (art. 34,VI e VI, a e b).

    importante notar que os mecanis-mos nominados podero ser usados,mas com a finalidade de anular, im-pedir ou evitar aes nocivas ou emdesacordo com a Constituio, rela-cionadas aos direitos econmicos,sociais e culturais, quando praticadaspelo Poder Pblico. O objetivo, por-tanto, o de desfazer aes, e no ode implementar os direitos de segun-da gerao, o que, em si, constitui umsrio limite s necessidades coloca-das para a vigncia dos referidos di-reitos entre ns.

    Do ponto de vista prtico, portanto,em nvel interno ainda no h comogarantir o cumprimento da maiorparte dos direitos econmicos, soci-ais e culturais. Assim, vejamos: quaisso os instrumentos competentespara exigir do Estado brasileiro o res-peito cultura indgena ou afro-bra-sileira numa determinada rea dopas? Quais as maneiras de assegu-rar a construo de casas populares,fazendo jus aos dispositivos consti-tucionais referentes a uma polticaurbana democrtica? No tocante poltica agrria, como obrigar o Esta-do a promover a reforma agrria, nostermos definidos pela Constituio?Como exigir do Estado a prestao

    de servios de sade universais e dequalidade, nos termos da Constitui-o? Mesmo entre os direitos traba-lhistas, qual seria a maneira de fazercom que o salrio mnimo venha aatender a todos os itens que a Cons-tituio diz atender?

    Tal circunstncia leva-nos a levantara necessidade da previso constitu-cional de mecanismos especficos eclaramente definidos para a exigi-bilidade dos direitos econmicos,sociais e culturais. A inexistncia des-ses mecanismos denuncia a fragi-lidade da Constituio de 1988, emrelao efetiva garantia dos direi-tos econmicos, sociais e culturais,definidos em termos normativos luz do Pacto Internacional respecti-vo.

    A propsito, a Constituio Federalreproduz a precariedade dos meca-nismos de exigibilidade dos direitoseconmicos, sociais e culturais nombito internacional. O Pacto Inter-nacional de Direitos Econmicos,Sociais e Culturais tambm no pos-sui, como vimos, mecanismos de exi-gibilidade, no nvel dos definidospelo Pacto Internacional de DireitosCivis e Polticos. Enquanto este lti-mo possui comisses e cortes desti-nadas a julgar e sancionar os Estadospelas violaes cometidas pelos Es-tados, o Pacto Internacional de Di-reitos Econmicos, Sociais e Cultu-rais restringe o monitoramento a umsistema de relatrios a serem apre-sentados ONU. Em termos prticos,restam as sanes econmicas bran-cas, aplicadas de acordo com condi-cionantes polticos, e que, por serembrancas, no possuem um proces-so legal estabelecido, nos termosconsagrados pelo Direito moderno.

    Alm dos limites referidos, a exigibi-lidade dos direitos econmicos, soci-ais e culturais no Brasil de hoje con-ta com outros limites estabelecidospelo Programa Nacional de DireitosHumanos, lanado pelo Presidenteda Repblica em maio de 1996.

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    O Programa Nacional de DireitosHumanos e Os Direitos Econmi-cos, Sociais e Culturais

    O Programa Nacional de DireitosHumanos (PNDH) desconsiderouquase que completamente os direi-tos econmicos, sociais e culturais18 ,dotando de prevalncia apenas osdireitos civis e polticos, com a ale-gao de que teriam sido reconhe-cidos primeiramente na histria dahumanidade. Tal priorizao fere in-teiramente o princpio da indivisi-bilidade dos direitos humanos, apro-vado com a participao ativa do go-verno brasileiro na II ConfernciaMundial de Direitos Humanos, ocor-rida em Viena, em 1993. Conformej afirmado anteriormente, o princ-pio da indivisibilidade dos direitoshumanos quer significar que os direi-tos humanos so um todo impass-vel de hierarquizao.

    A classificao dos direitos humanosem trs geraes tem importncia,portanto, meramente metodolgica,na medida em que resgata historica-mente o seu processo de construohistrica; no implicando em atribuirmaior oumenor importncia a quais-quer das geraes de direitos. Por trsde tal princpio est a concepo deque inexiste a possibilidade de vign-cia real de direitos civis e polticos semque vigorem tambm os direitos eco-nmicos, sociais e culturais e viceversa. Em outros termos, o direito aodesenvolvimento, to buscado pelasociedade brasileira e mundial, im-pe a vigncia igualmente de direi-tos de primeira, segunda e terceiragerao.

    Do ponto de vista social, injus-tificvel que os direitos econmicose sociais estejam de fora de um Pro-grama que busca responder s prin-cipais violaes aos direitos humanosno Brasil. A situao da educao, dasade, do trabalho, da terra (urbanae rural), entre outras questes, tm,

    no Brasil contemporneo, a mesmacarga dramtica das violncias fsicascometidas pelas polcias brasileiras,para citar um dos graves problemasrelacionados ao exerccio dos direi-tos civis e polticos. Exemplo gritan-te o dos trabalhadores sem terra,alijados do processo de desenvolvi-mento em funo de uma estruturade poder excludente que vemos seperpetuar s vsperas do sculo 21.Para esse grande contingente de po-pulaes vulnerveis a violncias so-ciais centenrias, o PNDH no deurespostas, ainda que programticas.

    Do ponto de vista jurdico-positivo,o PNDHdesconsiderou uma srie dedispositivos constitucionais que es-pecificam a importncia dos direitoseconmicos, sociais e culturais. Acomear pelo prembulo, que, comovisto, estabelece a instituio de umEstado Democrtico, destinado aassegurar o exerccio dos direitos so-ciais e individuais, a liberdade, a se-gurana, o bem-estar, o desenvolvi-mento, a igualdade e a justia comovalores supremos, numa clara refe-rncia indivisibilidade dos direitoshumanos. No que tange ao art. 3o.,III, da Constituio Federal, que es-tabelece a erradicao da pobrezae da marginalizao e a reduo dasdesigualdades sociais e regionaiscomo um dos objetivos fundamen-tais da Repblica Federativa do Bra-sil, como faz-lo a no ser dandoateno especial para os direitos eco-nmicos, sociais e culturais (da mes-ma forma que aos direitos civis e po-lticos)?

    Caminhos e Alternativas Para aSuperao dos Limites Exigibilidade dos Direitos Econ-micos, Sociais e Culturais

    O descompass