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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia 02.19 www.sbnpbrasil.com.br Síndromes Neuropsicológicas

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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia

02.19www.sbnpbrasil.com.br

SíndromesNeuropsicológicas

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Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp)

PresidenteDeborah Amaral de Azambuja

Vice-presidenteRochelle Paz Fonseca

Tesoureira GeralAndressa Moreira Antunes

Tesoureira ExecutivaBeatriz Bittencourt Ganjo

Secretária GeralKatie Almondes

Secretária ExecutivaLuciana Siqueira

Conselho delibetarivoAnnelise Júlio Costa

Leandro Malloy-DinizJosé Neader AbreuPaulo Mattos

Conselho FiscalFernando Costa PintoLucia Iracema MendonçaMarina Nery

SBNp Jovem

PresidenteVictor Polignano Godoy

Vice-presidenteThais Dell’Oro de Oliveira

Secretário GeralLucas Matias Felix

Membros da SBNp JovemAlberto Timóteo (MG)Alexandre Marcelino (MG)Ana Luiza Costa Alves (MG)André Ponsoni (RS)Emanuelle Oliveira (MG)Érika Pelegrino (RJ)Júlia Scalco (RS)Luciano Amorim (PA)Maila Holz (RS)Marcelo Leonel (RJ)Mariana Cabral (MG)Mariuche Gomides (MG))Priscila Corção (RJ)Waleska Sakib (GO)

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Expediente

Editora-chefeGiulia Moreira Paiva

Editoras assistentesMariuche Rodrigues GomidesThaís Dell’Oro de Oliveira

Coordenador editorialAlexandre Marcelino

Projeto gráfico e editoraçãoLuciano da Silva Amorim

Equipe de revisoresAlina TodeschiCamila BernardesEmanuel QuerinoGiulia Moreira PaivaIsabela GuimarãesLucas Matias FélixThaís Dell’Oro de OliveiraVictor Polignano Godoy

Avaliadores desta edição

Isabela Sallum GuimarãesPsicóloga pela Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Medicina Molecular pela UFMG. Membra do grupo de pesquisa Laboratório de Investigações em Neurociência Clínica no INCT em Medicina Molecular (LINC-INCT--MM).

Editada em: julho de 2019Última edição: janeiro de 2018Publicada em: julho de 2019

Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

Sede em: Avenida São Galter, 1.064 - Alto dos PinheirosCEP: 05455-000 - São Paulo - [email protected]

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Sumário

REVISÃO HISTÓRICASíndromes neuropsicológicas pouco comuns

REVISÃO ATUALO controverso transtorno não verbal de aprendizagem: entre evidências e incertezas

RELATO DE PESQUISAQuais fatores de reserva cognitiva impactam o risco de síndro-mes neuropsicológicas como os quadros demenciais?

ENTREVISTA

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Síndromes Neuropsicológicas Pouco Comuns

REVISÃO HISTÓRICA

Algumas síndromes neuropsicológicas são pouco reportadas na literatu-ra científica. Os motivos para isso variam, mas geralmente estão relacio-nados a dois principais fatores: a raridade em que os casos se apresen-tam e a dificuldade em realizar diagnóstico diferencial destas síndromes com outras condições possíveis. Por causa disso, alguns pesquisadores vêm dedicando seus estudos a síndromes ainda não amplamente abordadas, de forma a entender melhor como se organiza o cérebro em diferentes condições e como pode se prevenir erros diagnósticos com maior facilidade. Dessa forma, um artigo de 2016 (Ardila, 2016) foi escrito com o objetivo de revisar a literatura atual de quatro síndromes que se enquadram nesta situação. São elas: somatoparafrenia, akine-topsia, paramnesia reduplicativa e autotopagnosia. O objetivo deste texto é abordar estas quatro síndromes, explicando como apresentam os sintomas e o que se sabe sobre elas até então através da literatura mais recente da área.

Somatoparafrenia

A somatoparafrenia é uma síndrome associada geralmente a lesões no lado direito do cérebro, que faz com que o paciente tenha uma crença ilusória de que um membro do seu corpo não pertence a si, geralmente um braço ou uma mão. Foi em 1942, por Gertsmann, que a síndrome foi descrita pela primeira vez. A descrição foi realizada com base na obser-vação dos sintomas de dois pacientes com lesões no hemisfério direi-to do cérebro, eles apresentavam, além da crença de que os próprios órgãos superiores do lado esquerdo não pertenciam a si mesmos, falhas

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Alberto Timóteo

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somatosensoriais e anosognosia, ou seja, incapacidade de reconhecer a própria condição (Gertsmann, 1942).

Uma revisão da literatura foi realizada em 2009 (Vallar & Ronchi, 2009) com o intuito de verificar a quantidade de casos publicados dessa condição até então na literatura científica, além de compará-los, a fim de obter informações mais precisas relacionadas às áreas do cérebro rela-cionadas à condição e sintomas que acontecem juntamente às crenças disfuncionais presentes na síndrome. Foram encontrados na literatura, 56 casos reportados, sendo 25 deles em homens e 31 em mulheres. Destes casos, cinco apresentaram sintomas da somatoparafrenia a par-tir de uma lesão no hemisfério esquerdo do cérebro, sendo que a noção de não-pertencimento dos órgãos aconteceu, dessa vez, no lado direito do corpo. Em relação aos sintomas, alguns dos pacientes reportaram uma sensação de estranheza em relação a uma determinada parte do corpo. Outros reportaram sentir que o órgão estava de fato separado do corpo, porém, a maioria reportou o “senso de não-pertencimento” em que o paciente tinha certeza de que aquele órgão não pertence de fato à sua estrutura corporal.

Em uma análise de correlação anatômica realizada em 2012, Gandola e colaboradores (2012) comparou 11 diferentes pacientes com somatopa-rafrenia com outros 11 pacientes sem somatoparafrenia, mas com sinto-mas correlatos, como déficits motores e anosognosia. Um padrão foi en-contrado nas conexões fronto-temporo-parietais em todos os pacientes, porém, os pacientes que possuíam especificamente somatoparafrenia demonstraram padrões de lesões adicionais em regiões subcorticais como o tálamo, gânglios da base e amígdala. Apesar destas conclusões, não há nenhum artigo posterior a 2016 que descreva relações novas encontradas em relação a esta síndrome, demonstrando que há ainda necessidade de novas pesquisas. Além disso, por ser uma síndrome rara, há a carência de pacientes, o que tornam os dados estatísticos das pesquisas menos confiáveis.

Akinetopsia

A akinetopsia é uma síndrome que pode ocorrer após lesão específica no lobo occipital, mais precisamente nas áreas extra-estriadas. O seu principal sintoma é a perda da capacidade do paciente de perceber mo-vimentação a partir da visão. Da mesma forma que a síndrome anterior, esta foi descrita pela primeira vez a partir da observação de um caso

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clínico único em que o paciente obteve uma lesão vascular na região pré-estriada de forma bilateral. Zihl e colaboradores (1983) descreveram a sua observação acerca deste paciente, que mesmo perdendo a capa-cidade de discriminar objetos em movimento, não perdeu a capacidade de perceber formas e cores estáticas. A noção do paciente para movi-mentos a partir da audição, por sua vez, era preservada.

Estudos posteriores identificaram que a parte V5 do córtex visual está estritamente relacionado a essa síndrome (Heutink, 2018), e além disso, que esta parte está mais relacionada à percepção de objetos em alta velocidade do que para objetos em baixa velocidade. Neste artigo de 2018, o estudo de uma paciente com akinetopsia em comparação com sujeitos saudáveis, teve como base metodológica um teste para com-putador desenvolvido para verificar a noção de movimento de objetos em diferentes velocidades. Desta maneira, a partir da observação da atividade cerebral em exames de imagem, verificou-se a extensão dos sintomas apresentados pela síndrome em decorrência de uma lesão específica na região V5. Além disso, observou-se que a paciente apre-sentava melhor performance quando encarava velocidades mais baixas, e estes valores iam decrescendo à medida que a velocidade dos estí-mulos aumentava.

A akinetopsia é uma síndrome neuropsicológica pouco reportada na literatura, são poucos artigos que podem ser encontrados desta síndro-me em específico em buscadores de artigos como pubmed e google acadêmico. Porém, apresenta um padrão bem consistente em relação aos sintomas e à região de lesão. A síndrome é importante de ser es-tudada pois as bases neurológicas para a percepção visual em geral ainda não são facilmente descritas. Dessa forma, entendendo as lesões em pontos específicos e os seus efeitos, pode-se ter uma visão mais aprofundada acerca de como estas regiões cerebrais funcionam e quais papéis desempenham.

Paramnésias Reduplicativas

A primeira vez que a paramnésia reduplicativa foi descrita na literatura científica foi em 1903 por Pick. A síndrome é caracterizada pela crença de que um lugar familiar, uma pessoa, um objeto ou uma parte do corpo foi duplicado. A maior parte dos casos reportados na literatura se refe-rem a lugares duplicados, como o hospital que o paciente frequenta, a sua própria casa, ou até a mesmo a cidade em que vive. Uma série de

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estudos foi realizada a fim de entender os sintomas desta paramnésia. Por isso, em uma revisão da literatura (Politis & Loane, 2012), verificaram cerca de 14 estudos que relatam pesquisas com a paramnésia redu-plicativa, comparando sintomas e correlações anatômicas. A maioria destes estudos eram de estudos de caso com um único paciente, mas alguns deles apresentavam número maior de sujeitos, o que garante uma confiança estatística maior.

As correlações anatômicas para a paramnésia reduplicativa são pouco específicas e tal ponto já se mostra carente de informações mais espe-cíficas na literatura. Um estudo de 1997 realizado por Murai et al. ob-servou 77 pacientes com dano cerebral focal, e foram avaliados quanto a paramnésia reduplicativa através de um questionário. Neste estudo, 47 pacientes possuíam lesão no hemisfério esquerdo, 21 no hemisfério direito e 9 dano bilateral. Destes 77 pacientes, somente 6 apresenta-vam paramnésia reduplicativa. Em três destes a lesão estava situada no hemisfério direito, em dois a lesão era bilateral, porém com o lado direito dominante e em um destes a lesão era no hemisfério esquerdo. A maioria deles apresentou paramnésia reduplicativa para lugares. Apesar dos resultados apontarem a relação da síndrome com o lado direito do cérebro, ainda não há nenhum estudo que afirme tal relação comprova-damente, necessitando de pesquisas mais atuais que possam determi-nar não só a lateralidade, mas também a região específica que provoca esta síndrome.

Autotopagnosia

Também descrita inicialmente por Pick, desta vez em 1908, a autoto-pagnosia é um distúrbio do esquema corporal próprio no qual o paciente não consegue localizar, reconhecer ou identificar partes específicas do corpo. Eles demonstram dificuldade em localizar partes do próprio corpo em relação ao corpo inteiro. Apesar disso, estes pacientes conseguem identificar partes de objetos, ou de animais, sendo um distúrbio relacio-nado ao corpo humano (Ogden, 1985). Alguns estudos posteriores veri-ficaram que os sintomas da autotopagnosia podem ser aliviados através do uso de um espelho, através do reconhecimento das partes corporais refletidas (Tobita et al., 1995).

De todas as quatro síndromes citadas, a autotopagnosia é a mais ca-rente de estudos recentes. Além do artigo de Ardila de 2016 em que ela é descrita e os estudos acerca dela são reunidos, não há nenhum outro

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artigo mais recente que fale sobre a síndrome. As correlações anatô-micas encontradas mais confiáveis são relatadas em artigos de 2002 e 2006 (por Guariglia et al. e Laiacona et al., respectivamente). Nestes artigos verifica-se que a síndrome é geralmente relacionada a lesões no lobo parietal posterior esquerdo, e um caso reportado foi associado com um acidente vascular na região subcortical esquerda. Um caso ainda foi descrito a partir de uma lesão no hemisfério direito de um paciente que se apresentava com o lado direito dominante para linguagem. Em um estudo realizado com ressonância magnética funcional em 2008 por Corradi-Dell’Acqua e colaboradores foi sugerido que dano no sulco intraparietal posterior esquerdo pode especificamente desencadear os sintomas da síndrome.

Como a síndrome possui pouca literatura recente relacionada, conclui--se que faltam mais estudos com exames de imagens, a fim de compro-var a correlação anatômica encontrada no artigo de 2008. Um estudo mais amplo com diversos pacientes também se torna necessário, para verificar a presença de sintomas em relação a diferentes configurações de lesões e acidentes vasculares diferentes. Como é uma condição rara, assim como as outras, é possível concluir que se torna uma atividade complexa de se executar, porém se torna benéfica caso seja feita.

Conclusões

A importância de estudar as síndromes neuropsicológicas, seus sinto-mas e áreas anatômicas correlacionadas se dá no momento em que um tratamento para o paciente está nas mãos de um diagnóstico diferencial bem feito. Para as síndromes que ocorrem com menor frequência, esta importância é ainda mais salientada, uma vez que uma condição previs-ta a partir de uma lesão cerebral ou uma síndrome bem identificada me-lhora a qualidade do tratamento que está à disposição do paciente. Além disso, entender como estas síndromes funcionam e de onde surgem dá aos cientistas informações preciosas sobre localização das funções cerebrais e o papel da relação entre diferentes áreas do cérebro.

Referências

Ardila, A. (2016). Some unusual neuropsychological syndromes: Somatoparaphrenia, akinetopsia, reduplicative paramnesia, autotopagnosia. Archives of Clinical Neuropsy-

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chology, 31(5), 456-464.

Corradi-Dell’Acqua, C., Hesse, M. D., Rumiati, R. I., & Fink,G. R.(2008).Where is a nose with respect to a foot? The left posterior parietal cortex processes spatial relationships among body parts. Cerebral Cortex, 18, 2879–2890.

Gandola, M., Invernizzi, P., Sedda, A., Ferrè, E. R., Sterzi, R., Sberna, M., ... & Bottini, G. (2012). An anatomical account of somatoparaphrenia. Cortex, 48(9), 1165-1178.

Guariglia, C., Piccardi, L., Allegra, M. P., & Traballesi, M. (2002). Is autotopoagnosia real? EC says yes. A case study. Neuropsychologia, 40, 1744–1749.

Gerstmann,J.(1942). Problem of imperception of disease and of impaired body territories with organic lesions: Relation to body scheme and its disorders.Archives of Neurology & Psychiatry, 48, 890–913.

Heutink, J., de Haan, G., Marsman, J. B., van Dijk, M., & Cordes, C. (2018). The effect of target speed on perception of visual motion direction in a patient with akinetopsia. Cortex.

Laiacona, M., Allamano, N., Lorenzi, L., & Capitani, E. (2006). A case of impaired naming and knowledge of body parts. Are limbs a separate sub-category? Neurocase, 12, 307–316.

Murai, T., Toichi, M., Sengoku, A., Miyoshi, K., & Morimune, S. (1997). Reduplicative pa-ramnesia in patients with focal brain damage. Neuropsychiatry, neuropsychology, and behavioral neurology, 10(3), 190-196. Ogden, J. A. (1985). Autotopagnosia: Occurrence in a patient without nominal aphasia and with an intact ability to point to parts of animals and objects. Brain, 108(4), 1009-1022. Politis, M., & Loane, C. (2012). Reduplicative paramnesia: a review. Psychopathology, 45(6), 337-343.

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O controverso Transtorno Não Verbal de Aprendizagem: entre Evidências e Incertezas

REVISÃO ATUAL

O Transtorno Não-Verbal de Aprendizagem (TNVA) surge como um quadro nosológico sugerido por Johnson e Myklebust na década de 60, descrito principalmente pela discrepância entre o QI verbal e o de execução observada em algumas crianças e adolescentes. De acor-do com os critérios propostos por esses e outros autores o Transtorno Não Verbal de Aprendizagem é caracterizado também por dificuldades persistentes em aspectos motores, sociais e de aprendizagem da ma-temática, principalmente naqueles aspectos que não envolvem com-petências verbais (Spreen, 2011). As dificuldades acadêmicas são de suma importância de investigação e intervenção uma vez que afetam a adaptação social, na medida em que está associada a desfechos nega-tivos na formação escolar, empregabilidade e renda (Parsons & Bynner, 2005). Portanto, compreender a etiologia, nosologia e evidências acerca desse transtorno é fundamental para uma prática clínica ética e baseada em achados científicos robustos. Ainda hoje, esse é um transtorno não validado por manuais que guiam a prática clínica e de pesquisa, como o DSM-V e CID-10, devido às controvérsias acerca dos critérios diag-nósticos, sobreposição de sinais e sintomas com outros transtornos, entre outras discussões que colocam em prova a validade desse quadro nosológico.

Alguns autores sugeriram uma série de critérios diagnósticos a fim de delimitar, baseado em estudos prévios, quais são os aspectos a serem

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considerados durante a avaliação de um possível caso de TNVA. De acordo com Mammarella e Cornoldi (2014) são cinco os critérios que caracterizam uma criança ou adolescente com esse quadro clínico: (1) a discrepância de pelo menos um desvio padrão do desempenho entre a medidas de inteligência verbal e a inteligência visuo-espacial/percep-tiva, sendo a inteligência verbal maior do que os índices perceptuais; (2) baixo desempenho em habilidades motoras e visuo-construtivas, apresentando uma performance de um desvio padrão abaixo da média normativa; (3) baixo desempenho em matemática, caracterizado por dificuldades visuo-espaciais na resolução de cálculos, contrapondo o desempenho na leitura, com diferença de pelo menos um desvio pa-drão entre essas competências; (4) memória de trabalho visuo-espacial pobre com pelo menos um desvio padrão abaixo da média; (5) dificul-dades socioemocionais, caracterizadas por dificuldades na compreen-são da emoção ou problemas de sociabilidade, sendo utilizado apenas como um critério de subdivisão do TNVA e não como um critério diag-nóstico (Mammarella, 2014).

Portanto, o transtorno não-verbal de aprendizagem pode ser caracteri-zado por uma série de aspectos cognitivos comprometidos associados a fatores preservados discrepantes. Considerando esses fatores é possí-vel caracterizar três dimensões principais que descrevem o TNVA: habi-lidades visuo-espaciais e motores comprometidos, ótima competência verbal e baixas habilidades sociais e de interação. É dessas dimensões que surgem a fenomenologia subjacente como, habilidades precoces de comunicação complexa, problemas em realizar tarefas escolares que exigem habilidades motoras e visuoespaciais (por exemplo, cortar e es-crever), problemas de compreensão social, de interpretação de histórias, e resposta e adaptação a situações novas. Esses indivíduos apresentam déficits em competências relativas à compreensão de relação semântica implícitas em textos, significados complexos e abstratos, em contraposi-ção a uma boa habilidade de leitura, incluindo aspectos de identificação de letras, processamento fonológico e ortografia (Fine, Semrud-Clike-man, Bledsoe e Musielak, 2013; Garcia-Nonell, Rigau-Ratera & Artigas, 2006) .

Além disso, indivíduos com TNVA costumam apresentar dificuldades em perceber a totalidade de um problema (principalmente de nature-za visuoespacial), focando em aspectos concretos, interferindo no seu desempenho visuo-construtivo e de organização espacial. Essa dificul-dade afeta sua capacidade de interpretar relações espaciais e causais,

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bem como a expressão da compreensão da informação, e sua habilida-de de classificação (Foss, 1991; Fine et al, 2013). O comprometimento na organização espacial afeta também a execução de cálculos mate-máticos, explicando o baixo desempenho encontrado nesses indivíduo (Garcia-Nonell et al, 2006)

A dificuldade em resolução de problemas novos, frequente em indiví-duos com TNVA, é oriunda do déficit nas funções executivas, que afeta aspectos como a interpretação de textos, na medida em que há dificul-dades em realizar inferências e abstrair a idéia do que é lido (Garcia-No-nell, et al; Foss 1991). São encontrados também déficits na manipulação de informação em tarefas que exigem memória de trabalho, ainda que a retenção simples de informação esteja preservada. Essas dificulda-des se refletem, por exemplo, na realização de cálculos complexos, em contraposição de recuperação simples da tabuada, uma vez que não há manipulação da informação, somente acesso lexical ao resultado (Gar-cia-Nonnel et al, 2006).

Além dos delineamento do perfil cognitivo do transtorno não verbal de aprendizagem, evidências apontam para aspectos emocionais e sociais deficitários neste quadro nosológico. Um estudo conduzido com o ob-jetivo de compreender o perfil emocional e psicossocial dos indivíduos com TNVA indicou que esse grupo apresenta problemas mais elevados em aspectos como depressão, problemas sociais, problemas de aten-ção e ansiedade quando comparado a indivíduos típicos. Déficits nessas competências sociais/emocionais são expressos mais frequentemente sob a forma internalizante, com baixa incidência de comportamentos agressivos e de quebra de regras. Comportamentos mais externalizan-tes são percebidos mais no início do desenvolvimento de indivíduos com TNVA, principalmente na infância, apresentando mais explosões negativas e flutuações de humor. Além disso, crianças com TNVA mais novas, entre 6 e 9 anos de idade, demonstram mais inflexibilidade e dificuldade de expressar emoções, bem como em demonstrar mais comportamentos empáticos, sendo menos capazes de controlar as emoções de maneira mais adequada a situação (Metsala, Galway, Ishaik e Barton, 2017).

Além de aspectos emocionais, déficits em competências sociais são frequentemente relatados na literatura. De acordo com o mesmo estudo, entre 70 e 75% dos sujeitos com TNVA são classificados como dentro da faixa clínica para problemas de ajuste social. A origem desses déficits

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são explicados sob diferentes hipóteses. Alguns autores apontam que indivíduos com TNVA tem problemas no reconhecimento de expressões emocionais de outrém, que afetam consequentemente a compreensão das suas próprias emoções. Essa compreensão deficitária de emoções de outras pessoas é avaliada e confirmada pelo baixo desempenho desse grupo clínico no reconhecimento de expressões faciais, princi-palmente em identificar e classificar expressões de felicidade e tristeza. A percepção de expressões de raiva e medo, no início do desenvolvi-mento, são compatíveis com pares da mesma idade, mas ao longo do desenvolvimento parece haver um déficit maturacional na compreensão dessa competência social. Entretanto, o perfil mais externalizante no início do desenvolvimento de crianças com TNVA, também sugere que o déficit em competências sociais é decorrente da baixa compreensão e reconhecimento das suas emoções, que posteriormente afetam a regulação de respostas adaptativas e prejudicam as relações sociais e o feedback positivo do ambiental social. Todo esse contexto favorece que interações sociais não sejam recompensadoras e auxiliem no desenca-deamento de sintomas depressivos (Metsala et al, 2017).

Outra teoria acerca dos déficits em competências sociais, apontam para o desajuste social como causa de um déficit primário em competên-cias visual-espacial e competências atencionais. De acordo com essa teoria a dificuldade inicial no processamento de informações não-ver-bais, influenciam na percepção e interpretação das relações sociais e interpessoais. Aspectos como tom de voz, expressão facial, gestos e outras convenções sociais, têm pouco significado para esses indivíduos impactando na forma como se relacionam. Essa dificuldade de com-preender aspectos não-verbais na comunicação social, afeta inclusive a forma como eles se vêem. Devido a precocidade do desenvolvimento de habilidades verbais, altas expectativas são colocadas sobre essas crian-ças, desviando a atenção das dificuldades subjacentes a competências sociais. Esse desvio da atenção afeta a maturação dessas habilidades, promovendo o desenvolvimento de habilidades sociais restritas a inter-pretações literais e pouco fluidas das relações interpessoais. Entretanto, posteriormente, esses indivíduos começam a encontrar outras dificul-dades acadêmicas, como aquelas relativas às habilidades matemáticas, e a atenção volta aos problemas de competências sociais, simultanea-mente (Foss, 1991).

Os aspectos etiológicos do transtorno não verbal de aprendizagem são caracterizados principalmente pela anormalidade na substância branca

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do hemisfério direito. Além disso, há também um associação da disfun-ção conexional entre hemisférios como um aspecto da origem neurobio-lógica do transtorno (Garcia-Nonnel et al, 2006). Acredita-se que devido a uma disfunção do hemisfério direito, responsável por funções cogniti-vas visuo-espaciais, de interação social e linguagem não-verbal, os in-divíduos com TNVA possuem déficits nesses aspectos. O desempenho discrepante entre os componentes verbais e executivos da inteligência geral característico desse quadro, indicam uma assimetria hemisférica cerebral, uma vez que o processamento de informação de ambas natu-rezas são associados a ativação de hemisférios cerebrais distintos (Wa-jnsztejn, Bianco e Barbosa, 2016). Por esses fatores, o transtorno não verbal também é conhecido com transtorno do hemisfério direito ou da substância branca (Garcia-Nonnel et al, 2006). A inibição da ativação de regiões fronto-estriada, temporal e límbica, está associado ao desempe-nho discrepante entre competências verbais e espaciais, uma vez que as estratégias para resolução de problemas cognitivos dessa natureza selecionados por indivíduos com desempenho rebaixado em aspectos espaciais, utilizam menos de redes frontoestriatais (Margolis, Davis, Pao, Lewis, Yang, Tau, e Marsh, 2018).

Ainda que a investigação acerca desse transtorno vem sendo condu-zida nas últimas três décadas, se mantém muita controvérsia dentro do meio acadêmico e científico, não sendo admitido como entidade noso-lógica por manuais que conduzem a prática clínica como o DSM-V e o CID-10, como dito anteriormente. Essa falta de apoio se dá pelas poucas evidências científicas acerca da nosologia do quadro, sobretudo devido a poucos dados a respeito da frequência, base neuropsicológica e simi-laridade com outros transtornos como Asperger, Síndrome Velocardiofa-cial, Síndrome de Turner e Agenesia do Corpo Caloso (Spreen, 2011).

Muitos dos estudos conduzidos buscando indícios científicos acerca da existência desse transtorno trazem consigo falhas metodológicas, preju-dicando aspectos como validade e confiabilidade da pesquisa (Spreen, 2011). Um grande problema enfrentado pelos pesquisadores da área é a baixíssima incidência desse transtorno na população, dificultando a coleta de dados em grupos amostrais robustos. De maneira geral, o perfil cognitivo e emocional de crianças e adolescentes com TNVA com critérios diagnósticos mais bem delimitados, impedem encontrar uma amostra significativa dessa população. Diante de critérios diagnósticos menos rígidos, o problema passa a ser o conflito com outros transtornos do desenvolvimento, uma vez que esses critérios se adequam a outros

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tipos de transtorno, como Asperger ou Discalculia (Metsala et al, 2017). Além disso, aspectos como problemas em definir os critérios de exclu-são da amostra, descrição vaga dos critérios utilizados para seleção da amostra, bem como negligência com as comorbidades possíveis, impedem que os estudos desenvolvidos para compreensão do qua-dro e propostas de intervenção sejam realmente fidedignos e passíveis de generalização ao contexto clínico. Atualmente, a alta incidência de comorbidades e coincidência de sintomas e sinais com outros quadros nosológicos tem sido o maior empecilho no desenvolvimento da pesqui-sa na área (Fine et al, 2013).

Uma das maiores controvérsias acerca do TNVA gira em torno da se-melhança com a Síndrome de Asperger, um transtorno que se enquadra dentro do espectro autista. De acordo com o DSM-V, a síndrome de asperger é atualmente incluída no espectro, que se refere a um conjunto de apresentações de um quadro clínico que inclui déficits persistentes na comunicação e interação social, incluindo déficits na reciprocidade sócio emocional, comunicação não verbal e no desenvolvimento de relações; comportamentos e interesses restritos e repetitivos, incluin-do inflexibilidade de rotina ou comportamentos ritualizados; sintomas apresentados no início do desenvolvimento, e que causam prejuízo significativo em aspectos sociais, ocupacionais e em outras áreas do funcionamento (American Psychiatric Association, 2014). A similaridade de prejuízos e competências apresentados por indivíduos com Transtor-no Não Verbal de Aprendizagem e Síndrome de Asperger, aponta para a compreensão do mesmo fenômeno sob diferentes perspectivas, uma perspectiva neuropsicológica e uma psicopatológica. Ainda que alguns desses aspectos, como as dificuldades relativas às competências de socialização, sejam compartilhados pelos indivíduos de ambas condi-ções clínicas, algumas diferenças também já foram apontadas. Aspectos relativos ao processamento simultâneo, habilidades não verbais, como praxias visuoconstrutivas, memória operacional e principalmente o planejamento, são mais deficitários em indivíduos com transtorno não verbal de aprendizagem quando confrontados com o desempenho de sujeitos com síndrome de asperger. O desempenho em aspectos lin-guísticos receptivos, como compreensão verbal e gramatical, são mais deficitários em indivíduos com asperger quando comparados aos indiví-duos com TNVA. O perfil neuropsicológico de Asperger é delineado por dificuldades em habilidades verbais sem prejuízos marcados em com-petências cognitivas não verbais, prejuízos esses normalmente asso-ciados aos déficits decorrentes do TNVA. Além disso, o perfil comporta-

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mental envolvendo aspectos sociais, é discrepante daqueles propostos pelos critérios diagnósticos do DSM-V, uma vez que não é necessária a presença de interesses restritos e estereotipias para o diagnóstico do transtorno não verbal de aprendizagem (Gavilán, Fournier-Del e Berna-beu-Verdú, 2007).

Outro quadro clínico com sinais e sintomas semelhantes ao descritos por autores como sendo um perfil de Transtorno Não Verbal de Aprendi-zagem é a dificuldade de aprendizagem na matemática, ou até mesmo a discalculia. Isso porque indivíduos com TNVA frequentemente apre-sentam dificuldades relativas à competências matemáticas. Ademais, a não imposição do critério diagnóstico acerca das dificuldades sociais no quadro de TNVA, podem indicar a presença de um transtorno de apren-dizagem com déficits em habilidades sociais concomitantes as dificul-dades escolares, e não um quadro de TNVA propriamente dito. Entretan-to, estudos apontam que as dificuldades vivenciadas pelos indivíduos com TNVA são mais relacionados aos déficits decorrentes das dificul-dades visuo-espaciais, não afetando aspectos relativos ao conceitos matemáticos, uma vez que exigem domínios linguísticos, potencialidade de indivíduos com esse transtorno (Fine, 2013). É comum encontrar pro-blemas em competências sociais e emocionais em crianças com discal-culia, mas que são decorrentes das dificuldades de aprendizagem, não sendo um componente do transtorno (Martínez e Semrud-Clikeman, 2004). Além disso, as dificuldades relativas à matemática em casos de indivíduos com TNVA sugerem um padrão de desatenção, e não pro-priamente de um déficit na cognição numérica (Fine, 2013).

As dificuldades relativas a atenção, também estão associados ao quadro de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e podem indicar a presença desse quadro e não de TNVA. O déficit atencional afeta não somente habilidades escolares, como também as compe-tências sociais, uma vez que a percepção das relações interpessoais é papel fulcral no desenvolvimento adequado dessa habilidade. Dificulda-des como reconhecimento de emoções, são coincidentes no quadro de TNVA e também TDAH, devido ao déficit primário em recursos atencio-nais (Fine, 2013).

Ainda que diante de controvérsias, quanto a sobreposição de quadros nosológicos com os sintomas descritos pelo autores que defendem a nosologia do TNVA, crianças com esse perfil existem e métodos inter-ventivos aplicados à elas são necessárias para sua devida adaptação

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social e escolar. Considerando o perfil de baixas competências sociais em indivíduos com TNVA, um método interventivo eficaz neste domínio é a que busca promover as habilidades sociais (Foss, 1991; Metsala et al, 2017). As intervenções também devem passar por aspectos de com-preensão e processamento de informação não-verbal, uma vez que es-sas competências são exigidas em atividades acadêmicas, que influen-ciam no pleno desenvolvimento do indivíduo. Para tal, relações espaciais que são normalmente processada de maneira confusa e rígida, devem ser treinadas de maneira a tornarem-se mais precisas e flexíveis. Esse treinamento deve fornecer instruções multissensoriais para estabelecer associação entre as informações percebidas no ambiente, fornecendo uma sequência de passos de automonitorização do desempenho. Essas informações podem ser de natureza verbal (como textos), visuoespacial (como cópia de figuras geométricas), ou social (como de situação de relação interpessoal). No caso do treinamento do domínio visuoespacial, o treinamento deve incluir rótulos verbais para formas geométricas, me-dições lineares e estimação de distância. O treino de competências ver-bais, por sua vez, deve não se concentrar em aspectos de intervenção para aprimoramento de vocabulário, uma vez que essa é uma potenciali-dade de indivíduos com esse perfil, mas permitir maior flexibilidade entre aspectos mais abstratos da linguagem, como similaridades e diferenças, classificação e categorização, e relações holísticas, causais e espaciais, auxiliando na compreensão das informações implícitas contidas no tex-to. Para tal é possível realizar uma lista de etapas para serem realizadas, até que o procedimento seja automatizado, evitando que sejam dadas respostas precipitadas, focando apenas nas relações entre as palavras, e não fazendo as associações implícitas subjacentes. Ainda no que diz respeito a intervenção no domínio verbal, a compreensão textual pode ser aprimorada através do treino de diferentes aspectos que buscam promover a retiradas das informações essenciais para elucidação do tema. Discutir o assunto antes da leitura, ler questões acerca do tema lido e fazer um resumo do que for lido após o final de cada parágrafo, através da verbalização ou subvocalização, podem ser estratégias ensi-nadas interessantes para indivíduos com TNVA. Esse tipo de estratégia auxilia na identificação de padrões de composição textual e no desen-volvimento de significados entre palavras que podem indicar relações implícitas importantes (Foss, 1991).

Diante das controvérsias e evidências acerca desse quadro nosológico, é possível compreender a necessidade de mais investigação científica sobre a etiologia, critérios diagnósticos e nosologia do transtorno. É ine-

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vitável negar que existem crianças com esse padrão de comportamento, associado a um perfil neuropsicológico específico de déficits e poten-cialidades. Anterior ao processo de intervenção é necessário melhor delineamento do procedimento de avaliação, visando não diagnosticar de maneira errônea indivíduos com esse quadro nosológico. Apenas ne-gar a existência desse transtorno é prejudicar o acesso dessas crianças a um plano interventivo bem delimitado, focado em suas dificuldades e utilizando de suas competências, visando melhor adaptação social e educacional. Então, é compromisso ético e profissional de clínicos e pesquisadores da área dos transtornos de aprendizagem, direcionarem esforços para compreensão desse quadro clínico, visando, enfim, confir-mar ou não a existência do transtorno não verbal de aprendizagem, bem como fornecer os devidos instrumentos necessários para seu diagnósti-co e intervenção.

RERFERÊNCIAS

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Quais Fatores de Reserva Cognitiva Impactam no Risco de Síndromes Neuropsicológicas como os Quadros Demenciais?

RELATO DE PESQUISA

Os Transtornos Neurocognitivos Maiores (demências) são quadros que geram um alto impacto funcional e afetam de forma negativa diversos aspectos da qualidade de vida do indivíduo e de seus cuidadores, com prevalência mundial estimada em cerca 47 milhões de pessoas em 2015 (número que pode triplicar até 2050) (Livingston et al., 2017b). Frente a isso, a relevância para a prática clínica de quadros demenciais pode ser observada a partir da extensa quantidade de pesquisas dispo-níveis na literatura que investigaram aspectos relacionados ao tratamen-to (psicofarmacológico e intervenções psicoterapêuticas), prognóstico e fatores de risco para o desenvolvimento de qualquer transtorno neuro-cognitivo.

Neste contexto, Livingston e colaboradores (2018) destacam nove fa-tores que se observados podem reduzir o desenvolvimento de quadros demenciais na população. Dentre eles o nível de escolaridade, perda au-ditiva, hipertensão, obesidade, fumo, depressão, sedentarismo, isolação social e diabetes estão entre os principais fatores de risco para o desen-volvimento de quadros neurodegenerativos (Livingston et al., 2017b).

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Maila Rossato Holz e André Ponsoni

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Como se pode observar, alguns desses fatores estão relacionados aos efeitos benéficos da estimulação cognitiva ao longo da vida e que também estão relacionados na categorização da reserva cognitiva (RC), construto relevante na compreensão de variáveis com potencial efeito neuroprotetivo ao longo da vida e indispensável ao se estudar processos neurodegenerativos (Amato, 2018).

A RC pode ser compreendida como a capacidade que o cérebro tem para lidar com o efeito negativo de neuropatologias à cognição, na me-dida em que uma alta RC pode diminuir a velocidade com que se apre-sentam alterações neurocognitivas (Grande et al., 2017). Percebe-se que quem tem baixa RC pode até mesmo aumentar a velocidade com que esses prejuízos surgem (Grande et al., 2017). Por envolver o nível de estimulação cognitiva ao longo da vida (de forma translacional), alguns estudos calcularam a RC como um conjunto de medidas envolvendo escolaridade, quociente intelectual e tipo de trabalho desenvolvido ao longo da vida (Frankenmolen, Fasotti, Kessels, & Oosterman, 2018; Grande et al., 2017), outros estudos que variáveis socioculturais como os hábitos de leitura e de escrita, atividades físicas (Habeck et al., 2017). É interessante notar que as variáveis socioculturais não são imutáveis, ou seja, podem ser estimuladas ao longo da vida ou em períodos específi-cos, denotando o potencial preventivo e remediativo do trabalho com a RC em quadros neurodegenerativos como a demência (Amato, 2018).

O potencial da RC para remediar dificuldades cognitivas decorrentes do envelhecimento pode ser observado no estudo de Frankenmolen e colaboradores (2018). Os autores investigaram os efeitos da idade, de funções executivas (FE) e da RC no uso de estratégias mnemônicas, encontrando em seu modelo a RC como o melhor preditor para o uso de estratégias para auxiliar a memória tanto no dia-a-dia, quanto em tarefas que avaliaram componentes de memória. Roldán-Tapia e colaboradores (2017) verificaram os possíveis efeitos neuroprotetivos da RC em pes-soas saudáveis ao avaliar 172 indivíduos em diversas funções neuro-cognitivas. Seus resultados indicam que a plasticidade cerebral pode ser influenciada por fatores como escolaridade e RC, especialmente, nos componentes executivos de controle inibitório, flexibilidade cogni-tiva e memória de trabalho. Frente a isso, é provável que um ambiente com maior demanda cognitiva possibilita ao indivíduo lidar melhor com tarefas que envolvam memória, flexibilidade cognitiva ou monitoramento na medida em que se envelhece.

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Muitas das pesquisas com a RC foram realizadas em populações com demência, ou Traumatismo Crânio Encefálico (Mathias & Wheaton, 2015). Recentemente maior atenção vem sendo despendida para uma possível relação entre a RC, desempenho cognitivo e desfechos funcionais em psicopatologias que podem ter uma natureza neurode-generativa, como o Transtorno de Humor Bipolar (THB) (Anaya et al., 2016; Hinrichs et al., 2017). Com a heterogeneidade de perfis cognitivos observados nessa psicopatologia e a falta de clareza acerca de fatores que podem influenciar no desempenho neurocognitivo de pessoas com THB, a RC surge como uma proposta interessante ao se investigar seu papel como possível moderador da cognição. Cinco estudos recentes buscaram investigar esta relação entre RC, cognição e funcionalidade, encontrando resultados interessantes (Amoretti et al., 2016; Anaya et al., 2016; Forcada et al., 2014; Grande et al., 2017; Hinrichs et al., 2017).

Grande e colaboradores (2017) observaram em uma amostra de 102 indivíduos com THB que altos níveis de RC (estimada através da escola-ridade, QI e emprego) estavam relacionados a um melhor desempenho cognitivo em medidas de atenção, fluência verbal fonêmica e semântica, e memória episódica. Outro estudo que avaliou 224 pessoas com THB em eutimia identificou uma associação entre alta RC e melhor desempe-nho em diversos componentes neurocognitivos, melhor funcionalidade e em parte com medidas de qualidade de vida (Anaya et al., 2015). Ain-da, destaca-se que Hinrichs e colaboradores (2017) investigaram o pos-sível impacto da RC na preservação da neurocognição em 159 pessoas com THB ao longo de cinco anos em que seus resultados indicaram que os indivíduos com THB não apresentaram declínio cognitivo mais acen-tuado, quando comparados aos participantes controles e que maiores medidas de inteligência (um componente da RC) podem se apresentar como um fator protetivo ao declínio cognitivo.

O maior foco para o trabalho com transtornos mentais na RC, em espe-cial com transtornos de humor, está em acordo com dados da literatura que mostram uma possível relação entre ter um transtorno de humor e, posteriormente, desenvolver um quadro de demência (da Silva et al., 2013; Cherbuin, Kim, & Anstey, 2016). Apesar da existência de algumas evidências acerca dessa relação, alguns estudos apontam que a pre-sença de depressão não aumenta o risco para quadros demenciais (Wil-son et al., 2016). Enquanto outros sugerem que a presença de prejuízos cognitivos graves concomitantes a um Episódio Depressivo Maior (EDM) deve ser interpretada como indício de quadro demencial subjacente, e

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não como uma consequência do transtorno em si (Heser et al., 2016).Como Livingston e colaboradores (2017) sugerem há vários fatores relacionados a maior risco vascular para o desenvolvimento de de-mências. Dentre eles, um estudo nacional realizado indica que maiores hiperintensidades de substância branca (ou seja, maior componente vascular) em pacientes com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) e Alzheimer leve tem maiores prejuízos de memória episódica visual (Holz et al., 2018). Assim como os maiores riscos, percebe-se que existe um conjunto de fatores associados a maior proteção da cognição dentre eles um estudo indicou os hábitos de leitura e de escrita explicaram me-lhor desempenho nos escores de fluência verbal (fonêmica e de verbos) do que o próprio diagnóstico em adultos idosos controles, com CCL e Alzheimer leve (Kochhann, Holz, Beber, Chaves, & Fonseca, 2018).

Dessa forma, percebe-se que as variáveis socioculturais apresentam fa-tores de risco e proteção para o desenvolvimento de um quadro demen-cial. Assim as alterações de humor começaram a ganhar um foco para analisar o quanto aumenta-se o risco de desenvolvimento de demência. Uma revisão sistemática com histórico de THB para verificar o aumen-to do risco de demência sugeriu que houve um aumento significativo naqueles que tinham diagnóstico de THB quando comparado a adultos saudáveis (Diniz et al., 2017). Contudo, ainda percebe-se o quanto o diagnóstico diferencial clínico é necessário para diferenciar se o quadro de THB apresentou uma piora clínica significativa no indivíduo, ou se essas alterações no paciente com THB já são advindas do início de um quadro demencial. Visto que alterações no humor e demência proble-mas de saúde mentais muito identificados na neuropsiquiatria do enve-lhecimento (Muliyala & Varghese, 2010).

Assim é importante estabelecer quais são as diferenças dos indivíduos que apresentam Transtorno de Humor (unipolar ou bipolar) ao longo da vida e diferenciam daqueles com depressão de início tardio. Isto porque a prevalência de depressão nas demências ocorre em 9 a 68% dos casos relatados na literatura (Muliyala & Varghese, 2010). Sendo que a depressão de início tardio comumente trás prejuízos associados a fun-ções executivas e processamento de informação (Sheline et al., 2006; Muliyala & Varghese, 2010). Outro aspecto muito discutido nos Trans-torno de Humor e nas demências são os sintomas neuropsiquiátricos pertencentes aos mesmos diagnósticos.

Sabe-se que a apatia é um sintoma que pode ser notado tanto nos

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transtornos de humor, quanto nas demências. Assim a análise da apatia isoladamente da sua apresentação torna-se um dos principais fatores de diagnóstico diferencial no envelhecimento. Um estudo longitudinal realizado com idosos com CCL indica que ter os sintomas separados de apatia ou junto com a depressão apresentam maior risco para desenvol-vimento da doença de Alzheimer do que aqueles idosos com CCL sem sintomas neuropsiquiátricos (Ruthirakuhan, Herrmann, Vieira, Gallagher, & Lanctôt, 2019).

Um estudo indica que os sintomas neuropsiquiátricos são os principais confundidores na avaliação clínica diagnóstica dos quadros demenciais. Dessa forma, existem instrumentos como Neuropsychiatric Inventory Questionnaire – NPI para medir a intensidade, gravidade de sintomas na demência (Camozzato, Godinho, Kochhann, Massochini, & Chaves, 2015). Percebe-se, ainda, que com o aumento da gravidade do quadro seja ele de CCL, seja de demência há simultaneamente um aumento dos sintomas psiquiátricos como depressão, apatia, agitação psico-motora, psicoses (delírios e alucinações) (Siafarikas et al., 2018). Esses resultados também foram corroborados demonstrando que o nível de RC é influenciado pela severidade do estagiamento da demência, ou seja, indivíduos com doença de Alzheimer que apresentem maior RC se beneficiam positivamente quanto o andamento da doença (Sobral, Pes-tana & Paúl, 2015). Percebe-se com isso que quanto maior a RC mais ela tem a tendência de retardar, ou a desacelerar os prejuízos quando acabam enfrentando uma patologia cerebral como a doença de Alzhei-mer (Michel, 2016).

A RC, apesar de ser um conceito teórico criado, nos auxilia na interpre-tação sobre um mecanismo ativo e flexível que pode ser moldado ao longo da vida (Barulli & Stern, 2013) a partir de estratégias mais eficien-tes para resolução de problemas, planejamento e melhor funcionamen-to para uso de estratégias cognitivas. Dessa forma, idosos com CCL podem a partir de treino cognitivo, estratégias externas e mudanças no ambiente sociocultural retardar ou até mesmo diminuir a velocidade do desenvolvimento de um quadro neurodegenerativo. De fato alguns au-tores sugerem que viver em um ambiente enriquecido pode compensar o declínio cognitivo em pacientes com a Doença de Alzheimer (Tucker & Stern, 2011).

Assim entende-se que a RC pode atuar como um moderador entre a patologia cerebral e clínica (Stern et al., 2018). Isto porque, ela não repre-

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senta apenas uma mudança de plasticidade cerebral, mas ela serve como um componente de desfecho entre a patologia, as alterações neuroanatômicas, as experiências vividas e rotina do indivíduo poden-do atuar na prevenção, ou minimização da doença neurodegenerativa (Steffener & Stern, 2012).

Dessa maneira, compreende-se que trabalhar com adultos e idosos com transtorno de humor, THB, envelhecimento saudável e CCL é imprescindível para que esses entendam como as alterações compor-tamentais, cognitivas e funcionais podem afetar sua rotina e dia-a-dia. Além disso, estabelecer políticas públicas de saúde, programas para es-tabelecer os parâmetros e conhecimento sobre RC cerebral podem ser fatores auxiliarão a retardar o desenvolvimento mais precoce dos síndro-mes neuropsicológicas como os Transtornos Neurocognitivos Maiores (demências). Igualmente como criar modelos de programas baseado em treinos cognitivos específicos para cada função cognitiva auxiliaria pacientes alterações neuropsicológicas a minimizar suas dificuldades nos principais domínios afetados, criando-se assim estratégias externas para lidar com essas queixas e déficits.

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ENTREVISTA

Nesta edição, Maila Rossato e André Possoni entrevistaram Caroline de Oliveira Cardoso. Ela é psicóloga, Doutora em Psicologia pela Ponti-fícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Mestre em psicologia com ênfase em cognição humana pela PUCRS, especialista em Neuropsicologia (PROJECTO), professora do Curso de Psicologia da Universidade FEEVALE, Supervisora do Estágio Profissionalizante em Neuropsicologia do Centro Integrado de Psicologia da Universidade Feevale, Membro do GT ‘Neuropsicologia’ da ANPEPP, atua como psi-cóloga e neuropsicóloga clínica em consultório particular e é sócia-fun-dadora na Conectare NeuroPsi - Atendimento, formação e conexões em Neuropsicologia.

O que é uma síndrome neuropsicológica? Ela pode estar associa-da a doenças como Transtorno do Espectro Autista, Transtornos de Aprendizagem, entre outros?Síndrome se refere a um conjunto de sintomas e características que são observáveis e estão associadas a alguma condição clínica. Na neu-ropsicologia, podemos considerar uma síndrome neuropsicológica o conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e emocionais que o paciente apresenta e é justamente esse um dos objetivos da avaliação neuropsicológica. Ou seja, a avaliação busca, de forma geral, identificar o funcionamento cognitivo, socioemocional e comportamental (sintomas, sinais, características) do paciente e em conjunto com análise do perfil neuropsicológico e análise clínica, pode também auxiliar no diagnóstico nosológico.

Considerando o perfil neuropsicológico, diante dos resultados de diver-sos estudos, sabe-se que as crianças com diagnóstico de Transtorno Específico de Aprendizagem normalmente apresentam prejuízos de fun-ções executivas no componente de memória de trabalho. Pacientes com Transtorno Espectro Autista normalmente tem dificuldade no compo-nente executivo de flexibilidade cognitiva. É importante conhecer qual o perfil mais esperado para cada quadro clínico, contudo, importante ressaltar que não existe um perfil único e pode acontecer do paciente ter

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o diagnóstico de transtorno específico de aprendizagem e não ter pre-juízo de memória de trabalho. O perfil neuropsicológico não é um critério diagnóstico, mas conhecer o perfil neuropsicológico de cada paciente nos auxiliar a compreender melhor suas habilidades e dificuldades, desenvolver intervenções específicas voltadas nos déficits cognitivos primários/ secundários e orientar cuidadores e escola, por exemplo. Como podemos observar os impactos funcionais de uma síndro-me neuropsicológica?No dia a dia, há diversas maneiras de identificar o funcionamento cog-nitivo e comportamental do paciente. Por exemplo, no ambiente escolar, podemos observar de que maneira o aluno responde as questões no caderno; se ele se distrai com facilidade e não consegue controlar o foco de sua atenção nas atividades ou na professora; se consegue com-preender as instruções das tarefas.

Durante o processo de avaliação, na Hora do Jogo, podemos observar a maneira como ele conduz as brincadeiras, se consegue criar uma história com início, meio e fim, observar a modalidade das brincadeiras, a criatividade, tolerância a frustração, linguagem, comunicação, se conse-gue se manter na atividade por mais tempo ou se faz trocas constantes. Em casa, mesma coisa, como se organiza, se realiza as atividades diárias como as realiza, e assim por diante. Será a partir da frequência e intensi-dade desses sintomas ou características que precisarão ser analisadas, assim como, o impacto que gera na funcionalidade do indivíduo, ou seja, se esses sintomas geram prejuízos no ambiente escolar, na autogestão, na relação interpessoal ou no desempenho escolar. Existe algum tratamento (medicamentoso, psicoterápico, esti-mulação) mais afetivo para as síndromes neuropsicológicas?Após identificarmos o perfil neuropsicológico de cada paciente precisa-mos refletir e sugerir encaminhamos que sejam efetivos e que possam trazer benefícios no dia a dia do paciente. O principal tratamento indica-do para pacientes que apresentam prejuízos cognitivos é a reabilitação neuropsicológica. Nesse processo, de modo geral, busca-se melhorar ou remediar os processos cognitivos que foram prejudicados, visando uma melhor qualidade de vida. Assim como, caso o paciente se encon-tram com desempenho abaixo em suas tarefas diárias frente à deman-da do ambiente, também pode-se auxiliar no desenvolvimento dessas habilidades que não foram ainda adquiridas.

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Contudo, além das intervenções remediativas, atualmente, têm se falado e sido propostas intervenções que tem como objetivo potencializar e aperfeiçoar as habilidades cognitivas. Tais intervenções têm um impor-tante papel preventivo, no sentido de que são planejadas para serem utilizadas com pessoas em desenvolvimento típico, com a finalidade de potencializar os processos cognitivos e evitar prejuízos no futuro. Há diferenças entre uma síndrome neuropsicológica e uma dis-função executiva?A grande diferença entre uma síndrome neuropsicológica e uma disfun-ção executiva é que a síndrome é mais abrangente atendendo qualquer função cognitiva (memória, atenção, linguagem, praxias, comunicação, funções executivas...). Enquanto a disfunção executiva é um funcio-namento anormal prejudicado, primariamente, das funções executivas. Sabe-se que a síndrome neuropsicológica pode levar a prejuízos de múltiplas funções cognitivas (memória, atenção, linguagem, praxias, comunicação...), assim como também as funções executivas, contudo, entende-se como síndrome os sinais, sintomas e características que ocasionam uma condição crítica de alteração nesse caso cognitiva. Já nos casos das disfunções executivas as alterações ocorrerão nos componentes tripé das funções executivas como flexibilidade cognitiva, controle inibitório, memória de trabalho, ou nos componentes executivos superiores como planejamento, tomada de decisão e organização de forma alterada sendo mais passível de tratamento quando identificado inicialmente.

Assim como referi anteriormente, cada vez mais têm sido propostas de programas e intervenções voltadas para promoção das habilidades cognitivas. Normalmente, esse tipo de intervenção é realizada no con-texto escolar, pelo professor. Existem vários estudos mostrando que as crianças que participam desses programas melhoram suas habilidades cognitivas, comportamentais, desempenho escolar se comparado ao grupo de crianças que permanecem apenas com as atividades regu-lares. Outros trazem também, através de estudos de follow-up, que os ganhos se mantêm depois de um tempo da intervenção.

No Brasil, há alguns programas voltados para crianças para estimular as funções executivas, como o PIAFEx, PENcE, Heróis de Mente. Quando realizei o programa do PENcE o objetivo foi exatamente voltado para os componentes pilares das funções executivas a memória de trabalho, planejamento e controle inibitório, atualmente, estamos avançando no

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programa com um projeto para aumentar para além desses compo-nentes e acrescentar mais formigas de regulação emocional que é alvo e foco também dentro das funções executivas. Assim para além dos programas, sabe-se que adoção de medidas específicas também pode contribuir para manter, ou até mesmo evitar prejuízos cognitivos, como por exemplo, práticas de exercícios físicos, frequência diária de hábitos de leitura e escrita para além da escola, yoga, mindfulness, atividades com músicas, alimentação saudável, qualidade do sono, entre outros.

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