Substituição da prisão preventiva por domiciliar para mulheres gestantes acima do sétimo mês ou em risco, em habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo

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As dificuldades enfrentadas pelas mulheres encarceradas no Brasil não são poucas, especialmente diante de uma gravidez. Por se tratar de uma fase que demanda cuidados, o art. 138, IV, do CPP permite às mulheres presas provisoriamente que cumpram essa custódia em casa após o sétimo mês ou em caso de risco. Porém, essa possibilidade de prisão domiciliar vem encontrando resistência por parte de alguns julgadores. Nesse sentido, a pesquisa pretendeu verificar como o Tribunal de Justiça paulista tem aplicado a norma, analisando dados e conteúdo de 40 acórdãos em habeas corpus julgados desde o início da vigência do artigo, inserido pela Lei 12.430/2011. A partir dos resultados, constata a ainda insuficiente aplicação prática da legislação pertinente, mesmo diante do grave risco de perecimento de direitos.

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  • SUBSTITUIO DA PRISO PREVENTIVA POR DOMICILIAR PARA MULHERES GESTANTES

    ACIMA DO STIMO MS OU EM RISCO, EM HABEAS CORPUS NO TRIBUNAL DE JUSTIA DE

    SO PAULO1.

    FERNANDA PERON GERALDINI

    Graduada pela Faculdade de Direito de So Bernardo do Campo (2012). Advogada autnoma.

    Resumo: As dificuldades enfrentadas pelas mulheres encarceradas no Brasil no so poucas,

    especialmente diante de uma gravidez. Por se tratar de uma fase que demanda cuidados, o

    artigo 138, inciso IV, do Cdigo de Processo Penal permite s mulheres presas

    provisoriamente que cumpram esta custdia em casa, aps o stimo ms ou em caso de risco.

    Porm, essa possibilidade de priso domiciliar vem encontrando resistncia por parte de

    alguns julgadores. Nesse sentido, a pesquisa pretendeu verificar como o Tribunal de Justia

    paulista tem aplicado a norma, analisando dados e contedo de 40 acrdos em Habeas

    Corpus julgados desde o incio da vigncia do artigo, inserido pela Lei 12.430/11. A partir

    dos resultados, constata a ainda insuficiente aplicao prtica da legislao pertinente, mesmo

    diante do grave risco de perecimento de direitos.

    Palavras-chave: Mulher gestante. Priso provisria. Priso domiciliar. Habeas Corpus.

    Abstract: The difficulties faced by incarcerated women in Brazil are not few, especially when

    pregnant. In face of a moment that demands care, the Criminal Procedure Code (Article 138,

    item IV) allows women on pre-trial detention to comply with this custody at home, after the

    seventh month of pregnancy, or in case of risk. However, the house arrest has been facing

    resistance from some judges. In this sense, the intention of the research was to verify how the

    So Paulo Court of Justice has applied the norm, by analysing data and content of 40

    sentences in Habeas Corpus judged since the beginning of the article's validity, inserted by

    law 12.430/11. From the results, the still insufficient practical application of relevant

    legislation is evidenced, even before the serious risk of extinction of rights.

    Key-words: Pregnant women. Pretrial detention. House arrest. Habeas Corpus.

    1 Artigo produzido como trabalho de concluso do Grupo de Estudos Cincias Criminais e Direitos Humanos do

    IBCCRIM (2014).

  • 2

    Sumrio: Introduo 1. Contedo e contexto do art. 318, IV do Cdigo de Processo Penal

    2. Pesquisa de jurisprudncia e metodologia 3. Anlise quantitativa e algumas interpretaes

    possveis: 3.1. Tempo de gestao e risco; 3.2. Tipo penal; 3.3. Parecer da Procuradoria de

    Justia; 3.4. Liminar; 3.5. Mrito 4. Anlise qualitativa das decises: 4.1. Casos sem

    julgamento de mrito; 4.2. Denegaes; 4.2.1. Falta de documentao; 4.2.2. Obrigao de o

    Estado fornecer atendimento; 4.2.3. Mera faculdade do juiz; 4.2.4. Decises aps o parto; 4.3.

    Concesses; 4.3.1. Sade da gestante e do nascituro ou recm-nascido; 4.3.2. Dignidade da

    pessoa humana; 4.3.3. Ms condies do estabelecimento prisional; 4.3.4. Priso domiciliar

    como mera modalidade de priso cautelar 5. Casos emblemticos: 5.1. Cntia, a me

    insensvel; 5.2. Paula, dez gramas e uma perda irreparvel Concluso Referncias

    bibliogrficas Anexo I: Acrdos utilizados na pesquisa.

    Introduo

    As primeiras discusses sobre a construo de presdios para mulheres no pas foram travadas

    na dcada de 1920. Naquele perodo, debatia-se a reforma do sistema penitencirio brasileiro,

    pautada pelo recm-chegado conceito de ressocializao. Em geral, as mulheres permaneciam

    nas piores celas localizadas nos presdios mistos, acarretando diversos problemas de convvio.

    Com a reforma, passaram a ser construdos ou adaptados prdios exclusivos para o crcere

    feminino, geralmente geridos por instituies religiosas caritativas (ANGOTTI, 2012, p. 176).

    Nos diversos diplomas normativos editados desde ento, as questes do crcere feminino

    foram regulamentadas como peculiaridades e de maneira tmida, sem abranger todas as suas

    necessidades (ESPINOZA, 2004, p. 106).

    Durante a reforma penitenciria, a preocupao com a maternidade tambm permeou os

    discursos. Alguns penitenciaristas entendiam ser obrigao estatal proteger a maternidade e a

    infncia, considerando o escopo de reinsero social e humanizao da pena. J outros

    acreditavam tratar-se de cuidado excessivo com as presas, que no mereceriam tal tratamento

    diferenciado, ao qual sequer as mulheres pobres tinham acesso.

    Porm, a questo no era propriamente efetivar um direito da mulher, mas resguardar a

    santidade de sua condio materna. Acreditava-se no potencial salvador da maternidade,

    capaz de implantar na mulher marginalizada sentimentos puros e femininos (ANGOTTI, 2012,

    p. 248).

  • 3

    Assim, diversos projetos de crceres femininos passaram a prever estruturas destinadas a

    gestantes e mes, a partir do final da dcada de 1930. A legislao foi alterada, ao longo das

    dcadas, a fim de assegurar essas conquistas, alm do direito da mulher presa ao pr-natal,

    entre outras previses.

    Entretanto, ao longo de todo este perodo, os direitos das mulheres grvidas presas vm sendo

    sistematicamente desrespeitados, pois estas raramente recebem condies adequadas no

    crcere. Dados do Ministrio da Justia (2008, p. 14) apontam que apenas 27,45% dos

    estabelecimentos exclusivamente femininos possuam estrutura para gestantes.

    Ademais, h diversos registros de instalaes insalubres, falta de acompanhamento mdico

    suficiente, violncia obsttrica, entre outras violaes graves sade e integridade fsica e

    psicolgica das detentas e seus bebs (CEJIL et. al., 2007; PASTORAL CARCERRIA, 2012;

    ONU, 2012).

    Diante desta realidade constatada pelos prprios rgos estatais, o Cdigo de Processo Penal

    foi alterado para possibilitar mulher grvida presa provisoriamente que responda ao

    processo em priso domiciliar, a fim de facilitar seu acesso a uma gestao, parto e ps-parto

    adequados. Porm, apesar de prevista em lei, essa garantia no concretizada na prtica, vez

    que numerosos juzes se recusam a aplicar a norma aos casos concretos2.

    Assim, a fim de colaborar na compreenso dessa realidade, o presente artigo se disps a

    verificar como judicirio paulista tem aplicado a substituio da priso preventiva pela priso

    domiciliar para mulheres gestantes presas, acima do stimo ms ou em situao de risco,

    conforme prev o art. 318, IV do Cdigo de Processo Penal.

    Para isso, a pesquisa emprica buscou verificar, em anlise quantitativa e qualitativa, como os

    desembargadores do Tribunal de Justia de So Paulo tratam da questo em sede de Habeas

    corpus. Foram coletados todos os acrdos relacionados ao tema, totalizando 40 casos, dos

    quais foram extrados dados processuais e argumentos utilizados pelos julgadores.

    Os resultados quantitativos da pesquisa, bem como algumas interpretaes possveis, esto

    relatados no item 3, enquanto o item 4 se refere avaliao qualitativa, referente aos

    principais argumentos empregados para negar ou conceder as ordens de Habeas Corpus.

    2 Percepo registrada, entre outros, pelo Defensor Pblico e Coordenador do Ncleo de Situao Carcerria da

    Defensoria Pblica de So Paulo, Bruno Shimizu, em entrevista publicada no portal da Instituio, disponvel em

    http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idItem=47152&idPagina=3086.

    Acesso em 15/01/2015.

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    Para facilitar a compreenso dos conceitos discutidos na pesquisa emprica, o item 1 oferece

    breve exposio do contedo do art. 318, inciso IV. Como o foco do artigo a prpria coleta

    realizada, essas explicaes no buscam extenuar o tema, mas apenas facilitar a compreenso

    dos termos e conceitos jurdicos usados pelos julgadores.

    Por fim, o item 5 apresenta dois casos destacados durante a leitura dos acrdos. No

    representam a maioria das situaes, mas foram considerados importantes para discutir a

    temtica numa perspectiva mais ampla. Se nmeros podem esconder ou revelar a realidade,

    estudar casos permite refletir sobre as pessoas mais impactadas por ela.

    1. Contedo e contexto do art. 318, IV do Cdigo de Processo Penal

    A inteno deste item apenas iniciar o estudo do inciso, para facilitar a compreenso dos

    dados encontrados na pesquisa. Assim, no sero aprofundados conceitos jurdicos e

    histricos relacionados priso provisria ou ao encarceramento feminino.

    A lei 12.403/11 foi promulgada na tentativa de reforar o carter de ultima ratio da priso,

    reduzindo o uso da priso provisria aos casos comprovadamente necessrios. Para isso,

    introduziu, no Cdigo de Processo Penal (CPP), diversos tipos de medidas cautelares diversas

    da priso, alterou o regime de fiana, entre outras disposies.

    No Brasil, cerca de 40% dos presos so provisrios (CIDH, 2013). Ou seja, so pessoas

    presumidamente inocentes, mas que permanecem encarceradas durante o processo de

    conhecimento, em razo de ordem judicial. Para que isso ocorra, o juiz, ao determinar a priso

    preventiva, deve justificar expressamente a presena dos requisitos legais previstos no art.

    312, respeitadas as exigncias do art. 313, ambos do CPP.

    A princpio, a priso cautelar cumprida em estabelecimento adequado, denominado Centro

    de Deteno Provisria (CDP). Ainda assim, muitas pessoas ainda permanecem sob custdia

    em cadeias pblicas e delegacias gerenciadas pela Secretaria de Segurana Pblica

    (MINISTRIO DA JUSTIA, 2012).

    Geralmente, a estrutura desses estabelecimentos ainda mais precria do que a das

    penitencirias. Por possurem alta rotatividade de pessoas, os CDP raramente contam com

    locais para trabalho e estudo, e costumam resumir-se s celas, corredores e ptios, muitas

    vezes com acentuada insalubridade.

  • 5

    Diante disso, a lei 12.403/11 introduziu a possibilidade de cumprimento de priso provisria

    no local de domiclio do acusado. Dispe o CPP:

    Art. 317. A priso domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou

    acusado em sua residncia, s podendo dela ausentar-se com autorizao

    judicial.

    Assim, observa-se que a priso domiciliar uma modalidade de cumprimento da priso

    cautelar. Ou seja: primeiro, o juiz avalia a possibilidade de conceder liberdade provisria

    quela acusada. Caso esta no seja possvel havendo razes para que permanea custodiada

    cautelarmente o julgador deve considerar a possibilidade de coloc-la num local de

    cumprimento mais adequado, que a prpria residncia.

    Importante destacar que a priso domiciliar no se confunde com libertao da acusada.

    Altera-se apenas o local de cumprimento da priso processual. A acusada no se encontra

    livre, uma vez que s pode sair da residncia em condies estipuladas pelo juiz. Assim,

    apesar de sua maior possibilidade de trnsito considerando a vigilncia mnima no

    possvel confundir tal situao com liberdade.

    A figura tambm se diferencia da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art.

    319, V do CPP. Neste, o indiciado pode sair e trabalhar durante o dia, devendo recolher-se no

    perodo noturno. Trata-se de um dos institutos criados justamente para evitar a priso cautelar.

    A priso domiciliar ser concedida nos casos de vulnerabilidade social relatados nos incisos

    do artigo 318. A previso claramente humanitria e privilegia a dignidade da pessoa humana

    (Constituio Federal, art. 1, inciso III). As hipteses de concesso so as seguintes:

    Art. 318. Poder o juiz substituir a priso preventiva pela domiciliar quando

    o agente for:

    I - maior de 80 (oitenta) anos;

    II - extremamente debilitado por motivo de doena grave;

    III - imprescindvel aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos

    de idade ou com deficincia;

    IV - gestante a partir do 7 (stimo) ms de gravidez ou sendo esta de

    alto risco.

    Pargrafo nico. Para a substituio, o juiz exigir prova idnea dos

    requisitos estabelecidos neste artigo.

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    A maior proteo se justifica pela acentuada vulnerabilidade dos grupos sociais em questo.

    No inciso IV, denota-se a inteno do legislador em proteger a maternidade, a gestante e o

    prprio nascituro. Alm disso, a pessoa nessas condies ofereceria mnima periculosidade

    social, justificando a menor restrio (NUCCI, 2014, 98).

    Uma previso semelhante j fora inserida na Lei de Execuo Penal (LEP), em seu art. 117, o

    qual permite que pessoas vulnerveis inclusive gestantes e parturientes possam cumprir

    pena em regime aberto em priso domiciliar. Apesar de se referir a presos condenados, havia

    forte entendimento jurisprudencial aplicando este benefcio aos provisrios, como medida de

    isonomia e garantia de direitos fundamentais3.

    O artigo 14, 3 da LEP garante, tambm s presas provisrias, o direito ao acompanhamento

    mdico principalmente no pr-natal e no ps-parto, extensivo ao recm-nascido. Ademais, o

    artigo 89 da mesma Lei assegura que as penitencirias femininas sero dotadas de seo para

    gestante e parturiente.

    Obrigaes semelhantes, referindo-se aos cuidados necessrios com a gestante ou parturiente,

    so trazidas pelas Regras Mnimas para o Tratamento de Prisioneiros, em seu item 23,

    complementado pelas Regras para o Tratamento de Mulheres Prisioneiras ou Regras de

    Bangkok, especialmente no item 48, ambos aprovados na ONU e ratificados pelo Brasil,

    possuindo, portanto, fora de lei.

    No obstante, as previses legais nem sempre so atendidas, levando mulheres a

    permanecerem sem o necessrio atendimento. Essa realidade amplamente conhecida por

    diversas entidades que militam na rea (PASTORAL CARCERRIA et. al., 2012, p. 3) e at por

    departamentos oficiais (DEPEN, 2011, p. 58). Alm disso, rgos internacionais de Direitos

    Humanos j registraram a deficincia do atendimento a gestantes4.

    3 Cite-se, por exemplo: STJ, HC 115.941/PE, julgado em 02/01/2009. De fato, as exigncias do art. 318 so mais

    restritas do que as do art. 117, colocando idade superior para o idoso e inferior para a criana cujo responsvel

    encarcerado. No que tange s gestantes, a LEP no demanda o tempo mnimo de sete meses ou a presena de

    risco, mas essas exigncias eram comuns na jurisprudncia. 4 Aps visita, o Subcomit de Preveno Tortura registrou em relatrio: 48. O SPT recebeu alegaes de

    prisioneiras gestantes e prisioneiras com crianas na priso sobre a falta de cuidado obstetrcio e o atraso na

    aplicao de vacinas em crianas, o que est em contradio com as leis brasileiras. 49. O SPT recomenda que

    mulheres grvidas recebam, de um profissional de sade qualificado, aconselhamento regular a respeito de sua

    sade. O SPT recomenda que se disponibilize s crianas que vivam com suas mes na priso servios de sade

    contnuos e que seu desenvolvimento seja monitorado por especialistas. (ONU, 2012).

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    Nesse sentido, importante destacar que a nica demanda do artigo 318 a prova idnea do

    cumprimento de seus requisitos. No se exige, portanto, que o juiz avalie as condies do

    presdio no qual a mulher se encontra para, caso estas no sejam suficientes, autorizar a

    gestante a cumprir custdia domiciliar.

    A previso tambm se amolda proteo da criana envolvida, j que esta no deve

    permanecer encarcerada em razo do princpio da intranscendncia da pena, segundo o qual

    esta nunca passar da pessoa do condenado (artigo 5, inciso XLV da Constituio Federal).

    A criana tambm recebe especial proteo, com prioridade absoluta (art. 227 da

    Constituio), e seus direitos devem ser considerados com primazia. Tambm, o artigo 8 do

    Estatuto da Criana e do Adolescente assegura gestante atendimento pr e perinatal, alm de

    acompanhamento psicolgico e condies ao aleitamento materno.

    Assim, diante da priso de uma mulher grvida, cabe defesa da acusada requerer

    rapidamente a concesso da priso domiciliar, informando e comprovando o fato ao Juzo.

    Por se tratar de matria de ordem pblica, que envolve liberdade e direitos fundamentais, nada

    impede que o juiz conceda a ordem de ofcio.

    Porm, caso o juiz discorde da pretenso da defesa, caber a esta acessar a segunda instncia.

    Neste Tribunal, dada a urgncia da medida, poder impetrar uma ordem de Habeas Corpus

    (HC), destinado a corrigir uma situao em que algum sofre ou ameaado de sofrer

    violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder

    (Constituio Federal, art. 5, LXVIII).

    Esta ao de Habeas Corpus ser julgada por um corpo de trs desembargadores, que podero

    concordar ou discordar da deciso combatida, mantendo-a ou revogando-a. Por se tratar de

    liberdade, o julgamento dever ser clere, razo pela qual permite um julgamento liminar,

    antes mesmo de ser ouvida a autoridade coatora, que decidiu manter a priso.

    Ou seja, o desembargador relator recebe o caso e imediatamente decide se, provisoriamente,

    concede ou nega o pedido. Esta deciso vale at o julgamento do mrito, na deciso final do

    processo de HC, quando o desembargador pode manter ou revogar a liminar.

    Caso opte por concordar com o pedido da defesa, seja na liminar ou no mrito, o Tribunal

    emite um alvar de soltura, determinando que a gestante seja colocada em priso domiciliar.

  • 8

    Assim, o juiz de primeira instncia deve obedecer determinao superior, s podendo

    determinar a priso caso haja nova motivao.

    2. Pesquisa de jurisprudncia e metodologia

    A pesquisa emprica buscou verificar, em anlise quantitativa e qualitativa, como o Tribunal

    de Justia de So Paulo tem aplicado o art. 318, inciso IV, do Cdigo de Processo Penal, em

    sede de Habeas Corpus, desde o incio da vigncia desta modificao legal. Para tanto, o

    levantamento serviu-se do mecanismo de busca de jurisprudncia disponibilizado no portal

    oficial do referido Tribunal. A coleta foi realizada em 12/12/2014, entre 10h58min e

    11h18min.

    Foram utilizadas duas chaves de pesquisa, a fim de evitar perdas devido a sinnimos: 318 IV

    gestante Habeas Corpus e 318 IV grvida Habeas Corpus. A primeira chave gerou 47

    resultados, enquanto a segunda originou mais 35, excludos aqueles repetidos.

    Em breve leitura, foram ignorados os que apenas mencionavam as chaves de pesquisa e

    selecionados aqueles cujos pedidos se fundamentavam no referido inciso. Assim, chegou-se

    ao universo de 40 acrdos, listados no Anexo I.

    Em seguida, foram extrados e tabelados os dados considerados relevantes (ver item 3), e

    coletadas as principais justificativas para as decises de mrito (ver item 4). Informaes

    sobre data de distribuio e data da liminar foram obtidas no prprio portal do Tribunal, na

    rea de Consulta de Processos, mediante pesquisa pelo nmero do Habeas Corpus.

    Os Habeas Corpus analisados foram distribudos entre 26/04/2011 e 13/10/2014 e julgados

    entre 26/07/2011 e 04/12/2014. O critrio de disponibilizao dos casos no site do Tribunal

    (e, consequentemente, de coleta para a pesquisa) a publicao dos acrdos, sendo possvel

    que pedidos distribudos naquele intervalo estejam fora da coleta, por ainda no terem

    acrdos publicados.

    Por fim, cabe uma justificativa. A escolha pela pesquisa em acrdos de Habeas Corpus

    deveu-se ao interesse em verificar a celeridade do julgamento desses pedidos, uma vez que se

    trata de assunto extremamente urgente, dada a iminncia do parto, e que envolve direitos

    fundamentais, demandando ainda mais presteza na deciso. Porm, importante ressaltar que

    os acrdos colhidos pouco informam sobre a aplicao daquele inciso em primeira instncia,

    tampouco nos tribunais superiores.

  • 9

    Ainda assim, as decises refletem as posies da cpula do judicirio bandeirante, o qual

    fornece importantes linhas decisrias para os demais magistrados. Nesse sentido, a pesquisa

    relevante para indicar como vm decidindo e argumentando os juzes na questo da gestante

    presa provisoriamente.

    3. Anlise quantitativa e algumas interpretaes possveis

    O objetivo desta classificao foi definir como os desembargadores se posicionaram nos

    casos, seja em deciso liminar ou de mrito. Alm disso, buscou-se observar como alguns

    critrios fticos podem influenciar, como tempo de gestao e risco, tipo penal imputado ou

    parecer do Ministrio Pblico.

    Neste item, apesar de se tratar da exposio dos dados numricos extrados na pesquisa,

    optou-se por utilizar algumas informaes especficas sobre os casos, antecipando detalhes da

    anlise qualitativa, apenas para fins de uma possvel interpretao dos dados.

    3.1. Tempo de gestao e risco

    Com base na leitura dos relatrios dos casos inseridos nos acrdos, foi possvel verificar o

    tempo da gestao no momento do pedido. Obviamente, esta no a forma mais confivel de

    se obter tal dado. Mas, alm de ser a nica possvel dentro dos limites dessa pesquisa, ela

    permite conhecer a mesma informao da qual o julgador dispunha no momento de decidir.

    A pesquisa demonstrou que a maior parte dos pedidos feita com a gravidez avanada, acima

    de sete meses. Os casos de risco gestante foram contabilizados separadamente, ignorando o

    tempo de gestao, por tratar-se de um requisito legal autnomo.

    Grfico 1: Tempo de gestao e risco

    Fonte: Acrdos em Habeas Corpus no TJSP coletados na pesquisa.

  • 10

    Os seis casos em que o tempo de gestao sequer foi citado (ao menos no relatrio do

    acrdo), foram indeferidos, o que pode sinalizar a importncia de fornecer essa informao

    com preciso, destaque e comprovao documental.

    O pedido mais comum o que indica o tempo de sete meses ou mais de gestao, talvez por

    reproduzir a letra da lei. A pesquisa demonstrou que o avano da gestao no critrio

    determinante para o deferimento da liminar, nem para a concesso ou denegao em sede de

    mrito, uma vez que h igualmente decises contrrias e favorveis em todas as etapas da

    gravidez.

    J dentre os casos de risco, dois julgadores rejeitaram o pedido e ressaltaram a importncia de

    documentos comprobatrios dessa situao5. Os outros quatro, todavia, obtiveram liminar e

    julgamento favorveis. Assim, possvel afirmar que, nas situaes de risco, a prova

    documental deste elemento fundamental para a concesso.

    3.2. Tipo penal

    Como foi dito, a legislao no apresenta qualquer outro requisito para a substituio da

    priso preventiva pela domiciliar, alm daqueles descritos no art. 318. Todavia, parte dos

    acrdos menciona a gravidade abstrata do delito como forma de argumentar pela negativa do

    pedido. Ou seja, estes desembargadores alegam de maneira superficial a suposta

    periculosidade da acusada, a fim de negar que sua priso preventiva seja cumprida na prpria

    residncia.

    Grfico 2: Tipos penais imputados

    Fonte: Acrdos em Habeas Corpus no TJSP coletados na pesquisa.

    5 HC 0086766-42.2012.8.26.0000 e 2158740-37.2014.8.26.0000

  • 11

    Logo de incio, nota-se a grande incidncia de mulheres grvidas acusadas por trfico de

    drogas, que chegam a 70% do total. A tendncia compatvel com a distribuio dos tipos

    penais entre as mulheres presas no sudeste do pas (MINISTRIO DA JUSTIA, 2011, p. 68).

    Essa constatao permite acrescer a problemtica das gestantes encarceradas questo dos

    impactos sociais perniciosos da guerra s drogas. Assim, o crescimento exponencial das

    prises de mulheres acusadas de trfico de entorpecentes tambm se reflete no

    encarceramento de muitas mulheres grvidas, geralmente em situao de vulnerabilidade.

    Nos crimes de trfico de entorpecentes, todos os 13 acrdos de improcedncia faziam

    referncia gravidade abstrata do delito imputado como obstculo para a liberdade provisria

    e a priso domiciliar. Note-se que o crime de trfico de drogas, em si, cometido sem

    violncia ou grave ameaa pessoa.

    Por outro lado, os 13 acrdos procedentes superam esse argumento, preterindo-o em favor da

    dignidade da gestante e do nascituro6, da presuno de inocncia somada inexistncia de

    prova robusta7 ou da diferena elementar entre liberdade provisria e priso domiciliar

    8,

    conforme explicado no item anterior.

    Desta forma, observa-se que o tipo penal imputado no define o destino do Habeas Corpus.

    Ainda assim, preciso destacar a necessidade de disseminao do entendimento de NUCCI

    (2014), destacado em alguns acrdos, no sentido de ser impossvel a exigncia dos requisitos

    para a liberdade provisria na deciso sobre a colocao do preso preventivo em sede

    domiciliar (ver item 4.3.4), por serem institutos jurdicos distintos.

    3.3. Parecer da Procuradoria de Justia

    Cabe ao rgo da Procuradoria de Justia emitir parecer sobre o pedido a ser analisado no

    Habeas Corpus. Alm de ser o rgo acusatrio, o Ministrio Pblico tem a funo de fiscal

    da lei, devendo assegurar seu cumprimento, mesmo que isso signifique pedir a liberdade ou a

    absolvio de um acusado em processo penal.

    6 HC 0143101-18.2011.8.26.0000, HC 0133029-98.2013.8.26.0000 e HC 2119574-95.2014.8.26.0000.

    7 HC 0020789-06.2012.8.26.0000 (a despeito de este apreciar os requisitos da liberdade provisria para, ao final,

    conceder a priso domiciliar). 8 HC 0188769-12.2011.8.26.0000 e HC 0009802-08.2012.8.26.0000 (apesar de este ltimo entender pela

    impossibilidade de liberdade provisria para crimes de drogas, como j ressaltado).

  • 12

    Em 24 situaes, a Procuradoria posicionou-se pela denegao do pedido. Dentre essas, o

    Tribunal concedeu apenas sete ordens. J os 10 casos em que a PGJ se posicionou

    favoravelmente tiveram a ordem concedida pelo Tribunal, sendo que apenas dois destes

    obtiveram a liminar rejeitada.

    Do exposto, possvel concluir que o Tribunal e a Procuradoria tendem a concordar sobre os

    casos que merecem ou no a concesso da ordem. Porm, no possvel afirmar, nos limites

    dessa pesquisa, se a opinio do Procurador influencia o voto, ou se so as caractersticas dos

    casos que determinam essa coincidncia.

    Ainda assim, especialmente relevante o papel do Procurador na concesso das ordens, uma

    vez que um posicionamento favorvel deste rgo tem grande chance de indicar uma deciso

    final favorvel.

    3.4. Liminar

    A deciso liminar em sede de Habeas Corpus restrita, em razo da dificuldade de

    apreciao clere de pedidos complexos. Todavia, trata-se de momento importante no

    processo, que pode significar a garantia ou o perecimento do direito das mulheres, dado o

    rpido avano gestacional.

    Grfico 3: Decises liminares

    Fonte: Acrdos em Habeas Corpus no TJSP coletados na pesquisa.

    A pesquisa revelou que a liminar foi deferida em apenas 16 casos, sendo que todos

    terminaram com a concesso, no mrito, da ordem de Habeas Corpus. Ou seja, dos 40

    processos analisados, nenhuma liminar concedida foi cassada ao final.

  • 13

    Dos 24 casos em que a liminar foi negada, o que representa 60% do total, apenas quatro

    resultaram na posterior procedncia do pedido.

    Assim, apesar de, nos limites dessa pesquisa, no ser possvel compreender se h relao de

    condicionalidade entre essas informaes, pode-se afirmar que o resultado da liminar tende a

    ser mantido na deciso de mrito, especialmente no caso de deferimento.

    Nos casos de negativa, a liminar apreciada em uma mdia de 3,4 dias. J na hiptese de

    concesso, a mdia atinge 7,9 dias.

    Quatro casos destacados foram excludos do clculo da mdia anterior, por representarem

    situao peculiar. Nestes, a liminar foi analisada, mas s foi reapreciada e decidida aps a

    chegada de novas informaes, vindo a ser deferida em trs dos casos9. Neste grupo, a deciso

    liminar chega a demorar de um a dois meses, descaracterizando totalmente a celeridade

    esperada nesta modalidade decisria.

    3.5. Mrito

    A pesquisa demonstrou que, em metade dos casos, os Habeas Corpus foram julgados

    procedentes, para conceder a priso domiciliar. Em trs desses casos, porm, a priso

    domiciliar foi concedida apenas em sede liminar, sendo deferida a liberdade provisria ao

    final.

    Grfico 4: Decises de mrito

    Fonte: Acrdos em Habeas Corpus no TJSP coletados na pesquisa.

    9 No grfico 3, apenas esses trs casos foram destacados, uma vez que o outro foi contabilizado como liminar

    negada, j que esta denegao no alterou a situao da Paciente.

  • 14

    A mdia de durao dos processos cujo pedido foi deferido de 70,75 dias, enquanto o

    processamento dos casos denegados demora, em mdia, 10 dias a mais. Exceo a 8

    Cmara Criminal, na qual a mdia de demora at a deciso de mrito chega a 113 dias.

    Importante destacar que a mdia de demora at a deciso liminar e o julgamento de mrito

    vem diminuindo ao longo dos anos, aps significativa piora entre 2011 (ano de promulgao

    da lei, contando com apenas cinco casos) e 2012, como demonstra o grfico a seguir.

    Grfico 5: Mdia de tempo at as decises

    Fonte: Acrdos em Habeas Corpus no TJSP coletados na pesquisa.

    As decises de mrito foram o principal foco da pesquisa, por permitirem a extrao dos

    argumentos utilizados pelos julgadores. Mais informaes sobre o teor desses documentos

    esto detalhadas no prximo item.

    4. Anlise qualitativa das decises

    A segunda parte da pesquisa consistiu na leitura dos 40 acrdos, a fim de compreender quais

    foram os argumentos principais no julgamento dos Habeas Corpus. Especialmente, a inteno

    era descobrir quais os principais entraves para a concesso da priso domiciliar, no caso de

    gestantes presas provisoriamente.

    4.1. Casos sem julgamento de mrito

    Foram trs os casos em que no houve deciso de mrito.

    O processo que no foi conhecido se destacou, uma vez que, segundo o relatrio, dizia

    respeito mulher gestante acima de sete meses e portadora de HIV. Porm, o relator alegou

  • 15

    falta de documentos comprobatrios da gravidez, da condio de sade e, at mesmo, de

    cpia da deciso combatida, para sequer conhecer do HC10

    .

    J dentre os casos julgados como prejudicados por perda de objeto, um se reporta reviso da

    deciso de primeira instncia que concedeu a priso domiciliar11

    . Os outros dois consideram o

    objeto do Habeas Corpus perdido quando existe notcia de sentena condenatria na primeira

    instncia.

    Porm, em uma dessas situaes12

    , sequer havia trnsito em julgado da sentena. Mesmo

    reconhecendo ter havido apelao da defesa, o relator argumentou que ela havia sido

    condenada sem direito de recorrer em liberdade. Por fim, ressaltou que no houve, no HC,

    pedido subsidirio no caso de condenao.

    De fato, a paciente ainda permanecia sendo presa provisria no momento do julgamento do

    HC, o que no justificaria a exigncia do pedido subsidirio para o caso de condenao no

    definitiva13

    . Porm, cabe destacar a utilidade de incluir este pedido na petio inicial do

    Habeas Corpus, a fim de evitar tal situao.

    4.2. Denegaes

    Conforme mencionado no item anterior, as denegaes correspondem a dezesseis dentre os

    acrdos coletados.

    4.2.1. Falta de documentao

    O pargrafo nico do artigo 318 determina que o juiz deve exigir prova idnea dos requisitos

    estabelecidos no artigo. A falta de documentos comprobatrios do tempo de gravidez ou do

    risco foi alegada como a razo para o indeferimento em seis casos.

    10

    HC 2158740-37.2014.8.26.0000. 11

    HC 0037735-19.2013.8.26.0000. 12

    HC 0174106-87.2013.8.26.0000. Destaque-se que este processo demorou 153 dias para ser julgado, muito

    acima da mdia. 13

    Outros dois casos semelhantes foram decididos de maneira oposta, concedendo a ordem por entender que a

    condenao no definitiva em nada prejudicaria. Para detalhes, ver item 4.3.2.

  • 16

    Nestas, os julgadores no se satisfizeram com a mera alegao ou, ainda, com um teste de

    gravidez14

    . Foi exigido um documento claro e expresso no sentido de demonstrar claramente

    o avano (se acima de sete meses) ou o risco da gestao.

    Apesar de juridicamente aceitvel, tendo em vista a previso legal, tal postura no era a nica

    possvel. Diante de um caso extremo de demora, uma Relatora optou por telefonar unidade

    prisional em questo, a fim de confirmar a evoluo da gravidez15

    .

    A princpio, tal diligncia no pode ser exigida em todos os casos, pois a responsabilidade

    pela instruo da pea nus da defesa. Porm, por se tratar de norma de ordem pblica

    direitos fundamentais da gestante e do nascituro, cujo desrespeito pode acarretar perdas

    incomensurveis seria interessante que o julgador tivesse a possibilidade de consultar algum

    rgo oficial ou sistema integrado de informaes16

    .

    4.2.2. Obrigao de o Estado fornecer atendimento

    Em oito acrdos, os julgadores expressamente alegaram a obrigao estatal de prestar

    atendimento presa gestante como um dos motivos para rejeitar a substituio da priso

    preventiva em priso domiciliar.

    De fato, como j mencionado no item 1, a Lei de Execuo Penal determina, no 3 pargrafo

    do art. 14, o acompanhamento mdico da gestante e do recm-nascido. Ademais, o art. 89

    prev a seo para gestante e parturiente, bem como creche, nos estabelecimentos penais.

    Porm, diante do descumprimento reiterado dessa norma, coube ao legislador reafirmar a

    proteo, inserindo o disposto no art. 318, IV do Cdigo de Processo Penal.

    Trata-se de previso especfica para a priso provisria e com alterao recente (aps a

    introduo dos mencionados artigos na LEP, em 2009). Nesse sentido, no se sustentaria a

    recusa desses julgadores em aplicar a legislao pertinente ao caso, com base na alegao da

    14

    HC 2131735-40.2014.8.26.0000 15

    HC 0102448-37.2012.8.26.0000, apesar de s t-lo feito aps o parto, deferindo a liminar 61 dias aps a

    impetrao do writ. 16

    No HC 0170105-59.2013.8.26.0000, o Relator declarou que acessou o Sistema de Inteligncia de

    Informaes desse E. Tribunal (fl. 4), mas apenas para verificar que a Paciente havia sido atendida em uma

    Santa Casa e tinha recebido alta. Porm, no teve a mesma diligncia para comprovar o tempo de gravidez da

    Paciente, pois negou a priso domiciliar alegando falta de documentao. Isso demonstra a importncia de a

    gestao estar registrada em um sistema informativo integrado.

  • 17

    existncia de uma previso legislativa que, de to ineficaz, j foi superada pelo prprio

    legislador no tocante s presas provisrias.

    Assim, ainda que se trate de mero recurso argumentativo ou excesso de justificativa na

    deciso, importante que os julgadores se sensibilizem para a situao dessas mulheres que,

    apesar de presumidamente inocentes, pouco recebem do Estado. Alguns desembargadores,

    por sua vez, optam por decidir de acordo com a realidade ftica (ver item 4.3.2).

    Em dois casos17

    , o pedido foi rejeitado por haver documentao nos autos indicando que ela

    estaria sendo atendida no presdio. Assim, possvel concluir pela utilidade de a defesa inserir,

    na instruo do pedido, informaes sobre eventuais instalaes precrias e a possvel m

    qualidade do atendimento de sade na unidade prisional em questo, a fim de evitar o

    perecimento da ao com base nessas alegaes.

    4.2.3. Mera faculdade do juiz

    Diversos acrdos denegatrios fundamentam sua posio no uso do termo pode pela letra

    da lei, de forma que a concesso no seria um dever do juiz.

    Para tanto, corrente a citao de Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual a priso

    domiciliar constitui faculdade do juiz e no direito subjetivo do acusado. Nesse sentido, cabe

    trazer excerto transcrito em um dos acrdos18

    .

    no somente a gravidez espelha a necessidade de priso domiciliar, mas o

    alto risco de haver complicaes ou o estgio avanado, a partir do stimo

    ms. Trata-se de concesso exclusiva mulher presa e, mesmo assim, se o

    juiz reputar conveniente. Afinal, h previso para dar guarida gestante no

    crcere, inclusive para amamentao do filho. Nos termos j aventados em

    nota anterior, quanto ao maior de 80 anos, se a acusada representar perigo

    extremo sociedade, caso seja posta em liberdade, no se deve conceder a

    priso domiciliar (Cdigo de Processo Penal Comentado, 2014, pgina

    722).

    17

    HC 2066580-90.2014.8.26.0000. Menciona condies de permanncia do recm-nascido porque o julgamento

    deu-se aps o parto. 18

    HC 2120023-53.2014.8.26.0000.

  • 18

    Este posicionamento tambm ilustra a noo de obrigao prestacional pelo Estado, conforme

    subitem anterior. No a posio, todavia, de um representante da Procuradoria-Geral de

    Justia, cujo trecho do parecer foi transcrito em um acrdo19

    :

    Pese embora a pouco recomendvel conduta da paciente, caso, a meu juzo,

    de conceder a ordem, confirmando-se a medida liminar. Ainda que tenha

    sido posta na lei como mera faculdade do juiz, a ser analisada em cada caso,

    a possibilidade de concesso de priso domiciliar s presas em final de

    gravidez configura, na verdade, um dever, sobretudo, em razo das

    precrias condies sanitrias das unidades do sistema penitencirio

    brasileiro.

    4.2.4. Decises aps o parto

    Trs dos casos20

    mencionam o fato de o parto ter ocorrido antes da data da deciso como um

    dos argumentos para a negativa. Infelizmente, nos limites dessa pesquisa, no foi possvel

    descobrir quantas decises, de fato, sucederam o parto.

    Porm, possvel concluir pela relevncia de se dar destaque data presumida do parto, na

    petio inicial, como forma de incentivar a celeridade, ao menos na deciso liminar21

    .

    Outra precauo fundamental diz respeito ao pedido de concesso da ordem com base no art.

    318, III, no caso de a deciso ultrapassar a data do parto. Apesar de ser possvel ao Relator

    conceder o HC de ofcio, e de haver caso de concesso pelo inciso IV mesmo aps o parto22

    ,

    trata-se de importante estratgia defensiva a fim de evitar o resultado negativo, no caso de

    demora.

    4.3. Concesses

    Foram lidos 20 acrdos referentes a concesses da ordem de Habeas Corpus. Dentre estes,

    como j mencionado, trs resultaram no deferimento da liberdade provisria, aps a priso

    19

    HC 0130591-02.2013.8.26.0000. Destaques no originais. 20

    HC 0098968-17.2013.8.26.0000, HC 2066580-90.2014.8.26.0000 e HC 2068827-44.2014.8.26.0000 21

    No HC 0026371-84.2012.8.26.0000, por exemplo, o Relator menciona que a liminar foi deferida em maro,

    estando o parto previsto para abril. No caso, a distribuio deu-se em fevereiro, e o julgamento (favorvel)

    apenas em agosto. Assim, apesar da demora de 35 dias para a liminar, nota-se uma preocupao do julgador em

    faz-lo antes do parto. 22

    HC 0102448-37.2012.8.26.0000

  • 19

    domiciliar ser concedida em liminar. Os principais argumentos para as concesses esto

    expostos a seguir.

    4.3.1. Sade da gestante e do nascituro ou recm-nascido

    O objetivo da norma proteger a sade da mulher gestante e da criana ao nascer,

    especialmente vulnerveis nesse momento de suas vidas. Nesse sentido, 11 acrdos

    mencionam expressamente o direito sade ou integridade fsica da mulher e do nascituro

    como motivo para o deferimento.

    Alm disso, um julgado se refere apenas ao direito da criana, deixando expresso que a priso

    acarretar violao ao direito de terceiro. Apesar de no privilegiar o direito da mulher, a

    argumentao pode ser til para sensibilizar aqueles julgadores que rejeitam a medida por

    considerar a Paciente no merecedora. Trata-se de um caso de trfico de drogas, no qual o

    Relator se posiciona no seguinte sentido:

    Conforme j me manifestei em outras oportunidades, no parece adequado

    que o encarceramento da Paciente seja estendido ao seu filho recm-nascido,

    pois ainda que permanea em berrio, ser mantido injustificadamente em

    ambiente insalubre. Ademais, no aconselhvel a separao da parturiente

    do filho no perodo de amamentao, o que fatalmente ocorrer se ela

    permanecer encarcerada. Ou seja, a manuteno da custdia acabar

    violando direitos de terceiros (o recm-nascido) e atentando contra o

    princpio da dignidade da pessoa humana23.

    4.3.2. Dignidade da pessoa humana

    O termo dignidade da pessoa humana aparece em 12 documentos. Entretanto, o conceito

    raramente destacado na motivao das decises. Na grande maioria, aparece apenas no

    relatrio, como um dos argumentos da defesa.

    Em outros casos, surge dentro da citao de jurisprudncia dos Tribunais Superiores, utilizada

    na deciso. Quatro acrdos de deferimento, trs dos quais julgados pela 12 Cmara

    Criminal, mencionam julgado do STJ (HC 217.009/MG, julgado em 06/12/2011) em que se

    decide pela concesso da priso domiciliar (pelo inciso III) por razes humanitrias e

    considerando a dignidade da pessoa humana.

    23

    HC 2119574-95.2014.8.26.0000

  • 20

    A dignidade da mulher somente foi destacada como motivo das decises em trs casos, um

    dos quais o relatado no item 5.2. Os outros so casos idnticos, julgados pela 1 Cmara24

    ,

    em que o Relator consignou a impossibilidade de o juiz reverter a priso domiciliar sem justa

    fundamentao, mesmo aps a condenao:

    Saliente-se, ainda, que a medida de cautela posta na norma do artigo 318, IV

    do CPP no se esgota com o nascimento. Ela se volta proteo da

    prpria maternidade recente e, portanto, no pode ser revogada, pelo

    fundamento nico, de que realizado o parto. Ofende a dignidade da pessoa

    da parturiente, ainda que r em processo-crime, a recolocao em imediato

    regime de priso preventiva, em unidade carcerria, sem preocupao com o

    resguardo necessrio sade, no somente a sua, como aquela do prprio

    nascituro, devendo ser observado quanto a este a possibilidade de aplicao

    do artigo 89 da LEP, decorrido o prazo de seis meses ali estabelecido,

    quando, somente ento, haver disponibilidade de creche para acolh-lo, em

    contato com a me reclusa.

    4.3.3. Ms condies do estabelecimento prisional

    Diferentemente dos casos mencionados anteriormente (item 4.2.2), muitos julgadores25

    aplicaram o princpio do in dubio pro reo para entender que, diante da ausncia de

    informaes consistentes a respeito da estrutura do presdio (especialmente no tocante aos

    recm-nascidos), a ordem deve ser concedida. Por exemplo:

    A paciente gestante, prestes a dar a luz a seu filho, conforme exame de fls.

    46 e na esteira do quanto fundamentado pelo Procurador de Justia, em seu

    parecer de fls. 55/57, os estabelecimentos penitencirios no tm tido

    estrutura suficiente para receber presas com bebs, de acordo com as

    suas necessidades. Muito pelo contrrio26

    .

    Portanto, a pesquisa demonstrou que parte dos desembargadores parece compreender e se

    responsabilizar pelos problemas reais do sistema carcerrio, ao menos no tocante s gestantes

    encarceradas e seus recm-nascidos. Diante da deficincia na prestao de servios pblicos

    24

    HC 0130591-02.2013.8.26.0000 e HC 0193616-57.2011.8.26.0000 25

    Por exemplo, nos seguintes casos: HC 2060996-76.2013.8.26.0000, HC 0143101-18.2011.8.26.0000, HC

    0095688-38.2013.8.26.0000, HC 0183216-13.2013.8.26.0000 e HC 0183216-13.2013.8.26.0000, HC 0193616-

    57.2011.8.26.0000.

    26 HC 0183216-13.2013.8.26.0000 destaques no originais.

  • 21

    pelo Poder Executivo, responsabilidade do julgador efetivar direitos fundamentais, e no

    apenas reafirmar uma obrigao estatal j prevista em lei.

    4.3.4. Priso domiciliar como mera modalidade de priso cautelar

    A deciso que defere a priso domiciliar no determina a liberdade do acusado. Pelo

    contrrio, mantm a priso preventiva, visto que a restrio liberdade permanece, alterando-

    se apenas o lugar de cumprimento.

    Obviamente, mudam tambm as condies de salubridade deste local, o que a prpria

    inteno da lei. Porm, o exerccio da liberdade de locomoo da pessoa permanece restrito

    por ordem judicial, muito alm do que seria no caso de uma liberdade provisria. Nesse

    sentido, incabvel a exigncia dos requisitos para a custdia cautelar (art. 312 e 313 do

    Cdigo de Processo Penal).

    Trs acrdos27

    apontaram essa questo, utilizando e transcrevendo o seguinte excerto da obra

    de Guilherme Nucci curiosamente, o mesmo doutrinador citado como fundamento em

    vrias denegaes:

    O que, realmente, h a priso preventiva, que pode ser cumprida em

    domiclio. Logo, no o caso de substituir uma pela outra, mas de inserir o

    indiciado ou ru em local diverso do presdio fechado para cumprir

    priso cautelar, advinda dos requisitos do art. 312 do CPP, logo,

    preventiva. (NUCCI, Guilherme de Souza. Priso e liberdade: as reformas

    processuais penais introduzidas pela Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011.

    So Paulo: RT, 2011.)

    Destacar esse entendimento nos pedidos pode ser interessante defesa, pois retira o foco da

    discusso sobre a viabilidade ou no da libertao da Paciente, o que implicaria em

    merecimento e aferio dos requisitos, pousando-o sobre a mera modalidade de cumprimento

    da priso cautelar.

    5. Casos emblemticos

    27

    HC 0188769-12.2011.8.26.0000, HC 2130671-92.2014.8.26.0000 e HC 0009802-08.2012.8.26.0000.

    Destaque-se que este ltimo entende pela impossibilidade de liberdade provisria para crimes de drogas, mas

    concede a priso domiciliar com base no argumento apontado.

  • 22

    Durante a leitura dos acrdos, alguns casos se destacaram. Acredita-se que a breve meno

    dessas histrias colabore com a compreenso da complexidade inerente ao problema ora

    estudado.

    5.1. Cntia, a me insensvel

    Um dos casos, apesar de excludo da coleta28

    , merece meno em razo de um comentrio

    feito pelo julgador no acrdo. Trata-se de um caso de furto, em que a Paciente (com gravidez

    avanada) teria sido vista carregando objetos midos em uma sacola, enquanto os demais

    agentes levariam a televiso furtada. Foi presa em abril de 2013.

    O HC, impetrado em julho, teve a liminar rejeitada e foi finalmente denegado em setembro.

    Informou o julgador:

    Realmente, em contato telefnico com Adriana Alkmin Pereira Domingues,

    Diretora da Penitenciria Feminina de Tupi Paulista, a paciente est

    recolhida na ala de amamentao do aludido estabelecimento prisional,

    estando seu filho com trs meses de vida e devidamente assistido por

    mdico pediatra.

    De outra banda, a paciente portadora de maus antecedentes (fls. 72) e,

    ainda, quando da prtica do furto triplamente qualificado objeto deste writ, j

    se encontrava grvida, demonstrando insensibilidade e descaso com a

    criana que estava por vir.

    Em outubro de 2013, a Paciente foi condenada ao regime aberto, convertido em pena

    restritiva de direitos29

    . Nesse sentido, as consequncias da rejeio da priso domiciliar foram

    eventualmente minoradas pela libertao da Paciente.

    Nota-se que a deciso relaciona gravidez e crime a partir do conceito de descaso, ao lado da

    obrigao estatal de prover assistncia, possivelmente numa lgica de causa e consequncia.

    Outra deciso30

    vai ao mesmo sentido, no trecho:

    O fato de estar grvida no a impediu de praticar o delito e no a

    impede de reiterar a conduta criminosa. Tambm no justifica a

    28

    HC 0142348-90.2013.8.26.0000. Excludo da coleta porque o pedido foi feito com base no inciso III. 29

    Autos n 0001130-83.2013.8.26.0482. 1 Vara Criminal da Comarca de Presidente Prudente. 30

    Trecho citado no HC 2179523-50.2014.8.26.0000, de autoria do Des. Ricardo Tucunduva, mas sem referncia

    ao processo original.

  • 23

    segregao na residncia, vez que o Estado dever providenciar todo o

    cuidado necessrio durante a gestao e para o parto.

    A pesquisa foi incapaz de identificar, mas, possivelmente, a questo da mulher grvida

    delinquente, supostamente insensvel e descuidada com sua prole, que descumpre seu papel

    social enquanto me e se arrisca ao crcere, exera alguma influncia na motivao dos

    julgadores, quando instados a beneficiar a mulher em razo da gravidez.

    Trata-se de um conceito oriundo do positivismo criminolgico, segundo o qual a mulher

    delinquente padeceria de uma natural falta de afeio maternal, em razo de sua sexualidade

    exacerbada, o que comprovaria sua degenerao moral (LOMBROSO apud ANGOTTI, 2012, p.

    154).

    Ao contrrio do sustentado, a imensa maioria das mulheres encarceradas que so mes se

    preocupa com os filhos do lado de fora. Tanto no momento do crime, muitas vezes cometido

    na inteno de sustenta-los, quanto no perodo do crcere, quando entregam os filhos aos

    cuidados de avs, sogras, tias e pais (HELPES, 2014, p. 166).

    5.2. Paula, dez gramas e uma perda irreparvel

    Em 16/04/2012, Paula31

    foi presa acusada de trfico de drogas, quando conduzia um veculo

    portando, aproximadamente, dez gramas de cocana e dois mil reais, os quais decorreriam das

    atividades ilcitas do corru, seu companheiro.

    Paula era primria, me de cinco filhos e, no momento da priso, estava com,

    aproximadamente, quatro meses de gestao. Nenhuma das decises disponveis no portal do

    TJSP (no processo em primeira instncia32

    ) sequer menciona tal condio.

    Porm, a gravidez era de altssimo risco. A Paciente foi atendida pela mdica do centro

    hospitalar do estabelecimento prisional e diagnosticada com suspeita de incio de

    centralizao fetal. A profissional recomendou controle fetal dirio, se possvel ao nvel

    hospitalar, e ainda afirmou que s no internou Paula porque ali no existia ginecologista

    obstetra em planto de 24 horas ou UTI neonatal. Esses dados constam do acrdo.

    31

    HC 0172609-72.2012.8.26.0000. Ainda que o processo seja pblico, optou-se pela alterao do nome a fim de

    evitar exposio desnecessria. Vale destacar que este caso tambm foi mencionado pelo juiz de Direito Marcelo

    Semer, em seu blog pessoal: http://blog-sem-juizo.blogspot.com.br/2012/10/dignidade-humana-prisao-

    domiciliar-por.html. Acesso em 14/01/2015. 32

    Autos n 0034026-54.2012.8.26.0050. 5 Vara do Foro Central Criminal Barra Funda.

  • 24

    O HC foi impetrado pelo Ncleo de Situao Carcerria da Defensoria Pblica de So Paulo

    somente em 10/08/2012. A demora pode se dever ao fato de haver advogados particulares

    nomeados na causa, mas que no fizeram o pedido.

    Porm, no dia anterior, Paula j havia entrado em trabalho de parto prematuro, provavelmente

    em decorrncia da complicao previamente relatada33

    . O beb nasceu naquele dia, vindo a

    falecer cinco dias depois, em 14/08/2012 mesma data em que a liminar foi deferida para

    conceder-lhe a priso domiciliar em razo do risco.

    A priso domiciliar foi efetivada somente no dia 16. Antes do julgamento, a Procuradoria

    posicionou-se pela prejudicialidade do pedido, em razo da ocorrncia do parto. O Relator

    Breno Guimares, porm, optou por outro louvvel caminho:

    No se olvida que a situao da paciente no mais se amolda s hipteses

    autorizadoras da priso domiciliar. No entanto, foroso reconhecer a

    existncia de situao peculiar, autorizadora, a meu ver, da manuteno da

    benesse.

    A paciente estava grvida enquanto presa provisoriamente. Necessitava de

    atendimento mdico diferenciado, o qual, segundo a mdica que a atendeu,

    no existia dentro do sistema penitencirio. Entrou em trabalho de parto

    prematuramente e a criana veio a falecer.

    Assim, deve ser levado em considerao que a paciente suportou,

    recentemente, grave abalo, no sendo teratolgico presumir que este a

    atingiu fsica e psicologicamente. Determinar seu retorno ao crcere ao

    argumento de que ela no mais est grvida e de que, face ao falecimento da

    criana, no necessrio prestar cuidados a esta, seria desumano e violaria o

    princpio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Constituio

    Federal, em artigo 1, inciso III.

    Assim, por razes humanitrias e em homenagem ao princpio da dignidade

    da pessoa humana, a ordem de ser concedida, convalidando a liminar

    anteriormente deferida.

    Em 25/09/2012, Paula foi condenada a cinco anos de recluso em regime fechado, sendo-lhe

    negado o direito de recorrer em liberdade. O juiz determinou sua custdia na audincia.

    33

    Agradecimento pediatra neonatal Dra. Ana Carla Peron Zuccoli (CRM 76691) pelos esclarecimentos

    tcnicos mdicos nesta e em outras questes ao longo deste estudo.

  • 25

    Porm, o julgamento do HC, que confirmou a liminar e manteve a priso domiciliar, deu-se

    no dia 26 seguinte.

    Assim, em 11/10/2012 (desconhecida a razo da demora), a Paciente foi libertada por motivo

    de concesso de HC, sendo esta a ltima movimentao em seu pronturio34. Em janeiro de

    2015, quando foi finalizado este artigo, constava como liberta, e sua apelao estava em

    andamento.

    Concluso

    A pesquisa debruou-se sobre um momento delicado na vida de quarenta mulheres e quarenta

    bebs. So, ao menos, oitenta pessoas tocadas pelo sistema penal de maneira direta, sofrendo

    as consequncias de uma estrutura devastadora em sua lgica e prtica.

    Os dados coletados permitem concluir que a priso domiciliar para gestantes presas

    provisoriamente ainda no est disseminada no judicirio paulista. As denegaes

    representam quase metade dos casos, e boa parte delas se fundamenta em interpretaes

    jurdicas que no privilegiam a dignidade da pessoa humana.

    A demora no processamento dos Habeas Corpus, em torno de 75 dias, permite alguns

    apontamentos. Em primeiro lugar, demonstra a necessidade de buscar cada vez mais

    celeridade na apreciao dos pedidos mais urgentes, como so os de Habeas Corpus

    impetrados em razo da vulnerabilidade dos Pacientes.

    Porm, o mais importante destacar que virtualmente impossvel que um HC, impetrado

    aos sete meses de gestao, seja julgado antes do parto. De fato, a defesa no poderia

    impetr-lo antes, j que, caso o fizesse, veria reduzida a chance de uma deciso liminar

    favorvel. Porm, fazendo-o aos sete meses, corre o risco de, negada a liminar, ver o

    julgamento suceder o parto.

    Assim, a pesquisa demonstra a necessidade urgente de uma soluo alternativa situao

    atual. A primeira ideia parece ser, obviamente, o incentivo concesso em primeira instncia.

    O juiz da causa o mais prximo da mulher presa, devendo ser sensibilizado a atender s suas

    necessidades urgentes, bem como s do nascituro.

    34

    Agradecimento estagiria da Defensoria Pblica Brbara Marques pela informao localizada.

  • 26

    Em seguida, parece vivel concluir pela imprescindibilidade das decises liminares,

    especialmente nesses casos. preciso destacar o risco de perecimento de direitos, j que o

    parto iminente. Por isso, inclusive, a tramitao deveria ser prioritria nos casos de

    vulnerabilidade previstos no art. 318, inclusive de outros que no o inciso IV, por meio de

    julgamento preferencial ou, at mesmo, com o uso de tarja colorida nos autos do processo

    (Provimentos n 50/1989 e 30/2013 da Corregedoria Geral de Justia, art. 192).

    Ademais, cabe defesa apresentar a mxima documentao possvel, evitando depender do

    fornecimento de novas informaes, seja pelo juiz da causa, por rgos pblicos ou pelo

    prprio defensor.

    Alm disso, urgente que a informao da gravidez seja ressaltada desde o momento da

    priso em flagrante. A existncia de gravidez altera significativamente a circunstncia da

    custdia cautelar, razo pela qual precisa ser de conhecimento de todos os agentes envolvidos

    no processo delegados, promotores, juzes, entre outros.

    Para isso, sugere-se a insero da informao em destaque nos pronturios dos sistemas

    eletrnicos acessados por estes agentes. Contudo, tal providncia dever respeitar a

    privacidade da gestante e de seu filho, futuramente, de forma que a informao no fique

    exposta em sistemas de acesso pblico.

    Por fim, na hiptese de se justificar a maior vigilncia da Paciente, no caso concreto, que

    sejam disponibilizadas formas menos vexatrias de acompanhamento, como visitas

    peridicas, vigilncia discreta e, em ltimo caso, o uso da tornozeleira eletrnica, com o

    intuito exclusivo de evitar a manuteno da gestante em crcere.

    As providncias indicadas decorrem das anlises realizadas na pesquisa, mas no abrangem

    todas as possibilidades de soluo do problema. O primeiro passo, acredita-se, dar

    visibilidade s mulheres grvidas presas provisoriamente, enquanto indivduos

    presumidamente inocentes em situao de especial vulnerabilidade fsica e emocional, bem

    como aos filhos e filhas que carregam.

    Referncias bibliogrficas

    ANGOTTI, Bruna. Entre as leis da cincia, do estado e de Deus: o surgimento dos presdios

    femininos no Brasil. 1 edio. So Paulo: IBCCRIM, 2012.

  • 27

    CEJIL, Centro pela Justia e pelo Direito Internacional et. al. Relatrio sobre mulheres

    encarceradas no Brasil. Publicado em 02/2007. Disponvel em

    http://www.asbrad.com.br/conte%C3%BAdo/relat%C3%B3rio_oea.pdf. Acesso em

    05.01.2015.

    CIDH, Comisso Interamericana de Direitos Humanos. Informe sobre el uso de la prisin

    preventiva em las Americas. Publicado em 30/12/2013. Disponvel em

    http://www.oas.org/es/cidh/ppl/informes/pdfs/Informe-PP-2013-es.pdf. Acesso em

    15/01/2015.

    ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. So Paulo: IBCCRIM,

    2004.

    HELPES, Sintia Soares. Vidas em jogo: um estudo sobre mulheres envolvidas com o trfico

    de drogas. So Paulo: IBCCRIM, 2014.

    MINISTRIO DA JUSTIA. Mulheres presas dados gerais. Projeto Mulheres/DEPEN.

    Disponvel em www.mj.gov.br/depen. Acesso em 12/01/2015.

    NUCCI, Guilherme de Souza. Priso e Liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

    ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Relatrio sobre a visita ao Brasil do Subcomit de

    Preveno da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes.

    Publicado em 08/02/2012. Disponvel em http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-

    apoio/publicacoes/tortura/relatorio_visita_ao_Brasil_subcomite_prevencao_tortura_jun2012

    . Acesso em 12/01/2015.

    PASTORAL CARCERRIA, CONECTAS DIREITOS HUMANOS E INSTITUTO SOU DA PAZ.

    Penitencirias so feitas por homens e para homens. 2012. Disponvel em

    http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2012/09/relatorio-mulherese-

    presas_versaofinal1.pdf. Acesso em 05.01.2015.

  • 28

    Anexo I: Acrdos utilizados na pesquisa

    Habeas Corpus n Cmara Criminal n Data de distribuio

    0079697-90.2011.8.26.0000 4 26/04/2011

    0143101-18.2011.8.26.0000 12 29/06/2011

    0193616-57.2011.8.26.0000 1 09/08/2011

    0188769-12.2011.8.26.0000 16 04/08/2011

    0223090-73.2011.8.26.0000 4 02/09/2011

    0009802-08.2012.8.26.0000 16 18/01/2012

    0020789-06.2012.8.26.0000 12 02/02/2012

    0053356-90.2012.8.26.0000 1 15/03/2012

    0086766-42.2012.8.26.0000 4 27/04/2012

    0026371-84.2012.8.26.0000 8 09/02/2012

    0102448-37.2012.8.26.0000 12 18/05/2012

    0136873-90.2012.8.26.0000 7 28/06/2012

    0172609-72.2012.8.26.0000 12 10/08/2012

    0142064-19.2012.8.26.0000 3 04/07/2012

    0243640-55.2012.8.26.0000 15 07/11/2012

    0027379-62.2013.8.26.0000 14 14/02/2013

    0037735-19.2013.8.26.0000 13 28/02/2013

    0116744-30.2013.8.26.0000 10 12/06/2013

    0095688-38.2013.8.26.0000 11 17/05/2013

    0123463-28.2013.8.26.0000 8 21/06/2013

    0098968-17.2013.8.26.0000 2 21/05/2013

    0130591-02.2013.8.26.0000 1 02/07/2013

    0133029-98.2013.8.26.0000 8 05/07/2013

    0135328-48.2013.8.26.0000 4 11/07/2013

    0124628-13.2013.8.26.0000 14 25/06/2013

    0183216-13.2013.8.26.0000 3 25/09/2013

    2060996-76.2013.8.26.0000 12 04/12/2013

    0174106-87.2013.8.26.0000 8 06/09/2013

    0170105-59.2013.8.26.0000 16 30/08/2013

    2066580-90.2014.8.26.0000 13 29/04/2014

    2067149-91.2014.8.26.0000 14 30/04/2014

    2068827-44.2014.8.26.0000 11 05/05/2014

    2131735-40.2014.8.26.0000 3 12/08/2014

    2119574-95.2014.8.26.0000 2 25/07/2014

    2130510-82.2014.8.26.0000 16 11/08/2014

    2130671-92.2014.8.26.0000 12 11/08/2014

    2131576-97.2014.8.26.0000 9 12/08/2014

    2120023-53.2014.8.26.0000 4 25/07/2014

    2158740-37.2014.8.26.0000 8 16/09/2014

    2179523-50.2014.8.26.0000 13 13/10/2014

  • 29

    Habeas Corpus n Cmara Criminal n Data de distribuio

    0079697-90.2011.8.26.0000 4 26/04/2011

    0143101-18.2011.8.26.0000 12 29/06/2011

    0193616-57.2011.8.26.0000 1 09/08/2011

    0188769-12.2011.8.26.0000 16 04/08/2011

    0223090-73.2011.8.26.0000 4 02/09/2011

    0009802-08.2012.8.26.0000 16 18/01/2012

    0020789-06.2012.8.26.0000 12 02/02/2012

    0053356-90.2012.8.26.0000 1 15/03/2012

    0086766-42.2012.8.26.0000 4 27/04/2012

    0026371-84.2012.8.26.0000 8 09/02/2012

    0102448-37.2012.8.26.0000 12 18/05/2012

    0136873-90.2012.8.26.0000 7 28/06/2012

    0172609-72.2012.8.26.0000 12 10/08/2012

    0142064-19.2012.8.26.0000 3 04/07/2012

    0243640-55.2012.8.26.0000 15 07/11/2012

    0027379-62.2013.8.26.0000 14 14/02/2013

    0037735-19.2013.8.26.0000 13 28/02/2013

    0116744-30.2013.8.26.0000 10 12/06/2013

    0095688-38.2013.8.26.0000 11 17/05/2013

    0123463-28.2013.8.26.0000 8 21/06/2013

    0098968-17.2013.8.26.0000 2 21/05/2013

    0130591-02.2013.8.26.0000 1 02/07/2013

    0133029-98.2013.8.26.0000 8 05/07/2013

    0135328-48.2013.8.26.0000 4 11/07/2013

    0124628-13.2013.8.26.0000 14 25/06/2013

    0183216-13.2013.8.26.0000 3 25/09/2013

    2060996-76.2013.8.26.0000 12 04/12/2013

    0174106-87.2013.8.26.0000 8 06/09/2013

    0170105-59.2013.8.26.0000 16 30/08/2013

    2066580-90.2014.8.26.0000 13 29/04/2014

    2067149-91.2014.8.26.0000 14 30/04/2014

    2068827-44.2014.8.26.0000 11 05/05/2014

    2131735-40.2014.8.26.0000 3 12/08/2014

    2119574-95.2014.8.26.0000 2 25/07/2014

    2130510-82.2014.8.26.0000 16 11/08/2014

    2130671-92.2014.8.26.0000 12 11/08/2014

    2131576-97.2014.8.26.0000 9 12/08/2014

    2120023-53.2014.8.26.0000 4 25/07/2014

    2158740-37.2014.8.26.0000 8 16/09/2014

    2179523-50.2014.8.26.0000 13 13/10/2014