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Jurisprudência da Primeira Turma

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Jurisprudência da Primeira Turma

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Relator:

Agravante:

Advogados:

Agravados:

Advogados:

JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 272.017 - DF

(Registro n. 99.0103961-4)

Ministro Francisco Falcão

Distrito Federal

Israel José da Cruz Santana e outros

Cláudia Helena Monteiro de Souza Gonçalves e outros

Verônica Balbino de Sousa e outros

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EMENTA: Matéria constitucional - Medida provisória declara­da inconstitucional - COlllpetência do Suprelllo Tribunal Federal -Ofensa a dispositivo de lei não delllonstrado pela falta de sua indi­cação.

O controle da legalidade das leis infraconstitucionais só pode ser exercido à luz da indicação do dispositivo de lei tido COlllO vio­lado.

A questão da inconstitucionalidade forlllal e/ou lllaterial de lUe­dida provisória é lllatéria adstrita à cOlllpetência do colendo Supre­lUO Tribunal Federal.

Agravo regilllental ao qual se nega provilllento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de­

cide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do

presente julgado. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Mil­

ton Luiz Pereira e José Delgado. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Bar­ros. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 18 de maio de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Francisco Falcão, Relator.

Publicado no D] de 19.6.2000.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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38 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de agravo regimental inter­posto pelo Distrito Federal de decisão que inadmitiu, liminarmente, agravo

de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial, por entender tra­tar-se de matéria eminentemente constitucional, além da falta de especificação do dispositivo de lei federal violado pelo acórdão recorrido, ensejando, no caso, a aplicação da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal.

Pretende a Agravante o exame da constitucionalidade da Medida Pro­visória n. 560/1994 que instituiu a contribuição previdenciária de 12 % so­bre a remuneração dos servidores distritais. Sustenta, em termos sucintos, que o dispositivo de lei federal violado restou indicado em diversos pará­grafos, transcrevendo-os, como se segue:

"Assim sendo, eram os Recorridos alcançados pela Lei n. 8.688/ 1993, e atualmente, estão sob a égide da Medida Provisória n. 560/ 1994, que, conforme se demonstrará, tem força de lei, por determina­ção dos artigos 62 e 84, ambos da Constituição Federal." (p. 6).

"Cumpre, pois, enfatizar que o prazo de 90 (noventa dias), na fase de instituição da contribuição, que foi feita pela Lei n. 8.688/1993, foi devidamente observado, conforme se vê do § 1'" do artigo 2'" da refe­rida lei, não sendo obrigatória a sua repetição nas medidas provisórias que a sucedera ... , eis que a Medida Provisória n. 560/1994 e suas ree­dições mantiveram os mesmos percentuais adotados pela Lei n. 8.688/ 1993." (p. 7).

"O aresto ora impugnado, ao declarar incidentalmente a incons­titucionalidade do artigo 1'" da Medida Provisória n. 560/1994, diver­giu manifestamente de outras decisões proferidas por outros tribunais, dando ensejo ao presente recurso pela alínea c do inciso IH do art. 105 da Lei Maior." (p. 8) (fls. 200/201).

Portanto, pede seja admitido o agravo de instrumento para o fim de

processamento do especial.

Em mesa, para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Tenho que o presente agravo

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 39

não merece prosperar, em face das razões que sustentam o despacho agra­

vado.

Com efeito, não há como se proceder ao controle de legalidade reque­

rido vez que, ao que parece, nem a própria Recorrente sabe precisar qual dispositivo de lei infraconstitucional restou malferido. Defende, em suas

razões, a observância do § 1!l do artigo 2!l da Lei n. 8.688/1993, o que não

é cabível, eis que se trata de legislação fora de vigência desde a época da propositura do recurso especial. Quanto ao artigo 1!l da Medida Provisó­ria n. 560/1994, sucessora legal da Lei n. 8.688/1993, insurge-se a Agra­vante contra a declaração incidente de sua inconstitucionalidade, situação diversa da negativa de vigência. Portanto, o inconformismo da parte não restou claramente exposto, prejudicando sobremaneira o conhecimento do

recurso interposto.

Ademais, pelo que se pode entender das razões recursais, pugna a Re­

corrente pela aplicação de referida medida provisória, vez que tem força de

lei. Todavia, como exposto, a medida provisória em questão foi declarada inconstitucional em sede de controle concreto de constitucionalidade das

leis exercido pelo egrégio Conselho Especial do Tribunal a quo. A meu sen­

tir, tanto a questão da inconstitucionalidade material de referida medida

provisória quanto a questão de suas sucessivas reedições sem a observância

do prazo nonagesimal, são de caráter eminentemente constitucional, deven­

do ser examinadas pelo Excelso Pretório. Portanto, o objeto do recurso es­pecial não se cinge à negativa de vigência de lei federal, mesmo que com ves­

tes de medida provisória, mas sim ao exame da inconstitucionalidade da nor­ma, cuja aplicação foi afastada no caso concreto com o controle incidente.

Saliente-se, em continuidade ao juízo de admissibilidade, que a Agra­

vante interpôs recurso extraordinário concomitantemente ao especial, dei­xando, porém, de trasladar ao instrumento do agravo a prova de que foi in­

terposto agravo de instrumento para o STF, a fim de ser apreciado o tema

constitucional abordado. Desta forma, aperfeiçoou-se a preclusão quanto à matéria constitucional, o que impede a própria admissibilidade do especial, com a incidência, in casu, da Súmula n. 126 deste colendo Tribunal.

Este tem sido o posicionamento das Primeira e Segunda Turmas des­

te Superior Tribunal de Justiça. À guisa de exemplo, temos o REsp n. 57.314-SP, publicado no DJ do dia 11.3.1996, Ministro-Relator Peçanha

Martins e EREsp n. 16.630-SP, ReI. Min. Peçanha Martins, DJU do dia

15.5.1995, portando, este último, a seguinte ementa:

"Embargos de divergência. Recurso especial. Acórdão que decide

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questão apoiada em fundamento constitucional e infraconstitucional. Recurso extraordinário inadmitido sem agravo para o STF. Trânsito em julgado do fundamento constitucional. Inadmissibilidade do espe­cial.

Não interposto agravo de instrumento da decisão denegatória do extraordinário, ocorre o trânsito em julgado do fundamento constitu­cional adotado pelo acórdão recorrido, suficiente, por si só, para mantê-lo, hipótese em que perde a especial eficácia, pois não pode, mesmo que provido, reformar o julgado recorrido, donde a sua inad­missibilidade.

Embargos recebidos."

Destarte, não tendo a Agravante em seus argumentos conseguido infir­mar o referido entendimento, não vejo como reformar o decidido.

Isto posto, nego provimento ao agravo regimental.

É o meu voto.

MEDIDA CAUTELAR N. 1.930 - DF (Registro n. 99.0082587-0)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Requerente: Edilson Hiroshi Endo

Advogados: Rodrigo Madeira Nazário e outro

Requerida: Fundação Universidade de Brasília - FUB

Advogado: Luiz Carlos de Souza

EMENTA: Administrativo - Ensino superior - Transferência de estudante servidor público.

1. Ao servidor, estudante ou pai de estudante, que mudar de

sede no interesse da Administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de

enSInO congênere, em qualquer época, independentemente de vaga.

2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais.

3. Medida cautelar procedente.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 41

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de­

cide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

julgar procedente o pedido cautelar, na forma do relatório e notas taqui­

gráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente

julgado. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Garcia Vieira,

Humberto Gomes de Barros e José Delgado. Ausente, ocasionalmente, o Sr.

Ministro Milton Luiz Pereira. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 20 de junho de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Francisco Falcão, Relator.

Publicado no DJ de 21.8.2000.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de medida cautelar ajuiza­

da com o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial, contra acórdão

que determinou o cancelamento da matrícula do Requerente na UnB.

A questão em comento decorre da transferência do Requerente, mili­

tar do serviço ativo, em dezembro de 1996, da Base Aérea de Recife para

a 3;.1. Força Aérea, no Distrito Federal.

Na oportunidade, o Requerente freqüentava o Curso de Direito na

Faculdade de Direito de Olinda-PE, tendo requerido, junto à UnB sua

transferência, a qual, após ter sido negada, foi deferida através de liminar

junto à 17;.1. Vara Federal.

Não obstante, o Tribunal Regional Federal da 1;.1. Região reformou a

decisão da liminar em comento, razão pela qual o Requerente interpôs re­

curso especial, e, finalmente a presente medida cautelar.

Nesta Casa de Justiça, este Relator indeferiu a pretensão liminar, ten­

do, contudo, reformado sua decisão, fl. 66, determinando a rematrÍcula do

Requerente.

Contestação apresentada à fl. 72.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A hipótese em tela está

configurada no art. 99 da Lei n. 8.112/1990, verbis:

"Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse

da Administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qual­

quer época, independentemente de vaga.

Parágrafo único. O disposto neste artigo estende-se ao cônjuge ou

companheiro, aos filhos, ou enteados do servidor que vivam na sua

companhia, bem como aos menores sob sua guarda, com autorização

judicial."

Esta colenda Corte, em casos semelhantes, vem entendendo ser possÍ­

vel a concessão de medida cautelar, para suspender execução de decisão ju­

dicial.

Neste sentido, transcrevo os seguintes julgados, verbis:

"Administrativo. Ensino superior. Transferência de estudante ma­

triculado em curso superior. Lei n. 4.024/1961 (art. 100). Lei n.

7.037/1982. Lei n. 8.112/1990 (art. 99).

1. Incontestada a mudança de domicílio para exercer específicas funções de cargo público e regular o ingresso, matrícula e freqüência

no curso superior, o estudante tem direito à transferência para unida­

de do mesmo curso em universidade localizada em outro Estado-mem­

bro.

2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso provido." (REsp n. 152.800-PR, ReI. Min. Milton Pe­

reira, DJ de 27.4.1998).

"Processual Civil. Medida cautelar. Efeito suspensIvo. Recurso especial. Servidor público. Estudante. Transferência.

1. Há de se considerar procedente medida cautelar para empres­

tar efeito suspensivo a recurso especial que visa a modificar acórdão

que negou a servidor estudante o direito de continuar matriculada em

universidade sediada em seu novo local de trabalho, cargo público as­

sumido em decorrência de concurso público.

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2. Situação peculiar em que a servidora fez concurso público no

Estado de Alagoas para ingresso no serviço público federal do INSS,

cidade onde estudava, e que foi designada, por ato de autoridade, a

aceitar e tomar posse no referido cargo para o qual foi aprovada em

Florianópolis, Estado de Santa Catarina, tudo no ano de 1995.

3. Medida cautelar cujo pedido se tem como procedente." (MC

n. 939-SC, Relator Ministro José Delgado, DJU de 6.4.1998, p. 20).

Neste contexto, julgo procedente a presente medida, condenando a

Requerida ao pagamento das despesas judiciais e honorários advocatícios na

base de 20% sobre o valor da causa.

É como voto.

MEDIDA CAUTELAR N. 2.037 - SP (Registro n. 99.00977 540-5)

Relator: Ministro Milton Luiz Pereira

Requerente: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE

Advogados: Águeda Aparecida Silva e outros

Requerida: Sinasa S/A Administração, Participação e Comércio

Advogados: Andréa de Toledo Pierri e outros

EMENTA: Processual Civil - Salário-educação (Decreto-Lei n.

1.422/1975) - Compensação via tutela antecipada - Medida cautelar

- Efeito suspensivo agregado a recurso especial interposto - CPC,

artigos 796 e seguintes.

1. Bem avivados os requisitos exigidos à provisão acautelatória

durante o processamento do recurso interposto, sobreguardando a

utilidade e eficácia da via recursal eleita, o pedido merece as 10 as

da procedência. Andante, a compreensão pretoriana sedimentou o

descabimento da "compensação" via Zi-lninar ou sob a eficácia de tu­

tela antecipada. É o som forte das razões que informaram a Súmula

n.212-STJ.

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2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Cautelar procedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani­midade, julgar procedente o pedido, nos termos do voto do Sr. Ministro­-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo

com o Relator os Srs. Ministros José Delgado, Francisco Falcão e Hum­

berto Gomes de Barros. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Garcia Vieira. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro José Delgado. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 25 de abril de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Milton Luiz Pereira, Relator.

Publicado no DI de 1.8.2000.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: O Requerente propôs a presente

ação cautelar, com pedido de liminar, fundada nos artigos 796 e seguintes do Código de Processo Civil, objetivando, "conferir efeito suspensivo ao re­

curso especial interposto contra a decisão do Tribunal a quo, a qual con­trariou a legislação federal e a jurisprudência dominante nas Cortes do País no que pertine à possibilidade de deferimento liminar em mandado de se­gurança ou em tutela antecipada para a compensação de tributos". (fl. 3).

Alega, primeiramente, que a jurisprudência desta Corte é favorável ao

cabimento de cautelar, para conferir efeito suspensivo a recurso especial. Aduz estarem presentes o fUIllUS boni juris e o periculuIll in Illora, por

entender "que os requisitos de liquidez e certeza dos créditos tributários

para que haja compensação, exigidos pelo Código Tributário Nacional, fo­ram desconsiderados pela decisão colegiada" (fl. 5), bem como pelo fato de

que "o prejuízo derivado da compensação que vem sendo efetuada pela em­presa desde o despacho do relator que apreciou o recurso de agravo de ins­trumento e conferiu efeito suspensivo ativo à decisão de la instância até o

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlv1A 45

trânsito em julgado da decisão de mérito será incomensurável e de difícil

apuração". (fl. 10).

Sustenta ainda que "o acórdão em tela, ao apreciar a questão que se

lhe apresentava para julgamento, desconsiderou a incidência da Súmula n.

212 deste Tribunal ('A compensação de créditos tributários não pode ser

deferida por medida liminar'), a qual aliás, constitui a orientação da maior

parte dos nossos tribunais, para os quais 'descabe concessão de liminar ou

de antecipação de tutela para compensação de tributos' (Súmula n. 45 do

TRF da 4ll. Região)." (fl. 6).

À fl. 68 proferi decisão assim circunstanciada:

"I - Aberto o pórtico do exame sumário, define-se ação com o

fito de soalhar o ' ... efeito suspensivo ao recurso especial interposto

contra a decisão do Tribunal a quo, a qual contrariou a legislação fe­

deral e a jurisprudência dominante nas Cortes do País no que pertine

à possibilidade de deferimento liminar em mandado de segurança ou

em tutela antecipada para a compensação de tributos'. (fl. 3).

Com os limites de provisório juízo, sublinhando-se a finalidade

da cautelar, algemada ao âmbito protetivo processual, no sopro do

fUIllUS boni iuris, tem importância lembrar que a compreensão

jurisprudencial prevalecente não acolheu a possibilidade de provimento

liminar ou de solução cautelar para a colheita substancial da compen­

sação (p. ex.: REsp n. 179.408-SP, REsp n. 121.315; Súmula n. 212-

STJ). Ora, a narrativa da inicial evidencia que o despique, ao qual se

pleiteia 'efeito suspensivo', voltou-se contra aresto constituído em agra­

vo de instrumento provocado por decisão indeferitória de liminar de

antecipação de tutela em ação ordinária. (fls. 25 a 28 e 30 a 49). As­

sim, caso deferida, aqui, a pretendida suspensão, via oblíqua, estar-se­

ia autorizando a 'compensação' de créditos, abreviando-se o reconhe­

cimento de direito desacolhido na cumeeira de liminar assentada em

provisão cautelar.

Desfigura-se, pois, a consubstanciação do bom direito.

No prumo do periculuIll in Illora, refulge que, se procedente

esta ação, ou, ao depois, provido o recurso especial, os efeitos do jul­

gado serão ex tunc, ficando banida a possibilidade de ineficácia do

julgado.

Ordenadas as razões, sem a contemplação dos requisitos, conexos

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46 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ou aditivos e não alternativos e sem a configuração de situação excep­

cional, indefiro a liminar (art. 804, CPC)."

Em sua contestação, a Requerida sustenta que "a fundamentação ado­

tada pela Autora não se presta para a configuração do requisito do fUlllUS

boni iuris, eis que configura o próprio mérito da ação principal, o qual

sequer foi apreciado em P. instância". (fl. 79).

Disse também que "os efeitos da antecipação da tutela não está a pre­

judicar a eficácia da decisão final a ser proferida no processo principal, nem

tampouco está causando prejuízo à autarquia, eis que, caso a mesma venha

a ser revogada na decisão final a ser proferida, a Ré deverá arcar com to­

dos os ônus decorrentes de tal revogação." (fl. 80).

É o relatório.

VOTO

o SI. Ministro Milton Luiz Pereira (Relator): As anunciações proces­

suais põem a lume proposição no firmamento de solução acautelatória agre­

gando "efeito suspensivo" ao recurso especial interposto contra aresto

favorecedor de tutela antecipada para "compensação" de contribuição social denominada salário-educação (Decreto-Lei n. 1.422/1975).

Neste contexto, soa a conveniência de reportar que a causa de pedir tem

vertente originária nas razões do julgado no agravo de instrumento provo­

cado por decisão indeferitória de liminar de antecipação de cautela em ação

ordinária (fls. 25 a 28 e 30 a 49), abreviando o reconhecimento do direito

à vindicada "compensação".

Sucedeu que, no interregno do processamento desta ação, outras iguais

foram julgadas e, à vista de manifestação do Excelso Supremo Tribunal Fe­

deral averbando a constitucionalidade da contribuição questionada, con­

cluindo a Turma, unanimemente, pela procedência do pedido. À mão de

conferência, inter alia, registra-se a fundamentação do v. acórdão, textual­

mente:

"Em casos tais, pode ocorrer dano grave à parte, no período de

tempo que mediar o julgamento no Tribunal a quo e a decisão do re­

curso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável,

ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pou­

ca ou nenhuma relevância:

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 47

'Ao sistema todo interessa a efetividade do resultado do pro­

cesso, isto é, interessa que as partes possam receber o resultado

do processo de modo que seja possível realizar as transformações

no mundo empírico que foram determinadas pela decisão judicial.

Se esta decisão (em sentido amplo) não servir para isso, de nada

terá adiantado a busca da tutela estatal.'

Firmado o convencimento acima anotado, identifico, no pedido

em apreciação, os pressupostos genéricos e específicos para a conces­

são da liminar.

A certeza e a liquidez dos créditos são requisitos indispensáveis

para a compensação autorizada por lei, segundo o texto legal vigorante.

No presente caso, os créditos não são líquidos, porque dependem, tão­

-somente, de valores de conhecimento da parte-autora, não sendo pos­

sível aferir sua correção em sede de tutela antecipada.

Ao que se depreende do exame do processado, confundem-se os

pedidos liminar (antecipação da tutela) e definitivo, consistentes, a meu

pensar, identicamente, em facultar o direito da compensação postula­

da. Há, portanto, insuficiência de elementos para a concessão da an­

tecipação postulada.

De fato, o deferimento da liminar mostra-se com caráter de satis­

fatividade, esgotando-se, assim, o mérito da demanda e seu objeto não

mais terá sentido, posto que concedido na íntegra.

Ao mais, a compensação de tributos via liminar em mandado de

segurança ou em ação cautelar, ou, ainda, em sede de antecipação da tutela, vem sendo desautorizada por este colendo Superior Tribunal de

Justiça ... "

( ... )

"Destarte, a fumaça do bom direito se faz presente. Caracteriza­

do está, também, o periculuIll in Illora.

Penso que, numa situação assim, não seria próprio cogitar-se a

respeito de 'utilidade', para o provimento a ser entregue a final. E é

por isso que se pode concluir, repita-se, acerca da presença do fUIllUS

boni juris.

A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser presti­

giada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais

facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em

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48 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas re­

lações jurídicas de direito público.

Todos os fundamentos referentes à fumaça do bom direito e ao

perigo da demora atinentes ao pretenso direito do Requerente estão

desenvolvidos, e a seu favor."

Eis a ementa:

"Processual Civil. Medida cautelar para atribuir efeito suspensivo

a recurso especial interposto. Salário-educação. Compensação pela via

da antecipação da tutela. Impossibilidade. Existência dos pressupostos

do fUIllUS boni juris e do periculuIll in Illora.

1. Medida cautelar intentada ao objetivo de atribuir efeito suspen­

SIVO ao recurso especial interposto no Tribunal a quo e debate desen­

volvido no curso da presente ação acerca da possibilidade de se com­

pensar, através de antecipação da tutela, valores pagos a título de sa­

lário-educação com parcelas vincendas da mesma exação.

2. O poder geral de cautela há que ser entendido com uma am­

plitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegu­

rar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se, aí, sem dúvi­

da, a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de

medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é

crucial para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve

encontrar óbices, salvo no ordenamento jurídico.

3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua

concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a

plausibilidade do direito alegado (periculuIll in Illora e funlUs boni

iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e

a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens

ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do

provimento jurisdicional principal.

4. Em casos tais, pode ocorrer dano grave à parte, no período de

tempo que mediar o julgamento no Tribunal a quo e a decisão do re­

curso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável,

ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pou­

ca ou nenhuma relevância.

5. Não se vislumbra presente o direito líquido e certo à tutela

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 49

antecipada, a fim de possibilitar a compensação almejada. Ao contrá­

rio, tem-se por correto o seu indeferimento, visto que o art. 170 do

CTN estabelece certas condições à compensação de tributos, as quais

não se acham presentes no caso em apreço. A certeza e a liquidez dos

créditos são requisitos indispensáveis para a compensação autorizada

por lei, segundo o texto legal referenciado.

6. Créditos que não se apresentam líquidos, porque dependem, tão-somente, de valores de conhecimento da parte-autora, não sendo

possível aferir sua correção em sede liminar ou em antecipação da tu­

tela.

7. Pacificação do assunto no seio jurisprudencial das Primeira e

Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o instituto da compensação, via liminar em mandado de segurança ou em

ação cautelar, ou em qualquer tipo de provimento que antecipe a tu­

tela da ação, não é permitido.

8. O colendo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADln n. 1.518-4, ReI. eminente Ministro Octávio Gallotti, decidiu: 'A medida

provisória ora impugnada, que altera a legislação que regeu o salário­

-educação foi publicada no DOU de 20 de setembro de 1996, data em

que entrou em vigor. Na realidade, o que se quis, com a edição da re­ferida medida provisória, foi consolidar a legislação já existente em

textos esparsos e garantir, em lei, o interesse social do Estado na ma­

nutenção do ensino fundamental de cerca de 800.000 (oitocentos mil) alunos beneficiados pelo retro citado Sistema de Manutenção de Ensino - SME'.

9. Tais elementos, por si sós, dentro de uma análise superficial da matéria, no juízo de apreciação de medidas cautelares, caracterizam a

aparência do bom direito.

10. A busca pela entrega da prestação jurisdicional deve ser

prestigiada pelo magistrado, de modo que o cidadão tenha cada vez

mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação

em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas relações jurídicas de direito público.

11. Medida cautelar procedente." (MC n. 2.070-SP, ReI. Min.

José Delgado, julgada em 14.3.2000).

Encerrada a exposição, reanimando e incorporando a fundamenta­

ção do precedente como fonte do convencimento, emprestando "efeito

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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50 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

suspensivo" ao aludido recurso especial, voto Julgando procedente o pedido

cautelar.

Honorários advocatícios fixados em 10% do valor dado à causa, de­

bitados à responsabilidade da Ré.

É o voto.

MEDIDA CAUTELAR N. 2.123 - SP (Registro n. 99.0104321-2)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Requerente: Círculo do Livro Ltda

Advogados: Mário Engler Pinto Júnior e outros

Requerida: Fazenda Nacional

EMENTA: Processual Civil - Medida cautelar para conferir efei­

to suspensivo a recurso especial - Compensação dos prejuízos fis­

cais - Falta dos requisitos autorizadores da medida.

1. Esta Corte somente vem deferindo a suspensão de decisão

de colegiado, com a perfeita constatação dos requisitos autorizadores

da cautela pretendida.

2. Medida cautelar improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas, de­

cide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

julgar improcedente a medida cautelar, na forma do relatório e notas

taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do

presente julgado. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros

Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausen­

te, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 16 de maio de 2000 (data do julgamento).

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÉNCIA DA PRIMEIRA TURMA

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Francisco Falcão, Relator.

Publicado no DI de 19.6.2000.

RELATÓRIO

51

o Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de medida cautelar ajuiza­

da com o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial ainda não in­

terposto, contra acórdão que negou provimento à apelação do Requerente,

com o entendimento de que a compensação dos prejuízos fiscais apurados

em períodos-base anteriores a 1995 deverá obedecer ao limite de 30% im­

posto pela Lei n. 8.981/1995 e art. 12 da Lei n. 9.065/1995.

Aduz o Requerente que possui o direito subjetivo, amparado pela le­

gislação de regência, de realizar a compensação dos prejuízos fiscais aci­

ma citados, sem a restrição observada.

Afirma que a ausência do provimento liminar poderá tornar inócuo o

recurso especial que será interposto.

O pedido liminar foi negado à fl. 64.

Contestação à fl. 69.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A hipótese em exame

gravita em torno da compensação dos prejuízos fiscais, apurados em exer­

cícios anteriores, com o lucro tributável no ano-base de 1995 e períodos

subseqüentes, sem as restrições previstas na Lei n. 9.065/1995.

A matéria em questão seria trazida à tona por recurso especial, o qual,

no ajuizamento desta cautelar, ainda não havia sido interposto, e que o Re­

querente procura emprestar efeito suspensivo a fim de impugnar o acórdão

proferido pelo Tribunal a quo.

Esta Corte somente vem deferindo a suspensão de decisão de cole­

giado, com a perfeita constatação dos requisitos autorizadores da cautela

pretendida.

No caso vertente, verifico que não existe perigo algum para o processo

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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52 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

principal que, se reformado nesta Instância, levará a restaurar-se a perda

sofrida.

Neste contexto, julgo improcedente a presente medida, condenando os

Autores ao pagamento dos honorários advocatícios na base de 20% sobre o

valor da causa.

É como voto.

Relator:

Recorrente:

Advogado:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.183 - PR

(Registro n. 99.0083884-0)

Ministro José Delgado

Carmen Lúcia Fernandes Miguel

Marcelo de Lima Castro Diniz

Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

Secretário de Saúde do Estado do Paraná Impetrado:

Recorrido: Estado do Paraná

Advogados: César Augusto Binder e outros

EMENTA: Constitucional - Recurso ordinário - Mandado de se­

gurança objetivando o fornecimento de medicamento (Riluzolj

Rilutek) por ente público à pessoa portadora de doença grave:

Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA - Proteção de direitos funda­

mentais - Direito à vida (art. 52., caput, CFj1988) e direito à saúde

(arts. 62. e 196, CFj1988) - Ilegalidade da autoridade coatora na exi­

gência de cumprimento de formalidade burocrática.

1. A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Demo­

cracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados

para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma for­

malidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para im­

pedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a

gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para ga­

rantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 53

2. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistinta­

mente, ó direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na

Constituição da República nos artigos 62 e 196.

3. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimen­to à população carente, que não possui meios para a compra de me­dicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os neces­sitados podem alcançar o benefício almejado (STF, Ag n. 238.328-RS, ReI. Min. Marco Aurélio, DJ de 11.5.1999; STJ, REsp n. 249.026-PR, ReI. Min. José Delgado, DJ de 26.6.2000).

4. Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respei­to de ser ou não a regra dos arts. 62 e 196 da CF/1988, normas

programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêu­

tica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever

do Estado" (art. 196).

5. Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se

imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único des­fecho justo: decidir pela preservação da vida.

6. Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim,

considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta

Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade huma­

na, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.

7. Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente pú­

blico (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek)

indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao re­

curso. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira. Ausente, ocasionalmente,

o Sr. Ministro Francisco Falcão.

RSTI, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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54 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Brasília-DF, 22 de agosto de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 4.9.2000.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro José Delgado: Carmen Lúcia Fernandes Miguel inter­

põe recurso ordinário em mandado de segurança (fls. 96/106), com fulcro

no artigo 105, inciso 11, b, da Constituição Federal, contra acórdão (fls. 87/

90) proferido pelo 2" Grupo de Câmaras Cíveis do TJPR, cujos fundamentos

encontram-se resumidos na seguinte ementa (fl. 87):

"Administrativo. Mandado de segurança. Direito a tratamento de

saúde. Fornecimento de medicamento pelo Estado. Ausência de ilega­

lidade ou abuso de poder. Denegação.

Não é abusiva ou ilegal a exigência da autoridade impetrada para

que a paciente, com direito a tratamento de saúde custeado pelo Es­

tado, e se apresente para avaliação diagnóstica.

Desautorizada a concessão de segurança ante a não-apresentação

da paciente ao serviço de saúde pública. Inteligência do artigo 1" da

Lei n. 1.533/1951."

Historiam os autos que a ora recorrente impetrou mandado de segu­

rança, com pedido de liminar, contra ato do Sr. Secretário de Saúde do

Estado do Paraná, enquanto autoridade responsável pela negativa/retarda­

mento no fornecimento de medicamento essencial à saúde e preservação de

sua vida. Aduziu que, por ser portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica

ELA (espécie de patologia que conduz à atrofia muscular progressiva, ca­

racterizada pela degeneração das células da medula espinhal, causando le­

sões aos neurônios motores inferiores e superiores e certos núcleos moto­

res do tronco cerebral, levando à paralisia bulbar e, via de conseqüência, à insuficiência respiratória), necessita continuar tomando o único e exclusi­

vo medicamento recomendado pela literatura médica capaz de retardar o

avanço da doença, denominado Rilutek (Riluzol).

A liminar não foi deferida (fl. 45).

Após a oferta de informações pela autoridade coatora (fls. 50/52),

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 55

ouviu-se o Ministério Públiço do Estado do Paraná (fls. 66/72), o qual opi­

nou pela denegação da ordem.

O órgão fracionário do Tribunal a quo denegou a segurança sob o fun­

damento de inexistência de direito líquido e certo a ser amparado por man­

dado de segurança, reconhecendo não ser abusiva ou ilegal a exigência da

autoridade pública para que a Impetrante, com direito a tratamento de saúde

custeado pelo Estado, tivesse que se apresentar para submeter-se a exames

clínicos atualizados para averiguação de enquadramento nos parâmetros científicos nas condições enunciadas, ao que a mesma não atendeu, impos­

sibilitando o oferecimento do tratamento de saúde.

N esta Instância, em sede de recurso ordinário, a Recorrente reafirma

a sua necessidade premente ao medicamento solicitado, alegando que a de­

cisão do egrégio Tribunal a quo merece ser reformada, eis que:

a) o ofício-resposta (fl. 38) da autoria do Sr. Ouvidor-Geral da Secre­

taria de Saúde do Estado do Paraná foi explícito ao afirmar ser necessária

a avaliação médica para saber se a paciente não estaria enquadrada nos cri­

térios de exclusão do tratamento a fim de poder cadastrar a indicação para

auxiliar a eventual padronização do medicamento Riluzol por parte do SUS.

Assim, forçoso é reconhecer que a submissão da paciente ao referido exa­

me clínico não teria como efeito imediato o fornecimento da medicação,

consoante pleiteado, mas, simplesmente, o cadastro da indicação no SUS;

b) não se pode olvidar a existência nos autos de três diagnósticos que

indicam, objetivamente, o remédio necessário para procrastinar os efeitos nefastos da Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA, sendo que um deles pro­

vém de médico ligado ao sistema público de saúde;

c) o direito à medicação preceituada pelos atestados médicos de fls.

18/22 trata-se de garantia constitucional elementar e fundamental de qual­

quer ser humano que precisa, incontinenti, de uma resposta do Poder Judi­

ciário para satisfazer uma pretensão que deveria ter sido atendida adminis­

trativamente;

d) não restam dúvidas que o caso enfocado traduz em uma necessária

certeza e liquidez dos fatos pormenorizadamente declinados, na medida em

que a Impetrante foi submetida a três diagnósticos médicos e, ainda, a um

rigoroso exame de eletroneuromiografia, que conduziu à indicação do

Riluteh como única medicação apropriada para tratar a patologia diagnos­

ticada;

e) apesar de haver outros direitos assegurados no art. 5'\ caput, da

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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56 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

CF/1988 - direito à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade -

há uma notória preponderância de valor a ser salvaguardado: o direito à vida.

O Estado do Paraná, em contra-razões (fls. 116/121), argumenta:

a) que, em momento algum, negou-se a prestar a devida assistência, co­

locando-se à disposição da Recorrente para proceder à avaliação médica;

b) acaso a decisão impugnada tivesse sido tomada em sentido contrá­

no, tentando amenizar a situação individual da Recorrente, acabaria por

desestabilizar a previsão orçamentária e o Estado de Direito, que requer a

independência dos Poderes, em completa afronta ao art. 2Q da CF/1988;

c) proceder ao inverso abriria espaço à punibilidade do administrador

no manuseio das verbas públicas sem a competente autorização, daí por que

inexiste inconstitucionalidade ou abuso de poder no ato manifestado pela autoridade apontada como coatora;

d) "se é certo que a saúde pública brasileira mais beira às portas dos

cemitérios do que a dos hospitais por descaso, negligência e imperícia dos

comandantes governamentais, não menos correto é afirmar da impossibili­

dade de se transpor as regras constitucionais, sob pena de se decretar a fa­lência institucional e anarquia dos Poderes" (fl. 121).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Cinge-se a irresignação for­

mulada contra entendimento firmado por acórdão de origem do Tribunal de

Justiça do Paraná que denegou mandado de segurança impetrado contra o

Secretário de Saúde daquele Estado.

O 1l1anda1l1us objetiva o fornecimento do medicamento denominado

Rilutek (Riluzol), preceituado pelos atestados médicos de fls. 18/22, à

Impetrante, portadora da doença Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA.

O órgão fracionário do Tribunal a quo fundamentou-se nos seguintes

argumentos para repelir a pretensão:

a) inexistência de direito líquido e certo a ser amparado por manda­

do de segurança;

b) ausência de comprovação científica de que o medicamento pleiteado

possui eficácia para curar a enfermidade, desservindo até como discreto

prolongador de sobrevida do paciente;

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 57

c) legalidade da exigência da autoridade coatora para que a Impetrante

se apresentasse perante o sistema público de saúde para submeter-se a exa­

mes clínicos atualizados a fim de averiguação de enquadramento nos

parâmetros científicos nas condições enunciadas, ao que a mesma não aten­

deu, impossibilitando o oferecimento do tratamento de saúde.

Após detido exame das questões fáticas e jurídicas delimitadas pela

controvérsia, penso assistir razão à Recorrente.

Em primeiro plano, destaca-se este quadro: a Recorrente é portadora de uma doença de altíssima gravidade (neurodegenerativa, progressiva e

irreversível), cuja única possibilidade de amenizar seus sinistros efeitos é através da indicação de Riluteh (Riluzol) como medicação apropriada para tratar a patologia, capaz de amenizar a progressão do mal e, portanto, in­

dispensável à sua sobrevida.

Tratando-se, pois, de aquisição de medicamento indispensável à sobre­

vivência da pessoa, o que está sendo negado pelo Poder Público nada mais é que o próprio direito à vida.

Sequer a liminar foi deferida a fim de assegurar o recebimento da

medicação até a decisão final porque entendeu o ilustre Desembargador que "a natureza do direito ora pleiteado, via mandamental, a implicar dispên­

dio financeiro pelo Estado do Paraná, recomenda prévio pronunciamento do

Impetrado" Este despacho foi exarado há mais de um ano (7.1.1999) e resta a dúvida se, a esta altura, este recurso já não se encontra prejudicado pela

ausência prolongada do uso do medicamento pelo doente, podendo, inclu­sive, ter ocasionado situação irreversível.

De acordo com as informações da Associação Brasileira de Esc1erose Lateral Amiotrófica -Abrela, depois do início dos primeiros sintomas, a

média de sobrevida dos pacientes é de quatro anos. O óbito geralmente ocorre devido à insuficiência respiratória. Esta sobrevida pode ser aumen­

tada, em meses, através do uso do medicamento Riluzol (Rilutek), que di­minui a neuroexcitabilidade no sistema nervoso central, através do bloqueio

da ação do glutamato.

Portanto, sem o atendimento da medicação, pode já haver desapareci­

do o próprio direito da Impetrante porque, ao aguardar a espera dos trâmi­tes burocráticos que lhe foram impostos, os sintomas da doença já tenham

piorado ou, até mesmo, levado ao óbito, tornando, mais uma vez, inócua

uma prestação jurisdicional perseguida.

A autoridade impetrada, no bojo das informações que prestou, argu­mentou que (fls. 51/52):

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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58 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"01) Não há comprovação científica de que o medicamento Riluzol, nome comercial Rilute!?@, possua eficácia para curar a Escle­

rose Lateral Amiotrófica - ELA, a contrário senso, há um único estudo

do Sub comitê de Padrões de Qualidade da Academia Americana de

Neurologia, datado de abril de 1997, onde se informa que: 'O trata­

mento sintomático de pacientes com ELA não se alterou pela adição

de Riluzol. O conhecimento da história natural da doença e estratégias de reabilitação que ajudam o paciente a evitar complicações do declínio inevitável de força motora continuam sendo a forma mais efi­

caz de prolongar a qualidade da sobrevida. Representa um primeiro

passo no sentido de um tratamento para pacientes com ELA. Não exis­tem dados para ajudar a prever como determinado paciente irá se be­

neficiar do tratamento com Riluzol'.

02) Há um protocolo elaborado pela Sociedade Paranaense de

Ciências Neurológicas a pedido desta Secretaria para a utilização do

Riluzol como medicamento para Esclerose Lateral Amiotrófica. Tal

documento explica quais são as condições mínimas para a utilização

do remédio e, por outro, as condições de exclusão, ou seja, aquelas

condições onde a utilização do Riluzol não possui eficácia nenhuma, nem como discreto prolongador da sobrevida do paciente.

03) Por último, foi explicado ao DD. Ministério Público que a

paciente deveria ser submetida a exames clínicos atualizados e gratui­

tos na estrutura do Sistema Único de Saúde para que fosse avaliado se a paciente enquadra-se ou não nas condições citadas acima.

Infelizmente, a Sra. Carmen Lúcia Fernandes Miguel não nos

procurou para realizar exames complementares e posteriormente rece­

ber o medicamento e com isso impossibilitou aos SUS oferecer-lhe o

tratamento que lhe seria aplicável.

Deste modo, nos cumpre informar que, neste caso, não existiu qualquer ato arbitrário ou ilegal cometido por esta administração, a pa­

ciente não atendeu às orientações desta Secretaria e com isso, sequer houve negativa ou omissão no fornecimento do medicamento. A ausên­

cia de ato arbitrário ou ilegal a ser atacado por mandado de seguran­

ça acarreta a carência da ação, pelo que não deve prosperar a presen­

te ação."

Por sua vez, o acórdão do Tribunal a quo, nessa mesma trilha de ra­

ciocínio, denegou a segurança. Os fundamentos declinados no r. voto-ven­

cedor que conduziu o julgamento assim encontram-se postos (fls. 88/90):

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 59

"Não estão presentes os requisitos legais para a concessão da se­

gurança pleiteada.

A Impetrante, dizendo-se portadora de Esclerose Amiotrófica, do

que fez prova, alega necessitar exclusivamente do medicamento Rilu­

te!?, único capaz de retardar o avanço da doença.

Não tendo condições de comprá-lo, encontra-se dependente do

sistema de saúde pública, incumbindo ao Estado o dever de atendê-la.

Em tese, o direito invocado pela Impetrante é inquestionável.

Todavia, o caso em exame não apresenta os contornos objetivos

que autorizem reconhecer-se a existência de ato ilegal ou abuso de

poder por parte da autoridade impetrada.

Esta, nas informações prestadas, afirmou não haver:

'comprovação científica de que o medicamento Riluzol,

nome comercial Rilute!?, possua eficácia para curar a Esclerose

Lateral Amiotrófica .. .', existindo:

'um único estudo do Sub comitê de Padrões de Qualidade da

Academia Americana de Neurologia, datado de abril de 1997, onde

se informa que o tratamento sintomático de pacientes com a men­

cionada doença não se alterou pela adição de Riluzol.'

Informou, ainda, que pediu estudo à Sociedade Paranaense de

Ciências Neurológicas quanto ao medicamento Riluzol, no qual foram

explicitadas:

'as condições mínimas para a utilização do remédio e ... as

condições de exclusão ... onde a utilização do Riluzol não possui

eficácia nenhuma, nem como discreto prolongador da sobrevida

do paciente.'

Disse ainda que informou ao Dr. Promotor de Justiça da comarca

da residência da Paciente-impetrante, que a mesma deveria apresentar­

-se ao serviço público para submeter-se aos exames clínicos atuali­

zados, sem ônus, para averiguação de enquadramento nas condições

enunciadas, ao que a mesma não atendeu, impossibilitando o ofereci­

mento do tratamento de saúde.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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60 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ora, está evidenciado que não houve ilegalidade ou abuso de po­

der, no procedimento da autoridade impetrada que, não se recusando

a fornecer o medicamento, tão-só deseja enquadrar o caso nos parâ­metros científicos de validade de utilização do meio terapêutico.

Conseqüentemente, não se caracteriza o direito líquido e certo, a ser amparado pela via escolhida.

A propósito, leciona Alfredo Buzaid, in Mandado de Seguran­ça, VoI. I, p.p. 87/88, Saraiva, 1989:

' ... O que, a nosso ver, esclarece o conceito de direito líqui­do e certo é a idéia de sua incontestabilidade, isto é, uma afir­

mação jurídica que não pode ser séria e validamente impugnada

pela autoridade pública, que pratica um ato ilegal ou abuso de

direito. Ele tem, na realidade, dois pólos: um positivo, porque se

funda na constitucionalidade ou na lei; outro negativo, porque

nasce da violação da Constituição ou da lei. Ora, a norma cons­

titucional ou legal há de ser certa em atribuir à pessoa o direito

subjetivo, tornando-o insuscetível de dúvida. Se surgir a seu res­

peito qualquer controvérsia, quer de interpretação, quer de apli­

cação, já não pode constituir fundamento para a impetração de

mandado de segurança.'

Assim, indemonstrada ilegalidade ou abuso de poder, é de de-

negar a segurança.

Acordam os integrantes do 2!l Grupo de Câmaras Cíveis do Tri­

bunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos,

denegar a ordem impetrada."

Esclarecimentos sobre a doença e sua dimensão no Brasil podem ser

fornecidos pela Abrela - Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amio­

trófica, uma entidade sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal a conscientização da sociedade sobre a importância e emergência da doença

em nosso país:

"Laudo da Abrela - Associação Brasileira de Esclerose Lateral

Amiotrófica

Venho por meio desta, familiarizá-lo sobre um grave problema

que aflige várias pessoas em todo o Brasil e no mundo. Uma doença

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 61

neurodegenerativa, progressiva, irreversível, fatal, que afeta os neu­

rônios que controlam os movimentos voluntários chamada ELA -

Esclerose Lateral Amiotrófica.

Estima-se a incidência desta doença no nosso país em 1 caso para

100.000 pessoas/ano.

Em um trabalho preliminar, no ano de 1998, catalogamos 531

pacientes portadores de ELA nos vários Estados brasileiros, predomi­

nando a sua maior parcela no Estado de São Paulo.

Aqui no Brasil, estes pacientes são praticamente não assistidos.

Devido às limitações físicas inerentes da doença, afetando toda a mus­

culatura estriada, incluindo-se a dos membros, da deglutição e da res­

piração, os pacientes necessitam de cuidados diários e constantes.

Depois do início dos primeiros sintomas, a média de sobrevida

dos pacientes é de 4 anos. O óbito ocorre, geralmente devido à insu­

ficiência respiratória.

Esta sobrevida pode ser aumentada, em meses, através do uso de

medicamento Riluzol (Rilutek) que diminui a neuroexcitabilidade no

sistema nervoso central, através do bloqueio da ação do glutamato.

Recentemente, médicos brasileiros preocupados com este grave

problema, entraram em luta contra esta terrível enfermidade, através

da fundação de uma associação - Abrela - Associação Brasileira de

Esclerose Lateral Amiotrófica. A Abrela é a primeira Associação Bra­

sileira de Esclerose Lateral Amiotrófica, uma entidade sem fins lucra­

tivos, que tem como objetivo principal a conscientização da socieda­

de sobre a importância e emergência da doença no Brasil.

Entre outras finalidades, estaria a melhoria da qualidade de vida

dos portadores de ELA. Para que isso aconteça, dentre outras reco­

mendações, os pacientes devem utilizar o remédio chamado Riluteh, fabricado pela Aventis Farma, na Irlanda e importado pela Rhodia

Farma, mas chega a um custo aos pacientes de R$ 1.188,47 (um mil

cento e oitenta e oito reais e quarenta e sete centavos), 56 cápsulas,

preço fornecido em 22.9.1999. Muitos não possuem condições para

realizar o tratamento, sendo a única esperança que possuem no mo­

mento.

Nós da Abrela entramos numa luta para conseguirmos incluir este

medicamento, entre outros, na listagem de medicamentos gratuitos, no

Ministério da Saúde, necessários para o tratamento desta grave doença.

RST.J, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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62 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Agradecendo a atenção de V.S.", com a maior estima e apreço,

Dr. Acary Souza Bulle Oliveira, Presidente."

A argumentação desenvolvida pela autoridade coatora no sentido de

que "não há comprovação científica de que o medicamento Riluzol, nome

comercial Rilute!?, possua eficácia para curar a Esclerose Lateral Amiotrófica

- ELA" e que "há um único estudo do Sub comitê de Padrões de Qualida­

de da Academia Americana de Neurologia, datado de abril de 1997" não

condiz com a realidade.

Há pesquii'as recentes sendo desenvolvidas mundialmente, encontran­

do-se mobilizada a comunidade médico-científica para o estudo e divulga­

ção de informações sobre a doença, as quais ratificam a prescrição do

Riluzol (Rilutek) como o único medicamento que, usado isoladamente, mos­

trou-se parcialmente efetivo, permitindo o ganho de alguns meses de vida ao paciente, especialmente quando utilizado no início do aparecimento dos

sintomas. Confira-se o resumo do Congresso Internacional sobre ELA re­

alizado em novembro de 1999 no Canadá:

"Congresso Internacional no Canadá/1999 sobre Esclerose Lateral

A mio trófic a

Notícias do Décimo Congresso Internacional de ELA - 13 a 17 de

novembro de 1999.

Anualmente, no mês de novembro, faz-se um Congresso Interna­

cional somente para o estudo e o melhor entendimento da doença de­

nominada Esclerose Lateral Amiotrófica ELA, considerada até o mo­mento uma doença degenerativa, irreversível.

De 13 a 17 de novembro, a Abrela esteve representada, juntamente com outros 700 congressistas, no Décimo Congresso que aconteceu na

cidade de Vancouver, Canadá.

Os laboratórios envolvidos nesta jornada foram:

Amgem) Cephalon) Cytotherapeutics) Eli Lilly) Genentech) Guilford

Pharmaceuticals) Medtronic) Novartis) Par!? Davis) Regeneron) Rhone

Poulenc Roher e Sanofi.

Logicamente, como representante de uma Associação, a respon­

sabilidade tornou-se muito maior, devido à necessidade de absorver to­

das as informações que são pertinentes e importantes para uma melhor

orientação para aqueles que sofrem de ELA.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 63

Não é uma tarefa fácil passar para o papel, de uma maneira cla­

ra e resumida, as principais conclusões desta jornada, omitindo-se, al­

gumas vezes, informações que poderão ser importantes.

Para um melhor entendimento) procuramos resumi-las sob a forma de

tópicos:

Causa:

Até o momento, não se sabe a causa específica desta doença. Acre­

dita-se em causas multifatoriais onde estariam envolvidos um compo­

nente genético, a idade e algumas substâncias do meio ambiente. Não se conhece nenhum fator que predisponha à ELA. Ainda não é possí­

vel prevenir o desenvolvimento da ELA.

Os experimentos em animais, como camundongos, alguns deles

com quadro clínico semelhante ao da ELA nos humanos, têm permi­tido entender melhor o porquê da maior vulnerabilidade à degenera­

ção da célula localizada no corno anterior da medula nervosa. Parece

que a falta de uma proteína denominada parvalbumina é a chave es­

sencial para este processo de morte celular.

Diagnóstico:

Nem sempre o diagnóstico é fácil. Cerca de 10% dos pacientes

têm o seu diagnóstico feito muito tardiamente. Ainda não há um exa­

me específico para a realização do diagnóstico de ELA. Este é feito através de critérios de inclusão (características clínicas da doença), as­

sociados com critérios de exclusão (exclusão de outras doenças que

mimetizam a ELA). A eletroneuromiografia, bem feita, nos quatro

membros, no tórax e na língua, continua sendo o exame mais impor­

tante para o seu diagnóstico. Até o presente momento, não é possível

detectar pré-clinicamente a ELA.

Tratamento:

Os primeiros sintomas da doença aparecem quando há um com­

prometimento de mais de 40% dos neurônios (célula nervosa) na re­

gião anterior da medula nervosa. Sendo considerada, portanto, uma

doença degenerativa, progressiva, irreversível, o tratamento deve ser

instituído o mais precocemente possível, com o intuito de desacelerar

o processo de morte celular.

As medidas terapêuticas estão voltadas para a inibição das subs­

tâncias que são consideradas como fatores estressantes para a célula,

como o glutamato, o superóxido desmutase, a caspase e o óxido nítrico,

RSTI, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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64 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

assim como centradas na utilização de substâncias que seriam consi­

deradas protetoras para a célula, como a parvalbumina, a creatina, e a Heat Schoh Protein.

Propõe-se, portanto, a utilização de um verdadeiro cocluail tera­

pêutico. A utilização isolada de uma única droga, não se mostrou fran­

camente efetiva. O Riluzol (Riluteh) continua sendo o único medicamen­

to que) usado isoladamente) mostrou-se parcialmente efetivo) permitindo o

ganho de alguns meses de vida) especialmente quando utilizado no início

de aparecimento dos sintomas.

Em resumo, preconiza-se a utilização diária de:

Riluzol (Rilutek)

Vitamina E

Coenzima Q10

Vitamina C

Creatina

Indocid

Dehidroepiandrosterona

Últimos trials:

100 mg

400 mg 2x

20 mg 2x

1,0 gramas

5,0 gramas

50 mg

200 mg

Nos anos 1998 e 1999 foram realizados dois trials terapêuticos

com inibi dores do glutamato, um utilizando a gabapentina (Neurontin) e o outro utilizando uma droga, ainda sem comercialização, registra­da como Lys 300 164. Nenhum deles mostrou-se efetivo.

Propostas terapêuticas para um futuro próximo:

Inibidores da sintetização do óxido nítrico; Imunofilinas: uma

nova família de ligantes, que tem alta concentração no cérebro e fun­

ção neuroprotetora; Parvalbumina.

Qualidade de Vida:

Não houve um consenso acerca do que realmente significa qua­lidade de vida, mas não restaram dúvidas que devem ser criadas ma­

neiras de melhorá-la, especialmente no tocante aos aspectos respira­

tórios, nutricionais, comunicação alternativa, fatores emocionais e éti­

cos.

o uso de respirador doméstico é a melhor medida para aqueles

que não conseguem respirar. A nutrição através de gastrostomia

RST.J, Brasília, u. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 65

endoscópica percutânea, deve ser instalada o mais precocemente pos­

sível, sendo fator decisório importante a perda de peso de mais de 10%.

Não deve ser realizada quando há comprometimento da capacidade

vital de mais de 50%. A comunicação alternativa através de computa­

dores não é luxo, mas uma necessidade. A vontade dos pacientes deve

sempre ser respeitada.

Resumo:

Aparentemente, o que foi apresentado é muito pouco, mas se

olharmos para a história da doença denominada ELA, descrita pela

primeira vez em 1871, os últimos 5 anos trouxeram grandes mudan­

ças no entendimento desta enfermidade.

O futuro parece encorajador, mas há muito para ainda ser feito.

Os próximos meses serão indubitavelmente amedrontadores, mas

nos próximos poucos anos, teremos os nossos problemas resolvidos,

com perspectiva de cura da ELA em 5 anos".

(Palavras de Andrew Eisen, Presidente do Congresso, registradas

em primeira página no Vancouver Sun, jornal de maior circulação da

cidade de Vancouver).

Conforme exposto no Congresso acima destacado "O Riluzol (Rilur:eh)

continua sendo o único medicamento que, usado isoladamente, mostrou-se par­

cialmente efetivo, permitindo o ganho de alguns meses de vida, especialmente

quando utilizado no início de aparecimento dos sintomas ".

Porém, por tratar-se de pessoa carente, despojada de recursos financei­

ros para efetuar a aquisição do medicamento de custo muito elevado - R$

l.188,47 (um mil, cento e oitenta e oito reais e quarenta e sete centavos)

- 50 mg, 4 x 14 - de acordo com a lista de preços da Revista ABC Farma,

da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico para Farmácias, Dro­

garias e Empresas do Setor (junho/2000, ano 8, n. 107, Portaria n. 37/1992)

- viu-se compelida a impetrar o presente lllandalllus, a fim de garantir o

tratamento inadiável.

A negativa do Estado do Paraná em atender ao pedido foi imediata,

implicando em risco de vida à Recorrente. Hoje, nas contra-razões ao re­

curso ordinário interposto, as argumentações do Estado resumem-se nestes

pontos:

a) acaso a decisão do Tribunal de Justiça tivesse sido tomada em

RSTJ, Brasilia, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.

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66 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

sentido contrário, tentando amenizar a situação individual da Recorren­

te, acabaria por desestabilizar a previsão orçamentária e o Estado de Di­

reito, que requer a independência dos Poderes, em completa afronta ao art.

2!l. da CF/1988;

b) abriria-se espaço à punibilidade do administrador no manuseio das

verbas públicas sem a competente autorização, daí por que inexiste inconsti­

tucionalidade ou abuso de poder no ato manifestado pela autoridade apon­tada como coatora;

c) transpor as regras constitucionais implicaria em se decretar a falên­

cia institucional e a anarquia dos Poderes.

Penso que os argumentos articulados pelo Estado do Paraná, além de serem juridicamente inconsistentes, revelam o total desprezo por parte das

autoridades públicas encarregadas da saúde no País. O Estado-recorrido

preocupa-se, nitidamente, em contrapor-se à situação delineada nos autos com teses jurídicas de custosa credibilidade (desestabilização do Estado de

Direito; quebra orçamentária; anarquia dos Poderes; falência institucional)

para negar à ora recorrente o sagrado direito de sobrevivência.

Em situação similar, mas não de menor importância, em emérita de­

cisão publicada no DJ de 11.5.1999, no Agravo de Instrumento n. 238.328-

RS, o Pretório Excelso colocou um ponto final no ato de Estados e muni­

cípios esquivarem-se continuamente sobre quem deve prestar socorro ao

portador do vírus HIV, com o fornecimento de medicamentos necessários

à sua sobrevivência. As palavras do insigne Ministro Marco Aurélio mere­

cem destaque:

"O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia

imediata, revela que 'a saúde é direito de todos e dever do Estado, ga­

rantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução

do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igua­

litário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recupera­

ção'. A referência, contida no preceito, a 'Estado', mostra-se abran­

gente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o

Distrito Federal e os municípios."

A comemorada decisão, com certeza, é marco de vitória para todos

aqueles que necessitam de assistência médica e vivem ávidos pelo fim da

escassez de qualquer ação governamental. Eis o seu teor:

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 67

"1. O recurso extraordinário cujo trânsito busca-se alcançar foi

interposto, com alegada base na alínea a do permissivo constitucional,

contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul, assim sintetizado:

'Administrativo. Direito à saúde. Fundamentos.

A Constituição Federal prevê ações programáticas para assegurar

à coletividade o direito à saúde) assim também ao indivíduo ao re­

ferir que o direito é de todos. A saúde - ou doença - está no corpo)

impondo-se preservar a primeira) nas ações programáticas) e curar a

segunda) na atenção particularizada) fornecendo aos carentes os

medicamentos excepcionais) como os necessários ao tratamento da

Aids) como é de previsão legal (Lei n. 9.908/1993) neste Estado e

no País (Lei n. 9.913/1996).

Recursos desprovidos' (fl. 11).

O Município de Porto Alegre articula com o malferimento dos

artigos 196, 197 e 198 da Carta Política da República. Defende que os

preceitos contêm normas programáticas, dependendo de regulamenta­

ção, não implicando a transferência, àquele ente da Federação, da obri­

gação de fornecer os medicamentos especiais e excepcionais pleitea­

dos. Evoca a Lei n. 8.913/1996, que atribui ao SUS a responsabilidade

pela distribuição de medicamentos necessários ao tratamento da Aids,

asseverando não prescindir de regulamentação o artigo 2.12, no que toca

ao financiamento das despesas. Afirma que, em face da autonomia dos

municípios, é inconstitucional o ato normativo federal ou estadual que

lhes acarrete despesa. Vai além, salientando que, mesmo que o citado

diploma não dependesse de regulamentação, não se poderia impor ao

ente municipal a obrigação sem que antes fossem estabelecidas as for­

mas de repasse dos recursos. Alude, ainda, à Portaria n. 874, de 3 de

julho de 1997, oriunda do Ministério da Saúde, que atribui ao órgão

a responsabilidade pelos remédios específicos ao tratamento da Aids

(fls. 26 a 34).

O juízo primeiro de admissibilidade entendeu não configurada a

ofensa aos dispositivos indicados (fls. 53 a 57). O especial simultanea­

mente interposto teve a mesma sorte do extraordinário, seguindo-se a

protocolação de agravo, desprovido no âmbito do Superior Tribunal de

Justiça (fls. 64 e 65).

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68 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o Agravado não apresentou contraminuta (certidão de fl. 62).

Recebi os autos em P" de março de 1999.

2. Na interposição deste agravo, foram observados os pressupos­tos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por procuradora do Município, veio acompanhada dos documentos previs­

tos no artigo 544, § 1'\ do Código de Processo Civil, e restou protocolada no prazo em dobro a que faz jus o Agravante.

O acórdão prolatado pela Corte de origem, da lavra do Desem­

bargador Juraci Vilela de Sousa, surge harmônico com a Carta da Re­pública. Em primeiro lugar, consigne-se não ter sido objeto de deba­

te e decisão prévios o fato de haver-se mencionado lei estadual para concluir-se pela responsabilidade não só do Estado, como também do

Município pelo fornecimento de medicamentos aos necessitados. O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, re­vela que 'a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me­

diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações

e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação'. A referência, contida no preceito, a 'Estado' mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saú­de, diz-se do financiamento, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes. Já o caput do arti­go informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços pú­

blicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza,

em si, da atividade, afigura-se como fato incontroverso, porquanto re­gistrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da lmunodeficiência Adquirida (Sida!

Aids), às pessoas carentes. O Município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convê­

nios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saú­de, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação munici­

pal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a res­

ponsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá reduzir, em

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 69

si, o direito assegurado em lei. Reclamam-se do Estado (gênero) as

atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos pró­

prios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o ob­

jetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária se­

gura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor ati­

nente à preservação da dignidade do homem.

3. Pelas razões supra, ressaltando, mais uma vez, que, ao invés de

conflitar com os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal, o acórdão atacado com eles guarda perfeita afinidade, conheço do pedido

formulado neste agravo, mas a ele nego acolhida.

4. Publique-se."

Na mesma linha, este Superior Tribunal de Justiça, através de sua

Primeira Turma, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.

249.026-PR, de minha relatoria, publicado no DJ de 26.6.2000, à una­

nimidade, abriu precedente para permitir o levantamento do FGTS

para tratamento de familiar portador do vírus HIV em homenagem aos

princípios constitucionais garantidores do direito à saúde, à vida e à

dignidade humana. Confira-se:

'FGTS. Levantamento. Tratamento de familiar portador do vírus

HIV. Possibilidade. Recurso especial desprovido.

1. É possível o levantamento do FGTS para fins de tratamento de

portador do vírus HIV, ainda que tal moléstia não se encontre elencada

no artigo 20, XI, da Lei n. 8.036/1990, pois não se pode apegar, de

forma rígida, à letra fria da lei, e sim considerá-la com temperamen­

tos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante o

preceito maior insculpido na Constituição Federal garantidor do di­

reito à saúde, à vida e à dignidade humana e, levando-se em conta o

caráter social do Fundo que é, justamente, assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessidades básicas e de seus familiares.

2. Recurso especial desprovido."

Divaga o Estado ora recorrido ao sustentar que a concessão da segu­rança, no presente caso, implicaria na "desestabilização" do Estado de Di­

reito e "inconstitucionalizaria" a previsão orçamentária do ente público (fls.

116/121) .

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70 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

É inadmissível também o argumento desenvolvido no sentido de que

foi em virtude do fato da Recorrente não ter se apresentado perante órgão

de saúde pública para colocar-se à disposição de uma nova avaliação mé­

dica que não recebeu o tratamento almejado, o que, conseqüentemente, re­

vestiu de legalidade o ato negativo da autoridade coatora.

A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática

exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida

buscada pela Impetrante porque não retira, de forma alguma, a gravidade

e a urgência na sua situação: a busca para garantia do maior de todos os

bens, que é a própria vida.

Despicienda, ainda, de quaisquer comentários a discussão a respeito de

ser ou não a regra dos arts. 6il e 196 da CF/1988, normas programáticas ou

de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao

princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que

"a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).

o "direito à saúde" posiciona-se no rol dos Direitos Sociais (art. 6il),

encontrando-se alinhado, lado a lado, com outros direitos da mesma natu­

reza: a educação, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência, a proteção

à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

É apontado, ainda, em várias outras partes:

- art. 6il ("É direito social a saúde");

- art. 7il, XXII ("É direito do trabalhador a redução dos riscos ine-

rentes ao trabalho, por meio de normas de saúde");

- art. 23, II ("É competência comum da União, dos Estados, do Dis­

trito Federal e dos municípios cuidar da saúde");

- art. 24, XII ("Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal

legislar concorrentemente sobre a defesa da saúde");

- art. 30, VII ("Compete aos municípios prestar, com a cooperação téc­

nica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da

população") :

- art. 196 ("A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação");

- art. 197 ("São de relevância pública as ações e serviços de saúde,

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 71

cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamen­

tação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito pri­vado");

- art. 198 ("As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com priorida­de para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos muni­cípios, além de outras fontes);

- art. 199 ("A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § I!;). -

As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sis­tema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direi­to público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2!;). - É vedada a destinação de recursos públicos para au­xílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3!;). - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangei­ros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4!;). -A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e

tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização");

- art. 200 ("Ao sistema único de saúde compete, além de outras atri­buições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produ­

tos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de me­dicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos hu­

manos na área de saúde; IV - participar da formulação da política e da exe­cução das ações de saneamento básico; V - incrementar em sua área de atua­ção o desenvolvimento científico e tecnológico; VI - fiscalizar e inspecio­

nar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fis­calização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e pro­dutos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho").

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72 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Pelo conteúdo dos autos, depara-se facilmente que é salutar o direito

líquido e certo pleiteado.

A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está

na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. Na

medida em que a autoridade coatora se omite de tomar uma decisão ou de

oferecer algum encaminhamento para a questão, dúvida não remanesce de

que, sob tal prisma, está violando direito líquido e certo do Impetrante.

A doutrina, de modo eloqüente, vem defendendo a prioridade do res­

peito à dignidade da pessoa humana na interpretação das disposições cons­

titucionais atinentes aos preceitos maiores.

O renomado jurista Ives Gandra Martins, ao comentar o art. 196 da

Constituição Federal, ponderaI:

"O art. 196 é uma excelente carta de princípios absolutamente

divorciada da realidade brasileira.

Se há princípios programáticos na Constituição Brasileira, ne­

nhum deles bate aqueles expostos no art. 196.

A primeira parte do discurso é comovente. 'A saúde é direito de

todos e dever do Estado'. Sem chegar à ironia de Roberto Cam.pos,

que espera não morrer depois de 1988, porque sua saúde está garan­

tida, ou de Roberto Vida! da Silva Martins, que considera suas do­

res de cabeça inconstitucionais, porque a saúde é direito de todos, o

certo é que o acesso à assistência médica e hospitalar no País é um di­

reito de poucos brasileiros, estando alijada grande parte da população

do exercício de tal direito. Por outro lado, esse dever o Estado não

cumpre, quer através da União, quer dos Estados e da grande maio­

ria dos municípios.

Na continuação, o constituinte explicita a ação do Estado, que

deve manter o acesso de todos ao bem-estar físico e à assistência mé­

dica e hospitalar 'mediante políticas sociais e econômicas', políticas

estas cuja faceta a sociedade conhece apenas pelo aumento da carga tri­

butária, como ocorreu com a instituição da Cofins cumulativa e da

CPMF. O então Ministro Adib Jatene defendeu a oneração da produção

brasileira, por meio desses tributos cumulativos que punem o produtor

1. Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, 8"" voI., 1998, p.p. 110/113.

RSTJ, Brasília, a. 13, (13S): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURNIA 73

nacional e beneficiam o estrangeiro que exporta para o País, para obter

melhor 'performance' para seu Ministério. À evidência, o povo tem

suportado o aumento de carga tributária, mas os serviços continuam péssimos.

Tais políticas, todavia, deveriam reduzir o 'risco de doença e de outros agravos', outro desiderato que há nove anos o Brasil espera al­

cançar, pois tem havido sensível aumento de doenças - inclusive com o retorno de algumas que já haviam sido erradicadas - e de outros

agravos na população, sem política governamental alguma para redu­zir tais desconfortos.

A Folha de São Paulo de 8 de julho de 1997 apontou dado as­sustador: o brasileiro sofre mais porque consome quinhentas vezes menos analgésicos do que os americanos, tendo já se acostumado com o sofrer, à falta de medicamentos ou de aconselhamento médico ade­

quado.

Por fim, tais 'políticas' deveriam objetivar o acesso universal e

igualitário às ações e serviços do governo, para que a saúde da popu­lação seja promovida, protegida e recuperada. Tanto a promoção quanto

a proteção nessa área dependem de que sejam recuperados os instru­mentos de atuação do Estado, degradados nos últimos tempos, assim como da elaboração de estratégia para a recuperação dos doentes.

Quem lê o art. 196 tem a impressão de que o País está acima das demais nações no que diz respeito à saúde, tanto nas ações profiláticas quanto naquelas de recuperação dos doentes. Quem vive a realidade da

grande maioria da população brasileira menos favorecida percebe quão

distante está o sonho do constituinte da prática dos detentores do po­der."

Wladinlir Novaez, citado por Ives Gandra Martins, na obra suso

referida, escreve:

"De todos os três instrumentos constitucionais da seguridade so­

cial, o da saúde surpreende pela extensão da disciplina. São cinco ar­tigos (196/200), programáticos, bem-intencionados, uma verdadeira carta de propósitos, elevados, raramente dispositivos, nem todos auto­-aplicáveis, aceitáveis, em suma, deixando livre o legislador ordinário

para fixar ao Estado e à iniciativa privada as medidas conducentes a

uma futura sistematização do sistema nacional de saúde.

Não é estatizante nem privatizante, embora unifique a direção e

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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74 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

descentralize as atividades, visando a um sistema único em relação à

União, Estados e municípios, com a participação da administração e

do administrado." (A Seguridade Social na Constituição Federal, 211

ed., LTr, 1992, p. 91).

E Jorge Miguel, também referenciado, colabora:

"A promoção da saúde, sua proteção e recuperação são deveres do

Estado. O acesso às ações que garantem a promoção, a proteção e a

recuperação da saúde, é universal e igualitário. Universal, porque obri­

ga a todos, sem exceção; igualitário, porque as ações não se comovem

com a diversidade do segurado. Para garantir a saúde ou recuperá-la,

todos recebem o mesmo tratamento. Para atingir estes objetivos, o sis­

tema será único, ainda que em convênio com entidades privadas. O

Brasil, diferente de alguns países europeus, não socializou a medici­

na, já que no artigo 199 a assistência à saúde é livre, reservada tam­

bém à iniciativa privada." (Curso de Direito Constitucional, 211 ed.,

Atlas, 1991, p. 299).

Por último, a referência a Victor Rosine:

"O sistema nervoso proporcionador de todas as funções corporais

é, por sua vez, governado pelo pensamento vigorosamente mantido.

Quando o espírito concentra as suas energias, como o general no cam­

po de batalha distribui suas forças, que nesse caso é o nosso corpo,

todas as células recebem a ajuda vital que o espírito lhes envia; e há

êxito, influência e saúde.

Não devemos julgar que nossas células são inconscientes e agem

de forma mecânica. Elas são entes que obedecem às ordens que lhes

transmitimos, encaminhando nosso corpo para a tão desejada saúde ou

para a doença indesejável." (Saúde, Ed. Martin Claret, 1995, p.p. 41/

42).

In Comentários à Constituição de 1988 (Ed. Forense Universitária, 211

ed., vol. VIII), o mestre J. Cretella Jr. nos dignifica com os seus ensina­

mentos:

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 75

"A perfeita harmonia dos órgãos e das funções que, no conJun­

to, formam a vida humana recebe o nome de saúde: a lesão de um ór­

gão e a conseqüente perturbação das funções constituem o estado de doença. Do organismo humano em relação com suas condições psico­

lógicas e patológicas ocupam-se as ciências médicas.

Durante longo tempo estas ciências, restringindo-se a limites es­

treitos, contentaram-se em considerar a cura das várias doenças mani­

festadas no organismo humano, sem a menor preocupação em preve­

ni-las, e impedir-lhes a difusão de um a outro indivíduo, mas no pre­sente século a situação sofreu radical transformação. Profundo exame das relações existentes entre as variadíssimas condições do ambiente

externo e a vida das pessoas e o conseqüente incremento das doutri­

nas biológicas demonstraram de maneira clara que a sanidade das con­dições externas tem grande influência sobre a harmonia da vida do corpo e, deste modo de considerar os fatos, nasceu novo ramo das ciên­

cias naturais que tomou o nome de Ciência da Saúde, como batizaram os alemães (Gesundheitslehre), ou Higiene, como o denominaram os franceses (Hygiene), com base na etimologia grega. Apresenta esta ciência muitos pontos de contato com a medicina, mas dela difere sob

muitos aspectos, sendo uma conquista da época moderna haver deli­mitado o respectivo campo de estudo de uma e de outra, de tal modo

que entre ambos não é mais possível nenhuma confusão (cf. F. Call1llleo, Sanità Publica, e Primo Trattato, de Orlando, 1905, vol. IV,

2;.1. parte, p. 213 e L. Stein, La Scienza della Pubblica Amministrazione,

p.p. 602/603).

Ora, como acentua Zanobini, nenhum bem da vida apresenta tão claramente unidos o interesse individual e o interesse social, como o

da saúde, ou seja, do bem-estar físico que provém da perfeita harmo­

nia de todos os elementos que constituem o seu organismo e de seu

perfeito funcionamento. Para o indivíduo, saúde é pressuposto e con­dição indispensável de toda atividade econômica ou especulativa, de

todo prazer material ou intelectual. O estado de doença não só cons­titui a negação de todos estes bens, como também representa perigo, mais ou menos próximo, para a própria existência do indivíduo e, nos

casos mais graves, a causa determinante da morte. Para o corpo social a saúde de seus componentes é condição indispensável de sua conser­

vação, da defesa interna e externa, do bem-estar geral, de todo pro­gresso material, moral e político. As pessoas doentes representam

ônus e perigo contínuo para a sociedade: ônus, na medida em que não

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76 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

lhe trazem nenhuma contribuição de trabalho e exigem cuidados e as­

sistência que comprometem meios econômicos e atividades de outras

pessoas; perigo, pela possibilidade da propagação da doença a outras

pessoas e, em alguns casos, à propagação rápida, de caráter epidêmi­

co (cf. Zanobini, Carso, V, p. 59).

Cabe ao Estado impedir que as doenças se propaguem para que

os males de alguns não venham a destruir a sociedade inteira. Daí, as

medidas de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 200, II), de com­

petência do sistema único de saúde (art. 200, caput)."

Por derradeiro, merece ser citado o jurista Ronaldo Sim.ão (Advoga­

do no Rio de Janeiro, membro do Ministério Público Estadual aposentado)

em Temas de Saúde em Direitos Individuais e Coletivos: Espaços Abertos

ao Judiciário (Doutrina Adcoas, n. 3, marçol1999, ano II p.p. 59/63):

"A delicada questão da saúde, seja como direito individual, seja

coletivo, e a celeuma provocada por suas demandas, irresolvidas, ou

apenas parcialmente solucionadas, caracterizam de modo marcante o

momento social vivido neste vertiginoso processo social de transfor­

mação.

Considerando tal circunstância, pretendemos produzir esta abor­

dagem tão-somente como oferta de subsídio para visões diferenciadas

de discussão, sob algum aspecto específico em que o Judiciário vem

demonstrando pronunciamentos, em linha de coordenação coerente, na

solução de conflitos na matéria.

Partimos do suposto de que saúde, pessoal ou pública, constitui

faceta das mais significantes do universo conhecido genericamente

como cidadania.

Tanto assim é que o tema merece tratamento exaustivo no texto

constitucional, ali se encontrando, com certa facilidade, mais de cin­

co dezenas de referências.

Pois, já de pronto em seu art. 62, dispôs a Constituição Federal:

'S ão direitos sociais a educação) a saúde) o trabalho) o lazer)

a segurança) a previdência social) a proteção à maternidade e à in­

fância) a assistência aos desamparados) na forma desta Constitui­

ção.'

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 77

Por seu turno, o art. 712., visando ao objetivo de melhoria da con­

dição social do trabalhador, estabeleceu-lhe específicos direitos, den­

tre os quais, ao dispor, no inciso IV, sobre a questão salarial, fê-lo para

garantir atendimento das necessidades de moradia, alimentação, edu­cação, saúde e lazer, dentre outros itens tidos por absolutamente es­

senciais.

De grande vulto são as requisições de atendimento destas deman­

das e isto se reconheceu pelo constituinte que, no art. 196, assegurou:

'A saúde é direito de todos e dever do Estado) garantido me­

diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações

e serviços para sua promoção) proteção e recuperação ... )

Seguem-se outros dispositivos detalhando temas de relevância pública para as ações e serviços de saúde, estabelecendo competência ao Poder Público para legislar sobre sua regulamentação, fiscalização, controle e execução, seja a procedida diretamente ou através de tercei­ros, bem como igualmente aquela exercida por pessoa física ou jurí­dica de direito privado.

Abrangeu-se, desta forma, todo o universo da sociedade, com ób­via preponderância do setor público, para o desenvolvimento das ações e serviços de saúde, passando a integrar uma rede regionalizada e

hierarquizada, constituída em sistema único, organizado de acordo com

as diretrizes expostas no art. 198:

'I - descentralização, com direção única em cada esfera de

governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as ativida­

des preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.'

o financiamento do sistema vem abrangido prioritariamente pela competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, nos termos do art. 23, VII.

Para evitar amplificação, incabível nos limites deste trabalho,

consideramos, em visão focal, que os aspectos referentes à seguridade social merecem especial destaque pelo quanto representam como parte

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integrante e essencial do exercício de cidadania, ainda que a socieda­de brasileira demonstre por vezes estar nos primórdios dos adestramen­

tos necessários a tal finalidade (diferentemente, por exemplo, da so­ciedade norte-americana, em que o social security card chega a cons­

tituir documento essencial para a prática de atos triviais diários do ci­dadão comum ... ).

Cabe, desta forma, referenciar o universo compreendido pelo sis­tema da seguridade social, estabelecido no art. 194 da Lei Magna,

como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públi­cos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saú­

de, à previdência e à assistência social.

Embora aspectos do sistema de seguridade social não esgotem, como já visto, o tratamento constitucional das questões ligadas à saú­

de, força é convir, principalmente em face dos termos do dispositivo supra, na adequação de algum alongamento mais, ainda escapando dos objetivos deste texto a tentativa de fazê-lo de forma inteiramente or­

denada e completa.

Daí que os destaques aqui se fazem de forma esparsa, apenas para vocacionar o objetivo de encaminhar adequadamente um ou dois espe­

cíficos pontos; que podem merecer adiante algum detalhamento.

Veja-se, então: o parágrafo único do citado art. 194 determinou competência ao Poder Público, nos termos da lei, para prever a orga­nização da seguridade social (e, por via de conseqüência, a instrumen­talização do pleno exercício do direito à saúde), com base em deter­minados princípios, pormenorizando-lhe os objetivos.

Poderíamos, assim, enunciar tais princípios como sendo os da universalidade, uniformidade, seletividade, irredutibilidade, eqüidade, diversidade, e, finalmente, o caráter democrático do sistema.

O princípio da universalidade destina-se a assegurar a mais ple­na garantia de cobertura e atendimento; o segundo (uniformidade), à equivalência dos benefícios e serviços eventualmente prestados às po­pulações urbanas e rurais; e o terceiro, à distributividade na prestação dos benefícios e serviços.

Por seu turno, a manutenção, ao longo do tempo, do real valor dos benefícios teria guarida no princípio da irredutibilidade, sendo igualitária, tão quão possível - e obedecido o essencial de respeito aos diferentes - a participação social no custeio do sistema e em sua base

de financiamento, corporificando aqui a eqüidade e a diversidade.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 79

Finalmente, a importante referência ao caráter democrático do

sistema, que, visando à descentralização da gestão administrativa, re­

sulta na convocação à participação, em somatório de esforços, da co­

munidade, trabalhadores, e particularmente empresas.

Vamos agora nos ater a algumas concretas aplicações destes prin­

cípios, na forma aqui enunciada, em pronunciamentos de órgãos do

Judiciário ao dirimir conflitos referentes a questões de saúde.

Assim se deu recentemente, quando o Tribunal de Justiça do Es­

tado do Rio de Janeiro veio a pronunciar decisão em lide envolvendo

o Poder Público estadual em face de número significativo de pleitean­

tes, em reivindicação referente a tema de saúde coletiva, de pronun­

ciada atualidade.

Refiro-me à querela em que entidades de defesa e cidadãos por­

tadores do vírus da imunodeficiência humana pretenderam compelir o

órgão governamental específico ao fornecimento gratuito e sistemáti­

co dos medicamentos desenvolvidos recentemente - depois populari­

zados sob a genérica denominação de coquetéis e que levaram à

cronificação da doença, estendendo, a princípio ilimitadamente, a

sobrevida dos soropositivos.

A ação, ainda em forma de medida cautelar, foi proposta origi­

nariamente frente ao Juízo Fazendário, que, tendo deferido liminar­

mente a pretensão, obrigou o Poder Público ao fornecimento dos me­

dicamentos ao universo dos solicitantes.

Esta circunstância levou a Procuradoria do Estado a produzir

agravo de instrumento, em que, em face da intervenção obrigatória do

Ministério Público, a nós coube formular o parecer cabível, afinal aco­

lhido unanimemente pelo Tribunal.

Na peça em questão, que encaminhou a decisão judiciária, fize­

mos destacar a análise de plausibilidade do direito invocado no pro­

cesso, na seguinte forma:

'N ecessário, para tanto, que se analise, com absoluta prio­

ridade, a plausibilidade do direito invocado pelos agravados e a

concretude do risco decorrente de sua imediata instrumenta­

lização.

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80 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Quanto ao primeiro dos requisitos apontados, temos a con­

siderar que os direitos ameaçados, e cuja integridade se preten­

de resguardar pelo procedimento cautelar, constituem a vida e a

saúde dos agravados, acometidos de doença potencialmente letal.

O só enunciado deixa patente que se tratam de bens, cuja

proteção constitui direito fundamental assegurado na Constitui­

ção (arts. 5'\ caput, e 6!l.), cometido ao Estado o respectivo de­

ver assecuratório, art. 196.

Não bastassem os princípios insculpidos na Carta Magna,

ainda que considerados como ideais de permanente e continuada

persecução (ou proposição constitucional ineficaz como ousado

por alguns ... ), inegável é que, no que se refere à imunodefi­

ciência humana adquirida, os princípios da Lei Magna, como

acentuado pelos litigantes, têm editados regulamentos próprios,

especificadamente a Lei n. 9.313/1996 e a malsinada portaria

mencionada pelo agravante.

Diz-se - e reafirma-se - malsinada, pelo evidente contra­

-senso representado pela edição de textos burocráticos enumera­

tivos, jamais nUIllerus c1ausus em matéria em que a pesquisa se

desenvolve mundialmente, mobilizando milhares de cientistas e

técnicos, mediante dispêndios de importâncias astronômicas das

mais variadas fontes, governos, entidades não governamentais e

supragovernamentais, além de corporações transnacionais.

Quer isto significar que os avanços da pesquisa se fazem a

passos gigantescos e em porções mínimas de tempo, com o lan­

çamento, em escala experimental e comercial, de novas drogas

tendentes à solução dos desafios postos à capacidade humana.

Resta óbvio, assim, que não seria razoável esperar que a bu­

rocracia pudesse fazer-se ágil a ponto de se pôr em dia, a cada

dia, com as inovações da pesquisa, daí que as enumerações con­

tidas na portaria invocada pelo Estado devem ser tidas como mera

declaração de intenções, sendo de inteira desvalia a sua invoca­

ção para os fins colimados.

Questão subsiste, ainda quanto à temática do bom Direito,

cuja abordagem se afigura inevitável.

Trata-se do tanto que pertine ao microuniverso dos so­

licitantes - apenas uns poucos em um universo tão numeroso.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 81

Pode-se, sem dúvida, de um lado, cogitar da carência de recursos

a resultar a estes um pretenso privilégio assistencial, em detrimen­

to de milhares de outros, igualmente carentes e portadores de

mesma infestação.

Ocorre, contudo, que subtrair ao solicitante o direito por ele

pleiteado, que, como visto, é inegável e está assegurado na Cons­

tituição e nas leis, constituiria, não só em negativa de vigência aos

textos, como, igualmente, em incompreensível aval para difi­

culdades decorrentes, as mais das vezes, de limitações de diver­

sas ordens nas capacidades de governo.

Por outro lado, não se pode olvidar que o Judiciário cons­

titui o Poder cuja ação se faz estritamente mediante provocação,

descabendo, assim, inteiramente, invocar os não exercentes como

justificação, aparentemente tíbia, para a negativa do direito dos

pleiteantes.

Já no que se refere ao que nos habituamos a conhecer como

periculum in mora, basta, para sua constatação, ter bem cien­

te a circunstância de que, inerme o doente dos medicamentos ne­

cessários, a letalidade potencial da síndrome se torna real, tornan­

do ineficaz a prestação jurisdicional.

Finalmente, cabe considerar, mais, a circunstância, destacada

nas informações prestadas pelo MM. Juízo Fazendário - tema

objeto, também, do agravo, por seu interponente - quanto à in­

cidência da responsabilidade específica da prestação solicitada e

deferida cautelarmente. Inegável que a prudência determina a so­

lução deste aspecto da querela a final, bastando, apenas, suscitar

a sua imensa complexidade, na constatação das afirmativas reite­

radamente prestadas pelo ilustre pesquisador francês, Dr. Luc

Montaigner, a quem se atribui a descoberta do vírus HIV, e se­

gundo quem a síndrome da imunodeficência adquirida, bem as­

sim outras ditas novas síndromes virais, tão ou mais letais que as

anteriores, tais as hepatites B, C, D, E, dentre outras, cuja origem

residiria na irresponsável forma com que os humanos cuidam do

seu habitat, únicos seres, aliás, em toda a natureza conhecida,

capazes de tamanha insanidade.'

Da simples leitura do texto supra, que constitui reprodução parcial

do parecer constante do feito, não é difícil perceber que a oposição

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82 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

então manifestada pelo Estado estava centrada essencialmente em duas

ordens de ponderações.

O primeiro argumento pretendia convencer que as drogas de dis­

tribuição obrigatória seriam exclusivamente as relacionadas em textos

emanados da burocracia inferior, considerando nuxnerus clausus tal

listagem.

A aceitar-se tal ponderação e estando bem ciente do nível de agi­

lidade da burocracia, o risco social assumido seria o de eventualmen­

te considerar cabível a distribuição de ventosas aos portadores de qua­

dro de falência respiratória, eis que esta era a prática medieval comu­

mente adotada em casos tais ...

Já pelo segundo argumento, pretendeu o procuratório do Estado

fazer convencer que a carência generalizada de recursos financeiros

destinados ao atendimento à saúde mais ainda se agravaria na hipóte­

se de se ver ele obrigado ao atendimento de uma parcela de doentes,

que qualificou de privilegiados (?), em detrimento do conjunto da so­

ciedade.

Ironia à parte, não é difícil perceber a tibieza dos argumentos

'estatais, principalmente em face dos princípios constitucionais inspira­

dores do sistema de seguridade social, como já antes destacado.

Bastava assim considerar, de forma integrada, os princípios da

universalidade e da distributividade para concluir de imediato pela in­

consistência dos argumentos apresentados.

E assim se deu pois, ao decidir que ao Poder Público competia

fornecer àquele universo de contribuintes os produtos, de alto custo,

essenciais à manutenção de suas vidas e saúde, o Judiciário nada mais

estaria senão formulando adequada interpretação aos princípios

insculpidos na Constituição Federal referentes à seguridade social.

O acórdão, com efeito, em decisão unânime, ao confirmar a con­

cessão da medida pleiteada, destacou que:

'A saúde é um direito assegurado constitucionalmente às pes­

soas, dado que inerente à vida. O Estado tem o dever de prover as

condições indispensáveis ao seu pleno exercício.'

Em idêntico sentido, e de forma sensivelmente mais precisa,

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 83

decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, também em ação cautelar promovida contra o Estado:

'Ação cautelar. Liminar contra o Estado. Fornecimento de

coquetel de medicamentos para tratamento da Aids. Admissibi­

lidade. Estando presentes as condições especiais do processo

cautelar, do fUIllUS boni iuris e do periculuIll in Illora, posto

que o direito à vida é o maior deles e que a droga é de compro­

vada eficácia, porém custosa e fora das possibilidades econômi­

cas dos enfermos, é dever do Estado custeá-la. Inteligência do art.

196 da CF. Liminar mantida.

Recurso não provido' (Agravo de Instrumento n. 22.239-5-

São Paulo, Oitava Câmara de Direito Público, Relator Felipe

Ferreira, 18.12.1996, v.u.).

Os exemplos apresentados parecem eloqüentes de como, através

de adequado exercício interpretativo, pode o conflito de interesses em

matéria de saúde, quando laborado de forma embasada frente ao Po­

der Judiciário, produzir deslinde significante de superior exercitação

de cidadania.

Até mesmo com repercussão na sociedade como um todo, eis que,

nesta específica matéria, lides como as aqui referenciadas, em soma­

tório a outras similares, raras aliás, findariam por resultar na imedia­

ta generalização da prática de distribuição dos produtos em nível na­

cional, como hoje se vê.

Curiosamente nem por isto o alegado caos financeiro nos orça­

mentos de saúde que pretensamente resultaria de decisão favorável aos

pleitos jamais aconteceu; nada, pelo menos, além da desordem já co­

nhecida de todos ...

Trata-se, pois, de uma faceta da complexa questão da garantia de

preservação da saúde, individual e pública, cuja solvabilidade vem de

ter berço nos órgãos judiciários do País.

Inúmeros outros pleitos, incidentes sobre o tema, têm sido, e ou­

tros poderão tornar-se, objeto de amplo debate e decisões dos tribu­

nais pátrios, eis que, nos termos do art. 199 da CF, sendo a assistên­

cia à saúde livre à iniciativa privada dela derivam atos jurídicos de

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84 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE]USTIÇA

natureza contratual, que se reproduzem ad infinituIll, no dia-a-dia dos

cidadãos.

Poderiam, por exemplo, ser tratados de forma detalhada em ou­

tros trabalhos os contratos de seguro (supomos que não devam ser ti­

dos por engessados pela recente edição legislativa, que veio em atro­

pelo de uma construção jurisprudencial de grande envergadura), os

contratos pessoais bilaterais de assistência em situações específicas e

conflitos de interesses daí decorrentes (erro médico, custos e procedi­

mentos, dentre outros que, em sociedades mais amadurecidas, vêm sen­

do solvidos por via parajudiciária, através de mediação e arbitragem,

como ocorre massivamente em países do Hemisfério Norte), além do

que se possa referir às relações de consumo de fármacos, sua autenti­cidade e principalmente a responsabilidade e reparações decorrentes

atribuíveis a detentores das marcas, isto apenas para citar alguns dos

mais explosivos.

São, contudo, suscitações de grande complexidade, que, por isto

mesmo, extrapolam as pretensões deste texto, ficando lançadas para

oportunidade - ou desafio - futuros."

Conclusões:

1.a) A vida é considerada o mais precioso dos bens e atributos do ser

humano. Sem ela, os demais valores socialmente reconhecidos não têm o

menor significado ou proveito.

2.a) Para o indivíduo, saúde é pressuposto e condição indispensável de

toda atividade econômica ou especulativa, de tudo prazer material ou inte­

lectual. O estado de doença não só constitui a negação de todos estes bens,

como também representa perigo, mais ou menos próximo, para a sua pró­

pria existência e, nos casos mais graves, a causa determinante da sua mor­

te (cf. Zanobini, Corso, V, p. 59, citado por J. Cretella Jr., in Comentários

à Constituição de 1988, Ed. Forense Universitária, 2.a ed., vol. VIII).

3.a) A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrá­

tica exigida pela autoridade pública não pode ser óbice suficiente para im­

pedir a concessão da medida buscada pela Impetrante porque não retira, de

forma alguma, a gravidade e a urgência da sua situação: a busca para ga­

rantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.

4.a) Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser

ou não a regra dos arts. 6!2 e 196 da CF/1988, normas programáticas ou de

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 85

eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao prin­cipio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).

511.) Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e SIm considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legisla­dor, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Constituição Fe­deral garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, deven­do-se privilegiar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.

611.) Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, Ag n. 238.328-RS, ReI. Min. Marco Aurélio, DJ de 1l.5.1999; STJ, REsp n. 249.026-PR, ReI. Min. José Delgado, DJ de 26.6.2000).

711.) Da conjugação dos quatro elementos abaixo enumerados, há jus­tificativa, mais do que suficiente, para proceder-se à concessão da segurança em definitivo:

a) a Impetrante necessita de tratamento inadiável e indispensável;

b) o medicamento em questão é o único preceituado pela medicina para o tratamento da doença em questão;

c) a medicamento é encontrado disponível no mercado e mostra-se es­sencial à preservação da vida da Impetrante;

d) é dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil nos artigos 6Jl. e 196.

Tendo em vista as particularidades de casos como o analisado, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: de­cidir pela preservação da vida.

O maior fundamento para a concessão da ordem à Recorrente é a pró­pria doença grave, progressiva, irreversível e fatal, que a faz padecer.

Face às explanações supradelineadas, dou provimento ao presente re­curso para o fim de impor ao Estado do Paraná a obrigação de fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermida­

de da Recorrente.

É como voto.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200 I.

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86 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 11.603 - ES

(Registro n. 2000.0017612-5)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

Recorrentes: Itaparica Ltda e outro

Advogados: Rodrigo Loureiro Martins e outro

Tribunal de origem: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

Impetrado: Governador do Estado do Espírito Santo

Recorrido: Estado do Espírito Santo

Procuradores: Luciana Marques Judice de Mello e outros

Sustentação oral: Rodrigo Loureiro Martins (pelos recorrentes), e Luciana Marques Judice de Mello (pelo Estado do Espírito Santo)

EMENTA: Processual - Mandado de segurança - Lei - Criação de reserva ecológica - Não cabimento.

- Não cabe mandado de segurança para impedir a execução de lei estadual que criou reserva ecológica. Se a execução da lei acar­retar prejuízos patrimoniais, estes poderão ser identificados e de­monstrados em procedimento administrativo ou judicial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Milton Luiz Pereira acompanhando o Relator, por unanimidade, rejeitar as preliminares suscitadas pelas partes e, no mérito, negar provimento ao recurso. Votaram de acordo com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Garcia Vieira. Au­sentes, justificadamente, nesta assentada, os Srs. Ministros Francisco Fal­cão e Garcia Vieira.

Brasília-DF, 29 de junho de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator.

Publicado no DJ de 28.8.2000.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 87

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: As Recorrentes pediram mandado de segurança contra ato em que o Sr. Governador do Estado san­cionou lei, transformando em reserva ecológica, terrenos de que são pro­prietárias. A segurança haveria de se traduzir em ordem para que o Gover­nador se abstivesse na prática de qualquer outro ato, visando a estabelecer limitação ao exercício da propriedade sobre os terrenos envolvidos pela re­serva, sem pagamento de prévia indenização.

A segurança foi denegada sob o argumento de que a lei malsinada tem boa qualidade jurídica e de que a pretensão indenizatória há que ser bus­cada em procedimentos jurisdicionais e administrativos apropriados.

O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer lançado pelo eminente Subprocurador-Geral da República Wagner de Castro Mathias Netto. Indica o provimento parcial do recurso, para que se declare extinto o processo, sem julgamento do mérito.

Esta a controvérsia.

VOTO

o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): O acórdão re­corrido limitou-se em afirmar que a lei impugnada foi emitida no exercí­cio .de competência concorrente do Estado (art. 24, VI, da Constituição Fe­deral) .

Dos votos que integraram o acórdão recorrido restou clara a possibi­lidade de as Impetrantes buscarem indenização por eventuais danos sofri­dos com a criação da reserva ecológica.

Tenho para mim que o acórdão merece confirmação. Em verdade, a lei malsinada não padece de qualquer mazela. Dela podem resultar atos admi­nistrativos prejudiciais aos patrimônios dos Impetrantes. Tais prejuízos, en­tretanto, haverão de ser identificados e demonstrados. Isso poderá ser fei­to em procedimento administrativo, ou se não houver concordância entre as partes, em processo judicial.

Nego provimento ao recurso.

VOTO

O Sr. Ministro Garcia Vieira: Sr. Presidente, também entendo, como o Sr. Ministro-Relator, que a via eleita é imprópria porque a pretensão seria

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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ss REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

de anular a lei que criou a reserva. Não podemos negar ao Estado o direi­

to de criar uma reserva. O ato que cria uma reserva, somente porque atin­ge o direito do particular, pois estabelece restrições, limitações, não é nulo. Ao contrário, ele pode subsistir, e o particular entrar com a via judicial pró­

pria para receber indenização, pois ele tem direito. De qualquer forma, não

podemos, em mandado de segurança, proibir o Estado de legislar. Se ele

edita uma lei inconstitucional, existem os meios próprios para decretar a

inconstitucionalidade. Se atinge o direito de propriedade, tem a ação pró­

pria, mas não no mandado de segurança. Como iremos estabelecer, apurar em mandado de segurança quais são essas limitações?

Com essas considerações, antecipo o meu voto, ficando de acordo com

o voto do Sr. Ministro-Relator.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Necessitando afastar dúvidas, so­

licitei vista direta das peças informativas do processo, a final, colhendo que, na via do IllandaIllus, foi pedida segurança de invalidade da Lei Estadual

n. 5.427/1997, ordenando "à autoridade apontada coatora se abster da prá­

tica de qualquer outro ato visando a estabelecer limitação ao direito de

propriedade sobre os terrenos compreendidos na dita 'reserva de Jacare­

nema', sem a concretização de área e justa indenização" (fls. 2 usque 19).

A segurança foi denegada com os fundamentos assegurativos, assim resu­midos:

- "Mandado de segurança. Preliminar de inépcia da inicial rejei­tada. Preliminar de inadequação da via mandamental. Rejeição.

Impetração contra lei em tese. Inocorrência. Mérito: reserva ecológi­

ca. Proteção por lei. Liceidade da norma estadual. Ordem denegada.

1) Demonstrado que o pedido foi devidamente formulado, rejei­

ta-se a preliminar de inépcia da inicial.

2) As questões de direito, por mais complicadas e difíceis, podem

ser resolvidas através de mandado de segurança. Não é inadequada,

pois, a via mandamental. Preliminar rejeitada.

3) As leis de efeitos concretos tornam-se passíveis de mandado de

segurança, desde sua publicação, por equivalentes a atos administra­

tivos nos seus resultados imediatos. Não se tratando de impetração

contra lei em tese, rejeita-se a preliminar.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 89

4) Mérito: mais de 65% dos ecossistemas que integram a área são constituídos de manguezais e restinga, bem como de vegetação ao lon­go de rios.

Área protegida pelo Código Florestal. Reserva ecológica criada por lei estadual. Competência concorrente do Estado (art. 24, VI, CF).

Compatibilidade dos interesses econômicos dos autores com os interesses maiores da preservação ambiental.

Ordem denegada por maioria de votos." (fl. 227).

À sua vez, o Ministro, negando provimento ao recurso, o eminente Mi­nistro-Relator sumariou:

- "Processual. Mandado de segurança. Lei. Criação de reserva ecológica. Não cabimento.

Não cabe mandado de segurança para impedir a execução de lei estadual que criou reserva ecológica. Se a execução da lei acarretar prejuízos patrimoniais, estes poderão ser identificados e demonstrados em procedimento administrativo ou judicial."

Feito o perfil da relação jurídico-litigiosa fonte da impetração, pela espia da causa de pedir, imana forte que foi articulada ao derredor da men­cionada lei estadual, de imediato, provocando debates quanto à aplicação da Súmula n. 266-STF. Sob as tendas desses apontamentos, conquanto dita lei dependa de regulamentação (art. 5"), em criando reserva ecológica, signifi­cando imediatas restrições administrativas, sem dúvidas, repercutiu no uso

e gozo da propriedade (art. 524, Código Civil). É dizer: in genere, objeti­vamente criada a reserva, concretamente gerou efeitos - por exemplo, inviabilizando a livre exploração de natural potencialidade econômica ou afetando a valorização da área. Inegavelmente, pois, a propriedade imóvel sofreu influência do comando normativo. Assim acontece com os decretos que constituíram "reservas ecológicas" na Serra do Mar, ensejando ações por desapropriações indiretas e servindo o decreto para a fixação do dies a quo para a contagem dos juros compensatórios (Súmula n. 114-STJ). Nesse sen­tido, os precedentes jurisprudenciais são iterativos. Logo, não se trata de mera expectativa, mas, isto sim, de ato constitutivo de conseqüências con­cretas, uma vez que a mencionada lei, nos planos fático e jurídico alcançou a propriedade da Impetrante, inclusive, avivando o seu interesse de agir (art. 3", CPC). À mão de reforçar, no ponto, comemoram-se as anotações feitas

na inicial:

RSTI, Brasília, 3.13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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90 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA

" ... O Supremo Tribunal Federal, conforme acórdão publicado na

RTJ 113/161, decidiu que 'em caráter excepcional, se ocorre a eficá­

cia concreta, direta e imediata da norma contra a qual se impetra a ordem, e não há outro remédio eficaz para obviar-lhe os efeitos' é idô­

nea a segurança.

E do eminente Ministro Carlos M. Velloso:

'O que se sustenta é que o acórdão teria divergido da súmula

do Supremo Tribunal Federal, que enuncia não caber mandado de

segurança contra lei em tese. Na verdade, não cabe, e não cabe

porque a lei, em sentido material, tem caráter abstrato. Assim, não atinge diretamente direito subjetivo de ninguém.

Entretanto, há leis puramente formais que, em sentido ma­

terial, têm efeitos concretos e são, portanto, em tal sentido, ato administrativo. Neste caso, cabe mandado de segurança contra

essa lei puramente formal com efeitos concretos.

O eminente Sr. Ministro-Relator, no seu douto voto, de­

monstrou que a norma municipal é em sentido material, ato ad­ministrativo, dado que tem efeitos concretos'." (fi. 17 destes au­

tos) .

Eis a ementa do v. acórdão:

"Mandado de segurança.

O mandado de segurança ampara direito líquido e certo, afetado ou posto em perigo por legalidade ou abuso de poder. Não é admis­

sível contra a lei em tese. Todavia, idôneo se a lei gera situação espe­cífica e pessoal, sendo, por si só, causa de probabilidade de ofensa a

direito individual. Cumpre distinguir possibilidade (em tese) e proba­

bilidade (em concreto) de violação de direito." (in Rev. STJ 8/438).

Enfim, divisados os efeitos concretos, a lei (como ato político) não se furta de controle judicial - artigo 5il

, XXXV, Constituição Federal.

Não obstante a adequação do lTIandalTIus para o controle da legali­

dade dos efeitos da lei questionada, no caso, é preciso considerar que não

é objeto da causa de pedir e pedido o exame da sua legalidade formal. Somente

os seus efeitos são visados (pedido - item 5, fi. 17). Por esse único pórtico,

quanto à legalidade ou abusividade, na vanguarda, impõe-se reconhecer que

RSTJ, Brasília, a. 13, (138); 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 91

a existência de legislação específica, sobreguardando as reservas ecológi­

cas e biológicas, por si, não está sob o amálgama de vedação na sua insti­tuição.

Demais, tem sido reconhecida a competência concorrente dos Estados­

-membros para edição de leis específicas.

Nessa perspectiva, à vista do campo restrito da finalidade da via man­

damental, avessa à verificação de provas, se os efeitos são danosos, a com­

posição judicial deverá assoalhar-se no exame de ação ordinária. Daí, as fre­qüentes ações indenizatórias ou, muitas vezes, em casos tais, o ajuizamento

de "desapropriações indiretas" (na essência e fim, também indenizatórias

para a recomposição patrimonial do proprietário).

Diferente não é a motivação do voto proferido pelo eminente Relator

Ministro Humberto Gomes de Barros:

" ... Em verdade, a lei malsinada não padece de qualquer mazela.

Dela podem resultar atos administrativos prejudiciais ao patrimônio dos

Impetrantes. Isso poderá ser feito em procedimento administrativo, ou

se não houver concordância entre as partes, em processo judicial."

Enfim, alçado que os Impetrantes não pretendem a desconstituição da Lei Estadual n. 5.427/1997, seja por inconstitucionalidade ou por vício for­

mal, mas, por expresso pedido, a trava dos seus efeitos concretos (que afe­

tam o uso e gozo da propriedade), dependente de demonstração probatória incompatível na via eleita, intangida dita lei, no ponto atacado, não se evi­

dencia direito líquido e certo para coarctar a sua dimensão e eficácia no

mundo jurídico. Pois, ao fim e cabo, já que a desconstituição da lei não é

objeto do pedido e sem a possibilidade de ser modificada a litiscontestatio

(arts. 264 e 321, CPC), à falta do alegado direito líquido e certo vindica­do, na confluência da exposição, também voto negando provimento.

É o voto-vista.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 163.211 - SP (Registro n. 98.0007448-1)

Ministro Milton Luiz Pereira

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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92 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recorrente: Município de Cubatão

Advogado: Antônio Carlos Trindade Ramajo

Recorridos: José Nogueira e cônjuge

Advogado: Luiz Lopes

EMENTA: Administrativo - Processual Civil - Desapropriação

Descaracterização e modificação da destinação do imóvel - Im­

possibilidade da restitutio in integrum - Descabimento da desis­

tência - Decreto-Lei n. 3.365/1941 (arts. 2-º-, § 2-º-; e 24 a 28) - Decre­

to-Lei n. 9.760/1946 (art. 198) - CPC, artigos 128, 165, 458, lI; e 535,

II - Código Civil, artigo 146.

1. Fundamentação suficiente para a composição do litígio dis­

pensa razões adstritas ao mesmo fim. A finalidade da jurisdição é

compor a lide e não a discussão de todas as teses jurídicas expos­

tas. O juiz estabelece as normas que incidem no caso concreto, ati­

vidade que exclui a largueza da exposição feita pelos litigantes. Por

essa espia, no caso, não se viabiliza o aceno de contrariedade ao art.

535, I e lI, CPC. Corno desfrute dos apontamentos, nos limites obje­

tivos do recurso (versando aresto originário de decisão interlocutó­

ria), distanciado o mérito, não se define contrariedade aos artigos

128, 165 e 458, lI, CPC.

2. Impossibilidade da desistência de ação expropriatória quan­

do o imóvel afetado sofreu profundas alterações, com acessões e

benfeitorias próprias à destinação diversa da originária, travando a

restitutio in integrum. A jurisprudência admite a desistência quan­

do é possível a restituição sem modificações desfigurativas do esta­

do anterior.

3. A fundamentação com alcatifa nas provas não se expõe a exa­

me na via especial (Súmula n. 7-STJ).

4. Precedentes iterativos.

5. Recurso parcialmente conhecido, com provimento na parte

examinada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 93

decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­

nimidade, conhecer parcialmente do recurso e nesta parte dar-lhe provimento,

nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas

taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros José Delgado e

Humberto Gomes de Barros. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro

Milton Luiz Pereira. Custas, como de lei.

Brasília-DF, 11 de março de 1999 (data do julgamento).

Ministro Milton Luiz Pereira, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 1.7.1999.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Em agravo de instrumento, o

colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo firmou o entendimen­

to cristalizado na ementa, in verbis:

"Desapropriação. Desistência pela Municipalidade. Impossibili­

dade de devolução do imóvel em seu primitivo estado. Prova nos au­

tos da não restitutio in integrulll. Inviabilidade. Decisão singular

mantida. Improvimento do recurso." (fi. 498).

Foram rejeitados os embargos de declaração interpostos, em aresto

assim ementado:

"Embargos de declaração. Alegação de pontos omissos. Inexis­

tência de qualquer vício previsto no artigo 535, n, do CPC. Embar­

gos com caráter de infringentes do julgado. Recurso não provido." (fi.

512).

Não se conformando, o Município de Cubatão apresentou recurso es­

pecial, fulcrado na alínea a do autorizativo constitucional, afirmando:

" ... ao optar pela simplicidade da invocação da impossibilidade da

restitutio ad integrulll, para negar provimento ao agravo, sem ana­

lisar todas as demais questões federais levantadas pelo Recorrente, que

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94 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

conforme dito alhures, tratam-se de questões concatenadas, integran­

tes de uma só linha de argumentação, bem como desconsiderar maté­

ria de direito (sem que haja prejuízo ao expropriante, consistente na

impossibilidade de reverter por ato seu ou às suas expensas o bem ao

estado em que se encontrava quando da imissão provisória na posse,

não há que se invocar o fundamento da restitutio ad integrum para

negar pedido de desistência em expropriatória) que infirma a funda­

mentação eleita para negar provimento ao agravo, o que remanesceu

mesmo foi a omissão do julgado recorrido, contrariando às escâncaras

o disposto nos artigos 128, 165, 458, II; e 535, II, do Código de Pro­

cesso Civil, Lei n. 5.869/1973." (fl. 527).

Em suas contra-razões, às fls. 629/634, os Recorridos sustentaram:

"O motivo da desistência não é o desinteresse pela obra públi­

ca, que já foi implantada no local, inclusive com a demolição total das

benfeitorias que ali existiam (fls. 190/193).

A argumentação do Recorrente é capiciosa: alega que, com base

em informação unilateral da Delegacia do Patrimônio da União, a área

em questão constitui terreno de marinha, e, por isso, não seria indeni­

zável.

Ocorre que os Recorridos têm título de propriedade regular e

convenientemente registrado (fls. 120/121).

E, por isso, o digno Tribunal a quo concluiu que a questão

dominial não poderia ser resolvida neste processo, nem sob forma

incidental, como supõe a Municipalidade, que, além do mais, já tomou

a posse da área expropriada (fl. 34) e deu-lhe o destino que preten­

deu (fls. 209/213), tanto que derrubou todas as casas da Vila Parisi,

eliminando todo o bairro, ruas e serviços de infra-estrutura do lotea­

mento que ali existia (fls. 190/193).

A questão proposta, pois, foi apreciada nos limites da lide, ou seja,

o v. acórdão atacado demonstrou que não poderia enfrentar, em sim­

ples pedido de desistência da desapropriação, um tema resolvido na

sentença proferida no processo de conhecimento, que há muito tran­

sitou em julgado." (fls. 630/631).

O recurso especial não logrou ser admitido na origem, decisão que

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 95

motivou a interposição de agravo de instrumento que restou provido, resul­

tando na subida dos autos.

Ao opinar pelo não-conhecimento do recurso, o ilustre Ministério PÚ­blico Federal, asseverou:

"Com efeito, pode o expropriante desistir da expropriatória an­

tes de verificado o pagamento integral do preço, independentemente do assentimento do expropriado, assegurada ação de perdas e danos. To­davia, não alcança situações em que o expropriante não tem condições

de devolver o bem no estado em que o recebeu ou com danos de pou­ca extensão que, em outra demanda, pudessem ser avaliados. Na espé­cie, a total destruição das edificações que integravam um bairro re­sidencial e a transformação da área desapropriada em distrito indus­

trial, tornam irreversível o ato expropria tório e, nessas circunstâncias, não há que se deferir posterior pedido de desistência formulado pela

Municipalidade.

Ademais, o fato é que o acórdão também decorreu de convicção formada pela Câmara julgadora diante das provas existentes nos autos, e as razões que escoram o recurso atêm-se a uma perspectiva de ree­

xame dessas provas. A impossibilidade de restituição do imóvel, no estado anterior ao processo, em face de alterações substanciais, vale dizer tendo em vista sua descaracterização e destinação desde a imissão

na posse pelo expropriante, declarada pelo acórdão recorrido, é ma­téria que exige reapreciação de provas. A esse objetivo, contudo, não se presta o apelo especial, de acordo com a Súmula n. 7 dessa egré­gia Corte." (fls. 7081709).

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira (Relator): Contemplam-se razões

recursais lançadas contra v. acórdão que negou provimento a agravo de instru­

mento interposto no processo de ação expropriatória, desafiando decisão in­deferitória de desistência, considerando que houve alteração das condições do

local de situação do imóvel, ficando assim sumariado o verrumado aresto:

"Desapropriação. Desistência pela Municipalidade. Impossibilidade

de devolução do imóvel em seu primitivo estado. Prova nos autos da não

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96 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

restitutio in integruIll. Inviabilidade. Decisão singular mantida. Improvimento do recurso." (fl. 498).

A falar de omissões na solução de questões de direito argüidas foram

rejeitados os embargos declaratórios (art. 535, II, CPC), conforme ementa:

"Embargos de declaração. Alegação de pontos omissos. Inexis­tência de qualquer vício previsto no artigo 535, II, do CPC. Embar­gos com caráter de infringentes do julgado. Recurso não provido." (fl. 512).

Adveio, então, o recurso sob exame, afirmando que foram contraria­dos os artigos 128, 165, 458, II; e 535, II, CPC, e, ainda, os artigos 2'"-, § 2Q

; e 24 a 28, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, e, por fim, o artigo 198, De­creto-Lei n. 9.760/1946 (fls. 524 a 529).

Concluído o memento favorecedor da compreensão das questões jurí­dico-litigiosas, no sítio da admissibilidade, inicialmente, impõe-se conhe­cer da manifestação recursal no ponto adstrito à alegada contrariedade ao art. 535, II, CPC, à vista da fundamentação do v. julgado.

Nessa lida, necessariamente fixada a atenção às razões contidas na pe­tição dos embargos, anota-se que versaram argumentação voltada à situa­ção dominial do imóvel, procurando ressaltar a nulidade do título de pro­priedade; daí a indicação do art. 2Q

, § 2Q, Decreto-Lei n. 3.365/1941; do

artigo 198, Decreto-Lei n. 9.760/1946 e do artigo 146, Código Civil (fls. 504 e 505).

Sem dúvidas, abordoamento de mérito, desligado do exame direto e aplicação dos padrões assentados no Código de Processo Civil: artigos 128, 165 e 458, II, somente referenciados na via especial; portanto, sem prévia constituição de causa decidida no Tribunal a quo (art. 105, III, CF).

Apropriados, pois, os fundamentos para a rejeição dos embargos; tex­tualmente:

( ... )

"Em realidade, a Recorrente pretende discutir novamente as ques­tões decididas pelo acórdão recorrido. Este é resultado apenas de cri­tério de julgamento que, certo ou errado, poderá ser revisto, median­te recurso apropriado, nas instâncias especial e extraordinária.

Mas, se o Embargante entende ter ocorrido errada ou deficiente

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURlvlA 97

interpretação de dispositivos legais ou equivocada apreciação dos fa­

tos, não é por intermédio de embargos de declaração - recurso de

âmbito restrito e onde sequer existe manifestação da parte contrária -

que poderá alterar a decisão por ele catalogada como omissa.

Há muito tempo dizia o Professor e Ministro Aliornar Baleeiro:

' ... os embargos de declaração não são sucedâneos dos infrin­

gentes e que são temerários, incabíveis e subversivos os que pre­

tendem o que só poderia ser objeto de embargos infringentes, ten­

tando inverter, destarte, o sentido do julgamento desfavorável ao

embargante' (Recurso Extraordinário n. 75.063, Pleno, STF, RTJ 74/410)'." - fl. 514.

( ... )

" ... os embargos de declaração que somente pretendem reverter a

substância da decisão, no suposto cometimento de error juris, são, na

verdade, infringentes" (Reclamação n. 165-5, Relator Ministro Rafael

Mayer) - fl. 517.

Com os olhos de bem se ver, colhendo-se que o v. acórdão embargado

pontuou a fase processual do pedido de desistência e, também, a impossi­

bilidade da restitutio in integrurn, configurou-se solução vincada à decisão

de natureza processual, verberada por agravo de instrumento e ajustada ao

processo da ação expropriatória. Nessa perspectiva, por óbvio, não cabia

debate agregado ao vício do título dominial, exame viável por senda ordi­

nária própria e adequada; porém, inadequado às estritas hipóteses legais,

estatuídas no artigo 535, I e rI, CPC.

Desse modo, neste caso, não se divisa ofensa ao artigo 535, rI, CPC,

indicado como contrariado.

Na vertente desses apontamentos, quanto à contrariedacte ou negati­

va de vigência aos artigos 128, 165 e 458, rI, CPC, como adiantado, a res­

peito, não houve interpretação ou aplicação: não há causa decidida (art. 105,

rII, CF). Outrossim, a atividade jurisdicional corporificadora do verrumado

v. acórdão estabeleceu motivações suficientes. Inexistia a obrigação de

pesquisar outras razões, senão aquelas objetivamente necessárias para jul­

gar o agravo de instrumento. Enfim, tal como edificado o aresto, substan­

cialmente, no eito processual não se revelam as acenadas violações.

Em conclusão, não merecem provimento as prédicas de inconformismo

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98 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

talhado à sombra dos artigos 128, 165,458, II; e 535, II, CPC.

Como fase seguinte, preambularmente, como facies, projetou-se

alegada contrariedade aos artigos 2Q, § 2Q

; e 24 a 28, do Decreto-Lei n.

3.365/1941, e ao artigo 198, Decreto-Lei n. 9.760/1946, vinga a percepção

de análise conjugada com o próprio mérito.

Para a pertinente pesquisa, aviva-se que o julgado alicerçou-se na si­

tuação do imóvel quando do pedido de desistência, observando:

( ... )

"Nas circunstâncias em que o processo se encontra, o despacho judicial merece confirmação, pois o agravado que tinha o uso, gozo e

fruição do bem, com a desapropriação e a destinação que foi dada ao

imóvel, agora se vê sem a individuação do seu lote, destruídas todas

as o bras e serviços de infra-estrutura que caracterizavam um bairro

residencial." (fl. 500).

É o bastante para sublinhar-se exame cingido ao conjunto probatório,

timbrando circunstâncias factuais para reconhecer que o município expro­

priado foi imitido na posse da área, realizando " ... obras e serviços desca­

racterizando sua primitiva configuração ... " (fl. 500).

Por essa espia significa dizer que se tornou impossível a restituição do

imóvel na situação anterior, sendo inafastável a sua desfiguração, com re­

percussões na sua destinação privada.

Essas considerações, entregues à soberania das instâncias ordinárias,

são insuscetíveis de reexame na via especial (Súmula n. 7 -STJ).

Em outra perspectiva, recorda-se que o recurso tem por motivo aresto

que julgou agravo de instrumento lançado contra decisão interlocutória, sem

avançamento do juízo específico de mérito, tratando apenas de um episó­

dio processual - desistência da ação. Logo, até aqui, sem provimento o agra­

vo, a ação continua o seu curso, ainda desconhecendo-se a composição fi­

nal que, em tese, até poderá restabelecer o status quo ante. Desse modo, descabe adiantar na via especial verificação de mérito, diante dos limites

objetivos do v. acórdão combatido, sendo notória a falta de prequestiona­

mento.

Na parte do conhecimento, com a interposição do agravo, devolvido ao

Tribunal de Justiça, inclusive, a composição harmoniza-se com a jurispru­

dência desta Corte. Ou seja, é possível a desistência, desde que o imóvel não

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 99

tenha sofrido profundas alterações e descaracterizado. Inter alia, confira­

-se:

"Desapropriação. Desistência. Impossibilidade, no caso de irre­

versibilidade do ato expropriatório.

A jurisprudência é no sentido de que pode o expropriante desis­

tir da expropriatória antes de verificar-se o pagamento do preço, in­

dependentemente da vontade do expropriado, com ressalva a este da ação de perdas e danos. Todavia, não alcança casos como o presente, em

que o expropriante não tem condições de devolver o bem no estado em que

o recebeu ou com danos de pouca monta que, em outra ação, pudessem ser

avaliados. Com efeito, o expropriante, na espécie, construiu no imó­

vel expropriado escola, campo de futebol, parque infantil, gramados,

avenida, com canalização de córrego e, finalmente, permitiu a invasão de favelados, incentivando-os com a ligação de água e luz. Nessas cir­

cunstâncias, tornando irreversível o ato expropriatório, impossível ad­

mitir-se a desistência da respectiva ação.

Ofensa ao art. 2J:!. do Decreto-Lei n. 3.365, de 1941, não carac­

terizada.

Recurso especial não conhecido." (REsp n. 38.966-6-SP, ReI.

Min. Pádua Ribeiro, in DJU de 14.3.1994 - grifei).

"( ... ) A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o

expropriante pode, a todo o tempo, e antes do pagamento integral do

preço, desistir da expropriatória, independentemente do assentimento do expropriado. Todavia, a desistência não alcança casos como presen­

te, em que, no imitir-se na posse, o expropriante realizou profundas

alterações no imóvel, impossibilitando a sua restituição no estado an­

terior.

Recurso a que se nega provimento. Decisão indiscrepante". (REsp

n. 136.761-SP, ReI. Min. Demócrito Reinaldo, in DJU de

15.12.1997).

No ponto sob enfoque, como reforço, lembra-se: REsp n. 158.355-SP, ReI. Min. Peçanha Martins, in DJU de 6.4.1998; Ag. n. 157.132-SP, ReI.

Min. Milton Luiz Pereira, in DJU de 8.10.1997; Ag. n. 81.210-RJ, ReI.

Min. Antônio de Pádua Ribeiro, in DJU de 10.6.1996; Ag. n. 140.165-SP,

in DJU de 9.5.1997.

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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100 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Confluente às razões desenvolvidas, no juízo definitivo de admissibi­

lidade, parcialmente, conhecendo do recurso, quanto à parte examinada,

voto negando provimento.

É O voto.

RECURSO ESPECIAL N. 212.961 - MG (Registro n. 99.0039817-3)

Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros

Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Recorrido: Diretor da Escola Municipal São Luís

EMENTA: Mandado de segurança - Ensino público - Criança -

Direito à educação - Ministério Público - Competência - Substitui­

ção processual - Lei n. 8.069/1990, art. 201, IX.

- A teor do Código da Criança e do Adolescente, o Ministério

Público não apenas está legitimado, mas "é competente". Vale di­

zer: tem o encargo legal de defender, em substituição processual,

os interesses sociais da criança.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao

recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr.

Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e

Francisco Falcão. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira.

Brasília-DF, 15 de agosto de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator.

Publicaciú no DI de 18.9.2000.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 101

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: O Ministério Público es­

tadual impetrou mandado de segurança contra ato que indeferiu matrícula

de menor, em escola pública. A segurança foi deferida em 1 Q grau. No en­

tanto, o v. acórdão recorrido cassou-a, extinguindo o processo, sem julga­

mento do mérito. Tomou como fundamento a assertiva de que o Ministério

Público carece de legitimidade para atuar como substituto processual de

menor. Para chegar a tanto, afastou a incidência do dispositivo contido no

art. 201 da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), es­

pecialmente de seu inciso IX.

O acórdão inspirou-se no dispositivo do REsp n. 102.029, em que a

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou a impossibilidade

de substituição processual de menor sob pátrio poder.

O recurso especial traz-nos reclamação de ofensa ao art. 201, IX, da

Lei n. 8.069/1990. Oferece como padrão de divergência, acórdão da Quarta

Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Este, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): Conheço do

recurso pela alínea a. O dispositivo supostamente ofendido foi eloqüente­

mente debatido na formação do acórdão recorrido.

No mérito, o art. 201, IX, da Lei n. 8.069/1990 afirma, textualmente:

"Compete ao Ministério Público:

IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo ou tribunal, na defesa dos interesses sociais

e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente."

Aqui, o Ministério Público movimentou-se para defender o direito de

uma criança, moradora em zona rural, ter acesso ao ensino público.

A teor do art. 201 que acabo de transcrever, o Ministério Público não

apenas está legitimado, mas "é competente". Vale dizer: tem o encargo

legal de defender, em substituição processual, os interesses sociais da

cnan,ça.

RST}, Brasília, a, 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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102 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Como assinala o Ministério Público, nas substanciosas razões de seu apelo, é a própria Constituição Federal que insere a educação no rol dos direitos sociais. Em verdade, educação é o primeiro dos direitos sociais, não apenas na enunciação constitucional, como na ordem natural das coisas.

Com efeito, onde há educação, existe saúde, saúde gera trabalho, trabalho pede lazer e assim por diante. Em recente pronunciamento, notável econo­mista não vacilou em dizer: "houvesse apenas um real em caixa, eu não va­cilaria em destiná-lo à educação".

Ora, se há uma criança a quem se nega o direito à educação, não vejo como negar ao Ministério Público o direito-dever de substituí-la proces­sualmente, pleiteando em nome dela a necessária prestação jurisdicional.

Dou provimento ao recurso.

RECURSO ESPECIAL N. 226.863 - GO (Registro n. 99.0072899-8)

Relator:

Recorrente:

Advogado:

Recorrido:

Sustentação oral:

Ministro Humberto Gomes de Barros

Gildomar Gonçalves Ribeiro

Irajá Pimentel

Ministério Público do Estado de Goiás

Irajá Pimentel (pelo recorrente)

EMENTA: Ação civil pública - Defesa do patrimônio público -Legitinlidade do Ministério Público - Indisponibilidade de bens.

I - "O Ministério Público possui legitimidade ativa para pro­por ação civil pública visando ao ressarcimento de danos causados ao patrimônio público por prefeito municipal." (REsp n. 159.231/

Humberto).

II - A indisponibilidade patrimonial, na ação civil pública para ressarcimento de dano ao Erário deve atingir bens na medida em que bastam à garantia da indenização.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 103

Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento

ao recurso, vencido parcialmente o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira. Vo­taram integralmente de acordo com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Minis­

tros José Delgado, Francisco Falcão e Garcia Vieira.

Brasília-DF, 2 de março de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator.

Publicado no DJ de 4.9.2000.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros: O recorrente, ex-prefei­

to municipal, teve seus bens declarados indisponíveis, em processo de ação

civil pública. Houve agravo contra essa declaração, afirmando, em suma:

1. impropriedade da ação civil pública, para reparar danos resultantes

de suposta improbidade administrativa;

2. impossibilidade de providência liminar no processo principal da ação

de improbidade;

3. inexistência de condições de ação;

4. o perigo de lesão irreversível ameaça o agravante, que pode ser con­

denado à miséria - não o Município;

5. a indisponibilidade, atingindo todo o patrimônio do agravante, ex­

cede os limites do pedido;

6. a comunicação da indisponibilidade aos cartórios de registro públi­

co também foi adotada extra petita;

7. agrediu-se o devido processo legal, garantido pelo art. 52, LIV e LV,

da Constituição Federal.

O egrégio Tribunal a quo deu provimento parcial ao agravo, porque:

1. não existe a alegada impropriedade da ação civil pública, eis que a

Lei n. 7.347/1985 foi acolhida pela Constituição Federal de 1988;

2. "a ação civil pública mostra-se adequada para busca de ressarcimen­

to aos cofres públicos, de prejuízos decorrentes de atos lesivos ao patrimônio

público (CF, art. 129, IH), sem prejuízo da iniciativa de terceiros";

RSTI, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereíro 2001.

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104 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL

3. a teor da Constituição Federal (art. 129, IH), o Ministério Públi­co tem legitimidade para exercer ação civil pública em defesa do patri­mônio público;

4. "apesar da auto-aplicabilidade da norma constitucional, o art. 110 da Lei n. 8.079/1990 (Código de Defesa do Consumidor) determinou o acréscimo do inc. IV ao art. 1!2. da Lei de Ação Civil Pública, ampliando o rol dos interesses (direitos a serem defendidos por meio da ação, com acrés­cimo da expressão a defesa de "qualquer outro interesse difuso ou coleti­vo") ;

5. ora, o patrimônio público, embora esteja vinculado a algum dos en­tes estatais, pertence a toda coletividade;

6. o art. 25, IV, da Lei n. 8.625/1993 (Lei do Ministério Público) in­dicou a ação civil pública para a desconstituição de atos lesivos ao patri­mônio público ou à moralidade administrativa, dando-lhe o mesmo alcan­ce da ação popular;

7. a conjunção entre os artigos 11 e 12 da Lei de Ação Civil Pública e os arts. 7!2., parágrafo único; e 16 da Lei de Improbidade Administrativa

evidencia a possibilidade de liminar em ação civil pública, da qual a ação de improbidade é espécie;

8. a intimação dos cartórios de registro não traduz decisão extra petita, consistindo em mera conseqüência da indisponibilidade;

9. a teor do art. 6!2. da Lei de Improbidade, a constrição de bens deve limitar-se ao necessário para garantir o ressarcimento do dano à coisa pú­blica ou do enriquecimento ilícito.

O recurso especial procura conforto na alínea a. Nele desenvolvem­-se argumentos que resumo assim:

1. o pedido que justificou a ação foi suposto "dano ao Erário público por ato de improbidade administrativa". Assim, o fundamento da ação é a Lei n. 8.429/1992 (Lei do Enriquecimento Ilícito);

2. essa lei criou normas especiais de procedimento, não adotando aquelas consagradas na Lei de Ação Popular. Com efeito, seu art. 17 é cla­ro ao dizer que "a ação principal terá o rito ordinário";

3. a Lei de Ação Civil Pública não se presta à defesa daqueles interes­

ses não catalogados nos quatro incisos que integram seu art. 1!2.. Bem por isso, a pretensão de reparar supostos danos ao Erário, com o exercício da ação civil pública deveria ter sofrido indeferimento liminar (art. 295, V, do

CPC);

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 105

4. o procedimento ordinário, eleito pelo legislador, para a Lei de

Improbidade, não admite liminar. Assim, caso pretenda obter medida

cautelar, o demandante deve eleger o processo específico, para geração de

tal providência;

5. o art. 16 da Lei de Improbidade (n. 8.429/1992) determina que o

seqüestro de bens obedeça ao rito estabelecido pelos artigos 822 e 825 do

Código de Processo Civil;

6. a comunicação dos seqüestros aos cartórios de registro público,

além de ser concedida ultra petita, constituiu "maldade sem tamanho".

Este, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (Relator): O recurso es­

pecial envolve duas questões, a saber: legitimidade ativa do Ministério PÚ­

blico, nas ações civis públicas em defesa do Erário e a possibilidade de

arrestarem-se bens do agente público, no curso de tal processo.

Esta Turma, entretanto, já apreciou ambas as questões, firmando o en­

tendimento de que:

"O Ministério Público possui legitimidade ativa para propor ação

civil pública visando ao ressarcimento de danos causados ao patrimônio

público por prefeito municipal." (REsp n. 159.2311Humberto).

"Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil

pública visando ao ressarcimento de dano ao Erário. A Lei n. 8.429/

1992, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente

para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibi­

lidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido

como criminoso." (REsp n. 196.932/Garcia).

Em homenagem a estes precedentes, nego provimento ao recurso es­

pecial.

VOTO-VENCIDO (EM PARTE)

O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, o histórico rela­

tado, os aditivos trazidos como informações na brilhante sustentação oral

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106 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

do ilustre Advogado e agora a didática exposição do voto do eminente Mi­

nistro-Relator, evidentemente, mostram a dispensabilidade de quaisquer

outras considerações. Todavia, à guisa apenas de ousado reforço, lembro que,

no contingente agregado ao art. 1" da Lei de Ação Civil Pública, estabele­

ceram-se, não só nesta Corte, mas de modo geral em todos os tribunais e

na culminância da Excelsa Corte, longas considerações sobre a extensão das

disposições desse art. 1", paralelamente à legitimação ou não do Ministé­

rio Público.

Aliás, no sítio restrito desta Turma, V. Ex. a, tão logo percebeu-se da

importância e do significado, notoriamente, da legitimação do Ministério

Público, sufragou um entendimento de ampliação à vista do texto consti­

tucional e compreendendo num elastério que V. Ex. a intitulou de magno in­

teresse público ou coletivo, ao qual o Ministério Público estava legitima­

do, podendo ele participar da ação popular e da ação de improbidade, que

veio a posteriori.

O que na verdade restou disso tudo é o cabimento ou não da ação ci­

vil pública para a desconstituição de lançamentos tributários, à vista de que

cada contribuinte, no resumo dos seus próprios interesses, poderia ser al­

cançado pelos efeitos genéricos de uma ação de alcance coletivo.

Salvo também registro equivocado da minha memória, e assim subli­

nho porque não tenho certeza, a questão da legitimação do Ministério PÚ­

blico e do cabimento da ação civil pública já foram assuntos debatidos pela

Corte Especial. E reitero: salvo registro equivocado, a Corte entendeu do

cabimento da ação civil pública e a distinguiu da ação de improbidade em

determinados pontos. O que ficou fixado é a impossibilidade da simultanei­

dade dessas ações; dadas as peculiaridades dos casos concretos.

Fiz esse breve reforço apenas para, no final, situar que comungo e que

faço uma manifesta adesão ao que expôs no seu voto o eminente Ministro­

-Relator. Todavia, Sr. Presidente e eminente Ministro-Relator, divergindo

num tópico parcial: quanto à extensão do registro da constrição dos bens

em todos os registros cartoriais de Goiás, se assim bem entendi; quer di­

zer, não só ao registro de imóveis, mas a todos os registros civis de cartó­

rios de protestos. Por que divirjo? O efeito que a lei almeja é o de assina­

lar para evitar prejuízo à boa-fé de terceiro adquirente, porque o imóvel está

sofrendo um ônus de dúvida na cadeia dominial quanto à legalidade da

transmissão ou quanto ao meio de aquisição lícito ou ilícito.

Essa publicidade, aliás, como todos sabemos, faz uma prova juris

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 107

tantum e não juris et de jure no nosso sistema. A verdade é que, na prá­

tica, ela tem um efeito juris et de jure, porque afastada a boa-fé ao

surgimento da hipótese da fraude com uma conseqüente anulação da trans­

missão. Por outro lado, no aspecto teleológico da lei, feito o registro de

imóvel na comarca onde se localiza o imóvel, a proteção e a garantia es­

tão perfeitamente alcançáveis. Essa outra extensão, embora não traga aquele

efeito de impedir a transmissão ou evitar a legação de boa-fé, causa danos,

porque a assinalação numa certidão desse fato põe em dúvida a idoneidade

patrimonial daquele que tem o seu bem registrado, seja a que título for.

Agora, com a informática, esses registros são amplos, quase que totais, é um

extrato da vida do próprio imóvel e da vida do cidadão.

Então, com essas rápidas palavras, divirjo neste ponto único, porque

os demais já estão vencidos e assinalados na nossa jurisprudência. Daí tam­

bém a minha surpresa ao ouvir o eminente Ministro-Relator dizer que não

encontrou precedentes. Temos vários precedentes. Há, inclusive, um prece­

dente antigo de Campos dos Goytacazes - se não estiver outra vez a minha

memória falhando -, em que se iniciaram as discussões quanto a esse as­

pecto da legitimação do Ministério Público e da viabilidade da ação civil

pública. O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo, naquele caso específico, en­

tendia - ainda não havia a Lei de Improbidade - que o caminho seria uma

ação popular e não a ação civil pública. Então temos precedentes nos re­

gistros, não diria com o detalhamento do caso concreto, mas quanto à dis­

cussão sobre esses temas. Recentemente, há no Supremo Tribunal Federal

um precedente quanto ao aspecto do alcance da ação civil pública para

desconstituir o lançamento tributário.

Acompanho o voto do eminente Ministro-Relator quanto aos demais

tópicos, divergindo parcialmente para prover o recurso no sentido de que

sejam cancelados os registros cartoriais com exceção do registro feito no

cartório de imóveis da comarca ou das comarcas onde se situam os bens sob

constrição.

ADITAMENTO AO VOTO-VENCIDO (EM PARTE)

O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, peço permissão a

V. Ex. a, porque há um ponto enfatizado pelo eminente Advogado que não

ressaltei.

S. Ex. a sustenta, fortemente, a inadequação da liminar, porque os pro­

cessos e os procedimentos estariam diferenciados, sendo que há a aplicação

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lOS REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

da Lei de Improbidade. S. Ex." destaca que o Ministério Público teria en­

contrado dificuldade, tanto que tipificou na Lei de Improbidade e susten­

tou isso processualmente na ação civil pública.

o caminho hoje está aberto; há um pórtico de certo modo lineado na

jurisprudência, com a aplicação por aproveitamento expresso na Lei do

Código do Consumidor.

Efetivamente, se isso não acontecesse, essa transposição de procedimen­

to de desobediência de uma lei com aplicação em outra lei que não prevê,

estaríamos com um complicador processual.

Por essa outra razão surge no Código do Consumidor o que agora foi

lembrado pelo eminente Ministro-Presidente: o poder geral de cautela diante

de casos concretos, em que a urgência viabiliza esse caminho, evidente que

dentro de um processo legal. Esse processo legal não é cerceado; ele é pro­

piciado após o ato judicial, vale dizer, o acesso ao Judiciário para des­

constituir esse ato do juiz tem as suas vias próprias, e a primeira delas se­

ria a via do agravo.

Pedi para fazer esse aditamento para que o ilustre Advogado não ima­

ginasse ... - sei que V. Ex." não imaginaria -, mas pelo menos para evitar

a conjectura de que não quis enfrentar a questão. Foi apenas esquecimento.

ESCLARECIMENTOS

o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, em razão dos dois

votos que se seguiram, quero dar um esclarecimento que serve também

como adição. Ousei divergir, porque essa averbação, ou outro nome que se

dê no registro de imóveis, não impede a transmissão. Não impede por quê?

Porque não há o cancelamento da matrícula. Quem quiser comprar, com­

pre. Só que arcará com o ônus do prévio conhecimento de que há incidên­

cia. Não há desconstituição do registro.

Daí por que fui para a divergência imaginando a ilegalidade não ci­

tei isso - de falar para um cartorário que não lavre a escritura, que não faça

a venda. Essa é uma outra relação jurídica que não pode ser aqui tratada.

Se alguém quiser comprar, compre, mas está averbado. Não me parece que

é uma ilegalidade flagrante impedir que um tabelionato lavre a escritura de

quem quer comprar com aqueles ônus. É como quem compra uma dívida

de um falido. Ele pode, mas arcará com as conseqüências jurídicas.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 109

VOTO

o Sr. Ministro José Delgado (Presidente): Srs. Ministros, acompanho

o eminente Ministro-Relator na inteireza do seu voto. A Turma conhece o

meu posicionamento a respeito da interpretação sistêmica que dou à Lei de

Improbidade e à Lei de Ação Civil Pública, e penso que, no caso do arres­

to, o juiz se utilizou do poder geral de cautela que, a meu ver, não foi ata­

cado com demonstração de que tivesse havido uma violação à lei por parte

do magistrado, nesse sentido.

VOTO

o Sr. Ministro Garcia Vieira: Sr. Presidente, temos vários preceden­

tes nesta Turma, inclusive na Corte, no mesmo sentido em que votou o Sr.

Ministro Humberto Gomes de Barros: da legitimidade do Ministério PÚ­

blico para mover ação civil pública em caso de danos ao Erário.

Com referência à comunicação aos cartórios, acompanho inteiramen­

te o voto, V. Ex.", na sua conclusão, porque o juiz, utilizando o poder de cau­

tela, poderia comunicar aos demais cartórios que aqueles imóveis não po­

diam ser alienados.

Quero render as minhas homenagens ao Dr. Irajá Pimentel pela exce­

lente sustentação. Trata-se de uma pessoa de inteligência brilhante.

Acompanho o voto do eminente Ministro-Relator.

RECURSO ESPECIAL N. 240.033 - CE (Registro n. 99.0107537-8)

Relator:

Recorrente:

Recorrido:

Advogados:

Ministro José Delgado

Ministério Público Federal

Universidade Federal do Ceará - UFC

Maria Auxiliadora Braga Castelo Branco e outros

EMENTA: Processual Civil - Interesses coletivos - Conceituação

- Ação civil pública - Ministério Público - LegitiInidade.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereíro 2001.

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110 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. Não ingressa no rol dos denominados interesses difusos e co­

letivos o do aluno de ensino superior público pretender ingresso em

dois cursos na mesma universidade.

2. Tal tipo de interesse, além de não ser social, atua de forma

isolada e por conveniência pessoal do indivíduo, pelo que não tem

características de transindividualidade e indivisibilidade.

3. Ilegitimidade bem reconhecida pelo acórdão recorrido.

4. Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutÍdos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar

provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vota­

ram de acordo com o Relator os Srs. Ministros Francisco Falcão, Humberto

Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira. Ausente, justificadamente, o Sr.

Ministro Garcia Vieira.

Brasília-DF, lS de agosto de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 18.9.2000.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro José Delgado: O Ministério Público Federal insurge­-se, via recurso especial (fls. lS2/1S8), ao abrigo das alíneas a e c do inc.

lU do art. lOS da Constituição Federal, contra acórdão (fls. l44/1S0) pro­

ferido pela Primeira Turma do TRF/S.a Região, assim ementado (fl. ISO):

"Constitucional e Processual Civil. Ação civil pública. Interesse individual disponível. Ilegitimidade ativa ad causam do Ministério

Público. Extinção do processo sem julgamento de mérito.

- Ação que objetiva assegurar a alunos universitários do Estado

do Ceará a ocupação de mais de uma vaga em cursos de estabeleci­

mentos de ensino superior.

- Entre as funções institucionais do Ministério Público, em face

da Constituição de 1988, inclui-se a defesa, via ação civil pública, dos

RSTI, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 111

interesses sociais e indisponíveis, além de outros interesses difusos e

coletivos.

- Não constitui função do Parquet, tampouco objeto de ação ci­

vil pública (Lei n. 7.347/1985, art. }-Il), a defesa de interesses indivi­

duais disponíveis.

- Reconhecimento de ofício da ilegitimidade ativa ad causalll do Ministério Público.

- Extingue-se o feito sem julgamento do mérito, com base no art. 267, VI, do CPC."

Historiam os autos que o ora recorrente a)UlZOU ação civil pública,

com pedido liminar, em face da Universidade Federal do Ceará - UFC ten­do como escopo a obtenção de um provimento jurisdicional capaz de afas­

tar a potencialidade da produção de efeitos jurídicos de ato administrativo

emanado do Ministério da Educação (Portaria n. 837, de 31 de agosto de 1990) em face de sua ilegalidade consubstanciada na norma vedatória (art.

52) de matrícula simultânea em instituições públicas de ensino superior.

A liminar foi deferida, afastando-se os efeitos da referida portaria com

a determinação de que fosse efetivada a matrícula da coletividade de estu­dantes que figuravam como "destinatários normativos".

Citada a Universidade Estadual do Ceará - U ece, passou esta a com­por, também, o pólo passivo da demanda, sendo-lhe estendidos os efeitos da liminar.

o r. juízo monocrático, afastando a preliminar de ilegitimidade ad

causalll, julgou parcialmente procedente o pedido, assegurando, apenas, aos

estudantes das universidades, de vestibulares de anos diversos, as matrículas

simultâneas. A sentença assim foi ementada (fls. 117/118):

"l. Ação cível pública. Ensino superior. Vedação, por portaria, de

matrícula simultânea em instituições públicas de ensino superior.

2. Em razão do interesse social é mantida a legitimidade do Mi­

nistério Público Federal.

3. Procedência parcial da demanda. Portaria não é lei em sen­

tido formal. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa, senão em virtude de lei, em sentido material e formal, confor­

me preceito constitucional. Ademais, a liminar que subsistiu até hoje,

consolidou a situação dos estudantes, ao longo do tempo, sendo

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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112 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

desaconselhável desconstituí-Ia a estas alturas, conforme iterativa ju­

risprudência.

4. 'Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica,

nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um

irrelevante acidente histórico na vida dos povos e nas nações. Todos os

atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à censura jurí­

dica dos tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos

de qualquer validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade

dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstân­

cias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada cons­

tituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não

serão jamais ofendidos' (ADIn n. 293-7-DF, ReI. Min. Celso de Melo,

STF, DJU de 16.4.1993, p. 6.429).

5. Inexistência de duplo grau, por se tratarem, as rés, de autar­

quias."

A Universidade Federal do Ceará - UFC apelou da decisão e o egré­

gio Tribunal a quo, à unanimidade, declarou de ofício a ilegitimidade ati­

va ad causaIll do Parquet, extinguindo o processo sem exame do mérito sob

o entendimento central de que não constitui função ministerial a defesa de

interesses individuais disponíveis, como os que estão sob tutela.

N este momento, em sede de recurso especial, aduz o Recorrente vio­

lação destes dispositivos legais:

art. 21 da Lei n. 7.347/1985 ("Aplicam-se à defesa dos direitos e

interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositi­

vos do Título UI da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor");

- arts. 81 ("A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das

vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo"),

parágrafo único ("A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:"), IIJ

("interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decor­

rentes de origem comum"); e 82 ("Para os fins do art. 81, parágrafo úni­

co, são legitimados concorrentemente:"), I ("o Ministério Público"), da Lei

n.8.078/1990;

- art. 6.Jl ("Compete ao Ministério Público da União"), VII ("promo­

ver o inquérito civil e a ação civil pública para:"), d ("a proteção de ou­

tros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e co­

letivos"), da Lei Complementar n. 75/1993.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 113

Sustenta, ainda, a existência de divergência jurisprudencial com os se­

guintes julgados (fls. 156/158):

"Ação civil pública. Legitimidade ativa do Ministério Público.

Interesses individuais homogêneos. Liminar. Tabela AMB/1992.

Segundo a interpretação mais adequada dos arts. 127, 129, UI e

IX, e 3.0., CF/1988, a legitimidade do Ministério Público para promo­

ver ação civil pública na defesa dos interesses individuais homogêneos só se configura quando tais interesses alcançam, pelo seu conjunto, sig­

nificação social relevante. Valoração que, competindo ao Ministério

Público, fica, inobstante, sujeita ao controle judicial, no caso, somen­te é exercitável a final porque envolta no exame do mérito do pedi­

do.

Decisão liminar que, de resto, atendeu aos demais requisitos, pois o aparente aumento imoderado dos honorários médicos exigidos nos

contratos da chamada medicina de grupo, e que tem fundamento dis­

cutível, pode causar lesão de difícil reparação aos associados, estes

considerados coletivamente.

Agravo improvido." (TRF, 4.a. Região, Terceira Turma, Ag n.

93.04.42870-0-PR, 1.3.1994, unânime, Relator Juiz Volkmer de

Castilho, DJ de 11.5.1994, Seção 2, p. 22.050).

"Processo Civil. Ação civil pública. Empréstimo compulsório. Decreto-Lei n. 2.288/1986. Instituto Brasileiro de Defesa do Consu­

midor - Idec. Direitos individuais homogêneos. Legitimidade.

I - São objetivos do Idec, expressamente apontados em seu esta­

tuto, a defesa do contribuinte bem como a defesa do consumidor em suas múltiplas relações.

U - O Código de Defesa do Consumidor introduziu, como ob­

jeto de ação civil pública, dentre outros, a defesa dos direitos indivi­

duais homogêneos.

lU - Tanto o texto constitucional, em seu artigo 129, § 1.0., como

a Lei de Ação Civil Pública, admitem a legitimidade disjuntiva e con­

corrente das associações com o Ministério Público.

IV - Legitimidade do autor reconhecida, devendo, porém, o JUIZ

a quo atentar para as demais condições da ação, conforme explicitado

na declaração de voto." (TRF, 311 Região, Quarta Turma, AC n. 129.677,

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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114 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20.4.1994, unânime, Relatora Juíza Lúcia Figueiredo, DJ de

18.10.1994, Seção 2, p. 59.312, grifos acrescentados).

"Processual Civil. Interesses coletivos ou difusos. Ação civil pú­blica.

- Legitimidade ativa do Ministério Público. Indiscutibilidade da afirmação, mormente se proposta a ação em defesa de favorecimento

constitucional dirigido, dentre outras, às pessoas portadoras de defi­

ciência. Lei n. 7.347/1985, a que faz remissão à Lei n. 7.853/1989." (STJ, Quinta Turma, REsp n. 74.235-RS, 6.8.1996, Relator Ministro

José Dantas, 26.8.1996, Seção I, p. 29.709).

"Recurso especial. Ação civil pública. Legitimidade ativa do Mi­

nistério Público. Danos causados aos trabalhadores nas minas de Morro

Velho. Interesse social relevante. Direitos individuais homogêneos.

1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação

civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante.

2. A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalu­bres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogê­

neo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público.

3. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, Terceira Turma,

REsp n. 58.682-MG, 8.10.1996, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes, 16.12.1996, Seção 1, p. 50.864).

Em suas razões, argúi o Ministério Público:

a) que a interpretação emprestada ao instituto da ação civil pública se

deu de modo restritivo quando se sabe que a sua finalidade e importância consistem, precisamente, em ampliar os conceitos clássicos de procedimentos

de natureza estritamente individual para garantia da tutela coletiva de in­teresses difusos e homogêneos;

b) a legitimidade do Ministério Público para a defesa dós direitos não

decorre da natureza deles, que é individual, mas da circunstância de que devem ser defendidos coletivamente;

c) no caso dos autos, a expressão "para a coletividade" está claramente presente nos termos da letra b da Súmula n. 7 do Conselho Superior do

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 115

Ministério Público ("O Ministério Público está legitimado à defesa de in­

teresses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade,

como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao

acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja

extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo

pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico"). Há evi­

dente dispersão dos lesados (todos os indivíduos que desejam ingressar em

mais de um curso em instituição pública de ensino superior no Ceará), de

forma a tornar patente a legitimidade do Ministério Público na defesa co­

letiva de seus interesses, evitando, com isso, um grande número de ações in­

dividuais.

Ofertadas contra-razões (fls. 168/170), defendendo-se a manutenção do

decisurn vergastado por seus próprios e jurídicos fundamentos. Reafirma­

-se a ilegitimidade ativa do Ministério Público, bem como a falta de inte­

resse processual, vez que inocorrentes as hipóteses previstas na Lei n. 7.347/

1985, além de tratar-se, in casu, de direitos puramente individuais, ine­

xistindo qualquer razão para a anulação da Portaria Ministerial n. 837/1990.

Houve interposição de recurso extraordinário (fls. 159/164).

Conferido crivo positivo ao processamento de ambos os apelos perpe­

trados (fls. 172/173), ascenderam os autos a esta Corte.

Solicitado parecer ao Ministério Público Federal, opinou a ilustre

Subprocuradora-Geral da República Dra. Gilda Pereira de Carvalho, às fls.

179/190, pelo provimento do presente recurso especial sob os fundamentos

assim resumidos (fl. 179):

"Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. Legitimida­

de do Ministério Público. Restrição de direitos. Portaria n. 837/1990.

Ilegalidade.

1. Portaria do Ministério da Educação restringiu direitos de es­

tudantes de freqüentarem duas universidades públicas.

2. O objeto da ação era para que a UFC procedesse à matrícula

dos estudantes face à ilegalidade da portaria. Interesse coletivo é o vis­

lumbrado, para outros, é o caso de interesse individual homogêneo.

3. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação

civil em defesa de interesses individuais homogêneos quando existente

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116 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

interesse social compatível com a finalidade da instituição. Preceden­

tes do STJ.

4. Convém à sociedade a defesa conjunta de vários interesses in­

dividuais homogêneos quando há dispersão de interessados. Garantia

da segurança jurídica e da economia e celeridade processual.

5. O correto funcionamento do sistema jurídico é interesse rele­

vante que legitima a atuação do Ministério Público pela via da ação

civil pública.

6. Pelo provimento do recurso especiaL"

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro José Delgado (Relator): O tema em debate no âmbito

do presente recurso especial está circunscrito a se definir se as situações

jurídicas que estão envolvidas pela Portaria n. 837, de 31.8.1990, expedida

pelo Ministério da Educação, estão incluídas no conceito de interesses so­

ciais e indisponíveis considerados, portanto, como sendo de natureza difusa

ou coletiva, tudo para se consagrar ou não a legitimidade do Ministério Público em face de ação civil pública.

A Portaria n. 837, de 31.8.1990, a questionada, tem a seguinte reda­

ção (fi. 12):

"O Ministro de Estado, no uso de suas atribuições, tendo em vis­ta o que dispõe o Decreto n. 99.490, de 30.8.1990, resolve:

Art. 1.0. - A inscrição no concurso vestibular será concedida à vista

da prova de conclusão do ensino de 2.0. grau ou equivalente, podendo, a

juízo da instituição responsável, ser apresentada até a data final de ma­

trícula, considerando-se nula a classificação quando assim não ocorrer.

Art. 2.0. - As instituições particulares sujeitas à supervisão subme­terão, em tempo hábil, o edital do concurso à Delegacia do Ministé­

rio da Educação de sua região.

Art. 3.0. - Os resultados do concurso vestibular são válidos ape­

nas para o período letivo a que se refere o edital.

Art. 4.0. - As instituições explicitarão no edital o número de va­

gas oferecidas ao concurso.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 117

§ 1'"- - No caso de não preenchimento das vagas poderão optar pela realização de novo concurso vestibular.

§ 2"" - Em qualquer caso, nas instituições federais de ensino su­perior, ocorrendo vagas remanescentes, deverão estas ser preenchidas mediante matrícula de graduados e transferências, nos termos da legis­

lação e das normas vigentes.

Art. 5'"- - É vedado ao aluno a ocupação simultânea de mais de uma vaga em instituições públicas de ensino superior.

Art. 6'"- - As instituições de ensino superior encaminharão ao Mi­

nistério da Educação os formulários adotados pelo órgão de estatísti­ca, em tempo hábil, visando a permitir o acompanhamento dos con­cursos vestibulares.

Parágrafo único - Todas as instituições de ensino superIor pro­

moverão a análise de informações socioculturais coletadas por ocasião da inscrição no concurso vestibular, tendo em vista pesquisas e estu­

dos mais amplos sobre os candidatos inscritos e classificados.

Art. 7'"- - Os casos omissos serão resolvidos pela Secretaria Na­cional de Educação Superior deste Ministério, revogadas as disposi­ções em contrário.

Art. 8'"- - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação."

O dissídio em apreço refere-se, apenas, ao art. 5'"- da referida portaria, por assinalar que: "É vedado ao aluno a ocupação simultânea de mais de uma vaga em instituições públicas de ensino superior".

Observa-se, de imediato, que a vedação acima identificada só atinge

o aluno que pretenda ocupar, de modo simultâneo, mais de uma vaga em instituições públicas de ensino superior.

Identificado o campo de atuação da ordem ministerial, firma-se, des­de logo, a convicção de que não está em palco a existência de interesses coletivos ou difusos, nem interesses sociais e indisponíveis.

A hipótese regulada pelo art. 5'"- da portaria hostilizada, vincula-se, de

modo rigoroso, a interesses puramente individuais marcados pela discri­cionariedade do agente, oportunidade em exercê-los e presença de condi­

ções plausíveis para pretender consumá-los.

Forte em tais circunstâncias, acolho, de modo integral, as razões de­senvolvidas pelo acórdão recorrido, especialmente quando afirma (fls. 145/ 147):

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118 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"Os interesses que estão sob tutela da instituição ministerial, na clara dicção constitucional e infraconstitucional, escapam à esfera in­

dividual. Não obstante alguns tenham caráter individual, como os difusos, apresentam impregnado em seu bojo nítido conteúdo social.

São, pois, metaindividuais. Apresentam-se, assim, dotados de relevan­

te espectro social os interesses difusos, os coletivos propriamente di­tos, e os individuais homogêneos - estes últimos definidos pelo Có­

digo de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).

A par desta categoria, consagrou ainda a Carta de 1988 entre as

funções do Ministério Público defesa dos interesses individuais indis­poníveis, que, num sentido lato, também coincidem com o interesse pú­blico primário, ou o bem geral.

No caso ora apreciado, não se me afigura presente nenhum inte­resse coletivo, difuso ou individual indisponível a legitimar, à luz dos

dispositivos supracitados, o patrocínio do Parquet.

Trata-se, na verdade, de interesse material particular de alguns

estudantes universitários do Estado do Ceará que pretendem ocupar

vaga em mais de uma instituição pública de ensino superior (UFC e Uece), pretensão visivelmente disponível, fugindo ao campo da ação civil pública e à esfera de atuação do Ministério Público.

Transcrevo, nessa direitura, ementa que traduz o entendimento

prevalente nesta egrégia Corte:

'Constitucional e Processual Civil. Ação civil pública. Ile­

gitimidade ativa do Ministério Público. Direitos individuais.

1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, ao

fito de que seja determinada a sustação de procedimento adminis­trativo, com a conseqüente não-realização da segunda etapa do concurso para o provimento de cargos de assistente social, no

âmbito da UFC - Universidade Federal do Ceará.

2. Tentativa de proteger direitos individuais homogêneos e disponíveis, cuja defesa não deve ser admitida mediante o empre­

go da ação civil pública.

3. As atribuições institucionais do Ministério Público são aquelas previstas ou autorizadas nos artigos 127, caput; e 129,

III e IX, da Constituição Federal, os quais somente prevêem a atuação desse ente em juízo na defesa de direitos sociais, difusos

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 119

ou coletivos ou mesmo individuais, desde que indisponíveis, tais

atribuições não estão presentes no caso em tela.

4. Ilegitimidade ativa ad causam. do Ministério Público

para aforamento de ação civil pública que não colime a proteção de interesses difusos ou coletivos, que não se confundem com di­reitos individuais outros afetados a um determinado estamento social.

5. Apelação improvida." (AC n. 80.851-CE, ReI. Juiz Geral­

do Apoliano, Terceira Turma, unânime, DJ de 1.8.1996). Gri­fei.'."

o entendimento do acórdão supra-indicado e em exame está harmô­nico com o que escrevi no artigo Interesses Difusos e Coletivos: Evolu­

ção Conceitual. Doutrina e Jurisprudência do STF, na parte que passo a

citar:

"66. Mário Nigro, autor de Giustizia Amministrativa, Editrice II Mulino, p. 114, citado por Péricles Prade, in Conceito de Interesses Difusos, 2" edição, p. 45, afirmou, em 1975, que:

'Os interesses difusos (a palavra não é perfeita, mas expressa o conceito melhor que outras) são interesses que pertencem de maneira idêntica a uma pluralidade de sujeitos mais ou menos

vasta e mais ou menos determinada, a qual pode ser, ou não, unificada, e unificada mais ou menos estreitamente, em uma co­letividade (no caso de tal unificação fala-se em interesses cole­

tivos) .'

67. A seguir, em nota rodapé, vem o mesmo autor, citado por Péricles Prade, explicitando as afirmações acima anotadas:

'A posição do Direito com respeito a estes direitos pode ser

uma das três seguintes: ou estes interesses - considerados de for­ma seriada ou globalmente na sua soma ou no seu resultado (em cada uma destas palavras coloca-se um problema que aqui não

pode ser de forma alguma tratado) - são apenas o fim objetivo do

cuidado do ordenamento; ou o ordenamento reconhece a entes ou

a sujeitos exponenciais da coletividade a titularidade dos interes­

ses na sua globalidade, ou então qualquer interesse singular (ou

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120 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

fração de interesse global) vem reconhecido como suscetível de tutela por si e separadamente. A diferença entre o primeiro caso e os outros dois é nítida: no primeiro, há apenas proteção obje­tiva do interesse ou dos interesses; no segundo e no terceiro há também subjetivação da tutela ou para a coletividade ou para os sujeitos singulares. Dito em termos de situações jurídicas subje­tivas substanciais (mas a questão se complica pelas concessões com os perfis processuais), no primeiro caso não há interesses legítimos mas meros interesses de fato, no segundo reconhece-se o interesse legítimo da coletividade ou da entidade ou repartição exponencial; no terceiro, o interesse legítimo de cada um com­ponente do grupo.'

68. O conceito acima sublimado mereceu crítica de Péric1es Prade, ob. cit., p. 46, ao afirmar:

'Vê-se que o autor cujo texto é transcrito introduz na defi­nição alguns mais ou menos de roupagem cinzenta, de tons esmaecidos, como se estivesse subjacente em seu pensamento o próprio significado etimológico do adjetivo difuso, o qual, por exemplo, na expressão luz difusa, nomeia a claridade não adven­tícia de raios solares diretos e que, pelo efeito da refração, inter­cala região de luminosidade com esferas de sombras.'

69. O essencial, na discussão instalada no campo doutrinário a respeito do tema, é a tendência, hoje, de se estabelecer nítida diferen­ciação entre interesses difusos e coletivos.

70. Péricles Prade, ob. cit., defensor intransigente dessa diferen­ciação, mostra que ela se concretiza pelo fato dos interesses difusos possuírem características próprias que não estão presentes nos coleti­vos. Essas características são, no seu entender, as que enumero:

a) ausência de vínculo associativo;

b) alcance de uma cadeia abstrata de pessoas;

c) potencial e abrangente conflituosidade;

d) ocorrência de lesões disseminadas em massas;

e) vínculo fático entre os titulares dos interesses.

71. Forte em tais elementos que tem como caracterizadores de direitos difusos, Péricles Prade define-os assim:

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereíro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 121

'Interesses difusos, tendo-se como parâmetro as caracterís­

ticas arroladas no subitem precedente, são os titularizados por

uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos

exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, pas­sível de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma

pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade.'

72. Hugo Mazzilli, in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 1O1l. ed., Saraiva, p.p. 4 e 5, aceita a definição de interesses difusos que

está consagrada no art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor. Afirma, a respeito, que:

'Difusos são interesses ou direitos 'transindividuais, de na­

tureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas

e ligadas por circunstâncias de fato. Compreendem grupos menos

determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um conjunto de interesses indivi­

duais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos.

Há interesses difusos: a) tão abrangentes que coincidem com o interesse público (como o meio ambiente); b) menos abran­gentes que o interesse público; c) em conflito com o interesse da coletividade como um todo; d) em conflito com o interesse do

Estado, enquanto pessoa jurídica; e) atinentes a grupos que man­têm conflitos entre si.

Neles, o objeto do interesse é indivisível. Assim, por exem­plo, a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhada

por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificada

ou dividida entre os membros da coletividade.'

73. Adolfo Geisi Bidart, que foi Professor Catedrático de Pro­cesso Civil em Montevidéu, Uruguai, em trabalho intitulado Proces­

so de Amparo y Tutela de Interesses Dzfusos, publicado na Revista de Pro­

cesso de n. 91, p.p. 133 e seguintes, observa que:

'Se habla de un interés dzfuso, para - positivamente - senalar

un interés propagado, que abarca a muchos, a varias, generalmente

indicados de manera genérica, no individualizados," vale decir, un

interés comparado, negativamente, com interés no-exclusivo de algún

o algunos titulares individualizados," puer no se trata de un interés

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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122 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

exclusivo de el o los titulares determinados. Existe una necesidad

difusa o generalizada a determinado género de sujetos que, por ende,

comparten los integrantes de la misma.'

74. Observa, a seguir, que Los intereses difusos, tienen siempre un

sentido social o genérico, en la que lo abstracto predomina, sin perjuicio

- lo adelantamos - de que pueda individualizar-se, en casos concretos, la

vía para logralo y el resultado obtenido. La existencia (aquí humana) se

da siempre en forma concreta, individual; dificilmente podemos obtener un

resultado que satisfaga al mismo tiempo a todos los integrantes de la clase

o categoria o grupo ou conjunto que participa de esa necesidad, v. g., con­

sumidores. Pera aunque asi lo lograra siempre la satisfacción será de cada

uno de dichos integrantes; no se puede satisfazer a una categoría abstracta.

75. Ronaldo Cunha Campos, in A Ação Civil Pública, Ed. Aide,

apresenta interessante estudo sobre a conceituação de interesses

difusos. Os fundamentos que desenvolveu merecem ser revisitados. Ei­

-los:

'Da outra face, o interesse coletivo afasta-se do 'difuso' por­

quanto este reflete necessidades de grupos de difícil identificação

e de inexistente organização.

Vigoritti entende que os interesses difusos e os coletivos te­

riam o mesmo conteúdo (agrupamento de interesses). Todavia,

enquanto o coletivo se apresentava coordenado e dotado portan­

to de organização, o difuso encontrava-se em uma fase onde a

coordenação não se obtivera ainda. Tratar-se-ia portanto de fases

de um mesmo fenômeno, o de agregação de interesses. A posição

de Vigoritti não se mostra isolada como noticia Grasso.

Também Trubec refere-se a interesses difusos como aque­

les privados de organização e ainda aqueles cuja estruturação e

coordenação apresentam grandes dificuldades.

Contudo, a nosso sentir, marcar estes extremos ainda não

seria suficiente para a obtenção de um conceito de interesse co­

letivo. Aqui tal conceito ainda seria uma hipótese de trabalho a

ser trabalhada no decorrer deste estudo.

A rigor, teríamos duas espécies de interesse coletivo, enten­

dendo este como interesse comum a um grupo.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 123

A primeira espécie (no caso, uma subespécie) resultaria ape­

nas de coordenação de interesses individuais. É a posição de

Vigoritti para quem o relacionamento de interesses dirigidos a

um objetivo comum atinge a 'dignidade' de interesse coletivo

quando se prevê uma coordenação das vontades dirigidas à per­

seguição do referido escopo comum (Vicenzo Vigoritti, Interessi

... , cit., p. 60).

Percebe-se assim que nesta subespécie um dos interesses in­

dividuais poderia obter satisfação isoladamente, e agregou-se a

outros tão-só no sentido de obter maior probabilidade de satis­

fação (Vicenzo Vigoritti, Interessi ... , cito p. 59).

Aceitamos as colocações de Vigoritti como idôneas à carac­

terização de uma 'subespécie' de interesse coletivo, mas não

como uma adequada conceituação da espécie.

Grasso noticia a corrente doutrinária para a qual a indi­

visibilidade caracteriza o interesse coletivo. Neste sentido as ne­

cessidades dos integrantes do grupo apenas se satisfazem em con­

junto (Eduardo Grasso, Gli Interessi ..... , cit., p. 26 e nota 7).

Carnelutti bem colocou a questão quando estabeleceu que

no interesse coletivo as necessidades dos integrantes do grupo

obtinham satisfação simultânea através do desfrute de um mesmo

bem, ou não logravam satisfação alguma (Francesco Carnelutti,

Sistema .... , cit.).

Esta, a nosso ver, a outra subespécie de interesse coletivo. O

interesse coletivo atende à necessidade de um grupo, sentidas es­

tas necessidades por todos e por cada um. Desta forma já colo­

camos o tema (Ronaldo Cunha Campos, Comentários ... , cit.,

n. 27, p. 72). Esta espécie admite subespécies como vimos acima.

Por interesse difuso entender-se-á neste trabalho aquele

manifestado por grupos não organizados e cuja identificação apre­

sente dificuldades.

Adverte-se que não entendemos como característica própria

do interesse difuso o constituir uma fase na formação do interesse

coletivo, como o pretende Vigoritti (Vicenzo Vigoritti, Interessi

... , cit., p.p. 43/61).

Um interesse considerado difuso pode representar uma fase

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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124 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDEJUSTIÇA

na evolução de um interesse coletivo que se organiza através da

coordenação das atividades de titulares de interesses particulares afins e voltados para o mesmo escopo. Todavia, tal característica não é necessária, ou seja, nem sempre esta figura se faz presente

nos chamados interesses difusos.

Barbosa Moreira observou que a expressão 'interesses di­

fusos' não adquiriu até agora sentido preciso na linguagem jurí­

dica. Ao apresentar um de seus pronunciamentos sobre o tema

sugere duas notas essenciais ao conceito de interesse difuso. Uma pertinente ao sujeito, outra ao objeto.

No que tange ao sujeito o interesse não pertence à pessoa

determinada ou a grupo nitidamente delimitado. Eis aqui o ponto.

Ao ver do processualista, a titularidade do interesse encontrar-se­-ia em um grupo cujos membros seriam de difícil ou impossível determinação. Ademais, isto é de se sublinhar, inexistiria neces­

sariamente um vínculo jurídico entre estes componentes do gru­

po, ao contrário do que ocorre, e.g., com uma sociedade anôni­

ma.

Do ângulo do objeto, o interesse refere-se a um bem indi­vidual, de tal sorte que a satisfação de um elemento do grupo

implicaria a satisfação dos demais (J. C. Barbosa Moreira, A

Legitimação para a Defesa dos 'Interesses Difusos' no Direito

Brasileiro; in Temas de Direito Processual, 3.0. série, São Paulo, 1984, Saraiva, p.p. 183/184).

No que concerne ao titular do interesse, estamos em que correta se mostra a análise do jurista.

Todavia, não adotamos seu enfoque no que respeita ao ob­

jeto do interesse denominado 'difuso'.

A nosso sentir, a indivisibilidade não é característica indis­

pensável a um interesse coletivo e também não o seria quanto a

um difuso.

Quanto ao interesse coletivo, já nos manifestamos anterior­

mente neste sentido (Ronaldo Cunha Call1pos, Comentários ... ,

cit., nota 57 à p. 70).

No que concerne a interesses difusos, possível que se rela­

cionem a objeto divisível, a nosso sentir. Os consumidores de um

determinado produto podem sofrer prejuízo em virtude de defeito

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 125

de fabricação. Estes consumidores constituem grupo de difícil

identificação e apresentam o interesse comum na obtenção do ressarcimento do dano sofrido. Entretanto, e este é o ponto, pode um consumidor isoladamente obter do fabricante a indenização

pleiteada. O bem perseguido por este interesse comum não seria,

pois, indivisível.

No presente estudo, como hipótese de trabalho, considera­remos o interesse difuso como aquele cujo titular é grupo de di­

fícil ou impossível identificação.

Outra espécie de interesse é o estatal, distinto como VImos

daqueles outros cujos titulares são a sociedade ou grupos sociais.'

76. Há centenas de outras manifestações a respeito da concei­

tuação de interesses difusos e coletivos.

77. O debate doutrinário, pela diversidade de posições assumidas,

tem contribuído para a instalação de um estado de incerteza entre os

profissionais do Direito, ensejando, conseqüentemente, no campo da jurisprudência, uma certa instabilidade.

78. Ocorre que, em boa hora, pela voz autorizada do colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário

n. 163.231-3, São Paulo, relatado pelo eminente Ministro Maurício

Corrêa, o conceito de interesses difusos e coletivos mereceu aprecia­

ção e definição terminativa pelo Pleno da Corte.

79. A autoridade da referida decisão gera efeitos de produzir en­tendimento estável e solidificado a respeito da matéria, pelo que se

impõe a sua aceitação, no campo jurisprudencial e no doutrinário. Não

se perca de vista que o recurso extraordinário foi decidido pelo Ple­

no do STF, por votação unânime.

80. Certo que cabe à doutrina analisar a referida decisão e lan­çar sobre ela o seu olhar crítico, com sugestões para o aperfeiçoamento

conceitual de 'interesses difusos e coletivos'. Ocorre que, tal aconte­

cendo por via de decisão judicial, há de se homenagear, sem qualquer

tergiversação, o entendimento posto pela alta Corte, porque lhe cabe

a competência e atribuição de interpretar e aplicar, de modo supremo,

a Carta Magna.

81. Cedo espaço, a seguir, para transcrever parte do voto profe­

rido pelo eminente Ministro Maurício Corrêa, com o apoio unânime

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126 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

dos seus pares, onde está posta, de modo muito claro, a compreensão

conceitual sobre 'interesses difusos e coletivos'.

82. Eis o trecho em questão:

'7. Deixando de lado o exame histórico do aparecimento no

ordenamento jurídico nacional da proteção estatal sobre esses di­reitos, verifico que a partir da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, os direitos difusos e coletivos passaram a integrar o com­

plexo das funções do Ministério Público, como na hipótese des­

sa lei que assegurou ao Parquet, em seu artigo 1'"-, a respectiva defesa por meio desse rito processual, ao proclamar o inciso V desse dispositivo a viabilidade do procedimento 'a qualquer ou­

tro interesse difuso ou coletivo'.

8. Posteriormente, com o advento da nova ordem constitu­cional, ficou expresso que dentre as competências do Ministério

Público estariam aquelas pertinentes à promoção do 'inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público

e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e cole­tivos' (CF, artigo 129, inciso HI).

9. Restou ampliada a atuação do órgão ministerial para al­

bergar esses interesses, consolidando-a ainda mais, ao determinar

o Código de Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, em seu artigo 81, que a defesa cole­

tiva será exercida quando se tratar de:

'I - interesses ou direitos difusos, entendidos para efei­

tos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que titulares pessoas indeterminadas e ligadas circunstân­cias de fato;

H - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos

para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza

indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de

pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma

relação jurídica-base;

IH - interesses ou direitos individuais homogêneos,

assim entendidos os decorrentes de origem comum.'

10. E no mais recente diploma acerca do tema, que é a Lei

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 127

n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, veio o seu artigo 25, IV, a, dimensionar ainda mais o conceito do que é interesse coletivo,

atribuindo ao Ministério Publico a competência para a sua defesa.

11. Como se sabe, o termo difuso, já do domínio público nos

dias de hoje, não foi criado modernamente, visto que tem a sua

origem na doutrina romanística. Vittorio Scialoja já se referia ao

conceito de difuso, no século passado, ao mencionar que 'di­

reitos difusos, que não se concentram no povo considerado

como entidade, mas que tem por próprio titular realmente cada

um dos participantes da comunidade' (Procedura Civile Roma­

na, Anonima Romana Edtoriale, Roma 1932, § 69, p. 345).

Àquela ocasião, todavia, não se havia estabelecido a diferença en­

tre direitos difusos e coletivos, não obstante alguns desses di­

reitos sendo coletivos fossem rotulados implicitamente como difu­

sos. Por isso mesmo MassinlO Villone já houvesse concebido

que interesse difuso é 'uma personagem absolutamente miste­

riosa' (La Colocazzione Instituzionale dell'Interesse Difuso in La

Tutela Degli Interessi Difusi nel Dirito Comparato, Giufré, Mi­

lão, 1976, p. 73).

12. Hoje as fronteiras dos dois interesses estão definitiva­mente delimitadas, sendo difuso o interesse que abrange núme­

ro indeterminado de pessoas unidas pelo mesmo fato, enquanto

interesses coletivos seriam aqueles pertencentes a grupos ou ca­

tegorias de pessoas determináveis, possuindo uma só base jurídica.

Portanto, a indeterminidade seria a característica fundamental dos

interesses difusos, e a determinidade aqueles interesses que envol­

vem os coletivos.

13. Teori Albino Zevascky classifica esses direitos, sob o

aspecto subjetivo, os difusos como transindividuais, como aqueles

que não têm titular individual, sendo que a ligação entre os seus

vários titulares decorre de mera circunstância de fato; e os cole­

tivos, também transindividuais, com determinação relativa de seus

titulares, ou seja, que não têm titular individual e a ligação en­

tre os vários titulares coletivos nasce de uma relação jurídica-base.

Definido o conceito dessa forma, seriam difusos, por exemplo, as

vítimas do uso de um determinado remédio, que vendido a uma

clientela indeterminada, fosse nocivo à saúde; e coletivos aque­

les que, constituídos em grupos ou categorias, fossem objeto de

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128 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

certo ato que violasse direitos desses grupos ou categorias, razão

pela qual Péricles Prade conceituou-os como aqueles que 'têm como característica principal a ligação com o fenômeno associa­

tivo, dirigindo-se aos fins institucionais dos grupos'. (Conceito

de Interesses Difusos, RT, 2Jl. ed., p. 39).

14. Nessa mesma esteira posiciona-se Édis Milaré:

'Embora a distinção entre interesses difusos e interes­

ses coletivos seja muito sutil - por se referirem a situações

em diversos aspectos análogos - tem-se que o principal divisor de águas está na titularidade, certo que os primeiros

pertencem a uma série indeterminada e indeterminável de

sujeitos; enquanto os últimos se relacionam a uma parcela também indeterminada, mas determinável de pessoas. Fun­

da-se, também, no vínculo associativo entre os diversos ti­

tulares, que é típico dos interesses coletivos ausente nos interesses difusos' (A Ação Civil Pública na Nova Ordem

Constitucional, Saraiva, 1990, p.p. 27/28).

15. Da mesma forma, apenas com fundamentação distinta, é

a opinião de Alcides A. Munhoz da Cunha (A Evolução das

Ações Coletivas no Brasil, Revista de Processo n. 77, p.p. 224/

235); Kazuo Watanabe (Demandas Coletivas e os Problemas

Emergentes da Praxis Forense, Forense, p.p. 185/196) e tantos

outros.

16. No entant9, ao editar-se o Código de Defesa do Consu­

midor, pelo seu artigo 81, inciso lU, uma outra subespécie de direitos coletivos fora instituída, dessa feita, com a denominação

dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos as­

sim entendidos os decorrentes de origem comum.

17. Por tal disposição vê-se que se cuida de uma nova con­ceituação no terreno dos interesses coletivos, sendo certo que esse

é apenas um nOIllen iuris atípico da espécie direitos coletivos.

Donde se extrai que interesses homogêneos, em verdade, não se

constituem como um tertiuIll genus, mas sim como uma mera

modalidade peculiar, que tanto pode ser encaixado na circunfe­

rência dos interesses difusos quanto na dos coletivos.

18. Por isso mesmo Kazuo Watanabe (ob. cit., p. 196), que

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 129

integrou a comissão que apreçou os estudos preliminares da en­

tão proposta do Código do Consumidor, haver afirmado que, no

ponto, são 'interesses ou direitos individuais homogêneos, os de origem comum, permitindo a tutela deles a título coletivo. Ori­gem comum não significa, necessariamente, uma unidade factual

e temporal', endossando igual escólio Hugo Nigri MazziHi (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, Saraiva, p. 10, 7a edição,

1995), para quem 'os interesses individuais homogêneos, em sen­tido lato, na verdade não deixam de ser também interesses cole­tivos' .

19. Quer se afirme na espécie interesses coletivos ou parti­cularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão nitidamente cingidos a uma mesma relação jurídica-base e nas­

cidos de uma mesma origem comum, sendo coletivos, explicita­mente dizendo, porque incluem grupos, que conquanto atinjam as

pessoas isoladamente, não se classificam como direitos indivi­duais, no sentido do alcance da ação civil pública, posto que sua concepção finalística destina-se à proteção do grupo. Não está,

como visto, defendendo o Ministério Público subjetivamente o indivíduo como tal, mas sim a pessoa enquanto integrante desse grupo. Vejo, dessa forma, que me permita o acórdão impugnado,

gritante equívoco ao recusar a legitimidade do postulante, porque estaria a defender interesses fora da ação definidora de sua com­petência. No caso agiu o Parquet em defesa do grupo, tal como

definido no Código Nacional do Consumidor (artigo 81, incisos H e IH) e pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), cujo artigo 25, inciso IV, letra a, o autoriza como titular da ação, dentre muitos, para

a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

20. E a respeito dessa nota que caracteriza os interesses

difusos e coletivos, a transindividualidade e indivisibilidade, ano­tou J .C. Barbosa Moreira que os interessados nessa relação, tal qual a dos autos, 'se põem numa mesma espécie de comunhão

tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica por força

a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui, ipso

facto, lesão da inteira coletividade' (A Legitimação para a De­fesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro, Revista Ajuris

32/82), aduzindo, a propósito, Ada Pellegrini Grinover, acerca

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130 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

dos interesses coletivos, no círculo protegido pela tutela estatal,

que 'a satisfação de um interessado implica necessariamente a sa­tisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um indica a lesão de toda a coletividade'. (A Problemática dos Interesses

Difusos, Editora Max Limonad, p. 31)'.

83. O acórdão em referência (RE n. 163.231-3-SP), julgamento

de 26.2.1997, tratou da legitimidade do Ministério Público para pro­

mover ação civil pública no intuito de discutir aumento de mensali­dades escolares. Mereceu a seguinte ementa:

'Legitimidade do Ministério Público para promover ação

civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e homo­gêneos. Mensalidades escolares: capacidade postulatória do Par­quet para discuti-las em juízo.

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério PÚ­

blico como instituição permanente, essencial à função jurisdi­cional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indis­

poníveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade

postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação

penal pública e da ação civil pública para a proteção do patri­

mônio público e social, do meio ambiente, mas também de ou­tros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e UI).

3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número

indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de

fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou clas­ses de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte con­

trária por uma relação jurídica-base.

3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos

interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que

envolvem os coletivos.

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mes­

ma origem comum (art. 81, lU, da Lei n. 8.078, de 11 de setem­

bro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 131

interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a

uma mesma base jurídica, sendo 'coletivos, explicitamente dizen­do, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pes­

soas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser veda­

da a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção fina­

lística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe

de pessoas.

5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou

ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a

requerimento do órgão do Ministério Público, pois ainda que se­

jam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio proces­

sual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Fe­

deral.

5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada cons­

titucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF,

art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade

postulatória, patente a legitimidade ad causalIl, quando o bem

que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses cole­tivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social

tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.

- Recurso extraordinário conhecido e provido para, afasta­

da a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à

defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao tribunal de origem, para prosseguir no julgamento

da ação.'

v - Conclusões

84. É de se considerar que, a partir de 26.2.1997, data do julga­

mento pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, do RE supra-referi­

do, o conceito de interesses difusos e coletivos passe a receber trata­

mento uniforme no campo jurisprudencial. Esse posicionamento a ser

adotado, com certeza, produzirá celeridade nos julgamentos, pelo fato

de evitar discussões de natureza subjetiva sobre tal tipo de interesse.

O seguimento do acertado pela Suprema Corte, sem se questionar a

postura da doutrina em analisá-la, criticá-la, aprovando-a ou não, por

todos aqueles que têm a missão constitucional de ser o condutor da

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132 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

entrega da prestação jurisdicional buscada pelo cidadão, constituirá

uma forte contribuição para acelerar o julgamento final da causa e, em

razão de tal atitude, atender aos anseios da cidadania: uma justiça mais rápida e com segurança.

85. Em face do que foi exposto nos capítulos precedentes e, es­

pecialmente, no acórdão do STF suso referido, firmo os seguintes

enunciados sobre a evolução conceitual da expressão 'interesses difusos e coletivos':

a) os interesses difusos e coletivos passaram a integrar o comple­xo das funções do Ministério Público, desde o art. 1!l da Lei n. 7.347,

de 2.7.1985, ao proclamar a viabilidade da ação civil pública ser por

ele interposta para proteger qualquer outro interesse difuso e coleti-

vo;

b) com o advento da CF11988, de forma expressa, outorgada foi competência ao Ministério Público para promover ação civil pública,

com o fim de proteger o patrimônio público, o meio ambiente e ou­tros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF);

c) a Lei n. 8.625, de 12.2.1993, no art. 25, IV, dimensionou ainda

mais o conceito do que é interesse coletivo, atribuindo ao Ministério

Público a competência para a sua defesa;

d) é difuso o interesse que abrange número indeterminado de pessoas unidas pelo mesmo fato;

e) é interesse coletivo o pertencente a grupos ou categorias

determináveis, possuindo uma só base jurídica;

f) a indeterminidade é a característica fundamental dos interes­

ses difusos;

g) a determinidade marca o conceito dos interesses coletivos;

h) os interesses coletivos ou particularmente os interesses homo­

gêneos, stricto sensu, ambos estão ligados a uma mesma relação ju­

rídico-base e nascidos da mesma origem comum;

i) os interesses coletivos caracterizam-se porque 'incluem grupos,

que, conquanto atinjam pessoas isoladamente, não se classificam como

direitos individuais, no sentido da ação civil pública, posto que sua

concepção finalística destina-se à proteção do grupo' (recurso extraor­

dinário citado);

j) O Ministério Público, na ação civil pública visando a proteger

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 133

interesses coletivos, não defende, de modo subjetivo, o indivíduo como

tal, mas sim a pessoa enquanto integrante desse grupo."

Ora, de tudo quanto foi exposto, conclui-se que os interesses em exa­me são rigorosamente individuais, abrangendo poucos interessados e sem qualquer ligação com a mesma relação jurídico-base e sem nascerem da

mesma origem comum.

Os interesses discutidos atuam isoladamente por força da ação de cada

pessoa, sem terem conteúdo social, sem assumirem as características de

transindividualidade e indivisibilidade.

O aluno, ao ingressar na universidade, está subordinado às regras de sua

disciplina e organização, sendo regular perante o ordenamento jurídico a exi­

gência que lhe impossibilita cursar, na mesma entidade, dois cursos.

Por tais considerações, conheço do recurso, porém, nego-lhe provi­

mento.

É como voto.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 249.368 - SC (Registro n. 2000.0017619-2)

Recorrente:

Ministro Garcia Vieira

Fazenda Nacional

Procuradores: Anna Azevedo Torres Goulart e outros

Recorrida:

Advogados:

Cooperativa Regional Auriverde Ltda

Armeu Bergmann e outro

EMENTA: Tributário - Imposto de renda - PIS - Cooperativas

- Atos não cooperativos - Incidência.

As aplicações financeiras não são atos cooperativos (praticados entre a cooperativa e seus associados, para a consecução dos seus

objetivos sociais), e devem ser levados à conta do Fundo de Assis­

tência Técnica, Educacional e Social, conforme preceitua a Lei n.

5.764/1971, artigos 85 e 86, a fim de que sejam contabilizados em

RST}, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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134 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

separado, de molde a permitir o cálculo para fins de incidência de

imposto de renda.

As empresas em geral estão SUjeItas ao PIS de 0,65% sobre a

receita bruta operacional, além de 1 % sobre a folha de pagamento

mensal, inclusive as cooperativas em relação aos atos não coopera­

tivos.

Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro

Milton Luiz Pereira, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto

do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, José Delgado e Francisco Falcão.

Brasília-DF, 23 de maio de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Garcia Vieira, Relator.

Publicado no DI de 25.9.2000.

RELATÓRIO

o Sr. Ministro Garcia Vieira: A Fazenda Nacional interpõe recurso especial (fls. 108/117), com fundamento na Constituição Federal, artigo 105, inciso IH, letra a, aduzindo tratar-se de mandado de segurança impetrado com objetivo de assegurar o direito de se recolher o PIS sem a

incidência dos Decretos-Leis n. 2.445/1988 e 2.449/1988 e Ato Declaratório Normativo CST n. 14/1985, relativamente ao período de 7.1991 a 12.1993, que resultou no pedido de parcelamento dos débitos.

A r. sentença concedeu, em parte, a segurança, sendo reformada pelo

egrégio Tribunal a quo por decisão assim ementada:

"Tributário. PIS. Inconstitucionalidade. Decretos-Leis n. 2.445 e 2.449/1988. Ato Declaratório Normativo CST n. 14/1985. Compen­

sação. Possibilidade. Correção monetária.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 135

1. Inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n. 2.445 e 2.449/1988,

aplicabilidade da Súmula n. 28 desta Corte.

2. Ausência de amparo legal para a aplicação do disposto no Ato

Declaratório Normativo CST n. 14/1985.

3. Para a contribuição para o PIS não se aplicam as disposições

do artigo 111 da Lei n. 5.764/1971, porque o programa tem legisla­

ção própria.

4. Tem o contribuinte direito a compensar os valores indevida­

mente pagos com parcelas vincendas da mesma contribuição, confor­

me disposto no § 111. do artigo 66 da Lei n. 8.383/1991.

5. A correção monetária dos valores compensáveis recolhidos se

fará, desde o pagamento indevido, pelo INPC de março a dezembro de

1991 e a partir de janeiro de 1992, pela Ufir. A partir de Jll de janei­

ro de 1996 aplicam-se juros equivalentes à Selic, nos termos do arti­

go 39, IV, da Lei n. 9.250/1995.

6. Apelação da Autora provida. Recurso da União e remessa ofi­

cial improvidos." (fi. 104).

Alega que "as sociedades cooperativas não gozam de isenções de tri­

butos ou contribuições. A ausência de lucro, o que decorre da própria na­

tureza destas entidades, implica necessariamente na não incidência da nor­

ma tributária". Acrescenta que, ao praticarem atos que escapam à sua fina­

lidade social, as cooperativas se equiparam às sociedades lucrativas, reali­

zando a hipótese de incidência prevista em lei.

Aponta a Recorrente negativa de vigência ao disposto nos arts. 85, 86,

87,88 e 111 da Lei n. 5.764/1971.

Pede reforma do v. acórdão.

Contra-razões (fIs. 119/121).

Despacho de admissibilidade (fi. 123).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Garcia Vieira (Relator): Sr. Presidente, aponta a Re­corrente como violados os artigos 85, 86, 87 e 111 da Lei n. 5.764/1971,

versando sobre questões devidamente prequestionadas.

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136 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Conheço do recurso pela letra a.

As cooperativas praticam atos cooperativos e atos não cooperativos e

estes estão sujeitos à incidência de tributos.

A Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, em seu artigo 79, define

o ato cooperativo como sendo "os praticados entre as cooperativas e seus

associados, para a consecução dos seus objetivos sociais". Ora, é evidente

que aplicações financeiras não são atos praticados entre as cooperativas e

seus associados. São atos praticados com não associados (Lei n. 5. 764/1971,

artigos 85 e 86) e, nos termos claros do artigo 87 da mencionada norma

legal.

"Os resultados das operações das cooperativas com não aSSOCIa­

dos, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do 'Fun­

do de Assistência Técnica, Educacional e Social' e serão contabilizados

em separado, de molde a permitir cálculo para a incidência de tribu­

tos."

É claro que o lucro obtido pela Recorrida com suas aplicações finan­

ceiras tinha de ter sido levado à conta do referido fundo e contabilizado em

separado para ser calculado o imposto de renda a ser recolhido. E isto tam­

bém em obediência ao disposto no artigo 111 da mesma Lei n. 5.764/1971.

Estabelece este dispositivo legal que:

"Serão considerados como renda tributável os resultados positi­

vos obtidos pelas cooperativas nas operações de que tratam os artigos

85, 86 e 88 desta Lei."

Neste sentido os Recursos Especiais n. 191.424-RS, RSTJ 116/106, e

36.887-1-PR, RSTJ 57/385, dos quais fui relator. As empresas em geral es­

tão sujeitas ao PIS de 0,65% sobre a receita bruta operacional, além de 1 %

sobre a folha de pagamento mensal, inclusive as cooperativas em relação aos

atos não cooperativos (arts. 85, 88 e 111 da Lei n. 5.764/1971). Como se

vê, mesmo depois da decretação da inconstitucionalidade dos Decretos-Leis

n. 2.445 e 2.449, de 1988, ele subsiste na forma estabelecida pela Lei Com­

plementar n. 7/1970.

Assim sendo, dou parcial provimento ao recurso especial para decla­

rar que a Recorrida está sujeita ao PIS com referência a seus atos não coo­

perativos.

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 137

Tendo havido sucumbência recíproca, mais ou menos na mesma pro­

porção, cada parte pagará os honorários de seu advogado.

VOTO-VENCIDO

o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira: Sr. Presidente, fico vencido. Fa­

rei juntada de voto.

"ANEXO

RECURSO ESPECIAL N. 109.714 - RS

VOTO

O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira (Relator): Da leitura das pá­

ginas dos autos sobra espaço para o litígio fincado em mandado de

segurança, com o fito de obter o reconhecimento da não incidência do

Imposto de Renda sobre aplicações financeiras de momentâneas dis­

ponibilidades de 'sobras em caixa' de cooperativa de agricultores, côn­

sono assentou o verrumado v. acórdão, resumido na seguinte ementa:

'1. Direito Tributário.

2. Operações financeiras de curto prazo. Imposto de renda

exigido nos exercícios de 1984 e 1985.

3. Resultados não previstos na Lei n. 5.764/1971, art. 111

(RIR/1980, art. 129), Precedente jurisprudencial.

4. Apelação e remessa ex officio desprovidas.' (fi. 187).

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser

conhecido (art. 105, lII, a e c, CF).

Prenunciada a relação jurídico-litigiosa e aberto o pórtico para

o exame, descortina-se tema já versado por esta Turma, inter alia,

podendo ser lembrado o REsp n. 35.843-PR, ReI. Min. Demócrito

Reinaldo, assim ementado:

'Tributário. Repetição de indébito. Cooperativa. Aplicações

de sobras de caixa do mercado financeiro. Negócio jurídico que

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138 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

extrapola a finalidade básica dos atos cooperativos. Imposto de renda. Incidência.

I - A atividade desenvolvida junto ao mercado de risco não é inerente à finalidade a que se destinam as cooperativas. A es­peculação financeira, como forma de obtenção do crescimento da entidade, não configura ato cooperativo e extrapola dos seus ob­jetivos institucionais.

II - As aplicações de sobra de caixa no mercado financei­ro, efetuados pelas cooperativas, por não constituírem negócios jurídicos vinculados à finalidade básica dos atos cooperativos, sujeitou-se a incidência do Imposto de Renda.

III - Recurso a que se nega provimento. Decisão por maio­ria.' (in DJU de 27.6.1994).

Em que pesem as razões orientadoras desse precedente, peço vê­nias para continuar divergindo da douta maioria, reiterando os funda­mentos que desenvolvi naquele julgamento, textualmente:

' ... de acordo com o contido no art. 129, caput, do Decre­to n. 85 .450/1980-RIR, 'as sociedades cooperativas, que obede­ceram ao disposto na legislação específica, pagarão o imposto cal­culado unicamente sobre os resultados positivos das operações ou atividades' (gf.), enumeradas nos incisos I a IlI, artigo citado, previstas nos arts. 85, 86 e 88 da Lei n. 5.764/1971, percebendo­se que aludida norma reforça o estabelecido na art. 111 da lei retroinvocada, obviando-se que as demais operações praticadas pelas supracitadas sociedades, não amoldadas nos dispositivos apontados - arts. 85, 86 e 88, à força aberta, estão fora do cam­po de incidência do tributo em comento. Sobressai, assim, que as sociedades cooperativas - Lei n. 5.764/1971, como regra geral, estão escudadas contra a incidência do Imposto de Renda:

'É manifesta a intenção do legislador: tributáveis pelo Imposto de Renda são os resultados positivos auferidos nas operações de que tratam os arts. 85, 86 e 88 da Lei n. 5.764/1971. Os resultados positivos obtidos pelas coopera­tivas em outras operações, que não se enquadram nos arts. 85, 86 e 88, ficam excluídos do âmbito da incidência do imposto sobre a renda.' (Walmor Franke, in Doutrina e Aplicação do Direito Cooperativo, p. 27).

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 139

A jurisprudência não discrepa (REO n. 106.342-TFR, ReI.

Min. Carlos M. Velloso, in DJU de 26.6.1986, p. 11.521).

Fincadas essas observações, à vista do art. 79 da Lei n.

5.764/1971, comporta verificar se, relativamente às receitas

operacionais positivas decorrentes de aplicações financeiras para

as cooperativas amolda-se um fato imponível ou não. A teor do

art. 111 da Lei n. 5.764/1971, somente os resultados positivos

obtidos pelas sociedades cooperativas nas operações de que tra­

tam os arts. 85, 86 e 88, é que estão sujeitos à incidência do Im­

posto de Renda, em favor delas, assim, configurando-se, exce­

tuadas as hipóteses exaustivamente previstas, a não-incidência por

inocorrência do fato gerador. Desse modo, embora se possa até

conjecturar, como fez a Ré, que a redação do art. 129, Decreto

n. 85.450/1980 - RIR - é equivocada ou órfã de melhor técnica

na legislação fiscal, porém, não sendo possível a esquiva ao prin­

cípio da reserva da lei (arts. 19, I; e 153, § 29, Constituição Fe­

deral; arts. 9J\ I; e 97, I, CTN) no caso, por interpretação exten­

siva não se pode exigir ou estabelecer obrigação tributária,

discricionariamente completando a autoridade fazendária a lei

que, no seu pensar, quanto aos seus fins, tem alcance para tribu­

tar em combinação com os arts. 95, I; 96, I; e 405 do RIR (fl.

883). Tal proceder lhe é defeso - art. 108, § P', CTN. Referen­

temente à composição de que as aplicações financeiras teria

extrapolado o 'ato cooperativo', por isso, tornando-se suscetível

de tributação, em contraposição, ao redor do art. 129, I, II e III

- RIR, calha rememorar:

'Nesses seus três (3) itens, acima transcritos, o NRIR

enumera especificamente, os negócios jurídicos cujos resul­

tados positivos são tributados pelo imposto de renda. E no

caput, o artigo 129 ainda acentua, com ênfase, que o impos­

to de renda é pago pelas cooperativas unicamente nestes ca­

sos.

No item lII, o dispositivo prevê a hipótese de partici­

pação da cooperativa, como sócia ou acionista, em socieda­

des não-cooperativas. Os dividendos propiciados por essas

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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140 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

participações societárias sofrem a incidência do imposto de renda.

Nos itens I e II, o art. 129 caracteriza, especificamen­te, os negócios ou operações que a sociedade cooperativa pode realizar com não-associados, pagando ela, nestes casos, o competente imposto de renda sobre os resultados positi­vos auferidos em tais negócios.

Da leitura dos itens I e II do art. 129 do NRIR ressal­ta, inquestionavelmente, que a cooperativa não está sujeita à incidência do imposto de renda sobre todo e qualquer ne­gócio celebrado com terceiros, não-associados. É evidente que, no movimento operacional das cooperativas, há negó­cios que ela precisa realizar com não-associados, com con­dição sine qua non para alcançar plenamente os seus fins sociais e prestar, da melhor forma possível, os seus serviços aos próprios associados.' (gf).

'O art. 129, com seus itens I e II, é da aplicação res­trita às hipóteses da incidência que nele são especificadas e unicamente a tais hipóteses, como o determinou o legisla­dor mediante o emprego desse advérbio (unicamente) no caput do art. 129. Os ganhos auferidos em transações com títulos no Open Market são negócios auxiliares que nenhu­ma analogia apresentam com o 'fornecimento de bens de consumo ou de serviços a não-associados' ou com a 'aqui­sição de produtos agropecuários, feita a não-associados, para completar lotes destinados ao cumprimento de contratos ou para suprir capacidade ociosa de instalações industriais da cooperativa'. Aliás, na lição da mais autorizada doutrina, o argumento da analogia não tem cabimento na esfera do di­reito tributário material.' Walmor Franke, in Doutrina e Aplicação do Direito Cooperativo, p.p. 28 e 34).

Esses resultados tiveram origem em sua grande parte, na

imperiosa necessidade de se resguardar, tanto quanto possível, o

poder de compra de vultosas somas em dinheiro que a autora constante e necessariamente detinha em seu poder, resultante do normal desempenho de suas atividades, e que representavam as economias de seu grande número de associados.

RSTJ, Brasília, u. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 141

Experimentando, como efetivamente toda a Nação expen­

menta um regime econômico caótico, onde os efeitos do fenôme­

no inflacionário se fazem sentir dia a dia, corroendo impiedo­

samente o valor nominal da moeda, era imprescindível a realiza­

ção destas aplicações, nem tanto com o objetivo de se auferir al­

gum ganho real, senão com o propósito maior de proteger o

patrimônio social, mantendo o valor aquisitivo desta altíssimas

importâncias, resguardadas dos ruinosos efeitos da inflação.

Por isso embora não figurassem no elenco dos objetivos so­

ciais da autora, constituíam-se, efetivamente, ditas operações, em

atividade-meio para a consecução desses objetivos, pois não é di­

fícil imaginar a gravidade dos prejuízos que lhe seriam impostos,

caso, administrando elevadas somas, pertencentes aos seus asso­

ciados, descurasse de seu devedor, de bem zelar o patrimônio so­

cial, permitindo sua deteriorização por índices inflacionários

altíssimos.

Dessarte, quando realizou operações financeiras estava, em

última análise, protegendo o patrimônio de seus associados, o que

implícita e legalmente faz parte de seus objetivos sociais, estan­

do, por conseguinte, em perfeita sintonia com os preceitos da le­

gislação cooperativista.

Postas de lado essas considerações de cunho econômico, sob

a ótica estritamente jurídica dúvidas não há de que tais resulta­

dos não constituem fato gerador do tributo, quando obtidos por

sociedades cooperativas, à vista do critério utilizado pelo legis­

lador ao elaborar a Lei n. 5.764/1971, quando optou por enume­

rar taxativamente as únicas hipóteses de incidência tributária nas

cooperativas. Em qualquer dessas hipóteses não se conformam os

resultados obtidos em aplicações financeiras, inocorrendo, portan­

to, fato imponível hábil a legitimar a exigência do referido tri­

buto'.

São considerações que se conciliam com o objetivo final das

cooperativas, sem confundir-se com o das sociedades mercantis

(obtenção de lucro), não se olvidando que, naquelas, as despesas

gerais são cobertas, por rateio, pelos associados e, havendo sobras,

retornando-lhes proporcionalmente, com a permanente preo­

cupação da elevação sócio econômica do associado, espelhando o

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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142 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

necessário divorciamento de lucro como fim em si mesmo. En­

fim, no caso não vejo por que deixar de considerar as aplicações financeiras como atividade-meio para a consecução dos superio­

res interesses da cooperativa, que visou só a resguardar o interesse

dos seus associados, a que, a meu ver, ato cooperativo atípico, não

tributável. Demais, o que a coloca a salvo da suspeita de apenas procurar fugir à obrigação fiscal, sublinhe-se que admite a inci­

dência proporcional em suas operações com terceiros - arts. 85

e 86, Lei n. 5.764/197l.

Dessa maneira, o critério fiscal (art. 34 da Lei n. 7.450/ 1985), exigindo uma retenção de Imposto de Renda na fonte, in­

cidente sobre resultados de aplicações financeiras, impedindo a

compensação na respectiva declaração anual de rendimentos, con­

figura ilegalidade.

Nesse sentido, lembro precedentes do extinto Tribunal Fe­deral de Recursos, que se afinam com o mesmo entendimento,

destacando a Apelação Cível n. 8l.315, também do Paraná, rela­

tada pelo Sr. Ministro Pedro Acioli:

'A teor do art. 111 da Lei n. 5.764, somente os resul­

tados obtidos pelas sociedades cooperativas nas operações de

que tratam os arts. 85, 86 e 88 é que estão sujeitos. A tri­

butação de excesso de retiradas de diretores tem - e que era

também um outro aspecto - conseqüente redução nesses mesmos resultados tributáveis.'

Em reforço de argumentação, pela significação, observo que o procedimento fiscal é contrário à lei (art. 108, § 1.!l, do CTN),

ressaltando-se que, inquestionavelmente, a cooperativa não está

sujeita à incidência do imposto questionado, enfatizando-se que, não obstante, não façam parte dos seus objetivos sociais, consti­

tuem essas aplicações uma atividade-meio para a concepção da

atividade básica, haja vista que é realizada com o fim precípuo de

obter maiores recursos, que reverterão em benefício dos associa­

dos, sem o fim especulativo de lucro.

Em contrário pensar, seria esquecer a realidade das C01sas

ficando o direito desajustado à realidade.

Desse modo, ou a cooperativa, diante de verdadeiro estado

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 143

de necessidade, fez ditas aplicações (operação-meio) ou vai falir. Não se diga que a simples correção monetária, datíssima vênia do eminente Relator, vai satisfazer, diante de crescente desvaloriza­ção da moeda, tumultuária de qualquer estabilidade econômico­-financeira. Esquecida tal realidade, o desajustamento, sem dúvi­

da nenhuma, levará a cooperativa a um fatal desenlace nas suas atividades. São considerações que se conciliam com o objetivo final das cooperativas, sem confundir-se com as sociedades mer­cantis, somente voltadas à obtenção de lucro, não se olvidando

que, naquelas, as despesas gerais são cobertas por rateio pelos seus associados e, havendo sobras, retornando-lhes proporcional­mente, com a permanente preocupação da elevação sócioeco­nômica do associado, espelhando inequívoco divorciamento com o lucro-fim em si mesmo.

Estas aplicações fogem, refogem, afugentam-se, desapare­

cem, como o diabo diante da cruz, de qualquer mácula mercená­ria, certo de que as cooperativas não têm a finalidade do lucro

fácil. Demais, o Imposto de Renda incide sobre o lucro - lucro que é próprio do regime capitalista, não censurável quando não for explorador nem escravizador. O caso em questão não tem esse sentido e sim o de superar a necessidade suprema dos interesses dos cooperados, como meio-fim para a sobrevivência da coope­rativa.

Enfim, feita a objetiva análise, não vejo por que deixar de considerar as aplicações financeiras como atividade-meio para a

consecução dos superiores interesses da cooperativa, para res­guardar os interesses dos seus cooperados, constituindo ato coo­perativo atípico não tributável, livre da suspeita de apenas pro­curar fugir à obrigação fiscal.

Srs. Ministros, é bem possível, e por isso submeterei-me à censura de V. Ex."S, que tenham dado demasiada ênfase. Porém,

na perspectiva da realidade das coisas, em que pese reconhecer a importância dos argumentos expendidos pelo eminente Relator,

voto provendo o recurso.' (REsp n. 35.843-4-PR).

Justaponha-se que não seria aconchegado à razão exigir da coo­

perativa, então, sob a procela de agudo período inflacionário, a reten­ção das suas sobras momentâneas de caixa em simples conta-corren­

te, causando injustificável prejuízo financeiro aos cooperados. Demais,

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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144 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o RIR (Decreto n. 85.450/1980), com característica de norma comple­

mentar (art. 100, I, CTN), adotou interpretação favorável ao contri­buinte, permitindo a exclusão do campo de incidência do tributo.

Por todo o exposto, como motivação, reanimando a comemora­

da fundamentação, posta no julgamento de questão jurídica idêntica,

voto improvendo o recurso.

É o voto."

RECURSO ESPECIAL N. 249.442 - SP (Registro n. 2000.0017837-3)

Relator:

Recorrente:

Ministro José Delgado

Hidroservice Engenharia Ltda

Ronaldo Corrêa Martins e outros Advogados:

Recorrido: Município de São Paulo

Advogados: Maria Isabel de Oliveira e Silva e outros

EMENTA: Recurso especial - ISS - Alegativa de violação aos ar­

tigos 130, 535 e seguintes do CPC e artigos 151, IIl; 174, 201 e 204

do CTN, artigos 11, 12, a e b; e 92 , §§ 12 e 32 , do Decreto-Lei n. 406/ 1968 - Ausência de prequestionatnento - Acórdão fundado nos fatos

circunstanciados da lide - Recurso especial conhecido apenas quan­

to à aludida vulneração ao artigo 151, IlI, do CTN e quanto à multa de que trata o parágrafo único do artigo 538 do CPC e provido tão­

-só para relevar a multa de 1 % aplicada à recorrente.

1. Não se conhece de recurso especial quando os dispositivos

legais que se entende por violados não foram debatidos pelo

decisório impugnado. No caso, os artigos 130 e 535 do CPC e 174, 201 e 204 do CTN não foram resolvidos pelo aresto combatido. Por

sua vez, a expressão "e seguintes" utilizada pela parte em seqüên­

cia ao artigo 535, não serve para individuar e caracterizar os pre­

ceitos legais acusados configurando-se, destarte a deficiência de fun­

damentação recursal. Incidem, portanto, as Súmulas n. 282, 356 e

284, todas do colendo STE

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 145

2. No que diz respeito aos artigos 11, 12, a e b; e 9Q, §§ 1Q e 3Q

,

todos do Decreto-Lei n. 406/1968, o aresto ao aplicá-los, tOlllOU elll consideração os fatos circunstanciados dos autos, de lllaneira que a

investigação de sua suposta infringência, acarretaria necessarialllen­

te o reexallle de lllatéria fática illlpossível na instância especial, con­

forllle verbete da SÚlllula n. 7-STJ.

3. Inocorreu violação ao artigo 151, In, do CTN, tendo o decisulll

reclalllado dado-lhe correta aplicação consoante a linha de entendi­lllento deste Sodalício.

4. Deve ser relevada a lllulta de 1 % de que trata o artigo 538,

parágrafo único, do CPC, posto que não develll ser considerados

COlllO protelatórios elllbargos de declaração interpostos de senten­ça lllonocrática, lllorlllente quando se sabe que a parte ainda dis­punha do direito à apelação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhe­

cer em parte do recurso e, na parte conhecida, dar-lhe provimento para afas­

tar a multa do parágrafo único do artigo 538 do CPC. Votaram de acordo

com o Relator os Srs. Ministros Francisco Falcão, Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira.

Brasília-DF, 15 de agosto de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente e Relator.

Publicado no DI de 18.9.2000.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro José Delgado: Cuidam os autos de embargos à execução

fiscal opostos por Hidroservice Engenharia Ltda, assim relatada no juízo monocrático (fls. 187/189):

"Hidroservice Engenharia Ltda teve contra si ajuizada esta exe­

cução pelo Município de São Paulo, através da qual são-lhe exigidos

o imposto devido por todo o exercício de 1983, além de multas por

descumprimento de obrigações acessórias contidas na legislação do

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146 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ISS, mais encargos (multa e juros moratórios).

Citada pessoalmente a Empresa, na pessoa de seu representante

legal em 22 de julho de 1991, não pagou preferindo garantir o juízo através de fiança bancária, na forma prevista no artigo 9.Q, inciso II, da Lei n. 6.830/1980.

Protocolou tempestivamente suas razões, alegando ter havido de­cadência, dizendo que os débitos remontavam ao exercício de 1983, tendo sido o lançamento feito através de auto de infração e intimação ter sido lavrado e notificado ao contribuinte em 1988, em 5 de dezem­bro daquele ano mais precisamente, tributando a Empresa não como sociedade uniprofissional, pelas denominadas 'alíquotas fixas', mas em percentual incidindo sobre sua receita bruta, mais multa de 50%, ju­ros e correção monetária. Em longo arrazoado, explica ter sido enqua­drada pela Prefeitura como empresa-construtora, quando se restringia a elaborar projetos na área de engenharia consultiva, deixando a ou­tras empresas o encargo de executá-los, menciona o fato de não ser devido o ISS fora do município onde os serviços são prestados, ou mesmo no estrangeiro; aponta para o artigo 11 do Decreto-Lei n. 406/ 1968, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar n. 22, de 1975, definindo o que fosse engenharia consultiva em três incisos, e que somente a partir do ano de 1983 a legislação do Município de São Paulo, a partir da entrada em vigor da Lei local n. 9.664, de 29.12.1983, foi definido o que se haveria de entender como local da prestação do serviço para efeito de incidência do ISS, e que contra­ditoriamente queria que 'os pontos de contato' ou seja, o local consi­derado como prestador de serviço fosse esta Capital.

A Prefeitura impugna, explicitando o que nas razões de embar­gos tinha ficado obscuro. Demonstra que de fato a Empresa tinha sido vencida em pleito em que desejava ver-se tributada como saciedade uniprofissional, em alíquotas fixas calculadas em função do número de profissionais empregados ou não dela, e que, vencida, ajuizou ação rescisória perante o egrégio 1.Q Tribunal de Alçada Civil, da qual só trouxe o acórdão com o voto-vencedor do Relator, tendo aquela Cor­te em seguida revisto sua posição em sede de embargos infringentes, voltando a prevalecer a tese antiga, por afronta ao Verbete n. 343 da Súmula de JuriSprudência Dominante do Supremo, o qual determina

o não cabimento de rescisória por ofensa à literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto de legal in­terpretação controvertida nos tribunais. Exatamente em função dessa

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 147

derrota - nos embargos infringentes da ação rescisória, a Hidroservice

tentou mas não conseguiu remeter a questão à sede de recurso extraor­

dinário, tendo sido admitida a subida apenas da argüida relevância da

questão federal, isso por respeitável despacho do Presidente daquela

Casa datado de 2 de setembro de 1986.

Quanto à decadência não tinha razão de ser alegada, considerando

que o lançamento feito através de auto de infração e intimação, fora

lavrado dentro do qüinqüênio, ocorrendo a notificação ao contribuinte

em 5.12.1988, por descumprimento do artigo 67 da Lei Municipal n.

6.989/1966, que em resumo obriga o estabelecimento prestador de ser­

viços a manter em cada um de seus estabelecimentos prestadores obri­

gados à inscrição, escrita fiscal destinada ao registro dos serviços pres­

tados, ficando a cargo do regulamento estabelecer os modelos, as for­

mas e os prazos para sua escrituração, podendo ainda dispor sobre a

dispensa ou a obrigatoriedade de manutenção. Os títulos executivos

estavam revestidos de todas as exigências legais, sendo aptos a ensejar

as execuções, pedindo ao final pela rejeição dos embargos. Aproveitou

para juntar cópia de sentença de I" grau proferida em 1979, a apela­

ção que a confirmou ainda naquele ano, e dos embargos infringentes

da ação rescisória, decididos em 16 de abril de 1986, além do despa­

cho que indeferiu a subida do extraordinário de 2 de setembro daquele

ano.

Sentença foi proferida originariamente em 18 de agosto de 1992,

dando pela improcedência dos embargos, anulada por v. acórdão pro­

ferido à unanimidade pela Oitava Câmara do egrégio 1 Q. Tribunal de

Alçada Civil, em sessão de 17 de agosto de 1994, por não terem sido apreciadas todas as questões argüidas nos embargos, baixando os au­

tos à instância de origem para reapreciação, sob pena de restar des­

cumprida a garantia do duplo grau de jurisdição."

Julgados improcedentes os embargos à execução, a Sociedade-contri­

buinte apresentou embargos declaratórios (fls. 197/201), sustentando a exis­

tência de omissão relativamente a fato superveniente por ela alegado no sen­

tido de que a execução promovida seria ilegítima por não ter sido esgota­

da a via administrativa.

Em sucinta decisão proferida à fl. 202v., os embargos foram rejeita­

dos por protelatórios, aplicando-se multa à Embargante de 1 % sobre o va­

lor da causa.

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148 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Irresignada, a Empresa apresentou nova apelação (fls. 205/206), que

restou desprovida em acórdão assim ementado (fl. 267):

"Execução fiscal. Inexistência de duplicidade na cobrança.

Descaracterização do traço distintivo de trabalho pessoal do contri­

buinte. Inaplicabilidade da exceção atinente à execução de obras de

construção civil. Decisão mantida. Recurso improvido."

A Recorrente, não se dando por vencida, apresenta, agora, recurso es­

pecial com fulcro na alínea a do permissivo constitucional.

Sustenta a infringência, pelo decisório, dos seguintes dispositivos de

lei federal:

Do Código Tributário:

"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

III - as reclamações, os recursos, nos termos das leis regulamen­

tadoras do processo tributário administrativo."

"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescre­

ve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva."

"Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de cré­

dito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrati­

va competente, depois de esgotado o prazo fixado para pagamento, pela

lei ou por decisão final proferida em processo regular."

"Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza de presunção de

certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída."

Do Código de Processo Civil:

"Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,

determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo

as diligências inúteis ou meramente protelatórias."

"Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I - houver na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradi-

ção;

II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou

tribunal."

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 149

Do Decreto-Lei n. 406/1968:

"Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a - a do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimen­

to, o do domicílio do prestador;

b - no caso de construção civil, o local onde se efetuar a presta-

ção."

Os fundamentos recursais expõem que:

1) ocorreu a decadência do direito de a Fazenda constituir os crédi­

tos relativos a janeiro de 1983 a novembro de 1983, já que "o período apon­

tado no auto de infração refere-se aos meses de janeiro de 1983 a dezem­

bro de 1983, sendo que o auto de infração só foi lavrado em 5.12.1988";

2) houve cerceamento do direito de defesa em face de que "desde o

princípio, foi requerida a produção de todos os meios de prova necessári­

os para provar o alegado, sendo que o MM. juiz singular, em duas senten­

ças, não deu cumprimento ao disposto no art. 130 do Código de Processo

Civil, e imotivadamente não produziu as provas em ofensa ao artigo 130 do

citado diploma legal";

3) "a inexistência de lançamento regular, soma-se à carência do con­

trole administrativo da legalidade para, a seguir, adicionarem-se à elimina­

ção do direito à ampla defesa do contribuinte, bem como a segurança re­

presentada pelos prazos prescricionais. O resultado dessa operação não pode

ser outro: corporifica-se absoluta nulidade, inviabilizando a constituição de

crédito tributário com as características de liquidez e certeza, indispensá­

veis à sua inscrição como Dívida Ativa da Fazenda Pública e posterior exe­

cução, caracterizando-se expressa ofensa à letra c, inciso III do artigo 102

da CF, por não validar a constitucionalidade do art. 174 do CTN";

4) "entende estar sujeita à tributação do ISS através de alíquotas fi­

xas, por ser sociedade de profissionais de engenharia, prestando serviços de

projetos e supervisão técnica, serviços esses do profissional e não de exe­

cução de obras de construção civil";

5) "a recorrente não está obrigada a emitir notas fiscais de serviços e

nem a manter livros fiscais (específicos para quem paga o ISS por meio de

alíquotas sobre o preço do serviço)";

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150 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6) "não existir substrato fáctico para incidência do ISS como quer a

fiscalização; os serviços foram prestados no exterior, infringindo o disposto

no artigo 12 do Decreto-Lei n. 406, de 31.12.1968, que considera como

relevante, para efeito de determinação da competência tributária, e conse­

qüente recolhimento do tributo, o da localização do estabelecimento

prestador do serviço, não levando em conta o aspecto territorial da incidên­

cia do ISS previsto no Ato Complementar n. 36, de 13.3.1967. Assim, a re­

gra geral de incidência tributária municipal é aquela em razão do domicí­

lio do estabelecimento prestador do serviço, estabelecendo como exceção

apenas o do lugar da prestação de serviço quando se tratar de construção

civil;

7) a Recorrente prestou serviços na construção de hidrelétricas a autar­

quias e empresas concessionárias de serviços públicos, estando enquadrada

no disposto no artigo 11 do Decreto-Lei n. 406/1968;

8) configura-se a infringência ao artigo 151, lU, do CTN por se con­

siderar o crédito tributário regularmente constituído com a simples notifi­

cação regular da executada e não quando da decisão dos recursos adminis­

trativos interpostos. Ainda que considerada a possibilidade de se conside­

rar válida a constituição do mencionado crédito, surgiu fato superveniente

não apreciado pela sentença e pelo acórdão, qual seja, a intimação, dois anos

após o ajuizamento da execução, pelo Ex. mo Sr. Secretário das Finanças,

negando provimento ao recurso voluntário tempestivamente interposto pe­

rante aquela autoridade, evidenciando que o título que instrui a execução

não se reveste da certeza e liquidez necessárias;

9) deve ser banida a multa de 1 % imposta à ora recorrente, quando da

oposição dos embargos declaratórios contra a sentença monocrática, uma vez

que os referidos embargos não tinham caráter procrastinatório.

Com apoio nas razões supra-referenciadas, firma o seguinte pedido (fi.

316) :

"Por todas as razões expostas, deve ser admitido e processado o

presente recurso, tendo em vista a infringência ao art. 130 do Código

de Processo Civil, a infringência ao art. 12 do Decreto-Lei n. 406/

1968, a negativa de vigência do art. 151, inciso lII, do CTN, e ao art.

174 do mesmo CTN, a ofensa direta aos artigos 201 e 204 do CTN,

e a negativa de vigência aos arts. 535 e seguintes do CPC, com ofensa

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 151

expressa à letra a do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, para que o egrégio STJ, reformando o v. acórdão recorrido, reconhe­cendo-se o direito da Recorrente em não ser obrigada à emissão de notas fiscais e à escrituração dos livros, bem como não estar sujeita à tributação do ISS pela base de cálculo do faturamento, pois à época da ocorrência dos fatos geradores a Recorrente - conforme prova acostada desde os embargos à execução fiscal, e não apreciada pela r. sentença e pelo v. acórdão, o que claramente induz ao cerceamento

de defesa, estava sujeita à base de cálculo levando-se em conta o nú­mero de funcionários existentes - invertendo-se o ônus da sucumbên-cia."

A Recorrente apresentou recurso extraordinário às fls. 319/355.

Foram ofertadas contra-razões a ambos os recursos interpostos.

As contra-razões ao recurso especial (fls. 359/365) aduzem:

1) preliminarmente, ausência de prequestionamento, explícito ou im­plícito, dos dispositivos de lei federal acusados de violados;

2) no mérito, não merecer reforma o aresto atacado, pois proferido em consonância com a legislação regente, a saber: artigo 173, I, do Código Tri­butário Nacional; artigo 9Q

, §§ 1 Q e 3Q, do Decreto-Lei n. 406/1968; De­

creto Municipal n. 22.470/1986 e artigos 30, IIl; e 156, IV, da Constitui­ção Federal;

3) não proceder a intenção da Recorrente em ver desconstituído o lan­çamento sob o argumento de que à época da infração era sociedade de pro­fissionais de engenharia, prestando serviços de projetos e supervisão técnica e enquadrando-se, destarte, na incidência prevista no item 89 da lista de serviços, tendo por base de cálculo alíquotas fixas, pois conforme ressaltado no decisório alvejado, trata-se de empresa com profissionais e não de pro­fissionais habilitados, que seria o traço distintivo e essencial para a sua in­clusão na exceção prevista no artigo 9Q

, §§ li:'. e 3i:'., do Decreto-Lei n. 406/ 1968;

4) " ... no que concerne ao pretenso desatendimento às regras vigentes para a construção civil, com o mesmo acerto o v. acórdão guerreado tratou a matéria à luz do artigo 12 do multicitado Decreto-Lei n. 406/1968. Neste dispositivo delimitou o legislador a competência impositiva em razão do 'lo­

cal da prestação de serviço', e para a sua caracterização, fixou normas dis­ciplinadoras, já claramente mencionadas nas manifestações da Municipa­

lidade paulista. E para os serviços prestados pela Recorrente, à evidência,

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152 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

prevalece o disposto no item a do citado artigo 12 do Decreto-Lei n. 406/

1968, valendo a regra geral da sede do estabelecimento prestador."

Assim respaldado, pugna pelo improvimento do especial.

Em juízo de prelibação prolatado às fls. 375/379, os recursos especial

e extraordinário foram inadmitidos.

Em sede de agravo de instrumento interposto contra o decisuIll

denegatório do especial, proferi despacho determinando a subida do recurso,

conforme consta à fl. 396.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro José Delgado (Relator): A Recorrente acusa de viola-

dos os seguintes dispositivos legais:

- Artigos 151, lII; 174, 201 e 204 do Código Tributário Nacional;

- Artigos 130 e 535 e seguintes do Código de Processo Civil;

- Artigo 12, a e b, do Decreto-Lei n. 406/1968.

Assinalo, preliminarmente, que os artigos 174, 201 e 204 do Código

Tributário Nacional, 130 do Código Processual Civil, não foram debatidos

pelo aresto vergastado, como se depreende da leitura do voto-condutor ata­

cado, integralmente transcrito abaixo (fls. 268/270):

"A questão da decadência foi devidamente apreciada pelo v.

acórdão de fls. 174/181.

Afasta-se a preliminar suscitada.

Diga-se, de início, que a questão abordada nos embargos de de­

claração foi devidamente apreciada no julgamento do primeiro recurso,

tendo-se por legal a certidão objeto do presente feito.

A preliminar apresentada com a apelação agora apreciada traz

matéria diversa, mencionando duplicidade de cobrança.

Não há, contudo, a apontada duplicidade, pois ainda que equivo­

cadamente tenha a Municipalidade feito tal exigência, o segundo fei­

to foi extinto segundo notícia trazida por ela própria.

No que tange ao mérito, a tese colocada pela Apelante não pode

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 153

prevalecer, respeitados os posicionamentos contrários trazidos aos au­

tos.

A Empresa é de planejamento e consultoria de engenharia, como

reconhecido em laudos técnicos efetuados em outras demandas sobre

o mesmo tema, por isso incluída no item 17 da lista de serviços (en­

genheiros, arquitetos, urbanistas). Todavia, segundo o constatado, a

Apelante é empresa de grande porte (ao menos à época do fato gera­

dor), com cerca de 2.138 profissionais de engenharia, além de 2.203

outros profissionais de outras áreas, como economistas; administrado­

res de empresa, advogados, sociólogos, contabilistas (fl. 74). Não se

cuida de sociedade de profissionais habilitados, mas com profissionais

habilitados.

Assim não se pode definir que por isso faça jus à exceção prevista

no art. 9'2., §§ 12 e 32 , do Decreto-Lei n. 406/1968, onde o traço dis­

tintivo é o trabalho pessoal do contribuinte, ainda que constituindo

sociedade comercial. Não é o caso da Recorrente.

o colendo Supremo Tribunal Federal, em diversos pronuncia­

mentos, inclusive em caso no qual participou a própria Apelante, de­

finiu que 'O § 3!1. do art. 9!1. do Decreto-Lei n. 406, de 1968, ao refe­

rir-se a 'serviços prestados por sociedades', alcança, limitadamente,

aquelas em que os trabalhos resultantes conservam normalmente a

marca individual de seus autores, e não aquelas em que os trabalhos

são de produção promíscua ou indistinta'.

E arremata:

'É o sócio, é o indivíduo, que transparece, diferentemente do

que ocorre em sociedades prestadoras de serviços unificados pela

marca comum, da empresa, não de seus numerosos e indistintos

autores' (fls. 64/65, AgRg n. 80.985, ReI. Min. Décio Miranda).

Esse entendimento tem sido reiterado (RTJ 105/292 e 106/183).

No que tange à competência tributária, a questão é resolvida pelo

que dispõe o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, não podendo se va­

ler a Apelante da exceção atinente à execução de obras de construção

civil (item b), atividade que confessadamente não exerce, prevalecendo

o disposto no item a, a sede do estabelecimento prestador.

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154 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Correta, pois, a r. sentença, merecendo mantida por seus funda­

mentos e os ora acrescidos.

Posto isso, nega-se provimento ao recurso."

Doutro lado, não consta a oposição de embargos de declaração do

acórdão hostilizado a viabilizar a possibilidade de afronta ao artigo 535 do Código de Processo Civil, pelo que também deve este ser considerado como não prequestionado.

Quanto à expressão "e seguintes", usada após o artigo 535, não serve

para caracterizar e individuar os dispositivos legais considerados como vul­

nerados, configurando-se, neste aspecto, uma deficiência na fundamentação

do especial.

Ausente, portanto, o prequestionamento dos aludidos cânones legais e deficiente a fundamentação no tocante à expressão "e seguintes", utilizada após o artigo 535 do CPC, inviável se torna nesta Instância Superior, a aná­

lise da alegada ofensa cometida aos mesmos, por aplicação das Súmulas n. 282 e 284 do STF.

Outrossim, como já dito, não foram opostos embargos de declaração do aresto de fls. 267/271, visando a suprir a falta de pronunciamento judi­

cial a respeito dos mencionados dispositivos legais, o que atrai, por sua vez, a incidência da Súmula n. 356-STF.

No que pertine à preliminar de decadência do crédito tributário, bem como a alegada ofensa ao artigo 151, lII, do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que não estando esgotadas as vias administrativas, o

crédito não estaria regularmente constituído, reportou-se, o acórdão recla­

mado, àquele proferido às fls. 174/181, que por sua vez diz, às fls. 176/179

que:

"No entanto, no que tange à decadência, o exame foi feito e cor­

retamente, afastando a interpretação buscada pela Apelante.

Com efeito, o equívoco da Apelante se deu no momento em que considerou o lançamento como sendo por homologação, que não ocor­

reu no caso discutido. A homologação se dá quando o imposto é pago

antecipadamente, fazendo-se o lançamento posteriormente, quando a

autoridade homologa-o, se exato, ou faz um lançamento suplementar,

para haver a diferença. No caso dos autos houve a lavratura de um auto

de infração, com atuação direta da autoridade, de ofício, impondo-se

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 155

seja capitulada a decadência na forma do art. 173, I, do Código Tri­butário Nacional. A contagem do prazo decadencial, portanto, se ini­cia no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido feito o lançamento. Iniciou-se, destarte, em 1!l de janeiro de 1984, encerrando-se em 31 de dezembro de 1988. O auto de infração (aqui entendido também como notificação) se deu em 5.12.1988, data em que se considera constituído definitivamente o crédito tributário.

A respeito dessa última afirmação, relativa à constituição defini­tiva do crédito tributário, lecionou AliOInar Baleeiro:

'Quando se dá a constituição definitiva do crédito tributá­rio? Penso que é quando a autoridade ultima o procedimento do art. 142, caput, determinando a matéria tributária, calculando o montante do tributo devido, identificando o sujeito passivo e, se cabível, aplicando a pena, tudo seguido da notificação a esse res­peito (cf. Decreto Federal n. 70.235, de 6.3.1972, art. 11).

Estará constituído definitivamente o crédito tributário, mas seus efeitos só se produzem quanto ao sujeito passivo a partir do dia em que este for 'regularmente notificado' (art. 145). A noti­ficação marca a data da constituição, a salvo de qualquer contes­tação, sobre o respectivo dia. O lançamento está constituído em­bora possa ser alterado por impugnação, recurso ex officio ou iniciativa da autoridade administrativa nos casos previstos no art. 149 do CTN (erros, ilegitimidade do declarante, omissões de es­clarecimentos, falsidade, dolo, conhecimento superveniente de fato relevante, prevaricação da autoridade).

Pelos termos incisivos do art. 145 do CTN, a definitividade do crédito tributário procede do 'lançamento regularmente noti­ficado ao sujeito passivo'. Qual lançamento? O ato do art. 142 e não a decisão dos recursos que ele suscitou.' (Direito Tributário Brasileiro, 10a edição, 1 oa tiragem, 1994, Forense, p.p. 507/508).

Por tais conceitos, verifica-se a não ocorrência de decadência ou de prescrição, uma vez que se trata de lançamento de ofício, consti­tuído definitivamente na data da lavratura do auto de infração, 5.12.1988. Desta forma, afastam-se tais alegações, bem como aquela serodiamente apresentada (fls. 150/155), em que se postulava a extinção da execução, por não esgotada a via administrativa."

RST], Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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156 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Com toda a razão o eminente Relator. O lançamento, momento em que

inicia o processo de constituição do crédito tributário, se deu, no presente

caso, com a lavratura do auto de infração, e não com a notificação do jul­

gamento definitivo proferido no processo administrativo-fiscal. Em face dis­

so, a decadência não teria se configurado, eis que o crédito fiscal foi bus­

cado pelo agente ativo antes do prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 173

do CTN.

Assim, corroboro os elucidativos fundamentos suprapostos e rejeito,

também, a preliminar de decadência, do mesmo modo que não reconheço,

como vulnerada, a norma inserta no artigo 151, III, do Código Tributário

Nacional.

A preliminar de duplicidade de cobrança, suscitada pela Empresa-re­

corrente foi resolvida pelo aresto impugnado com suporte no noticiado nos

autos, pois assim disse o seu eminente prolator: "A preliminar apresentada

com a apelação agora apreciada traz matéria diversa, mencionando dupli­

cidade de cobrança. Não há, contudo, a apontada duplicidade, pois ainda que

equivocadamente tenha a Municipalidade feito tal exigência, o segundo feito

foi extinto segundo notícia trazida por ela própria".

Portanto, qualquer novo juízo a ser emitido sobre a citada preliminar,

acarretaria o reexame de matéria fática a que se sobrepõe o óbice da Súmula

n. 7 desta egrégia Corte.

Passo a perquirir, agora, do llleritulll causae, propriamente dito.

Este abarca, basicamente, as seguintes questões:

1) a primeira concerne em se saber se a Empresa faz jus à tributação

do ISS por meio de alíquotas sobre o preço do serviço ou, conforme o pri­

vilégio previsto no artigo 9'\ §§ F e 32 , do Decreto-Lei n. 406/1968, com

base em alíquota fixa, não estando, destarte, obrigada a emitir notas fiscais

de serviços e nem a manter livros fiscais;

2) a segunda passa pelo exame da correta aplicação do artigo 12, le­

tras a e b, que regula a competência impositiva da exação;

3) a terceira diz respeito à isenção prevista no artigo 11 do multi citado

Decreto-Lei n. 406/1968.

Desmerece êxito a irresignação apresentada.

Ao decidir sobre a aplicação dos retrocitados dispositivos de lei, o

acórdão açoitado tomou em consideração os fatos circunstanciados nos au­

tos.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200l.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 157

No que tange ao artigo 9'\ §§ 1!2 e 3!2, do Decreto-Lei n. 406/1968, o

aresto, como se constata do trecho do voto-condutor, assim disse à fl. 269:

"A Empresa é de planejamento e consultoria de engenharia,

como reconhecido em laudos técnicos efetuados em outras demandas

sobre o mesmo tema, por isso incluída no item 17 da lista de servi­

ços (engenheiros, arquitetos, urbanistas). Todavia, segundo o constata­

do, a Apelante é empresa de grande porte (ao menos à época do fato

gerador), com cerca de 2.138 profissionais de engenharia, além de

2.203 outros profissionais de outras áreas, como economistas, admi­nistradores de empresa, advogados, sociólogos, contabilistas (fl. 74).

Não se cuida de sociedade de profissionais habilitados, mas com pro­

fissionais habilitados.

Assim não se pode definir que por isso faça jus à exceção prevista no art. 9!2, §§ 1!2 e 3!2, do Decreto-Lei n. 406/1968, onde o traço dis­

tintivo é o trabalho pessoal do contribuinte, ainda que constituindo

sociedade comercial. Não é o caso da Recorrente.

o colendo Supremo Tribunal Federal, em diversos pronuncia­

mentos, inclusive em caso no qual participou a própria Apelante, de­

finiu que 'O § 3!2 do art. 9!2 do Decreto-Lei n. 406, de 1968, ao refe­

rir-se a 'serviços prestados por sociedades', alcança, limitadamente,

aquelas em que os trabalhos resultantes conservam normalmente a

marca individual de seus autores, e não aquelas em que os trabalhos

são de produção promíscua e indistinta'.

E arremata:

'É o sócio, é o indivíduo que transparece, diferentemente do

que ocorre em sociedades prestadoras de serviços unificados pela

marca comum, da empresa, não de seus numerosos e indistintos

autores' ."

Conforme se vê, incide, no caso, a Súmula n. 7-ST].

Porém, ainda que assim não fosse, também não lograria sucesso a quei­xa da Executada-recorrente, posto que o aresto encontra-se na linha de en­

tendimento firmado neste Sodalício:

"ISSQN. Sociedades de profissionais. Sociedade por cotas de res­

ponsabilidade limitada. Médicos. Comerciante. Caráter empresarial.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 200 I.

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158 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

É devido o ISSQN pelas sociedades profissionais quando estas

assumem caráter empresarial.

As sociedades civis, para terem direito ao tratamento privilegia­

do previsto pelo artigo 9!l, § 3!l, do Decreto-Lei n. 406/1968, têm que

ser constituídas exclusivamente por médicos, ter por objeto social a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem

caráter empresarial.

Recurso improvido." (REsp n. 158.477-SC, ReI. Min. Garcia Vieira) .

"Tributário. Imposto sobre Serviços. Sociedades profissionais. Decreto-Lei n. 406, art. 9!l, § 3!l.

Sociedades civis integradas por médicos para ministrar serviço especializado, com responsabilidade pessoal destes, e sem caráter em­

presarial, têm direito ao privilégio contido no § 3!l do art. 9!l. do De­

creto-Lei n. 406/1968.

Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp n. 34.326-MG, DJ de

19.12.1997, ReI. Min. José de Jesus Filho).

Ao julgar qual o critério para fixação da competência tributária e a inaplicabilidade do artigo 11 do Decreto-Lei n. 406/1968, o decisório mais

uma vez, tomou em consideração a situação circunstanciada nos autos: a)

a Reclamante não é empresa de construção civil e b) ausência de provas da prestação de serviços em outras localidades ou existência de estabelecimen­

to prestador fora do Município.

Comprove-se o afirmado pela leitura dos seguintes trechos:

à fi. 270:

"N o que tange à competência tributária, a questão é resolvida pelo que dispõe o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, não podendo

se valer a Apelante da exceção atinente à execução de obras de cons­

trução civil (item b), atividade que confessadamente não exerce, pre­

valecendo o disposto no item a, a sede do estabelecimento prestador."

Na declaração de voto, à fi. 273, diz:

"Destaco, desde logo, que a Embargante não fez nenhuma prova

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 159

específica e relativa à matéria alegada. Intimada a especificá-las à fl.

108, quedou-se silente como certificado à fl. 110. Já por isso, não pode exigir decisão favorável sobre incidência tributária em outros países,

estados e municípios, pois não há prova da prestação e da existência

de estabelecimento prestador fora do município da sede, nem de que

no exercício em foco tenha prestado algum serviço aos entes públicos referidos no art. 11 do Decreto-Lei n. 406/1968."

e à fl. 277:

"Conforme referido anteriormente, sem prova da prestação de

serviços em outras localidades e da existência de estabelecimento

prestador de serviços fora do município-sede, não há porque discutir­

-se a questão da competência para a exigência sobre todos os valores considerados no auto de infração. Da mesma forma, sem prova da pres­

tação de serviços aos entes públicos, também é acadêmica a alegação de que aí haveria isenção tributária."

Portanto, a atração, ao caso, da Súmula n. 7-STJ obstaculiza o conhe­

cimento da aludida vulneração aos artigos 9'\ §§ 1"" e 3"", 12, a e b, e 11, do Decreto-Lei n. 406/1968, pois o decisório buscou, nas provas dos autos,

a razão da não incidência dos mesmos.

Por último, examino a aplicação da multa de 1 % à Recorrente.

Sobre ela não se pronunciou o acórdão de fls. 267/27l. Contudo, na

declaração de voto posta às fls. 272/277, houve deliberação sobre a sua apli­cação (fls. 272/273):

"Inicialmente, também afasto as preliminares. A r. sentença e o

recurso não tinham que voltar ao tema da decadência e prescrição. Tais

questões estavam definitivamente repelidas no v. acórdão anterior, mais

especificamente à fl. 179. O mesmo acontece com o tema da carência

por falta de título executivo, vez que o processo administrativo não

estaria encerrado quando da inscrição da dívida. Quanto a esta última preliminar, observa-se mais que a questão foi indevida e novamente

levantada nos embargos de declaração, por isso que foram rejeitados

com imposição de multa. A argüição era flagrantemente protelatória,

já que havia decisão anterior tornando preclusa a matéria. Destarte, a

multa não pode ser relevada."

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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160 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Não obstante a questão preliminar levantada pela parte relativa à ca­rência do título executivo, por inesgotada a via administrativa, tenha sido

resolvida no decisório de fls. 174/181, e por esse motivo, não tenha sido discutida, quando da prolação da sentença de fls. 187/195, não me pare­ce que os embargos declaratórios dela interpostos, revistam-se de caráter

protelatório, mesmo porque a parte ainda dispunha do direito à apelação.

Posto isto, entendo deva ser relevada a multa aplicada.

Em conclusão: não conheço do recurso especial pela apontada viola­ção aos arts. 174, 201 e 204 do CTN, e 130 e 135 e seguintes do CPC, por

ausência de prequestionamento e incidência da Súmula n. 7 deste STJ, con­forme acima explicitado.

Conheço do recurso especial pela apontada violação ao art. 151, III, CTN, porém, nego-lhe provimento. Conheço, ainda, do recurso especial pela afronta ao art. 538, parágrafo único, do CPC, para dar-lhe provimento, afas­tando a multa aplicada.

Isto posto, conheço parcialmente do recurso especial e, no tocante à parte conhecida, dou-lhe parcial provimento para afastar a multa aplicada,

negando-lhe provimento no referente ao art. 151, III, do CTN.

É como voto.

RETIFICAÇÃO DE DECISÃO

O Sr. Ministro José Delgado (Relator): Neste processo, a decisão cor­

reta é a seguinte: A Turma conheceu em parte do recurso e, nesta parte, deu­-lhe provimento para afastar a multa do parágrafo único do art. 538 do CPC.

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorrida:

RECURSO ESPECIAL N. 259.055 - RS (Registro n. 2000.0046838-0)

Ministro Garcia Vieira

Dinorah Maria Weissheimer

Lorena Feijó Lima e outros

Fazenda Nacional

Procuradores: Dolizete Fátima Michelin e outros

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 161

EMENTA: Processual Civil - Penhora - Belll indivisível -

Meação - Alienação.

Sendo o belll penhorado indivisível, a solução para que se re­serve o direito de llleação sobre o llleSlllO é sua alienação COlll a re­

partição do preço.

Recurso illlprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Re­

lator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e

José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília-DF, 25 de setembro de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Garcia Vieira, Relator.

Publicado no DJ de 30.10.2000.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Garcia Vieira: Dinorah Maria Weissheimer, lastreada

na Constituição Federal, art. 105, lII, letras a e c, interpõe recurso espe­

cial (fl. 84), aduzindo tratar-se de embargos de terceiro a fim de defender

sua meação. Os embargos foram julgados procedentes, reconhecendo-se o

direito à meação, mas, por tratar-se de bem indivisível, determinou que tal

direito consubstancie-se na metade do produto arrecadado com a venda do

bem em praça pública.

o v. aresto ora combatido apresenta a seguinte ementa:

"Embargos de terceiro. Execução fiscal. Penhora de imóvel. Mea­ção da mulher.

1. Em execução fiscal, a responsabilidade pessoal do sócio-gerente

de sociedade por quotas, decorrentes de violação da lei ou excesso de

mandato, não atinge a meação de sua mulher. Súmula n. 112 do TFR.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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162 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTICA

2. Sendo indivisível o bem, a solução adequada é levar o bem à

hasta pública, reservando-se metade do produto da venda em favor da mulher do executado." (fi. 81).

Aduz violação ao Código Civil, arts. 629 e 632, além da divergência.

Requer provimento, decidindo-se pela impossibilidade da alienação do bem, garantindo-se a meação sobre o mesmo.

Resposta (fi. 105).

Despacho (fi. 108).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Garcia Vieira (Relator): Sr. Presidente, aponta a Re­corrente, como violados, os artigos 629 e 632 do Código Civil, versando so­bre questões devidamente prequestionadas e comprovou a divergência.

Conheço do recurso pelas letras a e c.

Na execução, foi penhorado o prédio situado na avenida Chicago n. 108, com suas dependências e instalações (fi. 25 dos autos em apenso). A MMa. Juíza Federal da l.il. Vara das Execuções Fiscais de Porto Alegre jul­gou parcialmente procedentes os embargos de terceiro movidos por Dinorah Maria Weissheimer, mulher do executado, Raul Weissheimer, e subsistente a penhora para assegurar a meação da Embargante sobre o produto do praceamento do bem penhorado (fi. 46). Ambas as partes apelaram, mas foi negado provimento à apelação da Fazenda Nacional e à remessa oficial e dado parcial provimento à apelação da Embargante para condenar a Embargada em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o va­lor da causa. Ficou, assim, mantido o entendimento adotado pelo MM. Juiz singular no sentido de que, sendo indivisível o bem, a solução adequada é levá-lo à hasta pública, reservando-se metade do produto da venda em fa­vor da mulher do executado (ementa de fi. 81). A questão é controvertida, mas, partindo-se do pressuposto fático de que o bem penhorado é indivisível, deveria ser aplicado o disposto no artigo 632 do Código Civil, que deter­mina a sua alienação e repartição do preço. No caso, a parte concernente à meação da mulher seria a ela entregue. No Recurso Especial n. 171.275-SP, DJ de 14.6.1999, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, entendeu a egré­gia Quarta Turma que:

"O bem que não comporte cômoda divisão será levado por inteiro

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 163

à hasta pública, entregando-se a metade do preço alcançado ao cônju­

ge-meeiro, após o praceamento."

A mesma Turma, no Recurso Especial n. l6.950-0-MG, DJ de

5.4.1993, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, entendeu que:

" ... o bem, se for indivisível, será levado por inteiro à hasta pú­

blica, cabendo à esposa a metade do preço alcançado."

Nego provimento ao recurso.

RECURSO ESPECIAL N. 262.591 - RN (Registro n. 2000.0057472-4)

Relator: Ministro Garcia Vieira

Recorrente: Fazenda Nacional

Procuradores: Adonias dos Santos Costa e outros

Recorrido: Antônio Fernando Rocha Coelho e outros

Advogado: Fernando Gurgel Pimenta

EMENTA: Tributário - Imposto de renda - Complementação de

aposentadoria - Entidade fechada de previdência privada - Isen­

ção.

Estabelece o artigo 6!!., inciso VII, da Lei n. 7.713/1988 que fi­

cam isentos do imposto de renda os rendimentos recebidos por pes­

soas físicas e os benefícios das entidades de previdência privada, re­

lativamente ao valor das contribuições cujo ônus tenha sido do par­

ticipante, se os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo

patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte.

Em precedentes do STJ e do STF, considerou-se que as entida­

des fechadas de previdência privada não têm direito à isenção do

imposto de renda.

Recurso improvido.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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164 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao re­curso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília-DF, 25 de setembro de 2000 (data do julgamento).

Ministro José Delgado, Presidente.

Ministro Garcia Vieira, Relator.

Publicado no DI de 30.10.2000.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Garcia Vieira: A Fazenda Nacional, lastreada na Cons­tituição Federal, artigo 105, III, a, interpõe recurso especial (fi. 113), guer­reando acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal/5a Região, cuja ementa restou vazada nos seguintes termos:

"Tributário. Imposto de renda na fonte. Complementação de proventos de aposentadoria paga por entidade de previdência privada. Lei n. 7.713/1988, art. 62 , VII, b. Isenção. Condições. Tributação dos rendimentos e ganhos de capital. Honorários advocatícios. Art. 20 e parágrafos, do CPC.

1. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decor­rente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão (CTN, art. 176).

2. É requisito para gozo da isenção do imposto de renda na fon­te, previsto no art. 62 da Lei n. 7.713/1988 - Complementação de proventos de aposentadoria proveniente de 'entidade privada' - que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da enti­dade tenham sido tributados.

3. Os honorários advocatícios devem ser fixados em valores re­

duzidos, tratando-se de matéria pacificada, não devendo-se, entretan­to, importar, em tal arbitramento, em aviltamento do labor profissio­nal. Art. 20, § 42 , do CPC.

4. Apelação, remessa oficial e recurso adesivo improvidos." (fi. 111).

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA 165

Aduz violação ao artigo 6!l, VII, b, da Lei n. 7.713/1988. Requer re­

forma do v. aresto combatido.

Sem resposta.

Despacho (fi. 124).

VOTO

o Sr. Ministro Garcia Vieira (Relator): Aponta a Recorrente, como vio­

lado, o artigo 6'\ inciso VII, letra b, da Lei n. 7.713/1988, versando sobre

questão devidamente prequestionada.

Conheço do recurso pela letra a.

Estabelece referido dispositivo legal que ficam isentos do imposto de

renda os rendimentos recebidos por pessoas físicas e os benefícios das en­

tidades de previdência privada, relativamente ao valor das contribuições cujo

ônus tenha sido do participante, se os rendimentos e ganhos de capital pro­

duzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte. As­

sim, para que os Autores, servidores aposentados do Banco do Brasil e con­

tribuintes para a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil

- Previ, tenham direito à isenção por eles perseguida sobre a complemen­

tação de suas aposentadorias, teriam de demonstrar serem tributados os ren­

dimentos e ganhos de capital produzidos pela Previ, entidade fechada de

Previdência Privada (fi. 53). Embora não exista prova nestes autos no sen­

tido de que os ganhos de capital, produzidos pelo patrimônio da Previ, te­

nham sido tributados na fonte, existem precedentes do STJ e do STF no

sentido de que as entidades fechadas de previdência privada não têm direi­

to à isenção do imposto de renda. O STF, no RE n. 146.747-9, Relator

Ministro Octávio Gallotti, julgado no dia 10.8.1999, decidiu que a Caixa

de Previdência dos Funcionários do Banco do Nordeste do Brasil - Capef,

entidade de previdência privada, não tendo natureza assistencial, não tem

direito à isenção do imposto de renda. No mesmo sentido o RE n. 127.584-

SP, DJ de 22.11.1996, Relator Ministro Carlos Velloso. O STJ, no Recurso

Especial n. 150.936-CE, DJ de 22.5.2000, Relatora Ministra Eliana Calmon,

a egrégia Segunda Turma entendeu que:

"Tributário. Imposto de renda. Complementação de aposentado­

ria: art. 60. da Lei n. 7.713/1988. Isenção. Questão prejudicial.

1. A isenção do art. 6!l da Lei n. 7.713/1988 contempla as

complementações de aposentadorias pagas por entidades fechadas de

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.

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166 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Previdência Social, quando não imunes ao imposto sobre os ganhos de

capital.

2. Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Nordes­

te do Brasil - Capef, que foi considerada não imune pelo STF (RE n.

146.747-9), sedimentando tese do acórdão, quanto à isenção da complementação.

3. Recurso especial não conhecido pela letra a."

Conforme a própria Recorrente reconhece, "o desiderato da lei é viabilizar uma única cobrança do imposto de renda, seja sobre os rendimen­

tos do patrimônio da entidade, seja sobre os rendimentos por ela pagos a

título de complementação de proventos". (fi. 118, in fine).

Não podem os Autores sofrer a incidência do imposto de renda sobre

o patrimônio da Previ e também incidente sobre a complementação de apo­sentadoria que recebe da referida entidade, se esta não é isenta.

Nego provimento ao recurso.

RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 35-166, fevereiro 2001.