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FAMAT em Revista Revista Científica Eletrônica da Faculdade de Matemática - FAMAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG Número 02 - Abril de 2004 www.famat.ufu.br E o Meu Futuro Profissional? ¹ Ï Ë

Suely Durck

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FAMAT em Revista

Revista Científica Eletrônica daFaculdade de Matemática - FAMAT

Universidade Federal de Uberlândia - UFU - MG

Número 02 - Abril de 2004

www.famat.ufu.br

E o Meu Futuro Profissional?

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Comitê Editorial da Seção E o meu Futuro Profissional? do Número 02 da FAMAT em Revista: Edson Agustini (coordenador da seção) Antônio Carlos Nogueira Walter dos Santos Motta Júnior
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A Crise no Ensino da Matemática no Brasil

No caderno Sinapse (www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/arquivo-2003.shtml) de 25/02/2003 da Folha de São Paulo, foi publicada uma coletânea de textos sob o título “A Matemática que Conta”. Esses textos abordavam o analfabetismo do brasileiro em matemática de um modo um tanto quanto superficial. A fim de aprofundar a questão e apontar os fatores determinantes dessa crise, a presidenta da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), profa Suely Druck, publicou um artigo intitulado “O Drama do Ensino da Matemática” no caderno Sinapse seguinte (25/03/2003). Nesse artigo, que reproduzimos abaixo, ela enfatizou que a crise no ensino da matemática decorre, dentre uma série de fatores, de um processo de supervalorização dos métodos pedagógicos em detrimento da aquisição do conteúdo matemático a ser ensinado.

Como era de se esperar, o artigo da profa. Suely Druck abriu espaço a uma discussão acerca do tema, o que fomentou a aparecimento de uma série de artigos, seja para contestar, seja para apoiar as opiniões expressas por ela. Na seqüência, reproduzimos alguns desses artigos, a saber: • Professor comenta artigo “O drama do ensino da matemática”, de Suely Druck, por

Wojciech Andrzej Kulesza. PPGE-UFPB. • Pesquisadora comenta artigos sobre o ensino da matemática no país, por Maria Eulália

Vares. Secretária Regional SBPC/RJ. • Sobre o ensino de matemática, por Michel Spira. ICEX-UFMG. • Polêmica: Os problemas da educação matemática, por Romulo Lins. UNESP-Rio Claro-SP. • Não existe nada tão ruim que não possa ser piorado, por Enzo Vito De Santis. Sanmina-SCI

Brazil. • A crise no ensino de Matemática no Brasil, por Suely Druck. Presidenta da SBM. • Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) levará ao MEC proposta de melhoria nacional

da matemática, por Flamínio Araripe.

Uma discussão mais detalhada da questão pode ser encontrada nos sites do Jornal da Ciência (JC) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) www.jornaldaciencia.org.br e da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) www.sbm.org.br. ___________________________________________________________________________

O Drama do Ensino da Matemática

Suely Druck

Folha de São Paulo - 25/03/2003 www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/arquivo-2003.shtml

A qualidade do ensino da matemática - assunto da reportagem de capa do último

Sinapse - atingiu, talvez, o seu mais baixo nível na história educacional do país. As avaliações não poderiam ser piores. No Provão, a média em matemática tem sido a

mais baixa entre todas as áreas. O último Saeb (Sistema Nacional de Avaliacão da Educacão Básica) mostra que apenas 6% dos alunos têm o nível desejado em matemática. E a comparação internacional é alarmante. No Pisa (Program for International Student Assessment) de 2001, ficamos em último lugar.

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Resultados tão desastrosos mostram muito mais do que a má formação de uma geração de professores e estudantes: evidenciam o pouco valor dado ao conhecimento matemático e a ignorância em que se encontra a esmagadora maioria da população no que tange à matemática. Não é por acaso que o Brasil conta com enormes contingentes de pessoas privadas de cidadania por não entenderem fatos simples do seu próprio cotidiano, como juros, gráficos, etc. - os analfabetos numéricos -, conforme atesta o recente relatório Inaf sobre o analfabetismo matemático de nossa população.

Diante dessa situação, encontramos o discurso - tão freqüente quanto simplista - de que falta boa didática aos professores de matemática. Todavia, pouco se menciona que o conhecimento do conteúdo a ser transmitido precede qualquer discussão acerca da metodologia de ensino.

Abordar a questão do ensino da matemática somente do ponto de vista pedagógico é um erro grave. É necessário encarar primordialmente as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática. É preciso entender as motivações dos que procuram licenciatura em matemática, a formação que a licenciatura lhes propicia e as condições de trabalho com que se deparam.

A enorme demanda por professores de matemática estimulou a proliferação de licenciaturas. Nas faculdades, há muita vaga e pouca qualidade, o que transforma as licenciaturas em cursos atraentes para os que desejam um diploma qualquer. Produz-se, assim, um grande contingente de docentes mal formados ou desmotivados. Esse grupo atua também no ensino superior, sobretudo nas licenciaturas, criando um perverso círculo vicioso.

É verdade que, nas boas universidades, temos excelentes alunos nas graduações de matemática. Porém, eles formam um grupo tão pequeno que pouco influenciam as tristes estatísticas. Predomina uma enorme evasão dos cursos, uma vez que a maioria não enfrenta as dificuldades naturais dos bons cursos.

Nos últimos 30 anos, implementou-se no Brasil a política da supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação dos professores. Comprovamos, agora, os efeitos danosos dessa política sobre boa parte dos nossos professores. Sem entender o conteúdo do que lecionam, procuram facilitar o aprendizado utilizando técnicas pedagógicas e modismos de mérito questionável.

A pedagogia é ferramenta importante para auxiliar o professor, principalmente aqueles que ensinam para crianças. O professor só pode ajudar o aluno no processo de aprendizagem se puder oferecer pontos de vista distintos sobre um mesmo assunto, suas relações com outros conteúdos já tratados e suas possíveis aplicações. Isso só é possível se o professor tiver um bom domínio do conteúdo a ser ensinado. A preocupação exagerada com as técnicas de ensino na formação dos professores afastou-os da comunidade matemática.

Além disso, eles se deparam com a exigência da moda: a contextualização. Se muitos de nossos professores não possuem o conhecimento matemático necessário para discernir o que existe de matemática interessante em determinadas situações concretas, aqueles que lhes cobram a contextualização possuem menos ainda. Forma-se, então, o pano de fundo propício ao surgimento de inacreditáveis tentativas didático-pedagógicas de construir modelos matemáticos para o que não pode ser assim modelado.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC são erradamente interpretados como se a matemática só pudesse ser tratada no âmbito de situações concretas do dia-a-dia, reduzindo-a a uma seqüência desconexa de exemplos o mais das vezes inadequados. Um professor de ensino médio relatou que, em sua escola, existe a “matemática junina”, enquanto outro contou ter sido obrigado a dar contexto matemático a trechos de um poema religioso. Certamente, esses não são exemplos de uma contextualização criativa e inteligente que pode, em muito, ajudar nossos alunos. Lamentavelmente, esses tipos de exemplo proliferam em nossas escolas.

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O bom treinamento em matemática é efetuado, necessariamente, com ênfase no argumento lógico, oposto ao autoritário, na distinção de casos, na crítica dos resultados obtidos em comparação com os dados iniciais do problema e no constante direcionamento para o pensamento independente. Esses hábitos são indispensáveis em qualquer área do conhecimento e permitem a formação de profissionais criativos e autoconfiantes - e a matemática é um campo ideal para o seu exercício.

O Brasil tem condições de mudar o quadro lastimável em que se encontra o ensino da matemática. Com satisfação, notamos um movimento importante de nossos professores em busca de aperfeiçoamento. Muitos estão conscientes dos problemas de sua formação e dos reflexos que ela tem dentro da sala de aula. Há uma enorme massa de professores que querem ser treinados em conteúdo. O desafio é atingir o maior número de professores no menor espaço de tempo.

Não é verdade que nossas crianças odeiam matemática, conforme prova a participação voluntária de 150 mil jovens e crianças nas Olimpíadas Brasileiras de Matemática de 2002. Muitos mais eles poderiam ser, se os recursos fossem mais abundantes, como é o caso da Argentina, onde 1 milhão participam das Olimpíadas Argentinas de Matemática.

Iniciativas bem-sucedidas existem e apontam caminhos a seguir. Esse é o caso do fantástico programa de matemática coordenado pelo professor Valdenberg Araújo da Silva no interior de Sergipe, que tem levado crianças oriundas de famílias de baixíssima renda a conquistas importantes, como aprovação no vestibular, participação nas olimpíadas e até mesmo início do mestrado em matemática de jovens entre 15 e 17 anos.

Se medidas urgentes não forem tomadas, a situação tenderá a se agravar: há décadas estamos construindo uma sociedade de indivíduos que, ignorando o que é matemática, se mostram incapazes de cobrar das escolas o seu ensino correto ou mesmo apenas constatar as deficiências mais elementares nesse ensino. Suely Druck é presidenta da SBM - Sociedade Brasileira de Matemática. ___________________________________________________________________________

Professor Comenta Artigo “O drama do ensino da matemática” de Suely Druck

Wojciech Andrzej Kulesza

Jornal da Ciência - e-mail - 02/04/2003

www.jornaldaciencia.org.br “O artigo desconhece toda a discussão, hoje já incorporada na legislação educacional brasileira referente à Prática de Ensino, sobre a saudável e necessária relação entre a teoria e a prática pedagógicas”.

Depois de trabalhar tantos anos com educação matemática, causou-me desalentadora surpresa o artigo de Suely Druck, publicado na “Folha de SP” e reproduzido no “JC e-mail” de 28 de março último.

Defendendo a posição, tão antiga quanto arcaica, de que o conhecimento do conteúdo é um pré-requisito na formação do professor, o artigo desconhece toda a discussão, hoje já incorporada na legislação educacional brasileira referente à Prática de Ensino, sobre a saudável e necessária relação entre a teoria e a prática pedagógicas.

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Nas palavras da autora, “o conhecimento do conteúdo a ser transmitido precede qualquer discussão acerca da metodologia de ensino”. Assim, primeiro o professor conhece e depois (naturalmente, se for o caso) ele se preocupa com o ensino.

É ainda o esquema 3 + 1, que coloca o bacharelado com um pré-requisito da licenciatura, a orientar os formadores de professores e a fazê-los sofrer o “drama do ensino de matemática”.

Não é verdade que seja “necessário encarar primordialmente as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática”, para enfrentar o problema da alfabetização matemática.

No máximo essa deficiência deveria ser colocada ao lado das metodológicas, para nos restringirmos ao currículo explícito dos cursos de formação.

A história da ciência nos tem demonstrado que não é verdade que primeiro sabemos para depois reconhecermos esse conhecimento num determinado contexto, como parece pensar a autora.

Será que os matemáticos nunca aceitarão que, pelo menos, há saberes concomitantes à matemática na formação do professor? Lamentavelmente, a Sociedade Brasileira de Matemática, através do artigo da sua presidente, aliena-se da sociedade brasileira não-matemática na questão educacional, num corporativismo próprio da época dos mosteiros.

Mensagem de Wojciech Andrzej Kulesza, prof. do PPGE da UFPB ([email protected]). __________________________________________________________________________

Pesquisadora Comenta Artigos sobre o Ensino da Matemática no País

Maria Eulália Vares

Jornal da Ciência - e-mail - 07/04/2003 www.jornaldaciencia.org.br

O artigo da Profa. Suely Druck presidente da Sociedade Brasileira de Matemática,

publicado na Folha de SP, no dia 25/03, e reproduzido pelo JC e-mail no dia 28/03, aponta para um dos tantos problemas da realidade do sistema educacional brasileiro. Os dados por ela mencionados comprovam que o sistema atual vai muito mal no que diz respeito ao ensino da matemática. As avaliações estão disponíveis e só não vê quem não quer. Os reflexos para o ensino de outras ciências são também percebidos pelos que trabalham com os alunos de segundo grau. Isso não é uma novidade, mas parece que estamos retrocedendo em certos aspectos, infelizmente.

Em resposta ao artigo da Profa. Druck, no JC e-mail do dia 02/04, o Prof. Andrzej Kulesza (professor do PPGE da UFPB) faz afirmações ofensivas à Sociedade Brasileira de Matemática, acusando-a de corporativismo. Gostaria eu de saber: onde está o corporativismo por ele citado? Seria quando aponta a Profa. Druck a necessidade que o professor tenha um “bom domínio do conteúdo a ser ensinado”? Concordamos todos que para ser um bom professor, em especial para crianças e adolescentes, não basta ter um bom conhecimento do assunto, mas certamente é ilusório, para não dizer enganoso, julgar que podemos ter cursos formando bons professores de matemática (ou de qualquer outra ciência) sem lhes propiciar um razoável controle sobre os conteúdos. Não há dúvida que cursos de formação de professores precisam dar importância a metodologias de ensino, e não há qualquer tentativa de menosprezá-las. Por outro lado tentar usá-las como forma de compensar falhas no conteúdo básico só pode resultar em um quadro com resultados análogos aos que temos visto nas avaliações dos estudantes.

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Infelizmente não se trata de uma conclusão subjetiva de um grupo de matemáticos corporativos, como pensa o Prof. Kulesza. Trata-se de uma realidade evidenciada pelas avaliações feitas tanto a nível nacional quanto internacional. Precisamos, isso sim, de uma maior participação da comunidade científica na tarefa de formação e reciclagem de professores. Há necessidade de se unir esforços para reverter um quadro bastante desfavorável. Propomos que as Sociedades Científicas coloquem esse tema em suas agendas, que participem com sugestões e alternativas. Trata-se de problema que envolve tanto a comunidade educativa quanto todos os que trabalham com ciência básica, em qualquer estágio. Maria Eulália Vares. Matemática. Pesquisadora do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Secretária Regional SBPC/RJ ___________________________________________________________________________

Sobre o Ensino de Matemática

Michel Spira

Jornal da Ciência - e-mail - 11/04/2003 www.jornaldaciencia.org.br

“O professor bem preparado é capaz de acomodar de maneira flexível e estimulante as manifestações dos alunos, fazendo com que eles se sintam respeitados em sua inteligência e curiosidade”.

“Depois de trabalhar tantos anos em Ensino de Matemática, dedicando-me aos cursos de licenciatura, bacharelado e pós-graduação, bem como à capacitação de professores dos ensinos fundamental e médio, causou-me desalentadora surpresa a mensagem do prof. Wojciech Andrzej Kulesza, do PPGE da UFPB, sobre o artigo da profa Druck Druck, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática.

A mensagem do professor Kulesza distorce intencionalmente as posições expressas no artigo da professora Druck, empregando um tom pejorativo e pouco apropriado para um foro de discussão de idéias.

Usando a técnica de “como parece pensar a autora”, ele pressupõe idéias e opiniões não expressas explícita ou implicitamente e constrói sua “argumentação” em torno dessas pressuposições.

Uma simples leitura do artigo original revela que em nenhum momento é negada a importância do estudo de métodos pedagógicos na formação do professor de Matemática.

Seria insanidade argüir o contrário; a responsabilidade daqueles que lidam com crianças e jovens extrapola em muito o domínio do conteúdo, e sua formação não pode prescindir de um forte referencial pedagógico, metodológico e sociológico.

O que o artigo expõe, com base em testes reconhecidos pela comunidade acadêmica e em entrevistas com professores de escolas públicas e particulares, são as conseqüências do pouco domínio do conteúdo e do mau uso de técnicas pedagógicas na prática do professor e, mais amplamente, no quadro da Matemática nacional.

É um fato gravíssimo, não uma elucubração teórica, que “No Provão, a média em matemática tem sido a mais baixa entre todas as áreas. O último Saeb (Sistema Nacional de Avaliacão da Educacão Básica) mostra que apenas 6% dos alunos têm o nível desejado em matemática. E a comparação internacional é alarmante. No Pisa (Program for International Student Assessment) de 2001, ficamos em último lugar”.

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O prof. Kulesza não dedica uma linha sequer de sua resposta a este e outros fatos mencionados no artigo, fugindo da discussão objetiva sobre os problemas do ensino da Matemática no Brasil e tornando assim impossível uma resposta direta à sua diatribe. De qualquer modo, é bastante interessante extrair o conteúdo de sua mensagem, o que faço abaixo.

O prof. Kulesza expressa sua posição de maneira cristalina; ele diz que é “tão antiga quanto arcaica” a posição de que “o conhecimento do conteúdo é um pré-requisito na formação do professor”.

Continua dizendo que “Não é verdade que seja ‘necessário encarar primordialmente as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática’ para enfrentar o problema da alfabetização matemática”.

Mais tarde, parece arrepender-se parcialmente e concede que “No máximo (grifo meu) essa deficiência deveria ser colocada ao lado das metodológicas, para nos restringirmos ao currículo explícito dos cursos de formação”.

Ele evita cuidadosamente apresentar justificativas para suas afirmações, com a exceção de uma vaga menção à História da Ciência. Acaba aqui o conteúdo de sua mensagem.

Causa espanto, tristeza e indignação ver um pesquisador IIB do CNPq, da área de Educação, emitir opiniões deste tipo, que podem ser traduzidas em português claro como “para ensinar não é necessário saber o que se vai ensinar”.

Seria interessante saber se ele prega, por exemplo, que para ser um professor de língua portuguesa não é necessário um bom conhecimento de literatura e gramática.

Apenas o domínio do conteúdo, por melhor que seja, não garante a boa prática do ensino. No entanto, o mau domínio do que se vai ensinar impede, necessariamente, que se seja um (bom) professor, na correta acepção do termo.

A insegurança com relação ao conteúdo prejudica o professor em todas as suas manifestações, tornando-o incapaz de abordar e explicar um mesmo assunto sob diferentes pontos de vista, de explicitar as conexões entre diferentes assuntos, de transmitir os métodos de pensamento próprios de sua disciplina (em Matemática, os mecanismos de intuição, analogia, indução e o método lógico-dedutivo, entre outros), de motivar os alunos com situações e exemplos além daqueles do livro-texto, de encaminhar discussões que se originem do interesse dos alunos e de criticar os textos adotados, criando seu próprio material didático quando necessário.

O professor inseguro é refratário a perguntas e abordagens alternativas, desestimulando assim os alunos a manifestarem sua curiosidade natural, a exercerem seu direito de questionamento e a apresentarem sua própria visão sobre o material que lhes é lecionado.

No caso particular da Matemática, dada a especificidade da disciplina e de seus métodos de pensamento, o tristemente freqüente resultado é a criação de um aluno desinteressado, quando não abertamente hostil, propenso a tratar a Matemática como um corpo de conhecimento estático, desmotivado e de conotações autoritárias.

Por outro lado, o domínio do conteúdo cria no professor a disponibilidade para a discussão e troca de idéias, prática esta oposta ao ensino dogmático e autoritário motivado pela insegurança.

Em outras palavras, o professor bem preparado é capaz de acomodar de maneira flexível e estimulante as manifestações dos alunos, fazendo com que eles se sintam respeitados em sua inteligência e curiosidade.

Particularizando outra vez para a Matemática, as conseqüências imediatas para os alunos são, além da melhoria da aprendizagem, o gosto pelo raciocínio lógico-dedutivo e o desenvolvimento de uma postura crítica, atributos essenciais em todas as áreas acadêmicas e no exercício da cidadania.

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Destaco agora o último parágrafo da resposta do prof. Kulesza: “Será que os matemáticos nunca aceitarão que, pelo menos, há saberes concomitantes

à matemática na formação do professor? Lamentavelmente, a Sociedade Brasileira de Matemática, através do artigo da sua presidente, aliena-se da sociedade brasileira não-matemática na questão educacional, num corporativismo próprio da época dos mosteiros”.

Nota-se aqui a tentativa explícita de contrapor a comunidade matemática e a Sociedade Brasileira de Matemática ao restante da comunidade acadêmica, denunciando assim a verdadeira intenção do autor, que é estritamente política e ideológica, e não dirigida à discussão dos problemas apontados.

Este tipo de comportamento é um dos responsáveis pelo lamentável estado do ensino de Matemática no Brasil.

A Sociedade Brasileira de Matemática, nas palavras de sua presidente e dentro de sua competência, reconhece a séria situação do ensino de Matemática no Brasil e identifica uma importante componente deste problema.

O momento é de contribuições que visem a união de forças e a discussão equilibrada sobre as ações necessárias para reverter o grave momento que atravessamos. Infelizmente, este não é o caso da manifestação do professor Kulesza.

Michel Spira é professor do Depto. de Matemática da UFMG. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”. ___________________________________________________________________________

Polêmica: Os problemas da educação matemática

Romulo Lins

Folha de São Paulo - 29/04/2003 www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/arquivo-2003.shtml

No último Sinapse, foi publicado o artigo “O drama do ensino da matemática”, de

Suely Druck. Neste artigo, contesto a posição defendida por Druck. Dizer, como Druck o fez, que “nos últimos 30 anos, implementou-se no Brasil uma

política de supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação de professores” é um erro sério e que só pode ter origem no desconhecimento de certos fatos importantes.

Primeiro, o modelo de licenciatura que adotamos hoje, o 3+1 (três anos de cursos de conteúdo matemático contra um ano de cursos de conteúdo pedagógico), é praticamente o mesmo que tínhamos na década de 60, e não é nada sensato dizer que esse modelo favoreça alguma “supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento do conteúdo matemático na formação de professores”.

Segundo, o que aconteceu nos últimos 30 anos não foi um modismo didaticista ou pedagogista, e sim uma profunda mudança no entendimento que se tem dos processos do pensamento humano, incluindo-se aí o desenvolvimento intelectual e os processos de aprendizagem. Foi a partir disso que se deu um gradual desgaste do modelo “conteúdo matemático bem sabido mais boa didática”. Mas esse processo não aconteceu “em detrimento do conteúdo matemático”, e sim na direção de uma reconceitualização das práticas de sala de aula e, consequentemente, da formação de professores e professoras.

Na esteira dessa reconceitualização, surgiu o campo de estudo a que chamamos educação matemática, ou seja, educação por meio da matemática, e não apenas educação para a matemática.

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No 3+1, os três anos de conteúdo matemático foram e são quase sempre apresentados isolados das outras partes da formação, com base justamente no pressuposto equivocado de que “o conhecimento do conteúdo a ser ensinado precede qualquer discussão a respeito da metodologia de ensino”, pressuposto defendido por Druck. Hoje, sabe-se que é precisamente nessa separação entre matemática e pedagogia que está a raiz de muitas das dificuldades de professores e professoras.

Druck diz, em seu artigo, que “abordar a questão do ensino da matemática somente do ponto de vista pedagógico é um erro grave”. Mas quem é que defende isso? Eu não conheço ninguém que o faça. O que eu conheço, sim, são pessoas que afirmam que a questão do ensino da matemática pode ser abordada apenas do ponto vista da matemática. A impressão que o artigo de Druck deixa, com as pequenas concessões à “pedagogia” soterradas por um feroz - e mal informado - ataque a uma suposta ditadura dos métodos pedagógicos, me faz pensar se ela mesma, afinal de contas, não acha isso.

O desafio para a comunidade da educação matemática é o de oferecer uma formação integrada e de acordo com as necessidades reais desses profissionais. E há, no Brasil e no exterior, uma grande comunidade trabalhando para criar licenciaturas a partir da idéia de integração: nas disciplinas “matemáticas”, está presente a formação “pedagógica” e, nas disciplinas “pedagógicas”, está presente a formação “matemática”. É assim que acontece na escola - matemática e pedagogia não estão nunca separadas -, e é por isso que é assim que a formação de professores e professoras deve se dar; “pedagógico”, aqui, deve ser entendido como bem mais do que “formas de transmitir bem o conteúdo”, diferentemente do que parece sugerir o artigo de Druck no uso do termo.

Nosso próprio trabalho de pesquisa na Unesp-Rio Claro se dirige, desde 1999, a responder esse desafio. Outro exemplo é o de um workshop realizado nos Estados Unidos, cujo relatório foi publicado em 2001 com o título “Conhecendo e Aprendendo Matemática para Ensinar”. Há muitos outros exemplos.

O que se precisa enfrentar, primordialmente, não são “as deficiências de conteúdo dos que lecionam matemática”, como escreveu Druck, e sim o fato de que nosso sistema educacional está aprisionado em um limbo cercado, de um lado, por uma demanda social pela formação de uma sociedade de cidadãos críticos e, de outro, por um sistema escolar que, de alto a baixo, parece se pautar por uma idéia de excelência que não se dirige ao conjunto da população e que se sente realizada apenas na “participação nas olimpíadas” e “no início do mestrado em matemática de jovens entre 15 e 17 anos”. Os filhos das elites não sofrem de analfabetismo numérico. Seria apenas coincidência que são 6% os alunos com “nível desejado” no Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Brasileiro), enquanto 10% dos brasileiros e brasileiras controlam 90% das riquezas?

Em vez de nos perguntarmos o que de matemática o professor precisa saber, devemos nos perguntar, antes, a matemática de quem o professor precisa saber. Esse deve ser o ponto de partida na discussão sobre as deficiências de conteúdo de professores e professoras, e essa questão só pode ser tratada adequadamente de uma perspectiva mais ampla que a da “matemática mais uma boa didática”.

O verdadeiro drama da educação de professores e professoras de matemática começa na manutenção da mentalidade do 3+1 e da formação desarticulada que ele oferece, e vejo no artigo de Druck uma clara defesa desse modelo. Onde ela vê uma supervalorização de métodos pedagógicos, outros vêem uma supervalorização do conteúdo matemático. Eu não vejo nem uma coisa nem outra: vejo professores e professoras sem condições de trabalho adequadas e isolados, sem apoio efetivo para que possam continuar seu desenvolvimento profissional de forma contínua e em resposta a suas próprias perguntas.

Penso que são esses os dois verdadeiros problemas que devemos resolver.

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Romulo Lins é professor do Departamento de Matemática e do programa de pós-graduação em educação matemática da Unesp-Rio Claro. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Educação Matemática entre 1995 e 1998. E-mail: [email protected] ___________________________________________________________________________

Não Existe Nada Tão Ruim Que Não Possa Ser Piorado

Enzo Vito De Santis

30/05/2003 www.sbm.org.br

Como profissional de exatas que sou, nunca acreditei que o ensino de matemática

pudesse ser pior que o da época em que fui vítima das apáticas e sonolentas aulas de alguns professores que ditavam fórmulas para achar raízes de uma equação e de outros que vociferavam regras para derivar uma função.

Venho acompanhando através da educação de meus próprios filhos, de alunos que me procuraram para aulas de reforço e também da mídia, a piora constante no ensino dessa disciplina. Qual não é a minha surpresa quando leio no caderno Sinapse do jornal Folha de São Paulo em 25/02/2003 cuja capa é “A matemática que conta” a triste confirmação do que já havia percebido.

Por isso, sinto-me na obrigação de manifestar meu apoio à Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) que através do artigo “O drama do ensino da matemática” também publicado no jornal Folha de São Paulo no Sinapse de 25/03/2003 e escrito por sua presidente, Suely Druck, expressa integralmente a dura realidade do drama não só do ensino da matemática, mas também de alunos cujo potencial está sendo enterrado sob a lápide da hipocrisia de alguns professores e do desânimo que se instala nas salas de aula. A presidente da SBM enfatiza em seu artigo a danosa proliferação das licenciaturas, de um grande contingente de docentes mal formados ou desmotivados e, sobretudo, enfatiza a importância do conhecimento do conteúdo.

Percebo que o ensino desta disciplina gera repulsa em nossos alunos. Através de um verdadeiro regime pedagocrata, insistimos em dizer: “se tá multiplicando passa dividindo” como mandam as temíveis e terríveis regras da “matemágica”.Chegamos a imbecilizar nossas crianças colocando personagens de histórias em quadrinhos montados em foguetinhos de papel para simbolizar que “se tá multiplicando passa dividindo”. Ora, tal ferramenta até pode ser útil para memorização e descontração mas não representa a realidade da operação.

Naturalmente que as técnicas pedagógicas são fundamentais porém, não podemos relevar a segundo plano o conteúdo e muito menos esquecermo-nos de que o desenvolvimento dessa matéria deve ser baseado na necessidade do homem e não em regras “matemágicas”. Precisamos evitar a formação de estudantes autômatos, cujo adestramento matemático fará apenas com que sejam aprovados na avaliação final sem nem saberem como o fizeram.

Certamente, meu caminho teria sido muito menos penoso e minha satisfação pessoal teria acontecido antes, não fosse a qualidade de ensino que obtive que, aliada aos problemas sociais, políticos e econômicos, acaba gerando verdadeira cegueira e faz com que a comunidade educacional e o governo tornem-se irresponsáveis na formação cultural de nossos filhos.

Minhas dificuldades aumentaram ao ingressar no curso de engenharia quando então fui obrigado a lidar com a matemática de maneira diferenciada e, salvo alguns expoentes de didática e conhecimento do assunto que lecionavam, as aulas também foram apáticas. Felizmente, isso não me desmotivou e, muitas vezes, penso que deveria ser indenizado pelo

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castramento do direito de aprender matemática dignamente. Minha frustração é imensa. É como um amor não correspondido. Gostar de uma ciência e ter sido tratado com indiferença. No entanto, os citados expoentes fizeram com que eu procura-se a verdade da ciência e iniciei então minha cavalgada rumo ao entendimento do mundo matemático. Infelizmente, isso não é o que acontece com a maioria dos estudantes. Disciplinas como Cálculo Diferencial e Integral e Física I são certamente as principais razões da evasão de alunos de primeiro ano dos cursos de exatas e também as matérias que mais reprovam.

Alunos desmotivados e despreparados ou método inadequado? Não podemos permitir que o comodismo e a hipocrisia destruam o cérebro de nossos

estudantes. Por sorte, muitos educadores já concordam que vivemos um ciclo vicioso onde a má formação gera um mau ensino e vice-versa. Já se acredita que não é só o aluno que não quer aprender ou não gosta da matéria mas também que a escola não ensina adequadamente e não gera motivação no estudante. Finalmente a luz! Afinal, a dificuldade do ensino da matemática é conhecida desde a escola Euclidiana.

Que me desculpe o ilustre professor da UFPB que criticou o artigo da presidente da SBM mas, a minha experiência de vítima e a de quem tenta vitimar menos, concorda que a realidade foi escancarada nos dizeres da presidente. Concluo dizendo que nosso sistema educacional é falido e os burocratas do ensino continuam a nos tapear e a tapear aos nossos filhos. Meu único ponto de discórdia no artigo de Suely Druck é quando ela diz que “se medidas urgentes não forem tomadas, a situação tenderá a se agravar”. Isso, na verdade, é uma forma polida de se dizer a conhecida frase “não existe nada tão ruim que não possa ser piorado”. Enzo Vito De Santis - Test Engineering. Sanmina-SCI Brazil. e-mail: [email protected] ___________________________________________________________________________

A Crise no Ensino de Matemática no Brasil

Suely Druck

Jornal da Ciência - 11/07/2003 www.jornaldaciencia.org.br

Revista do Professor de Matemática no 53, 1o Quadrimestre de 2004

A preocupação com a crise pela qual passa o ensino da Matemática nas escolas levou a SBM a fazer uma análise minuciosa da situação visando elaborar um diagnóstico e propor soluções. Para esse trabalho, além de discussões no seio da comunidade matemática, a SBM estabeleceu contato direto com grupos de professores do ensino básico de várias regiões do país para conhecer de perto os problemas a serem enfrentados. Em paralelo, a SBM promoveu no Rio de Janeiro, com apoio da FAPERJ, um curso de capacitação para professores dos níveis médio e fundamental. Desse curso brotaram depoimentos e experiências que enriqueceram a nossa visão da crise que aflige o ensino da Matemática no país.

Outra fonte de informações importantes sobre a questão é o projeto Numeratizar, recém iniciado no Ceará com o apoio do MEC, da UFC, das Secretarias estaduais de Educação e Ciência & Tecnologia, da FACEP e da SBM. A análise foi completada com o mapeamento de diversas iniciativas nacionais para a melhoria do ensino obtidas através da 1a Bienal da SBM, evento dedicado ao ensino da Matemática realizado no ano passado, na UFMG.

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A questão principal a ser enfrentada é a baixíssima qualidade do ensino básico, principalmente nas escolas públicas, onde estuda a maioria dos brasileiros. Claro está que uma situação desse porte não nasce de repente; é construída ao longo de décadas de ensino deficiente, quadro que tristemente se agrava a cada geração. A progressiva decadência da qualidade do ensino da Matemática atinge hoje a própria Licenciatura em Matemática, completando assim um círculo vicioso. Dados objetivos evidenciam o problema: no Provão, a Matemática tem sido a última colocada em todos os anos entre as áreas avaliadas. As médias (sobre DEZ) dos licenciandos na parte discursiva do Provão foram: 0,43 (1998), 0,94 (1999), 0,65 (2000) e 1,12 (2001). Como a maior parte dessa prova consta de tópicos do ensino médio, conclui-se que a maioria dos professores de Matemática vem sendo formada sem conhecer o conteúdo do que deve lecionar. O SAEB/2001 - Matemática revela que apenas 5,99% dos alunos do ensino médio alcançaram o nível desejado e, na 4a série do ensino fundamental, apenas 6,78%. Indica ainda uma piora (em relação ao SAEB/1999) do nível matemático de nossas crianças em 11 Estados, enquanto nos demais Estados parece não revelar alteração. Completa esse quadro o baixíssimo nível de cultura matemática cotidiana do brasileiro, que na sua maioria desconhece as quatro operações e unidades de medida. Um parecer do Instituto Paulo Montenegro (IBOPE) de 17-12-2002 sobre o índice de conhecimento matemático da população no país, entre 15 e 64 anos, mostra a que ponto chegou a calamidade nacional na questão do ensino da Matemática: “A indicação de que apenas 21% da população consegue compreender informações a partir de gráficos e tabelas, freqüentemente estampadas nos veículos de comunicação, sugere que boa parte dos brasileiros encontra-se privada de uma participação efetiva na vida social, por não acessar dados e relações que podem ser importantes para auxiliá-la na avaliação de situações e na tomada de decisões”.

De outro lado, há que se constatar que a já conhecida falta de professores de Matemática nas escolas indica que o problema quantitativo não é menos sério que o qualitativo.

A questão salarial e a desvalorização da profissão do professor de ensino básico são uma das causas mais importantes desse quadro, o que faz com que a Matemática não consiga atrair um contingente importante de bons alunos interessados em Matemática. Essa questão, embora comum a todas as áreas científicas, atinge mais duramente a Matemática, uma vez que ela é a única ciência estudada desde os 6 anos.

Quando o estudante ingressa na Universidade, estamos pressupondo 11 anos de pré-requisitos matemáticos, que a grande maioria não possui. Essa é a causa das enormes taxas de reprovação nas disciplinas de cálculo, que tanto prejuízo traz às áreas tecnológicas.

Atualmente, grande parte dos professores é oriunda de cursos noturnos de licenciatura de baixa qualidade acadêmica onde predominam a pobreza de informação teórica, precariedade no uso da informática e distanciamento do ambiente científico. Ora, a qualidade da formação dos professores do ensino básico depende fundamentalmente do trabalho dos professores que atuam nas licenciaturas. Grande parte desses professores tem uma formação deficiente (muitos possuem apenas uma licenciatura como única formação matemática) e não se tem conseguido formar um número suficiente de mestres para atuar nesses cursos.

Além da pobreza de informação matemática, detecta-se na formação dos professores uma supervalorização de métodos pedagógicos em detrimento de conteúdo matemático. Uma boa formação pedagógica é fundamental, mas toma-se de pouca valia quando desacompanhada de bom conhecimento do conteúdo específico. Não basta, entretanto, melhorar o nível das licenciaturas: existe um enorme contingente de professores mal formados atuando no ensino básico. Assim, uma ação direta sobre esses professores e seus alunos é imperiosa sob pena de condenarmos mais uma geração à ignorância matemática.

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As conseqüências da má formação de nossos professores se fazem sentir no dia-a-dia do ensino da Matemática no país. Em primeiro lugar, o desconhecimento de certos tópicos tem levado professores a não ensiná-los; identificamos casos em que temas como Trigonometria ou mesmo Geometria são solenemente ignorados por essa razão. A falta de visão sólida da Matemática e de suas aplicações conduz a estranhas tentativas de contextualização de situações que a tanto não se prestam. Por outro lado, tópicos que não admitem contextualização como alguns algebrismos, fundamentais na resolução de problemas, por exemplo, fatoração de polinômios - estão sendo omitidos do ensino. O desconhecimento tem resultados ainda mais desastrosos: em nome da modernização do ensino da Matemática, em diversas escolas o Teorema de Pitágoras foi banido “por ser muito antigo”.

Há que se observar que inúmeros professores relataram que as omissões acima comentadas, entre outras, ocorrem por exigência das autoridades responsáveis pela definição de conteúdos. Neste caso, acreditamos estar diante da carência de subsídios teóricos adequados. É preciso entender que, assim como é necessário saber conjugar verbos e construir frases para se comunicar, também é imperioso dominar as estruturas próprias da Matemática para usá-las de forma útil e nas situações pertinentes. Cálculos diversos, teoremas básicos, axiomas, fazem parte dessas estruturas e precisam ser muito bem conhecidos por quem se propõe a utilizar a Matemática corretamente.

As condições de trabalho dos professores, principalmente na rede pública, são extremamente perversas e desmotivantes; a competência raramente é reconhecida ou mesmo incentivada. Via de regra, as únicas opções de melhoria salarial são o tempo de serviço ou a troca de sala de aula por funções administrativas.

Além disso, falta todo tipo de apoio para o bom ensino de Matemática, principalmente o acadêmico.

Com uma sinceridade corajosa, diversos professores confessaram que não sabem resolver problemas, não tendo a quem recorrer. Dispõem de pouco tempo para dedicar-se aos seus alunos e cursos de aprimoramento, uma vez que a carga horária em sala de aula costuma variar de 8 a 10 horas por dia. Justificam unanimemente o despreparo matemático dos alunos que chegam à Universidade após 11 anos de estudos de Matemática: a situação seria gerada pela aprovação indiscriminada de estudantes, perpetrada mediante pressão das escolas. Estas, por sua vez, estariam tentando obter boa avaliação satisfazendo aquele que, segundo esses docentes, seria o único parâmetro utilizado pelas autoridades locais para mensurar seu desempenho: o número de alunos aprovados. Ademais, as instalações físicas são muito precárias e falta quase tudo: biblioteca, laboratórios de ensino, laboratórios de informática, etc.

O cerne do problema do ensino da Matemática se prende à formação e às condições de trabalho dos professores. No entanto, não foram eles que optaram por ter uma formação ruim, trabalhar em condições precárias e receber um salário indigno. Essa é a opção que nosso país está lhes oferecendo.

Contrastando com a situação dos ensinos básico e de graduação, a pesquisa e a pós-graduação em Matemática no país apresentam excelente desenvolvimento, desfrutando boa reputação internacional, com grupos consolidados, bons programas de pós-graduação e grupos emergentes com ótimas perspectivas. No entanto, o seu crescimento quantitativo está muito aquém da necessidade do país no que diz respeito à universalização do conhecimento matemático, formação de recursos humanos e diversificação de linhas de pesquisa. As causas dessa situação são basicamente a escassez de bons alunos, como conseqüência da mesma situação na graduação e, principalmente, o não-atendimento da demanda qualificada de bolsas de mestrado e doutorado da área, que vem impedindo o crescimento dos programas de pós-graduação. A falta de recursos humanos pós-graduados em Matemática já se faz sentir na

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dificuldade em preencher vagas para doutores nos concursos públicos e na impossibilidade de suprir com mestres os cursos de licenciatura (aproximadamente 400), o que vem agravando a crise no ensino básico. Por isso qualquer solução para o ensino da Matemática nas escolas deverá passar por uma ação em toda a cadeia de formação: do ensino básico até a pós-graduação.

A dramática situação em que se encontra o ensino básico da Matemática no país não admite paliativos. Não há dúvida de que qualquer tentativa de solução desse quadro só será possível através de um projeto nacional para a Matemática, como já ocorreu no Brasil no caso da Química. Evidentemente, o ponto de partida será a decisão política e a conseqüente alocação de recursos para esse fim por parte do governo. De sua parte, a Sociedade Brasileira de Matemática está pronta para assumir, junto com o governo, a resolução desses problemas.

Convém, finalmente, comentar o argumento, tão comum quanto falacioso, de que a escola pública de antes (considerada mais eficiente) servia fundamentalmente à parte inexpressiva da população (mais abastada) e que a ampliação do ensino às camadas de mais baixa renda representaria melhora significativa. Nossa posição é clara: o mero aumento do número de estudantes matriculados nas escolas, sem garantia de qualidade, tem pouco significado. A escola necessária ao país é aquela que vai garantir a cada cidadão a capacidade de avaliar quanto paga de juros ou imposto, quanto recebe, o que significam os gráficos de distribuição de renda, etc. É no sentido de resgatar a reflexão crítica como prática social que defendemos intransigentemente a boa qualidade da escola. Suely Druck. Presidenta da Sociedade Brasileira de Matemática. [email protected] ___________________________________________________________________________

Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) Levará ao MEC Proposta de Melhoria Nacional da Matemática

Flamínio Araripe

Jornal da Ciência - e-mail - 16/02/2004

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“Conjunto de nove projetos foi elaborado a partir de relatório feito durante dois anos em diversas cidades brasileiras, e aponta soluções para melhoria do ensino de matemática na escola pública nos diversos níveis”.

Um projeto nacional para tirar a matemática da situação em que se encontra - nos

últimos lugares do Provão, Inep, Saeb e Pisa - será levado ao ministro da Educação, Tarso Genro, nos próximos dias, pela presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, Suely Druck, da UFF.

Ela pretende agendar audiência para reapresentar um conjunto de nove projetos elaborados a partir de um relatório feito durante dois anos em diversas cidades brasileiras, que aponta soluções para melhoria do ensino de matemática na escola pública nos diversos níveis.

A íntegra das propostas (leia no site www.sbm.org.br/UnivEscola1.pdf) já foi apresentada ao ex-ministro, Cristovam Buarque.

“Vou insistir novamente”, disse Suely Druck. Segundo ela, o ex-ministro recebeu as propostas com grande entusiasmo. “Mas apenas pequenas coisas foram aproveitadas pelas secretarias do MEC”, informou.

Suely Druck esteve em Fortaleza na última sexta-feira para a festa de premiação da I Olimpíada das Escolas Públicas do Ceará. “Um amplo programa de apoio ao ensino de

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matemática faz parte da política científica de todos os países desenvolvidos. Detectar talentos precocemente é da maior importância para os países que queiram se desenvolver”, disse ela na solenidade.

Para os alunos que receberam medalhas e menção honrosa, ela disse que a matemática abrirá um novo mundo de formação para que possam ajudar o país no desenvolvimento da ciência e tecnologia.

Suely Druck parabenizou as duas secretarias do Ceará envolvidas com o projeto Linguagem das Letras e dos Números - Ciência e Tecnologia e Educação Básica -, o governador Lúcio Alcântara, e fez uma homenagem à contribuição para a matemática do Brasil dada pelo departamento de Matemática da UFC.

E lembrou que, nas Olimpíadas de Matemática, o Ceará “é campeoníssimo” com a participação das escolas privadas.

Suely Druck destacou a iniciativa de treinamento de professores da rede pública em matemática, coordenada pela SBM com apoio da Faperj, e observou que não conhece nada de grande alcance sendo feito no País, “só a experiência do Ceará”.

As outras experiências, segundo ela, envolvem as áreas da física, química e biologia, “mas nenhuma com destaque à matemática como ela está necessitando”, enfatizou.

“Basicamente, o desenvolvimento tecnológico que a Índia está conseguindo é baseado numa estratégia forte do ensino de matemática para as crianças”, afirmou. Como exemplo, citou que a Índia está num progresso muito visível na área de tecnologia na exportação de software e já está na frente do Brasil na indústria aeroespacial.

O Programa Nacional de Olimpíadas, já com 23 anos, de acordo com Suely Druck, mostra uma experiência pequena, mas muito rica, de que a matemática atinge qualquer setor da sociedade. A mais recente, em 2003, contou com a participação de 150 mil alunos.

Segundo ela, o Ceará tem uma infra-estrutura de olimpíada de matemática ligada à SBM, que agora dá a chancela à experiência encetada no âmbito das escolas públicas, e junto ao MEC e MCT.

“Cabe ao MEC estancar a formação de professores mal formados. Esta ação é da alçada só do MEC”, disse Suely Druck. “O nível da formação dos professores apontado no Provão - enquanto teve Provão - é desastroso, o pior possível. Uma das nove propostas a serem levadas ao ministro da Educação é estender o programa de olimpíadas às escolas públicas - o que o Ceará já está fazendo”, afirma.

Suely Druck conta que a China tem feito um investimento muito forte no ensino de matemática entre crianças, e que o Peru, país muito mais pobre que o Brasil, tem um projeto emergencial, há um ano, que já começa a apresentar resultados.

O projeto central para desenvolvimento da matemática investe na melhoria dos professores peruanos com treinamento de imersão por cinco meses nas áreas básicas como trigonometria, álgebra, geometria e aritmética.

A Olimpíada, para ela, é uma forma de oferecer matemática esperta, instigante com muito mais qualidade. “A matemática que se está aprendendo hoje em dia é muito pobre e desinteressante”, compara.

Esta iniciativa envolve alunos com a descoberta precoce de talentos que em geral se encaminham para a área científica, e professores, que aprendem no treinamento dos alunos, correção de provas e preparação dos alunos para as olimpíadas, informa.

Flamínio Araripe escreve para o “JC e-mail”.

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