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MARINHA E IMPÉRIO NO BRASIL: O ENSINO NAVAL Simone Vieira de Mesquita i O presente estudo tem como foco o ensino militar naval no Brasil do século XIX, que teve grande importância na formação do ensino superior, bem como relevância política, científica e técnica, a exemplo de sua atuação no que se refere à construção de navios que participaram, por exemplo, da Guerra do Paraguai. Parte de referências cronológicas e analíticas da historiografia consultada, junto a Liberato Barroso (1897), Fernando de Azevedo (1958), Gilberto Freire (1959), João Batista Magalhães (1998) e Dermeval Saviani (2007), onde o ensino naval é visto com notoriedade, desde 1808, com a criação da Academia Real da Marinha, como instituição de nível superior, quando o Rio de Janeiro se torna a capital do Reino de Portugal, Brasil e Algarve, em face da transferência da Corte de Portugal para o Brasil, em função da invasão francesa, o que explica porque era destacada a preocupação daquela Academia com a construção naval. Nas décadas seguintes, em diferentes períodos, demarcados por rupturas e rearranjos políticos, que caracterizam a construção do Brasil independente e imperial, o ensino naval terá apoio governamental e até simpatia de alguns segmentos sociais, como está detalhado mais abaixo. Evidencia que: 1) nesse período, o ensino naval contou com a colaboração de oficiais estrangeiros, especialmente dos ingleses, que ajudaram na organização da armada brasileira; 2) o ensino militar foi um dos caminhos de acesso ao ensino superior, especialmente, para os estratos médios da sociedade, uma vez que os alunos que se formavam nessas escolas, estavam capacitados, não apenas em assuntos tecnicamente militares, como da esfera política, social e econômica, levando-os a um preparo profissional que lhes permitia exercer cargos, no âmbito do poder público; 3) além da preocupação de formar seus oficiais, o ensino militar naval cuidava de capacitar um corpo docente, para fazer parte do quadro de professores da Academia da Marinha, o que para muitas famílias abria a perspectiva de seus filhos ascenderem, intelectual e socialmente. Esta descrição analítica integra a nossa tese de Doutorado, que se encontra em fase de cotejo de fontes para mapeamento cronológico e exame da disseminação territorial das escolas de ensino militar naval no País. Os resultados aqui apresentados evidenciam a importância desse campo de ensino para o entendimento histórico da formação da elite militar e civil, no período aqui assinalado, que, além disso, se mostrou uma oportunidade de inserção e ascensão profissional, intelectual e social para os moços de origem familiar socialmente bem situada e remediada, para depois compor as forças armadas do Brasil, à medida que este se organizava como nação independente e imperial. Palavras-Chave: Império Educação - Ensino Naval.

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MARINHA E IMPÉRIO NO BRASIL: O ENSINO NAVAL

Simone Vieira de Mesquitai

O presente estudo tem como foco o ensino militar naval no Brasil do século XIX, que teve

grande importância na formação do ensino superior, bem como relevância política, científica

e técnica, a exemplo de sua atuação no que se refere à construção de navios que participaram,

por exemplo, da Guerra do Paraguai. Parte de referências cronológicas e analíticas da

historiografia consultada, junto a Liberato Barroso (1897), Fernando de Azevedo (1958),

Gilberto Freire (1959), João Batista Magalhães (1998) e Dermeval Saviani (2007), onde o

ensino naval é visto com notoriedade, desde 1808, com a criação da Academia Real da

Marinha, como instituição de nível superior, quando o Rio de Janeiro se torna a capital do

Reino de Portugal, Brasil e Algarve, em face da transferência da Corte de Portugal para o

Brasil, em função da invasão francesa, o que explica porque era destacada a preocupação

daquela Academia com a construção naval. Nas décadas seguintes, em diferentes períodos,

demarcados por rupturas e rearranjos políticos, que caracterizam a construção do Brasil

independente e imperial, o ensino naval terá apoio governamental e até simpatia de alguns

segmentos sociais, como está detalhado mais abaixo. Evidencia que: 1) nesse período, o

ensino naval contou com a colaboração de oficiais estrangeiros, especialmente dos ingleses,

que ajudaram na organização da armada brasileira; 2) o ensino militar foi um dos caminhos de

acesso ao ensino superior, especialmente, para os estratos médios da sociedade, uma vez que

os alunos que se formavam nessas escolas, estavam capacitados, não apenas em assuntos

tecnicamente militares, como da esfera política, social e econômica, levando-os a um preparo

profissional que lhes permitia exercer cargos, no âmbito do poder público; 3) além da

preocupação de formar seus oficiais, o ensino militar naval cuidava de capacitar um corpo

docente, para fazer parte do quadro de professores da Academia da Marinha, o que para

muitas famílias abria a perspectiva de seus filhos ascenderem, intelectual e socialmente. Esta

descrição analítica integra a nossa tese de Doutorado, que se encontra em fase de cotejo de

fontes para mapeamento cronológico e exame da disseminação territorial das escolas de

ensino militar naval no País. Os resultados aqui apresentados evidenciam a importância desse

campo de ensino para o entendimento histórico da formação da elite militar e civil, no período

aqui assinalado, que, além disso, se mostrou uma oportunidade de inserção e ascensão

profissional, intelectual e social para os moços de origem familiar socialmente bem situada e

remediada, para depois compor as forças armadas do Brasil, à medida que este se organizava

como nação independente e imperial.

Palavras-Chave: Império – Educação - Ensino Naval.

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Introdução

O ensino militar naval, no Brasil, teve grande importância na formação do ensino

superior, bem como relevância política, científica e técnica, a exemplo de sua atuação no

que se refere à construção de navios que participaram, por exemplo, da Guerra do

Paraguai. Contudo, o ensino militar do Exército e da Armada apresenta indícios de

formação não sistematizada, com aulas avulsas e pontuais, desde o período colonial. É o

que afirma Azevedo:

Nessa paisagem escolar, uniforme e sem relevo, não se encontravam fora

do domínio espiritual dos jesuítas senão a escola de arte e edificações

militares, criada na Bahia em 1699, - talvez a primeira instituição leiga

de ensino no Brasil, [...]. (grifamos) (1958, p.47).

Durante a formação do Império, a educação brasileira passou por reformas na

tentativa de atender às mudanças do novo contexto político e social que se estabelecia. O

ensino, dividido em ensino elementar, secundário, superior, profissionalizante, especiais e

oficiais, fomentou a busca de uma unidade nacional, especialmente, depois do hiato havido

no ordenamento da educação, após a expulsão dos Jesuítas em 1759, pelo Marques de

Pombal, e a criação das chamadas aulas régias. Nesse contexto, o ensino militar, do

Exército e da Marinha, estava caracterizado como ensino especial como enfatizou Barroso

(1867) e Azevedo (1959).

Durante sua instalação no Brasil, D. João VI teve a preocupação de reorganizar os

arsenais de Guerra e da Marinha, além dos hospitais militares, investindo na formação dos

oficiais, na construção da biblioteca da Academia Naval do Rio de Janeiro, na construção

de navios, bem como na criação, em 1808, da Academia Real da Marinha. Essa ganharia

notoriedade, como instituição de nível superior, quando o Rio de Janeiro se tornou a capital

do Reino de Portugal, Brasil e Algarve, em face da invasão francesa e da transferência da

Corte de Portugal para o Brasil, o que explica porque era destacada a preocupação daquela

Academia com a construção naval. Como enfatiza Magalhãesii

[...] a vinda de Dom João VI, transplantaram-se para aqui os órgãos

principais constitutivos da Marinha portuguesa, com os quais se lançaram

os fundamentos de nossa força naval própria. Sendo criadas “a Academia

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de Marinha de Guarda-Marinha e uma Brigada Real”, voltada para

guarnição de navios [...] (1998, p.238),

A Academia de Marinha foi instalada nas proximidades do Convento de São Bento

e, para ingressar, os pretendentes deveriam ter domínio das quatro operações matemáticas,

saber latim, grego, línguas vivas, como inglês e francês, e ter idade igual ou superior a 18

anos. Nesse novo cenário político, o ensino naval lança suas bases no ensino superior.

Almeida ressalta que a “Academia de Ensino da Marinha” era equipada com

“instrumentos, livros, modelos, máquinas, mapas e plantas.” no modelo da “Academia de

Lisboa”. (1989, p.46), trazendo em sua base a formação acadêmica européia para os

trópicos.

Nas décadas seguintes, em diferentes períodos, demarcados por rupturas e

rearranjos políticos, que caracterizam a construção do Brasil independente e imperial, o

ensino militar foi se estruturando em um sistema de ensino específico que permitia uma

formação profissional e acadêmica de seus integrantes.

Primórdios do ensino naval

Magalhães traz relatos da existência de escolas navais antes da Corte portuguesa

chegar ao Brasil. No Pará, segundo o citado autor, foi instalada em “4 de fevereiro de

1803, uma escola de pilotos práticos”, composta por “[...] 1 diretor, 1 ajudante, 12

discípulos e dispunha de 2 embarcações armadas à escuna.” (1998, p. 207), mostrando

que a escola poderia cumprir dois papeis específicos: formar seus alunos e atender as

necessidades da instituição de vistoriar a costa brasileira.

Além disso, a Marinha investiu na construção de navios. Ainda de acordo com

Magalhães, o grande centro de construção naval estava na Bahia. Entre 1810 a 1822, na

Bahia e no Rio de Janeiro, foram construídos sete navios de guerra: “fragatas Dom Pedro

I, Real Leopoldina, União, corveta Dez de fevereiro e lugre Maria Teresa” (1998, p.245).

Esses barcos estiveram envolvidos em diversos acontecimentos históricos, entre eles, a

defesa do Recôncavo e da Cisplatina, a Independência do Brasil, a revolta dos “Cabanos”

no Pará e a Guerra do Paraguai.

Com o processo de Independência, as instituições militares foram reformadas e a

Marinha recebeu um aumento considerável de oficiais e marinheiros ingleses que vieram

substituir os oficiais portugueses.

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A nova organização da Marinha e a formação dos oficiais sofreram influencia de

ingleses, estadunidenses, franceses, holandeses, que estavam radicados e serviam no

Brasil. De acordo com a Marinha, a primeira esquadra nacionaliii

, composta por alguns

desses navios, recebeu influencia do inglês Lord Cocharne, e dos oficiais Grenfell e

Taylor.

José Bonifácio, então Conselheiro do Império, convidou Thomas Cochrane para

administrar e organizar a frota brasileira. Segundo Lopez & Mota, Cochrane inspecionou e

constatou que os navios estavam em péssimo estado e que “a tripulação era formada por

portugueses da “pior espécie”, descartados do serviço mercante[...] e por brasileiros que

tinham [...]horror aos tripulantes portugueses” (2008, p.339). Nos levando a refletir sobre

a formação do corpo de marinheiros e dos oficiais na instituição.

Além da dificuldade com o corpo de marinheiros, o Almirante Cochrane teria

também problemas com os capitães de navios, que, apresentavam resistência em receber

ordens de oficiais que não fossem seus superiores compatriotas, dificultando a organização

e o comando da frota.

Lopez & Mota (2008) afirmam que para garantir a operacionalidade e a disciplina

desejada, o Almirante Cochrane precisou investir em um quadro de marinheiros e militares

contratados entre ingleses e norte-americanos. Estrangeiros que trabalharam também como

instrutores e professores em suas áreas de domínio, nos próprios navios onde estavam em

serviço.

Além dos conflitos acima citados, Cochrane também enfrentou problemas com os

militares e os marinheiros mais velhos, para isso ele propôs a contratação de “meninos de

14 a 20 anos para aprender o ofício”. Jovens que seriam formadas pela própria instituição,

dando abertura a um novo campo de ensino e formação.

De acordo com Lopez & Mota, minimizados os problemas práticos, Chochrane teve

como missão inicial, “recapturar a Bahia”, expulsando os ingleses e restaurando o

monopólio comercial. Em sua empreitada, ele comandou a nau capitã, fragata Pedro I,

única embarcação apta para o combate, conquistando a retirada de “13 navios de guerra e

mais de 60 navios mercantes do porto de Salvador.” Cochrane interveio também no

Maranhão, libertando seus portos, o que lhe valeu o título de Marquês do Maranhão (idem,

p.p 338-342) e o reconhecimento pela organização da frota naval da época, bem como

levou os oficiais a repensarem a formação do corpo de oficiais da Marinha.

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Com a Independência, a Constituição do Império de 1824 lançou os fundamentos

das forças militares brasileiras, cuja finalidade, estava “[...] definida pelo art. 145:

“sustentar a independência e integridade do Império” [...]”(MAGALHÃES, 1998, p.249).

Durante a afirmação do Brasil como Nação, as instituições militares tiveram que se

reorganizar e reestruturar, ao ver seus oficiais regressarem a Lisboa. Assim, a Marinha

buscou, na formação de seus oficiais, o caminho para reestruturar a instituição, tendo como

preocupação a nomeação de “lentes” para a Academia da Marinha.

Após a renúncia de D. Pedro I, em 1831, houve uma nova organização nas forças

militares. Elas diminuíram o número de estrangeiros em suas fileiras, dando início ao

caráter nacionalista das forças armadas – Exército e Marinha.

Em 1932, as Academias Militar e de Marinha se fundiram e passaram a ser

denominadas Academia Militar e de Marinha da Corte do Império do Brasil, com ensino

voltado para atender os assuntos militares, a construção de pontes e calçadas e a construção

de navios.

Essa fusão, segundo Magalhães, não durou:

[...] evidentemente adotada por medida de economia orçamentária e por

causa talvez da dificuldade de reunir um corpo docente suficiente para

servir as duas academias. Havia, aliás, a vantagem de dar uma formação

mental homogênea aos quadros das Forças Armadas. Não obstante, em

1838, foram novamente separados os cursos para a formação de oficiais

de terra e mar, dando surto à Escola Naval [...](1998, p.271)

Embora as duas instituições estivessem ligadas pela unidade militar, cada uma

apresentava sua especificidade, uma voltada para domínio da terra e outra do mar, a partir

de 1838 conquistaram sua identidade, autonomia e espaço no novo cenário nacional.

O ensino militar naval no Império

Ao longo do Império, o ensino militar constituiu-se em oportunidade de ascensão

intelectual e social, principalmente, para a população situada entre a classe superior e a

inferior. Gilberto Freire enfatizou, nesse sentido, que o ensino militar foi:

[...] para os brasileiros de origem modesta e de condições étnica tida, em

certos meios, por inferior, de se instruírem em escolas militares e a

expensas do Estado; e se instruírem nessas escolas não apenas em

assuntos tecnicamente militares como os políticos, sociológicos,

econômicos, tornando-se rivais dos bacharéis em Direito, dos médicos,

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dos engenheiros, dos sacerdotes, em aptidões para o exercício de cargos

públicos. [...] uma rivalidade entre esses subgrupos – os formados nas

escolas militares, por um lado, e o educando nas escolas de Direito, de

Medicina, de Engenharia e nos Seminários de Teologia, por outro – que

veio se esboçando desde a ascendência dos militares, favorecidos pela

campanha paraguaia, [...] (1959, p.318)

Podemos perceber que o ensino militar foi assumindo espaço na sociedade,

equiparando-se ao ensino oficial, bem como criando oportunidade de ascensão

profissional, política, social e intelectual, especialmente, nos cargos públicos, levando as

organizações militares a desenvolverem um sistema de ensino próprio, que foi sendo

ampliados ao longo dos anos.

O Ensino Militar – do Exército e da Armada – constituiu-se em uma formação

especifica, que permitiu acesso aos títulos de doutores, como ressaltou Gilberto Freire:

[...] que das escolas militares de ensino gratuito e até remuneração, no

sentido de se dar acesso ao ensino superior e, através do ensino superior,

aos cargos políticos de importância, a numerosos brasileiros cujas

famílias não podiam custear, para seus filhos, estudos caros. Não os

podendo manter nos cursos jurídicos, médicos, politécnicos, nem por isto

deixaram de vê-los doutores sob outro aspecto: como capitães-doutôres,

majores-doutôres, coronéis-doutôres. Duplamente prestigiosos, portanto,

numa época, como foi, no Brasil, a que se seguiu à campanha

Paraguai,[...] (1959, p.318)

Durante o Império, a formação superior e seus títulos constituíam-se em objeto de

desejo não somente da elite. Embora a beca e a batina não tenham vingado, no Brasil, o

traje de doutores, como “sobrecasaca, cartola, botinas caras e bengala, de preferencia de

castão de ouro, definido entre outros aspectos o ensino superior como aristocrático ou

altamente burguês” (Freire, 1959, p. 325) era motivo de cobiça, para afirmação social,

intelectual e política, especialmente, de pessoas oriundas dos setores médios, dentre eles,

os militares que vinha ganhando espaço desde a Guerra do Paraguai.

Gilberto Freire ressaltou também que para os militares existia “a farda”, que eles

consideravam como “equivalente da batina universitária: trajo igualitário ou democrático

de escolares, fosse qual fosse sua origem social ou sua situação econômica.” (1959, p.325)

O ensino militar ganhou respaldo perante a sociedade, igualando ou se equiparando

à formação oficial, permitindo aos estudantes militares acesso a um patamar de elite, como

ressaltou Fernando Azevedo, ao colocar que:

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[...] os engenheiros militares [...], adquiriam no país de doutores o melhor

direito de incluir-se na elite da cultura oficial. A turquesa de seus anéis

simbólicos valia bem ou mais do que o rubi, a esmeralda e a safira dos

juristas, dos médicos e dos engenheiros. (1958, p. 122)

Nesse sentido, as escolas militares, tornaram-se caminho para ascensão ao ensino

superior pelos estratos médios, que vinham se constituindo e buscando espaço nos cenários

político e social, assim como no âmbito intelectual, como ressaltou Gilberto Freire:

[...] era de numerosos jovens brasileiros de origem modesta e alguns

mestiços, a quem as escolas – ou colégios – militares facilitaram a

formação intelectual, secundária e superior. E com essa formação,

oportunidade de ascensão social, completada pelo desejo de direção

política do País. (1959, p. 325)

Durante o Segundo Reinado, o ensino militar despontou no cenário nacional com a

criação do ensino secundário militar com o Colégio Naval, em 1871.

Assim é que, pelo Decreto nº 4679, de 17 de janeiro de 1871, foi

estabelecido no Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro, um

Externato, que consistia de um curso de um ano, para o ensino das

matérias preparatórias do curso da Escola de Marinha. Em seguida, pela

Lei nº 2670, de 20 de outubro, foi autorizado à criação do Colégio Naval,

efetivada pelo Decreto nº 6440, de 28 de dezembro de 1876, assinado

pela Princesa Isabel, então ocupando a Regência do Trono.

(<http://www.mar.mil.br/cn/colegio/historico.htm> consultado em

07/09/2012, 15:30)

E com Colégio Militar, em 1889.

Artigo 1° (...) sob a denominação de Imperial Collegio Militar, um

instituto de instrução e educação militar, destinado a receber

gratuitamente, os filhos dos officieas effectivos, reformados e honorários

do Exército e da Armada; e, mediante contribuição pecuniária, alumnos

procedentes de outras classes sociaes. (grifo nosso) (DECRETO N°

10.202, 9 de março de 1889.)

(<http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao8.html> consultado

em 07/09/2012, 16:00h)

Percebemos a expansão do ensino militar, ampliado que fora ao nível secundário,

com os colégios preparatórios, passando a integrar o sistema de ensino militar do Exército

e Marinha, bem como permitindo o ingresso de jovens que teriam as escolas preparatórias,

como mais uma opção de formação. Na tabelaiv

abaixo verificamos a expansão do ensino

naval de forma sistemática durante os anos de 1840 a 1875.

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Uma expansão que perpassou por todas as regiões do Brasil, permitindo que as

escolas navais ganhassem espaço e notoriedade. Por elas, passaram inúmeros estudantes

que, segundo Gilberto Freire, foram “bons administradores, homens de governo e

parlamentares que pela sua formação militar [...] prestaram ao País serviços notáveis,

[...]” (1959, p. 316).

Liberato Barroso, Conselheiro do Império, na pasta de Instrução Pública,

identificou o ensino naval como um campo de ensino voltado para a formação profissional

de uma elite, com estudos pautados nas ciências matemáticas e na filosofia positivista.

Em 1867, segundo Liberato Barroso, o ensino naval contava com:

[...] Eschola de Marinha e eschola pratica de artilharia da marinha,

estabelecimentos subordinados ao Ministerio da Marinha.

ESCHOLA DE MARINHA. – A Eschola de marinha comprehende em

um mesmo estabelecimento composto de internato e externato um curso

theorico e pratico das materiais náuticas e accessorias, cujo conhecimento

é indispensável aos que se dedução á vida marítima. (BARROSO, 1867,

p.20)

Mas de acordo com Barroso, as escolas navais nesse período não eram acessíveis a

toda a população, somente os “aspirantes ao posto de guarda-marinha” e os que

conseguissem “licença especial do governo” (Idem, idem, p. 21). Os professores, por sua

vez, prestavam concurso e tinha formação “cathedratica”, nas diversas áreas de

conhecimento náutico militar. As escolas, acima citadas, tinham como objetivo específico

aperfeiçoar a profissão militar da Marinha, que vinha se defrontando com a modernização

da indústria náutica e sua aparelhagem de guerra.

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Saviani ressalta que, no final do Império, quando Liberato Barroso ocupou a pasta

de Ministro da Instrução Pública, a educação era vista como “elemento de conservação do

status quo e fator de integridade nacional”. (2007, p.135) Havia, portanto, a preocupação

em disseminar a educação em todo o território nacional, momento em que o ensino militar

percebeu e aproveitou a oportunidade para criar várias escolas e melhorar o quadro de

oficiais de suas instituições.

Nos depoimentos colhidos por Gilberto Freire, o ensino militar, dava ênfase ao

esforço particular de cada aluno. Nesse depoimento, o ex-aluno da Escola Militar do Ceará,

Raimundo, afirma que:

Aos dezesseis anos, matriculou-se, a conselho de outro parente, na Escola

Militar do Ceará. Por êsse parente, Tenente do Exército, soube que “a

Escola Militar era um instituto nacional de ensino onde os moços pobres,

por esforço, se fazer na vida, [...]” Raimundo foi beneficiado, na Escola

do Ceará, pela “disciplina militar” que lhe pareceu “positiva e real”. E

que corrigiu nêle o suposto “menino incorrigível”. Explica-se assim ter

envelhecido considerando admirável esse tipo de ensino e dignos do

máximo respeito seus principais orientadores [...](1959, p.172)

O que parecia não ocorrer nas Escolas e Colégios oficiais, uma vez que o princípio

da meritocracia não era respeitado, como cita um aluno em depoimento colhido por

Gilberto Freire,

No Ginásio, Claúdio ele próprio se tornou entusiasta de Martins Júnior de

quem recorda que “prestava concurso para a Academia de Direito,

classificado em 1° lugar e não era nomeado”. Daí Claúdio não gostar de

Pedro II: o Imperador não respeitava a classificação dos concursos.

(1959, p. 173)

Não somente o Imperador, mas seus Ministros também não respeitavam os critérios

de aprovação nos colégios, como citou outro aluno do Colégio Pedro II, em depoimento

colhido por Gilberto Freire

[...] Carlos Luís guardou a lembrança até a velhice, sem nunca o ter

divulgado: “Tinha Benjamim Constant um filho, seu homônimo, no 6°

ano do Colégio Pedro II (Externato). Por êle fui procurado quase no

encerramento do ano letivo de 1889, creio que a 26 de novembro, para

que, como setianista, encabeçasse as assinaturas de uma petição coletiva

por êle trazida de casa, na qual os alunos de todos os anos solicitavam

que o [novo] Ministro da Instrução [Benjamim Constant] lhes concedesse

dispensa do ato de exame. Tratando-se de rapaz folgadão tomei o pedido

como pilhéria, certo de que o pai não acederia ao pedido, mas depois de

pequeno diálogo fiquei sabendo que entre pai e filo tudo tinha sido

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prèviamente concertado [....] cheio de surprêsa do que ouvia, prometi

assinar não no início, mas no meio, e assim o fiz, para minha recusa não

fosse mal interpretada. Recebida a petição, foi logo deferida. Um dos

beneficiados seia Benjamim Filho, com notas baixas em História Geral.”

(GILBERTO FREIRE, 1959, p. 109)

Embora esse fato tenha ocorrido na transição do Império para a República,

podemos perceber que a prática de intervir pelo outro, especialmente pelos filhos ou filhos

de amigos, fazia com que as escolas oficiais perdessem credibilidade.

Na busca de atender às inclinações e vocações dos filhos, sem esquecer o prestígio

intelectual, social e político, muitas famílias da elite intelectual e social desse período

encaminharam seus filhos para o ensino militar, especialmente por estar se destacando no

cenário educacional.

Gilberto Freire ressaltou essa procura pelo ensino militar, ao afirmar “[...] haver,

nas escolas militares, certo número de jovens de famílias aristocráticas com decidida

vocação para a pura e crua vida de soldado; nem que freqüentassem os cursos jurídicos,

médicos, politécnicos, teológicos [...]” (1959, p.318). Além disso, sabemos que a elite

tinha, como nos indica Aranha, o Colégio Pedro II, que foi criado em 1837, no Rio de

Janeiro, e destinava-se [...]a educar a elite intelectual e a servir de padrão de ensino para

os demais liceus do país, [...] (2006, p.224).

Paralelo ao ensino oficial, o ensino militar – do Exército e da Armada - foi se

estruturando, constituindo um campo de educação pautado em regras e normas que

atendessem suas especificidades e melhor desenvolvessem o trabalho pedagógico com seus

alunos.

Nas escolas navais haviam regras disciplinares muito rigorosas. Entretanto, apesar

dos critérios de aprovação serem rígidos, os alunos que apresentassem dificuldades tinham

oportunidade de reverterem essa situação e permanecer nas escolas, como cita o artigo

abaixo:

Art. 7º Os Aspirantes, que forem reprovados em qualquer das materias do

curso da Escola de Marinha, e os que perderem algum dos annos do

mesmo curso, em virtude do disposto no paragrapho primeiro do artigo

quarenta e um do Regulamento, que baixou com o Decreto numero dous

mil cento sessenta e tres, do primeiro de Maio de mil oitocentos cincoenta

e oito, poderão repetir as ditas materias ou annos, como alumnos

externos, e ser de novo admittidos ao internato, se obtiverem approvação

plena e forem menores de dezoito annos.

Art. 8º Os alumnos externos, que forem approvados dos plenamente nos

tres annos do curso, os que tiverem feito os respectivos exercicios

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praticos, e houverem dado provas de bim comportamento, poderão ser

admittidos ao serviço da Armada como Guardas Marinhas, uma vez que

satisfação as condições estabelecidas para a admissão dos alumnos

internos, e não tenhão de idade mais de vinte e um annos. (Presidência

da Republica – Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº

1.250, de 8 de julho de 1865. Consultado em 20 de janeiro de 2013 ,9:00

h)

<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/LIM/LIM1250.htm>

Percebemos, assim, que o ensino nas escolas navais levava os alunos a se

esforçarem ao máximo para permanecer e concluir sua formação, principalmente, porque

depois poderiam ser admitidos no quadro de profissionais da Marinha.

Considerações Parciais

Durante o Império, a educação apresentou-se muito fortemente voltada para a

formação de uma elite, capaz de ordenar a sociedade nacional. Os governantes acreditavam

que, através dela, poderia manter e consolidar o status quo, visão também perseguida pelos

estratos médios, que no caso buscava ascender socialmente, numa sociedade dividida em

nobres e escravos.

Sendo oriundos de tais setores médios emergentes, os militares perceberam o

momento de investir em seus estabelecimentos de ensino, ampliando um sistema de ensino

que, na época, contava com escolas regimentais, preparatórias, militares, de marinheiros,

estando sujeitos à disciplina militar, cujo objetivo maior estava centrado na formação

especifica de seus profissionais. Vale ressaltar que o ensino militar, ainda em formação,

recebeu influência de diversos estrangeiros que transitavam pelo País. Muitos deles

exerceram o ofício de professor nas escolas militares, enquanto estavam em missão no

país.

O ensino militar tem como foco o ensino profissionalizante e superior, embora

tenha investido no ensino secundário, que era um ensino preparatório para o ingresso nas

escolas militares, mas que também viabilizava o ingresso nas demais escolas de ensino

superior pertencentes ao ensino oficial do governo.

Seguindo paralelo ao ensino oficial, o ensino militar manteve um caráter próprio,

voltado para atender às suas especificidades, desde a Constituição de 1824, ganhando

respaldo perante a sociedade brasileira. Respaldado pelo o Estado, o ensino militar investiu

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em um sistema próprio de ensino, de acordo com a especificidade do Exército e da

Marinha.

Os resultados aqui apresentados evidenciam a importância de tais instituições de

ensino para o entendimento histórico da formação das elites militar e civil, no período aqui

assinalado, que, além disso, abriram oportunidades de inserção e ascensão profissional,

intelectual e social para os moços de origem familiar socialmente bem situada e remediada,

para depois compor as forças armadas do Brasil, à medida que este se organizava como

nação independente e imperial.

Referências

ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil, 1500 a 1889.

São Paulo: EDUC; Brasília, DF: INEP/MEC, 1989.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e

Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.

AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil.

São Paulo: Edições Melhoramento, 1958.

BARROSO, José Liberato. A Instrução Pública no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

1867.

CASTRO, Rozenilda. Companhia de aprendizes marinheiros do Piauí (1874 a 1915:

história de uma instituição educativa. Teresina: EDUFPI, 2008.

FREIRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 1959.

LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. São

Paulo: Editora Senac São Paulo. 2008.

MAGALHÃES, João Batista. A evolução militar do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do

Exército, 1998.

SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas-SP: Autores

Associados, 2007.

NOTAS

i Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação Brasileira, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde

é atualmente Doutoranda, da Linha de História da Educação Comparada (LHEC), no Programa de Pós-

Graduação em Educação Brasileira, sob a orientação da Professora Doutora Maria Juraci Maia Cavalcante.

E-mail: [email protected] ii João Batista Magalhães foi Coronel do Exército, Professor da Escola de Comando do Exército e da Escola

de Estado-Maior, além de sócio do Instituto de História e Geografia Brasileiro e do Instituto de Geografia e

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História Militar do Brasil. Durante a pesquisa de mestrado, encontramos um exemplar do seu livro “Evolução

Militar do Brasil”, no CMF – Colégio Militar de Fortaleza, que traz um panorama da História Militar, desde

o período do Brasil Colônia, apontando marcos históricos relevantes para a pesquisa. A pesquisa encontra-se

em fase de cotejo, na buscar de fontes bibliográficas, junto as bibliotecas nessas instituições, para melhor

compreender a participação do ensino militar no cenário educacional brasileiro. iii História dos navios brasileiros. http://www.naviosbrasileiros.com.br/ngb/P/P088/P088.htm> consultado dia

01/09/2012, 17h e 27min. iv Foto retirado do livro Companhia de Aprendizes Marinheiro do Piauí de Rozenilda Castro, 2008, p.40.