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 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA HIGOR F. DE OLIVEIRA E THIAGO BORGES O LIBERALISMO ECONÔMICO: história da ideia de mercado (Pierre Rosanvallon) A afirmação do liberalismo econômico traduz a aspiração ao advento de uma sociedade civil, sem media çõ es, auto re gu lada. Essa perspectiva, apolítica no sentido preciso do termo faz da sociedade de mercado o arquétipo de uma nova representação social: o mercado (econômico) e não o contrato (político) torna-se o verdadeiro regulador da sociedade (e não somente da economia). (Pierre Rosanvallon, O liberalismo econômico: história da ideia de mercado). CAPÍTULO 1: A QUESTÃO DA INSTITUIÇÃO E DA REGULAÇÃO SOCIAL NOS SÉCULOS XVII E XVIII A. A ARITMÉTICA DAS PAIXÕES E A INSTITUIÇÃO DO SOCIAL Assim, desde o século XVII, começa a se afirmar a ideia de que é a partir das pa ixões do homem e não ap esar delas qu e é pr eciso pe nsar a instituição e o funcionamen to da sociedade. A política nada mais é do que uma arte combinatória das paixões. Seu ob jet ivo é co mp or as pa ixões de tal modo qu e a sociedade po ssa funcionar. A aritmética das paixões torna-se, a partir do século XVII, o meio de dar um fu ndamento sólido ao ideal de bem comum do pensamento escolástico. As paixões constituem o material sobre o qual trabalham os políticos. Do mesmo modo, a instituição original da sociedade só pode ser pensada nestes termos. Se o homem é “uma combinação de paixões diversas” (Mandeville), a instituição do social só pode ser o resultado de um modo de composição necessária das paixões”. A1. Emancipação progressiva da política face à moral e à religião e afirmação econômica da sociedade moderna A2. Afirm ação da figura central do indivíduo A3. Natureza human a: fundamento da noção de i ndivíduo e de sociedade A4. Hegemonia da moral: o estudo das pai xões humanas e a tentativa – desde Maquiavel – de compreender o homem tal como ele é A5.  Bem comum: resultado de uma aritmética das paixões, trabalho para os políticos B. A POLÍTICA COMO INSTITUIÇÃO DO SOCIAL, DE HOBBES À ROUSSEAU

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESPPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

HIGOR F. DE OLIVEIRA E THIAGO BORGES

O LIBERALISMO ECONÔMICO:

história da ideia de mercado

(Pierre Rosanvallon)

A afirmação do liberalismo econômico traduz a aspiração ao adventode uma sociedade civil, sem mediações, auto regulada. Essaperspectiva, apolítica no sentido preciso do termo faz da sociedade demercado o arquétipo de uma nova representação social: o mercado(econômico) e não o contrato (político) torna-se o verdadeiro reguladorda sociedade (e não somente da economia). (Pierre Rosanvallon, O

liberalismo econômico: história da ideia de mercado).

CAPÍTULO 1: A QUESTÃO DA INSTITUIÇÃO E DA REGULAÇÃO SOCIAL NOS

SÉCULOS XVII E XVIII

A. A ARITMÉTICA DAS PAIXÕES E A INSTITUIÇÃO DO SOCIAL

Assim, desde o século XVII, começa a se afirmar a ideia de que é a partirdas paixões do homem e não apesar delas que é preciso pensar ainstituição e o funcionamento da sociedade.

A política nada mais é do que uma arte combinatória das paixões. Seuobjetivo é compor as paixões de tal modo que a sociedade possafuncionar. A aritmética das paixões torna-se, a partir do século XVII, omeio de dar um fundamento sólido ao ideal de bem comum dopensamento escolástico. As paixões constituem o material sobre o qualtrabalham os políticos.Do mesmo modo, a instituição original da sociedade só pode ser pensadanestes termos. Se o homem é “uma combinação de paixões diversas”(Mandeville), a instituição do social só pode ser o resultado de um modode composição necessária das paixões”.

A1. Emancipação progressiva da política face à moral e à religião e afirmação

econômica da sociedade moderna

A2. Afirmação da figura central do indivíduo

A3. Natureza humana: fundamento da noção de indivíduo e de sociedade

A4. Hegemonia da moral: o estudo das paixões humanas e a tentativa – desde

Maquiavel – de compreender o homem tal como ele é

A5. Bem comum: resultado de uma aritmética das paixões, trabalho para os

políticos

B. A POLÍTICA COMO INSTITUIÇÃO DO SOCIAL, DE HOBBES À ROUSSEAU

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As teorias absolutistas de Hobbes e Pufendorf parecem sumárias sobmuitos aspectos. Mas, não se deve esquecer a dimensão polêmica desuas obras. O debate que realizaram estava prioritariamente centradocontra a doutrina do direito divino e tinham como preocupação maior,libertar definitivamente a ciência política das suas amarras com a teologiapela teoria do contrato social, ao pensar a auto instituição da sociedadecomo diferença em relação a um hipotético estado de natureza...Em Locke, o conceito de propriedade faz nascer uma aritmética daspaixões diferente da de Hobbes. Ele dá um novo sentido à instituição dasociedade civil – a conservação da propriedade como finalidade daassociação. O poder do soberano é, portanto, limitado por aquele querequer a conservação da propriedade...A grande originalidade de Rousseau, desse ponto de vista, é a desubverter totalmente as concepções anteriores de estado de natureza.Seja como um estado de guerra (Hobbes), seja como um estado desociabilidade instável (Pufendorf e Locke), o estado de natureza erasempre concebido como um estado que implicava relações entre oshomens, relações reguladas pelo direito natural. Para Rousseau, o estado

de natureza é, ao contrário, caracterizado primeiramente como um estadode solidão, de autonomia e de liberdade...

B1. Nascimento e afirmação das teorias do pacto social

B2. Diferentes visões da natureza, distintas concepções do pacto social

B3. A ciência realista do homem e o quadro da economia das paixões naturais:

base comum entre Hobbes, Pufendorf, Locke e Rousseau

B4. A concepção hobbesiana do estado de natureza como estado de guerra: o

conflito como resultado das paixões naturaisB5. A concepção de Pufendorf - “o homem é naturalmente sociavel porque

interessado” - e o duplo pacto social: primeiro o de união, em seguida o de

submissão

B6. Locke: uma radical ruptura com as teorias do direito divino e a laicização

radical da filosofia política – nascimento da noção de estado de natureza

como estado de paz e não de guerra e o papel central da propriedade na

aritmética das paixõesB7. Economia rousseauniana das paixões e a subversão das anteriores

concepções de estado de natureza

C. A LEI COMO REGULAÇÃO DO SOCIAL, DE HELVETIUS À BENTHAM

Como Montesquieu, Helvetius trata das paixões no quadro da sociedadecivil e não mais como Hobbes no quadro do estado de natureza. Continua

assim a pensar no quadro de uma economia das paixões: a regulação dasociedade só pode ser encarada a partir de uma análise lúcida daspaixões dos homens e não em oposição a elas O apelo à virtude e à moralnão tem, portanto, qualquer utilidade se não se apoiar sobre as paixões...

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Mas é sobretudo com Bentham que a concepção da legislação comoregulação do social encontrará sua forma mais bem acabada. Benthamdesejava ser considerado, segundo sua própria expressão, como um gênioda legislação.

C1. Montesquieu e a concepção da política como arte e como ciência: a

sociedade civil como fundamento para seu projeto

C2. Helvetius e a concepção do interesse (a medida da ação dos homens)

como paixão fundamental e fundamento sobre o qual deve ser erigida a

sociedade – economia das paixões reduzida à economia dos interesses

C3. Bentham e a concepção da legislação como regulação do social: da

pretensão da aritmética moral ao princípio utilitarista da identificação

artificial de interesses e a noção de calculo da dor e do prazer

NÚCLEO ARGUMENTATIVO DO TEXTO:

“...O liberalismo econômico nasceu não apenas como uma teoria – ou ideologia –

que acompanhou o desenvolvimento das forças produtivas e a ascensão da

burguesia como classe dominante, mas como reivindicação e tradução da

emancipação da atividade econômica em relação à moral, devendo ser

compreendido, antes de tudo, como uma resposta aos problemas não resolvidospelos teóricos políticos do contrato social. A meu ver, é a partir dessa

perspectiva que deve ser apreendido o conceito de mercado tal como se forma

no século XVIII. Trata-se de um conceito sociológico e político, que se opõe ao

conceito de contrato, e não um conceito “técnico”, (modo de regulação da

atividade econômica por um sistema de preços livremente formado). A afirmação

do liberalismo econômico traduz a aspiração ao adento de uma sociedade civil

sem mediações, auto regulada. Essa perspectiva, apolítica no sentido preciso dotermo, faz da sociedade de mercado o arquétipo de uma nova representação

social: o mercado (econômico) e não o contrato (político) torna-se o verdadeiro

regulador da sociedade (e não somente da economia).

Dessa forma, a ideia de mercado remete a toda a história intelectual da

modernidade. A partir do século XVI, o pensamento político moderno centrou-se

na noção de contrato social que fundamentou a própria existência da sociedade

num pacto político. O grande problema da filosofia política dessa época era comefeito compreender a instituição autônoma da sociedade, independentemente

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de qualquer garantia exterior (notadamente de ordem religiosa). Mas todas a

teorias do contrato social, de Hobbes à Rousseau se chocam com numerosas

dificuldades teóricas de grande amplitude. Destaquemos particularmente duas

delas. A primeira: se as teorias do contrato social fundamentam o princípio da

paz civil, não permitem tratar da questão da paz e da guerra entre as nações. Seo contrato social pensa a sociedade como o resultado de uma soma diferente de

zero (todos ganham em termos de segurança e paz civil), as relações entre as

nações continuam a ser consideradas como resultado de uma soma zero (só há

ganho se outros perdem). A segunda: a noção de que o pacto social está

centrado na questão da instituição da instituição da sociedade, não se define a

partir do problema da regulação da sociedade” (Pierre Rosanvallon, O liberalismo

econômico: história da ideia de mercado p. 8-9).