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Situação da Legislação da Propriedade Intelectual no Brasil em 1991 Denis Borges Barbosa 1 1 .Master of Laws pela Columbia University, professor de Propriedade Intelectual do Curso de Doutorado em Direito da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.

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Situação da Legislação da PropriedadeIntelectual no Brasil em 1991

Denis Borges Barbosa 1

1.Master of Laws pela Columbia University, professor de Propriedade Intelectual do Curso deDoutorado em Direito da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro.

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Situação da Legislação da PropriedadeIntelectual no Brasil em 1991

A situação da legislação depropriedade intelectual noBrasil em 1991 pode serdescrita, brevemente, como emtotal mudança. Praticamente emtodos os campos deste ramo doDireito se examinam propostaslegislativas que importarão,caso adotadas, em considerávelmutação de princípios, deparâmetros, de política emesmo das estruturasinstitucionais.

Enquanto tais alteraçães não ocorrem, continua em vigor o Código daPropriedade Industrial, a Lei 5772 de 20 de dezembro de 1971, no tocante àspatentes de invencão, de modelo de utilidade, de desenho e modelo industrial,às marcas, sinais e expressães de propaganda, às indicaçães de procedência e,de uma forma indireta, à repressão à concorrência desleal. Continua em vigoro velho decreto-lei no. 7.903/45, com a parte penal da propriedade industrial.Continua em vigor a Lei 7.646 de 18 de dezembro de 1987, a chamada Lei doSoftware, que remete em parte à Lei Autoral, 5.988 de 1973. A proteção donome comercial, dispersa entre várias leis, continuará assim até algumareforma legal futura.

Como principais características, o atual sistema prevê a não concessão depatentes aos produtos e processos químico-farmaceutico e alimentares, assimcomo aos processos químicos em geral; um sistema administrado deimportação de tecnologia 2; o regime de cadastro (ou admissão condicionadaao mercado interno) para a importação de programas de computador; umsistema atributivo de marcas, no qual a propriedade resulta do registro.

Na esfera internacional, o Brasil persiste na Revisão de Haia (1925) daConvenção da União de Paris para a proteção da Propriedade Industrial,subscritor que foi da versão original de 1883 do tratado; também, na mesmarevisão, é parte do Acordo de Madri para proteção das Indicaçães deProcedência. É parte integral do Tratado de Washington de Cooperação emMatéria de Patentes (PCT) e subscreveu o segundo Tratado de Washington,

2. Ainda que consideravelmente abrandado desde o primeiro semestre de 1991.

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de 1989, de Proteção à Topografia de Semicondutores. Parte igualmente daConvenção de Berna e da Convenção Universal de Paris, em suas últimasrevisães, assim como da Convenção de Roma, estas no campo do DireitoAutoral. Parte ainda em um número de acordos bilaterais e regionais emmatéria de patentes, marcas e direito autoral.

A mudança constitucional

Muito pouco destas propostas resultam da nova Carta de 4 de outubro de1988, que no entanto dispôs extensamente sobre a matéria. Notável pelaregulação que faz do direito autoral, garantindo aos criadores das obras deespírito considerável latitude, a Constituição dedica às criaçães industriaisdispositivo específico, não se limitando à declaração dos direitos dosinventores e titulares de marcas, como as anteriores:

Art. 5o. .............

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventosindustriais privilégio temporário para suautilização, bem como proteção às criaçãesindustriais, à propriedade das marcas, aosnomes de empresas e a outros signosdistintivos, tendo em vista o interesse social eo desenvolvimento tecnológico e econômico doPaís; (Grifei) 3

Como se vê, o preceito constitucional se dirigeao legislador,

determinando a este tanto o conteúdo dos títulos de proteção da PropriedadeIndustrial ("a lei assegurará..."), quanto a finalidade do mecanismo jurídico aser criado ("tendo em vista..."). A cláusula final, novidade do texto atual,torna claro que o direito aos títulos de Propriedade Industrial não derivadiretamente da Carta, mas da lei ordinária; e tal lei só será constitucional naproporção em que atender aos seguintes objetivos : a) visar o interesse socialdo País; e b) favorecer o desenvolvimento tecnológico do País; c) favorecer odesenvolvimento econômico do País.

Não basta, assim, que a lei atenda às finalidades genéricas do interessenacional e do bem público; não basta que a propriedade intelectual se adeqüea sua função social, como o quer o Art. 5o., XXIII da mesma Carta. Comefeito, a lei ordinária de Propriedade Industrial que visar, por exemplo,

3. Tal dispositivo resultou da sugestão levada à Assembléia Nacional Constituinte pelo InstitutoNacional da Propriedade Industrial, cabendo ao subscritor, então Procurador Geral daquelaautarquia, a redação do texto então encaminhado, ora em vigor.

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atender interesses da política externa do Governo, em detrimento do interessesocial ou do desenvolvimento tecnológico do País, incidirá em vícioinsuperável, eis que confronta e atenta contra as finalidades que lhe foramdesignadas pela Lei Maior.

A Constituição não pretende estimular o desenvolvimento tecnológico em si,ou o dos outros povos mais favorecidos; ela procura, ao contrário, ressalvaras necessidades e propósitos nacionais, num campo considerado crucial paraa sobrevivência de seu povo. Não menos essencial é perceber que o Art.XXIX da Carta estabelece seus objetivos como um trígono, necessário eequilibrado: o interesse social, o desenvolvimento tecnológico e o econômicotêm de ser igualmente satisfeitos. Foge ao parâmetro constitucional a leiordinária de Propriedade Industrial que, tentando voltar-se aodesenvolvimento econômico captando investimentos externos, ignore odesenvolvimento tecnológico do País, ou o nível de vida de seu povo.

Seria inconstitucional, por exemplo, a lei que, optando por um modelofrancamente exportador, renunciasse ao desenvolvimento tecnológico emfavor da aquisição completa das técnicas necessárias no exterior; ou a lei que,a pretexto de dar acesso irrestrito das tecnologias ao povo, eliminassequalquer forma de proteção ao desenvolvimento tecnológico nacional. Estanoção de balanço equilibrado de objetivos simultâneos está, aliás, nos Art.218 e 219 da Carta, que compreendem a regulação constitucional da ciência etecnologia. Lá também se determina que o estímulo da tecnologia - cujaforma mais importante é a concessão de propriedade dos resultados - voltar-se-á predominantemente para a solução dos problemas brasileiros e para odesenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional i.

Também no Art. 219 se dispãe que o mercado interno será incentivado deforma a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio econômico, o bem estarda população e a autonomia tecnológica do País 4. Ora, como se sabe, osinstrumentos da Propriedade Industrial são exatamente mecanismos decontrole do mercado interno - uma patente restringe a concorrência em favordo seu titular, impedindo que os demais competidores usem da mesmatecnologia.

Assim sendo, tanto a regulação específica da Propriedade Industrial quanto osdemais dispositivos que, na Carta de 1988, referentes à tecnologia, sãoacordes ao eleger como princípio constitucional o favorecimento dodesenvolvimento tecnológico do País (que o Art. 219 qualifica:desenvolvimento autônomo).

4. Art. 219 - O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de forma aviabilizar o desenvolvimento cultural e sócio econômico, o bem estar da população e aautonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

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Mas no caso do Art. 5o, XXIX, da Carta - que regula a Propriedade Industrial-, não se tem de analisar um princípio, mas um preceito explícito que podeassim ser resumido:

a) o direito aos títulos de Propriedade Industrial não é irrestrito eincondicionado, como, por exemplo, o direito à vida ou a liberdade de ir evir; ao contrário, deriva da lei ordinária, sujeita aos propósitosconstitucionalmente designados;

b) a lei ordinária que institui os títulos dePropriedade Industrial tem a finalidadeconstitucionalmente determinada de servir aointeresse social, ao desenvolvimentotecnológico e econômico do País, de forma aatender equilibrada e simultaneamente aos trêsdesígnios.

O contexto internacional

Muito mais relevante para o atual processo demodificação da legislação brasileira foi arevolução por que passam as relaçães decomércio, serviço e investimento internacionalneste início dos anos 90'. Tal transformaçãoglobal se faz sentir especialmente no que toca àpropriedade intelectual.

Até o início dos anos 80', podia-se ainda sentir no campo da propriedadeintelectual os ecos do que se denominou "a nova ordem econômicainternacional": a idéia de que um desenvolvimento cooperativo da economiamundial presumia um tratamento diferenciado para os países nãoindustrializados, o chamado "terceiro mundo".

No campo do direito da propriedade intelectual, tal cânone se expressavanuma política voluntarista e reformadora, que importava na intervençãodireta na economia internacional, com vistas a compensar as desigualdadesde fato, através da atribuição de maiores direitos aos estados fracos e maioresdeveres aos estados fortes 5.

Há cerca de oito anos, porém, desapareceu do cenário mundial a discussãodesta Nova Ordem Econômica Internacional; nos vários foros onde tal debateera conduzido chegou-se ao impasse, ao esgotamento de alternativas e ao

5. Bernard Remiche, Le Role du Syst`eme des brevets dans le Dévelopment, pg. 373. Videtambém o trabalho anterior de Martine Hiance e Yves Plasseraud, Brevets et Sous-Dévelopment, Lib. Techniques, 1972.

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abandono dos vários exercícios em curso - a Revisão da Convenção de Paris,o Código de Conduta para a Transferência de Tecnologia, etc.

Desde então - e particularmente durante o Governo Reagan -, verificou-se uminaudito revigoramento da noção de propriedade da tecnologia 6 . Esterevigoramento foi, a princípio, notado como um fenômeno intrínseco àeconomia dos países industrializados, em particular dos Estados Unidos. Emseguida, a tendência patrimonialista foi exportada e imposta aos demaispaíses.

Como medida de curto prazo, os Estados Unidos desfecharam uma ofensivade caráter bilateral (ou, mais propriamente, unilateral 7) impondo sançães devárias naturezas aos países que não se conformassem aos parâmetros tidospor aceitáveis 8. Igualmente, abandonando o foro tradicional das discussãesde propriedade intelectual, a OMPI, foi lançado um processo de negociaçãodo tema no âmbito do GATT, através da Rodada Uruguai ora em curso.

Muitos fatores levaram ao surto patrimonialista; mas parece razoável indicarcomo elemento crucial desta ofensiva à outrance em favor dos direitosintelectuais a notável perda de liderança tecnológica americana em umconsiderável número de setores industriais 9.

6. O episódio todo é narrado com concisão e precisão por Ashoka Mody, New InternationalEnvironment for Intellectual Property Rights, in Intellectual Property Rights in Science andTechnology, and economic performance. Ed. Rushing e Brown, Westview,1990, pg. 203.: "Inthe 1960s and early 1970s, many developing countries charged that the intellectual propertysystem was biased against them. Critics of the system argued that it gave monopoly rights toforeign holders of intellectusl property without benefiting developing countries in anysignificant way. They demanded the rolling back of protection in selected areas. (...) In the1980s, the United States, with some support from other developed countries criticized thesystem as being too lax and has demanded substantial increases in protection. With all sidesadopting inflexible positions, the stalemate is being resolved de facto by the unilateral tradeactions of the United States".

7 . Ashoka Mody, in Intelectual property rights in science, technology, and economicperformance. Ed. Rushing e Brown, Westview, 1990, pg 225: "Using its domestic laws, the U.S.is pushing a series of changes in the intellectual property legislation of a number of contries. Inother areas of trade policy also, the United States has found bilateral and even plurilateral)actions more effective than cumbersome multilateral efforts".

8. The New Imperialism: the extraterrtorial aplication of U.S.Law, V.Rock Grundman: "in thepast 25 years the United States has had three major exports: rock music, blue jeans and UnitedStates Law", in, 14 The International Lawyer 257 (1980).

9. Vide Carlos Correa, Tecnologia y desarollo de la informatica en el contexto norte-sur, pg. 60:"Desde la era del Sputinik, observan English y Watson Brown (nota M.English e A. WatsonBrown, National policies in information technology: challenges and responses, Oxford Surveysin Information Technology, vol. 1. 55-129, 1984) la preocupación en los Estados Undidos porsu posicíon internacional no fue tan grande como ahora; 'la brecha percebida entre la tecnologiamilitar de los Estados Unidos y la de la URSS se está estrechando, mientras que los japonesesestán bien en los talones de las compa~nias estadounidenses en los mercados de tecnologia de

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Tal ocorreu, em boa parte, devido à utilização inteligente e oportuna que oJapão e, mais recentemente, alguns NICs asiáticos fizeram exatamente dosistema de propriedade intelectual então em vigor, através do caminho daimitação, do uso adaptativo ou da cópia servil, mas competente 10. O aumentode visibilidade do problema da propriedade intelectual resultafundamentalmente da imposição de fortes barreiras à entrada de novoscompetidores 11. A maré patrimonialista se contrapãe a esta autêntica NovaOrdem Econômica, e não à fantasia cooperativa dos anos 60' e 70'.

O aumento de competitividade se reflete e se complica com as mudançasespecíficas do processo inovador, as novas estratégias da expansãointernacional, com o aumento global de investimento em pesquisa, com aaceleração da vida útil dos novos produtos, pela facilidade objetiva de cópiade certas tecnologias recentes, e pelo aumento progressivo de custos edificuldade de acesso a informação que anteriormente tinha circulação livre12.

Outros autores ainda acrescentam o aumento de importância da atividadecientífica para a manutenção da competitividade, a inadequabilidade dosistema legal em vigor para a proteção de certas tecnologias novas, o

la informacíon; en algunas areas (electronica de consumo y semiconductores) ellos está masadelante". A. Mody, op. cit. pg. 234: "Given the declining competitiveness of many segments ofthe U.S. industry, a case could be made for importing more technology."

10. Borrus, Borrus, Macroeconomic Perspectives on the Use of Intellectual Property Rights inJapan's Economic Performance, in Intellectual Property Rights in Science, Technology, andEconomic Performance, Ed. Rushing e Brown, Westview, , pg. 261:"Japan's system ofintelectual property is typically treated as a trade barrier in recent official U.S. evaluations, on theground that large Japaneses firms successfully extract proprietary technology from U.S.competitors (...) (Note 1.)See also the official statement of the U.S.T.R. in 1989 National TradeEstimate Report on Foreign Trade Barriers, (Washington D.C.: Office of the USTR, 1989".Ashoka Mody, op. cit., pg. 205: "Japan and the east Asian industrializing countries in particularhave shown themselves adept at copying and at reverse enegineering (...) (pg.234) Protectionlevels re being set so as to restrict the scope of legitimate reverse engineering . Those levels arebeing applied to new technologies and to conventional and mature products"

11 . Ashoka Mody, New International Environment for Intellectual Property Rights, inIntellectual Property Rights in Science..., op. cit., pg 235: "current trends suggest that low-income countries will have to live through a more stringent technology transfer environmentthan did the NICs. Successful U.S.trade actions to promote intellectual property protection haveproduced effects that will very likely last for at least the next decade. The actions of U.S. firmssuggest that they are taking more seriously the task of entry deterrence tahn in the past,"

12 . Ashoka Mody, op. cit., 206-214. Tal seria um fator de realimentação que resultariaprogressiva e interminavelmente em aumento de custos da inovação e em recrudescimento daproteção jurídica. Pierre Catalá, Ébauche d'une théorie juridique de l'information, Recueil DallozSirey, 16o. cahier, Chronique, 1984 mantem a apropriabilidade da informação como objeto depropriedade.

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aumento de mobilidade de pessoal técnico e, principalmente, a globalizaçãodo mercado mundial.

Os fatores que levam a tal globalização conduzem, quase quenecessariamente, a uma uniformidade de proteção jurídica. A racionalidadedo sistema exige, pelo menos, que não haja um excesso de condiçães dedesigualdade, induzido pela legislação de direito intelectual, que conduzauma empresa a instalar unidades fabris em um território onde naturalmentenão viria a produzir, ou que afaste a empresa de um território ondenaturalmente tenderia a se instalar ou vender.

Todos estes fatores vêm efetivamente transformando os sistemas legaisnacionais e internacionais de propriedade intelectual 13. Como seria de seesperar, em praticamente todos os casos o novo estatuto jurídico resultou emreforço da posição do titular dos direitos à tecnologia. Pode-se realmenteafirmar que há neste momento um consenso entre os países industrializadosde economia de mercado em que a proteção jurídica dos direitos intelectuaisdeva ser homogeneizada, generalizada para o mundo todo e feita realmenteeficaz.

Esta homogeneização se dá de várias formas: pela criação de uma estruturano alcance do General Agreement on Trade and Tariffs (GATT) pela qual oacesso aos mercados mundiais seja condicionado ao cumprimento de certospadrães mínimos de proteção à propriedade intelectual, a serem incorporadosnas legislaçães nacionais de cada país 14. Também se dá pelos exercícios, emcurso na Organização Mundial da Propriedade Intelectual, pelos quais se visa

13. Bruno Salgues, Evaluation Économique des droits de la Proprieté Intellectuelle, in Le Droitdu Génie Genétique Vegetal, Lib. Tecniques (1987), pg.182: "On essaie de comprendrecomment le mod`ele actuel de la proprieté intellectuelle a apparu et a evolué en ajoutant descategories à celles préexistantes. Deux mod`eles sont alors discernables: le mod`ele post-révolucionnaire et le mod`ele de marché. Le mod`ele post-revolucionnaire est issu desGirondins qui estiment que la propriété est un droit inaliénable, une rempart contre la tyrannie.On devienne proprietaire des idées comme on est proprietaire foncier. Cette réflexion engendrequatre r`egles fondamentales: il y a obligation d'exploitation, le monopole d'usage est la regle,l'expropriation est possible, certains élements sont inapropriables. Dans le mod`ele du marché,l'auteur , l'inventeur disparaissent au profit de l'investisseur. La notion d'oeuvre s'elargit (...) lalimite de l'ancien droit de proprieté recule. (...) Les limites sont plus dans le droit de laconcurrence que celui des brevets (concurrence déloyale, loi anti-trust, concurrance parasitaire)."

14 . A Rodada Uruguay do GATT, tendo-se interrompido em dezembro de 1990 com umimpasse na Reunião Ministerial de Bruxelas, reiniciou suas sessães e outubro de 1991. Nointervalo, o Governo Americano conclui uma série de acordos-quadro (frameworkagreements) com os países latino-americanos, os quais - em troca de uma posição maisconciliatória na relaçães bilaterais, provavelmente nos termos do Plano Bush - têm formalmentecomprometido o voto nacional dos países junto ao GATT com a posição americana, emparticular no que toca à Propriedade Intelectual. Não obstante a pouca publicidade com quetais negociaçães tem sido conduzidas nos seis países já signatários, antecipa-se que o mesmomodelo de acordo será considerado durante as negociaçães do Governo Bush com o chamadoCone Sur - inclusive o Brasil.

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padronizar certas disposiçães das leis de marcas e patentes, de forma a obterprogressivamente uma só proteção em todo o mundo para o mesmo objetoimaterial.

A pressão unilateral de certos países desenvolvidos - especialmente osEstados Unidos - também vem causando a conformação da legislação devários países do terceiro mundo aos padrães hoje vigentes nas economiasindustrializadas.

Claramente tal tendência à homogeneização nas relaçães de propriedadeacompanha a tendência tecnológica de aproximação entre países e unidadesculturais. Mas a tecnologia torna mais urgente e necessário a definiçãojurídica de tais relaçães de propriedade: a mutação tecnológica induz àmodificação de seus próprios termos de proteção jurídica.

Parece razoável afirmar que, ao fim do processo de homogeneização dosistema internacional da propriedade intelectual, ora em curso, os países doterceiro mundo terão perdido algumas oportunidades de aceleração dodesenvolvimento tecnológico. E esta perda virá tanto das pressãesinternacionais quanto dos instrumentos jurídicos - como os novos acordos doGATT - ora em gestação.

A política do Governo Collor

Consentânea com tal momento histórico, a política do Governo Collor 15

para com o setor tecnológico, embora ressoando as propostas da NovaPolítica Industrial do Governo anterior, não levada à prática desde suaformulação em 1988 16 , importou na prática em contenção dos meiospúblicos aplicados no desenvolvimento tecnológico e em redução dosmecanismos de proteção ao mercado interno, em especial no setor deinformática.

Desta postura derivam as propostas de reforma do Código da PropriedadeIndustrial, da Lei de Software, da Lei de Informática, da Lei do PlanoNacional de Informática e Automação (PLANIN), a elaboração de um ante-projeto sobre topografia de semiconductores e a extinção de praticamentetodos incentivos fiscais ao desenvolvimento tecnológico.

Os projetos em curso: Lei de Propriedade Industrial

15. O Presidente Fernando Collor assumiu o Governo da Repúblia em 15 de março de 1990.Sua política quanto ao setor industrial e tecnológico foi delineada pela Portaria Interministrialno. 346 de julho de 1990.

16. Decreto Lei 2.433/88, que reformulou toda política de incentivos fiscais ao desenvolvimentoindustrial, criando uma nova estrutura institucional para formular e aplicar tal política.

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Neste contexto político, constitucional e internacional, proliferam os projetosde reforma da legislação existente. Nem todos os projetos em curso tem suaorigem no Poder Executivo: notam-se, por exemplo, a iniciativa do DeputadoLuiz Henrique de reestruturação da Lei de Software 17 e a do Deputado JoséCarlos Coutinho de modificação da legislação de patentes 18. Também doDeputado Luiz Henrique foi o Projeto de Código da Propriedade Industrial,calcado em boa parte no texto vigente, que foi apresentado ao Congresso noinício de 1991, com o fito de preceder regimentalmente o projeto do Governo19

Mas obviamente o principal projeto em curso no Congresso Nacional é aproposta do Executivo de uma nova Lei de Propriedade Industrial.

Coube à Comissão Interministerial instituída pela Portaria Interministerial no.346 de julho de 1990 a tarefa de elaborar o projeto de lei. Em suas váriassubcomissães, o grupo reuniu representantes do Ministério da Justiça, daEconomia, das Relaçães Exteriores, da Saúde e da Secretaria de Ciência eTecnologia, além dos técnicos do INPI e de consultores externos - inclusive,por certo tempo, o autor.

Em várias ocasiães, a Comissão ouviu as associaçães, empresas e entidadesgovernamentais interessadas, inclusive a Associação Brasileira daPropriedade Industrial e a Associação Brasileira dos Agentes da PropriedadeIndustrial. Em suas várias versães, o texto levou em conta, ainda que nãoincorporando, as várias correntes de opinião existentes sobre os temasregulados; vale dizer, não é uma proposta radical nem subjetiva, ainda quetenha as claras motivaçães acima indicadas.

O propósito do trabalho, assim como seu resultado, estava aliás prefiguradono texto da Portaria Interministerial e nas Diretrizes de Política Industrial e

17. PL nº 4.361, de 1989, do Deputado Luiz Henrique, cuja ementa é: "Institui contribuiçãosocial, altera a Lei nº 7.646, 18 de dezembro de 1987 - Lei do "Software" - e dá outrasprovidências."

18. Projeto de Lei da C^amara no. 1.217 de 1991, do Deputado Jo'e Carlos Coutinho, cujaementa é: "Suprime dispositivos do C'odigo da Propriedade Industrial".

19. O projeto em questão, que na sua justificativa identificava-se cmo sendo da AssoaciacãoBrasileira da Indústria de Química Fina garantia a patente para os setores de fármacos,alimentos e produtos químicos, mas com a previsão de um prazo de 10 anos para o início daproteção de processos e quinze para de produtos; após tal período, o prazo se estenderia, comohoje, por quinze anos. A proposta previa que as obtençães vegetais e animais, assim como osmicroorganismos continuariam sem proteção, cabendo a desapropriação não só nas hipóteseshabituais, como no abuso de poder econômico. Mantinha a proposta as exigências de fabricaçãono país dos ítens patenteados, em prazos relativamente curtos. Apresentado o projeto doGoverno, com pedido de urgência - embora inconstitucional - a proposta do Deputado LuizHenrique perdeu-se no cipoal legislativo.

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de Comércio Exterior expedidas na mesma ocasião. A revisão tinha porfinalidade dar patente às invençoes químicas, farmacêuticas e alimentares; etal, obviamente, é o que resulta do Projeto.

Pelo menos no que se refere ao Título I, que trata das patentes, o Projeto estáem linhas gerais bem concebido e redigido, com diretrizes técnicas bastanteclaras, ainda que discutíveis quanto à constitucionalidade, conveniencia eoportunidade. Além da diretriz política que impôs-se à revisão desde início,as seguintes condicionantes também desempenharam claro papel naelaboração do texto:

a) o aperfeiçoamento técnico e administrativo que se impunha após quase 20anos de experiência com o Código anterior;

b) as modificaçães do contexto tecnológico eeconômico brasileiro;

c) os exercícios de padronização, ditos de"harmonização", dos sistemas nacionais depatentes e marcas realizados na OMPI;

d) o estágio das negociaçães do GATT no momentoda conclusão da redação.

e) a necessidade, percebida pelos técnicos do INPI,de melhorar sua interface com o público,especialmente os inventores nacionais,propiciando uma interrelação ainda maisdialética e cooperativa entre o escritório depropriedade industrial e seu público.

Cabe, assim, fazer uma análise breve das principaisnovidades do Projeto do Executivo.

OBJETOS DE PROTEÇθO

O CPI protegia patentes de invenção, de modelo de utilidade, de modelo deutilidade, de modelo industrial e desenho industrial. O Projeto resume os doisúltimos títulos a um só, denominado "patente de desenho industrial", emaperfeiçoamento técnico ao qual não cabe opor reparo. Igualmente se suprimeo registro de Expressães e Sinais de Propaganda, cuja utilidade prática, nos46 anos de existência, deixou de ser demonstrada.

Além de manter a repressão indicaçães de procedência geográfica como umaforma específica de proteger a Propriedade Industrial, aproximadamente nos

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termos em que o CPI o faz, o Projeto introduz as denominaçães de origemcomo uma forma autônoma de proteção.

O que não é invento

Muito acertadamente, o Projeto distingue entre o que não é invento e o que,sendo invento, não terá proteção nos termos da lei. Os Códigos anterioressempre confundiram, como imprivilegiabilidades, as duas circunstâncias.

Prioridade nacional

Pelo princípio da prioridade, um estrangeiro pode ter, em todos os demaispaíses partícipes de um ato internacional, um prazo para requerer seusdireitos, sem prejuízo da novidade e anterioridade. Como o brasileiro, no CPIe na maior parte das outras leis nacionais, não dispãe de tal prazo, oestrangeiro tinha uma proteção jurídica mais longa do que o nacional.

A proposta do Art. 17 do Projeto, acima mencionada, visa compensar taldesigualdade: a prioridade será apenas admitida para aquilo que constar dopedido anterior, o qual será tido por arquivado.

Inventos imprivilegiáveis

Esta é, de longe, a questão mais importante a ser alterada no Projeto,merecendo especial atenção dos legisladores 20. Continuam imprivilegiáveis,a teor do Art. 18 do Projeto, apenas:

a) os inventos contrários à moral, à segurança e à saúde pública; vale dizer,os que sejam essencialmente voltados a esses objetivos anti-sociais.

b) os produtos e processos relativos à transformaçãodo núcleo atômico.

c) os processos essencialmente biológicos deobtenção de variedades vegetais e animais,assim como todo outro processo de obteranimais; para tais casos, o Projeto prevê leiprópria. Com um cuidado de detalhista, oProjeto explica que não se incluem na vedaçãoos microrganismos em si; os processosmicrobiológicos; os produtos resultantes dosprocessos microbiológicos - deixando assimcomo patenteáveis boa parcela dabiotecnologia.

20. Tal era, por exemplo, a totalidade da matéria do Projeto do Deputado José Coutinho.

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d) o que constitua objeto de registro de marca.

Suprimem-se, assim, quase todos os objetosimprivilegiáveis do CPI. Estão ausentes de tal lista,em primeiro lugar, os produtos obtidos por meiosou processos químicos. Segundo o CPI, (Art. 9o. b))apenas estes meios e processos são patenteáveis.

Em segundo lugar, estão ausentes as substâncias, matérias ou produtosalimentícios e os processos para sua obtenção ou modificação, cujaprivilegiabilidade é vedada pelo CPI (Art. 9o. c)). Em terceiro lugar, estãoausentes as substâncias, matérias ou produtos químico-farmacêuticos emedicamentos, assim como os processos para sua obtenção ou modificação,cuja privilegiabilidade também é vedada pelo CPI (Art. 9o. c)).

As ligas metálicas e misturas, as justaposiçães de processos, meios e órgãosconhecidos, também mencionados no Art. 9o. do CPI como imprivilegiáveis,constituem-se na verdade em casos específicos de material patenteável, desdeque dotados de atividade inventiva. Sua supressão no Projeto não chega a serrealmente mudança politicamente sensível.

Deposito incompleto

Não familiarizado com o procedimento patentário, inseguro quanto a quemrecorrer, grande número de inventores brasileiros perecem no protocolo doINPI. O Art. 21 do Projeto tenta enfrentar tal problema criando a figura dodepósito incompleto, a ser integrado, mediante exigência do Instituto, nostrinta dias da notificação.

Patentes de biotecnologia

Numa iniciativa de alta importância para a proteção das biotecnologias, omesmo artigo prevê o depósito de material biológico junto a instituiçãesautorizadas, como meio de suplementar a publicação clássica, viabilizando oprivilégio em caso onde a descrição verbal seja necessariamente insuficiente.Conforme o Art. 33 § 3o., este material tem de tornar-se acessível aosinteressados ao momento da publicação.

Do processamento do pedido

Uma série de modificaçães foram introduzidas no procedimentoadministrativo de outorga de patentes de invenção e de Modelo de Utilidade.O prazo do pedido do exame, que continua sendo uma faculdade dodepositante e de quaisquer terceiros interessados, passa de 24 meses dapublicação para três anos a partir do depósito. Como a publicação, no CPI,ocorre a 18 meses da prioridade mais antiga, esta normalmente anterior 12meses do depósito, constata-se que no caso dos titulares estrangeiros haverá

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um aumento do prazo de exame de 30 meses para 36, contados estes dodeposito nacional.

As exigências em grau de recurso (denominado impugnação) passam a seroficializados, garantindo a evolução do pedido durante todo o processamento,permitindo maior número de concessão de patentes. De outro lado, oprocedimento ganha mais um grau, o recurso em impugnação, abertopresumivelmente ao depositante impugnado ou ao impugnante frustrado. Estainstância, que se acresce e não substitui as anteriores, poderá alongar aindamais a decisão do pedido, para a incerteza geral e insegurança dacomunidade.Prazo das Patentes

A extensão do privilégio passa de 15 para 20 anos quanto as invençães e de10 para 15 quanto aos modelos de utilidade.

Conteúdo dos Direitos

Ao contrário do CPI, onde em nenhuma parte se encontra o conteúdo dodireito resultante da concessão dos privilégios, o Projeto discrimina os limitesinternos da patente (qual a tecnologia protegida), as atividades exclusivas(aquelas que só o titular , ou quem for por ele autorizado, pode desempenhar)e o prazo em que o direito pode ser exercido.

Assim como no CPI, o direito de haver indenização pela violação da patenteprecede a concessão do privilégio ii. O texto do Art. 54 agora enuncia o quefora deduzido pela doutrina: que a responsabilidade civil só deriva dapublicação do pedido, a não ser que o infrator tenha tido, por qualquer meio,conhecimento do seu objeto.

Ocorre, porém, que o Art. 53 do Projeto, ao definir as atividades exclusivas,incorre em sério equívoco. Tais atividades incluem , primariamente, afabricação dos produtos patenteados e o uso do processo patenteado iii. Comoatividades subsidiárias, as leis de patentes também garantem a exclusividadeda oferta e da venda dos produtos patenteados assim como - no tocante aosprodutos ainda não vendidos - da importação, exportação e da manutençãoem depósito dos produtos patenteados.

Outra escala de proteção, que tem sido adotada inicialmente nos países maisindustrializados, leva a dar exclusividade em favor do titular, no tocante acertas atividades concernentes ao produto resultante dos processospatenteados. Tal extensão não excede, obviamente, os direitos relativos aospróprios produtos patenteados.

De nenhuma forma, em nenhum lugar, o direito de patentes abrange, porexemplo, o uso do produto patenteado pelo adquirente legal do mesmo. Umavez adquirido legalmente por terceiros, o produto sai da teia de proteção da

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Propriedade Industrial - é a doutrina do esgotamento dos direitos. O texto doArt. 53 contempla, porém, tal hipótese como direito exclusivo do titular, entreuma série de outros atos genéricos.

O Projeto, num equívoco técnico raro, ignora assim o aporte doutrinário ejurisprudencial, o exemplo do Direito Comparado, a tradição legislativabrasileira e a própria funcionalidade da Propriedade Industrial, comoinstrumento de desenvolvimento nacional.

Limitação dos Direitos

Em uma das mais interessantes inovaçães do Projeto, os Art. 55 e 56introduzem uma série de limites ao exercício dos direitos exclusivosdeterminados pelos Art. 52 e 53.

A primeira limitação é a de que o titular da patente deve aceitar os atospraticados por terceiros, de caráter privado e sem finalidade comercial, desdeque não impliquem em prejuízo ao seu interesse econômico. É o caso doartesão doméstico que, em sua oficina, monta o artefato eletrônico patenteadopor hobby.

A segunda limitação diz respeito à prática de estudos e pesquisas científicas etecnológicas por terceiros não autorizados; a reprodução em laboratório deum processo químico patenteado é o exemplo clássico. A preparação demedicamentos por métodos oficinais, assim como a venda subseqüente é apróxima limitação.

O último caso é o do "esgotamento de direitos", tal como elaborado peladoutrina 21 : uma vez o produto patenteado ou fabricado com o processopatenteado tenha sido posto no mercado com a autorização do titular, terminao direito industrial. O titular da patente não mais pode praticar em face doobjeto do privilégio nenhum dos atos que lhe são exclusivos.

Dever de Explorar

O dever de explorar o objeto da patente no País nunca foi tornado tãoexplícito quanto consta no Art. 58 do Projeto; até agora, ele surgia comopressuposto da sanção da licença compulsória e da caducidade. A definiçãode uso efetivo também é reforçada, implicando num dever positivo defabricar ou utilizar a totalidade do produto ou processo patenteado no Brasil,

21 . Na chamada "teoria do esgotamento dos direitos". Segundo F.Savignon, Convention deLuxembourg, in La Proprieté Industrielle, 1976, pg 103, é "la construction juridique selonlaquelle le titulaire d'un brevet ne peut plus exercer le droit d'interdire apr`es qu'il a mis l'objectde son brevet dans le commerce, dans le territoire o`u le brevet exerce son effect: il a joui de sondroit, celui-ci est epuisé."

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de modo a satisfazer as necessidades do mercado dentro das normas eespecificaçães técnicas. No CPI, o uso efetivo é definido de forma negativa -não será como tal considerada a exploração industrial substituída ousuplementada por importação.

A exceção prevista no atual CPI considerando uso efetivo a produção empaís que mantenha com o Brasil acordo de complementação industrial 22 éperfeitamente compatível com o sistema: se, para determinado mercado eatendendo objetivos de integração internacional, eliminaram-se as barreirasalfandegárias, não é lógico estabelecer uma obrigação de exploração local nasleis de patente, que frustre os objetivos de tal integração 23.

O Projeto, na mesma linha do CPI, também considera uso efetivo aimportação ao abrigo de ato internacional ou acordo de complementação, masestabelece certas condiçães cumulativas para que a exceção ao princípio geralseja válida (Art.58 § 2o.):

a) que a importação não seja de produtos inteiros e acabados, prontos paraconsumo, mas sim de peças, partes, componentes ou insumos de bens a seremfabricados no Brasil, observados os índices de nacionalização pertinentes;

b) que a fabricação for comprovadamente anti-econômica, considerando o nível de demanda eo preço do produto importado.

A alteração parece despropositada. Havendoacordo de complementação, as respectivaslistas de produtos (ou, se tais listas nãoexistirem, o alcance da integração) definirão omercado comum, quanto ao qual asconsideraçães de economia de escala deprodução e de fontes de insumos do produto ouprocesso patenteado, individualmenteconsiderado, já não se aplicam.

De outro lado, se os requisitos não forem cumulativos, mas alternativos, apermissão de importação de insumos desfavorece a integração vertical,mesmo nos setores em que ela mais se recomenda.

Já a apreciação de fatores econômicos tais como preço e escala de produçãopode obscurecer o efeito da demanda interna reprimida; de outro lado, tais

22. Caso, por exemplo, da antiga ALALC, do sistema ALADI e das zonas de livre comérciobilateral ou multilateral.

23 . O CPI também se refere a "Atos Internacionais" em geral, além dos acordos decomplementação, como fontes de exceção à regra do uso efetivo.

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consideraçães certamente contribuem para frustrar a instalação no País deindústrias voltadas para a exportação, por exemplo, que prescindem dedemanda interna para viabilizar escala de produção. O perigo da perda doprivilégio no Brasil possivelmente será levado em conta para eleger o paíscomo base industrial, entre outros fatores naturais e econômicos.

A transferência da exploração do direito

O Projeto dedica à licença voluntária de patentes três artigos de uma concisãoinesperada. Ao invés da extensa matéria tratada pela legislação e pelosautores americanos e europeus, a Proposta se resume a traçar um esboçomínimo do negócio jurídico - dos mais importantes para nossodesenvolvimento econômico.

Com efeito, tudo o que se diz é:

a) a patente pode ser licenciada.

b) o pedido, após publicado e requerido oexame, também.

c) o licenciado, exclusivo ou não, é possuidor 24

d) a averbação no INPI é necessária paracomprovar a exploração da patente e paraproduzir efeitos perante terceiros.

e) "Art. 74. O direito a licença relativa aaperfeiçoamento introduzido em patentelicenciada em caráter exclusivo milita em favordas partes contratantes" - seja o que isso queiradizer...

Salvo a questão da posse do licenciado nãoexclusivo, sobre o qual a doutrina divergia,nada contribui o Projeto para resolver osproblemas mais relevantes do licenciamento.

Ora, constituindo-se a licença em um dos mais eficazes instrumentos detransferência de tecnologia, cuja importância para o desenvolvimentonacional é determinada até mesmo em texto constitucional, não se podeadmitir que o nosso Direito ignore matérias que recebem tratamento

24. O que diz o Projeto é que "(Art. 72 § único) O licenciado fica investido de tudos os poderespara agir em defesa da patente".

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minucioso e preciso na legislação dos países desenvolvidos. Em particular, aregulação das práticas restritivas às atividades do licenciado.

A Oferta de Licença

Em uma inovação interessante, o Projeto prevê a possibilidade de o titular deuma patente ofertar ao público a autorização para usar o invento, em preços econdiçães determinadas, desta forma diminuindo à metade os pagamentosdevidos pela manutenção do direito. Tal modalidade de oferta existe emoutras legislaçães, com características ligeiramente diversas.Licença Compulsória

O Art. 82 e seg. regula a concessão das licenças compulsórias. O Projetoprevê três modalidades diversas de tais licenças:

a) Licença correlativa à falta de uso. Introduzida pelo Ato de 1925 (Haia) daConvenção de Paris, a licença compulsória se destina a sancionar a falta daexploração da patente, possibilitando a um terceiro interessado requererpermissão para suprir o desuso através da fabricação ou uso do processopatenteado, mediante o pagamento das regalias ao titular. Apesar deengenhoso, é mecanismo de pouquíssima utilização na história do nossoDireito, possivelmente tendo valor como forma de indução ao uso pelo titular25.

b) Licença de dependência. Trata-se de uminstrumento para acelerar o desenvolvimentotecnológico, permitindo que uma novainvenção, cujo uso dependa da utilização deuma patente anterior, não seja obstada em suaexploração pelo direito pré-existente.. Não erafigura conhecida em nosso Direito.

25. A licença está prevista na Convenção de Paris no já citado artigo 5o:"Estas medidas nãopoderão prever a caducidade da patente, a não ser que a concessão de licenças obrigatórias nãoseja suficiente para prevenir esses abusos." No Código em vigor, a regulação é a seguinte: Art.33o. - Salvo motivo de força maior comprovado, o títular do privilégio que não houver iniciadoa exploração da patente de modo efetivo no país, dentro dos três anos que se seguirem à suaexpedição, ou que tenha interrompido por tempo superior a um ano, ficará obrigado a concedera terceiro que a requeira licença para exploração da mesma, nos termos e condiçãesestabelecidas neste Código. (...) Par. 2o. - Não será considerada exploração de modo efetivo aindustrialização que for substituida ou suplementada por importação, salvo no caso de atointernacional ou de acordo de complementação de que o Brasil participe. Par. 3o. - Para osefeitos deste artigo, bem como dos artigos 49 e 52, deverá o titular da patente, sempre quesolicitado, comprovar a exploração efetiva de seu objeto no país, quer diretamente quer porterceiros autorizados. (...)

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c) Licença por interesse público. Exemplo daespécie constitucional "requisição", ela existepara atender às necessidades urgentes einadiáveis da sociedade, como por exemplo, afabricação de medicamentos no caso deacidentes ou epidemias 26.

A proposta contida no Projeto praticamenteextingue com a licença compulsória por faltade uso, cercando-a de exigências e escusasintransponíveis.

Assim é que o Projeto, além de utilizar-se do pretexto da oferta da licençapara elidir a obrigação de uso (um sofisma sem sustentação econômica séria,como visto na seção anterior) recusa-se a dar patente se o titular comprovar arealização de "sérios e efetivos preparativos para a exploração".

Certificado de Adição

Inovação absoluta no sistema jurídico brasileiro, o Certificado de Adição deinvenção visa garantir a proteção de desenvolvimentos de uma mesmasolução técnica, obtidos após o depósito do pedido, mas que não seconstituam em invenção nova, por carência de atividade inventiva.

Segundo o previsto no Art. 93 do Projeto, a adição será reconhecida aopedido, formulado até o deferimento ou indeferimento do pedido aditando,desde que paga retribuição específica e demonstrada a existência de um sóconceito inventivo.

Se este último requisito não for atendido (mas, presume-se, o objeto daadição tiver atividade inventiva face ao invento inicial ou condiçães de serprotegido por MU), permite-se a transformação do pedido, guardando aprioridade, em solicitação independente.

O objeto da adição, uma vez deferida, é acessório da patente aditada, tendo oprazo de proteção deste; no entanto, para efeitos de uma eventual argüição denulidade, a adição passa a ser divisível, subsistindo caso permaneçam nela osrequisitos básicos de proteção.

Tem-se, desta forma, um mecanismo que permite acelerar o depósito,apressando a proteção patentária: não precisando esperar a completa

26. Esta modalidade de licença compulsória está também prevista no Código: "Art.33o. (...) Par.1o. - Por motivo de interesse público, poderá também ser concedida a terceiro que a requeiralicença obrigatória especial, não exclusiva, para a exploração do privilégio em desuso ou cujaexploração efetiva não atenda à demanda do mercado." Também neste caso, a história sóregistra uma concessão, para exploração de uma vacina para febre aftosa no caso de umaepidemia.

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formulação de um conceito inventivo, o criador pode pedir a proteção umavez fixado o núcleo da solução técnica; as variantes da solução, as criaçãesparalelas, tudo pode ser acrescentado no percurso do procedimentoadministrativo. Assim, uma vez engendrado um novo produto, de forma queapresente atividade inventiva, um novo processo e um novo equipamentopara gerar o produto podem ser aditados, ainda que a atividade inventivadestes derive da primeira criação 27.

De outro lado, este sistema induz à lentidão do procedimento administrativo,eis que o titular tem o máximo interesse de retardar o prazo de adição - queprevine o patenteamento de soluçães alternativas por competidores.

Eliminação da caducidade por uso efetivo

A caducidade por falta de exploração efetiva continua prevista no Projeto,ainda que em termos imensamente mais estritos do que no CPI vigente. Paratodos efeitos práticos, a redação vigente erradica tal figura do direitobrasileiro.

A Convenção de Paris admite que a duração normal da patente pode serabreviada caso ocorram abusos do direito, por exemplo, o não uso ouexploração incompleta do privilégio no território, frustrando assim osinteresses do desenvolvimento. Isto se faz através da caducidade do direito,que é acionada habitualmente em favor de um concorrente estabelecido nopaís que pretende usar da tecnologia não explorada pelo titular - incentivandoassim a industrialização local.

O Projeto impôs para o deferimento de tal remédio a prévia experiência deuma licença compulsória, que tivesse se mostrado incapaz de superar osabusos que lhe tivessem dado causa - o que importaria para o Brasil oabandono da Revisão de Haia (de 1925) da Convenção de Paris. Assim, aproposta neste ponto se apressa indevidamente em levar em conta asdiscussães do GATT/TRIPS, num instante em que a contenção e prudência sómereceria os maiores elogios.

Mais ainda, como a licença compulsória tem-se mostrado um instrumentoraríssimamente acionado em todos os países, a imposição de tal licença comorequisito de caducidade importa em erradicação deste instituto, e eliminaçãoda patente como fator de industrialização.

Inventos de empregado ou de prestador de serviços

27. Ou seja, uma vez tido o produto, o processo e o equipamento (desde que sejam novos)podem ser óbvios, sem que isto prejudique a adição, como não prejudicaria a apreciação dopedido inicial completo.

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O Projeto aperfeiçoa, significativamente, o regime dos inventos deempregados e prestadores de serviços (Art. 107 a 112). Em primeiro lugar,mantendo o esquema do Código vigente quanto à repartição da propriedade, aproposta estabelece que a participação do empregado, autor mas não titulardo invento, negociada entre as partes, não tem o caráter trabalhista. Tal devefacilitar de muito a concessão de tais participaçães, sem a perspectiva de quepassem a integrar o salário (Art.108).

Também fica mais clara a relação entre empresas vinculadas por contrato deprestação de serviços, que ganham dispositivo específico (Art.111).

Tipos de marca

Em acréscimo às marcas geral e específicas do CPI, o Projeto define asmarcas de certificação e as marcas coletivas. Vejamos o que são taiscategorias.

A marca específica é a definida do Art. 113: o sinal distintivo, visualmenteperceptível, destinado a distinguir produto ou serviço de outro idêntico,semelhante ou afim, originário de atividade empresarial diversa. A marcageral é a marca que designa a origem comum de uma série de produtos ouserviços, por sua vez designados por suas respectivas marcas específicas: égeral a marca FORD, por exemplo, específica a DEL REY ou ESCORT.

A marca de certificação não é um método de diferenciação entre produtos ouserviços semelhantes, mas sim um meio de informar ao público que o objetodistinguido se conforma a normas ou padrães específicos, por exemplo asnormas baixadas pelos órgãos oficiais de controle de qualidade.

A marca coletiva, prevista na Convenção de Paris, art.VII bis, é o sinaldistintivo, visualmente perceptível, destinado a distinguir produto ou serviçode outro idêntico, semelhante ou afim, tendo por origem atividadeempresarial diversa - como no caso da marca específica - mas esta origem écoletiva, vale dizer, o empresário titular da atividade originária é um dosmembros de uma coletividade, como, por exemplo, uma cooperativa.

Marca Notória A notoriedade de uma marca atua no sentido de mitigar doisprincípios: o de Territorialidade e o de Especialidade do registro.

Quanto o requisito de Territorialidade, o titular de marca notória, aocontrário do da marca comum, pode impedir o registro ou o uso por outrem,mesmo em países onde não existe uso próprio ou registro da mesma: é o quedispãe o Art. VI da Convenção de Paris.

Já no tocante ao requisito da Especialidade, a notoriedade de um signodistintivo pode impedir o registro ou vedar o uso do mesmo em outras classesou outros produtos. De acordo com o Art. 67 do CPI em vigor, a marca

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considerada notória no Brasil, desde que registrada, terá assegurada "proteçãoespecial" em todas as classes, mantido registro próprio para impedir outroregistro idêntico ou similar, se houver possibilidade de confusão quanto àorigem dos produtos, ou prejuízo para a reputação da marca.

O Projeto regula o efeito desespecializante da notoriedade no Art. 124, sob oapodo de Marca de Alto Renome, mas de maneira comparável ao modelo doArt. 67 do CPI. No art. 115, inciso XXV, porém, o Projeto arremete-se emcampo até agora não tratado na legislação pátria, em primeiro lugar paravedar o registro da marca "que o requerente não poderia desconhecer emrazão de sua atividade, cujo titular seja domiciliado em território nacional ouem país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidadede tratamento.

O dispositivo cria, assim, uma notoriedade "selvagem": indefinida quanto aoefeito extraterritorial, mais indefinida ainda quanto ao efeito dedesespecializante. Em primeiro lugar, o dispositivo veda o registro aindaque a marca anterior não satisfaça os requisitos de precedência por pré-uso.Ele impede o registro independentemente do prazo de seis meses eindependentemente de identidade de produtos ou serviços.

Em segundo lugar, o único requisito da vedação é "que o requerente nãopossa desconhecer a marca anterior em razão de sua atividade". Não se exigeconcorrência de fato entre o titular da marca anterior e o depositante, nem,outra vez, que os produtos e serviços sejam idênticos ou similares. Em suma,protege-se a concorrência fora da concorrência e além de qualquer teste deparasitismo concorrencial. Vale dizer, cria-se uma hipótese de abuso deconcorrência com sanção legal.

LEGPIBR $F$14rca notória do Art. VI da Convenção (outra vez, sem limite aomesmo produto) para a esfera administrativa, pouco capacitada a apurar notoriedadeque, por definição, não deixa registros oficiais nem prova documental. Reforçando opoder da burocracia onde ela é por definição incompetente, o dispositivo induz aoestatismo e tende a promover a corrupção.

Das indicaçães geográficas

É preciso distinguir entre a indicação de procedência para efeitos do artigo 70do atual CPI, e a simples designação geográfica em geral. Tal artigo trata dedesignaçães geográficas que sejam notoriamente conhecidas como de centrosde extração, produção ou fabricação de um bem; é o caso de Franca parasapatos, ou Côtes du Rhone, para vinhos. Mas existe a simples indicação emgeral: computadores do Piauí.

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O Projeto inova a tradição do Direito Brasileiro, que acima se expôs, criandoa par das indicaçães de procedência as denominaçães de origem, ambas sob adesignação geral de "indicaçães geográficas".

Reservando às indicaçães de procedência sua conceituação tradicional (masincluindo a noção de procedência de serviços, que falta ao CPI), o Projetodefine a designação de origem como o nome geográfico "que designe produtoou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ouessencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos".

O tratamento das duas figuras é rigorosamente o mesmo, a não ser o fato deque, para a designação de origem se exige não só o estabelecimento no localdesignado, mas também o atendimento de requisitos de qualidade.

Na inexistência de qualquer designação de origem na legislação brasileira, ecom a pouca importância econômica das eventuais regiães produtorasnacionais, a introdução não parece favorecer em nada o interesse nacional.Ao contrário, aparenta ser um dos casos em que mais claramente se aplica avedação constitucional, que faz a proteção dos signos distintivos depender dointeresse do desenvolvimento social e econômico do País.

Marca de alto renome

O instituto da marca notória, chamado pelo Projeto de Marca de AltoRenome consiste, no Código vigente, de uma proteção contra a concorrênciaparasitária, com criação de um registro especial, ou uma anotação ao registrocomum, no qual são inscritos os signos distintivos capazes de sofrer oparasitismo. Em favor das marcas inscritas, mantém-se a presunção juristantum de colidência, que pode, no entanto, ser afastada pelo interessadoatravés de produção de argumentos e provas razoáveis.

O Projeto, ao mudar o regime de concessão de marcas, de puramenteatributivo para declaratório/atributivo, assim aceitando-se os efeitos do pré-uso, deveria permitir ao titular de marca suscetível de parasitismosimplesmente o direito de exercer um direito de veto nas mesmas condiçãesque o pré-utente faz valer sua precedência.

Regime Atributivo e declarativo

O que dá a propriedade das marcas? O uso - o equivalente no plano dosdireitos à ocupação - ou o reconhecimento público da titularidade? Ossistemas variam: aquele em que a exclusividade nasce do registro diz-se"atributivo"; aquele em que a propriedade nasce do uso, mas homologadopelo registro, "declaratório".

Sob o Dec. Lei 7.903/45, como aliás sob os sucessivos Códigos, até o de1971, o uso anterior de uma marca por terceiros impedia o registro, se o

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interessado se manifestava dentro do prazo de impugnação, e solicitava porsua vez o registro para si. Com o Código vigente, o registro marcário setornou constitutivo: o pré-uso não dá quaisquer direitos. A lei em vigor nãoconsidera qualquer efeito ao prévio uso - ainda que o utente seja o titular deuma posição legítima dentro de seu espaço concorrencial e o depositante sejaum concorrente ilícito que deseja legitimar-se.

O Projeto retoma o sistema do Código de 1945, ao permitir ao pré-utente odireito de reivindicar, num prazo determinado, a marca. O Projeto tambémnão exige que a marca, objeto do direito de precedência, seja a mesma daque objetiva registrar. A semelhança formal, a simples afinidade de atividadeveda o registro subsequente. A restrição mais significativa do Projeto é que opré-uso da marca se dê no País. A utilização ainda que vasta no exterior nãodá precedência. O direito de precedência ainda depende da boa fé e épersonalíssimo, intransferível, ou mais propriamente, é parte doestabelecimento 28.

A precedência da marca notória estrangeira

Como exceção ao princípio de que só a marca usada no País tem direito aprecedência, o Projeto dispãe que a marca notoriamente conhecida registradano exterior, fará jus ao benefício. Silenciando sobre um eventual regimeespecial para tais marcas, o Projeto faz aplicar a elas os princípios do Art.131 § 1o.

Pelo atual sistema 29, o titular de marca notória no País (ainda que aqui nãousada) não fica sujeito ao procedimento de precedência, podendo alegar emjuízo - a qualquer tempo no caso de má fé ou no prazo quinquenal comum nocaso de boa fé -, a prevalência do seu direito.

Crimes contra a propriedade industrial.

Pela falta de cuidado na elaboração da tipologia penal, pela supressão dasfiguras de concorrência desleal e, principalmente, por vincular o núcleo decada tipo a um preterdolo de apuração difícil, o Projeto praticamente aboliu asanção criminal da Propriedade Industrial.

Da transferência de tecnologia

A averbação dos contratos de transferência de tecnologia foi tarefa cometidaao INPI pelo Art. 126 do CPI. A redação do dispositivo pertinente é bastantesingela:

28. Art. 131 § 2o. do Projeto. A restrição é absolutamente compatível com a Convenção de Paris,pois não discrimina entre nacionais e estrangeiros, mas entre locais de uso da marca.

29. Convenção de Paris, revisão de Haia, Art. VIbis, 1o., 2o. e 3o. parágrafos.

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Art. 126 - Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da PropriedadeIndustrial, para os efeitos do Art. 2o., parágrafo único, da Lei 5.648 de 11 dedezembro de 1970, os atos e contratos que impliquem em transferência detecnologia.

O que dá amplidão e força ao dispositivo é,obviamente, a menção ao Art. 2o., parágrafoúnico, da Lei 5.648 - que criou o INPI - emface do severo mandato conferido por esteúltimo dispositivo. Com efeito, diz ele:

Art. 2o. (...)

Parágrafo único - Sem prejuízo de outrasatribuiçães que lhe forem cometidas, o Institutoadotará, com vistas ao desenvolvimentoeconômico do País, medidas capazes deacelerar e regular a transferência de tecnologiae de estabelecer melhores condiçães denegociação e utilização de patentes, cabendo-lhe ainda pronunciar-se quanto à conveniênciadas assinatura ou denúncia de convençães,tratados, convênio e acordos sobre propriedadeindustrial.

A proposta atual retira a remissão, dispondoapenas que o INPI fará o registro eacompanhamento dos atos e contratos queimpliquem em transferência de tecnologia,cometendo ao Poder Executivo a função deregulamentar tal registro e controle.

Das disposiçães transitórias

O Art. 217 do Projeto, num dispositivo introduzido sem apoio nemconhecimento da Comissão Interministerial, propãe uma versão do chamadopipeline constante da proposta americana junto ao GATT/TRIPS: a deemprestar súbita e retroativa vigência em território nacional às patentesestrangeiras ainda em vigor no país de origem, que no Brasil não tivessemsido admitidas por efeito de proibiçães legais posteriormente revogadas.

Processamento do Projeto

Enviado a 2 de maio de 1991 ao Congresso, em regime de urgência, o Projetorecebeu sérias oposiçães regimentais, eis que segundo a Carta de 1988, um

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Código não pode ser votado em ritmo acelerado. No momento em que setermina este artigo, em ovembro de 1991, foi formada Comissão Especial naCâmara dos Deputados para examinar a proposta, que deverá seguirprocedimento rápido, mas não de urgência. Numerosos grupos de pressãotêm atuado junto aos congressistas, tendo-se realizado, além disto, várioscongressos e seminários, inclusive no próprio Congresso, para discutir otema.

Com a recente remessa ao Congresso Argentino de um projeto de reforma daLei 111, também se inicia, junto aos parlamentares argentinos, uma tentativade apreciacào conjunta da matéria, dentro dos parâmetros gerais doMERCOSUL.

A Lei de Software

O Projeto Luiz Henrique

Antes da remessa do Projeto do Executivo de reforma da Lei do Software jáestava em discussão no Congresso, como visto, outro projeto, de sentidobastante divergente. O deputado Luiz Henrique, do PMDB de SantaCatarina, foi Ministro da Ciência e Tecnologia durante a votação da Lei do"Software", e ressuscitou através de seu projeto de lei a uma das maisdiscutidas questães durante a apreciação legislativa da futura Lei nº 7.646: ado controle do acesso do software estrangeiro ao mercado nacional.

A tendência que acabou por prevalecer - com base, aliás, em pré-projeto doqual o autor participou na elaboração - foi de aplicar às importaçães desoftware estrangeiro o exame de similaridade que, de suas raízes aduaneiras,veio a se implantar também no campo da importação de tecnologia desde adécada de 70'. Base deste exame é a noção de equivalência funcional,constante do Art. 10 da Lei 7.646, que engloba a originalidade do programa,a identidade de características de desempenho e similaridade de equipamentoe de ambiente de processamento; o software nacional funcionalmenteequivalente barra a entrada do estrangeiro.

Na prática, a idéia do exame de similaridade se mostrou inoperante. Com apulsilaminidade demonstrada já desde o Governo anterior perante as pressãesdos Estados Unidos, em particular do escritório do U.S. TradeRepresentative, tanto a Secretaria Especial de Informática quanto, emsegundo grau, o Conselho Nacional de Informática e Automação, tinham

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deixado de reconhecer a equivalência funcional de produtos brasileirosmesmo em situaçães em que isto seria um imperativo técnico inescapável30.

Ou seja, injunçães políticas ocasionais impediram o correto funcionamentodo mecanismo que, dentro do desígnio legal, serviria para controlaradequadamente o fluxo de software estrangeiro para o mercado nacional. Aconvicção dos que apoiavam o modelo da similaridade era exatamente que aductibilidade política da similaridade levaria a um maior equilíbrio nasdecisães, considerados todos os interesses em jogo; mas a postura fragilizadados últimos dois Governos brasileiros, em desacordo com os padrães deindependência e responsabilidade mantidos pela Política Externa do Páispelos vinte cinco anos precedentes, impediu que se fizesse o julgamentoponderado que se esperava.

Os fatos deram razão, assim, aos defensores da tese oposta ao exame desimilaridade, especialmente à ASSESPRO, associação das empresasnacionais produtoras de software. Para a entidade, ao invés de uma exame deequivalência funcional, caberia mais a imposição de ônus tributário, queassegurasse uma vantagem ao produtor nacional, sem vedar o acesso aosoftware estrangeiro.

Descrição do Projeto

O projeto do deputado Luiz Henrique recuperava exatamente esta idéia daASSESPRO, através da criação de uma contribuição daquelas previstas noArt. 149 da Carta de 1988, incidente sobre "os valores a serem remetidos parao exterior como pagamento dos compromissos resultantes dos contratos delicenciamento ou cessão de programas de computador", sendo o fato geradora aquisição da moeda estrangeira destinada ao respectivo pagamento.

O contribuinte seria o titular dos direitos de comercialização do programa decomputador no País e as alíquotas, diferenciadas por ato do Poder Executivo,seriam calculadas com base em parâmetros tais como a capacitaçãotecnológica no setor, alternativas nacionais e necessidade de atendimento àspeculiaridades de mercado, tendo como limite 200% nos três primeiros anosdo cadastramento, 100% após tal prazo, 50% depois de cinco anos e, no fimde sete anos, zero por cento.

O projeto estabelecia um prazo de dez anos para a restrição do Art. 12 da Lei7.646/87, pela qual só as empresas brasileiras de capital nacional poderiamcomercializar programas de computadores destinados a equipamentoabrangidos pela reserva; o estabelecimento do prazo se destina a cumprir o

30. Segundo a justificac,~ao do Projeto, foi utilizado com sucesso o mecanismo em apenas 1,2 %dos casos de importac,~ao de software.

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dispositivo constitucional que impãe como pressuposto da reserva demercado a temporariedade de sua instituição. O mesmo prazo se aplicaria àrestrição à remessa de royalties por uma empresa não nacional a sua matrizno exterior.

Também era criada uma forma de caducidade de cadastro, pela qual ainexistência de disponibilidade efetiva do programa no mercado resultaria nacassação dos direitos à respectiva comercialização. Igualmente no que toca àimportação de cópia única introduzem-se modificaçães, passando-se a exigirque a importação seja feita pelo usuário final, limitado tal tipo de aquisiçãoaos programas não cadastrados, mas ressalvando-se os casos de importaçãocomo bagagem.

O produto da arrecadação de tal contribuição passaria a integrar o FundoEspecial de Informática e Automação criado pela Lei 7.232 de 29 de outubrode 1984, com vistas ao financiamento de investimento na área de pesquisa edesenvolvimento de programas de computador.

O Projeto do Governo

O Projeto do Executivo, alterando a Lei do Software 31 visava adequar aantiga legialação, de cuja elaboração participou o autor, às tendênciasdesregulamentadoras que prevaleceram no início do atual Governo 32 . Oexercício tinha como objetivo ostensivo a erradicação do procedimento decadastro, na verdade de outorga, que regulava o acesso ao mercado internosegundo parâmetros que favoreciam o desenvolvimento da indústria decapital nacional; mas, para evitar o agravamento da ansiedade nas relaçãesbilaterais com outros países, tal trabalho exigiria o mínimo possível demodificação no texto.

Com a proposta, se extingue o processo de outorga dos direitos decomercialização do software, característica principal do regime anterior, eobjeto do Projeto Luiz Henrique . Além de promover a proteção dos direitosintelectuais, a proposta assegura alguns direitos aos usuários enquantoconsumidores dos programas de computador e trata, como o faz a lei vigente,da matéria tributária e cambial relativa aos programas de computador.

31 . Lei 7.646 de 18 de dezembro de 1987, que dispãe quanto à proteção da propriedadeintelectual de programas de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências.

32. Simultaneamente, o Governo enviou projeto de reforma da Lei de Informática, Lei 7.232 de29 de outubro de 1984 e uma nova proposta para o PLANIN. A primeira destas propostas, queacaba de ser sancionada, praticamente extingue com a reserva de mercado instituída pela leioriginal em favor das empresas de capital nacional, reduzindo outrossim incentivos fiscais e deoutra natureza, concedidos ao setor.

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Nesta data, a proposta legislativa continua em curso, tendo sido apresentadauma série de emendas pelos representantes da indústria internacional desoftware. Espera-se que a votação esteja concluída, na Câmara de Deputados,no primeiro semestre de 1992.

Projeto de Lei de Topografia de Circuitos Integrados

Novo objeto de proteção das leis de propriedade intelectual, o desenho outopografia dos circuitos integrados foi regulado pela primeira vez por uma leiamericana de 1984 33, e constituiu a matéria de um Tratado, concluído emWashington em 1989, ao qual o Brasil subscreveu, mas que não entrou aindaem vigor 34.

Tal como enfim negociado, o Tratado não parecia se contrapor radicalmenteaos interesses brasileiros. Deixando alguma margem de definição para alegislação interna, admitindo até mesmo a licença compulsória em caso deabuso, a proteção do Tratado parece, dotada de certo equilíbrio. Sua adoção,no plano interno, não implicaria aparentemente nenhuma disfunção maior nosistema da propriedade intelectual 35.

O Tratado, ao invés de valer-se de uma teia de reciprocidade, adota o velhoprincípio de tratamento nacional da Convenção de Paris, com a mesmareserva da proteção substantiva que decorra do próprio Tratado. No Art.6o.estão as principais disposiçães substantivas do Tratado, constituindo o cernedas legislaçães nacionais que, de acordo com o documento, deverão serpromulgadas. Nele está o conteúdo do direito e seus limites. Não há, nemintrínsica nem formalmente, qualquer vinculação do direito ali mencionadoao sistema de direitos autorais, nem a qualquer outro.

A mesma matéria é regulada também pelos Art. 4o.e 12 do Tratado 36 .Segundo o primeiro daqueles dispositivos, os direitos do Art. 6o. serãoimplementados em esfera local por lei própria, que poderá estar no âmbito dequalquer segmento do Direto da Propriedade Intelectual, ou em nicho

33. Semiconductor Chip Protection Act Public Law 98-620, codificada como 17 U.S.C. par. 901-914. O primeiro projeto data de 12 de outubro de 1978, H.R. 14293, e incluía os chips na leiautoral; várias outras propostas se seguiram, até o projeto que veio a se tornar na lei, iniciado emagosto de 1983.

34. E, pela oposição dos Estados Unidos, propositor inicial do exercício mas ao fim oponenteisolado, junto com o Japão, talvez nunca entrará em vigor.

35 . Outra coisa se dirá no tocante aos aspectos estratégicos. Ao introduzir uma sistema deresolução de controvérsias à maneira do vigente no GATT, ao admitir a adesão por blocos depaísese não só por estados isolados, ao ampliar o teor das disposiçães substantivas (Art. 6o.) atélimites nunca dantes atingidos na esfera da propriedade intelectual, o documento realmenteparece contrapor-se ao interesse nacional.

36. Doc. OMPI IPIC/DC/3 p. 22 e 66.

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próprio; pelo segundo dispositivo, todos os dispositivos das convençãesinternacionais sobre propriedade intelectual deverão ser seguidos à risca.

De outro lado, o sistema constitucional brasileiro passou a contemplar aproteção às criaçães industriais, outras que as invençães patenteáveis, por umregime tal que as submeta aos limites impostos pelo interesse público,inclusive o relativo ao desenvolvimento econômico e social do país. Se de umlado há, na Carta de 1988, uma excessiva proteção às produçães do intelectosubjetivo, com um regime quase incondicionado, de outro há limitaçães emfavor do interesse público sempre que se trate de criação industrial, seja elasoftware ou circuito integrado, ou qualquer outra coisa.

Más é no âmbito das Convençães que me parece haver restriçães. Porexemplo, as Convençães de direito autoral têm limites sérios à licençacompulsória, que não se adequam ao modelo do Tratado. A Convenção deParis, versão de Haia, parece no entanto compatível com o novo direito,tornando possível assimilá-lo ao modelo da patente, com os requisitosespecíficos de concessão 37 . A nossa versão de Paris, como se sabe, nãodefine patente nem dá seu conteúdo; e a definição de licença obrigatória: oTratado não restringe de nenhuma forma os atos de avaliação, análise,pesquisa ou ensino, assim como a pesquisa original ainda que resultando emproduto idêntico 38 . Além disso, cada país pode subordinar a eficácia daproteção aos chips a um registro 39; este registro pode ser exigido no Brasilcomo em qualquer outro país, com o detalhamento documental que se fizernecessário para a identificação do circuito 40 . Quando o chip já forcomercializado, uma cópia física do mesmo poderá ser exigida.

O segredo poderá ser exigido pelo autor apenas quanto à maneira de fabricaro circuito, ou seja, a tecnologia de fabricação 41. Parece razoável acreditarque uma nova legislação de chips, obedecidos os parâmetros do Tratado,poderia ser capaz de satisfazer os pressupostos constitucionais econvencionais da propriedade industrial brasileira; as características próprias

37. Por exemplo, a "originalidade" do Tratado aproxima-se bastante da novidade exigida de umaMI

38. Esta leitura é claríssima, como se pode comprovar do expresso na pg. 34 do documentoIPIC/DC/3 citado.

39. Art. 7º do Tratado

40. Como se lê a pg. 48 do Doc. IPIC/DC/3,

41. Vide doc. IPIC/DC/46 pg. 6. Parece ser assim despropositada a conclus~ao, circulada logodepois da assinatura do Tratado na imprensa brasileira, segundo a qual o Pa'is "perder'a qualquercontrole sobre as quest~oes de alta tecnologia e passar'a a acatar pedidos de registro sem ter amenor id'eia da exist^encia de outro circuito igual".

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do modelo não aparentam ser excepcionalmente contrárias a um sistemanacional, como o nosso, que considera patente uma PI, uma MU e uma DI,coisas tão diversas.

Desta maneira, a eventual lei brasileira de chips 42 pode ser mais deaclimatação do que de regime excepcional. Pareceria plausível, dentro dospressupostos expressos acima, a instituição até de uma Patente de CircuitoIntegrado.

Não foi este, porém, o caminho seguido no projeto em elaboração naSecretaria Nacional de Ciência e Tecnologia 43, que optou, segundo a últimaversão disponível, por um registro sui generis, junto ao Instituto Nacional daPropriedade Industrial, concedido mediante verificacão de que o pedido temcomo objeto uma topografia original, que resulte do esforço intelectual de seucriador ou criadores e que não seja comum ou vulgar para especialistas emcircuitos integrados.

A proposta segue, em suas linhas básicas, os parâmetros do Tratado, indo, emcertos dispositivos, de forma mais restritiva do que o imposto peloinstrumento internacional (por exemplo, concedendo um prazo de proteçãode 10 anos). Tal tendência poderá se alterar até o projeto chegar aoCongresso, possivelmente na primeira sessão legislativa de 1992.

Obtençães Vegetais

Com a alteração da Convenção da UPOV, em 1990, as regras internacionaisno campo da proteção às obtençães vegetais tornaram-se consideravelmentemais restritivas, especialmente em desfavor dos países em desenvolvimento;talvez porissso mesmo a Convenção renovada permite a adoção do antigoregime, singularmente benéfico, àqueles países que manifestarem seupropósito até o fim de 1991.

Não se constatam, porém, quaisquer movimentos no sentido de aproveitar taloportunidade. Um projeto do Exectivo, que concede proteção de quinze anospara cultivares não perenes e vinte e cinco anos para os perenes já está porémconcluído e pronto para remessa ao Congresso Nacional 44.

Transferência de Tecnologia

42. Embora seja necess'ario promulgar lei espec'ifica pelo que exige o Art.4o do Tratado.

43. Segundo nota na Gazeta Mercantil de 23 e novembro de 1991, os trabalhos da comissão doExecutivo encarregada de redigir o projeto já estaria concluído.

44. Gazeta Mercantil, 23 de novembro de 1991.

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Embora o presente trabalho se volte para o estatuto da propriedade intelectualno Brasil, não se pode deixar de referir à questão da legislação detransferência de tecnologia, objeto também de considerável mudança.

Resultado também do Grupo de trabalho constituído pela PortariaInterministerial no. 346, de 1990, a reforma dos atos normativos do INPI queregulavam a transferência e tecnologia importou na substituição dos mesmospor uma única e muito breve Resolução, suplementada por uma instruçãonormativa igualmente breve.

A Resolução substitui, em parte, o antigo Ato Normativo INPI no. 15 de 3 desetembro de 1975, o primeiro e mais importante dos atos emitidos peloInstituto com o objetivo de regular o processo de averbação, previsto no Art.126 da Lei 5.772 de 20 de dezembro de 1971, dos atos e contratos queresultem em transferência de tecnologia iv. A Resolução também revoga umasérie de outros Atos Normativos de teor similar 45

Consideraçães Gerais É desta perspectiva que cabe analisar a Resolução empauta. Tendo como principal atributo a concisão, o ato do INPI atem-se aoplano das generalidades.Em primeiro lugar, a resolução visa adequar asnormas que regem a transferência de tecnologia no Brasil ao novo parâmetroconstitucional, que não mais faculta ao INPI determinar através de seus atosnormativos o comportamento da empresa nacional; revogadas todas asdelegaçães legislativas conferidas a órgãos do Executivo pelas Cartasanteriores, cabe ao Presidente da autarquia apenas prescrever aos servidoressob seu poder hierárquico o cumprimento das normas em vigor. Daí tratar-seo instrumento de uma Resolução, norma de efeitos internos, e não de um AtoNormativo, gênero ao qual se emprestava uma normatividade mais ampla.

Cumpre notar, no entanto - e é esta uma observação extremamente relevante -que a legislação de base do antigo AN 15, leis, normas constitucionais,normas tributárias e cambiais, normas de propriedade industrial, não foramrevogadas ou alteradas de nenhuma forma pela superveniência da novaResolução. Nem podem os usuários do INPI desconhecê-las, nem se escusa àAdministração fazê-las cumprir. Tudo quanto, por amor à concisão, deixar deser explicitado na norma, contribui para a opacidade da ação administrativa,trompe l'oeil legislativo que só alimentaria as aparências.

Releva também notar que o ato ignora inteiramente a inegável importância dalegislação de defesa do consumidor 46 , assim como deixa de enunciar as

45. Atos no. 30/76, 32/78, 43/80, 55/81, 56/81, 60/81, 61/82, 64/83, 65/83, 74/85, 81/86,85/87, 93/88 e 99/89.

46. Prefigurada pelo Art. 90 do Código da Propriedade Industrial de 1971,e agora em muitofortalecida pela recentíssima Lei 8.078 de 12 de setembro último, em vigor desde o dia 11 deabril de 1991.

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medidas necessárias para a repressão do abuso de poder econômico,especialmente as práticas que impedem o desenvolvimento tecnológicobrasileiro.

Também no mesmo campo, há que se notar a discussão no CongressoNacional de uma série de projetos alterando a Lei do Capital Estrangeiro 47,em particular pela extinção do imposto suplementar sobre a Renda, quetributa pesadamente as remessas de lucros que excedam, em cada triênio, os12% da média do capital registrado a cada exercício. Tal mudança afetadecisivamente o controle das remessas ao eterior a título de royalties outecnologia.

Finalmente, discute-se no Congresso a chamada Lei Piva, enviada aoLegislativo pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência daRepública 48 , inspirada no oficial general da reserva da Força AéreaBrasileira que, ao comando de uma equipe de pesquisadores brasileiros,permaneceu no Iraque na fase inicial do recente conflito naquele país. Oprojeto proíbe que funcionários do Governo Brasileiro, mesmo na reserva,repassem informaçães tecnológicas de interesse estrategico a outrosGovernos. Igualmente em discussão no Poder Executivo, projeto de lei queadequaria o Brasil aos controles internacionais ou estrangeiros de exportaçãode tecnologias e produtos de interesse estratégico, como as do COCOM 49 eos do Export Administration Act dos Estados Unidos 50.

i . Art.218 § 2o. - A pesquisa tecnológica voltar-se-á predominantemente para asoluç*o dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivonacional e regional.

iils1. A tutela penal só inicia, porém, com a expediç*o da patente.

iii4ls1. No tocante à patente que protege o novo uso de um produto ou processo jáconhecido, o direito inclui, obviamente, a exclusividade de tal utilizaç*o.

47. Lei 4.131 de 3 de setembro de 1962.

48. Anteriormente denominado Serviço Nacional de Informaçães (SNI).

49. Segundo o International Herald Tribune de 28 de maio, o COCOM também considera queos controles de exportação de tecnologia não estão mais voltados para os países do lesteeuropeu, mas para os países em desenvolvimento.

50. O Export Administration Act of 1979, Pub.L. No. 92-72, 93 Stat. 503 (1979).

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iv. O Ato Normativo INPI no. 15, de 3 de setembro de 1975, foi por mais de 16 anoso principal instrumento legislativo da intervenc,~ao do Estado brasileiro no fluxointernacional de tecnologia. Regulamentando o procedimento interno do INPI, ele naverdade indicava o conjunto de normas legais que regiam o com'ercio de tecnologia,ao mesmo tempo explicitando certos procedimentos que, ao abrigo do poderdiscricion'ario do Estado fixado no Art. 2o., Par'agrafo 'unico, da Lei 5.648/70,vinham j'a sendo aplicados pelo Instituto desde sua fundac,~ao.