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Súmula 529-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 529-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO CIVIL / PROCESSUAL CIVIL CONTRATO DE SEGURO Terceiro prejudicado não pode ajuizar a ação de indenização apenas contra a seguradora do causador do dano Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 13/05/2015, DJe 18/05/2015. Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro estava dirigindo seu veículo, quando foi abalroado por trás pelo carro de José. Aparentemente, a culpa pelo acidente foi de José (ele foi o causador do dano). Felizmente, José possui contrato de seguro de veículos com a “Seguradora X”. 1º PONTO IMPORTANTE: Pedro (terceiro prejudicado), sabendo que José tem contrato de seguro, pode deixar de lado o causador do dano e ajuizar ação de indenização apenas contra a “Seguradora X” cobrando seu prejuízo? NÃO. Segundo entendimento pacífico do STJ, o terceiro prejudicado não pode ajuizar, direta e exclusivamente, ação judicial em face da seguradora do causador do dano. STJ. 2ª Seção. REsp 962.230-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/2/2012 (recurso repetitivo) (Info 490). Esse entendimento já era pacífico no STJ há alguns anos e agora foi materializado em uma súmula: Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano. Obs: a súmula fala em “seguro de responsabilidade civil facultativo” para deixar claro que está tratando daquele seguro que os proprietários de carro fazem espontaneamente com a seguradora. O objetivo foi deixar claro que a súmula não está tratando sobre o seguro DPVAT, que é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre. Quais os principais argumentos utilizados pelo STJ para chegar à conclusão exposta na súmula: A obrigação da seguradora de ressarcir os danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado. Em outras palavras, a seguradora só paga o terceiro prejudicado se o segurado teve “culpa” pelo acidente. Como regra, não se pode reconhecer a responsabilidade civil do segurado em um processo judicial sem que ele tenha participado, sob pena de ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa. A obrigação da seguradora está sujeita a condição suspensiva, que não se implementa pelo simples fato de ter ocorrido o sinistro, mas somente pela verificação da eventual obrigação civil do segurado.

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Súmula 529-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 529-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO CIVIL / PROCESSUAL CIVIL

CONTRATO DE SEGURO

Terceiro prejudicado não pode ajuizar a ação de indenização apenas contra a seguradora do causador do dano

Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano.

STJ. 2ª Seção. Aprovada em 13/05/2015, DJe 18/05/2015.

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro estava dirigindo seu veículo, quando foi abalroado por trás pelo carro de José. Aparentemente, a culpa pelo acidente foi de José (ele foi o causador do dano). Felizmente, José possui contrato de seguro de veículos com a “Seguradora X”. 1º PONTO IMPORTANTE:

Pedro (terceiro prejudicado), sabendo que José tem contrato de seguro, pode deixar de lado o causador do dano e ajuizar ação de indenização apenas contra a “Seguradora X” cobrando seu prejuízo? NÃO. Segundo entendimento pacífico do STJ, o terceiro prejudicado não pode ajuizar, direta e exclusivamente, ação judicial em face da seguradora do causador do dano. STJ. 2ª Seção. REsp 962.230-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/2/2012 (recurso repetitivo) (Info 490). Esse entendimento já era pacífico no STJ há alguns anos e agora foi materializado em uma súmula:

Súmula 529-STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano.

Obs: a súmula fala em “seguro de responsabilidade civil facultativo” para deixar claro que está tratando daquele seguro que os proprietários de carro fazem espontaneamente com a seguradora. O objetivo foi deixar claro que a súmula não está tratando sobre o seguro DPVAT, que é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre. Quais os principais argumentos utilizados pelo STJ para chegar à conclusão exposta na súmula:

A obrigação da seguradora de ressarcir os danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado. Em outras palavras, a seguradora só paga o terceiro prejudicado se o segurado teve “culpa” pelo acidente. Como regra, não se pode reconhecer a responsabilidade civil do segurado em um processo judicial sem que ele tenha participado, sob pena de ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa.

A obrigação da seguradora está sujeita a condição suspensiva, que não se implementa pelo simples fato de ter ocorrido o sinistro, mas somente pela verificação da eventual obrigação civil do segurado.

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O seguro de responsabilidade civil facultativo não é espécie de estipulação a favor de terceiro alheio ao negócio. O indivíduo que faz o seguro de veículos não contrata a seguradora para pagar uma indenização em favor de terceiros. O segurado contrata a seguradora para que esta cubra os prejuízos que ele, segurado, for obrigado a pagar. Assim, diz-se que quem sofre o prejuízo é o causador do dano e este prejuízo é “garantido” (pago) pela seguradora.

O ajuizamento direto e exclusivamente contra a seguradora ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a ré (seguradora) não teria como defender-se dos fatos expostos na inicial, especialmente no que tange à descrição e aos detalhes do sinistro (acidente).

O ajuizamento direto e exclusivamente contra a seguradora inviabiliza, também, que a seguradora possa discutir no processo eventuais fatos extintivos da cobertura securitária, pois, a depender das circunstâncias em que o segurado se envolveu no sinistro, poderia a seguradora eximir-se da obrigação contratualmente assumida. É o caso, por exemplo, do contrato de seguro que diz que se o segurado estava embriagado a seguradora se isenta da obrigação contratual. Se o segurado não está na lide, tais discussões não poderão ser suscitadas pela seguradora.

Essa é a explicação da súmula. Se você queria entendê-la, até aqui está bom. No entanto, abaixo vou aprofundar um pouco mais o tema com dois tópicos importantes. 2º PONTO IMPORTANTE:

Vamos supor outra hipótese. Pedro ajuizou a ação de indenização apenas contra José cobrando as despesas do conserto. José poderá fazer a denunciação da lide à seguradora? SIM, nos termos do art. 70, III do CPC 1973 (art. 125, II, do CPC 2015):

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: (...) III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: (...) II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

Desse modo, a “Seguradora X” comparece em juízo aceitando a denunciação da lide feita pelo réu, contestando o mérito do pedido do autor e assumindo, assim, a condição de litisconsorte passiva. É admitida a condenação direta da seguradora denunciada? Em outras palavras, a seguradora denunciada pode ser condenada a pagar diretamente a Pedro (autor da ação), isto é, sem que José pague antes e depois o seguro faça apenas o ressarcimento? SIM. O STJ entende que, em ação de indenização, se o réu (segurado) denunciar a lide à seguradora, esta poderá ser condenada, de forma direta e solidária, a indenizar o autor da ação. Há até um recurso repetitivo com esta conclusão:

(...) Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. (...) STJ. 2ª Seção. REsp 925.130/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/02/2012 (recurso repetitivo)

Nesta situação acima relatada, o juiz irá condenar José e a “Seguradora X”, de modo que Pedro poderá executar tanto o denunciante (José) como a denunciada (Seguradora).

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Isso é bom porque a vítima não será obrigada a perseguir seu direito somente contra o autor do dano (José), o qual poderia não ter condições de arcar com a condenação. Principais fundamentos do entendimento do STJ:

pacificação social;

efetividade da tutela judicial prestada;

garantia da duração razoável do processo;

indenizabilidade plena do dano sofrido.

Ressalte-se que a seguradora denunciada terá direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos disponíveis. 3º PONTO IMPORTANTE:

Vamos agora imaginar uma última hipótese. Pedro poderá ajuizar a ação de indenização contra José e a “Seguradora X”, em litisconsórcio passivo? SIM. É possível o ajuizamento de ação de indenização por acidente de trânsito contra o segurado apontado como causador do dano e contra a seguradora obrigada por contrato de seguro, desde que os réus não tragam aos autos fatos que demonstrem a inexistência ou invalidade do contrato de seguro (nem o causador do dano nem a seguradora negam a existência do seguro ou questionam as cláusulas do contrato). O STJ afirmou que esse ajuizamento contra ambos é possível porque não haverá nenhum prejuízo para a seguradora, considerando que ela certamente seria convocada pelo segurado para compor a lide, por meio de denunciação da lide. STJ. 4ª Turma. REsp 710.463-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 9/4/2013 (Info 518).