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1 SEGURIDADE SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA: UMA ANÁLISE DE PRINCÍPIOS Marina Pedigoni Mauro 1 RESUMO: A Constituição Federal Brasileira de 1988 traz em seu conjunto de normas diversos princípios garantidores de direitos fundamentais, como reflexo do atual desenvolvimento da ciência jurídica, a qual dá especial importância ao princípio como fonte normativa. A seguridade social é um dos objetos desta proteção constitucional, a qual será tratada no presente trabalho, a partir da análise dos princípios a ela aplicáveis. Igualmente, será analisado o enfoque dado ao tema pela Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho, de modo a denotar que a atual sistemática legislativa brasileira cumpre, no plano formal, os parâmetros desta norma internacional. PALAVRAS-CHAVE: Seguridade social. Políticas públicas. Princípios. INTRODUÇÃO A problemática da efetividade dos direitos fundamentais é uma questão que abrange diversos ramos da ciência jurídica, relacionando-se, portanto, com a capacidade de transformação da seguridade social. O presente artigo busca, como objetivo principal, discorrer sobre a regulamentação da seguridade social na sistemática brasileira, e o seu papel primordial de distribuição de renda. Para tanto, dar-se-á destaque aos princípios constitucionais, os quais são espécie normativa que possibilita a integração do sistema jurídico, orientando a interpretação das regras de modo a fazer prevalecer a situação que esteja mais de acordo com a realização dos direitos humanos. Na sequência, os principais requisitos da legislação de seguridade social pátria, notadamente a Constituição Federal de 1988 CF e a Lei nº 8.213/91 Plano de Benefícios da Previdência Social, serão comparados com a Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho, a qual trata dos padrões normativos mínimos para a seguridade social. Busca-se, deste modo, precisar o grau de observância do direito nacional frente a esta norma internacional. Não há, em nenhum momento, a pretensão de se esgotar o tema, ou de se analisar, com profundidade, todos os benefícios previdenciários do sistema de 1 Mestranda em direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP; e-mail: [email protected].

SEGURIDADE SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE … · alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério

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SEGURIDADE SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA: UMA ANÁLISE DE PRINCÍPIOS

Marina Pedigoni Mauro1

RESUMO: A Constituição Federal Brasileira de 1988 traz em seu conjunto de normas diversos princípios garantidores de direitos fundamentais, como reflexo do atual desenvolvimento da ciência jurídica, a qual dá especial importância ao princípio como fonte normativa. A seguridade social é um dos objetos desta proteção constitucional, a qual será tratada no presente trabalho, a partir da análise dos princípios a ela aplicáveis. Igualmente, será analisado o enfoque dado ao tema pela Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho, de modo a denotar que a atual sistemática legislativa brasileira cumpre, no plano formal, os parâmetros desta norma internacional.

PALAVRAS-CHAVE: Seguridade social. Políticas públicas. Princípios.

INTRODUÇÃO

A problemática da efetividade dos direitos fundamentais é uma questão

que abrange diversos ramos da ciência jurídica, relacionando-se, portanto, com a

capacidade de transformação da seguridade social. O presente artigo busca, como

objetivo principal, discorrer sobre a regulamentação da seguridade social na

sistemática brasileira, e o seu papel primordial de distribuição de renda.

Para tanto, dar-se-á destaque aos princípios constitucionais, os quais são

espécie normativa que possibilita a integração do sistema jurídico, orientando a

interpretação das regras de modo a fazer prevalecer a situação que esteja mais de

acordo com a realização dos direitos humanos.

Na sequência, os principais requisitos da legislação de seguridade social

pátria, notadamente a Constituição Federal de 1988 – CF e a Lei nº 8.213/91 – Plano

de Benefícios da Previdência Social, serão comparados com a Convenção nº 102 da

Organização Internacional do Trabalho, a qual trata dos padrões normativos mínimos

para a seguridade social. Busca-se, deste modo, precisar o grau de observância do

direito nacional frente a esta norma internacional.

Não há, em nenhum momento, a pretensão de se esgotar o tema, ou de se

analisar, com profundidade, todos os benefícios previdenciários do sistema de

1 Mestranda em direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP;

e-mail: [email protected].

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seguridade pátrio; e sim tecer uma comparação com seus principais requisitos frente

ao parâmetro mínimo de proteção social sugerida pela OIT.

A relevância social das questões ora abordadas é latente quando se

percebe que a seguridade social, como política pública fornecida pelo Estado, é,

muitas vezes, a única chance de sobrevivência digna de muitas pessoas excluídas do

mercado de trabalho, garantindo-lhes um mínimo de renda em casos de desemprego,

doença, incapacidade laborativa, dentre outros. Além disso, a prestação de serviços

de saúde está englobada no conceito de seguridade social, proporcionando à

população o direito à vida ao oferecer serviços de tratamentos curativos e preventivos.

O atual estágio de desenvolvimento da sociedade possui um rol cada vez

mais amplo de direitos. Do mesmo modo, as vitórias sociais alcançadas no decorrer

do século XX somam-se às novas demandas, indo além de uma mera enunciação de

regras e tornando igualmente essencial a efetividade dos direitos positivados. Neste

ponto, as políticas públicas encontram sua importância, pois, a partir da atuação

concreta do Estado, de seus agentes e dos atores sociais, os direitos fundamentais

encontram uma forma de serem concretizados.

Outro aspecto da sociedade atual que merece ser salientado é a sua

complexidade. Na população de um determinado país, encontram-se as mais diversas

necessidades sociais, opiniões, culturas e posições políticas. A isto se soma o

patamar alcançado de desenvolvimento tecnológico, o qual proporciona um fluxo de

informações com velocidade jamais vista na história da sociedade.

Diante deste contexto, límpido está que o papel vigente do direito, em que

há preponderância do direito positivado sobre as demais fontes normativas não é mais

suficiente para a realização de seus ditames. A alternativa encontrada amplia a

relevância dos princípios2 na ordem jurídica, razão pela qual o presente estudo neles

se baseia para fomentar a discussão do tema.

Afinal, os princípios, na concepção pós-positivista, possuem autonomia

normativa, tornando-se fundamentos de determinado sistema jurídico, sendo

responsáveis por reunir os teores valorativos e normativos do ordenamento. Desta

2 Neste sentido são os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 53): “À

época dissemos: ‘Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico’. Eis porque: ‘violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra’”.

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forma, o conteúdo moral dos direitos voltou a estar vinculado à interpretação e à

aplicação do direito, reaproximando-o da ética e modificando o paradigma vigente.

Neste sentido, Ronald Dworkin preleciona: "Denomino 'princípio' um

padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação

econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de

justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade" (DWORKIN, 2002, p.

36).

Dworkin (2002, p. 39-46) entende que os princípios se diferenciam das

regras jurídicas, pois estas, pelo simples motivo de serem válidas, devem ser

aplicadas quando ocorrem os fatos nela contidos. Os princípios, por sua vez, não

proporcionam consequências jurídicas imediatas tão-somente pela ocorrência de suas

condições; inclusive, quando as condições se concretizam parcialmente, o princípio é

aplicado de modo ponderado, sem que, com isto, deixe de ser considerado inválido ou

excluído da ordem jurídica. Em caso de conflito de regras, uma delas deverá,

certamente, ser declarada inválida. O mesmo não ocorre em caso de colisão de

princípios, os quais abarcam a possibilidade de sopesamento. 3

Dessa forma, o princípio, como fonte de direito, possui uma maior

aplicabilidade na efetivação dos direitos fundamentais, notadamente quando voltado à

atual sociedade, conforme já ressaltado, complexa. Suas notáveis características de

generalidade, abstração e conteúdo axiológico permitem a concretização dos valores

previstos nas normas jurídicas, com um raio de aplicação mais amplo e contando com

a presença da validade moral do direito. Por este motivo, o presente trabalho enfatizou

os princípios como parâmetro de análise do objeto.

1 SEGURIDADE SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO DE

RENDA

A seguridade social pode ser compreendida como um mecanismo

essencial de preservação dos direitos humanos, os quais possuem caráter universal e

3 Humberto Ávila (2005,p. 129-130) esclarece e simplifica a questão, discorrendo que " 4.2 As

regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. 4.3 Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de compelentaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção."

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indivisível, sendo possível observar a interdependência e a inter-relação entre direitos.

Assim, objetiva-se amparar as pessoas atingidas por eventos de redução da renda e

da capacidade econômica, por meio de um sistema de proteção social.

Historicamente, a seguridade estruturou-se com a finalidade de combater a

indigência e a exclusão social, as quais estão presentes nas sociedades desde o

surgimento das primeiras civilizações. Com o passar do tempo, atores sociais como as

comunidades, as igrejas e até o próprio Estado passaram a enfrentar estas questões

de contingências que atingem a população.

A partir da observação de que a beneficência de grupos sociais e das

igrejas não era suficiente para atender a todos os excluídos sociais, o Poder Público

passou a se organizar para socorrer aqueles que não dispunham nem mesmo de um

mínimo para sua sobrevivência. Assim, aos poucos, os Estados passaram a tomar

para si a responsabilidade de prover um mínimo aos necessitados, aos excluídos. Um

marco neste contexto é a poor law inglesa, de 1601.

Inicialmente, a proteção social pretendia apenas garantir a sobrevivência

daqueles que não possuíam meios para tanto. Com o passar do tempo, mais

necessidades passaram a ser reconhecidas como essenciais, culminando com a

noção de que não basta prover a mera sobrevivência, mas sim proporcionar todos os

meios necessários para obter um padrão de vida digno.

O seguro social, que é parte deste projeto, não se confunde com a

proteção social, que é mais abrangente. Assim, o objeto do seguro é restrito, e possui

finalidades específicas, englobando as contingências de incapacidade para o trabalho,

com a consequente alteração da renda, ocasionadas por acidentes de trabalho,

desemprego, doenças, maternidade, invalidez e velhice. Também se incluem neste

aspecto a manutenção do padrão de renda aos afetados de contingências danosas, a

redistribuição de renda e a função educativa, quanto à noção de poupança de valores

para cobrir eventos futuros. As políticas deste campo se aplicam aos empregadores,

aos trabalhadores e seus dependentes.

É necessário ressaltar que o desenvolvimento das sociedades –

econômico, demográfico, tecnológico - faz com que a concepção de necessidade

social se altere com o passar do tempo. Assim, novos eventos danosos demandam

novas formas de enfrentamento das situações de pobreza, buscando-se sempre

alcançar a realização do valor dignidade da pessoa humana.

Hoje, a seguridade social é organizada em um sistema, que reúne a

totalidade dos componentes de proteção de maneira integrada (BALERA, 2002, p. 39).

Os organismos que o compõem possuem capacidade jurídica interdependente, pois,

por estarem inseridos em um sistema mais amplo, é preciso obedecer a determinados

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limites, como o orçamentário, por exemplo. Assim, o campo de atuação da seguridade

social deve conduzir seus diversos órgãos no sentido de promover a mais ampla

proteção social possível.

Em consequência, não basta apenas a estruturação do sistema a partir

dos moldes previstos na legislação. É preciso que o Estado desenvolva programas e

ações assecuratórias dos direitos sociais; para tanto, é de grande valia a participação

de diversos atores sociais (sociedade civil, entes privados, dentre outros).

As políticas públicas correspondem, assim, a estes planos de ação, os

quais devem ser cuidadosamente formulados, acompanhados e avaliados a partir dos

resultados obtidos. A seguridade social, neste aspecto, pode ser compreendida como

uma espécie de política pública, cujos resultados podem ser percebidos, normalmente,

em longo prazo, como ocorre nos programas de tratamentos preventivos da saúde, ou

na política de distribuição de renda da assistência e da previdência social.

Considera-se, portanto, que a seguridade social possui como objetivo

primordial a proteção social, a qual é alcançada por intermédio da distribuição de

renda àqueles que não estão inseridos no mercado do trabalho4. Do mesmo modo, a

noção de seguridade como política pública fica evidente nas lições de Wagner Balera

(2002, p. 11):

A integração das áreas que, dentro e fora do aparelho governamental, recebem a incumbência de satisfazer certos direitos sociais implica na racionalização da atividade administrativa, permitindo, destarte, melhor aproveitamento das particulares formas de proteção pelos usuários.

A seguridade social está organizada em três esferas, a previdência, a

assistência e a saúde, nos termos do art. 6º, caput, da Constituição Federal.

A previdência é, em linhas gerais, um seguro prestado pelo Estado, cujo

objetivo central é a proteção daqueles que estão incapazes para o trabalho. As

contribuições do Estado e dos particulares custeiam as prestações que garantem um

mínimo existencial aos segurados do sistema. Em âmbito previdenciário, é preciso

ressaltar que a proteção é concedida apenas às pessoas inscritas, que efetuem

4 Indo um pouco além da restrita conceituação de seguridade social, Wladimir Novaes Martinez

(1995, p. 413) vai além e demonstra a proximidade entre o bem-estar social e os direitos humanos: “Nesse Estado providenciário, o indivíduo tem atendidas todas as suas necessidades, sejam elas quais forem, sem o esmagamento da personalidade. Este é um ‘empregado’ do Estado, tudo prevendo e provendo para o seu bem estar pessoal e social, incluindo a alimentação e a programação do seu lazer. Emprego, educação, transporte, cultura, esporte, habitação, assistência médica, o lazer são garantias oferecidas, a par de permitir a pessoa ser proprietária de bens imóveis ou objetos de valor, isto é uma existência a um passo do seu desaparecimento como individualidade”.

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contribuições ao sistema. A inscrição é obrigatória a todos aqueles que trabalhem;

assim, a contributividade é o seu caráter mais relevante.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de filiação compulsória e

administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é regulamentado

eminentemente pelas seguintes normas: Lei nº 8.212/1991 – Plano de Custeio, Lei nº

8.213/1991 – Plano de Benefícios e Decreto nº 3.048/1999 – Regulamento da

Previdência Social.

A assistência social, em seu turno, corresponde ao conjunto integrado de

ações de auxílio aos necessitados, que não possuam condições mínimas de

subsistência. Ao contrário da previdência, não é preciso efetuar contribuições prévias

ou diretas para ser beneficiário das prestações. Os auxílios podem ser pecuniários,

destacando-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família, ou

consistem em prestações in natura e serviços.

Nos termos do art. 2º da Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência

Social (LOAS), cabe à assistência prover a proteção à família, à maternidade, à

infância, à adolescência e à velhice; a promoção da integração ao mercado de

trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e sua integração na

comunidade, dentre outros.

Dessa forma, pela abrangência e diversidade das prestações, a

assistência é regulamentada por leis esparsas, tais como: Lei nº 8.069/1990 – Estatuto

da Criança e do Adolescente; Lei nº 7.853/1989 – Lei de apoio às pessoas portadoras

de deficiência; Lei nº 8.842/1994 – Política Nacional do Idoso; Lei nº 10.741/2003 -

Estatuto do Idoso; Lei nº 10.836/2004 - Programa Bolsa Família; Lei nº 11.258/2005 -

Serviço de atendimento a pessoas que vivem em situação de rua; Lei nº 10.098/2000 -

Acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Por fim, a saúde possui caráter universal, independentemente de

contribuição direta. Como preleciona Fábio Zambitte Ibrahim (2011, p. 8-9), a saúde

possui tratamento autônomo perante os demais âmbitos da seguridade social e possui

organização distinta, com uma rede regionalizada, descentralizada e hierarquizada.

Suas políticas têm como objeto a redução do risco de doenças e de outros agravos, e

serviços de promoção, proteção e recuperação.

O Sistema Único de Saúde – SUS -foi instituído pela Constituição Federal

de 1988 e coordena as ações de União, Estados e Municípios na gestão dos serviços

de saúde, no gerenciamento da gestão financeira e na formulação de políticas

públicas. A legislação referente a este ramo da seguridade está difusa em diversas

normas, tais como a Constituição Federal, a Lei nº 8.080/1990 e diversas normas

hierarquicamente inferiores.

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2 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL E PRINCÍPIOS

INFORMADORES

A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi um elemento essencial

para a mudança de paradigma da proteção social brasileira. Anteriormente, as

políticas não apresentavam coesão e interdependência suficientes para caracterizar

um sistema de seguridade social capaz de garantir a dignidade da pessoa humana. A

enunciação de direitos ali constantes foi a mais abrangente da história do país,

representando uma vitória e um impulso para a busca de melhores condições de vida

para a população.

Além de estar regulamentada em seu capítulo específico, a seguridade

social e os valores a ela relacionados estão dispersos por outros pontos da CF/1988.

Já no seu preâmbulo, tem-se que é fundamento do Estado brasileiro a dignidade da

pessoa humana; este valor é novamente destacado no art. 1º, III. Os objetivos

fundamentais da República estão no art. 3º, dentre eles a construção de uma

sociedade justa e solidária, e a redução das desigualdades sociais e regionais. No art.

6º, por sua vez, tem-se a enumeração dos direitos sociais, na qual estão inseridas a

saúde; a previdência social; a proteção à maternidade e à infância; e a assistência aos

desamparados.

A ordem social brasileira possui título próprio na Constituição Federal; em

seu capítulo II, a seguridade social tem suas linhas gerais reguladas, com divisão de

seções específicas para a saúde, a previdência e a assistência. Assim, os objetivos

gerais da ordem social estão previstos nos incisos do parágrafo único do art. 194,

senão vejamos:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

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A universalidade da cobertura e de atendimento, prevista no inciso I,

refere-se à garantia de proteção pelo sistema de todos os riscos sociais, bem como de

que todas as pessoas são titulares do direito à proteção social; deste princípio derivam

os demais fundamentos da seguridade. Isto significa que o caráter universal possui

duas perspectivas: objetiva e subjetiva.

Porém, para que tais fins possam ser atingidos, a proteção atual não é

absoluta, e deverá ser instituída de maneira progressiva, sendo ampliada pouco a

pouco, observando-se as limitações orçamentárias de modo que o equilíbrio financeiro

e atuarial do sistema seja preservado. A universalidade possui relação com o princípio

da globalidade, o qual terá tratamento específico neste trabalho.

O inciso II trata da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços

para as populações urbanas e rurais. Este objetivo decorre da universalidade e é

complementar a ela. Sua inserção no texto constitucional representa uma

preocupação do legislador constituinte em deixar bem clara a igualdade entre os mais

diversos tipos de trabalhadores. Isto porque, no passado, havia distinção entre as

pessoas que trabalhavam no campo e na cidade, pois estes últimos podiam usufruir de

uma rede de proteção social mais abrangente.

É sabido que os trabalhadores urbanos, desde o início do século XX, foram

responsáveis pelas lutas pelo reconhecimento dos direitos trabalhistas e de proteção

social, seja por intermédio do exercício de greve, inspirado pelos imigrantes europeus,

seja pela instituição das primeiras Caixas de Previdência de categorias profissionais,

como ferroviários ou bancários. Hoje, porém, a equiparação prevista na Constituição

Federal foi instituída, inclusive, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

A seletividade e a distributividade na prestação dos benefícios e serviços,

constantes do art. 194, III, CF, são um reconhecimento da impossibilidade do poder

público prestar, imediatamente, a totalidade das medidas de proteção social. Assim,

logo após ter afirmado que a seguridade possui caráter universal objetivo, esclarece o

legislador que as limitações orçamentárias permitirão a concretização das prestações

somente de maneira progressiva.

Assim, a seletividade consiste na escolha que o legislador deve tomar

sobre quais benefícios garantem primordialmente as finalidades da ordem social.

Tendo em vista o valor dignidade da pessoa humana, as necessidades mais básicas

para o seu cumprimento deverão ser prioritárias perante as demais, constituindo, com

o passar do tempo, uma rede cada vez mais efetiva de proteção de direitos. A

distributividade, por sua vez, estabelece que a seguridade social busca contemplar de

modo mais abrangente as pessoas que possuam mais necessidades. Relaciona-se,

assim, com o objetivo constitucional de redução das desigualdades sociais e regionais.

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No inciso IV do citado dispositivo está prevista a irredutibilidade do valor

dos benefícios, os quais são concebidos como prestações de caráter pecuniário e de

natureza alimentar. Diante do histórico nacional de problemas com a inflação do valor

da moeda, o legislador constituinte considerou a probabilidade das variações do valor

do dinheiro afetarem, consequentemente, o poder de compra dos benefícios. Este

princípio objetiva a manutenção da efetividade das prestações em dinheiro5.

A equidade na forma de participação no custeio está prevista no art. 194,

V, CF. Como os recursos da seguridade social são provenientes de contribuições

obrigatoriamente pagas por todos, foi preciso definir que a proporção entre as cotas de

contribuição dos indivíduos deve ser justa. Dessa forma, o princípio da equidade

determina que a capacidade contributiva de cada um deve ser levada em

consideração, no momento de se quantificar os valores a serem pagos. Os

empregadores e as empresas em geral também estão obrigados a contribuir com o

sistema de seguridade social. A equidade pode ser percebida neste aspecto ao

estabelecer que os riscos sociais de cada uma das atividades econômicas influem nas

alíquotas desta espécie de tributos.

O art. 194, em seu inciso VI, trata da diversidade da base de

financiamento, que está relacionada com o já citado princípio da equidade na

participação do custeio, inclusive como forma de segurança jurídica de manutenção do

sistema de seguridade social. Assim, as fontes de contribuição devem obrigatórias e

diversas, para não apenas caracterizarem uma hipótese de incidência. Possuem,

portanto, um viés objetivo – quanto aos fatos geradores – e um viés subjetivo – quanto

aos contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas. As diversas formas de custeio do

sistema estão ainda relacionadas com a diversidade social trazida com a evolução

tecnológica, as transformações familiares e demográficas e com as condições de

trabalho variadas, de modo a garantir o funcionamento do sistema de modo

equilibrado.

Por fim, o derradeiro inciso do citado dispositivo estabelece o caráter

democrático e descentralizado da administração como objetivo da ordem social

brasileira. Este parâmetro organizacional da seguridade impõe a gestão quatripartite

do sistema, dando voz e possibilidade de participação de trabalhadores,

empregadores, aposentados e governo. Isto possibilita a solução de divergências

decorrentes das escolhas feitas pelo administrador, observando-se as peculiaridades

5 São reflexos deste princípio as disposições previstas quanto à previdência social, nos §§ 3º e

4º do art. 201 da Constituição Federal: "§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei. § 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei".

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locais, notadamente dos municípios, na tomada de decisões. Dessa forma, ganha

destaque o caráter democrático da seguridade social e a possibilidade de se planejar

políticas específicas para cada região brasileira, respeitando-se a diversidade social.

Em um segundo momento, ressalta-se que, além dos objetivos gerais da

ordem social brasileira, previstos nos incisos do art. 194 da Constituição Federal, há

outros princípios de extrema importância, dispersos no corpo constitucional. A

dimensão do presente estudo não permite que se trate da totalidade dos princípios da

seguridade social, porém, destacam-se os analisados logo abaixo.

A dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, CF, é princípio

fundamental e preponderante sobre os demais valores da sistemática constitucional.

Representa o primordial vetor interpretativo dos direitos humanos, assegurando a

todas as pessoas um mínimo existencial, pois o que se compreende como digno deve

ir além da mera sobrevivência ou da simples manutenção do corpo.

O princípio da solidariedade, positivado no art. 3º, I, da Constituição

Federal, determina que todos devem colaborar por um sistema social mais justo, de

modo a proporcionar um mínimo legal digno, universal e equânime. A partir do

pressuposto de que o trabalho é o meio essencial de obtenção da sobrevivência digna,

infere-se que todos os trabalhadores são passíveis de necessitar da seguridade social,

e, em consequência, devem colaborar com ela. O citado princípio possui três esferas:

solidariedade geral, entre regiões e entre gerações.

A solidariedade geral abarca a ideia de que o beneficiário da seguridade

está inserido na coletividade, a qual deve dividir e suportar os custos de manutenção

do sistema de proteção social. Neste contexto, a divisão dos encargos do sistema

obedece tanto a critérios morais, quanto aos de justiça social. Compreendendo-se que

os riscos geram custos, que devem ser cobertos pelas contribuições, tem-se que o

valor destas deve ser dividido proporcionalmente à capacidade contributiva das

pessoas.

A admissão da capacidade contributiva como parâmetro de colaboração

auxilia a redistribuição de valores entre as regiões brasileiras, pois as áreas mais

desenvolvidas economicamente recolhem receitas essenciais para garantir a proteção

social dos moradores de localidades instáveis quanto à geração de empregos e renda.

O Estado também possui sua parcela de responsabilidade no

financiamento, o que é feito com verbas obtidas por diversos tributos; dentre eles, as

contribuições sociais podem ser compreendidas como transferência compulsória de

valores para este fim. Assim, a gestão das verbas e a concessão dos benefícios aos

que deles necessitem geram a redistribuição da renda e a cobertura dos riscos sociais.

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Por sua vez, o princípio da solidariedade entre gerações refere-se ao

regime financeiro da seguridade social, cuja viabilidade econômica depende da

capitalização gerenciada pela atuária. Conforme já foi salientado, a coletividade deve

arcar com os custos do sistema; o motivo para tanto é esclarecido por Lauro Cesar

Mazetto Ferreira (2007, p. 154):

Esta forma de regime financeiro corresponde ao próprio conceito de seguridade social, pois toda geração ativa, além de manter e aumentar o próprio vigor físico e moral, deve assumir a tarefa de proporcionar proteção à geração que cresce, assim como ajudar a cobrir as necessidades das gerações já afastadas da vida produtiva (...).

O princípio da obrigatoriedade possui duas concepções: a objetiva e a

subjetiva. Pela primeira, tem-se que é dever do Estado garantir a todos a proteção

social, independentemente da noção de responsabilidade quanto aos riscos e

necessidades futuros e de previdência dos cidadãos6. Pela segunda, conforme ensina

Wladimir Novaes Martinez (1995, p. 99-102), a adesão ao sistema de seguridade

social deve ser obrigatória para tornar concreto o princípio da solidariedade. A

sustentação do sistema financeiro deve ser sucessiva e permanente, de modo a

sustentar o sistema financeiro.

A globalidade também integra um princípio próprio, o qual determina que

as medidas protetivas da seguridade social deverão estar integradas pelo corpo

legislativo de modo a garantir às pessoas a eliminação dos danos causados pela

alteração de renda. A seguridade social forma um verdadeiro sistema de proteção

integral dos danos, em que há tendência de unificação de suas esferas: previdência,

assistência e saúde. Destarte, a já citada evolução da sociedade traz novas

necessidades e, em consequência, a demanda pelo aumento do padrão mínimo de

dignidade pela seguridade social.

Assim a globalidade, também chamada de universalidade objetiva, é

entendida como o dever de atendimento dos mais diversos riscos, não se confunde

com a universalidade subjetiva, que se relaciona ao acesso das pessoas ao sistema.

Portanto, o princípio da universalidade possui objeto diverso do princípio

da globalidade. Aquele enuncia que todas as pessoas devem ser protegidas pelo

sistema de seguridade social, pois o atual desenvolvimento econômico não garante a

6Lauro César Mazetto Ferreira explicita o viés objetivo do princípio da obrigatoriedade: “A

seguridade social possui como característica fundamental o princípio da obrigatoriedade universal de garantir a todo ser humano a proteção contra as consequências danosas que derivam de eventos da vida individual, familiar ou coletiva. Existe uma responsabilidade social coletiva para a conservação do capital humano, mediante prestações preventivas e reparadoras, e garantia de um mínimo essencial para ser viver dignamente.” (Ferreira, 2007, p. 134-135).

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proteção social de maneira efetiva simplesmente pela acumulação de renda. Do

mesmo modo, a universalidade afasta qualquer forma de diferenciação entre as

pessoas, por considerar que o conjunto de medidas de proteção social oferecidas pelo

Estado deve estar disponível para todos os cidadãos.

Em consequência, pode-se traçar um paralelo entre as já citadas

universalidade, globalidade e princípio da igualdade. Este último é requisito

fundamental para a efetivação do valor dignidade da pessoa humana e para o

exercício da democracia. Representa o combate às desigualdades causadas pelas

injustiças causadas pela organização da sociedade.

No que tange a seguridade social, o princípio da igualdade determina

como norte o trinômio prevenção/recuperação/ressarcimento para a instituição de

políticas protetivas (FERREIRA, 2007, p. 149). Dessa forma, as prestações dos

serviços devem obedecer a um padrão independente e uniforme7, sem tecer

diferenciação quanto à categoria profissional dos segurados ou ao número de

contribuições recolhidas, no momento da concessão dos benefícios. A pretensão é,

portanto, o atendimento de um patamar mínimo de renda e de necessidades pessoais,

traduzido em um movimento de padronização dos valores dos mais diversos

benefícios. Isto fica muito claro ao se considerar que as prestações da Previdência

Social devem ter seu valor compreendido entre um piso, o salário-mínimo vigente, e

um teto8.

O princípio da igualdade também é aplicado ao custeio do sistema, pois as

contribuições para o sistema de seguridade social devem ser distribuídas conforme a

capacidade contributiva, para que haja equidade na forma de participação do custeio.

O princípio da busca do bem-estar e o princípio da busca da justiça social

são igualmente aplicáveis à seguridade, sendo que ambos estão previstos no mesmo

dispositivo, o art. 193 da Constituição Federal. A busca do bem-estar possui

correspondência com a compreensão do legislador de que as condições de

7 Neste sentido são os dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 45-46: “[...] A

isonomia se consagra como o maior dos princípios garantidores dos direitos individuais. Praeter legem, a presunção genérica e absoluta é a da igualdade, porque o texto da Constituição o impõe. Editada a lei, aí sim, surgem as distinções (que possam se compatibilizar com o princípio máximo) por ela formuladas em consideração à diversidade das situações. Bem por isso, é preciso que se trate de desequiparação querida, desejada por lei, ou ao menos, pela conjugação harmônica das leis. Daí, o haver-se afirmado que discriminações que corram de circunstâncias fortuitas, incidentais, conquanto correlacionadas com o tempo ou a época da norma legal, não autorizam a se pretender que a lei almejou desigualar situações e categorias de indivíduos. E se este intento não foi professado inequivocamente pela lei, embora de modo implícito, é intolerável, injurídica e inconstitucional qualquer desequiparação que se pretenda fazer”. 8 Nos termos da Portaria Interministerial nº 19/2014, em seu art. 2º, fica definido que os salários

de benefício e de contribuição não poderão ser superiores a R$ 4.390,24 (quatro mil trezentos e noventa reais e vinte e quatro centavos), para o exercício de 2014.

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tranquilidade e de segurança para as pessoas, em principal pela garantia de uma

renda suficiente, são essenciais para uma vida digna. Em seu turno, a busca da justiça

social concebe que a proteção deve ser a mais ampla possível, de modo a,

gradativamente, reduzir a exclusão e a desigualdade social.

O princípio da unidade estabelece a necessidade de unificação do órgão

estatal gerenciador da seguridade social, de modo a garantir a efetividade dos demais

princípios, como globalidade, universalidade e solidariedade entre gerações. As

principais vantagens desta unificação é a redução dos custos operacionais, a

simplificação dos cálculos das prestações e a diminuição da ocorrência de situações

de desigualdade entre pessoas em condições semelhantes.

Não obstante a determinação do citado princípio, a Assistência Social e a

Saúde estão passando por um processo de descentralização, passando o

gerenciamento operacional e os atendimentos para os Estados e Municípios,

desvinculando-se da União. A Previdência Social, por sua vez, está seguindo o

caminho oposto das demais esferas da seguridade social, diante de sua centralização

na autarquia federal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Não se pode deixar

de questionar as razões para tanto, bem como se esta política de diferenciação

apresenta desvantagens tanto em âmbito da viabilidade econômica, quanto à

qualidade dos serviços de proteção social prestados.

Conclui-se que o viés principiológico do direito é fundamental para

garantia os direitos humanos. Os princípios, conforme a conceituação presente

na introdução deste trabalho, permitem que a rede protetiva seja interligada e

se adapte às mais diversas organizações e estruturas sociais.

3 CONVENÇÃO Nº 102 DA OIT: ANÁLISE COMPARATIVA COM O DIREITO

BRASILEIRO

Após o delineamento dos fundamentos principiológicos da seguridade

social na Constituição Federal de 1988, tratar-se-á neste tópico da correspondência

destes valores com as prescrições da Convenção nº 102 da Organização Internacional

do Trabalho (OIT), de modo a demonstrar até que ponto a Carta Constitucional

brasileira observa citado tratado de direito público externo.

Com a criação da OIT e com a Segunda Guerra Mundial, a noção de

proteção social e a consciência de sua importância se difundiram entre os mais

diversos países. Percebe-se que, na maior parte das nações, a seguridade social traz

em sua essência sua obrigatoriedade e sua universalidade (FERREIRA, 2007, p. 105).

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A Convenção propõe o seguinte conceito de seguridade social:

A proteção que a sociedade oferece aos seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que, de outra forma, derivam do desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência, como consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e também a proteção em forma de assistência médica e ajuda às famílias com filhos.

O presente artigo procederá à análise da Convenção de forma comparada

à legislação brasileira, nos moldes realizados por Eduardo Fagnani (2012). Assim,

conforme forem sendo expostas as prestações previstas na norma internacional, na

sequência serão trazidos, sucintamente, os benefícios do sistema brasileiro de

seguridade, de modo a verificar se há observância do patamar mínimo de direitos da

Convenção.

Primeiramente, deve-se esclarecer que a Convenção estabelece, em seu

art. 9º, uma abrangência mínima das prestações, como um padrão mínimo de

cobertura do sistema a ser observado pelas nações signatárias. Assim, deverá ser

adotada uma das possibilidades seguintes: se diante de determinadas categorias de

trabalhadores assalariados, ao menos 50% destes, mais suas esposas e filhos

deverão estar protegidos pelo sistema; se considerando certas categorias da

população ativa, ao menos 20% do total de residentes, suas esposas e filhos deverão

estar inseridos no sistema; e, no caso de adoção do critério do número de residentes,

50% do seu total deverá estar coberto pelo sistema.

A partir do padrão de cobertura acima, a Convenção passa a discorrer

sobre as medidas de seguridade social em espécie.

A proteção social relativa à saúde está prevista no art. 7º da Convenção,

prescrevendo que os signatários deverão prestar serviços médicos de caráter

preventivo ou curativo, abrangendo qualquer estado mórbido independentemente de

sua causa, bem como a gestação, o parto e suas consequências. A preocupação com

a saúde da mulher fica evidente neste ponto.

Já em caso de doença, deverão ser prestados serviços médicos e clínicos

gerais, inclusive com visitas domiciliares, serviços de especialistas, fornecimento de

fármacos e hospitalização. Porém, o beneficiário ou seu responsável poderão ser

obrigados a contribuir com o pagamento das despesas médicas daí incidentes; do

mesmo modo, as pessoas deverão estar inseridas no sistema com certa antecedência

antes de usufruir dos serviços de saúde, para evitar abusos. Do mesmo modo, está

previsto que as prestações referentes a doença poderão ser limitadas a 26 semanas

por ocorrência, exceto se o beneficiário estiver recebendo auxílio-doença.

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Na Constituição Federal Brasileira, a saúde está regulamentada nos arts.

196 e seguintes. É concebida como direito de todos e dever do Estado, com o objetivo

de reduzir os riscos de doença com acesso universal e igualitário. A rede de saúde

deve ser regionalizada e hierarquizada, consistindo um sistema único (Sistema Único

de Saúde – SUS), financiado pelo orçamento da seguridade social, da União, dos

Estados, Distrito Federal e Municípios.

O auxílio-doença está estabelecido nos arts. 13 e seguintes da

Convenção. Este benefício garante que haverá cobertura de estados mórbidos

causadores de incapacidade para o trabalho e a consequente suspensão dos ganhos.

Os trabalhadores assalariados ou ativos têm direito de receber o benefício em

pagamento periódico, desde que tenha havido cumprimento de um período de

carência suficiente para coibir abusos. A prestação será paga a partir do quarto dia da

suspensão dos ganhos, estando limitada a 26 semanas.

No Brasil, o auxílio-doença é determinado nos arts. 59 e seguintes da Lei

nº 8.213/91. Nestes dispositivos é prevista a carência de 12 contribuições, exceto em

casos de acidente de qualquer natureza ou causa ou doenças graves, que constarem

de listagem proferida pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social. A prestação

do auxílio deve ser paga pelo sistema a partir do décimo-sexto dia de afastamento em

caso de segurado empregado; para os demais, o auxílio é prestado desde o primeiro

dia.

Na Convenção, em seus arts. 19 e seguintes, são delineados os moldes

das prestações de desemprego. Nelas, toda e qualquer suspensão de ganhos deverá

ser objeto de proteção, quando alguma pessoa capaz e disponível para o trabalho não

puder conseguir obter um emprego adequado. A prestação será periódica, devida

após cumprimento de determinado período de carência. Será paga por, no máximo,

treze semanas a cada período de doze meses; em caso de adoção da cobertura pelo

número de residentes, o limite será de vinte e seis semanas a cada doze meses.

Quanto a este benefício, a sistemática brasileira se utiliza de nomenclatura

diversa, o seguro desemprego. É regulado pela Lei nº 7.988/1990 e alterações

posteriores, em que consta a garantia de assistência financeira ao trabalhador

demitido sem justa causa, além de estabelecer o dever de auxílio na busca de um

novo emprego e na qualificação profissional. O benefício poderá ser concedido em até

cinco parcelas, de acordo com a duração do vínculo empregatício anterior; e o valor de

tais parcelas deve obedecer a faixas de salário predeterminadas.

Por sua vez, a aposentadoria por velhice encontra-se nos arts. 25 e

seguintes da Convenção. Ali, a idade mínima para concessão do benefício não poderá

ultrapassar a de 65 anos. Nos países signatários, poderá existir prescrição legal de

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suspensão ou redução da aposentadoria quando o idoso tiver fontes de ganho

superiores a um determinado patamar. Do mesmo modo, pode ser exigido o

cumprimento de carência de 30 anos de contribuição ou emprego, ou 20 anos de

residência no país. No caso de adoção da carência pelo sistema legal, deverá existir

um benefício de valor reduzido, assegurado a todos que vierem a dele necessitar,

exigindo-se somente 15 anos de contribuição ou emprego a título de carência. É

pressuposto da aposentadoria por velhice ser um benefício de caráter vitalício.

Na legislação de ordem interna brasileira, o benefício correspondente ao

citado acima é a aposentadoria por idade, nos termos dos arts. 48 e seguintes, da Lei

nº 8.213/91. A idade mínima para sua concessão é de 65 anos para homem e 60 para

mulher, em caso de trabalhadores urbanos; no caso de rurais, é de 60 anos para os

homens e 55 anos para as mulheres. É preciso cumprir o período de carência de 180

contribuições mensais, não existindo prejuízo pela perda da qualidade de segurado.

Já nos arts. 31 e seguintes da Convenção encontram-se as prestações em

caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. São eventos cobertos desta

espécie de benefício os estados mórbidos; a incapacidade para o trabalho com

suspensão dos ganhos; a diminuição da integridade física diante da incapacidade; e a

perda dos meios de subsistência da viúva ou dos filhos do beneficiário. Neste ponto,

as legislações poderão exigir a comprovação pela viúva da incapacidade de prover

seu próprio sustento. De toda forma, em caso de doença, deve ser garantida ao

beneficiário a assistência de saúde, os serviços de reeducação e readaptação

profissionais. A prestação pecuniária será periódica, exceto quando for mínima a

incapacidade; do mesmo modo que, em caso de incapacidade parcial, o valor será

proporcional à diminuição da integridade física. Em todos os casos, o benefício será

devido após o terceiro dia de incapacidade.

No Brasil, o auxílio-acidente, previsto nos arts. 86 e seguintes da Lei nº

8.213/91, possui o mesmo objeto de proteção social do benefício acima. Possui

natureza indenizatória, sendo concedido em caso de acidente com sequela definitiva

com consequente redução da capacidade laborativa. Não há necessidade de

cumprimento de período de carência para sua concessão. Seu recebimento não pode

ser acumulado com qualquer das aposentadorias, mas seu valor é somado ao salário-

de-contribuição, para futuro cálculo destes benefícios.

As prestações de família, determinadas nos arts. 39 e seguintes da

Convenção, possuem como fico a manutenção das crianças, por meio de um

pagamento periódico ou de prestações in natura como roupas, alimentos ou

assistência domiciliar, para famílias daqueles que tiverem completado certo período de

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carência. A prestação pecuniária deverá corresponder ao valor compreendido entre

1,5% e 3% do salário de um trabalhador comum.

O benefício de ordem legal interna compatível com a regulamentação

acima é o salário-família, regulado pelos arts. 65 e seguintes da Lei nº 8.213/91.

Ressalta-se que não é necessário o prévio cumprimento de carência para a concessão

deste benefício, o qual é voltado exclusivamente para segurados empregados, avulsos

e aposentados de baixa renda.

Em seu turno, as prestações de maternidade garantem a cobertura dos

riscos inerentes à gravidez, ao parto e às suas consequências, notadamente a

suspensão de ganhos daí decorrente. Conforme previsão dos arts. 46 e seguintes da

Convenção, deve ser assegurada igualmente a assistência médica à mulher,

englobando o pré-natal, os procedimentos que envolvam o parto e o pós-parto,

sempre de modo a melhorar a saúde e observar as suas necessidades pessoais.

Quanto à suspensão dos proventos, há garantia pelo sistema de prestações

periódicas, que poderão ser limitadas a doze semanas. Para seu deferimento, poderá

ser exigido o cumprimento de carência suficiente a coibir abusos.

Sob a alcunha de salário-maternidade, a Previdência Social brasileira, com

fulcro nos arts. 71 e seguintes da Lei nº 8.213/1991, garante às gestantes benefício

com duração de cento e vinte dias, sendo estes até vinte e oito dias antes do parto e

noventa e um dias após. Deverá ser observada a carência de dez contribuições

mensais, as quais serão calculadas proporcionalmente em caso de parto antecipado.

A aposentadoria por invalidez é tratada nos arts. 53 e seguintes da

Convenção. O risco social protegido por este benefício é a incapacidade para o

trabalho, seja ela permanente ou que perdure após o término do auxílio-doença. As

prestações serão periódicas, concedidas após o cumprimento de carência de quinze

anos de contribuição ou de dez anos de residência. Deverá ser assegurado benefício

de padrão pecuniário inferior, após carência de cinco anos de contribuição ou

emprego. Diante do caráter permanente da incapacidade, a aposentadoria por

invalidez perdurará até ser substituída pela aposentadoria por velhice.

Está sob a mesma nomenclatura em âmbito interno o benefício

supracitado, conforme os art. 42 e seguintes da Lei nº 8.213/1991. Como pressuposto

inicial, é previsto que não haverá concessão do benefício quando a incapacidade for

preexistente à filiação. Por outro lado, existe a possibilidade de aumento de 25% do

valor do benefício quando o segurado tiver necessidade de auxílio permanente de

outra pessoa; sendo que este acréscimo não é incorporado na pensão por morte. A

carência desta espécie de aposentadoria é de 12 contribuições mensais.

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Por fim, a Convenção nº 102 da OIT prevê o benefício de pensão por

morte, em seus arts. 59 e seguintes. Nela, o evento coberto será a perda dos meios de

subsistência da viúva ou dos filhos pela morte do chefe de família. Pode existir a

exigência de comprovação pela viúva de sua incapacidade de prover seu próprio

sustento. Quanto aos pagamentos, tem-se que estes serão periódicos, prestados após

o período de carência de quinze anos de contribuição ou de dez anos de residência;

ou será definida uma pensão de valor inferior nos casos de cumprimento de apenas

cinco anos de contribuição ou emprego. Da mesma forma, poderá ser exigido um

período de duração mínima do casamento para concessão da pensão.

Menos rígida, a pensão por morte brasileira garante a seus beneficiários o

valor de 100% da aposentadoria a que faria jus o segurado, sendo rateada de modo

igualitário entre seus pensionistas, inclusive a ex-cônjuge que receba alimentos. No

caso desta última, mesmo com novo casamento o benefício é mantido se há

comprovação de dependência econômica. A Lei nº 8.213/91 dispõe sobre o tema em

seus arts. 74 e seguintes.

Além dos benefícios correspondentes aos previstos na Convenção nº 102,

o Sistema Geral de Previdência Social brasileiro prevê outras prestações, tais como a

aposentadoria por tempo de contribuição, a aposentadoria especial e o auxílio-

reclusão.

É preciso ressaltar, diante de todo o exposto, que as prestações da

seguridade brasileira buscam concretizar os princípios examinados no tópico anterior.

Assim, pela necessidade de cumprimento de período de carência, fica explícito o

caráter contributivo do sistema de seguridade social e o princípio da solidariedade,

pois a colaboração de todos é essencial para o custeio das prestações daqueles que

delas necessitam. A presença dos princípios da universalidade, da igualdade e da

unidade está explícita em especial no tratamento legal dado à saúde. De uma maneira

comum a todo o sistema, o bem-estar social, a justiça, e a globalidade são,

certamente, os vetores de aplicação e de interpretação das normas de seguridade

social, buscando sempre a forma mais efetiva de concretização do principal valor da

ordem jurídica brasileira, a dignidade da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atual desenvolvimento da ciência jurídica dá especial importância aos

princípios como fonte normativa, diante de seu elevado conteúdo axiológico e de seu

amplo grau de generalidade e abstração. A definição de direitos com fundamento

principiológico possui a vantagem de não permitir tão facilmente a mitigação da

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eficácia de valores entendidos como opostos, a partir do fenômeno do sopesamento.

Por esta razão, a Constituição Federal Brasileira de 1988 traz em seu corpo a garantia

de diversos direitos humanos e sociais encampados em princípios, destacando-se

entre eles a dignidade da pessoa humana, como vetor principal de interpretação das

normas do sistema.

Dentre os diretos garantidos constitucionalmente está a seguridade social,

que engloba as ações do Estado e da sociedade para realização da saúde, da

previdência e da assistência social. Além da Constituição Federal, diversas normas de

Direito Internacional Público, proferidas especialmente pela Organização Internacional

do Trabalho (OIT), trazem em seu bojo princípios de direitos humanos relacionados à

seguridade social. Isto porque há a compreensão de que o trabalho é o principal meio

de sobrevivência e de organização econômica da humanidade e, se as pessoas não

têm condições físicas ou mercadológicas de trabalhar para obterem sua subsistência

digna, os demais direitos humanos tornam-se incapazes de ser realizados.

A seguridade social, dessa forma, é política pública de garantia de um

padrão mínimo de direitos, cuja implantação e funcionamento são de longo prazo; no

caso da assistência e da previdência, busca-se socorrer os cidadãos que estão

impossibilitados de trabalhar ou de manter um padrão mínimo de renda. Seu

surgimento está relacionado com o fenômeno da exclusão social e com a

incapacidade do sistema econômico de garantir a todos uma existência digna.

Para cumprir seu mister, a seguridade social conta com um arcabouço de

princípios próprios, previstos, principalmente, na Constituição Federal. Apesar de seu

caráter social e humanista, a seguridade social encontra limites em seu âmbito de

aplicação, sejam de natureza jurídica, causadas pela opção do legislador pela

positivação de determinados direitos, ou orçamentária, pela ausência de recursos

suficientes para conceder a todos um extenso rol de direitos, sem afetar o equilíbrio

financeiro e atuarial do sistema.

Então, diante da comparação entre o nível de proteção social previsto na

Constituição Brasileira e na Convenção nº 102 da OIT, que prevê normas mínimas de

proteção social, pode-se concluir que o Brasil cumpre com folga a citada norma de

direito público externo, quando se considera apenas o plano formal.

Assim, no momento da criação de políticas e efetivação dos direitos, é

preciso ir além e buscar medidas que evitem restringir o padrão de garantias

constitucionais. Apesar dos limites orçamentários do sistema, deve-se optar pela

política mais eficiente e que amplie mais o acesso da população à proteção social.

Sobretudo, a opção pela redução da aplicabilidade dos direitos decorre de uma

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decisão do administrador e do legislador, o que deixa ainda mais claro o caráter de

política pública da seguridade social.

Destarte, a mera positivação de direitos não pode ser compreendida como

garantia total e suficiente de sua aplicação por intermédio de políticas públicas, pois o

poder de decisão vai muito além da inserção de uma norma no sistema legislativo.

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